UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI JANETE CORDEIRO LORENZONI GÊNERO NO MUNDO DO TRABALHO: UMA APROXIMAÇÃO À REALIDADE DAS MULHERES USUÁRIAS DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMUNIDADE MÃE DE CRUZ ALTA. Ijui 2012 JANETE CORDEIRO LORENZONI GÊNERO NO MUNDO DO TRABALHO: UMA APROXIMAÇÃO À REALIDADE DAS MULHERES USUÁRIAS DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMUNIDADE MÃE DE CRUZ ALTA/RS. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientador: Dr. Walter Frantz Ijui 2012 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOREOESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ GÊNERO NO MUNDO DO TRABALHO: UMA APROXIMAÇÃO À REALIDADE DAS MULHERES USUÁRIAS DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMUNIDADE MÃE DE CRUZ ALTA/RS. Elaborado por: Janete Cordeiro Lorenzoni Como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social Comissão Examinadora: Professor Dr. Walter Frantz (Orientador) Professor Ms. José Wesley Ferreira (Parecerista) Ijui, 19 de dezembro de 2012. Ao Newton, companheiro e incentivador dos meus sonhos. Ao Antônio, meu filho querido. Agradecimentos Aos meus pais, por quem eu sou; Aos mestres, pela dedicação, transmissão e construção de conhecimentos; Ao professor Walter, por compartilhar sua sabedoria na orientação deste trabalho; À secretária do curso, Raquel, pela dedicação nas orientações e sugestões decisivas no decorrer do curso; Aos amigos do CRAS Comunidade Mãe, Carine, Andréa, Andressa e Gracimari, pela acolhida na instituição, compreensão e paciência enquanto acadêmica e valiosa contribuição em minha formação profissional; Aos colegas, sem exceção, pela parceria em toda a caminhada. RESUMO Este trabalho de conclusão do curso de Serviço Social faz uma aproximação à realidade de usuárias da Assistência Social em relação ao mundo do trabalho. Assim, apresenta-se a trajetória da organização da produção e do trabalho, bem como uma discussão acerca das questões de gênero no mundo do trabalho abordando a divisão sexual do trabalho, as novas conformações familiares, situação de pobreza, entre outros. Faz-se a identificação do grupo de mulheres que integram o objeto de estudo tentando uma maior aproximação da sua realidade considerando sua organização familiar, sua ocupação e relação com o mundo do trabalho. A pesquisa aponta para uma realidade de suas atividades desenvolvidas por meio do trabalho precarizado, desemprego e ainda a forte cultura das obrigações femininas em relação ao cuidado da casa e dos filhos. A tentativa é de análise e reflexão acerca desta realidade a fim de contribuir com as avaliações de trabalhos desenvolvidos e vislumbrar possibilidades para maior compreensão e enfrentamento da realidade da população que se encontra em situação semelhante. O resultado do trabalho indica que a situação de vulnerabilidade social é causada e caracteriza-se por várias categorias (alfabetização, conformação familiar, divisão sexual do trabalho e demandas sociais) que somadas umas às outras aumentam as dificuldades de transpor ou bloquear seu ciclo. Palavras-chave: mundo do trabalho – gênero – assistência social ABSTRACT This work of completing the course of Social Service is an approximation to the reality of users of Social Welfare for the world of work. Thus, we present the trajectory of the organization of production and work, as well as a discussion of gender issues in the workplace addressing the sexual division of labor, new conformations family, poverty, among others. It is the identification of the group of women who are part of the object of study trying to better approximate its reality considering your family organization, their occupation and relationship with the world of work. The research points to a reality of its activities through unstable jobs, and unemployment still strong culture of female obligations in relation to the care of home and children. The attempt is to analyze and reflect on this reality in order to contribute to the evaluation of work done and envision possibilities for greater understanding and coping with the reality of the population that is in a similar situation. The result of the study indicates that social vulnerability is caused and characterized by various categories (literacy, family structure, sexual division of labor and social demands) that added to each other increases the difficulties of transposing or lock your cycle. Keywords: world of work - gender - social assistance LISTA DE SIGLAS ABI – Associação Brasileira de Imprensa BNH – Banco Nacional de Habitação CCQs – Círculos de Controle de Qualidade CEPAL – Comunidade Econômica para a América Latina e Caribe CGT – Comando Geral dos Trabalhadores CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especial de Assistência Social FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural IAP – Instituto de Previdência Privada IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS – Instituto Nacional de Previdência Social OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas PAIF – Serviço de Proteção e Atenção Integral às Famílias PEA – População Economicamente Ativa PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego PENAD – Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PTB – Partido Trabalhista Brasileiro SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SUAS – Sistema Único de Assistência Social UNE – União Nacional dos Estudantes SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 TRABALHO E TECNOLOGIA ............................................................................... 14 HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO................................................................................ 14 TAYLORISMO, FORDISMO E TOYOTISMO ......................................................... 16 A QUESTÃO DO TRABALHO NO BRASIL ............................................................ 20 2 DIVISÃO SEXUAL NO TRABALHO, .................................................................... 31 O MERCADO DE TRABALHO CAPITALISTA ....................................................... 32 DESIGUALDADES NO MUNDO DO TRABALHO ................................................. 33 POLÍTICAS SOCIAIS ............................................................................................. 36 POBREZA X AUTONOMIA .................................................................................... 37 3 USUÁRIAS DO CRAS E O MUNDO DO TRABALHO .......................................... 40 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 51 10 INTRODUÇÃO Buscar uma aproximação sobre a realidade cotidiana de um grupo de pessoas e a sua relação com o mundo com trabalho, mais especificamente o seu acesso ou não, ao mercado de trabalho capitalista, é o exercício que se pretende apresentar neste trabalho. O grupo é formado por mulheres usuárias da Assistência Social que realizaram curso de corte e costura no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Comunidade Mãe de Cruz Alta/RS. Para compreender uma determinada realidade em sua totalidade, faz-se necessário uma visita histórica, em seu contexto social, político e econômico. Esta apropriação de informações foi delimitada a partir do período marcado pelo advento da Revolução Industrial e consequentemente pelo desenvolvimento inicial do sistema de produção capitalista. A relação de gênero e o mundo do trabalho na sociedade industrial são baseados na cultura e costumes da sociedade que historicamente determinam os papéis que cabem ao homem e à mulher. Desta divisão sexual, o mercado de trabalho capitalista se beneficiou ou ainda se beneficia? Sendo gênero feminino considerado responsável, “naturalmente”, pela reprodução, cuidados com a casa e a família, cabe ao gênero masculino cuidar da manutenção desta família. Este, por sua vez, é quem sai para o espaço do mercado, se prepara para o trabalho, trabalha e mantém a família. De modo resumido, foi essa uma compreensão histórica predominante, nos últimos séculos. No entanto, com a exploração capitalista sobre a força de trabalho, demonstrada principalmente pelos baixos salários pagos aos trabalhadores, entra no mercado de trabalho a mulher que é vista apenas como uma contribuinte do marido, já que este é o provedor do grupo familiar. Justificando-se assim o baixíssimo salário 11 pago à mulher, ainda mais baixo que o pago ao homem. Com as novas conformações familiares, cada vez mais, a mulher passa a ser provedora, quando de ajudante passa à figura principal, porém permanece a mesma concepção de diferença salarial. Percebe-se que em relação às dificuldades encontradas pelas usuárias do Cento de referência de Assistência Social – CRAS Comunidade Mãe para acessar o mercado de trabalho capitalista, ser uma causa importante à situação de vulnerabilidade social em que se encontram. Esta hipótese é baseada em observações sistemáticas realizadas durante o período dos estágios curriculares, iluminada por leituras teóricas realizadas que orientaram este estudo. Estudo que se julga relevante por buscar conhecer a realidade dos usuários do CRAS em relação ao mundo do trabalho, por buscar saber sobre o seu ingresso no mercado de trabalho ou não, dificuldades encontradas e as formas encontradas para a sua sobrevivência. A especificidade da pesquisa está no grupo de usuárias que inicialmente participou de curso profissionalizante, porém encontram limitações para acessar o mercado de trabalho e também não conseguem romper com esta barreira, não tem perspectiva de solução para a situação. Com as informações obtidas neste estudo, espera-se contribuir para uma reflexão acerca do objeto de estudo a fim de possibilitar avaliações de trabalhos desenvolvidos e vislumbrar possibilidades para maior compreensão e enfrentamento da realidade da população que se encontra em situação de vulnerabilidade social. Busca-se identificar quais as dificuldades encontradas pelos usuários do Cento de referência de Assistência Social – CRAS Comunidade Mãe, para acessar o mercado de trabalho capitalista. O objetivo geral deste trabalho procurará: a) caracterizar o perfil dos usuários do CRAS Comunidade Mãe que participaram do curso profissionalizante selecionado para a pesquisa; b) identificar as atividades desempenhadas no cotidiano pelas usuárias do CRAS, e c) analisar as formas utilizadas pelas usuárias para o enfrentamento da realidade vivida. Em outros termos, busca dar visibilidade à problemática da realidade em que vivem as mulheres que realizaram o curso de corte e costura, em relação ao mundo do trabalho. A metodologia para desenvolver este projeto de pesquisa se orienta pelo método dialético crítico que se apoia na concepção dinâmica da realidade, nas relações dialéticas entre sujeito e objeto, entre conhecimento e ação, entre teoria e 12 prática, direcionada para a realidade social e para as ações concretas com vistas à sua transformação. Considera que os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político, econômico. A abordagem será qualitativa, pois se pretende conhecer uma realidade social de sujeitos que buscam acessar o mercado de trabalho. De acordo com Minayo, suas dificuldades, potencialidades, opiniões e anseios somente poderão ser evidenciados a partir de uma abordagem qualitativa que trabalha com o universo de fenômenos humanos demonstrados pelos sentimentos, valores, atitudes, crenças, etc. que fazem parte da realidade social que não pode, ou não deve ser medida, quantificada (MINAYO, 2010). O campo de pesquisa delimita-se pelo território que compõe o CRAS Comunidade Mãe de Cruz Alta. Os sujeitos inclusos no estudo são destacados entre usuários que participaram de projetos que se caracterizam como profissionalizantes ou de qualificação profissional. A técnica escolhida para a coleta de dados foi a de observação não participante visto que desde o primeiro estágio (de um total de três, perfazendo 300 horas) o presente objeto de estudo chamou a atenção e instigou a formulação de perguntas sobre situações e realidades e que foram observadas sistematicamente no dia a dia dos estágios, no acompanhamento às visitas domiciliares, ao acolhimento na instituição e nos cursos de profissionalização, registradas em diários de campo. O presente trabalho consta de três capítulos que concentram a problematização teórica acerca do tema apresentado. O primeiro capítulo, “Trabalho e Tecnologia” apresenta a conceituação de trabalho e uma análise histórica de sua organização a partir do período da Revolução Industrial onde a produção de mercadorias se reorganiza em função do desenvolvimento do sistema capitalista. Realiza um percurso histórico passando pelos sistemas Taylorismo , Fordismo e Toyotismo e seus modos de produção iniciados nos Estados Unidos e Japão respectivamente, seu alcance mundial e contribuição para as profundas alterações nos modos de produção e consequentemente no mundo do trabalho. O segundo capítulo, “Divisão Sexual no Trabalho” aborda a questão de gênero inserido na problemática do mundo do trabalho, analisando questões ligadas a divisão sexual do trabalho, mercado de trabalho, desigualdades no mundo do trabalho, políticas públicas e pobreza versus autonomia. Desta análise percebe-se o 13 porquê do cotidiano feminino ser do jeito que é, desde os afazeres domésticos, manutenção da família ao acesso e valorização no mercado de trabalho. O terceiro capítulo, “Usuárias do CRAS e o Mundo do Trabalho” trata da pesquisa realizada. Faz uma aproximação e análise da realidade das mulheres e sua relação com o mundo do trabalho através de categorias baseadas em temas representativos como a alfabetização que concentra informações do perfil das usuárias, a conformação familiar que identifica o núcleo familiar e a sua organização, a divisão sexual do trabalho fazendo parte da realidade vivida, e demandas sociais que resume a importante função das redes de apoio às mulheres. 14 1 TRABALHO E TECNOLOGIA Trabalho pode ser definido como uma “atividade destinada a utilizar as coisas naturais ou a modificar o ambiente para a satisfação das necessidades humanas” (ABBAGNANO, 2007, p. 1147). Desta forma “o trabalho também faz do homem um ser social, pois além de colocá-lo em relação com a natureza também o coloca em relação com os outros indivíduos, sendo que estas ralações constituem a estrutura da história, de onde refletem as várias formas da consciência. Este processo ocorre no trabalho não alienado, ou seja, que não se tornou mercadoria, como ocorre na sociedade capitalista, onde acontece o conflito entre a personalidade do proletário como indivíduo e o trabalho como condição de vida que lhe é imposta e onde participa como objeto, e não mais como sujeito” (MARX apud ABBAGNANO, 2007, p. 1149). Nessa perspectiva busca-se referenciar o trabalho como criador de valores de uso, o trabalho como auto realização do indivíduo onde o ato de transformar algo também transforma a si, o trabalho onde o sujeito se reconhece na atividade que desenvolve e não ao trabalho assalariado produtor de valores de troca para a produção e reprodução capitalista. Esses conceitos são apresentados com o objetivo de demonstrar o papel fundante do trabalho na gênese e desenvolvimento do ser social. HISTÓRIA E ORGANIZAÇÃO O trabalho é um tema que pode ser abordado sob diferentes aspectos. Aqui a aproximação será feita por meio de uma análise histórica de sua organização a partir do período em que a produção de mercadorias se reorganiza para o desenvolvimento do sistema capitalista. A partir do Séc. XVIII com o advento da Revolução Industrial desenvolve-se o capitalismo industrial que se consolida no Séc. XIX como modo de organização da produção e exploração do trabalho. Com o capitalismo se desenvolvem novas tecnologias, novas necessidades, nova realidade. Desenvolve-se a contradição do trabalho coletivo que produz riqueza contrastando com a desigual distribuição desta riqueza que gera a acumulação de capital e a produção crescente da desigualdade social surgindo o que chamamos de questão social, 15 apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2009, p. 27). O modo capitalista de produção é formado “por pessoas que possuem meios de produção e por pessoas que não possuem meios de produção, estas vendem sua força de trabalho para aquelas a fim de obter meios de subsistência, e aquelas por sua vez compram a força de trabalho destas para a manutenção do capital” (SILVA, 2008, p.77-79). Sendo assim, ressalta-se que o aumento e reprodução do capital dependem do trabalho excedente que os trabalhadores são obrigados a realizar, mas que não é pago. Esse trabalho é desenvolvido não mais de forma artesanal e manual pelos artesãos que controlavam praticamente todo o processo produtivo até a comercialização, mas sim por trabalhadores que passaram a controlar máquinas que pertencem aos donos dos meios de produção, os quais passam a receber todos os lucros. Nessa época o desenvolvimento tecnológico é representado pela máquina a vapor e o trabalho passa a ser realizado dentro das fábricas com instalações precárias, ambiente insalubre e por muitas horas consecutivas. Com o desenvolvimento do capitalismo industrial vão se formando grandes aglomerados populacionais em torno das fábricas, em precárias condições de estrutura de habitação e serviços essenciais. Esta população além de possuir necessidades comuns também passa a identificá-las como sendo comum a todos, passa a compreender suas relações sociais de trabalho, as relações entre si e com outras classes sociais e principalmente com a classe dominante. A partir destas percepções e vivências a classe trabalhadora torna-se uma “classe hegemônica transformando-se de uma classe em si numa classe para si” (IANNI, 1984, p.18). Passam a reconhecer-se como vendedores de sua força de trabalho e produtores de excedentes, bem como reconhecer o capitalista como proprietário do produto de seus trabalhos e dos meios de produção. Há o reconhecimento de si e do outro, formando-se assim a autoconsciência que contribui para sua organização em associações, sindicatos e partidos políticos. Nestas relações de identificação e 16 organização de classe nascem as primeiras requisições e conquistas de direitos, pelos operários1 TAYLORISMO, FORDISMO E TOYOTISMO Mudanças ocorreram desse período ao século XX e aos dias atuais. Surgiram novos modelos de produção consolidando o capitalismo enquanto modo hegemônico de produção e consequentemente transformações no interior do mundo do trabalho. Os sistemas taylorismo e fordismo ”surgem ao longo do século XX como formas dominantes do modo produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, baseado na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e verticalizada” (ANTUNES, 1999, p. 36). O taylorismo desenvolveu o processo de fabricação baseado em princípios científicos que previa a racionalização do trabalho industrial onde homens eram monitorados segundo o tempo de produção, devendo cumprir seu trabalho no menor tempo possível. O tempo passa a ser cronometrado e o trabalhador mais explorado. E o fordismo que além de adotar o processo taylorista, desenvolveu a chamada linha de produção onde cada operário desenvolve uma atividade específica, de forma repetitiva, em um determinado lugar. O produto fabricado que se desloca até o operário através de esteiras. O operário se especializa em apenas uma etapa da produção, que desenvolve repetitivamente durante toda a jornada de trabalho, no ritmo determinado pela máquina. Complementando, estes processos se caracterizam pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas, pelo desenvolvimento do trabalho parcelar e desempenho funções fragmentadas, pela separação do trabalho manual (que transforma o objeto) e o intelectual (que concebe o objeto), e a constituição do trabalhador coletivo fabril. Neste sistema o trabalhador é mantido alienado dos resultados de seu trabalho, porém emerge dessa nova dinâmica uma classe fabril homogênea que atinge, segundo Antunes (1999, p.41), “seu ponto de ebulição no final da década de 60, quando questiona principalmente o controle social da 1 De maneira geral [...] os direitos civis foram conquistas efetivadas no século XVIII, os direitos políticos, no século XIX, enquanto os direitos sociais são conquistas realizadas no século XX (MARSCHAL, 1967 apud COUTO, 2010, p.33). 17 produção, reação desencadeada pela expropriação intensificada dos trabalhadores sem qualquer participação na organização do processo de trabalho”. No entanto esta ação, entre outras, encontraram barreiras que não puderam transpor como a estrutura organizacional já consolidada ou a conversão para um novo projeto societário contrário ao capitalismo. Este grande movimento, embora não tenha conseguido transcender os limites fabris, desacomodou a organização capitalista que se reestrutura com novos processos de trabalho. Neste contexto nasce a era da acumulação flexível representada pelo toyotismo que se origina no Japão após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). Caracteriza-se pela produção flexível, ou seja, produção somente do necessário com o máximo de qualidade, sempre em busca de maior produtividade, lucratividade e de acordo com as necessidades e lógica do mercado. Tais condicionantes imprimem necessidades de uma nova organização da produção não presente no modelo fordista. O modelo toyotista difere do taylorista/fordista não somente em função de sua tecnologia, mas muito mais pelo encaminhamento que dá em direção à flexibilização da produção e das relações de trabalho. Este novo modelo produtivo, combina a revolução tecnológica com a extraordinária capacidade de produção de mercadorias, intensa exploração do trabalho, aumento da informalidade e perda de direitos dos trabalhadores. Ainda demanda um trabalhador polivalente, com mais qualificação, capaz de manusear simultaneamente várias máquinas e de resolver problemas além de atuar em equipe. Um dos métodos utilizados, os Círculos de Controle de Qualidade – CCQs organiza grupos de trabalhadores que são motivados a discutir seu trabalho e desempenho com o objetivo de melhorar a produtividade da empresa, mas que também contribui para a desagregação dos trabalhadores enquanto classe considerando-se o processo de vigilância coletiva implantado pelo mesmo. Sobre a força de trabalho, o toyotismo se estrutura a partir de um número mínimo de trabalhadores dentro das empresas, os mais qualificados e multifuncionais, ampliando o quadro com as horas extras, contratação de trabalhadores temporários, subcontratação e terceirização em uma estrutura horizontalizada. Como resultado no mundo do trabalho há a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores, aumento da fragmentação da classe trabalhadora, precarização do trabalho, desmantelamento do sindicato de classe e sua conversão num sindicalismo de empresa e burocratizado. 18 Este modelo, a partir da década de 1970 “tem um grande impacto nos países do ocidente quando surge como uma alternativa à superação da crise capitalista, como forma de reorganização do capital com vistas à retomada do seu patamar de acumulação e ao seu projeto global de dominação” (ANTUNES, 1999, p. 53). Crise esta causada pelo excesso de capacidade de produção industrial, redução dos níveis de lucratividade do capital em função de conquistas dos trabalhadores que objetivavam o controle social da produção e o rápido crescimento financeiro (especulativo). A chamada ocidentalização do toyotismo ou a transferência de seus princípios e ideias para outros países capitalistas acontece em maior ou menor grau de acordo com as condições de cada um: sociais, econômicas, políticas, ideológica, inserção na divisão internacional do trabalho, organização sindical, mercado de trabalho, entre outras. Algumas políticas adotadas no Japão não foram “copiadas” pelo ocidente como, por exemplo, o emprego vitalício para determinada parcela dos trabalhadores. Nesta época, final da década de 1970 e inicio da década de 1980, já estava em vigor o sistema econômico neoliberal protagonizado por Margareth Thatcher na Inglaterra e por Ronald Reagan nos Estados Unidos, que proporcionou ambiente acolhedor à adaptação do modelo de produção japonês ou de parte dele, que na verdade não eram totalmente novos a estes países, uma vez que já utilizavam de técnicas semelhantes ao toyotismo. Este processo de adaptação foi realizado inicialmente pelas grandes fábricas automobilísticas espalhando-se para outras indústrias e setores de serviços dos países centrais como também dos de industrialização intermediária. Para além do desenvolvimento tecnológico nos países de capitalismo avançado (e em menor grau nos demais países), o mundo do trabalho sofreu um verdadeiro desmonte alterando sua forma de inserção na estrutura produtiva, a sua forma de organização, representação sindical e política. Houve uma diminuição da classe trabalhadora nas fábricas em função da chamada crise capitalista, pelo desenvolvimento da automação, da robótica e da microeletrônica. Por outro lado houve uma maior qualificação do trabalho por consequência do avanço científico e tecnológico. O trabalhador já não transforma objetos diretamente, mas supervisiona o processo produtivo através de máquinas 19 computadorizadas. Importante ressaltar que não houve a eliminação do trabalho e sim a intelectualização de uma parte da classe trabalhadora. Se de um lado diminuem os trabalhadores fabris de outro aumentam os trabalhadores assalariados nas áreas de prestação de serviços que passam a desenvolver trabalho parcial, subcontratado, terceirizado, informal. Considera-se “o setor de serviços, as atividades desenvolvidas no comercio, hotelaria, finanças, seguros, restaurantes, saúde, serviços legais e gerais” (ANNUNZIATO apud ANTUNES, 2010, p.48). A este contingente de trabalhadores, incorpora-se o trabalho da mulher que contribuiu ainda mais para a alteração do perfil da classe. Complementando o quadro de mudanças no mundo do trabalho, experimentase a fragilização dos trabalhadores como classe e seu movimento de organização sindical. Há a separação entre os trabalhadores estáveis e aqueles precários vinculados ao trabalho informal, terceirizado, parcial. O sindicato não desenvolveu sua capacidade de atuar horizontalmente abrangendo todas as categorias de trabalhadores, mantém-se ainda no modelo vertical mais vinculado à categoria profissional. Desta forma os trabalhadores perdem o seu poder de mobilização, de greves para a luta por direitos ou pelo menos a manutenção destes. Adentra-se ao século XXI com altos índices de desemprego estrutural e de trabalho precarizado. Realidade formada por mais desregulamentação no trabalho, por mais trabalhadores sem carteira assinada, na informalidade, mais trabalhadores sem garantias e sem direitos. O processo é cada vez mais complexo, intensificandose com diferentes formas de extração do trabalho: trabalho em domicílio, descentralização em pequenas unidades produtivas, trabalho produtivo doméstico, entre outros. Pelas formas chamadas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário”, que desvirtuados de seus originais objetivos e a serviço do capital servem para precarizar ainda mais os direitos do trabalho. Somando-se a esta “organização”, encontram-se os trabalhadores jovens que chegando à idade de ingresso no mercado de trabalho não possuem perspectiva de emprego, os trabalhadores “velhos” (em torno de 45 anos) considerados pelo capital que uma vez desempregados dificilmente conseguirão acessar novamente o mercado de trabalho e o trabalho feminino que também é absorvido pelo trabalho precarizado. Desta forma desenvolveu-se, transformou-se, organizou-se o trabalho e os trabalhadores. A essência permanece, porém com algumas características 20 diferentes: os meios de trabalho continuam na mão dos capitalistas e a força de trabalho com os trabalhadores, agora não mais concentrados dentro das fábricas, mas continuam a viver da venda de sua força de trabalho. O mundo do trabalho está fragmentado e a classe-que-vive-do-trabalho2 está mais heterogênea. A QUESTÃO DO TRABALHO NO BRASIL O trabalho desenvolve-se no Brasil de acordo com o processo histórico sofrendo importantes mudanças junto às transformações políticas, econômicas e sociais que se sucederam. Importante considerar algumas fases que possuem características específicas das relações de trabalho: a escravidão no período colonial, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e a nacionalização da força de trabalho no período da industrialização. Sobre o trabalho escravo no Brasil, referenciam-se as considerações de Darcy Ribeiro: “O Brasil sempre foi, ainda é, um espantoso moinho de gastar gente; [...] Não se sabe quantos negros foram gastos; [...] Não terão sido menos de dez milhões, [...]” (RIBEIRO, 1992, p.15). Estes foram os primeiros “trabalhadores” de nosso país, além dos índios que foram quase que totalmente exterminados, pois não se “adaptaram” ao trabalho escravo. As atividades desenvolvidas pelos escravos à época do Brasil Colônia se concentravam em áreas de agricultura de exportação e na mineração. Também havia escravos no meio urbano onde trabalhavam para seus donos, também eram alugados por viúvas servindo de fonte de renda, as escravas desenvolviam serviços domésticos, amamentavam os filhos das sinhás, “serviam” aos senhores. As crianças, filhas dos escravos, faziam pequenas tarefas e serviam de montaria nas brincadeiras dos sinhozinhos. Nesta época todas as pessoas que tivessem alguma renda – funcionários públicos, religiosas, padres, entre outros - eram proprietários de escravos. Percebe-se o início do processo de desigualdade social, de um lado os senhores de engenho e os grandes proprietários de terras e de outro os escravos e demais habitantes. No final do século XIX iniciam-se por parte da Inglaterra, exigências ao Brasil acerca da proibição do tráfico de escravos. Estas exigências somente foram 2 Expressão utilizada por Ricardo Antunes, como sinônimo de uma noção ampliada e moderna de classe trabalhadora. 21 cumpridas pelo Brasil em 1888 quando foi assinada a Lei Áurea. Porém, passado o 13 de maio, os negros foram abandonados sem nenhuma política de integração, acesso a escolas, terras, empregos ou moradias. Os ex-escravos somaram-se à população pobre aumentando o número de desempregados, trabalhadores temporários, mendigos e crianças abandonadas nas ruas. Julga-se importante considerar que neste período havia “organizações independentes onde o trabalho era livre como os Quilombos formados por escravos que fugiram em busca de liberdade antes da lei abolicionista e seus descendentes (alguns foram aniquilados, outros subsistem até hoje) e também com a chegada dos imigrantes para a substituição da mão de obra escrava, também se organizaram grupos autônomos de trabalho liderados por italianos anarquistas3 como a Colônia Cecília no Paraná e Comunidade de Guararema em São Paulo. A Comunidade de Canudos, formada por Antônio Conselheiro cujo lema era o de trabalhar de acordo com suas possibilidades e receber de acordo com as suas necessidades” (RODRIGUES, 1988, 94-101). Em tempos onde reinava a lei dos coronéis, em algumas regiões, porém o seu poder era menor. Regiões consideradas como periferia da economia de exportação onde havia espaço para iniciativas de organizações alternativas para o trabalho solidário como as citadas acima além das colônias de imigrantes europeus. No período de “1884 a 1920 entraram no Brasil cerca de três milhões de imigrantes sendo que parte dirigiu-se a área cafeeira e parte fixaram-se na capital empregandose na indústria e no comércio” (CARVALHO, 2010, p.58). Em decorrência da Primeira Grande Guerra, o Brasil aumentou suas exportações de alimentos afetando o mercado interno de alimentos causando o aumento de preços. Embora tenham sido aumentados os salários o custo de vida aumentava de forma desproporcional, deixando os trabalhadores em más condições para sustentar suas famílias e fazendo com que as crianças também passassem a trabalhar para complementar a renda familiar. Guiados, nestas primeiras décadas da República, pela ideologia anarquista, os trabalhadores mostraram-se capazes de se organizar em prol das suas vontades e conquistarem mais respeito dentro das 3 “[...] uma nova Ordem Social baseada na liberdade, na qual a produção, o consumo e a educação devem satisfazer as necessidades de cada um e de todos. [...] O Anarquismo é uma filosofia de vida, não aceita que o homem precise ser governado, de cujo costume se tornou escravo, razão por que lhe parece utópico e uma verdadeira calamidade pública deixar de o ser” (RODRIGUES, 1988, p.15). 22 fábricas. Inicia-se assim a formação da classe operária industrial brasileira que deflagrou uma grande greve geral em 1917 em São Paulo. Desta greve surge o Comitê de Defesa Proletária que apresenta as reivindicações dos operários ligadas ao direito de associação de trabalhadores; a não demissão dos trabalhadores que participaram da greve; a abolição do trabalho para crianças menores de 14 anos, abolição do trabalho noturno para menores de 18 anos e para as mulheres; aumento salarial e pagamento dos salários a cada 15 dias; jornada de oito horas e semana inglesa; e aumento de 50% sobre o trabalho extraordinário. Após o Brasil ter assinado, em 1919, o Tratado de Versalhes (final da Segunda Guerra Mundial) e ter ingressado na Organização Internacional do Trabalho (OIT) neste mesmo ano, é que algumas tímidas medidas na área da legislação social foram adotadas como, por exemplo, a lei que estabeleceu a responsabilidade dos patrões pelos acidentes de trabalho. Em 1923 foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, porém se manteve inativo e em 1926 foi regulamentado o direito de férias, mas também se manteve inativo. Neste período a população urbana representava aproximadamente 16% do total da população brasileira. A classe operária, marginalizada social e espacialmente dentro das cidades, concentrava-se no Rio de Janeiro e em São Paulo. O Rio possuía uma industrialização mais antiga e um operariado em sua maioria formado por brasileiros, por portugueses, ex-escravos e operários do Estado. Em São Paulo, a grande maioria da classe operária era formada por imigrantes italianos, sendo composta também, porém em menor número, por imigrantes espanhóis e de outras nacionalidades. A situação desta população não foge da situação que viviam os operários no inicio do século XVIII na Inglaterra: amontoados em bairros insalubres junto aos complexos industriais, em casas sem água, luz e esgoto, baixos salários, entre outras. Os imigrantes eram bem vindos durante o século XIX até a Primeira Guerra mundial, pois havia necessidade de substituir a mão de obra escrava. Depois da guerra o estrangeiro passou a ser considerado como um agitador que influenciava o operário nacional. Também se espalhou a ideia, pelo governo, que os estrangeiros tomavam o lugar no trabalho dos operários nacionais. Posteriormente, reforçando a política de nacionalização da classe operária, a lei sindical continha um dispositivo 23 que obrigava as empresas ter pelo menos dois terços de seu quadro formado por brasileiros. Até 1930, o Brasil é considerado um país agrícola com mais de 70% de sua população ocupando atividades ligadas à agricultura. A economia era baseada na exportação de produtos agrícolas, principalmente o café que representava 60% da produção, o açúcar com 12 % e o algodão com 10%. São Paulo e Minas Gerais são os principais estados responsáveis pela riqueza econômica brasileira na Primeira República. Com a crise da Bolsa de Valores em Nova York em 1929 as importações do café, principal produto exportado, diminuíram e os preços despencaram. Para evitar uma baixa muito grande nos preços aqui, o governo comprou e queimou toneladas de café diminuindo a oferta e mantendo o preço do produto. Até então os governos oligárquicos brasileiros mantiveram políticas econômicas orientadas ao modelo econômico agroexportador dependente das grandes potências industriais e que também mantinha a burguesia cafeeira em posição hegemônica resguardando sua taxa de lucro e acumulação. Defendendo esta política conservadora e ultrapassada, quem sofre são as camadas da população mais vulnerável pela ausência de políticas sociais como também pela falta de atenção a setores sociais emergentes como os militares, classe média e operária. A crise de 1929 e o movimento de 1930 foram acontecimentos importantes que marcaram a história da sociedade brasileira. Apresentaram-se como momentos onde acontece a reorganização do papel do Estado e do modelo econômico alterando a base de acumulação capitalista do setor agroexportador para o setor urbano industrial. A instauração do governo provisório sob a liderança de Getúlio Vargas centrou sua política na organização das relações entre capital e trabalho. Entre seus primeiros atos está a criação de leis trabalhistas regulamentando o trabalho feminino e infantil, o descanso semanal remunerado, a jornada de trabalho de 8 horas diárias. Em 1932 foi criada a carteira de trabalho, documento que identifica o trabalhador e que também utilizada como prova nas disputas judiciais com os patrões. Neste mesmo ano cria-se um esboço do que viria a ser a justiça do trabalho denominada por Comissões e Juntas de Conciliação e Julgamento que passam a reconhecer as convenções coletivas de trabalho rompendo com a tradição de admitir somente contratos individuais. Entre 1933 e 1934 foi regulamentado o direito a férias para os 24 bancários, comerciários e industriários. A Constituição de 1934 define como competência do governo a regulação das relações de trabalho, confirmou a jornada de trabalho de oito horas e determinou a instituição de um salário mínimo (regulamentado somente em 1940) capaz de atender as necessidades da vida de um trabalhador e de sua família. A Justiça do Trabalho, também criada pela Constituição entrou em funcionamento em 1941. Em 1943 é criada a Consolidação das Leis do Trabalho. Cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o da Educação e Saúde. Paralelamente e antecedendo ao cumprimento das medidas trabalhistas é baixada também uma legislação sindical que objetiva vincular ao controle estatal à organização da classe operária. A partir de 1933, amplia-se a área da previdência e o governo torna-se parte integrante do processo que até então estava a cargo dos empregados e patrões das respectivas empresas. Os então institutos passaram a beneficiar os trabalhadores por categorias e não mais por empresa, ampliando o número de beneficiados. Os benefícios concedidos eram a aposentadoria por invalidez e pensão para os dependentes. Os institutos mais ricos, como o dos bancários concedia aposentadoria por tempo de trabalho, auxílio médico-hospitalar, auxílio doença, de morte, de parto. Porém o sistema excluía importantes categorias de trabalhadores autônomos e os domésticos que não eram sindicalizados e nem se beneficiavam da previdência. Além destes, os trabalhadores vinculados ao meio rural que na época eram maioria também não eram beneficiados. Em 1937 é implantado um período ditatorial por Getúlio Vargas também conhecido por Estado Novo que vigorou até 1945. Este período se sustenta pelo discurso da necessidade de desenvolver a industrialização no país e para tanto também se faz necessário o desenvolvimento de ações voltadas para a área dos direitos sociais, mas com poder de suspensão se interferissem no projeto de governo. Com isso também pretendia institucionalizar a pressão da classe operária proibindo as greves e controlando os sindicatos. Há, portanto uma cedência de direitos aos trabalhadores pelo governo que também dividiu a classe operária beneficiando alguns em detrimento de outros. Contudo criou-se uma cultura de gratidão e lealdade ao governo, pois o mesmo havia distribuído benefícios aos trabalhadores através da legislação trabalhista. Sucedeu-se até 1964 a era no nacionalismo, populismo e o desenvolvimentismo. Vargas é deposto em 1945, e retorna pelo voto popular em 25 1950. Seu governo é marcado pelo radicalismo populista e nacionalista que luta pelo monopólio do petróleo (criando em 1953 a Petrobras), da energia elétrica, protecionismo industrial, política trabalhista e independência na política externa. Tinha como apoiadores o sindicalismo e setores nacionalistas do Exército, do empresariado e dos intelectuais, e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) criado por Vargas em 1945, antes de ser deposto. Neste período por conta da política salarial a cargo do então Ministro do Trabalho João Goulart, o salário mínimo teve um aumento de 100%. De outro lado, contrários ao governo, estavam os defensores da abertura do mercado ao capital externo incluindo os recursos naturais, os que não concordavam com a aproximação do governo com o sindicato, os que defendiam uma política de cooperação com os Estados Unidos. Do embate entre os dois grupos, o contrário ao governo ganha força culminando com o pedido de renúncia do presidente que decidiu se matar a lutar ou renunciar, em 24 de agosto de 1954. Por mais de dez anos, ou seja, até o golpe de 1964, manteve-se a política instaurada por Vargas baseada no nacionalismo e desenvolvimentismo fundamentada no pensamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), “fundada em 1948 com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento dos países da América Latina” (SCARIOT; FRANTZ, 2011, p.24). Neste período houve intenso movimento por parte dos trabalhadores, muitos de empresas estatais organizados através do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), por estudantes organizados na União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras organizações, através de greves políticas a favor de reformas de base, da realização de plebiscito sobre a volta do presidencialismo. Porém toda esta mobilização política não foi suficiente para manter a democracia após a morte de Vagas, sendo deflagrado o golpe militar aos 31 dias de março de 1964. O regime militar se estende até 1985, caracterizando-se pela intensa e violenta repressão política, achatamento salarial e altos índices de crescimento econômico. A repressão foi exercida pelos “atos institucionais” usados para a cassação dos direitos políticos de líderes sindicais, políticos, intelectuais e militares. Para aposentadoria forçada de funcionários públicos tanto civis quanto militares, dissolução dos partidos políticos permitindo um sistema de apenas dois partidos, 26 abolição da eleição direta para presidente da República, introdução da pena de morte por fuzilamento, censura prévia em meios de comunicação, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. O movimento sindical foi praticamente eliminado através das intervenções nos sindicatos, federações e confederações. Eliminando a cúpula de organização dos trabalhadores tinham a intenção de extinguir o movimento. Em 1968 reiniciam as greves, porém voltadas mais para a área da assistência social. De 1968 a 1977 acontece o chamado “milagre econômico”, o maior crescimento econômico do período em contraponto com o período de maior repressão à oposição. Posteriormente o “milagre” foi desmistificado por especialistas demonstrando que o crescimento foi desigual, beneficiando apenas alguns setores da população, o que aumentou as desigualdades sociais. De acordo com Carvalho, “em 1960 os 20% mais pobres da população economicamente ativa ganhavam 3,9% da renda nacional. Em 1980 sua participação caíra para 2,8%” (2010, p.169). O autor ainda aponta para o contraste ocorrido no mesmo período, porém na distribuição de renda entre os mais ricos: “em 1960 os 10% mais ricos ganhavam 39% da renda, ao passo que em 1980 sua participação subira para 59,9%”. Na década de 1960 a população urbana já representava em torno de 44% do total de habitantes, sendo que em 1980 este número salta para 67,6%. As cidades não estavam preparadas para receber um número tão grande de pessoas, ocasionando um crescimento desordenado pela falta de estrutura para a oferta de serviços básicos como água, luz, esgoto. Houve um grande aumento da população empregada, praticamente o dobro que existia a 20 anos. Salienta-se que o número de mulheres aumentou o dobro em relação aos homens. O salário valia praticamente a metade que nos anos 60, porém esta realidade não era percebida claramente em função de ter aumentado o número de trabalhadores em uma mesma família, geralmente a mulher que se inseriu no mercado de trabalho. Foi unificado em 1966 o sistema de previdência criando-se o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) para todos os trabalhadores registrados, com exceção dos funcionários públicos civis e militares, pois foram conservados seus Institutos de Previdência Privada (IAP). Também nesta área da previdência, importante registrar que até o ano de 1971, os trabalhadores rurais ainda não tinham nenhum amparo. No governo Médici foi criado então o Fundo de Assistência Rural (FUNRURAL). Em 1972 foram incluídos no sistema de previdência os empregados 27 domésticos e em 1973 os autônomos, ficando de fora somente os trabalhadores sem relação formal de emprego. Também no campo social foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como meio de garantia aos trabalhadores que fossem demitidos, como um seguro desemprego, já que o fim estabilidade no emprego havia sido determinado no primeiro governo militar atendendo exigências do empresariado. Ainda foram crido o Banco Nacional de Habitação (BNH) com o objetivo de facilitar a aquisição de casa própria para os trabalhadores com baixa renda e em 1974 o Ministério da Previdência Social. O governo no período da ditadura militar agiu de forma antagônica: com um braço caçou e restringiu os direitos civis e políticos e com o outro concedeu direitos sociais. Acontece em todo esse período histórico, o que Coutinho (apud IAMAMOTO) chama de “modernização pelo alto, ou seja, que as classes dominantes sempre se anteciparam às pressões populares a fim de manter a ordem, oferecendo aquilo que necessitavam antes de ocorrer algum tipo de manifestação” (IAMAMOTO, 2011, p. 107). Em 1974 toma posse mais um presidente militar, general Ernesto Geisel, porém este começa o processo de “abertura política”, promovendo lentamente o retorno à democracia. A partir desta data, onze anos depois é eleito o primeiro presidente civil marcando finalmente o ciclo da ditadura militar. Neste inicio de processo de abertura, os trabalhadores retomam suas lutas através de greves por melhoria salariais, se reorganizam em sindicatos de forma diferente daquele da época do Estado Novo. Agora a organização se dava no chão de fábrica, de baixo para cima, liderados por operários da linha de produção. As decisões finais aconteciam em grandes assembleias gerais que reuniam muitas vezes até 150 mil operários e não mais por comitês de representantes. Esta nova organização sindical mantinha-se independente do controle do Estado. Deste movimento sindical nasce o Partido dos Trabalhadores. Aparecem os sindicatos rurais, estes não foram caçados durante o regime militar, mas caracterizavam-se pela função assistencialista. Reuniam o mesmo número de trabalhadores que os sindicatos urbanos, em torno de cinco milhões de trabalhadores rurais. Suas características alteram-se um pouco com a influência dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Pastoral da Terra da igreja católica e pelos próprios movimentos de luta pela terra. 28 Houve o aumento dos movimentos sociais urbanos, principalmente nas grandes cidades. Os movimentos dos favelados, que já existiam desde a década de 40 adquirindo mais visibilidade na década de 70. Além destes multiplicaram-se as associações de moradores da classe média que no início dos anos 80 somavam mais de oito mil organizações. Suas lutas eram principalmente pela oferta de serviços básicos essenciais que a municipalidade não conseguia ofertar com a mesma rapidez que aumentavam as populações urbanas. As associações de profissionais de classe média, como médicos, professores, funcionários públicos também se avolumaram. Os funcionários públicos que eram proibidos de se sindicalizar encontraram na associação uma forma de atuação coletiva. Estas associações juntamente com os sindicatos transformaram-se em importantes pontos de concentração de mobilização profissional e política. Conforme passa o período de abundante crescimento econômico, começa a emergir greves de setores da classe média, com mais frequência que da classe operária. Importantes instituições mobilizaram-se em prol da resistência ao modelo ditatorial lutando por direitos profissionais e liberdade de expressão como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) além de artistas e intelectuais. A campanha pelas eleições diretas em 1984 foi o apogeu das mobilizações populares que objetivava forçar o Congresso a aprovar emenda constitucional que permitisse a eleição direta. O objetivo imediato não foi alcançado, faltaram 22 votos para a maioria de dois terços em favor da emenda, porém a mobilização não foi inútil, a oposição lança o governador de Minas Gerais Tancredo Neves com candidato para enfrentar o candidato da situação. A pressão popular sobre os deputados governistas foi tão intensa que Tancredo Neves ganhou 480 votos contra 180. Era o fim de uma sequência de governos militares. O coroamento de toda esta mobilização, considerada uma das mais importantes da história do Brasil se deu com a construção da Constituição em 1988, que pela participação da sociedade através de comissões, audiências públicas, entidades associativas, emendas populares é também chamada de “Constituição Cidadã”. Em 1989, depois de 29 anos, acontece a primeira eleição direta para presidente da República. 29 Este novo período é inaugurado com um novo modelo econômico ditado pelo ideário neoliberal e Consenso de Washington, este criado pelos Estados Unidos “sugerindo” medidas para solucionar a crise vivida pelos países da América Latina. O cenário desta época é caracterizado pelas mudanças ocorridas nas relações de trabalho “através da desregulamentação que aconteceram nas diferentes esferas do mundo do trabalho e da produção desencadeadas pela reestruturação produtiva como consequência da divisão internacional do trabalho que determina mudanças na divisão sócio-técnica da produção como também nos processos de reterritorialização e desterritorialização da produção, dentre outros” (ANTUNES, 2010, p. 105). O neoliberalismo trouxe a receita de privatização para modernizar os setores produtivos estatais; o encolhimento do Estado; a expansão do privado. A reestruturação produtiva trouxe a redução de custos através da diminuição da força de trabalho para elevar o ganho dos capitais. Os setores mais comprometidos com este processo foram o automobilístico e de autopeças, o têxtil e o bancário. Houve o aumento do número de máquinas implicando no aumento significativo do desemprego. Na atualidade, segundo Antunes, a centralidade do trabalho “se coloca em vários planos. A tendência de não se ter mais o trabalho manual e físico, pois estamos numa era em que o trabalho passa a ser gerador de valor nas suas múltiplas facetas. O dado novo são aqueles trabalhos que trazem dentro si níveis de informação que passam a agregar valor. O trabalhador que permanece na empresa passa a desenvolver atividades em todas as dimensões, manual e intelectual, física e cognitiva. São os trabalhadores chamados pelas empresas de colaboradores, forma enganadora que passa a ideia de que ele é um sócio, um parceiro da empresa” (2010). A política neoliberal diz que precisa flexibilizar para gerar mais emprego, porém sabe-se que flexibilizar torna a classe trabalhadora mais empobrecida, mais fragilizada. Hoje, no mundo do trabalho, chega-se a uma situação “importante” no que se refere à precarização, flexibilização, terceirização e informalidade nas relações de trabalho, como também em relação ao desemprego. No Brasil, o número de desempregados segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi estimado em 1,3 milhões de pessoas em agosto de 2012 (IBGE, 2012). 30 Deste cenário, resultado da imposição do Consenso de Washington assentado no modelo neoliberal, nasce outra forma, outra possibilidade de administrar o país que busca a promoção do desenvolvimento econômico sem se descuidar da inclusão social. Esta receita própria denomina-se, entre outros nomes, Consenso de Brasília4 por significar um contraponto ao Consenso de Washington. O Consenso de Brasília surge com a administração do Presidente Lula em 2003, por isso também é conhecido por “lulismo” ou modelo brasileiro. Embasa-se em três eixos: crescimento econômico, equidade social e governabilidade democrática. O modelo mantém a estabilidade macroeconômica e fiscal, a autonomia da autoridade monetária e o cambio livre acrescentando importantes políticas industriais e de produção interna. Também prioriza a inclusão social investindo em políticas públicas para erradicar a fome, reduzir a pobreza, melhorar a educação e a saúde em geral, transferência de renda, aumento de salários e geração de empregos formais. Uma terceira alternativa, uma nova percepção de sociedade está sendo construída no Brasil e servindo de exemplo para os demais países da América latina. 4 Batizado por Michael Shifter, presidente do independente Diálogo Interamericano, por contrapor-se ao Consenso de Washington (CARTA MAIOR, 2012). 31 2 DIVISÃO SEXUAL NO TRABALHO Nas sociedades pré-industriais praticamente não havia a separação da atividade produtiva da atividade doméstica, pois ambas aconteciam em casa como era o caso dos trabalhos manuais, ou próximo da casa as atividades ligadas à terra. Envolviam-se todos os membros da família nestas tarefas. Com o desenvolvimento industrial há o deslocamento da produção, antes artesanal, para as fábricas mecanizadas. O trabalho passa a ser realizado por trabalhadores contratados especificamente para determinadas tarefas. O indivíduo é contratado individualmente, e não a família. Acontece a separação cada vez maior entre a casa e o local de trabalho. Os homens saem para o trabalho, ocupam espaços públicos, envolvem-se em assuntos da comunidade, na política, de mercado. As mulheres ficam em casa, no espaço privado, responsabilizando-se pelo cuidado dos filhos, manutenção e ordem da casa e preparo do alimento para a família. Cria-se assim a ideia das esferas pública e privada. A divisão do trabalho pode ser considerada como uma divisão sexual do trabalho que “foi primeiramente apontada para designar uma repartição complementar das tarefas entre homens e mulheres nas sociedades estudadas por etnólogos ou como mecanismo explicativo da estruturação da sociedade em família por Lévi-Strauss, como também para demonstrar que o que existe é uma relação de poder dos homens sobre as mulheres e não um sentido de complementaridade de tarefas, sentido estudado por antropólogas feministas” (KERGOAT, p.67, 2009). É uma forma de divisão do trabalho que decorre das relações sociais entre homens e mulheres adaptada histórica e culturalmente em cada sociedade. Até o inicio do século XX, o índice de mulheres trabalhando fora de casa era baixo. No Brasil, de acordo com o Código Civil de 1916, em seu artigo 233, ainda cabia ao marido a representação legal e o direito de autorizar a profissão da esposa. Com a ocorrência da Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) houve escassez de mão de obra, aumentando a participação das mulheres na força de trabalho assalariada, que passaram a executar tarefas nas fábricas que anteriormente eram consideradas de competência masculina, com a vantagem para o patrão, de ser mão de obra barata o que reduzia sensivelmente o custo de produção. Outra situação que levou não só as mulheres, mas também as crianças desde os cinco anos de idade a ingressar no ambiente fabril, foi a baixa remuneração pelo 32 trabalho dos homens impossibilitando a sobrevivência das famílias. A jornada de trabalho das mulheres e crianças era de até 18 horas e a justificativa para pagar um salário ainda mais baixo que o dos homens centrava-se no entendimento de ser obrigação do homem trabalhar e sustentar a mulher, além de, e principalmente, contribuir para o aumento e reprodução do capital. O MERCADO DE TRABALHO CAPITALISTA Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nos países de capitalismo avançado, “as mulheres representavam em torno de 29% da força de trabalho, nos anos subsequentes o número chegou a 45%. Em 1997, mais de 75 % das mulheres tinham emprego remunerado ou estavam em busca de um” (GIDDENS, 2005, p. 317). Na América Latina e no Caribe, segundo dados do Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresentado em 2008, o percentual chega a 53% das mulheres incorporadas ao mercado de trabalho, se forem consideradas as mulheres entre 20 e 40 anos a proporção chega a 70% (OIT, 2009). Pouco a pouco as mulheres vão ampliando seu espaço no mercado de trabalho. O fenômeno é constante e progressivo. No Brasil, em 1973, apenas 30,9% da População Economicamente Ativa (PEA) do Brasil eram do sexo feminino. Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), em 1999, elas já representavam 41,4% do total da força de trabalho. E em 2011 o percentual de mulheres que participam no mercado de trabalho sobe para 45,4% (IBGE, 2012). As estatísticas apontam que há mais mulheres do que homens no Brasil. Mostram também que elas vêm conseguindo emprego com mais facilidades e que seus rendimentos crescem a um ritmo mais acelerado que os homens. Mesmo com todas estas evoluções da mulher no mercado de trabalho, ela ainda está numa condição de desigualdade em relação aos homens, pois continua existindo preconceito e discriminação, mas principalmente desigualdade salarial entre homens e mulheres. Os rendimentos da mulher no mercado de trabalho são sempre inferiores aos dos homens, mesmo quando exercem a mesma função e têm a mesma forma de 33 inserção. Nem mesmo a maior escolaridade média feminina elimina essa diferenciação, indicando clara discriminação em relação ao seu trabalho. Os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) indicam que, em média, a mulher recebe cerca de 70% do rendimento dos homens (2012). Na nova divisão sexual do trabalho, as atividades de capital intensivo que exige conhecimentos técnicos são realizadas predominantemente pelos homens, ao passo que aquelas de maior trabalho intensivo, repetitivo frequentemente com menores níveis de qualificação, são preferencialmente destinadas às mulheres (KERGOAT, p. 67, 2009). DESIGUALDADES NO MUNDO DO TRABALHO As desigualdades no mundo do trabalho podem ser observadas, por exemplo, pela ocorrência da segregação ocupacional, ou seja, a concentração das mulheres em ocupações mal remuneradas que envolvem atividades de rotina como a de empregada doméstica, secretária, cuidado de crianças, entre outras. São ocupações marcadas pelo gênero, vistas comumente como “trabalho de mulher”. Também a concentração de mulheres em empregos de meio turno (criados por políticas de flexibilização do trabalho e expansão do setor de serviços) que tentam equilibrar o trabalho com as “obrigações familiares”. Em muitos casos, este equilíbrio significou o acesso da mulher ao mercado de trabalho, que de outra forma não seria possível. Contudo este tipo de ocupação possui a desvantagem dos baixos salários, insegurança no emprego, limitação de ascensão a outros cargos e consequentemente a precarização dos direitos trabalhistas. Muitas mulheres não questionam a divisão sexual tradicional do trabalho, aceitando a oportunidade de trabalho em meio turno, pois desta forma terão tempo para atender, principalmente a responsabilidade de criação dos filhos, que de modo geral não são assumidas pelos homens, não lhes deixando outra escolha. A desigualdade como consequência da divisão sexual do trabalho acontece na medida em que há uma legitimação social: é em nome da conciliação da vida familiar com a vida profissional que tais empregos são propostos às mulheres. A diferença salarial também é socialmente legitimada pela representação usual do salário feminino como renda complementar (HIRATA, 2009, p 110). 34 A vida familiar e o trabalho ali realizado relaciona-se ao cuidado de pessoas, cuidado da casa, ao papel de esposa, de mãe. Todas estas tarefas são realizadas gratuitamente e essencialmente por mulheres. Os homens praticamente não participam do trabalho doméstico, pois o seu papel amplamente aceito é a contribuição financeira para a manutenção da casa e educação dos filhos. Ainda, a discriminação da mulher na vida profissional se dá em decorrência da crença de que há carência de qualificação frente ao novo padrão de acumulação exigente de uma máxima qualificação da força produtiva, porém este argumento já não se sustenta em função da expansão educacional. Constata-se que, quando o acesso ao mercado de trabalho se dá via concurso público, os maiores percentuais tanto a nível médio quanto superior de escolaridade são registrados pela população feminina. Para Beck, “as mulheres estão muito bem em comparação com a geração de suas mães no âmbito dos direitos, da educação, da sexualidade e também profissionalmente. Ultrapassam seus maridos que possuem nível de formação semelhante, porém permanecem condenadas à pena de “trabalhos domésticos perpétuos”. Contrapõe-se ainda à autonomia econômica das mulheres o interesse pelo relacionamento com um companheiro e pela a maternidade, pois ambas as situações podem representar a impossibilidade de melhores chances profissionais” (BECK, 2010, 159). De acordo com as normas amplamente aceitas pela sociedade, onde surgir qualquer movimento pela igualdade ou questionando a desigualdade, recorre-se à natureza para explicar e justificar biologicamente as desigualdades de gênero vigentes. A partir da fertilidade da mulher, deduz-se sua responsabilidade pelos filhos, pelo trabalho doméstico e pela família em tempo integral, naturalizando-se a partir daí, a renúncia à carreira e a subordinação ao trabalho doméstico. Porém o movimento de liberação das mulheres que aconteceu no final dos anos 60, na França e demais países ocidentais, apoiado na denúncia da invisibilidade de uma parte do trabalho das mulheres, o doméstico, colocou na ordem do dia novas elaborações científicas e políticas. A partir de então, a produção doméstica é “definida por Chadeau e Fouquet (apud HIRATA, 2009, p. 259) como o conjunto das atividades dos domicílios que é possível substituir pelas de terceiros” e 35 que as atividades de homens e mulheres são consideradas dentro de um mesmo conjunto. No entanto as mulheres e os homens ainda têm papéis domésticos diferentes: a roupa, a cozinha e a louça ficam aos cuidados, quase que exclusivamente, das mulheres enquanto que aumentou o tempo dispensado pelos homens para os pequenos trabalhos e reparos. Em termos de tempo dispensado às atividades domésticas diminuiu a desigualdade, segundo pesquisa realizada na França, citada por Hirata. As mulheres ativas consagram em torno de três horas e os homens cerca de uma hora. O tamanho da casa, número de filhos e a idade são os principais fatores da variabilidade da produção doméstica (2009). Para mulheres e homens levar uma vida economicamente independente é preciso alterar não só as atribuições de papéis da família nuclear como também as estruturas institucionais planejamento urbano, do trabalho escolas, etc. profissional, que são dos direitos organizadas sociais, com base do no funcionamento da família nuclear tradicional com seus fundamentos estamentais de gênero. A igualdade não será alcançada jogando-se a responsabilidade de resolver tais conflitos ou dificuldades no âmbito familiar sem alterar as estruturas sociais. O mercado de trabalho atual “pressupõe uma sociedade sem família ou casamento. Cada sujeito tem de ser autônomo disponível para as demandas do mercado, para ser capaz de garantir economicamente sua existência. Pressupõe uma sociedade sem crianças, a não ser que sejam criadas por pais e mães móveis, solteiros” (BECK, 2010, p. 176). Diante de tal realidade, as mulheres necessitam dispor de uma rede de apoio e de substituição oferecida por instituições públicas, privadas ou comunitárias a fim de delegarem, durante o tempo em que estão exercendo atividades profissionais, a guarda de crianças e o cuidado com pessoas idosas e deficientes. Grande parte das outras tarefas será transferida para o final de semana ou realizada por trabalhadores domésticos remunerados, se houver disponibilidade financeira para sua contratação. 36 POLÍTICAS SOCIAIS Esta rede de apoio faz parte das políticas sociais que traduzem uma necessidade da população legitimada pelo poder público. Historicamente ligadas às medidas de proteção social, desenvolvidas desde o século XIX, as políticas sociais focam-se nas áreas da família, saúde, educação e moradia constituindo uma importante dimensão do Estado de Bem-Estar Social nos países industrializados, principalmente após a Segunda Grande Guerra. Ganharam um impulso especial com a entrada da mulher no mercado de trabalho objetivando socializar o trabalho de reprodução com a criação de creches e pré-escolas, residências para idosos, estabelecimentos especializados para pessoas com deficiência, etc. Este processo acontece de diversas formas, de acordo com a organização e condição de cada país. Na atualidade observa-se um conjunto de fatores que busca a socialização de soluções não mais centrada unicamente no Estado, mas compartilhada com a sociedade, sendo a família colocada no centro das políticas sociais. A família volta a ser considerada como corresponsável pelo desenvolvimento dos cidadãos, mediadora da relação indivíduo-sociedade e espaço do encontro de gerações. No Brasil a Assistência Social é política pública não contributiva que desenvolve ações junto às comunidades e às famílias em situação de maior vulnerabilidade, buscando assegurar redes de proteção e de desenvolvimento socioeconômico que visam a garantia de direitos essenciais ao exercício da cidadania. O fato de se considerar a mulher como figura central na família e da vida doméstica, vem merecendo destaque na esfera pública como referência para o recebimento de benefícios sociais devido ao fato de, a mulher, aplicar melhor os recursos no âmbito familiar. Em 2002 as mulheres eram referência em 29% das famílias brasileiras chegando a 37% em 2010 (IBGE, 2010). As políticas sociais reconhecem a família como espaço de proteção, porém não se voltam na perspectiva de gênero permanecendo as desigualdades sob formas injustas de oportunidades de acesso a bens e recursos. Não basta o acesso aos “mínimos sociais”5. 5 Previsão da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, para o atendimento de necessidades básicas. Lei Nº 8.742, de 7 de Dezembro de 1993.BRASIL, 1993. 37 As mulheres tendem a ser mais vulneráveis às condições de pobreza por ficarem limitadas quanto à qualidade da sua participação no mercado trabalho, condição adquirida pelas reduzidas oportunidades que auferiram em função da divisão sexual do trabalho. Tendo assim restritas as oportunidades de ampliação de seus rendimentos e de interação que lhes confira o aumento de sua bagagem profissional. As restrições acentuam-se mais ainda quando as famílias são chefiadas por mulheres sem o cônjuge, tendo de assumir sozinhas as responsabilidades e o ônus das mesmas. As famílias monoparentais estão relacionadas mais às mulheres do que aos homens. Segundo Azeredo: As condições de vulnerabilidade se acentuam não só pelo lugar da mulher na família, mas também pela família de determinado lugar. Importa pensar a dimensão geográfica da pobreza e o quanto isso recai sobre as famílias e mais especificamente sobre as mulheres (AZEREDO, 2010). É histórica no Brasil a segregação espacial que determina territórios marginais para a população que se encontra em situação de “privações carecendo de necessidades para a manutenção da vida (privação absoluta) ou carecendo de bens e serviços que julgam ter direito comparando com o restante da população (privação relativa)” (JOHNSON, 1997, p. 182). Segundo relatório sobre as cidades latino-americanas feito pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) realizado em 2012, cerca de 28% da população brasileira vivem nesses precários territórios. São lugares de difícil acesso aos recursos básicos, sem a presença do Estado e seus serviços, longe de condições que o lugar não proporciona, longe da escola, do hospital, do trabalho. Na ausência ou precária presença do Estado formam-se redes de solidariedade entre as famílias (na figura da mulher), tecidas entre parentes e na vizinhança principalmente para o cuidado das crianças. Forma encontrada para dar conta da reprodução e da proteção social de sua família. POBREZA X AUTONOMIA Embora o Brasil tenha avançado no combate às desigualdades, ainda encontra-se entre os países mais desiguais do mundo em distribuição de renda. O relatório da ONU (citado acima) aponta que 22% da população urbana brasileira 38 vivem em situação de pobreza. Este organismo considera como pobre a pessoa que vive com menos de US$ 2 (dois dólares) por dia, aproximadamente R$ 4,00 (quatro reais). Ao longo da história, a pobreza foi conceituada e tratada de diversas formas. Por muito tempo foi considerada uma situação individualizada, ligada ao caráter, à doença. Posteriormente a teoria crítica de Marx possibilitou seu entendimento apontando sua origem econômica ligada à posse ou não, dos meios de produção. Nos últimos anos a pobreza passou a ser entendida para além da dimensão unicamente econômica, sendo considerada como um fenômeno multidimensional que perpassa a dimensão social, econômica, política. Para Amartya Sen a pobreza é carência ou privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de oportunidades para alcançarem níveis minimamente aceitáveis. As principais fontes de privação de liberdade são a pobreza e a tirania, a carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos, entre outras Se faz necessário a remoção das privações de liberdade para permitir ao indivíduo a possibilidade de escolhas na condição de agente que age e ocasiona mudanças de acordo com seus próprio valores e objetivos, como indivíduo ou como participante de ações sociais, econômicas e políticas (SEN, 2000). Neste sentido a pobreza deve ser percebida como privação de capacidades básicas que não depende exclusivamente da baixa renda. Dependendo da composição familiar (número de jovens, idosos, papel desempenhado pela mulher), pela localização da moradia, acesso a serviços públicos, etc. que poderão contribuir para determinar a situação de pobreza. Um indivíduo livre da privação de alimentar-se possui mais condições para pensar, livre da privação de falta de saúde pode se locomover, livre do analfabetismo pode pensar, agir, opinar. Um programa social voltado para a geração de renda, por exemplo, não cumprirá o objetivo proposto, se o indivíduo estiver com fome e doente. Porém um indivíduo livre de privações será livre para ser agente de sua própria vida – emancipação e cidadania. Nesta perspectiva, as mulheres já não são mais vistas como receptoras passivas de auxílio para melhorar seu bem-estar. Cada vez mais assumem o papel de “agentes de mudança: promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida das mulheres e dos homens” (2000). 39 Para uma abordagem estratégica da pobreza, é importante considerar a possibilidade de políticas mais universais de provisão de bens e serviços sociais, além de estratégias redistributivas para a redução dos níveis de desigualdade. Para a construção de estratégias que visem a superação da pobreza, faz-se necessário levar em consideração não apenas os bens e serviços oferecidos através de políticas sociais pelo Estado, mas também as relações sociais com atenção ao território. A pobreza também é fruto das relações sociais e de processos de segregação e marginalização socioespacial. Sua superação também “envolve viver em espaços dotados de infraestrutura, tanto urbana quanto social, pois se sabe que a pobreza é espacialmente localizada e que o território é uma categoria central para caracterizar a pobreza e sua reprodução” (BRONZO, 2010). Considerando estas situações é imprescindível, do ponto de vista das políticas sociais desenvolver ações que promovam a busca de autonomia, ampliação de capacidades ou empoderamento das pessoas individualmente ou em grupos. Os resultados destas ações podem ter diferentes graus de importância mas todos se relacionarão ao aumento (em maior o menor grau) do protagonismo, da autonomia, do senso de dignidade e do aumento de capacidades. O fenômeno da pobreza é complexo e heterogêneo, possui multidimensionalidade em suas formas de manifestação e é multideterminado. Envolve situações objetivas e subjetivas, tangíveis e outras menos tangíveis. Também fazem parte a precariedade de renda por um longo período de tempo, as necessidades insatisfeitas, relações sociais fragilizadas além das várias formas de perdas. E a pobreza crônica caracteriza-se por várias destas situações acontecerem ao mesmo tempo, somando-se umas às outras, interagindo e se reforçando mutuamente aumentando assim, as dificuldades de transpor as privações ou bloquear seu ciclo. São necessárias tanto ações fundamentadas nas carências materiais e demandas básicas quanto àquelas voltadas para alterações dinâmicas que se processam via interações e relações sociais que promovem sustentabilidade efetiva. 40 3 USUÁRIAS DO CRAS E O MUNDO DO TRABALHO A Assistência Social no município de Cruz Alta está organizada em quatro eixos: Assistência Social, Geração, Trabalho e Renda, Segurança Nutricional e Alimentar e Bolsa Família. O eixo da Assistência Social está organizado em três tipos de atendimentos: Atendimento Central (plantão), Proteção Básica pelos dois CRAS instalados no município e a Proteção Especial pelo Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). O Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Comunidade Mãe, campo de realização dos três estágios curriculares e desta pesquisa, foi implantado em 2008. É uma unidade pública de assistência social, responsável pela organização e oferta de serviços de proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nas áreas de vulnerabilidade e risco social de seu território de abrangência composto por 33 bairros do município. Possui capacidade para referenciar até cinco mil famílias e capacidade de atendimento de até 1.000 famílias por ano. Suas ações organizam-se pela oferta de serviços da proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social – SUAS nas áreas de vulnerabilidade e risco social. Realiza o Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF) e de gestão territorial de proteção social básica que tem por objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (PNAS, 2004, p 33). Desenvolve ações que valorizam o sujeito enquanto cidadão de direitos e as suas relações com a família e a comunidade fortalecendo o sentimento de pertencimento, estreitando os laços sociais. A construção deste trabalho alicerçou-se na observação e reflexão sobre a realidade social e econômica do grupo de usuárias do CRAS Comunidade Mãe que participaram dos cursos profissionalizantes de Corte e Costura, organizados pelo eixo Trabalho e Renda da Assistência Social do município, que se realizaram no espaço físico do CRAS. Desta forma deu-se a aproximação ao grupo de usuárias que além das aulas técnicas (corte e costura) recebia informações sobre uma série de temas, previamente definidos entre o grupo e as assistentes sociais do CRAS. 41 Foram abordados assuntos sobre a política pública da Assistência social, sua construção desde a Constituição de 1988, passando pelas políticas, normas até sua consolidação como Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que em 2011 é transformado em lei6. Temas relacionados a garantia de direitos e também sobre o acesso dos usuários aos serviços ofertados pelo CRAS: recepção, acolhida, busca ativa, visitas domiciliares, acompanhamento de indivíduos, acompanhamento de famílias, encaminhamento, ação particularizada no CRAS, ação particularizada domiciliar, grupo/oficina de convivência e atividades socioeducativas com famílias. Outro tema abordado e discutido com o grupo foi sobre as formas de acesso ao mercado de trabalho ou formas alternativas de organização para o trabalho. Esta série de assuntos discutidos nos grupos oportunizou maior integração entre técnicos e usuários e um maior entendimento sobre funcionamento da instituição e da oferta de serviços, conforme define um dos princípios da Política Nacional de Assistência Social: “Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão” (PNAS, 2005, p. 33). Contribuindo assim, para a tomada de consciência sobre políticas públicas, direitos sociais e organização: um espaço para a construção de cidadania. A partir destas intervenções iniciou-se o processo de observação sistemática de forma contínua, oportunizada também pela realização e acompanhamento das demais atividades e ações desenvolvidas no CRAS. Estas observações foram registradas nos diários de campo produzidos durante os três estágios curriculares. Destas observações nasceu a proposta de Projeto de Intervenção7 que teve como objetivo de proporcionar às usuárias que realizaram cursos profissionalizantes de Corte e Costura, uma reflexão sobre as possibilidades de desenvolver e organizar sua produção e/ou trabalho de forma autogestionária. No decorrer do desenvolvimento deste trabalho, surgiram vários questionamentos que resultaram no atual projeto de pesquisa, que por certo trará outras interrogações. O objeto de pesquisa foi delimitado entre o grupo de usuárias da Assistência Social que realizaram os cursos profissionalizantes de corte e costura no período de 2011 a 2012, pertencentes ao território de abrangência do CRAS Comunidade Mãe do município de Cruz Alta/RS. Conforme combinação durante a ocorrência das aulas 6 7 Lei n° 12.435 de 6 de julho de 2011. Atividade realizada no período de Estágio III, como um exercício profissional no campo de estágio. 42 dos cursos de corte e costura, formar-se-ia um novo grupo após conclusão do mesmo onde se desenvolveria o Projeto de Intervenção, supracitado. Das 19 usuárias que residem na área de abrangência do CRAS Comunidade Mãe, 07 atenderam o convite para formar o grupo que objetivava construir uma rede interna com as mulheres que realizaram o curso de corte e costura, contribuindo para o estabelecimento de relações horizontais entre elas, favorecendo para a sensibilização e o entendimento sobre a produção e/ou trabalho autogestionário. As mulheres que não vieram ao CRAS para formar esse grupo de reflexão acerca do mundo do trabalho totalizaram 12, este grupo especificamente é o objeto de estudo desta pesquisa. Quem são estas mulheres? Qual seu perfil? Qual sua ocupação? Seu papel no grupo familiar? Por que não vieram ao CRAS dar continuidade às discussões (iniciadas durante o curso de corte e costura) acerca do mundo do trabalho? Para proceder à análise de conteúdo da pesquisa, as observações foram classificadas e agrupadas de acordo com tema que abordaram e concentradas por categorias segundo o seu significado: a) Todas as mulheres são alfabetizadas, pois é uma necessidade para apreender os conhecimentos passados nas aulas, pela professora do curso de corte e costura. A escolaridade do grupo varia entre o Ensino Fundamental incompleto ao Ensino Médio completo. Suas idades são de faixas etárias diferenciadas formando um grupo heterogêneo, oscilando entre 24 a 57 anos. Alfabetização foi a categoria escolhida para representar a serie de informações classificadas neste primeiro item. Segundo o IBGE (2012), verifica-se que nas últimas décadas do século XX, a alfabetização no Brasil alcançou o índice 86,40 %. Houve queda importante da taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, o aumento regular da escolaridade média e da frequência escolar. No entanto, a situação da educação no Brasil ainda não é satisfatória. Observando-se as populações em situações de vulnerabilidade social e econômica, percebe-se que coincidem com o analfabetismo ou baixa escolaridade. Porém, analisando estas informações com os dados da pesquisa, observa-se que embora o grupo seja alfabetizado, e algumas usuárias possuem inclusive o ensino médio completo, percebe-se a situação de vulnerabilidade social. Portanto de acordo com o objeto de estudo, o grau de alfabetização de forma isolada não é indicativo de vulnerabilidade social ou não vulnerabilidade social. 43 De acordo com Beck “embora as meninas sejam a maioria nas escolas e seu rendimento escolar também ser maior que dos meninos, permanece a diferença de gênero por meio de comportamentos de pais e professores, bem como o material didático reforçando a cultura do que é função de menino e o que cabe às meninas” (2010, p.153). Tal diferença se perpetua no cotidiano das pessoas, em suas famílias e na comunidade, demonstrando claramente como se desenvolve as atribuições e a ocupação feminina. O grau de escolaridade não basta para a mulher ocupar certos espaços no mercado de trabalho e obter a valorização profissional. Isto ocorre por conta da cultura da diferença, onde a mulher continua a ocupar espaços específicos destinados a ela, a exemplo dos dados da presente pesquisa. Ainda há de se considerar que à medida que diminuem os postos de trabalho manual ou de menor qualificação, o mercado de trabalho formal passa a exigir trabalhadores com maior grau de escolaridade, maior capacidade para adquirem novas habilidades, um trabalhador mais intelectualizado. Desta forma segregando ainda mais o trabalhador de baixa escolaridade. Sobram os postos de trabalho na informalidade, “flexíveis”, precários, temporários e com baixa remuneração. No geral, o mundo do trabalho está cada vez mais complexo e o mercado de trabalho formal cada vez mais exigente. Fazendo-se um recorte sobre a questão de gênero neste universo, mais difícil ainda é o acesso da mulher usuária da Assistência Social ao trabalho formal e qualificado. b) Quanto ao estado civil, o grupo também é bastante heterogêneo, sendo formado por mulheres viúvas, casadas, solteiras e separadas, sendo o núcleo familiar de convivência formado em média entre três e quatro pessoas. A maioria das famílias é coposta pela mulher e seus filhos, destacando-se a nova conformação familiar onde, em geral, a mulher é a provedora. Conformação Familiar é a categoria eleita para agrupar informações deste item da pesquisa. As famílias monoparentais têm aumentado significativamente nos últimos anos e, em sua maioria, são chefiadas por mulheres. A histórica divisão sexual do trabalho traz consigo as obrigações domésticas e cuidado com os filhos como função da mulher, dificultando sua qualificação profissional e o acesso ao mundo do trabalho. A conciliação entre a vida familiar e o trabalho e seus precários 44 rendimentos, são situações que contribuem para o agravamento da condição de vulnerabilidade e consequentemente o aumento dos riscos sociais. Este recorte de estudos já realizados é corroborado pelos dados desta pesquisa que de forma muito clara retrata a realidade das mulheres. No grupo observado, apenas um núcleo familiar não é de responsabilidade da mulher. Essas considerações demonstram a realidade das famílias monoparentais em situação de vulnerabilidade social e a necessidade da rede de apoio, que geralmente é organizada e ofertada pelas políticas públicas por meio de equipamentos sociais de qualidade como creches, escola em tempo integral, serviço de saúde, entre outros. Esta rede desempenha o importante papel de apoio no cuidado com os filhos liberando a mulher para o trabalho com possibilidades de melhoria de vida. No município de Cruz Alta existe a rede de apoio, porém não consegue atender as demandas sociais por completo. Nas situações de não haver vagas na creche, as mulheres não tem onde deixar os filhos e consequentemente não conseguem sair para trabalhar. Nos núcleos familiares formados apenas pela mulher e pelos filhos pequenos, a rede de apoio é extremamente importante, principalmente com referência ao cuidado com os filhos. c) A ocupação se dá basicamente com trabalhos temporários ou como empregados(a) domésticos(a), trabalho doméstico (realizado em casa) ou então a situação de desemprego. A renda familiar em nenhum caso é superior a um salário mínimo e na maioria das famílias, a renda é complementada pelo Programa Bolsa Família8. Divisão sexual do trabalho é a categoria que concentra os dados deste outro grupo de informações. Segundo Hirata, “a divisão sexual do trabalho que é legitimada pela sociedade, determina algumas regras em função das ocupações e funções destinadas à mulher considerando sua natureza de reprodução. Envolvem atividades de rotina, relacionado ao cuidado com as pessoas, o trabalho de meio turno devido à expansão do setor de serviços e que facilita o desempenho das atividades domésticas, o trabalho semiprofissionalizado, de menor remuneração, 8 Programa de transferência de renda que beneficia famílias em situação de pobreza, com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais baseando-se na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. MDS. Disponível em: < http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>. Acesso em 20 nov. 2012. 45 entre outros” (2009). São normas que variam de uma sociedade para outra e de acordo com determinados períodos históricos, portanto não são imutáveis. Apesar da igualdade formal em relação aos homens, as mulheres ainda passam por diversas situações de desigualdade no mercado de trabalho. Na atualidade ainda permanecem regras, no geral aceitas e não questionadas pelas mulheres, que determinam naturalmente seu papel de cuidadora na família e na esfera pública a ocupação em trabalhos ligados a atividades de rotina. Analisando-se os dados observados na pesquisa têm-se informações semelhantes que enriquecem os estudos já realizados acerca da divisão sexual do trabalho acrescentando a importância das políticas sociais como garantia de renda para as famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social. d) As demandas das usuárias, ao procurarem o CRAS vão desde a busca de informações sobre acessos a direitos básicos como a alimentação, roupas, redução de preço de tarifas públicas, medicação de uso contínuo. Descumprimento de condicionalidades que bloquearam benefícios sociais, cumprimento de ordens judiciais, informações sobre cursos e oficinas, inscrição dos filhos no Projovem Adolescente9 e no programa Aprendiz Legal10. Demandas Sociais é categoria definida como significativa das situações elencadas neste último item. Esta categoria engloba temas que se considera como consequências das demais categorias. A Constituição de 1988 assegura os direitos relativos à assistência social que são normatizados e organizados por leis, políticas, normas e serviços instituídos até o momento. O CRAS é a unidade pública que efetivamente referencia os usuários na rede socioassistencial e que, de forma exclusiva oferta o Serviço de Atendimento Integral à Famíla – PAIF. Este serviço é uma ação continuada da assistência social que busca além da redução da ocorrência de situações de vulnerabilidade social, prevenção da ocorrência de riscos sociais, seu agravamento ou reincidência, como também o aumento de acessos a serviços socioassistenciais e setoriais e a melhoria da qualidade de vida das famílias 9 Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e Jovens de 15 a 17 anos que objetiva o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no sistema de ensino. MDS. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/servicos/projovem>. Acesso em 21 nov. 2012. 10 Programa de aprendizagem voltado para a preparação e inserção de jovens no mundo do trabalho, que se apoia na Lei 10.097/2000, a Lei da Aprendizagem. APRENDIZ LEGAL. Disponível em: <http://www.aprendizlegal.org.br/main.asp?TeamID={5E361F95-62FC-41FB-81F6-DEE27C2562B4}.>. Acesso em 21 nov. 2012. 46 residentes no território de abrangência do CRAS. Este trabalho é desenvolvido por meio de ações pré-determinadas e planejadas de acordo com as políticas sociais e normatizações vigentes. Analisando-se as demandas das mulheres junto ao CRAS percebe-se que todas são manifestações decorrentes de uma situação maior, mais ampla que faz parte de uma totalidade. Por exemplo, se a demanda é alimentos, ela acontece em decorrência de um dos temas que compõe a categoria “divisão sexual do trabalho” como “a situação de desemprego” que por sua vez é uma manifestação da questão social que está vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho. Observando as questões norteadoras desta pesquisa, percebe-se que as demandas, no geral são questões emergenciais, de necessidade imediata, que não sendo possível resolvê-las no âmbito da família ou da comunidade, busca-se o espaço público para a resolução. O indicativo para a não participação no grupo de discussões acerca do mundo do trabalho apresenta-se por meio de situações de ocupação fora de casa em uma das atividades apresentadas na pesquisa ou ocupadas com trabalhos domésticos e cuidado com os filhos. “São as privações de liberdades que impede o sujeito de ser agente de sua própria vida, de sua emancipação, de sua cidadania. A privação de liberdades básicas impede as pessoas de participarem da vida social, econômica e política da comunidade” (SEN, 2000, p. 18). Cabe registrar, a título de comparação, que as mulheres que participaram do grupo de discussões era formado por mulheres com idade mais avançada, aposentadas e sem a presença de crianças no núcleo familiar que necessitassem de seus cuidados. A realidade de vulnerabilidade social e econômica apresentada pelo estudo está inserida em uma realidade de subproletarização do trabalho que se evidencia através do trabalho precário, temporário, subcontratado, entre outras modalidades existentes mundo afora. É o chamado desemprego estrutural. No Brasil, o desemprego atinge uma população, segundo IBGE, de 1,3 milhão de pessoas, ou seja, 5,3% dos trabalhadores brasileiros encontram-se desocupados. A realidade de Cruz Alta é avaliada pela taxa do RS que é de 3,9% de desempregados (dados de outubro de 2012) (IBGE, 2012). Acredita-se que o desafio diante desta realidade é o desenvolvimento de processos alternativos de produção e de trabalho, de forma solidária e 47 autogestionária, que sejam socialmente necessários fugindo da lógica puramente capitalista que é baseada na produção exclusiva com valor de troca e em tempo excedente. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho abordou a questão de gênero e o mundo do trabalho dando ênfase às mulheres usuárias da assistência social, referenciadas ao CRAS Comunidade Mãe de Cruz Alta para onde convergem as demandas sociais das comunidades que abrange. A situação de vulnerabilidade social foi apontada como uma possível hipótese para as dificuldades encontradas pelas mulheres para acessar o mundo do trabalho Esta hipótese se baseou em observações de uma realidade social que se percebia no inicio do trabalho e que com o seu desenvolvimento veio se confirmar, porém com algumas situações a serem reconsideradas. Os objetivos propostos para este trabalho, de identificar as dificuldades encontradas pelas usuárias do CRAS que realizaram o curso de corte e costura para acessar o mercado de trabalho capitalista: caracterizando seus perfis, identificando as atividades desempenhadas em seu cotidiano e analisando as formas utilizadas para o enfrentamento da realidade vivida, foram alcançados em sua plenitude por meio da sistematização das observações realizadas durante os três períodos de estágio curricular. As observações foram classificadas e agrupadas por categorias segundo o seu significado e de acordo com os objetivos traçados. Desta forma foi possível observar as informações individualmente e em grupo formando as categorias de representação: alfabetização, conformação familiar, divisão sexual do trabalho e demandas sociais. Foi possível observar quanto ao perfil das mulheres que todas estão em idade ativa para o trabalho e que todas são alfabetizadas. Este perfil representado pela categoria “alfabetização” desmistifica, em certo grau, que a situação de 49 vulnerabilidade social está ligada ao analfabetismo. Pois nesta pesquisa, há situação de vulnerabilidade social e não há analfabetismo. Ficou evidente na categoria “conformação familiar” que independentemente do estado civil das mulheres, o núcleo familiar é formado pela mulher e seus filhos. Em média é composto por três e quatro pessoas, sem a presença da figura paterna. Nesta nova conformação familiar a mulher é a provedora. Percebe-se, nesta nova configuração do núcleo familiar a sobrecarga que recai sobre a mulher em relação ao cuidado com os filhos e manutenção da casa, dificultando a sua saída para o trabalho ou para acessar o mercado de trabalho. Foram observadas situações que foram agrupadas na categoria “divisão sexual do trabalho” que também contribuem para a vulnerabilidade destas mulheres e suas famílias. Esta categoria diz respeito às atividades desenvolvidas em seu cotidiano. As mulheres ocupam-se em trabalhos temporários, como empregadas domésticas, com o trabalho doméstico realizado em casa ou estão desempregadas. A renda familiar, em nenhum caso ultrapassa a um salário mínimo, sendo complementada pelo Programa Bolsa Família. E por fim as observações que traduzem as formas utilizadas para o enfrentamento da realidade vivida por cada uma das usuárias, além do que já foi colocado, se resumem na categoria “demandas sociais”. Que se manifestaram na busca de informações sobre acesso a direitos básicos com a alimentação, roupas, medicação de uso contínuo, redução de tarifas de serviços públicos. Também para reaver benefícios perdidos pelo descumprimento de condicionalidades, para o cumprimento de ordens judiciais, busca de alternativas para ocupação dos filhos como o Projovem e Aprendiz Legal. São necessidades imediatas e muitas vezes urgentes que as mulheres buscam resolver no espaço público uma vez que não conseguiram resolver em suas casas ou junto à comunidade. Estes resultados obtidos no processo de pesquisa trazem informações importantes sobre um determinado grupo, representativo de um universo maior. A confirmação da hipótese também é importante, pois demonstra que a observação prévia estava no caminho certo, e que os trabalhos e projetos pensados para as usuárias pertencentes ao território do CRAS Comunidade Mãe também. Porém desmistifica algumas situações que são particularidades de uma determinada realidade social, de uma determinada comunidade em um determinado contexto histórico cultural. 50 Concluindo, pode-se dizer que as ações e movimentos observados como causadores e caracterizadores da situação de vulnerabilidade social, não são agentes isolados. A situação de vulnerabilidade caracteriza-se por várias “categorias” acontecerem ao mesmo tempo ou somando-se umas às outras, interagindo e se reforçando mutuamente aumentando assim a dificuldade de transpor ou bloquear seu ciclo. Para além da situação exposta, importante considerar ainda as consequências dos processos da globalização da economia capitalista que impõe uma nova conformação do trabalho em tempos de desemprego estrutural: trabalhoterceirizado, trabalho-flexibilizado, trabalho-precário, trabalho-por-hora, trabalhoparcial gerando desigualdade social e pobreza de um lado e concentração de renda de outro. A construção do presente trabalho foi uma atividade que sintetizou conhecimentos adquiridos durante o período acadêmico e dos estágios curriculares possibilitando reflexões e aprendizado sobre a realidade empírica sintonizados com a teoria apreendida. Pode-se dizer ainda que o processo de pesquisa é cíclico, não se encerra. A cada descoberta, novas perguntas com novas respostas. Sabe-se, não são definitivas. 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ACOSTA, Ana Rojas, VITALE, Maria Amalia Faller (Orgs). Família: redes, laços e políticas públicas. 5. Ed.São Paulo: Cortez, 2010. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2010. ______. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. AZEREDO,Verônica Gonçalves. Entre Paredes e Redes: o lugar da mulher nas famílias pobres. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 103, setembro de 2010. Disponível em : < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010166282010000300009>. Acesso em 28 out. 2012. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: 34, 2010. BRASIL. 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