LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO DO ESTADO E A PROPOSTA DA TRAGÉDIA DOS COMUNS CONTRA EXAUSTÃO DE BENS NATURAIS João Ricardo de Oliveira Pavon Filho (bolsista CNPq), Marlene Kempfer Bassoli, e-mail: [email protected] Universidade Estadual de Londrina/Departamento de Direito Público/CESA Área e subárea do conhecimento: Direito/Direito Público. Palavras-chave: Tragédia dos Comuns; liberdade; propriedade. Resumo A liberdade alçou-se a patamar de direito pelo qual a sociedade exige proteção. Assim sendo, a liberdade no usufruto de bens públicos de uso comum, como águas e terras férteis, tem como faceta contemplar a todos com o gozo dos benefícios advindos da sua exploração. Essa premissa esbarra na realidade de que os recursos do ambiente são finitos e sua extinção é acelerada indiscriminadamente. Garrett Hardin traduz esse fato em seu artigo “Tragédia dos Comuns” (1968), argumentando que o puro acesso a qualquer bem público, sem que nenhum agente, em qualquer grau, suporte os ônus dessa atividade, conduz à desfiguração, inutilização e até exaurimento desse bem. A natureza é um complexo sistema e interferir torna-o vulnerável. O presente trabalho analisa papel do Estado em intervir por meio de políticas públicas incentivadoras – não somente repressivas – nas relações econômicas e sociais de modo a suportarem proporcionalmente os custos do usufruto de recursos. Introdução Na história da sociedade ocidental tem-se pluralidade de visões econômicas a respeito do desenvolvimento e das atribuições do Estado ao longo do tempo. A sociedade exigiu transformações nas atribuições do ente público e isso aconteceu em diferentes níveis e velocidades. Passaram-se períodos de completa abstenção do poder público como também de agigantamento do Estado. Ambos os espectros revelaram-se ineficientes em salvaguardar o meio ambiente e a sociedade (VEIGA, 2014). 1 As transformações econômicas e tecnológicas por que passam as populações impactam diretamente a questão ambiental (JACOBI, 2006). Nas décadas pós Revolução Industrial, a sociedade passou a consumir mais, em especial no Ocidente. Ocorreram grandes transformações tecnológicas, como a invenção da televisão nos anos 40 e a popularização dos automóveis a partir da década de 70. A mortalidade infantil e materna despencou. O acesso a tratamento de saúde durante a gravidez não eram somente para aqueles que poderiam pagar. A urbanização explodiu no hemisfério norte já nos anos 50, enquanto que uma intensa migração do campo para a cidade tomou conta dos países do hemisfério sul a partir de 1980. É nesse caldeirão de transformações sociais e econômicas que o ecologista americano Garrett Hardin, observando o intenso crescimento da população e o aumento progressivo no consumo de bens materiais e alimentos patrocinados pelo Estado Social capitalista (BONAVIDES, 2011, p. 59), publicou, em 1968, na revista de biologia “Science”, o artigo “A Tragédia dos Comuns”. No texto de Hardin, destaca-se o acesso da sociedade e, principalmente, das empresas e organizações econômicas, aos bens públicos, classificados como “sem proprietário” e que isto poderia causar a superexploração. Denominou-se “tragédia” o uso desmedido desses bens – os chamados “comuns”. Hardin entende que é possível atuação positiva do Estado por meio de atos legais. Assim, a legislação brasileira incorpora alguns conceitos da lógica hardiniana, principalmente no que diz respeito, por exemplo, à preferência, pela Administração, para a aquisição de produtos sustentáveis e com certificado de procedência quando dos procedimentos licitatórios (DERANI, 2001, p. 132). Procedimentos metodológicos O presente trabalho tem por escopo traçar um perfil das transformações sociais e econômicas ocorridas ao longo dos anos desde que a Revolução Industrial permitiu que o desenvolvimento das nações ocorresse de forma acelerada, e o consumo humano de bens naturais aumentou em escala geométrica. Em um fichamento que percorre diversas obras dos mais variados campos científicos, foram utilizados livros que discorriam sobre Direito Administrativo, Direito Ambiental e Teoria do Estado, além de análises minuciosas de dispositivos constitucionais que tratam sobre o meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal) e de diplomas legais como a lei de licitações públicas (lei 8.666/93), relacionando a pesquisa com os textos produzidos por Garret Hardin, em especial “A Tragédia dos Comuns” (1968), e com o ideário neomalthusiano baseado na obra “Um Ensaio Sobre o Princípio Populacional” (1798). 2 Resultados e Discussão Garrett Hardin, em “A Tragédia dos Comuns” (1968), afirma que o problema da população mundial não tinha uma solução técnica. Era impossível, segundo ele, que invenções pudessem conter o expansionismo humano. Nesse sentido, é flagrante a remissão à obra “Um Ensaio Sobre o Princípio Populacional” (1798), em que Thomas Malthus afirma que a tendência à época era que o consumo de alimentos crescesse em escala aritmética, ao passo que a curva demográfica cresceria em escala geométrica (MARTINE, 2005). No entanto, embora flerte com o neomalthusianismo, Hardin preceitua que a finitude do mundo e de seus recursos já não era mais alvo de debate pelo simples fato de que se incorporara à realidade, ou seja, não obstante as objeções feitas à tese, o mundo já era considerado finito; dessa forma, o autor entende que independentemente da curva populacional, a sociedade humana enfrentaria diversos problemas pelo fato de que, ainda que com menos pessoas no mundo, estas estariam a consumir em uma escala crescente e infindável. O problema, portanto, desloca-se do aumento demográfico indiscriminado para o aumento do consumo de bens naturais pela sociedade. O esgotamento de recursos naturais é imperativo, e o Estado não é capaz de agir contra esse fato, pois inúmeras regulamentações já se provaram mera burocracia que não reverte o danoso processo. Assim, utilizando-se do brocardo de que proibição é mais fácil de legislar do que temperança, mas somente a temperança produz efeitos concretos e duradouros, Hardin propõe que haja mecanismos não somente proíbam a utilização excessiva do bem comum público, mas que incentivem os indivíduos à racionalização – em suma, mecanismos de fomento de boas condutas. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 e a legislação administrativa parecem seguir na mesma linha de Garett Hardin, ao estipular, por exemplo, preferência do poder público para produtos ecologicamente sustentáveis e elevar a objetivo dos procedimentos licitatórios a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Trata-se, pois, de clara intervenção do Estado por meio de aspectos positivos que extrapolam a simples proibição, tornando o atingimento desses objetivos desejável não somente à sociedade, mas também aos agentes que atuam no campo econômico. Conclusões É possível estabelecer um paralelo entre a constante exaustão de bens naturais públicos e a excessiva liberdade irrestrita com que se permite aos agentes particulares e públicos tenham acesso a estes. Um modelo inteligente de economia, contudo, não deve se assentar tão somente na mera intervenção proibitiva do Estado, mas na atuação incentivadora, buscando reprimir más 3 condutas que agridam o meio ambiente e fomentar ações que o preservem. Para tanto, é necessário que se crie um ambiente favorável aos agentes econômicos sem que seja necessário entrar em conflito com o capital privado. Exemplos bem sucedidos nesse sentido podem ser notados em diversos diplomas legais e ações do poder público brasileiro. A ordem social e econômica brasileira se assenta no princípio de que a livre iniciativa deve ser respeitada, ao mesmo tempo em que louva a função social da propriedade. A constante busca para que se atrelem esses dois institutos é o que vai definir até que ponto as ideias de Hardin fazem sentido num mundo globalizado e que antecipa ano após ano a ocorrência da tragédia dos comuns. Referências BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. São Paulo: Malheiros, 2011. 230 p. CAMARANO, Ana Amélia. O novo paradigma demográfico. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232013002 000001>. Data de acesso: 23 de agosto de 2016. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 2001. 302 p. HARDIN, Garrett. The Tragedy of the Commons. Disponível em: <http://www.garretthardinsociety.org/articles_pdf/tragedy_of_the_commons.pdf >. Data de acesso: 16 de agosto de 2016. JACOBI, Pedro. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414753X2006000100010>. Data de acesso: 29 de agosto de 2016. MALTHUS, Thomas. An essay on the principle of the population. Disponível em: <http://www.esp.org/books/malthus/population/malthus.pdf>. Data de acesso: 25 de agosto de 2016. MARTINE, George. O papel dos organismos internacionais na evolução dos estudos populacionais no Brasil: notas preliminares. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010209820050002000 05>. Data de acesso: 30 de agosto de 2016. VEIGA, José Eli. O âmago da sustentabilidade. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142014000300 002>. Data de acesso: 01 de setembro de 2016. 4