FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS PAULO ANTÔNIO MACHADO DA SILVA FILHO DO CONFLITO APARENTE ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E NORMAS DE TRATADOS INTERNACIONAIS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS Nova Lima - MG 2014 Paulo Antônio Machado da Silva Filho DO CONFLITO APARENTE ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E NORMAS DE TRATADOS INTERNACIONAIS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Sacha Calmon Navarro Coêlho Nova Lima – MG 2014 MACHADO DA SILVA FILHO, Paulo Antônio S586 c Do conflito aparente entre normas antielisivas e normas de tratados internacionais para evitar a dupla tributação da renda de pessoas jurídicas./ Paulo Antônio Machado da Silva Filho – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2014. 213 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coelho Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos Referências: f. 209-2013 1. Tributação. 2. Normas antielisivas. 3. Tratados internacionais tributários. 4. Conflitos aparentes. I. Coelho, Sacha Calmon Navarro. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título CDU 336.2:341.241(043) Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206 Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial Dissertação intitulada “Do conflito aparente entre normas antielisivas e normas de tratados internacionais para evitar a dupla tributação da renda de pessoas jurídicas, de autoria do Mestrando Paulo Antônio Machado da Silva Filho”, para avaliação da banca constituída pelos seguintes professores: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho – FDMC Orientador Prof. Dr. André Mendes Moreira Prof. Dr. Alessandra Machado Brandão Teixeira Prof. Dr. Alexandre Antonio Alkmim Teixeira Nova Lima, 28, novembro, 2014. Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900 A minha mãe Maria Cristina de Almeida da Fonseca, pelo incentivo e carinho, e, ao meu pai Paulo Antônio Machado da Silva, pelo apoio. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço bastante ao professor Doutor Sacha Calmon Navarro Coêlho pelas orientações apresentadas, sem as quais o presente estudo não teria sido finalizado. Agradeço, ainda, pela disponibilidade em aceitar a orientação, e, pelo exemplo como tributarista. Agradeço, em seguida, aos professores do curso de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos que tive a honra de ser aluno: Rodolpho Barreto Sampaio (“Teoria das Obrigações Empresariais” e “Direito Empresarial Contemporâneo”); Jason Soares de Albergaria Neto (“Sociedades Empresárias”); Mônica Mata Machado de Castro (“Metodologia da Pesquisa Científica”); Ricardo Adriano Massara Brasileiro (“Filosofia do Direito”); Marisa Cintrão Forghieri (“Estágio de Docência LP II”), Felipe Fernandes Ribeiro Maia (“Sociedade Anônima no Direito Contemporâneo”) em especial ao professor André Mendes Moreira, por lecionar a matéria de Direito Tributário (“Direito Tributário Empresarial”). A realização desse Mestrado não seria possível sem o aproveitamento de crédito das disciplinas isoladas realizadas na instituição PUC Minas, nos anos de 2008 e 2012, com os professores Paulo Roberto Coimbra Silva (“Teoria Geral do Direito Tributário), e Flávio Couto Bernardes (“Sanções Tributárias”), os quais também agradeço pelos conhecimentos transmitidos através das disciplinas mencionadas. Notadamente, ao professor Flávio Couto Bernardes também registro o meu grande agradecimento pelos conselhos dada para a realização do Mestrado. Agradeço também ao professor Marciano Seabra de Godói, por ter aceitado a minha inscrição em sua disciplina “Direito Tributário Internacional” na PUC Minas, no segundo semestre de 2014, e, cujos conhecimentos agregados ao longo das aulas que participei, antes da finalização do presente estudo, foram indispensáveis para a sua lapidação final. Aos meus pais pela grande oportunidade de sempre estar estudando e por sempre me apoiarem nas decisões tomadas ao longo da minha vida. A Suelen Souza de Oliveira, por ser minha companheira durante a trajetória do Mestrado, e, pelo amor que sempre demonstrou. “I suspect that if a million monkeys were put in front of a million typewriters, by Wednesday one of them would have come up with an improved version 1 of the Income Tax Act.” (Paul Gerber, Senior Member, Administrative Appeals Tribunal, Australia) 1 Tradução livre: “Eu suspeito que se um milhão de macacos forem colocados em frente a um milhão de máquinas de escrever, até quarta-feira um deles terá feito uma versão melhorada da legislação do Imposto de Renda.” RESUMO Esta dissertação de Mestrado em Direito consiste no estudo elaborado para o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito Milton Campos, tendo como referência o projeto “A Preservação da Empresa e o Poder de Tributar”, vinculado à linha de pesquisa “A empresa na contemporaneidade”. O tema escolhido foi “Do conflito aparente entre normas antielisivas e normas de tratados internacionais para evitar a dupla tributação da renda de pessoas jurídicas”. Como problema de pesquisa, a questão colocada foi: As normas antielisivas internas conflitam com as normas dos Tratados Internacionais Tributários? Para tanto, procedeu-se a uma pesquisa no sentido de delimitar as variáveis do problema e, assim, especificar o que seriam as normas antielisivas internas e as normas de Tratados Internacionais Tributários. Além da delimitação das variáveis, imprescindível foi demonstrar como tais normas se comportam no ordenamento jurídico, especificamente no brasileiro. Para tanto, diferencia evasão fiscal de elisão fiscal, normas antielisivas internas de normas antielisivas internacionais, e normas gerais antielisivas de normas específicas antielisivas. No tocante a variável Tratados Internacionais Tributários, foram estudadas as correntes monista e dualista e suas mutações. A tese da incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico foi analisada pelo meio da adoção e da transformação. E, ainda, analisou-se o posicionamento do Poder Judiciário sobre a hierarquia dos Tratados Internacionais Tributários, levandose em conta o art. 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Foi estudado o conflito entre as normas internacionais e as normas internas, a interpretação dos tratados internacionais e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), além dos Comentários à Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com destaque para o Artigo 1º e para a Revisão de 2003. O resultado alcançado pelo estudo foi a comprovação de que as normas antielisivas internas (gerais e específicas) não confrontam com as normas dos Tratados Internacionais Tributários, mas, sim, garantem a correta aplicação destes. Palavras-chaves: Tributação. tributários. Conflito aparente. Normas antielisivas. Tratados internacionais ABSTRACT This dissertation from Master of Law is a research for the Post-Graduation Program from the Faculty of Law Milton Campos, with reference to the project "The preservation of the company and the power to tax", linked to the research line "The company nowadays". The theme chosen was "The apparent conflict between anti avoidance rules and rules from international treaties to prevent the double taxation of income from legal entities". As a problem from research, the question asked was: Internal anti avoidance rules conflict with rules of International Tax Treaties? Therefore, it proceeded to a survey in order to delimitate the variables of the problem and, thus, specify what would be the internal anti avoidance rules and the rules from International Tax Treaties. In addition to the definition of the variables, it was imperative demonstrate how such rules behave in the legal order, specifically in the Brazilian. Therefore, differentiates tax evasion and tax avoidance, internal anti avoidance rules and international anti avoidance rules, and general anti avoidance rules and specific anti avoidance rules. Regarding the variable International Treaties Tax, the monism and dualism theories and their mutations were studied. The thesis of the incorporation of international treaties in the legal system was analysed by through the adoption and transformation. Also, it was analysed the position of the judiciary on the hierarchy of international treaties Tax, taking into account Article 98 from the National Tax Code (CTN). It was studied the conflict between international standards and internal standards, the interpretation of international treaties and the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT), in addition to comments on the Organization Model Convention for Economic Cooperation and Development (OECD), with especially Article 1 and for the 2003 Revision. It was studied the conflict between international standards and internal standards, the interpretation of international treaties and the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT), besides to Commentaries on the Model Convention from the Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD), highlighting the Article 1 and the 2003 Revision. The result achieved by the study certifies that the internal anti avoidance rules (general and specific) do not conflict with the rules of the International Tax Treaties, but rather ensure the correct application of these. Keywords: Tax. Anti-avoidance Rules. International tax treaty. Apparent conflict. LISTA DE ABREVIATURAS ampl. – ampliada art. - artigo coord. – coordenadores ed. – edição edn. – edição org. – organizador orgs. – organizadores p. – página pp. – páginas para. – parágrafo ss. – seguintes v. - volume LISTA DE SIGLAS CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais CFC - Controlled Foreign Corporations CTN – Código Tributário Nacional GAAR – General anti avoidance rules IBFD – International Bureau of Fiscal Documentation IFA – International Fiscal Association CVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PDGRNC – Princípios de Direito Geralmente Reconhecidos pelas Nações Civilizadas SAAR – Special anti avoidance rules STF – Supremo Tribunal Federal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................ 13 2 2.1 NORMAS ANTIELISIVAS........................................................... Distinção entre elisão e evasão fiscal (tax avoidance e tax evasion)...................................................................................... Simulação.................................................................................... Fraude à lei................................................................................. Abuso do direito.......................................................................... Distinção entre normas gerais antielisivas e normas específicas antielisivas............................................................. Parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN)........................................................................................... Normas específicas antielisivas.................................................. Normas setoriais antielisivas....................................................... Alcance da norma geral antielisiva brasileira.............................. Distinção entre normas antielisivas internas e normas antielisivas internacionais........................................................ Normas antielisivas internacionais.............................................. Uso impróprio dos Tratados Internacionais Tributários............... Normas antielisivas internas....................................................... “Unwritten avoidance clause”, de Vogel, e o princípio antiabuso ou princípio antielisão................................................... Os princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas.................................................................................... O princípio antielisão e as normas internas................................ Abusos realizados pelos Estados e pelos contribuintes............. 19 TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS....................... Soberania tributária.................................................................. Soberania absoluta e soberania limitada.................................... Da concepção interna e internacional da soberania................... A soberania dinâmica.................................................................. O poder de tributar e os Tratados Internacionais Tributários ..... O princípio da territorialidade...................................................... Incorporação por transformação ou adoção........................ Transformação............................................................................ Adoção........................................................................................ O procedimento de incorporação................................................ Decreto executivo e validade dos tratados internacionais.......... A interpretação em face da incorporação................................... Monismo versus dualismo....................................................... Os fundamentos do dualismo...................................................... Os fundamentos do monismo..................................................... A vigência, revogação e coexistência das normas internacionais com as normas internas....................................... A posição hierárquica.................................................................. Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN)..................... 46 48 49 51 52 53 54 56 57 58 59 61 62 63 65 66 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.2 2.2.1 2.2.2 2.2.3 2.2.4 2.3 2.3.1 2.3.2 2.3.3 2.4 2.4.1 2.4.2 2.4.3 3 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4 3.1.5 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.4 3.2.5 3.3 3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.4 25 28 29 29 31 31 33 34 34 35 36 37 38 41 42 42 44 68 69 71 3.4.1 3.4.2 3.4.3 3.5 3.5.1 3.5.2 3.5.3 3.5.4 3.5.5 3.5.6 3.5.7 4 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 4.2.4 4.2.5 4.2.6 4.3 4.3.1 4.3.2 4.3.3 4.3.4 4.3.5 4.3.6 4.3.7 A prevalência dos Tratados Internacionais Tributários............... O afastamento da lei interna....................................................... Tratados-norma e tratados-contrato em face da aplicação do artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN)........................... Posição do Poder Judiciário brasileiro................................... Apelação Cível nº 9.583/1950; Apelação Cível nº 9.587/1951; e, Recurso Extraordinário nº 71.154/1971– Monismo moderado.................................................................................... Recurso Extraordinário nº 80.004/1977 – Dualismo moderado.................................................................................... Recurso Extraordinário nº 90.824/1980 – Pirelli SA – Cia Industrial Brasileira vs. União Federal – Dualismo moderado – Aplicação do Artigo 98 do CTN................................................... Habeas Corpus nº 72.131/1995 – Dualismo moderado – Pacto de São José da Costa Rica – Paridade hierárquica – Critério da especialidade......................................................................... Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480/1997 – Dualismo moderado – Paridade hierárquica – Critério Cronológico e Especial................................................... Recurso Especial nº 1.161.467/2012 – Artigo 7º dos Tratados Internacionais Tributários vs. Artigo 686 do RIR/99.................... Recurso Extraordinário nº 460.320, pendente de julgamento definitivo – Volvo do Brasil Veículos Ltda. e outro vs. União Federal – Monismo com primazia do Direito Internacional......... CONFLITO ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS............................................ Conflito entre normas internas e normas de tratados internacionais............................................................................ Primado do Direito Internacional em face das correntes monista e dualista....................................................................... Análise em face da Constituição da República de 1988............. O critério da especialidade.......................................................... O princípio do pacta sunt servanda............................................. O conflito com normas antielisivas internas................................ Interpretação dos Tratados Internacionais Tributários......... O princípio da boa-fé................................................................... O princípio da boa-fé na CVDT................................................... O princípio do pacta sunt servanda............................................. A observância dos tratados pelo direito interno.......................... O abuso das normas................................................................... Os tratados-contratos versus os tratados-normas...................... Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados............... A interpretação com boa-fé......................................................... O objeto e propósito dos tratados internacionais tributários....... O contexto dos tratados internacionais....................................... Os “meios suplementares”.......................................................... O “sentido especial” do Artigo 31(4) da CVDT............................ Uma “interpretação comum” pelos Estados Signatários............. A posição da Receita Federal do Brasil...................................... 72 73 74 75 76 78 81 83 84 88 90 96 97 98 99 105 107 109 112 113 115 117 118 121 124 124 126 127 129 131 132 133 135 4.3.8 4.4 4.4.1 4.4.2 4.4.3 4.4.4 4.4.5 4.4.6 4.4.7 4.5 4.5.1 4.5.2 4.5.3 4.5.4 5 5.1 5.1.1 5.1.2 5.2 5.2.1 5.2.2 A questão temporal..................................................................... Comentários à Convenção Modelo da OCDE......................... A influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE.. Princípio da Boa-fé e os Comentários à Convenção Modelo da OCDE.......................................................................................... Comentários posteriores............................................................. Revisão de 2003 e relação com tratados internacionais tributários anteriores.................................................................... Estados não membros associados à OCDE (Brasil)................... Comentários da OCDE e o princípio da integração sistemática – artigo 31(3)(c) da CVDT........................................................... Combate ao abuso dos Tratados Internacionais Tributários e a prevenção da dupla não tributação............................................. Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE – Uso Impróprio da Convenção............................................... Os Comentários anteriores a 2003............................................. A prevenção à elisão e à evasão fiscal e as normas antielisivas internas........................................................................................ As questões fundamentais.......................................................... Normas específicas antielisivas - CFC Rules............................. NORMA ESPECÍFICA ANTIELISIVA INTERNA – CFC RULES BRASILEIRA................................................................. Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001................... Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588/2014................... Recurso Especial nº 1.325.709/2014 (Vale do Rio Doce vs. Fazenda Nacional)...................................................................... Lei nº 12.973/2014...................................................................... Rendas ativas e rendas passivas................................................ Coligadas e controladas com sócios e matrizes no exterior, dentro do Brasil – Da equiparação à controladora...................... 135 136 139 142 144 148 149 150 152 153 155 158 162 168 176 180 181 183 188 189 190 6 CASO EXEMPLO – GEARDAU INTERNACIONAL EMPREENDIMENTOS LTDA VS. FAZENDA NACIONAL........ 192 7 CONCLUSÃO............................................................................. 198 REFERÊNCIAS........................................................................... 209 13 1 INTRODUÇÃO Antiabuse doctrines are needed . . . because it is impossible for drafters of the tax law to anticipate each and every interaction of the various tax rules. Inevitably, there will be some unforeseen interaction of the tax rules so that, if one arranges one’s affairs in just the right manner, magic happens. 2 (SHAVIRO e WEISBACH, s/d). Esta dissertação de mestrado, direcionada para a linha de pesquisa “A empresa na contemporaneidade”, tem como referência o projeto “A Preservação da Empresa e Poder de Tributar”. O contexto em que se insere corresponde ao cenário mundial atual, cada vez mais globalizado, levando ao crescimento de acordos internacionais entre Estados Soberanos. Entre estes, encontram-se os tributários, elaborados para evitar a dupla tributação da renda (doravante chamados de “Tratados Internacionais Tributários”). Em grande escala, são baseados na Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil, apesar de não ser membro dessa organização, assina tratados internacionais tributários com diversos países, membros e não membros, tendo como base a referida Convenção Modelo. Um de seus objetivos primordiais é disciplinar a descarga tributária em operações internacionais, buscando estimular a circulação de riquezas e a neutralidade fiscal nas transações internacionais de capital e renda. Ocorre que, ao mesmo tempo em que passam a ser celebrados tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda, um problema comum ao sistema tributário de qualquer Estado Soberano toma proporções internacionais: a prática de esquemas e manobras para evitar a incidência tributária ou para mitigar a carga tributária. Concomitantemente, torna-se crescente a preocupação por parte das autoridades tributárias em conter planejamentos tributários vistos como agressivos e, portanto, abusivos, acarretando a elaboração das normas antielisivas, tanto no ordenamento interno quanto no internacional, que servem de solução para o combate aos esquemas e manobras artificiais praticados em busca de uma economia fiscal. 2 Tradução livre: “São necessárias doutrinas antielisivas... porque é impossível para legisladores tributários antecipar a cada interação das normas tributárias. Inevitavelmente, haverá alguma interação imprevista das normas tributárias, de modo que, se alguém organiza seus negócios de determinada maneira, a mágica acontece.” 14 As normas antielisivas visam combater comportamentos abusivos dos contribuintes, o qual, segundo o Direito de cada Estado Soberano, extrapola os limites do permitido. Isso não ocorre normalmente com a simples mitigação de impostos com base em um planejamento tributário não agressivo. Sucede, porém, que os limites entre o permitido e aquilo que a norma antielisiva busca coibir é nebuloso, divergindo de Estado para Estado. Neste contexto é que surge o tema deste estudo: o conflito aparente entre normas antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Busca-se responder ao seguinte problema de pesquisa: A norma antielisiva interna conflita com a norma de Tratados Internacionais Tributários? Com a celebração de um tratado internacional para evitar a dupla tributação, muitas vezes, surge o problema de saber como tais comportamentos indesejados passam a ser coibidos em situações que a princípio estariam abrangidas pelas normas do tratado. Seria o caso de um conflito de normas? A aplicação da legislação doméstica antielisiva ofenderia as disposições do tratado internacional? Poderia haver coexistência entre tais normas internas antielisivas e as normas do tratado internacional tributário sem que uma acabasse revogando a outra? Destarte, o que se analisa neste estudo é a possibilidade de coexistência de normas antielisivas com normas oriundas de tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda, buscando reconhecer a correta aplicação do Direito em situações em que aparentemente existe conflito entre tais normas jurídicas. O objetivo geral é: Reconhecer a possibilidade de aplicação das normas antielisivas internas em face de situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda assinados pelo Brasil, com o fim de se afastar a prática abusiva de normas internacionais. Já os objetivos específicos são: a) Analisar qual é o grau hierárquico de uma norma de tratado internacional tributário no ordenamento jurídico brasileiro; b) Analisar como se dá a aplicação de uma norma antielisiva perante uma norma de incidência tributária no ordenamento tributário brasileiro; c) Analisar o que vem a ser um planejamento tributário abusivo; d) Analisar como ocorre a aplicação de uma norma antielisiva e de 15 uma norma de tratado internacional tributário quando há uma hipótese de incidência tributária prevista no ordenamento jurídico brasileiro; e e) Analisar a aplicação do princípio da boa-fé nos tratados internacionais tributários e como devem ser interpretadas as normas dos tratados internacionais tributários quando ocorrem situações de planejamento tributário abusivo, com base na legislação interna de um dos Estados Contratantes. O problema levantado tem como hipótese de solução a aplicação do princípio da boa-fé que rege a interpretação dos tratados internacionais assinados por Estados Soberanos, conforme confirmado pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Apontam-se duas variáveis para o problema: de um lado, as normas antielisivas; e, de outro, os Tratados Internacionais Tributários. Na segunda seção, o estudo busca definir o que vem a ser norma antielisiva. Para sua correta delimitação, especificamente a modalidade interna (relevante para a resposta ao problema pesquisado), o primeiro passo, é proceder à distinção entre elisão fiscal, chamada pela Convenção Modelo da OCDE de tax avoidance, e evasão fiscal, cujo termo utilizado seria o tax evasion. Entende-se que é necessário fazer a distinção das normas antielisivas em gerais e específicas. Procura-se demonstrar que peculiaridades acabam surgindo quando se enfrenta o problema sob estes ângulos diversos da primeira variável. Distingue-se também entre normas antielisivas internas e normas antielisivas internacionais, posto que o que realmente interessa é apenas o conflito das normas de tratados internacionais tributários com as internas. Por fim, busca-se apresentar uma forma diversa de norma antielisiva, na lição do professor Klaus Vogel, que a define como unwritten avoidance clause, e da análise feita por Luís Eduardo Schoueri, que a chama de “Princípio antiabuso”. Na terceira seção, abordam-se os Tratados Internacionais Tributários. Apesar de existirem várias formas de tratados internacionais que versem sobre a matéria tributária, o estudo apoia-se na análise daqueles elaborados pelo Brasil para evitar a dupla tributação da renda, com espeque na Convenção Modelo da OCDE, que consiste largamente no modelo mais utilizado em todo o mundo. Além do que, a Convenção Modelo das Nações Unidas (provavelmente o segundo modelo mais 16 utilizado) é bastante similar. A nomenclatura “Tratado Internacional Tributário”, usada ao longo do estudo, corresponde aos tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda, sendo a mesma usada recentemente pelo Poder Judiciário, conforme Recurso Especial nº 1.325.709/RJ. No item “Soberania Tributária”, o objetivo é demonstrar o que vem a ser soberania de um Estado e como ela se relaciona na elaboração de tratados internacionais, especificamente os tributários. Ainda para a delimitação da segunda variável (tratados internacionais), é imprescindível entender como ocorre a incorporação no ordenamento interno do Estado Soberano, principalmente no Brasil. Com isso, apresenta-se ainda a ideia alternativa de “ordem de execução”. Notadamente, como se observará, será inevitável a discussão entre a corrente monista e a dualista. Serão vistas a origem e a distinção das duas correntes, bem como suas vertentes. Ademais, o estudo ainda apresenta a síntese da literatura que trata do tema e as posições antagônicas sobre a correta análise da tese adotada no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, analisa-se a importância do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), bem como as divergentes posições da literatura jurídica sobre a validade, aplicação e alcance dessa norma. Por fim, proceder-se à análise da posição do Poder Judiciário brasileiro, mediante a apresentação de um histórico no que condiz à posição do Supremo Tribunal Federal (STF), e dando ênfase ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, de 1977, cuja relevância ecoa na literatura especializada. Na quarta seção discute-se o conflito entre normas antielisivas e tratados internacionais tributários. Inicia-se apresentando uma síntese do que se entende por conflito entre normas e traçando a distinção entre conflito real entre normas e conflito aparente entre normas, bem como as maneiras de solução de conflitos. Prossegue-se demonstrando como a questão é vista pelo Poder Judiciário brasileiro, e apresentando as principais correntes presentes na literatura. As questões levantadas referentes aos tratados internacionais tributários são levadas em consideração neste momento, notadamente no que condiz com as conclusões preliminares a respeito de levantamentos feitos. Nesse momento, formulam-se ponderações a respeito das formas de interpretação das normas dos tratados internacionais tributários, levando-se em consideração normas do ordenamento interno, como é o caso do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), como 17 normas internacionais, como a “Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados”, analisada detidamente em seus dispositivos pertinentes ao estudo e os “Comentários à Convenção Modelo da OCDE”, analisados mais detidamente na quarta seção secundária. Para suportar a correta análise do sentido das normas de tratados internacionais tributários em face de confronto com normas antielisivas, é dado destaque especial à Revisão de 2003. Com o objetivo de proceder à adequação da interpretação das normas de tratados internacionais tributários quando confrontados com normas antielisivas, principalmente internas de um determinado Estado Soberano signatário. Na quinta seção, apresenta-se a posição do Poder Judiciário brasileiro e a nova legislação tributária sobre empresas controladas no exterior (CFC Rules). Busca-se demonstrar como o Poder Judiciário trata a questão do conflito no caso de norma específica antielisiva doméstica com base nas normas de tratados internacionais. Ademais, vale ressaltar que as normas tributárias de empresas controladas no exterior (Controlled Foreign Corporations Rules), configuram um exemplo de normas específicas antielisivas internas, merecendo aqui maior destaque, em virtude da importância do julgamento pelo Poder Judiciário brasileiro ocorrido recentemente. Contudo, vale também ressaltar que o problema delimita as normas antielisivas internas de maneira geral, e não uma certa norma específica antielisiva doméstica, como a CFC Rules. Em vista da relevância da CFC Rules, analisa-se especificamente a norma interna brasileira que trata da tributação de lucros auferidos no exterior por intermédio de controladas e coligadas. Também será dado destaque à antiga legislação tributária de CFC Rules – Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e à nova legislação tributária de CFC Rules – Lei nº 12.973/2014. Na sexta seção, discute-se a decisão proferida em julgamento administrativo realizado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em que a Autoridade Tributária buscou o enquadramento das normas internas tributárias por meio da aplicação de medidas gerais antielisivas e da então vigente norma CFC. Na sétima seção, formula-se a conclusão, com o posicionamento a respeito de uma solução encontrada para o problema. O tema abordado no estudo procurou focalizar dois tipos de normas de suma importância para a correta determinação da relação jurídico-tributária: de uma lado, a análise das normas antielisivas, e o modo como elas buscam combater situações indesejadas pelos sistemas tributários; de 18 outro, a análise das normas constantes dos Tratados Internacionais Tributários (para se evitar a dupla tributação da renda) e o modo como eles são incorporados no ordenamento interno brasileiro. A correta aplicação dessas normas em conjunto consiste em delimitar o alcance do poder impositivo tributário pelo Estado Democrático de Direito em cenários onde existem outros Estados Soberanos, que, em vista da celebração do tratado internacional tributário, esperam certa coerência e segurança na aplicação das normas pactuadas por ambos contratantes. Com a possibilidade de se estudar a aplicação do princípio da boa-fé como justificativa para a aplicação de normas antielisivas investigando uma correta interpretação das normas constantes em tratados internacionais e, ao mesmo tempo, afastando a aplicação destas normas em situações em que se configura um desvirtuamento de sua função por intermédio de planejamentos tributários abusivos e agressivos, pode-se delimitar, de maneira segura e justa, a abrangência das relações jurídicas tributárias. A pesquisa realizada seguiu a vertente jurídico-sociológica, tendo como tipo de metodologia o exame das normas de direito interno, principalmente as de caráter antielisivas, e as normas de direito existentes nos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Além disso, buscou a determinação do que vem a ser abuso no que se refere a planejamento tributário, principalmente no âmbito internacional. O estudo concentra-se nas normas jurídicas internas e internacionais, bem como na literatura especializada sobre o tema, além de artigos publicados em revistas especializadas, textos publicados em sítios da internet e decisões judiciais e administrativas, além de dispositivos legais. Merecem destaque os dispositivos legais, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), a Constituição Federal de 1988, e o Código Tributário Nacional (CTN). Ademais, utilizou-se para este estudo a Convenção Modelo da OCDE, bem como os Comentários à Convenção Modelo da OCDE. 19 2 NORMAS ANTIELISIVAS A ideia de que os contribuintes podem organizar seus negócios e atividades da maneira que mais interessante lhes pareça é defendida pela vasta maioria dos especialistas no assunto. 3 Trata-se do direito do particular ao planejamento tributário, o qual, por razões óbvias, deve ser exercido sem abuso, sob pena de ser coibido e sancionado pelo ordenamento jurídico. A aplicação de tão conhecida e divulgada máxima seria privilégio no âmbito não somente do Direito Tributário Interno, como também do Direito Tributário Internacional, por meio, por exemplo, da aplicação das normas de tratados internacionais tributários. Existem, todavia, certos comportamentos que não são aceitos pelo Direito. No âmbito da análise de um planejamento tributário internacional, torna-se imprescindível delimitar o que é permitido pelo ordenamento jurídico e o que não é. Esses comportamentos indesejados em âmbito internacional podem ser classificados em duas espécies distintas: a) evasão fiscal (tax evasion) internacional; e, b) elisão fiscal (tax avoidance) internacional, objeto deste estudo. Enquanto a primeira seria a prática de atos ilícitos, a segunda seria a prática de atos lícitos, contudo, moldados de forma artificiosa, podendo ser chamada de abusiva ou, até mesmo, agressiva, cujo resultado acaba sendo o ilícito diante das normas dos ordenamentos jurídicos. Como será demonstrado, tanto a delimitação desses institutos como a própria nomenclatura utilizada nem sempre são uníssonas na doutrina, razão pela qual opta-se por aqueles termos mais utilizados em âmbito internacional. Notadamente, o termo “evasão fiscal internacional”4 pode ter uma acepção generalizada, compreendendo tanto a evasão fiscal como a elisão fiscal, de maneira 3 Vogel (1986, p. 79) afirma que é uma máxima em Direito Tributário (universal ou ao menos conhecida nas democracias ocidentais) que os contribuintes podem organizar os seus assuntos econômicos da forma que melhor lhes convém e que suas escolhas não poderiam afastar as normas que concedem benefícios fiscais. Assim dispunha: “It is a maxim of tax law that taxpayers may arrange their economic affairs in the manner they deem most beneficial for them. That a particular action has been taken for tax purposes cannot deprive the actors of tax benefits to which they are otherwise entitled under the law. This rule applies, if not universally, at least within all Western constitutional democracies, and it is no less applicable with regard to treaty law than with regard to domestic tax law. Tax planning on the domestic or the international level is by no means objectionable; extensive tax planning, it is true, is an indication that the existing tax legislation is defective.”. 4 Xavier (2002, p. 44) apresenta, inicialmente, em sua obra, três acepções do que poderia ser visto como “evasão fiscal internacional”, chamando esta expressão de “ambígua e multifacetada”: “A expressão “evasão fiscal internacional” é uma expressão ambígua e multifacetada com a qual se 20 ampla. Essa concepção generalizada do termo “evasão fiscal” acaba gerando uma obscuridade na distinção da elisão fiscal (tax avoidance) com a evasão fiscal (tax evasion), inclusive no âmbito da análise e interpretação de tratados internacionais tributários.5 As práticas de evasão fiscal internacional são combatidas pelas Autoridades Tributárias, mediante o que Xavier (2002) chama de “reação à fraude à lei fiscal internacional”.6 Com relação às práticas apontadas como abusivas, as Autoridades Tributárias, de maneira geral, identificam a manifestação de riqueza e procedem a seu enquadramento na correta hipótese de incidência tributária. No caso de transações e atos internacionais realizados de maneira simulada (sham transactions), o combate à elisão fiscal internacional decorre da incidência de normas que desconsideram os atos simulados, buscando a aplicação das normas tributárias sob o ato encoberto. designam fenômenos distintos. Numa primeira acepção, ela representaria o oposto da dupla tributação, aludindo às situações em que, mercê da diversa configuração dos elementos de conexão, nenhuma norma tributária se reconhece aplicável a uma certa situação da vida tributária internacional, ocorrendo portanto a figura do conflito negativo ou vácuo (internationale Doppel – Nichthesteuerung, um caso de Normenmangel, por oposição ao de Normenhäufung). Numa segunda acepção, ela exprime os atos ilícitos pelos quais o contribuinte viola os deveres decorrentes de uma relação jurídica tributária com elementos de estraneidade, trata-se de deveres materiais, como o dever de cumprir, ou de deveres instrumentais, como o de apresentar declarações verdadeiras ou o de manter escrituração regular. Numa terceira acepção, ela englobaria, além da tax evasion propriamente dita, a figura da tax avoidance ou elisão fiscal internacional que se traduz na prática de atos lícitos pelos quais os particulares, influenciando voluntariamente os elementos de conexão, procuram evitar a aplicação de certo ordenamento tributário. Apenas à evasão fiscal internacional, no primeiro dos aludidos sentidos, cabe uma referência numa teoria do concurso de normas. A evasão fiscal internacional na segunda acepção, não oferece especialidade digna de relevo na teoria do ilícito fiscal. Enfim, a elisão fiscal internacional corresponde à figura da fraude à lei fiscal internacional, pelo que o seu tratamento dogmático deve ser elaborado nos quadros do elemento de conexão.” 5 Com relação ao termo “evasão fiscal”, contido nos Tratados Internacionais Tributários, Arnold e McIntyre (2002) aduzem que a definição acaba sendo um pouco obscura, havendo Estados como a Suíça, que utiliza um termo mais limitado, apenas para crimes contra a ordem tributária, enquanto que a maioria abrange o termo para a elisão fiscal abusiva. 6 Sobre o combate à elisão fiscal internacional, Xavier (2002, p. 327-328) assevera: “Coloca-se, pois, a questão de saber qual a reação dos ordenamentos jurídicos cujas normas tributárias se viram frustradas de aplicação pelo comportamento elisivo das partes. tal como sucede no Direito Internacional Privado, o objetivo pretendido é tornar ineficazes ou inoponíveis face a um ordenamento, os atos em que se traduz tal comportamento, só que o Direito Tributário Internacional não cura do valor jurídico dos atos na esfera das relações entre os particulares, mas tão somente da sua relevância para efeitos estritamente fiscais. É certo que alguns atos ou operações podem ser inválidos perante o direito privado, em razão de simulação (sham transactions). Em tais casos, também a generalidade dos ordenamentos jurídicos reconhece ao Fisco a faculdade de ver reconhecida a nulidade desses atos e, por conseqüência, restaurada a realidade que visam encobrir. Sucede, porém, que nos comportamentos elisivos não ocorre, em geral, a figura da simulação, pois as partes pretendem exatamente aquilo que ostensivamente realizaram, não existindo qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada. Só que o resultado que realmente pretendem redunda numa economia de imposto obtida por atos ou conjunto de atos, em si mesmo válidos, mais reputados ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”. 21 Obstante, nem sempre os comportamentos tidos como elisivos são realizados de forma simulada. Eles correspondem, principalmente, a práticas por parte dos contribuintes de manobras e planejamentos em que a vontade real é coincidente com a vontade declarada, buscando tão somente a economia de impostos. Contudo, mesmo que os atos práticas sejam válidos, eles são considerados, nas palavras de Xavier (2002, p. 327-328), “ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”. São o que no Direito Tributário Internacional denomina-se “abusive tax avoidance”. Logo, apesar de ser cediço que o planejamento tributário é permitido tanto no nível doméstico quanto no nível internacional, haveria um ponto extremo de tolerância a partir do qual passaria a ser considerado abusivo, por mais que se possa defender que a extensão de um planejamento tributário seja decorrente da existência de uma legislação lacunosa. O limite do que seria tolerável vacila tanto de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico quanto entre especialistas sobre o tema. No âmbito internacional, o planejamento tributário é entendido como abusivo naquelas situações em que os atos e as transações internacionais pretendem unicamente a economia de tributos, evitando a incidência da norma tributária. Para Vogel (1986),7 os limites do tolerável são encontrados no planejamento tributário internacional quando as transações se realizam com o único propósito de usufruir de normas de determinado tratado internacional tributário existente. Diante disso, algumas transações internacionais são vistas como lícitas e corretamente realizadas, em um primeiro momento, quando se analisa o direito contratual. Porém, é imperioso analisar sob o enfoque para fins de propósitos tributários, sendo que grande parte dos Estados entende que esquemas utilizados com a finalidade única de desconfigurar a situação prevista na hipótese de incidência gera o afastamento de tal situação.8 Dessa forma, buscando combater a elisão fiscal internacional, é que os ordenamentos jurídicos de diversos países, na maioria das vezes, recorre à 7 Vogel (1986, p. 79) afirma que: “Nevertheless, tax planning inevitably reaches a point beyond which it cannot be tolerated within a legal system if it is intended that the system be just. Such limits may be reached, for example, where transactions are entered, or base companies are established in other states, solely for the purpose of enjoying the benefit of particular treaty rules existing between the state involved and a third state,” 8 Ainda de acordo com Vogel (1986, p. 80): “If the transaction thus proves to be valid under the law of contracts, it must next be determined whether it is effective for tax purposes. The tax laws of most countries include provisions or principles that disregard transactions undertaken for tax purposes if, contrary to the legislative intent, the contracting parties employ unusual or artificial measures solely intended to circumvent the words of the statute, measures that would not have been employed aside from the tax considerations. It is solely the dogmatic starting point of these principles which varies to some extent among legal systems”. 22 elaboração de normas legislativas, que são de diversas maneiras.9 No caso das cláusulas de “beneficiário efetivo” (beneficial ownership), por exemplo, seriam impostos requisitos adicionais ao elemento de conexão, buscando dificultar o treaty shopping, que se mostraria abusivo. Outro exemplo, que é analisado neste estudo são as normas tributárias sobre as sociedades coligadas e controladas no exterior (CFC Legislation). Há, ainda, a utilização de “ficções legais ou presunções legais absolutas ou relativas”, como ocorre na ficção de distribuição de lucros pela controlada e pelas coligadas no exterior ou nas hipóteses de inversão do ônus da prova no caso de transferência indireta de lucros. No ordenamento jurídico brasileiro, conforme será visto adiante, estas normas específicas antielisivas são criadas com base no Artigo 109 do Código Tributário Nacional (CTN). Além das normas específicas antielisivas, o combate à elisão fiscal abusiva ocorre com normas gerais antielisivas, existentes em diversas legislações internas, tendo como exemplo as regras de substância sobre a forma no Direito angloamericano, que acarretariam regras de propósito negocial e simulação, e no Direito continental europeu, em que haveria os casos de abuso de direito e fraude à lei. Como exemplo de países que já adotaram ou adotam normas gerais antielisivas citam-se: Estados Unidos da América, Alemanha, Holanda, França, Austrália e Canadá. Com relação aos Estados Unidos da América, destaca-se o caso Gregory v. Helvaring, julgado pela Suprema Corte em 1935, no qual teria sido consagrado o princípio de que o contribuinte teria o direito de pagar menos tributos ou, mesmo, nenhum, em decorrência da prática de atos legais. A partir de então, passou a ocorrer a evolução da jurisprudência estadunidense, surgindo a teoria do business purpose, em que se averiguava se, além da intenção de pagar menos impostos, as operações realizadas teriam outra motivação, e a step by step transactions, em que 9 Xavier (2002, p. 327-328): “A prevenção da elisão fiscal internacional opera-se em regra por via legislativa: e isto seja pela própria formulação legal do elemento de conexão em termos de impedir ou dificultar o comportamento elisivo; seja pela exigência de requisitos adicionais específicos no elemento de conexão – de que é exemplo a cláusula do “beneficiário efetivo” para contraria a prática dos “treaty shopping”; seja pela utilização de ficções legais ou presunções legais absolutas – como sucede com a ficção da distribuição automática do lucro pelas “sociedades-base”, decorrente do regime da transparência fiscal ou da desconsideração da personalidade jurídica; ou ainda com a ficção da conservação do domicílio nos regimes de “responsabilidade fiscal alargada”, para combater o “abuso de domicílio”; seja, enfim, pela utilização de presunções legais relativas, como sucede com os regimes de inversão do ônus da prova nas hipóteses de transferência indireta de lucros”. 23 as operações eram vistas como um todo, e não somente ato por ato. Daí surge o princípio da prevalência da substância sobre a forma (substance governs form).10 Na Alemanha, surgiu a teoria do abuso das formas, que daria à Autoridade Tributária a possibilidade de reconstituir a operação do ponto de vista econômico. Teria surgido na Reichsabgabenordnung, de 1919, e estaria prevista no §42 da AO, de 1977.11 Na Holanda, teria surgido a doutrina do fraus legis, a partir de um julgamento da Corte Suprema Holandesa (Hoge Raad) em caso referente a conduit companies, sendo averiguada a utilização de operações artificiais.12 Na França, o combate teria por base o Artigo L-64º do Livre des procédures fiscales, que combateria não só a simulação, mas também o abuso de direito.13 No Canadá, o Income Tax Act em sua seção 245, aplicaria a teoria do business purpose, com base na bona fide purpose, praticando a desconsideração de atos e transações cujo único objetivo fosse a obtenção de vantagens fiscais.14 Apesar de doutrinas diversas serem criadas por vários ordenamentos jurídicos para combater os comportamentos indesejados dos contribuintes, é possível averiguar a similitude por detrás delas. Tanto a doutrina anglo-americana da substância sobre a forma (substance vs form) quanto a doutrina continental europeia (doctrine of abuse), ao tratar os fatos de acordo com o direito contratual, buscando averiguar as reais intenções das partes inicialmente, para depois aplicar uma interpretação mais condizente com a realidade econômica da situação, demonstrariam similitude entre si.15 Tal observação foi constatada de maneira detalhada pela International Fiscal Association (IFA), em 2010. Weeghel (2010) foi o responsável pelo relatório geral do Congresso da International Fiscal Association (IFA), de 2010, cuja tônica centrou-se justamente nos Tratados Internacionais Tributários e na aplicação de normas antielisivas (Tax Treaties and tax avoidance: application of anti-avoidance provisions – General Report). De maneira geral, neste relatório Weeghel (2010) apresentou 10 11 12 13 14 15 Xavier (2002, p. 329) Xavier (2002, p. 329) Xavier (2002, p. 330) Xavier (2002, p. 330) Xavier (2002, p. 330) Desse modo, Vogel (1986) dispõe que no final das contas as duas doutrinas (Direito angloamericano e o Direito continental europeu) seriam iguais. 24 uma visão sintética dos demais relatórios, fazendo um apanhado das principais constatações nos vários Estados membros sobre o tema. Ele constatou a existência de medidas antielisivas por meio tanto de previsões legais quanto de criações jurisprudenciais, bem como das mais diversas formas, como abuso de direito, simulação, substância sobre a forma, fraude à lei ou, simplesmente norma geral antielisiva (nota-se que o conceito de medidas antielisivas é tratado em um contexto abertíssimo). Também foi constatado que, tendo em vista as diferentes formas de combate à elisão fiscal, a a simulação16 foi considerada a mais comum, mesmo não tendo um caráter estritamente tributário, mas, pelo contrário, sendo advinda do direito privado. Com relação ao Direito brasileiro, ressalta-se que o planejamento tributário é visto por alguns como estando estritamente ligado ao princípio da legalidade estrita e da tipicidade tributária, além da previsão constante no Artigo 108, §1º, do Código Tributário Nacional (CTN), a respeito da proibição da analogia.17 “O emprego da 16 Outra constatação feita pelo Relatório Geral da IFA de 2010, elaborado por Weeghel (2010), consiste no fato de que na maioria dos Estados a norma é aplicada para se evitar o abuso e atingir as transações em seu contexto econômico. É feita também uma divisão das medidas antielisivas de maneira geral em quatro grandes categorias: a) casos em que a pessoa deixa de ser residente em determinado Estado Signatário; b) quando a renda é alocada no exterior; c) quando a base de cálculo de um determinado país é reduzida; e, d) quando a classificação do rendimento é alterado. 17 Neste diapasão, Xavier (2002, p. 331-332) destaca que o único limite reconhecido seria a simulação: “Assim, o único limite tradicionalmente reconhecido, para evitar operações com o objetivo de elisão fiscal, consiste na figura da simulação, consagrado no Artigo 102 do Código Civil e que permite ao Fisco invocar a nulidade do negócio ou negócios jurídicos, desde que prove a ocorrência de um dos seguintes três pressupostos: (i) os atos aparentam conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas a quem realmente se transferem ou transmitem; (ii) quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; e (iii) quando os instrumentos particulares forem ante-datados ou pós-datados. Não se verificando nenhum dos pressupostos da simulação, o ato validamente praticado, da harmonia com o direito comum, tem aptidão para produzir os seus efeitos fiscais. Todavia, já se opinou que uma cláusula-geral antifraude ou anti-abuso poderia vislumbrar-se no art. 51 da Lei 7.450/85 que estabelece o seguinte: “Ficam compreendidos na incidência do imposto de renda todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio, que pela sua finalidade tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de incidência do imposto de renda”. Baseado neste preceito legal, o Fisco emitiu o Parecer Normativo CST 46/87, segundo o qual “a realização de operações simulados com o objetivo de elidir o surgimento da obrigação tributária principal ou de gerar maiores vantagens fiscais, não inibe a aplicação de preceitos específicos da legislação de regência, bastando que pela finalidade do ato ou negócio, sejam obtidos rendimentos ou ganhos de capital submetidos à incidência do imposto de renda, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada”. O parecer – que aliás se debruça sobre questão internacional – analisou a seguinte operação: a sociedade A, controlada por sociedades residentes no exterior, foi cindida parcialmente para ser constituída a sociedade B, igualmente controlada pela mesma sociedade estrangeira; em seguida, A adquiriu a totalidade da participação societária que a controladora, no exterior, detinha na empresa B. O Parecer entendeu que a remessa para o exterior correspondente à aquisição da participação societária, sob a aparência de um retorno de capital, não tributável, estaria encobrindo a realidade econômica de uma remessa de lucros, tributável.” 25 analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei” (BRASIL, 1966). Lado outro, é fato a existência de uma mudança do positivismo formalista para uma teoria pós-positivista valorativa, em que a regra de estrita legalidade tributária acaba sofrendo limitações em face do princípio da capacidade contributiva.18 Fica claro, então, que é imprescindível não só fazer a distinção entre o que vem a ser a elisão fiscal e a evasão fiscal, mas também entender o alcance da primeira espécie, principalmente no âmbito internacional, quando a sua aplicação pode acarretar um conflito aparente com uma norma de um tratado internacional tributário. 2.1 Distinção entre elisão e evasão fiscal (tax avoidance e tax evasion) É importante destacar os pontos diferenciais entre a elisão fiscal e a evasão fiscal quando diante de um único ordenamento jurídico - ou seja, a diferenciação no âmbito interno. Nessa concepção, vale registrar que no Direito Tributário brasileiro os termos elisão fiscal e evasão fiscal são apresentados de maneira diversa, a depender do especialista que trata do assunto. Da mesma forma, os limites entre um e outro também são distintos, sendo, inclusive, criados termos como elusão fiscal para apontar um meio termo entre os dois primeiros. Em um primeiro momento, pode-se encontrar uma distinção entre elisão fiscal e evasão fiscal situando a primeira como a “economia lícita de tributos” (e seria o mesmo que “elusão” – na acepção do termo utilizado por alguns estudiosos19 ), 18 Fajersztajn e Santos (2014, p. 54-55) explanam que na jurisprudência administrativa do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) houve uma mudança entre a forma de julgamento e análise das normas tributárias, passando-se inicialmente de uma fase positivista formalista para outra pós-positivista valorativa, e, finalmente, buscando um meio-termo em suas colocações: “O presente estudo procurou demonstrar, por meio da análise de julgados recentes, que o Carf passa por uma fase de transição no exame das operações de planejamento tributário, com a adoção de posições menos extremas e radicais, quase como um meio-termo entre o positivismo formalista, que predominou nos julgamentos iniciais do antigo Conselho de Contribuintes, e o pós-positivismo valorativo, que marcou a última fase da jurisprudência administrativa até o atual estágio de transição. [...] A jurisprudência administrativa atual sinaliza para essa tendência, que, uma vez consolidada, deverá pautar as condutas dos contribuintes na realização de operações que proporcionem economia tributária”. 19 Com relação ao termo “elusão”, Huck (1997, p. 21) informa que o termo foi sugerido por Brandão Machado (MACHADO, Brandão. Princípios tributários no direito brasileiro comparado, Rio de Janeiro: 1988), “para qualificar o ato da evasão sem violação da norma tributária, justificando ser elusão a palavra adequada para traduzir a ideia de fuga, desvio, evitação (...)”. 26 enquanto que a segunda seria uma prática ilícita. Assim, dois seriam os critérios para a diferenciação dos institutos: o cronológico, posto que a elisão acontece antes da realização do fato descrito na hipótese de incidência tributária, e, a evasão pode ocorrer tanto no momento de realização do fato gerador quanto em momento posterior.20 Tendo em vista que existe alguns casos de evasão fiscal em momento anterior à ocorrência do fato gerador, destaca-se que outro critério utilizado seria a “licitude dos meios utilizados”.21 Enquanto na elisão fiscal os meios empregados seriam lícitos, na evasão estes seriam ilegítimos, apontando como exemplos a fraude e a sonegação. Essa forma de distinção é vista como um critério sistemático que corresponderia a um “teste da presença de manipulação artificiosa da estrutura negocial”.22 Surge daí a questão da utilização de meios lícitos de maneira abusiva ou artificiosa, que acarretam um resultado ilícito para o Direito Tributário. Assim, seria a prática da elisão fiscal de maneira abusiva (abusive tax avoidance).23 Coêlho (2007), ao analisar os conceitos internacionais de elisão (tax avoidance) e evasão (tax evasion), ressalta que a diferenciação estaria baseada na legitimidade dos meios utilizados. Define o International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD) (1988)24 apud Coêlho (2007): Elisão fiscal. Este termo é utilizado para denotar a redução dos encargos tributários por meios legais. Frequentemente é usado em sentido pejorativo, quando é utilizado para descrever a economia de impostos atingida através de arranjos artificiais dos negócios pessoais ou empresariais, aproveitandose da existência de lacunas, anomalias ou outras deficiências no direito tributário. 20 Coêlho (2007, s/p). Coêlho (2007, s/p). 22 Caliendo (2009) 23 Lado outro, Tôrres (2003, p.173-174), ao discorrer sobre as formas de se abster do pagamento de tributos, apresenta três maneiras, acrescentando além da evasão, e, elisão, a “elusão”. Neste sentido, a elisão seria a forma encontrada pelo contribuinte para evitar a imposição da norma de incidência tributária, por meios legítimos, “mediante legítima economia de tributos”. A evasão seria o descumprimento da legislação diretamente. E, a elusão seria a prática de atos lícitos, “mas constituídos com fraude à lei civil ou simulados e que geram o mesmo efeito de afastar-se do campo de incidência de tributos ou coincide com hipóteses de incidência menos onerosas, como entendemos” 24 International Bureau of Fiscal Documentation – International Tax Glossary. Amsterdam: IBFD, 1988, p. 22 e 101 21 27 (...). Em contrataste com a elisão, a evasão fiscal é a redução de impostos obtida por meios ilícitos. [...] Evasão Fiscal. Este termo é aplicado para a economia de impostos atingida por meios ilegais, incluindo-se nestes a omissão da renda tributável ou de transações realizadas das declarações de tributos, ou a redução da quantia devida por meios fraudulentos. Da maneira como foram empregados acima, os termos são os que melhor representam as colocações feitas neste estudo. Portanto, serão as definições que servirão para a análise do problema. Uma vez que o contexto do trabalho assim permite, ao discorrer sobre normas tributárias que buscam combater a elisão fiscal, o que se pretende focalizar são as práticas realizadas de maneira artificiosa, e não o planejamento tributário lícito. Como mencionado anteriormente, no caso da elisão fiscal internacional os atos praticados seriam lícitos, a princípio, nos ordenamentos jurídicos distintos (uma vez que estar-se-ia falando em elisão fiscal internacional) e acarretariam a não incidência da norma tributária impositiva naquele ordenamento jurídico em que tal ocorreria de maneira mais gravosa, podendo produzir os efeitos no outro ordenamento, que seria o menos gravoso. Já no caso da evasão fiscal estar-se-ia diante de um ato ilícito em que uma obrigação tributária seria descumprida e conexa a mais de um ordenamento jurídico.25 Na elisão fiscal internacional, portanto não necessariamente haveria um conflito negativo de sistemas tributários distintos, podendo corresponder à aplicação das normas daquele sistema tributário menos gravoso às atividades dos contribuintes. Dessa forma, como requisitos para a elisão fiscal internacional apontase a existência de mais de um ordenamento jurídico tributário, com um deles sendo mais favorável do que os demais, e possível como opção ao contribuinte de, voluntariamente, adequar suas operações de forma que se enquadrem nas normas tributárias mais benignas ou, mesmo, não se enquadrem em nenhuma. Tal 25 Conforme Xavier (2002, p. 275), que assim dispõe: “A expressão elisão fiscal internacional (tax avoidance), não pode ser assimilada ao conceito de evasão fiscal (tax evasion), pois não está em causa, necessariamente, um ato ilícito pelo qual o contribuinte viola a sua obrigação tributária (conexa com mais do que uma ordem jurídica), prestando falsas declarações ou recusando-se ao seu cumprimento, mas sim a prática de atos (em princípio) lícitos, praticados no âmbito da esfera de liberdade de organização mais racional dos interesses do contribuinte, face a uma pluralidade de regimes fiscais de ordenamentos distintos. Trata-se, em suma, de evitar a aplicação de certa norma ou conjuntos de normas através de atos ou conjuntos de atos que visem a impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária em certa ordem jurídica (menos favorável) ou produzam a ocorrência desse fato noutra ordem jurídica (mais favorável).” 28 possibilidade de enquadramento nas normas menos gravosas seria uma “via indireta” para adequação daqueles elementos de conexão existentes nos ordenamentos jurídico tributários conflitantes perante o caso em concreto. Por fim, a prática de atos e transações internacionais por meio de esquemas e manipulações artificiosas, mesmo que embasados em atos lícitos, corresponderá à elisão fiscal internacional abusiva (abusive tax avoidance), ou, simplesmente, elisão fiscal internacional, que, poderá simplesmente ter uma conotação pejorativa, decorrente de tais circunstâncias. 2.1.1 Simulação Coêlho (2007) aduz que a simulação corresponde à prática evasiva que pode ser absoluta, em que “finge-se o que não existe”, ou relativa, que seria chamada também de “dissimulação”, quando “o ato ou negócio praticado jaz outro negócio, oculto, que corresponde à real vontade das partes”. O exemplo de dissimulação dado não poderia ser mais claro: Caso típico de dissimulação é o da compra e venda de imóvel ocultado pela celebração de um contrato de sociedade. Nesse caso, o objetivo das partes é lesar o Fisco, uma vez que a dissolução societária – na qual aquele que entrou com o dinheiro sai com o imóvel e vice-versa – não é tributada pelo ITBI, à luz da imunidade prevista no art. 156, §2º, I da Constituição da República de 1988. Nessa hipótese, o negócio aparente é a formação de uma sociedade, ao passo que a verdadeira intenção das partes é transferir a propriedade do imóvel sem pagamento do imposto devido. Há, dessarte, clara divergência entre a intentio facti (compra do imóvel) e a intentio juris (celebração de contrato de sociedade temporária para evitar a incidência do imposto), típica da dissimulação (COÊLHO, 2007, p.4-5). Sucede que é controverso, ao diferenciar elisão e evasão tributária, apontaria qual realmente seria o correto enquadramento das hipóteses de simulação (absoluta ou relativa [dissimulação]). 26 Não obstante, tal constatação, adotando o critério sistemático apontado, entende-se a simulação como forma de elisão fiscal abusiva, 26 Tôrres (2003, p. 179-180) dispõe que existe uma dificuldade inicial de caracterizar a simulação como evasão fiscal, haja vista que tanto o ato aparente como o ato simulado são lícitos, restando apenas o pactum simulationes abrangido pela ilicitude. Assim, ao apresentar o conceito de “elusão tributária” (que para este estudo corresponde à elisão), Tôrres (2003, p.189), engloba tanto a ideia de simulação como de fraude à lei. Aduz que a elusão tributária “consiste em usar de negócios jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de “causa” ou organizados como simulação ou fraude à lei”, buscando, destarte a economia fiscal, seja através de ”evitar a incidência de norma tributária impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal específica”. 29 porque tanto o ato simulado como o ato encoberto são lícitos, apenas resultando, para fins fiscais, em uma economia fiscal manipulada em desacordo com preceitos do Direito. 2.1.2 Fraude à lei A fraude à lei pode ser definida como “o afastamento de regime mais gravoso ou tributável por descumprimento indireto de regra imperativa de direito privado, na composição do próprio ato ou negócio jurídico”.27 Assim como a simulação, deve ser considerada como hipótese de elisão fiscal abusiva e, portanto, como prática de atos lícitos de maneira artificial por meio de esquemas ou de maneira abusiva.28 Nesse sentido, haveria fraude à lei no Direito Tributário Internacional quando o contribuinte, de maneira artificial (assim vista pela legislação interna daquele Estado Signatário que poderia impor a norma tributária em vista de a situação em tela possuir um elemento de conexão), afasta a norma imperativa tributária de determinado sistema (visto como mais gravosa) para fins de aplicação da norma menos gravosa de outro sistema ou, mesmo, de nenhuma norma (conflito negativo).29 2.1.3 Abuso do direito Abuso do direito seria, segundo Coêlho (2006, p. 64) o “exercício imoderado de um direito legítimo, com o fim de prejudicar a outrem (emulação), intencionalmente, e pode ser elidido se ferir os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”. As normas antielisivas podem combater o abuso de duas maneiras: a) em relação ao abuso das formas, em que se estaria diante de situações manipuladas ou 27 Tôrres (2003, p. 349-350). Também no tocante à “fraude à lei”, Coêlho (2006, p. 63) aduz que o princípio da estrita legalidade, corolário do Direito Tributário impede sua aplicação. Para a sua aplicação, seria necessária “a existência de uma lei contendo ou prescrevendo uma conduta reprovável típica ligada a um resultado proibido, dela decorrente” e a prática de “atos e negócios alternativos que conduzam ao resultado proibido” de maneira plena. 29 Com relação à fraude à lei, no Direito Tributário Internacional, Xavier (2002, p. 280) aduz que seria necessária a utilização de dispositivos internos do próprio ordenamento jurídico que iria tributar determinada situação. Contudo, afirma que o grande problema na fraude à lei seria uma estipulação, de certo ponto pressuposta, de que determinada conduta evitada pelo contribuinte, por meio de uma “deslocalização” de elementos de conexões relevantes, seria uma conexão “normal” e, portanto, esperado pelo Fisco. Dessa forma, a não realização desta conexão “normal” acarretaria em uma tentativa de fuga pela realização de uma atividade fraudulenta, havendo uma manipulação artificial do elemento de conexão da norma. 28 30 artificiais; e b) o próprio abuso do direito, em que o planejamento tributário permitido ao contribuinte é feito de maneira desarrazoada e, portanto, agressiva, a ponto de ir além do permitido.30 Certo é que o planejamento tributário abusivo teve o seu combate no ordenamento jurídico brasileiro evoluído de maneira significativa com o passar dos anos. Conforme já aduzido neste estudo, uma posição mais valorativa e menos formalista passou a vigorar principalmente na esfera administrativa dos órgãos de julgamento.31 A jurisprudência administrativa tributária brasileira, adotando uma evolução em sua maneira de determinar a validade dos negócios jurídicos formulados com base em planejamentos tributários, começou a afastar aqueles em que se enquadravam em três situações distintas: ocorrência de simulação; fraude à lei; e, falta de propósito negocial.32 30 Neste sentido, segundo Tôrres (2003, p. 192), as normas antielisivas teriam o objetivo de combater o “abuso de forma” “por não ser uma “forma” usual, típica ou própria para a “causa” que se pretende alcançar”, e, também, combater o “abuso de direito subjetivo”, quando o contribuinte se auto-organiza “(por usar a simulação, fraude à lei ou ato anormal de gestão), indo além do quanto lhe estaria permitido pelo ordenamento jurídico em matéria tributária”. 31 Schoueri (2010, p. 15) ressalta que do ponto de vista legislativo a única grande mudança foi a introdução no Código Tributário Nacional (CTN) do Parágrafo único do Artigo 116, que contudo não foi regulamentado, permanecendo somente o combate ao abuso através da constatação de fraude ou simulação: “Paulatinamente, esta tendência passou a ser revertida, criando-se limitações diversas ao planejamento tributário. Seja por meio de alterações legislativas, seja a partir da evolução jurisprudencial, novos limites foram sendo apresentados à liberdade do contribuinte. Também no Brasil viveu-se evolução semelhante: se até meados da década de 90 do século passado, a liberdade do contribuinte na estruturação de suas transações não encontrava limites, exceto os casos de fraude ou simulação, a jurisprudência administrativa passou, a partir de então, a acatar posicionamentos das autoridades fiscais, que questionavam algumas daquelas estruturas, não obstante o cuidado do contribuinte”. 32 Schoueri (2010, p. 17-20) destaca a realização levantamento de julgados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF): “Ao cogitar da motivação tributária do ato, tinha-se em mente a hipótese de que os julgadores desconsideravam planejamentos fiscais quando ficasse evidenciado que a transação ganhou determinada forma exclusivamente por razões fiscais, ou ainda, que do ponto de vista empresarial, a transação não faria sentido sem considerar seus benefícios tributários. Outro fator que parecia justificar a recusa dos planejamentos tributários seriam os casos em que os próprios fatos narrados pelo contribuinte não parecessem corresponder à realidade. Trata-se do amplo campo da simulação e dos negócios sem causa, quando não se vislumbra a subsunção dos fatos às normas que o contribuinte pretende ver aplicadas. Finalmente, um terceiro universo seriam os casos de fraude à lei (não tributária, i.e., quando o negócio sequer poderia ter sido celebrado, por contrariar norma cogente. Merecem atenção os resultados obtidos: enquanto num primeiro momento pareciam mais relevantes os casos de descompasso entre os fatos narrados e os efetivamente verificados, foram, a partir de certo momento, os motivos extratributários da operação que surgiram como o grande critério adotado pelo Conselho de Contribuintes nos casos de planejamento tributário. Este ponto exige alguma reflexão. Surgida na jurisprudência norte-americana, o business purpose, ou propósito negocial, questiona se a operação teria sido efetuada do mesmo modo, não fossem as vantagens tributárias geradas”. 31 2.2 Distinção entre normas gerais antielisivas e normas específicas antielisivas Uma norma geral antielisiva seria aquela que autorizasse a desconsideração de atos e fatos lícitos praticados de maneira artificial e abusiva, autorizando, em consequência, a aplicação de efeitos tributários correspondentes àqueles do fato da qual se buscou desviar. Neste mesmo diapasão, a norma geral antielisiva (general anti avoidance rules – GAAR) seria, para Coêlho (2006, p. 64-66), aquela que desqualificasse um negócio jurídico lícito, a partir de resultados econômicos equivalentes, buscando anular as diferenças fiscais. Para tanto, os seguintes requisitos tornam-se imprescindíveis: a) que o negócio alternativo que se quer desqualificar seja lícito; b) que haja elisão do tributo; c) que o método utilizado para requalificar seja o analógico; e d) que a justificação seja a isonomia real.33 2.2.1 Parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) A norma geral antielisiva, prevista no parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), foi criada com base no Artigo 146, inciso III, da Constituição da República de 1988 (“Cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária”), buscando combater a prática de atos e negócios realizados de maneira elisiva. Esse combate pode ser em face de simulação, fraude à lei, e o negócio jurídico sem causa, sob uma visão do direito tributário mais positivista e formalista. 34 Lado outro, é discutível se a norma do parágrafo único do Artigo 116 do CTN não teria um alcance mais abrangente, em virtude de uma tendência pós-positivista valorativa, como as normas gerais antielisivas encontradas no direito comparado (Direito Europeu ou Direito Americano), cujos pressupostos seriam: “abuso de direito”, “abuso de forma” ou 33 Como se observa e como acima já referido, Coêlho exclui da elisão fiscal a simulação. Assim, a norma prescrita no art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN), seria, para Coêlho (2006, p. 65), uma norma que “reforça o combate à dissimulação.” A redação do parágrafo único do Artigo 116, do Código Tributário Nacional (CTN), incluído pela Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária” (BRASIL, 2001). 34 Tôrres (2003, p. 259-276) 32 “interpretação econômica”, “fim negocial” e “prevalência da substância sobre a forma”, entre outros.35 Em face dessa tendência pós-positivista e valorativa, ao analisar a redação da norma geral antielisiva constante no parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), é possível defender a aplicação da doutrina da substância sobre a forma em Direito Tributário brasileiro. Apesar de haver forte tendência de assegurar a legalidade estrita da norma de incidência tributária, estaria surgindo uma influência da valorização do sentido da norma. Neste caminho, estar-se-ia criando uma exceção à proibição à analogia, constante no Artigo 108, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), de forma harmoniosa com o direito em Estados Democráticos, notadamente na busca de um equilíbrio entre a forma e a substância por meio do combate ao abuso do direito.36 Certo é que a Autoridade Tributária, muitas vezes, entende ser desnecessário utilizar de uma disciplina específica, como a acima apresentada, para a desconsideração de estruturas artificiais abusivas, fruto de planejamentos tributários agressivos, sendo aplicável, nessas situações, apenas os arts. 142 e 149 do Código Tributário Nacional (CTN). Mencionados dispositivos aduzem à competência da Autoridade Tributária para a constituição do crédito tributário, efetuando o lançamento tributário quando o contribuinte tenha agido com dolo, fraude ou simulação.37 35 Segundo Lobo Torres (2002, p. 183-184), duas correntes podem ser destacadas a respeito da interpretação da norma geral antielisiva prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN). A primeira seria a tese formalista (positivismo formalista), que apontaria, entre outras coisas que a norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN) seria, na realidade, uma norma antievasiva ou antissimulação, e, caso fosse entendida como antielisiva, estaria introduzindo a analogia ao direito tributário o que iria de encontro como princípio da legalidade estrita e tipificação, previstos constitucionalmente. Entre os autores que defenderiam esta tese, Lobo Torres (2002) cita Alberto Xavier, Gabriel Lacerda Troianelli, Heleno Taveira Torres, Valdir de Oliveira Rocha, e, Misabel Abreu Machado Derzi. Já a segunda tese do princípio do balanço entre a forma e a substância (Pós-positivismo Valorativo) defenderia que a norma antielisiva do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN) deve ser interpretada com base no princípio da transparência, harmonizando o princípio da capacidade contributiva com a legalidade, sendo discutível a existência da legalidade estrita e da tipificação fechada no sistema tributário brasileiro. Entre os autores que defenderiam esta tese são apontados: Aurélio Seixas Filho, Marco Aurélio Greco, e, o próprio Ricardo Lobo Torres. 36 Lobo Torres (2002). 37 Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, por intermédio de sua Primeira Seção de Julgamento, no Processo 16643.000276/2010-42, Acórdão 1101-000.811 (Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. vs. Fazenda Nacional), julgado na sessão de 02 de Outubro de 2012, pelo voto vencido da conselheira Edeli Pereira Bessa, que assim manifestou: “O procedimento para desconstituição de estruturas formais que se prestam a ocultar ou impedir a ocorrência do fato gerador, ou de seus efeitos, quando erigidas dolosamente, nunca dependeu de disciplina específica, observando apenas disposições dos arts. 142 e 149 do Código Tributário 33 Vale ressaltar que o dispositivo do Código Tributário Nacional (CTN) que dispõe sobre a fraude, foi formulado em 1966, época em que já existia a conceituação dada pelo Artigo 72 da Lei nº 4.502, de 1964, no qual se dispunha ser ”toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal” e / ou “a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento” (BRASIL, 1964). Além das normas gerais antielisivas, destaca-se também o uso de normas específicas antielisivas (special anti avoidance rules – SAAR), que são formuladas para casos específicos.38 2.2.2 Normas específicas antielisivas A busca para a solução do abuso das normas de Direito Privado para evitar a tributação encontra-se, no Brasil, no Artigo 109 do Código Tributário Nacional (CTN), que dispõe que: “os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários” (BRASIL, 1966). 39 Tal artigo, segundo Coêlho (1984), concederia ao legislador “o poder de atribuir efeitos tributários próprios pelas vias do raciocínio tipológico, analógico e presuntivo, aos princípios, conceitos e formas de Direito Privado, inclusive os contratos”. Seria, dessa forma, uma norma direcionada ao legislador, e não à Administração Tributária ou ao Poder Judiciário. Tal conclusão se confirma na lição de Aliomar Baleeiro40 e Antônio Roberto Sampaio Dória (1971). 41 Portanto, as normas específicas antielisivas teriam sua validade no mencionado Artigo 109 do Código Tributário Nacional, por meio do qual e segundo Coêlho (2006, p. 62) “o legislador pode criar presunções relativas (juris tantum) para atribuir a um negócio jurídico extra-típico, o mesmo efeito jurídico tributário do negócio jurídico”. 38 39 40 41 Nacional” (Brasil, 2012, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Acórdão 1101-000.811, p. 62). Tôrres (2003, p.235 e ss.) as chama de “normas preventivas específicas”, que consistem na “prévia tipificação das hipóteses mais frequentes de atos elusivos”. Coêlho (1984). BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, p. 444-445. (sem ano). DÓRIA, Antônio R. S., Elisão e Evasão Fiscal, São Paulo, Ed. Lael, 1971. 34 É perceptível que no caso das normas específicas antielisivas ocorre a ampliação do fato gerador abstrato descrito na norma de incidência tributária, diferentemente do que ocorre com as normas gerais antielisivas.42 Talvez por essa razão, tais normas são chamadas por Tôrres (2003, p. 276-278) de “normas de prevenção à elusão”. Para este autor, elas consistem em expressar a maior segurança jurídica e são verdadeiras regras de correção. Neste sentido, acabam por tipificar condutas (atos e negócios jurídicos) que seriam consideradas como condutas elisivas abusivas.43 As normas específicas antielisivas também são conhecidas como normas “tailor made”, por serem feitas sob medida para determinadas situações observadas pelas Autoridades Tributárias.44 2.2.3 Normas setoriais antielisivas Outra espécie de norma antielisiva, apresentada por Xavier (2001, p. 86), compreende as normas setoriais antielisivas (“cláusulas setoriais antielisivas”), mais próximas das normas gerais antielisivas, pois não tipificariam as condutas que atingem. Contudo, a diferença é que seriam específicas de determinada espécie tributária. 2.2.4 Alcance da norma geral antielisiva brasileira A norma geral antielisiva brasileira (parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional) tem aplicabilidade em face tanto de relações internas como em um contexto internacional.45 Contudo, ainda necessita de regulação advinda da lei 42 É vista uma equivalência na conclusão a que chega Martín Jiménez (2004) ao dispor que as normas específicas antielisivas ampliariam o fato gerador descrito na norma tributária. 43 43 Apoiando-se na lição de Raffaelo Lupo (1999) , Tôrres (2003) critica o termo “normas específicas antielusão”, entendendo que tais normas apenas preenchem “lacunas” detectadas na legislação tributária, tipificando condutas elisivas. Portanto, não chegam a desconsiderar qualquer ato ou negócio que possa ser entendido dessa forma. Como exemplo, na legislação tributária brasileira, aponta, dentro da perspectiva do Direito Internacional Tributário, o art. 24 da Lei 9.430/96, que define os “países com tributação favorecida” e as regras de preços de transferência. 44 Xavier (2001, p. 85), ao tratar das normas específicas antielisivas (as quais chama de “cláusulas específicas antielisivas), aduz que “não passam da tipificação a posteriori, por lei, de certos atos ou negócios jurídicos que a experiência revelou serem utilizados como forma anteriormente não prevista em lei de obter resultados equivalentes aos dos atos tributados”. 45 Tôrres (2010, p. 149). 35 ordinária, para fins de identificação de critérios e procedimentos para que as Autoridades Tributárias possam aplicá-la. 2.3 Distinção entre normas antielisivas internas e normas antielisivas internacionais Apesar de encontrar traços similares ou, até mesmo, idênticos ao comparar a elisão fiscal interna e a elisão fiscal internacional, é possível destacar na segunda a utilização de elementos de conexão entre os diversos ordenamentos jurídicos tributários relacionados à situação.46 Assim, adota-se a doutrina de Xavier (2002, p. 277) para explicar, de maneira didática e classificatória, as formas de elisão fiscal internacional em razão da natureza do elemento de conexão. Quando a elisão fiscal internacional consiste em um planejamento tributário voltado para a residência ou o domicílio do contribuinte, estará diante de uma elisão fiscal subjetiva. Lado outro, sendo utilizado como elemento de conexão correspondente ao local de produção da fonte ou de pagamento do rendimento, passa a ser objetivo e a elisão fiscal internacional assim é classificada. A elisão fiscal internacional objetiva é dividida em subcategorias, a depender da forma como será manipulado o elemento de conexão. Neste sentido, o contribuinte, com base em um planejamento tributário internacional, poderá buscar, pelo meio de elementos objetivos, dividir o rendimento em territórios fiscais distintos, ou acumular o 46 Xavier (2002, p. 277) aduz: “As modalidade de elisão fiscal internacional podem classificar-se em função da natureza do elemento de conexão utilizado: a elisão fiscal é subjetiva se opera através de um elemento de conexão subjetivo, como a residência ou o domicílio do contribuinte; a elisão fiscal é objetiva se opera através de um elemento de conexão objetivo, como o local onde se situa a fonte de produção ou de pagamento de um rendimento, designadamente o local do exercício da atividade, ou o local de instalação de um estabelecimento permanente. A elisão fiscal objetiva pode ainda desdobrar-se em várias espécies, consoante o objetivo do contribuinte em influenciar o elemento de conexão em causa: uma primeira espécie tem por fim dividir o rendimento, distribuindo-o em territórios fiscais distintos; uma segunda espécie tem por objetivo acumular o rendimento, fixando-o em território fiscalmente mais favorável, de tal modo que a tributação seja diferida (tax deferral) para a eventualidade de o rendimento ser distribuído; enfim uma terceira espécie tem como finalidade transferir o rendimento de um ordenamento para outro que lhe conceda tratamento mais favorável. O problema da natureza jurídica da elisão fiscal internacional não se coloca em termos diversos dos da elisão fiscal no direito interno: trata-se da prática de ato ou conjunto de atos (operações), no âmbito da esfera de liberdade concedida aos particulares pelo princípio da estrita legalidade ou tipicidade da tributação, e que têm como efeito a aplicação de regime tributário menos oneroso do que se aplicaria sem que tal ato ou conjunto de atos tivesse sido praticado. A peculiaridade que o fenômeno reveste na esfera internacional é que tal ato ou conjunto de atos visa atuar, direta ou indiretamente, no elemento de conexão da norma de conflitos, em termos de arrastar a aplicação do regime fiscal mais favorável, seja ele decorrente de tratado ou de direito interno estrangeiro”. 36 rendimento em um único território que possua a tributação favorecida, ou, buscar a transferência do rendimento entre determinadas localidades. A elisão fiscal internacional, ao se tornar abusiva, poderá ser combatida tanto por normas antielisivas internas, previstas no ordenamento interno de um dos Estados que possuam algum elemento de conexão com o ato ou transação internacional, como por normas antielisivas internacionais, previstas em tratados internacionais tributários. 2.3.1 Normas antielisivas internacionais As normas antielisivas internacionais originam-se do ordenamento internacional e, portanto, estão previstas em tratados internacionais tributários. Haveria, ainda, o caso de normas de tratados internacionais tributários que prevejam a aplicação de normas antielisivas internas. Em ambos os casos, tanto as normas antielisivas internacionais como as situações abrangidas por tratados internacionais tributários que possuem normas autorizando a aplicação de normas antielisivas internas não contemplariam situações abrangidas pelo problema ora estudado. Como exemplo de normas gerais antielisivas internacionais, ressalta-se aquela existente no Tratado Internacional Tributário assinado entre o Brasil e o México, que prevê a necessidade de acordos mútuos de procedimento. Outro exemplo é o tratado assinado entre o Brasil e Israel, cuja redação corresponde àquela utilizada nos tratados com a Rússia e com a Venezuela, que buscam afastar a concessão de benefícios em face da ocorrência de abuso das normas. Com relação às regras de preços de transferência, é possível vislumbrar que existem algumas peculiaridades com relação às normas internas brasileiras previstas na Lei 9.430/96. Destaca-se a definição de associated companies presente na ordem interna e prevista no Artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE. A problemática está relacionada com a utilização do parágrafo 2º do Artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE, que se refere à utilização da legislação doméstica para a identificação de termos. Segundo aduz Tôrres (2010, p. 162), as regras de preços de transferência brasileiras seriam compatíveis com as normas internacionais dos tratados tributários, complementando e integrando suas disposições. Outra norma antielisiva previstas nos tratados internacionais tributários são as de exclusão, previstas nos tratados assinados pelo Brasil com a África do Sul, Chile, 37 México, Peru, e Ucrânia47, nos arts. 10, 11 e 12, que tratam de dividendos, juros e royalties. Tais normas excluem os benefícios concernentes à redução ou à exclusão dos tributos do Estado da fonte quando os beneficiários correspondem a entidades criadas no Estado da residência com o único objetivo de utilizar-se das normas dos Tratados Internacionais Tributários. Para tanto, é realizado um teste para averiguar se a transação comercial foi feita de maneira artificial. Trata-se da figura do “beneficiário efetivo” (“beneficial ownership”). A própria análise dos termos do Tratado Internacional Tributário (notadamente os arts. 10, 11 e 12 da Convenção Modelo da OCDE, que trata, respectivamente, dos dividendos, juros e royalties) permite conferir os benefícios ali previstos apenas para o verdadeiro, “efetivo”, beneficiário, impedindo a atribuição de tais vantagens aos terceiros interpostos.48 A grande vantagem das normas antielisivas internacionais é que elas correspondem a medidas bilaterais previstas no corpo do próprio Tratado Internacional Tributário, sendo, portanto, a maneira mais segura e menos controvertida de combater o abuso destes, por exemplo, com base em planejamentos tributários abusivos na forma de treaty shopping. Contudo, como já enunciado anteriormente, tais normas antielisivas internacionais não são objeto do presente estudo pela lógica razão de não ser questionável o conflito com as normas de tratados internacionais tributários. 2.3.2 Uso impróprio dos Tratados Internacionais Tributários O uso indevido dos tratados internacionais tributários acaba propiciando o “uso indevido” de um “direito subjetivo público”, e consequentemente, tornando-se um “abuso de direito”, que deve ser combatido pelas Autoridades Tributárias.49 Interessante e válido de menção é o raciocínio no sentido de a imposição tributária com base na renda universal (world wide income) ter sido desenvolvida para combater a fraude fiscal assim como a evasão fiscal internacional, terminando por gerar medidas bilaterais e plurilaterais para evitar a dupla tributação da renda e 47 Tôrres (2010) ainda menciona Tratados Internacionais Tributários assinados com Rússia, Trinidad e Tobago e Venezuela. 48 Contudo, Schoueri (1995) deixa claro que o conceito e delimitação do que vem a ser o beneficiário efetivo acaba tornando-se uma tarefa árdua. Ele defende a posição de que tal conceito deve se restringir aos casos em que haja uma obrigação contratual. 49 Tôrres (2001a, p. 60-61). 38 garantir a neutralidade nas transações internacionais. Contudo, é justamente por meio dessas medidas capazes de evitar a dupla tributação da renda que a maioria dos planejamentos tributários acaba surgindo, principalmente aqueles que são considerados abusivos, e por isso merecem ser combatidos. Três são as principais formas de uso indevido dos Tratados Internacionais Tributários. A primeira abarca as situações em que haveria o uso indevido de uma “qualificação subjetiva”. Seria o caso dos treaty shopping. A segunda contempla o uso indevido em face de uma “qualificação objetiva”, a qual se chama rule shopping. Enquanto no primeiro caso pessoas não residentes nos Estados Signatários buscam tornar-se residentes em um deles com o intuito de beneficiar-se das normas dos tratados internacionais tributários de forma abusiva, no segundo pessoas já residentes nos Estados Signatários tentariam buscar uma vantagem tributária mediante a manipulações abusivas das normas internas e internacionais envolvidas.50 A terceira, conhecida como “casos triangulares”, envolve três Estados Soberanos, sendo que no primeiro encontra-se a matriz de determinada pessoa jurídica; no segundo, um estabelecimento permanente; e, no terceiro, um sujeito de direito. Não obstante tais considerações, o uso indevido seria decorrente apenas no caso de ocorrência de uma ilicitude em algum dos ordenamentos jurídicos dos Estados Signatários. Assim, um planejamento tributário internacional somente tem sua legitimidade confirmada a partir do momento em que é considerado lícito em ambos os ordenamentos jurídicos dos Estados Soberanos envolvidos na situação fática.51 2.3.3 Normas antielisivas internas Destaca-se que apenas as normas antielisivas internas em situações abrangidas por Tratados Internacionais Tributários que não têm normas autorizando a sua aplicação possuem relevância para este estudo. Portanto, o que importa saber é quando elas irão ser aplicadas. Entende-se por normas antielisivas internas aquelas oriundas do ordenamento interno, mesmo que possuam alcance em face de situações 50 51 Tôrres (2001a, p. 323 e ss.) e Caliendo (2005, p. 251-252). Tôrres (2001a, p. 56 e ss.). 39 abrangidas por normas tributárias de mais de um ordenamento jurídico. Portanto, uma norma antielisiva interna poderia ser aplicada diante de uma situação enquadrada como elisão fiscal internacional abusiva. Fazendo uma referência à Convenção Modelo da OCDE de 1977 e a suas alterações com relação ao modelo de 1963, Vogel (1986, p. 81-82) destaca que um grande número de Estados Soberanos começaram a aplicar normas antielisivas internas a situações abrangidas pelos tratados internacionais e que, posteriormente, tais Estados Soberanos começou a implementar estas próprias regras em seus acordos internacionais. Em 1962,os Estados Unidos da América introduzira em seu ordenamento regras relativas à tributação de empresas controladas no exterior (Controlled Foreign Corporations - CFC). Em 1972, a Alemanha também implementou tais regras em seu sistema tributário (Aussensteuergesetz). Seguiramse o Canada, a França, o Japão e o Reino Unido. Nesse contexto, destaca-se também o posicionamento da Corte Fiscal Alemã no sentido de possibilitar a aplicação das normas internas quando as normas dos tratados internacionais não forem satisfatórias para a análise do caso. Julgamento realizado em 1973 destacou-se a existência de duas esferas distintas, o que acarretaria conceitos e limites próprios. O recurso ao direito interno somente seria cabível em última instância.52 Ainda na mesma linha, outro caso também pertinente e que trata especificamente do uso impróprio de tratados internacionais por meio de treaty shopping é o de um investidor de Mônaco que, pretendendo realizar investimento na Alemanha, mediante a interposição de terceiros, criou uma sociedade de capital na Suíça, objetivando utilizar-se do Tratado Internacional Tributário firmado entre a Alemanha e este último Estado. A Corte Fiscal Alemã decidiu que a norma interna que trata de abuso de formas deve ser aplicada apenas internamente, não podendo ser utilizada no terceiro interveniente presente na Suíça.53 Schoueri (1995) ressalta a posição de Becker,54 para quem as normas dos tratados internacionais devem ser vistas, no ordenamento interno, como norma especial em relação a este. Portanto, é com base na análise de suas normas que se deve buscar a existência, ou não, de abuso. Tal entendimento de Becker apoiou-se 52 Schoueri (1995, p. 42). Schoueri (1995). 54 BECKER, Helmut, Treaty Shopping / Treaty Override, in ET, 1988. 53 40 como bem apontado por Schoueri (1995, p. 47) no fato de que naquela ocasião (1988) a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (1987) 55 já teria se pronunciado no sentido de que os Estados Signatários de determinado Tratado Internacional Tributário deveriam aplicar suas normas em respeito ao princípio do pacta sunt servanda no caso de não haver norma específica referente ao uso impróprio dos tratados. Esclarece a OCDE (1987) apud Schoueri (1995, p. 47): 43. Os acordos de bitributação existentes podem ter cláusulas de salvaguarda, contra o uso impróprio de seus dispositivos. Onde não haja disposição semelhante, os benefícios do acordo devem ser concedidos, por força do princípio “pacta sunt servanda”, ainda que isto seja considerado impróprio. Outro exemplo que vale destacar refere-se à decisão proferida pela Suprema Corte Suíça (SchweizerischerBundesrat), em 1962, que negou benefício fiscal oriundo de um tratado internacional assinado pela Suíça a empresas ali residentes e que distribuiriam mais de 50% do seu lucro a pessoas que não estariam abrangidas pelo escopo do tratado internacional ou caso eles fossem controlados por pessoas que também não estariam abrangidas pelas regras do tratado internacional e distribuíssem menos de 25% de seus lucros. Posteriormente, tais regras, que correspondem a normas de empresas controladas no exterior (Controlled Foreign Companies Rules - CFC Rules), seriam incorporadas nos textos dos tratados entre a Suíça e a França e entre a Suíça e a Alemanha. Outro país que começou a incluir no texto de seus tratados internacionais normas específicas antielisivas de empresas controladas no exterior foi os Estados Unidos da América.56 De maneira generalizada, as regras de empresas estrangeiras controladas que permitem a determinado Estado tributar um residente em face de rendimentos oriundos de empresas controladas no exterior.57 Cabe ressaltar que as regras no Brasil dizem respeito não somente às controladas, mas também às empresas coligadas. Recentemente (2014), foram objeto de análise pelo Supremo Tribunal 55 OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, “Double Taxation Conventions and the Use of Conduit Companies”, in OCDE, International Tax Avoidance and Evasion – Four Related Studies (Issues in International Taxation, n.1), Paris, OCDE, 1987. 56 Vogel (1986). 57 Russo (2007, p. 212 e ss.). 41 Federal e, ao mesmo tempo, foram modificadas pelo legislador federal. Por essa razão, tal fato será visto em seção própria deste estudo. 2.4 “Unwritten avoidance clause”, de Vogel, e o princípio anti-abuso ou princípio antielisão O princípio antielisão de Vogel corresponde a uma teoria desenvolvida pelo professor da Universidade de Munique mencionada na obra de Schoueri (1995) como uma medida global de combate ao abuso de Tratados Internacionais Tributários.58 Destaca-se a conclusão a que chegou Vogel (1986), em período anterior à Revisão de 2003 dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. O professor da Universidade de Munique relata que as Cortes Judiciais começaram a aplicar normas antielisivas oriundas do ordenamento interno às situações abrangidas pelos Tratados Internacionais Tributários independentemente da existência de alguma previsão para tal. Cita-se como exemplo o caso em que a Corte de Tributos dos Estados Unidos (U.S. Tax Court) teria negado isenção tributária sobre juros a uma empresa estrangeira que teria sido reconhecida como beneficiária de Tratado Internacional Tributário, sob o argumento de que ela não teria “recebido” os juros. Ou seja, não seria a beneficiária efetiva (Aiken Industries, Inc. V. Comm’r, 56 T.C. 925 [1971]). Outro exemplo dado por Vogel (1986), cuja decisão seguiu a mesma linha de raciocínio, foi o caso do ex-campeão de boxe Ingemar Johansson, julgado por uma Corte de Apelação dos Estados Unidos da América (Court of Appeals of the 5th Circuit), que lhe negou benefício tributário previsto no Tratado Internacional Tributário assinado entre os Estados Unidos da América e a Suíça (Johansson v. United States, 336, F.2d 809 [5th Cir. 1964]). Na Alemanha, a Corte Fiscal Federal (Bundesfinanzhof) chegou a desconsiderar a personalidade jurídica de diversas empresas de base estrangeiras (foreign base companies) pertencentes a empresas alemães. A justificativa da Corte 58 Schoueri (1995) analisa a possibilidade de evitar o planejamento tributário abusivo em casos de Treaty Shopping por meio de medidas que ele denomina “globais”, posto serem aplicadas a toda a comunidade internacional, diferenciando-se das medidas unilaterais (aplicadas internamente por cada Estado Soberano) ou das medidas bilaterais (aplicadas pelos Estados Signatários de determinado tratado internacional tributário). Nesse caminho, introduz a lição de Klaus Vogel que defende a existência de princípios gerais do Direito Internacional Público, e dentre estes estaria o que Schoueri (1995) chama de “princípio antiabuso”. 42 Fiscal Federal (Bundesfinanzhof), segundo Vogel (1986) seria a falta de propósito negocial nas transações. Destacou-se que a desconsideração feita pela Corte Alemã ocorria apenas nos casos em que as empesas de base estrangeiras eram controladas por empresas alemães. 2.4.1 Os princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas Vogel (1986, p. 82) expõe casos como estes para justificar a existência de um princípio comum entre os diversos ordenamentos jurídicos, o que acarretaria em uma norma não escrita antielisiva aplicável em face dos Tratados Internacionais Tributários, o que estaria, inclusive, de acordo com os Comentários à Convenção Modelo da OCDE (mesmo anteriores à Revisão de 2003). Seria, portanto, um princípio antielisão. Contudo, para Vogel (1986), o referido princípio comum seria aplicável somente quando a situação fosse entendida por ambos os países como abusiva, seja como substância sobre a forma, simulação, fraude à lei ou falta de propósito negocial. Nesse sentido, ressalta que as cláusulas específicas antielisivas contidas nos Tratados Internacionais Tributários não podem sofrer o uso de analogias para serem ampliadas e utilizadas em situações anteriormente previstas. Vogel (1985, p. 260)59 apud Schoueri (1995, p. 114) aduz que, conforme a previsão do Artigo 38 do Estatuto da Corte de Haia, existiria entre as fontes do Direito Internacional Público os “Princípios de Direito Geralmente Reconhecidos pelas Nações Civilizadas” (PDGRNC). Estes correspondem a princípios “confirmados faticamente” nos Estados considerados civilizados. Por essa razão, deveriam ser aplicados na ordem internacional da mesma forma vinculante como são aplicados nas ordens internas.60 2.4.2 O princípio antielisão e as normas internas 59 VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln, Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985. 60 Com relação aos princípios comuns às ordens jurídicas nacionais, Dinh, Daillier e Pellet (2003, p. 358) fazem uma crítica ao termo “nações civilizadas”. Segundo o mencionado princípio, devem ser transportados para a ordem internacional aqueles princípios que são comuns entre as nações civilizadas. A crítica reside no fato de que hoje em dia são todos os Estados considerados civilizados. Contudo, não é imprescindível que o princípio seja presente em todas as ordens jurídicas, mas sim na maioria delas. 43 Vogel (1986, p. 83-84) também aduz sobre a possibilidade de os Estados Soberanos tentarem aplicar normas no sentido de elidir de maneira inapropriada das normas dos tratados internacionais, com os quais se comprometeram. Uma das formas destacadas pelo professor de Munique consistiria na elaboração de normas internas que evitariam a ocorrência de situações abrangidas pelas normas dos tratados internacionais. Tais situações, no entender de Vogel (1986), não devem ser diversas daquelas em que a prática de medidas abusivas é realizada por contribuintes. Ou seja, não se aplicam somente ao abuso pelos Estados. Desse modo, e, continuando, Vogel (1985, p. 376)61 apud Schoueri (1995, p. 115) entende que a prevalência da substância sobre a forma, nas hipóteses em que a forma sobre a substância fosse contrária aos preceitos de justiça, consistiria em um entendimento que, em maior ou menor grau, subsistiria em todos os Estados vistos como civilizados, mesmo que tivessem ordenamentos jurídicos distintos. Neste diapasão, havendo essa prevalência da substância sobre a forma como instrumento da “busca da justiça” dentro dos ordenamentos internos daqueles Estados Soberanos ditos como civilizados, em uma interpretação das normas de um tratado internacional, os Estados Signatários deverão, da mesma maneira, se ater a esse princípio que praticam internamente.62 Vogel (1985, p. 376)63 apud Schoueri (1995, p. 115) entende que na hipótese de um Tratado Internacional Tributário entre dois Estados Soberanos, que reconhecem em seus respectivos ordenamentos internos disposições que buscam combater a evasão fiscal, ao avaliarem determinada situação que esteja abrangida pelas normas do referido tratado, devem também levar em conta se houve ou não evasão. Conclui que haveria uma “Cláusula não escrita referente à Evasão Fiscal” (ungescheriebene Umgehungsklausel). Schoueri (1995, p. 116), analisando a questão sobre o enfoque dos Treaty Shopping, entende que a referida “Cláusula não escrita referente à Evasão Fiscal”, 61 VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln, Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985. 62 Assim, segundo Schoueri (1995, p. 115): “um contribuinte não se pode valer da forma em que estruturou os negócios, para escapar à tributação com base em sua “substância”, há ai um princípio de direito geralmente reconhecido pelas nações civilizadas (PDGRNC), que vincula os Estados em suas relações com os demais contratantes”. 63 VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln, Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985 44 existente nos tratados internacionais, visa combater não somente à evasão fiscal, em sentido estrito, mas também a elisão fiscal agressiva, referindo-se a ela como “princípio antiabuso”. Demonstrando que a utilização dos princípios reconhecidos pelas nações civilizadas não seria uma analogia, Schoueri (1995) defende que sua existência seria mera aplicação da lei, enfatizando que, em analogia ao fato analisado, não há norma jurídica que o regule, sendo utilizada outra norma jurídica como forma de empréstimo.64 O princípio antielisão, de Vogel, corresponde, portanto, a uma norma geral antielisiva de caráter global passível de aplicação no combate ao uso impróprio dos tratados internacionais tributários. 2.4.3 Abusos realizados pelos Estados e pelos contribuintes Schoueri (1997, p. 128)65 entende que o “princípio antiabuso” (como chamado por ele) não seria de aplicação para o caso de abuso de formas feita por contribuintes, em razão de que o abuso deve ser visto quando realizado pelas partes contratantes do acordo internacional, isto é pelos Estados Signatários. Schülle (1962, p. 70)66 apud Schoueri (1995, p. 128) também entende que o abuso de direito estaria ligado a algum ato do sujeito de Direito Público Internacional, da mesma forma que Cheng (1953, p. 130).67 Lado outro, para Vogel (1986, p. 84) 68 , tal princípio (unwritten avoidance clause) seria aplicável tanto em situações em que um dos Estados Signatários 64 No tocante ao uso de analogia para a interpretação dos Tratados Internacionais Tributários, Schoueri (1995) deixa claro a sua posição no sentido de não ser admissível, sob o argumento, 64 apoiado em Anzilotti , segundo o qual corresponderia a uma maior limitação da soberania dos Estados. Contudo, Schoueri (1995) ressalta que não necessariamente o “princípio anti-abuso” corresponderia a uma forma de analogia ao interpretar os tratados internacionais tributários. Aduz, ainda, ser importante verificar até que ponto a aplicação do referido princípio seria considerado recurso a analogia pelo intérprete, ou mera aplicação de um dos “Princípios de Direito Geralmente Reconhecidos pelas Nações Civilizadas”. 65 Transcreve-se literalmente a passagem: “Temos, portanto, que a doutrina que defendeu a existência de um princípio referente à proibição do abuso, concebeu-se como uma prática de Estados; não, de particulares, contra o Estado. Deste modo, não nos parece que se possa utilizar a autoridade destes doutrinadores, para se defender a existência de tal princípio.” 66 SCHÜLE, Adolf. Rechtsmißbrauch (verbete), in Struppe, Karl e Schlochauer, Hans-Jurgen (orgs.), Wörterbuch des Völkerrechts, 3º, v., Berlin, Verlag Walter de Gruyter, 2ª, ed. 1962 67 CHENG, Bin. General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals, London, Stevens & Sons Limited, 1953 45 estivesse tomando medidas abusivas em relação à aplicação das normas do Tratado Internacional Tributário quanto naquelas situações em que o contribuinte estivesse realizando algum tipo de planejamento tributário agressivo. Logicamente, a posição de Vogel (1986) é a mais correta, independente do fato de ter sido ele quem desenvolveu tal teoria. O uso indevido das normas dos Tratados Internacionais Tributários ocorre com muito mais frequência entre particulares / contribuintes que se encontram envolvidos em transações e operações internacionais, que, de maneira artificial, buscam a economia tributária. A desconsideração de tais operações e transações é medida imperiosa na busca dos objetivos dos Tratados Internacionais Tributários, conforme será visto adiante. 68 Transcreve-se literalmente a passagem, e, em seguida, apresenta-se a tradução livre: “The legal consequences of such “treaty circumvention” by states cannot be basically different from those of tax avoidance by taxpayers. Under Article 38(1)(c) of the Statute of International Court of Justice, “general legal principles recognized by civilized nations” constitute one of the sources of international law. This provision confirms that commonly acceptable principles of domestic law are binding in a parallel manner on states as principles of international law. Now, the principles on tax avoidance set forth above certainly are recognized by an overwhelming majority of states. They must therefore be binding on states, too, if they try to avoid treaty consequences by an artificial legal construction (a “sham”).” Tradução livre: "As consequências jurídicas de tal "elisão do tratado internacional” por Estados Signatários, não podem ser, basicamente, diferentes daqueles da práticas elisivas por parte dos contribuintes. Nos termos do Artigo 38 (1)(c) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, "princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas" constituem uma das fontes do direito internacional. Esta disposição confirma que os princípios geralmente aceites de direito interno são vinculativos de forma paralela em Estados como princípios do direito internacional. Agora, os princípios sobre a elisão fiscal estabelecidas acima certamente são reconhecidos por uma esmagadora maioria de estados. Devem, portanto, ser vinculativa para os Estados, também, se eles tentam evitar consequências do tratado por uma construção jurídica artificial (uma "farsa").” 46 3 TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS O Direito Tributário é tratado há muito tempo em convenções internacionais de diversos assuntos, como formação de blocos, imunidades diplomáticas e regimes fiscais de organizações internacionais.69 Contudo, entre os tratados deve ser dado destaque especial aos bilaterais que versem especificamente sobre a dupla tributação da renda. Conjuntamente com tais Tratados Internacionais Tributários, é imprescindível uma atenção redobrada às convenções modelos, como é o caso da Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Convenção Modelo da Organização das Nações Unidas (ONU), entre outras.70 Segundo Xavier (2002), estas convenções modelo (chamados pelo mesmo de “convenções-tipo”) seriam meras recomendações. O final da Segunda Guerra Mundial é apontado como o momento em que as transações internacionais (comerciais, financeiras e investimentos) começaram a crescer de maneira mais destacada, acompanhando o desenvolvimento de diversas áreas do Direito Internacional, notadamente a do Direito Internacional Tributário. Este teria como peculiaridade o fato de a intenção por detrás das normas internacionais tributárias não seria somente assegurar a ocorrência das transações internacionais, mas também garantir a arrecadação para os Estados Soberanos signatários de Tratados Internacionais Tributários.71 A Convenção Modelo da OCDE é a mais utilizada, seguida pelo Convenção Modelo da ONU, que, na realidade seria bastante similar. Com relação a seus objetivos, ambas dedicam-se a eliminar os impedimentos para transações internacionais. 72 Pode-se dizer que os Tratados Internacionais Tributários, para evitar a dupla tributação da renda, são um meio que os Estados Soberanos encontraram para fazer concessões mútuas, com o intuito não só de diminuir a dupla tributação da renda como também de evitar a evasão fiscal.73 69 Xavier (2002, p.91-93). Este estudo, assim como os tratados assinados pelo Brasil, é elaborado tomando por base a Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), assim como os seus comentários. 71 Vann (1998). 72 Arnold e McIntyre (2002). 73 Rothmann (ROTHMANN, Gerd Willi, Interpretação e Aplicação dos Acordos Internacionais contra a Bitributação, tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo, edição particular s.d.), apud Schoueri (1995). 70 47 Importante destacar que a intenção por detrás dos Tratados Internacionais Tributários formalizados via Convenção Modelo da OCDE é, ao mesmo tempo, incentivar as transações internacionais, evitando a dupla tributação da renda e a não dupla tributação da renda, e combater a evasão fiscal e a elisão fiscal. Tendo em vista que os Estados Soberanos buscam tributar seus residentes no contexto da renda mundial, determinadas situações acarretam conflitos de normas impositivas tributárias internas. Algumas situações internacionais possuem elementos de conexões de mais de um ordenamento jurídico, por isso são passíveis da incidência tributária por mais de um Estado Soberano. Esta situação pode levar tanto a uma carga tributária elevada, o que poderia, inclusive, levar a um efeito confiscatório74, como a uma barreira à realização de transações internacionais. Ao serem celebrados os Tratados Internacionais Tributários, busca-se fixar critérios de competência tributária para que os Estados Soberanos, então Signatários, possam aplicar a sua legislação tributária interna.75 Em contrapartida, são criadas formas de evitar a dupla tributação, por meio de imputação de crédito, ou isenção. A dupla tributação é afastada pela determinação de critérios nos tratados internacionais que, de um lado, determinam a imposição tributária por parte de determinado Estado Soberano e, de outro lado, atribuem obrigações ao outro Estado Soberano no sentido de eliminar a tributação. Esses critérios de conexão utilizados para a resolução dos conflitos de dupla tributação da renda costumam se relacionar à nacionalidade ou à residência do contribuinte (critérios relacionados ao Estado de Residência) ou ao território em que se percebe ou se aufere o rendimento (critério relacionado ao Estado da Fonte).76 Noutro giro, pode ser dito que os Tratados Internacionais Tributários teriam caráter “subsidiário”, uma vez que em suas aplicações ocorreriam correntemente 74 Grupenmacher (1999) afirma que os Tratados Internacionais Tributários, em grande parte, versam em eliminar a dupla ou múltipla tributação da renda. Portanto, possuem uma relação com o princípio da capacidade contributiva, evitando, destarte, o confisco. Assim, os conflitos de competência tributária, no âmbito internacional, acabariam por interferir, da mesma forma como no âmbito interno, na aplicação do princípio da capacidade contributiva, que, de maneira proporcional e progressiva, buscaria atingir a manifestação de riqueza oriunda dos fatos jurídicos descritos na hipótese de incidência tributária. A incidência das normas tributárias de ordenamentos jurídicos distintos em face de uma mesma manifestação de riqueza afastaria a proporcionalidade esperada do princípio em comento, acarretando verdadeiro confisco. 75 Outro ponto levantado por Grupenmacher (1999) é o fato de que a dupla tributação internacional acaba ocorrendo em decorrência de existirem critérios distintos entre os Estados Soberanos para a incidência de tributos, normalmente, decorrente de situações em que o contribuinte residente em determinado Estado Soberano produz ou aufere renda proveniente de outro Estado Soberano. 76 Grupenmacher (1999). 48 “reenvios integrativos”, correspondentes à utilização de preceitos do direito interno para a determinação da correta forma de aplicação das normas internacionais. Contudo, o objetivo seria evitar o “concurso de pretensões impositivas” entre as normas internas dos Estados Signatários. Nesse sentido, seria apenas uma forma de harmonizar os direitos internos no âmbito tributário.77 Uma questão importante é saber quando que a norma de um tratado internacional está sendo aplicada. Para os propósitos deste estudo, os Tratados Internacionais Tributários seriam aplicados sempre que determinada situação estivesse sendo abrangida pelas suas normas, mesmo que em determinado Estado Signatário a imposição da norma tributária interna não estivesse ocorrendo como no outro Estado Signatário. Isto porque, apesar de não estar sendo aplicada a norma interna de determinado Estado Signatário, a situação estará abrangida neste último Estado pelas normas do Tratado Internacional Tributário, da mesma forma.78 3.1 Soberania tributária Para a compreensão exata de como se comportam os tratados internacionais, e notadamente aqueles que versem sobre matéria de Direito Tributário, imprescindível é tratar, preliminarmente, a questão da soberania dos Estados. A partir da conscientização do que seja soberania, é possível entender como são pactuados os tratados internacionais e como estes integram o ordenamento jurídico de um Estado. Em uma primeira análise, a ideia de soberania está ligada à autonomia que determinado Estado possui em relação a suas questões internas e externas, sendo reconhecido pelos demais Estados Soberanos como uma nação formada por determinado grupo de pessoas (povo) em determinado território.79 A complexidade da noção de soberania está no fato de que a sua compreensão está sempre alinhada a algum elemento de outra ordem, como a sociológica ou a política. Dois elementos acabam se destacando na compreensão 77 Tôrres (2001b, p. 591 e ss.). 78 Nesse sentido, Tôrres (2001b, p. 595 e ss.) e, em sentido contrário Vogel e Prokisch (1993) apud Tôrres (2001b), que entendem que o Tratado Internacional Tributário estaria sendo aplicado somente nos casos em que ocorressem uma limitação na aplicação das normas tributárias internas. 79 Grupenmacher (1999, p. 11) apresenta o conceito clássico de soberania como “fenômeno vinculado à noção de poder reconhecido internacionalmente”. 78 49 do fenômeno: a falta de subordinação e a forma de poder estatal.80 Tôrres (2001b), citando Kelsen81 e buscando uma conceituação de soberania abstrata de outras ordens (somente a jurídica), alega que a soberania entre os Estados ocorre de maneira igual, havendo, assim, uma reciprocidade. Neste sentido, os Estados Soberanos estariam sujeitos apenas ao Direito Internacional, não estando subordinados ao direito interno dos demais Estados Soberanos. O reconhecimento de tal fato entre os Estados Soberanos acarretaria certa reciprocidade, que serviria de legitimidade entre eles. Assim, no âmbito interno a soberania estaria alinhada à ideia de autodeterminação, enquanto que em âmbito externo estaria alinhada com a citada reciprocidade.82 Com apoio na ideia de que cada Estado soberano tem o poder de dispor da maneira que entenda sobre suas questões internas, ressalta-se que o sistema tributário de cada qual pode possuir disposições totalmente distintas em comparação com os demais Estados Soberanos. É importante frisar que em determinados sistemas tributários ocorre a imposição tributária sobre pessoas nacionais, não residentes, ou seja, pessoas que não estão localizadas no território daquele Estado (um exemplo são os Estados Unidos da América). Assim, ao discorrer sobre a soberania tributária, é preciso levar em consideração tal fato. Para os fins deste estudo, a mencionada doutrina de Alberto Xavier, que aponta duas formas diferentes de soberania, cada qual relacionada com os componentes de um Estado Soberano (o território e o povo), não terá relevância, posto que o Brasil segue a Convenção Modelo da OCDE, em que o tratamento é dado em função da residência, e não da nacionalidade. 3.1.1 Soberania absoluta e soberania limitada Destaque deve ser dado no que condiz à nova ordem internacional e a sua influência no conceito de soberania. Nesse diapasão, certo é que o aumento do número de acordos internacionais pactuados entre os Estados Soberanos em que 80 Tôrres (2001b, p. 62-68) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6 e. Coimbra: Armênio Amado, 1984 82 Tal entendimento é reconhecido por Grupenmacher (1999, p. 14), que, ao dispor sobre a igualdade dos Estados Soberanos e a obrigatoriedade decorrente desta legitimidade às disposições de natureza internacional, faz referência a esse posicionamento de Heleno Tôrres (1997). Nessa linha de entendimento, a soberania estaria ligada à ideia de reciprocidade, como posto acima, e, em contrapartida, estaria ligada à ideia de obediência a comandos de natureza internacional. 81 50 são criadas regras que servem para todos eles acabou por limitar o poder oriundo da soberania. Surge dessas evolução legislativa internacional o conflito entre a ideia de soberania absoluta a de soberania limitada.83 No ordenamento jurídico brasileiro, apesar haver disposições no texto constitucional e posicionamentos de especialistas defendendo a soberania absoluta84, fácil é perceber que o Direito Internacional acaba limitando a soberania do Estado brasileiro em diversos aspectos. Um exemplo que vale a menção corresponde ao Artigo 4º da Constituição da República de 1988, na qual há uma disposição no sentido de deixar nítida a intenção do legislador constitucional de assegurar que a soberania brasileira não é também absoluta, mas sim limitada, por integrar o ordenamento internacional, além de submeter-se ao cumprimento de tratados internacionais. Outros exemplos são: a constituição de tribunais internacionais e, mais especificamente, a celebração de tratados internacionais tributários em que constam previsões de limitação da imposição tributária, buscando a não dupla tributação da renda. Uma vez que a soberania tributária é uma faceta da soberania estatal, é possível concluir que a soberania tributária, assim como a soberania estatal, não é absoluta, sendo, inclusive, limitada, cada vez mais pela crescente realização de Tratados Internacionais Tributários. Nesse sentido, em sua manifestação externa, a soberania tributária acaba sofrendo limitações, posto que o sistema tributário de determinado Estado Soberano, no âmbito internacional, acaba colidindo com o sistema tributário de outros Estados Soberanos. Para que se evite tal colisão (que no âmbito tributário acaba sobrevindo com a dupla tributação da renda), torna-se 83 Ainda sobre a soberania, Grupenmacher (1999), com respaldo em Celso D. De Albuquerque (ALBURQUERQUE, Celso D. De. Curso de Direito Internacional Público. 4ª edição. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1974), Hildebrando Accioly (ACCIOLY, Hildebrando, Manual de Direito Internacional Público. 11ª edição, 5ª triagem. São Paulo: Saraiva, 1985), e, Heleno Torres (TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: RT, 1997) dispõe que atualmente não é mais vista de maneira absoluta existindo um crescente aumento da delimitação por parte de situações internacionais diversas, bem como tratados e estatutos celebrados pelos Estados Soberanos. 84 Apesar de tal fato e em caminho oposto, lembra Grupenmacher (1999, p. 16), citando ainda Celso Ribeiro de Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (BASTOS, Celso Ribeiro de; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1990), que existem dispositivos constitucionais que são de extrema nacionalidade e independência nacional, indo de encontro às ideias de soberania limitada encontrada em outros ordenamentos jurídicos. Mesmo assim, ressalta a autora, a doutrina e a legislação contemporânea brasileira caminhou em sentido diverso. Ou seja, de acordo com o acima citado, em que a soberania estatal brasileira é, sim, limitada pela ordem internacional. 51 imprescindível celebrar Tratados Internacionais Tributários. Estes, conforme analisado ao longo do estudo, seguem, na maioria das vezes, padrões já estabelecidos por organizações internacionais, por exemplo, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que possuem a convenção modelo de tratado internacional, para evitar a dupla tributação da renda. A determinação da soberania estatal como absoluta ou como limitada pelo ordenamento internacional passa necessariamente pelo enfoque dado ao Direito Internacional no ordenamento interno de determinado país. Assim, a querela entre as teorias monista e dualista, em que se busca apreciar como as normas internacionais são incorporadas no ordenamento interno, figura-se imprescindível. 3.1.2 Da concepção interna e internacional da soberania A soberania tem duas concepções: uma de ordem interna, na qual estaria destacado um aspecto impositivo da norma, como a norma tributária; e uma de ordem internacional, na qual não haveria uma imposição normativa, mas sim uma situação de paridade entre todos os demais Estados Soberanos, mediante o reconhecimento de cada qual.85 A concepção da soberania no plano interno não pode ser confundida, contudo, com a limitação da imposição normativa de determinado Estado Soberano aos fatos que ocorrerem em seu território. Com visto, a norma tributária de determinado Estado, para ser aplicável em um contexto internacional, carece de um elemento de conexão com o fato tributável. Assim, determinados Estados, via de exemplo, não impõem suas normas tributárias em face da residência dos contribuintes, mas sim de sua nacionalidade. Os Estados Unidos da América é exemplo de Estado que tributa seus nacionais ainda que não residentes. De maneira mais clara e para evitar confusão ao tratar de duas espécies de soberania, melhor seria dispor sobre uma manifestação da soberania no plano interno. 86 Desse modo, ao tratar de soberania tributária, pode-se aduzir que há 85 Segundo Garbarino (GARBARINO, C. La tassazione del reddito transnazionale, Padova: Cedam, 1990), apud Grupenmacher (1999, p. 17). 86 Contudo, Grupenmacher (1999, p. 18) critica a distinção feita por Garbarino (GARBARINO, C. La tassazione del reddito transnazionale, Padova: Cedam, 1990) sobre duas espécies de soberanias. Nesse sentido, cita, entre outros, López Espadafor (LÓPEZ ESPADAFOR, Carlos M. Fiscalidad Internacional y Territorialidad del Tributo. Madrid: Mc Graw – Hill, 1995). Mas, mesmo discordando de Garbarino (GARBARINO, C. La tassazione del reddito transnazionale, 52 manifestação interna ao impor normas tributárias sobre aquelas pessoas localizadas no território soberano. Adentrando na análise da Constituição Federal de 1988, registre-se que os textos constitucionais, muitas vezes, podem sofrer mutações no sentido e no alcance interpretativo de suas normas, sem contudo ocorrer uma alteração literal de seus dispositivos.87 A interpretação da Constituição acaba sofrendo mutações com o tempo88 e o intérprete do texto constitucional deve ater-se à realidade e aos valores daquele momento. Tal constatação não só reforça a ideia de que a soberania não é absoluta, mas demonstra uma certa dinâmica, no sentido da adequação ao contexto internacional e ao Direito Internacional. 3.1.3 A Soberania dinâmica Partindo da afirmação que as constituições sofrem mutações com a passagem do tempo, por meio de alterações sofridas nas formas de interpretá-las e de modificações no sentido de suas normas, e adicionando a isso o fato de que o conceito de soberania pode ser entendido como um conceito aberto e não totalmente absoluto, é possível vislumbrar a soberania tributária se amoldando em face dos diversos tratados internacionais tributários, celebrados, muito vezes com base na Convenção Modelo da OCDE. Em virtude dessa necessidade de amoldarse ao contexto internacional, a antiga ideia de soberania (como um poder absoluto) precisa ser renovada. Isso é possível a partir de uma interpretação do texto constitucional em harmonia ou consonância com a realidade atual, sem a necessidade de alterar o texto formal da Constituição.89 Partindo-se de uma ideia de mutação constitucional, ocorrida em virtude das adaptações do texto à realidade atual do Estado, é possível entender a soberania e, consequentemente a soberania tributária como aptas também a mutações em seu Padova: Cedam, 1990), Grupenmacher (1999, p. 21) consegue vislumbrar a soberania tributária (ou fiscal) sob uma análise de sua manifestação interna, aduzindo que tal manifestação advém da supremacia do Estado sobre o seu território e as pessoas ali localizadas. 87 Grupenmacher (1999). 88 Nesse sentido Canotilho (CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional, p. 154) apud Grupenmacher (1999). 89 Nesse sentido, Grupenmacher conclui que é imperativo contar com um conceito de soberania que não seja estático, mas sim dinâmico, justamente para possibilitar uma adaptação ao ordenamento jurídico internacional de acordo com o momento ora vivido. 53 conceito, que não pode ser entendido como absoluto, mas sim passível de sofrer limitações em face da realidade internacional.90 Ainda no tocante a essa questão, surge, mais uma vez, o problema enfrentado no estudo referente a situações de normas antielisivas com normas de tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda. Mesmo que as normas antielisivas sejam pertencentes ao direito interno brasileiro e estejam com sua eficácia assegurada pela soberania tributária, a sua não aplicação em face das normas dos Tratados Internacionais Tributários pode ser considerada como uma limitação desta soberania tributária ocasionada por um posicionamento existente no âmbito jurídico internacional. 3.1.4 O poder de tributar e os Tratados Internacionais Tributários No que se refere à competência tributária no Brasil, é importante fazer uma clara distinção entre o poder de tributar, a competência tributária e a capacidade tributária ativa.91 Com relação ao poder de tributar, ressalta-se ser este pertencente ao Poder Constituinte do Estado Soberano que possui a faculdade de intervir no patrimônio dos particulares. Ele atribui aos entes de direito público a competência para criar os tributos, os quais no no ordenamento jurídico brasileiro, correspondem à União Federal, aos Estados membros, aos Municípios e ao Distrito Federal. A competência tributária que é atribuída aos entes federados não corresponde a um poder absoluto, mas a uma atribuição conferida pelo Poder Constituinte e sujeita a limites previstos na própria Carta Magna.92 Por fim, cabe 90 Grupenmacher (1999) dispõe ainda que é preciso estabelecer um novo conceito de soberania tributária em decorrência desta necessidade de adaptação ao âmbito jurídico internacional, citando para tanto a lição de Amorós (AMORÓS, Narcisio. Derecho Tributario. 2ª ed. Madrid : Editorial de Derecho Financeiro. 1970). Ainda neste linha, Grupenmacher (1999, p. 31) conclui que, para atingir uma relação internacional com os demais Estados, a um nível que está cada vez mais crescente, as limitações existentes no Texto Constitucional devem ser interpretadas de maneira a, cada vez, mais serem alargadas. Kyoshi Harada (HARADA Kyoshi. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias (nova série – 3.) São Paulo : RT, 1997) apud Grupenmacher (1999) defende um novo conceito de soberania tributária menos absoluto e perpétuo, em face de uma realidade de formação de blocos econômicos regionais e plurirregionais, oriunda da globalização da economia e que consiste em uma fenômeno irreversível. 91 Grupenmacher (1999, p. 35-39). 92 Grupenmacher (1999), com apoio na lição de Paulo de Barros Carvalho (1991) e de Roque Antônio Carraza (1997), deixa claro que a competência tributária atribuída aos entes federados além de não se confundir com o poder tributário (originário do Estado Soberano e consubstanciado no Poder Constituinte), também não se confunde com a capacidade tributária ativa, que seria a possibilidade de cobrar e arrecadar os tributos. 54 ressaltar que é certo que a competência tributária é indelegável e que a capacidade tributária ativa é delegável. Em vista dos Tratados Internacionais Tributários celebrados pela República Federativa do Brasil, ou seja, pelo próprio Estado Soberano, conclui-se que a ratificação tem o condão de afastar o próprio poder tributário, e não a competência tributária. Outro ponto que deve ser apreciado quando se trata do poder de tributar e dos Tratados Internacionais Tributários, conjuntamente, é a aplicação da norma tributária no espaço. Para tanto, imperioso se faz distinguir entre o âmbito de incidência e o âmbito de eficácia da norma tributária. O âmbito de incidência está relacionado com o Poder Legislativo do Estado de criar os tributos de maneira abstrata, o que ocorre com base nas competências tributárias delimitadas no texto constitucional. Já o âmbito de eficácia está estritamente ligado à capacidade tributária ativa, ou seja, à capacidade de cobrar e arrecadar tributos.93 Quando se adentra no Direito Tributário Internacional, torna-se possível a aplicação de normas tributárias de Estados Soberanos distintos em face de uma mesma situação fática (fato gerador concreto), em razão de as legislações tributárias elegerem elementos de conexões diversos. Portanto, por meio dos Tratados Internacionais Tributários é possível o afastamento do poder de tributar de determinado Estado Soberano sobre fatos que a princípio estariam abrangidos pela sua manifestação interna de soberania, restringindo-se a eficácia de suas normas tributárias no espaço. Com a mesma razão mas em sentido oposto, um Estado Soberano pode ter suas normas tributárias internas sendo aplicadas no território do outro Estado Soberano signatário do tratado internacional, confirmando o seu poder tributário, em razão de um elemento de conexão. 3.1.5 O princípio da territorialidade 93 Explica Grupenmacher (1999, p. 41): “Na análise do âmbito de incidência das disposições normativas, investiga-se se a norma tributária interna pode alcançar pessoas, coisas e fatos situados em território de outro Estado. Já no âmbito de eficácia, investiga-se a possibilidade de a norma interna ser aplicada, coercitivamente, em território estrangeiro, e se, ao contrário, é possível que uma lei tributária estrangeira seja aplicada, também coercitivamente, em território nacional. O âmbito de incidência das normas tributárias guarda relação direta com o “âmbito do poder legislativo do Estado”, o âmbito de eficácia das leis tributárias indica “âmbito do poder executivo (administrativo ou judicial) do Estado”, “atividade tributária em concreto”, ou seja, o efetivo exercício do poder tributário”. 55 As questões pertinentes aos elementos de conexão em âmbito internacional para a aplicação de normas tributárias levam à necessidade de analisar o princípio da territorialidade.94 Isso porque na ideia de soberania não absoluta e dinâmica, em face das alterações no cenário internacional, o conceito de territorialidade acaba sofrendo distorções, para alguns especialistas. Ademais, uma vez que uma norma tributária de um Estado Soberano pode acarretar a incidência tributária de fatos ocorridos em um território de outro Estado Soberano, surge a dúvida de estar-se diante de violação ao princípio da territorialidade e, em consequência, da própria soberania desse segundo. O princípio da territorialidade não pode ser considerado como violado em situações como as descritas porque a incidência tributária, em um cenário internacional, torna-se possível mesmo quando o fato ocorre em território diverso daquele do Estado Soberano que exerce o seu poder de tributar, posto que este se justifica em razão de outros elementos de conexão. O princípio da territorialidade ainda pode ser fragmentado em: territorialidade formal e territorialidade material. A territorialidade material tem ligação com o âmbito de incidência da norma tributária acima referido. Dessa forma, determinado Estado Soberano pode determinar a incidência de suas normas tributárias em face de fatos ocorridos em territórios de outros Estados Soberanos. O que permitirá a eficácia da norma é a existência de outros elementos de conexão. Assim, sob o aspecto material da territorialidade, é possível a aplicação da extraterritorialidade. Lado outro, no que se refere à territorialidade formal, ou ao aspecto formal da territorialidade, a extraterritorialidade não pode ser cogitada, pois corresponderia à 94 Sobre o princípio da territorialidade, Grupenmacher (1999, p. 46) aduz que: “Nesta evolução do princípio da territorialidade, duas são as restrições impostas a ele. Uma é aquela que afirma que a delimitação territorial do poder normativo estatal não é princípio imperativo, o que conduz à consequência de que a disciplina jurídica dos fatos ocorridos no estrangeiro não corresponde, necessariamente, à violação daquele território e outra que o conceito de territorialidade é tão indeterminado que é impossível dele derivar concretas consequências jurídicas. [...] Tal concepção conduz, no entanto, a uma situação de indeterminação quanto àquelas circunstâncias que estão conexas com mais de uma ordem jurídica, situações em que surge a questão de se saber qual a norma que rege o fato, a “interna”, qual seja a do Estado em que se concretizou o fato tributável, ou a “eterna”, a integrante do ordenamento fiscal estrangeiro, que pode incidir diante da existência de um elemento de conexão, do fato, do bem ou da pessoa, com tal ordem jurídica.” 56 possibilidade de um Estado Soberano cobrar e arrecadar o tributo dentro do território de outro Estado Soberano.95 3.2 Incorporação por transformação ou adoção Após demonstrar que a soberania tributária possui uma feição dinâmica, no sentido de sofrer uma limitação advinda da ordem internacional, passa-se a discutir como as normas advindas de tratados internacionais incorporam o ordenamento interno de determinado Estado Soberano.96 A depender da maneira como os Tratados Internacionais Tributários serão incorporados no ordenamento interno brasileiro, as consequências são diversas no que tange à relação com as normas internas. A incorporação pode ocorrer quando os tratados internacionais são transformados em normas internas ou quando eles são adotados pelo ordenamento interno como normas internacionais que são. Existe todo um processo de recepção, em que se observam tanto preceitos de Direito Internacional como regras previstas no texto constitucional, que, no caso brasileiro, dispõe como um verdadeiro procedimento para a incorporação. O procedimento de incorporação (ou celebração) dos tratados internacionais apresenta, basicamente, duas fases: a assinatura do tratado internacional; e a ratificação final. No primeiro momento, ocorrem as negociações e a formatação do documento final; no segundo momento, o comprometimento oficial entre os Estados Soberanos signatários. Entre estas duas fases, há um procedimento interno, que também poderia ser considerado uma fase, em que, no caso brasileiro, ocorre o referendo por parte do Poder Legislativo (Congresso Nacional), visto como a recepção do tratado internacional pelo Estado, por parte de especialistas. 95 Sobre a extraterritorialidade, Grupenmacher (1999, p. 52) conclui que: “A extraterritorialidade da lei, acatada excepcionalmente por nosso sistema, prevalece diante da disparidade entre normas internas e internacionais, admitindo-se que determinados atos, fatos ou pessoas, sofram regulação por norma vigente em outro sistema. Nesta hipótese, diferentes regras podem ser adotadas, tais como a regra da nacionalidade, do domicílio, da residência, da localização dos bens etc.. São elementos de conexão, normalmente em relação aos impostos sobre o rendimento e o capital, o critério da “fonte” em que prevalece o país onde se obtém a renda produzida, e o da “residência”, onde reside o titular dos fundos fornecidos e que aufere a renda do capital aplicado no exterior”. 96 Conforme Schoueri (1995, p. 31) “a questão da incorporação dos tratados internacionais em geral ao direito interno de cada Estado contratante é matéria de que se vem ocupando o direito internacional público”. 57 A recepção, ou incorporação, pode ser feita de maneira automática, em que não há qualquer ordem de execução ou edição de lei. Pode ser por transformação, em que há a edição de uma lei interna, ou por adoção em que pode existir uma ordem de execução para tanto. A forma de incorporação reflete diretamente a maneira como serão interpretados os Tratados Internacionais Tributários no ordenamento interno, influenciando também a maneira como se dará o conflito com as normas internas. Nesse sentido, a aplicação de uma norma antielisiva interna que, por exemplo, combata o abuso da forma ou a simulação, terá a sua aplicação, em face de um fato que corresponda ao uso impróprio de um Tratado Internacional Tributário, analisada de maneira diversa, a depender da forma de incorporação. Logo, se o Tratado Internacional Tributário for transformado em uma norma interna, a aplicação da norma antielisiva será em face de uma norma interna, o que não deverá acarretar muita discussão. Lado outro, caso o Tratado Internacional Tributário seja incorporado de maneira direta ou por adoção, mantendo-se como norma internacional, a aplicação de uma norma antielisiva interna necessariamente passará por uma análise mais complexa, a ser vista ao longo do estudo.97 3.2.1 Transformação A incorporação dos tratados internacionais, segundo a teoria de transformação, ocorre somente com a edição de uma norma interna que contenha o texto do tratado internacional.98 97 O uso de normas que vedam o abuso do direito é apontado por Schoueri (1995, p. 30) como uma das formas de combate ao Treaty Shopping em diversos Estados, usando-se de recursos de interpretação e aplicação de normas de Tratados Internacionais Tributários, de modo a impedir a utilização por pessoas que, a princípio, não seriam os verdadeiros beneficiários dos tratados, mas acabam assim se tornando em virtude de terceiros interpostos. Contudo, Schoueri (1995) defende que a aplicação de normas internas que combatem o abuso de direito somente poderia acontecer em situações abrangidas pelos Tratados Internacionais Tributários no caso em que esses fossem transformados em normas de Direito Interno, esclarecendo que: “se os acordos de bitributação não se submeterem às categorias próprias do direito interno, as normas internas referentes ao abuso do direito serão de nenhuma força, diante deles”. Nessa linha, aduz ainda que as normas internas referentes à contenção de abusos na interpretação somente podem ser aplicadas às normas dos tratados internacionais quando estes forem incorporados no Direito Interno por meio da transformação em norma interna, afastando, em contrapartida, nos casos em que os tratados internacionais são incorporados através da adoção de suas normas. 98 Explicando a teoria da “transformação”, Schoueri (1995, p. 31), apoiando-se em Verdross e Simma (VERDROSS, Alfred e SIMMA, Bruno, Universelles Völkerrecht – Theorie und Praxis, Berlin, Duncker & Humblot, 1976), afirma que os tratados internacionais, mesmo que já celebrados, somente poderiam ser utilizados e aplicados pelos tribunais internos do Estado Signatário após 58 Enquanto o tratado internacional é uma norma de Direito Internacional dirigida apenas aos Estados Signatários, na concepção daqueles que adotam a teoria da transformação, sua transformação cria norma de Direito Interno, cujo destinatário final são os indivíduos.99 Nessa linha de raciocínio, somente com a transformação em norma interna poderá haver a aplicação pelos tribunais internos do Estado Signatário das normas do tratado internacional. A questão mais relevante com relação à incorporação dos Tratados Internacionais Tributários por meio da transformação cinge-se no fato de que, uma vez existente a norma interna transformada, a interpretação a ser dada será aquela pertinente ao Direito Interno, e não mais uma interpretação voltada para os princípios do Direito Internacional. A escolha, ou não, da transformação como forma de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento interno de um dado Estado Soberano está intrinsicamente ligada à adoção da corrente monista ou dualista, tema que será abordado mais adiante. 100 Como exemplo de Estado Soberano que incorpora tratados internacionais em seu ordenamento interno mediante a transformação em norma de direito interno, cita-se a Inglaterra, em que o Poder Executivo é que o ratifica, sem o referendo do Poder Legislativo. Posteriormente, este analisa a criação de norma interna incorporando o texto do tratado no ordenamento jurídico inglês. 3.2.2 Adoção Em contrapartida à incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico por intermédio da transformação em norma interna, existe o critério da ocorrer um procedimento de “transformação” em que o texto do tratado internacional é incorporado na ordem interna. 99 Menzel e Isen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut, Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979, “Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962, p. 54 apud Schoueri (1995, p. 31), referido procedimento de “transformação” do tratado internacional modificaria a norma em questão pois passaria a se tornar norma de Direito Interno destinada aos indivíduos e teria uma estrutura de subordinação à ordem jurídica, enquanto que, como norma de tratado internacional, seria oriunda do Direito Internacional tendo como destinatário os sujeitos de Direito Internacional possuindo uma estrutura de coordenação com o Direito Interno. Destarte, conclui Schoueri (1995) que a consequência da teoria da “transformação” seria que os tratados internacionais uma vez transformados, passariam a integrar o Direito Interno e, assim, a maneira de interpretá-los seria conforme as disposições do Direito Interno para tanto. 100 O uso da teoria da transformação é questionada a muito tempo segundo Schoueri (1995, p. 32), em decorrência de questões lógicas que não são explicadas como a própria entrada em vigor e a revogação dos tratados internacionais, o que acarreta na discussão entre monismo e dualismo, vista em seção subsequente. 59 adoção. A adoção consiste na edição de um ato que corresponda a uma ordem de execução do tratado internacional na ordem interna de determinado Estado Soberano. Não se dá especificamente a internalização do texto do tratado internacional. Esta passa a ser aplicável no ordenamento interno, mas mantém seu status de norma internacional. Consequentemente, sua interpretação será segundo as normas de Direito Internacional.101 As considerações pertinentes à incorporação (ou recepção) dos tratados internacionais pelo critério da adoção, no que se refere à forma de interpretação como norma de Direito Internacional, são válidas, logicamente, pelo critério de incorporação imediata dos tratados internacionais, em que bastaria somente a ratificação para a validade no ordenamento interno do Estado Signatário. 3.2.3 O procedimento de incorporação O procedimento de incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno, conforme já mencionado, apresenta duas fases, quais sejam, a assinatura do tratado internacional, em que são realizadas as negociações e chega-se a um texto final, e, a fase da ratificação, onde é confirmado o compromisso entre os Estados Soberanos signatários. Com também já foi esclarecido, pode haver, entre essas duas fases, procedimentos internos, a depender do ordenamento interno de cada Estado, e, o que, inclusive, pode ser visto como uma fase ou etapa intermediária.102 De acordo com a Constituição Federal de 1988, a incorporação dos tratados internacionais possui, além das fases de assinatura e de ratificação, um procedimento interno, em que o texto do tratado internacional transitará pelo Poder Legislativo, sendo analisado pelo Congresso Nacional. Entre os principais dispositivos que se referem ao procedimento de incorporação dos tratados internacionais, destacam-se os arts. 21, inciso I, 84, inciso 101 Apresentando esta linha de raciocínio, Schoueri (1995) ressalta Seidl-Hohenveldern (SEIDLHOHENVELDERN, Ignaz, Völkerrecht, 6ª. ed., rev. e atualizada, Köln, Berlin, Bonn e München, Carl Heymanns Verlag KG 1987), que defende que o tratado internacional celebrado por determinado Estado Signatário deverá se submeter aos critérios de Direito Internacional referentes à entrada em vigor, interpretação e rescisão; podendo concluir que continuam a pertencer a ao Direito Internacional Público. 102 Analisando o procedimento com ênfase nas disposições constitucionais no Brasil, Xavier (2002, p. 129-130) destaca a simultaneidade tanto de previsões de etapas internacionais quanto de etapas internas. 60 VIII, e 49, inciso I, todos da Constituição Federal de 1988. Enquanto que o Artigo 21, inciso I, determina que a União Federal será o ente federado que representará o Estado Soberano brasileiro na celebração dos tratados internacionais, com base na manutenção das relações com outros Estados Soberanos, o Artigo 84, inciso VIII, estabelece a competência do Presidente da República para celebrar os tratados internacionais, o que corresponde a primeira e segunda fases (assinatura e ratificação). Por fim, o Artigo 49, inciso I, corresponde ao procedimento interno e, ao mesmo tempo, à participação do Poder Legislativo, por intermédio do Congresso Nacional, que terá competência para decidir terminantemente sobre os tratados internacionais. Esse procedimento interno do Congresso Nacional, assim como o ato do Presidente da República posteriormente à ratificação dos tratados internacionais de publicação por meio de Decreto Executivo, corresponde à etapa interna. A deliberação do Congresso Nacional é comumente chamada de referendo. Corresponde à simples aprovação do texto do tratado internacional, por meio de um Decreto Legislativo. Nota-se que a aprovação pelo Congresso Nacional não corresponde, portanto, a uma transformação do texto do tratado internacional em lei interna, muito menos seria a ordem de execução para que ele passasse a ser incorporado no ordenamento interno.103 Corresponde, sim, a um “controle prévio”, nas palavras de Xavier (2002), posto que, mesmo após o referendo do Congresso Nacional, ainda restará a concretização da segunda fase, correspondente à ratificação do tratado internacional pelo Presidente da República, como representante do Estado Soberano brasileiro.104 O referendo do Congresso Nacional é visto como uma forma de garantir a repartição sistemática de competência com o Poder Executivo no procedimento de incorporação dos tratados internacionais. Assim, o referendo do Congresso Nacional, conjuntamente com a atuação do Poder Executivo, corresponde ao treaty making power brasileiro. 103 Uma importante observação feita por Xavier (2002, p. 129-130) é que a participação do Congresso Nacional por meio do referendo não corresponde a uma “transformação” da norma internacional em norma interna. 104 Como chefe de Estado, o Presidente da República responde pelos tratados internacionais celebrados pelo Brasil em face de toda a federação, o que importa, inclusive, a possibilidade de dispor sobre o poder tributário dos demais entes federados (Distrito Federal, Estados-membros e Municípios). 61 Após o referendo do Congresso Nacional, o Poder Executivo poderá, ou não, realizar a ratificação do tratado internacional. Com a ratificação existe ainda o procedimento interno, de exclusividade do Poder Executivo, referente à edição de Decreto Executivo com a simples função de dar publicidade ao tratado internacional. Tal ato do Poder Executivo, destaca-se, sequer é previsto constitucionalmente, mas é praxe comumente aceita. Contudo, apesar da falta de previsão, é visto como ordem de execução. Neste sentido, confirma-se a posição de que no ordenamento interno brasileiro os tratados internacionais não são transformados em normas internas, sendo incorporados por meio da ordem de execução referente ao Decreto Executivo, mas que, como será visto, apenas dá publicidade a tratados que já são válidos desde a sua ratificação. Portanto, os tratados internacionais podem, inclusive, ser vistos como fontes primárias de Direito. 3.2.4 Decreto Executivo e validade dos tratados internacionais Uma vez ratificado o tratado internacional pelo Chefe de Estado, que no Brasil é o próprio Presidente da República, finaliza-se a segunda fase da incorporação. Contudo, ainda existe um procedimento interno, que, apesar de não estar previsto no texto constitucional, é medida rotineira que já se incorporou na prática dos atos do Poder Executivo. Surge, então, a questão de saber qual é a natureza jurídica do Decreto Executivo, quais são seus efeitos e a partir de quando eles ocorrem. Diferentemente do que acontece no ordenamento jurídico dos Estados Soberanos que incorporam o tratado internacional mediante a edição de uma nova lei, transformando o texto do tratado em direito interno, no Brasil, por meio do Decreto Executivo, é dado conhecimento da ratificação do tratado internacional. Assim, esse ato administrativo de mera publicidade nada mais faz do que declarar a incorporação do tratado internacional ao ordenamento interno, como norma internacional. Isso porque não existe edição de espécie normativa reproduzindo o texto do tratado internacional. Ou seja, não há transformação. Da mesma forma, o Decreto Executivo, como ato administrativo oriundo de praxe dos Poderes Executivos, não pode ser considerado como ordem interna de execução, posto que, não produzem o efeito de determinar a eficácia dos tratados internacionais. Nessa linha de raciocínio, resta a última das três formas de incorporação dos tratados internacionais para classificar o ordenamento jurídico brasileiro: a 62 incorporação automática. Esta acontece logo em seguida à ratificação do tratado internacional pelo Chefe de Estado. É a forma adotada no Brasil. A validade do tratado internacional ocorre, portanto, a partir da sua ratificação, salvo os casos em que o próprio texto do tratado internacional disponha de maneira diversa, estipulando prazo para sua entrada em vigência. Nesse sentido, é comum encontrar tratados multilaterais cuja vigência ocorre somente a partir de certo número de Estados Soberanos realizando a ratificação. Entender de maneira diversa, ou seja, que os tratados internacionais passariam a ter eficácia somente a partir do Decreto Executivo, seria autorizar o descumprimento do pactuado no momento da ratificação com os demais Estados Soberanos signatários. Ou seja, o Brasil estaria acordando com determinado Estado Soberano, na ordem internacional, mas ficaria a seu bem entender o momento em que o celebrado no tratado internacional teria eficácia em seu âmbito interno. Nada mais abusivo do que este entendimento. O Decreto Executivo não pode, desse modo, ser visto como ordem de execução105, sendo, sim, mero ato de publicidade na ordem interna de fonte do Direito Internacional. Ademais, a retroatividade da eficácia estaria de acordo com o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)106, o que impede que o Estado Signatário justifique o não cumprimento do tratado internacional pelo fato de que não teria ocorrido a sua publicação. Por fim, destacase que tal entendimento está em consonância com o que o próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou a respeito. 3.2.5 A interpretação em face da incorporação 105 No que se refere ao ato do Presidente da República para a incorporação do tratado internacional no Direito Interno, apesar de muitos doutrinadores utilizarem o termo “transformação”, como apontado por Schoueri (1995, p. 35), o termo, segundo ele, não seria correto, pois a transformação levaria a uma mudança na natureza do tratado internacional no tocante a sua fonte jurídica. Neste diapasão, Schoueri (1995) defende tratar-se mais de uma ordem de execução no Direito Interno. Assim, Schoueri (1995) defende uma terceira corrente, que seria a teoria da execução (Vollzugstheorie), em que se faz necessário o ato do Presidente da República para que o tratado internacional seja incorporado no ordenamento interno, sem, contudo, alterar sua natureza e seu fundamento jurídico. Quer dizer, deve ser interpretado como norma de Direito Internacional Público. 106 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) foi promulgada através do Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. A redação do seu art. 27 é a seguinte: “Artigo 27 – Direito Interno e Observância de Tratados – Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o Artigo 46.” (BRASIL, 2009) 63 A forma como o tratado internacional será incorporado no ordenamento interno tem repercussão na hermenêutica a ser utilizada. Assim, havendo a transformação do tratado internacional em norma interna, as regras de interpretação deverão ser as utilizadas para a elucidação dos dispositivos das normas internas. No caso do Brasil, caso fosse adotada a transformação para a incorporação dos Tratados Internacionais Tributários, imprescindível seria utilizar as disposições do Código Tributário Nacional (CTN), recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, como lei complementar e normas gerais em matéria tributária. Vale ressaltar o entendimento, aqui considerado equivocado, de que as normas de tratados internacionais tributários deveriam ser interpretadas como normas de direito interno por força da disposição contida no Artigo 3º, parágrafo 2º da Convenção Modelo da OCDE, seguida pelo Brasil. Nota-se que a norma do Artigo 3º parágrafo 2º da Convenção Modelo da OCDE deve ser utilizada apenas para esclarecer o significado de “termos ou expressões” e em situações em que o contexto do Tratado Internacional Tributário não consiga esclarecer. Logo, não sugere a forma de interpretação dos tratados internacionais pelas normas de direito interno, mas apenas a conceituação e o significado de termos utilizados. Noutro giro, sendo os tratados internacionais incorporados no ordenamento interno pela adoção imediata ou por meio da ordem de execução interna, as normas de interpretação a serem aplicadas não seriam as previstas no direito interno, mas aquelas oriundas do Direito Internacional. Portanto, no Brasil, entendendo que os tratados internacionais são incorporados no ordenamento jurídico somente pela ratificação, suas normas passam a ter validade internamente como normas de Direito Internacional (haja vista a falta de transformação em lei interna) e devem ser interpretadas de acordo com os preceitos de Direito Internacional. Tais preceitos são estudados mais a frente, quando o estudo analisará as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). 3.3 Monismo versus dualismo A maneira de incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico de determinado Estado é que irá determinar a forma como as normas dos tratados internacionais serão interpretados. No Brasil, tendo em vista que os 64 tratados internacionais passam a incorporar o ordenamento jurídico com a ratificação, suas normas devem ser interpretadas em consonâncias com a hermenêutica do Direito Internacional. Essa linha de raciocínio é desenvolvida a partir da adoção pelos Estados Soberanos do Monismo ou do Dualismo, a depender de como irão tratar a oponibilidade ou conflito entre as normas do Direito Interno e as normas do Direito Internacional. Certo é que a adoção de uma dessas correntes não condiz com uma análise doutrinária e acadêmica, mas o que realmente irá determinar será a forma como as normas advindas do direito internacional irão fazer parte do ordenamento jurídico.107 No Monismo, haverá uma unidade do sistema jurídico. Assim, no mesmo ordenamento jurídico haverá normas oriundas do Direito Interno e normas oriundas do Direito Internacional. Em outras palavras, em determinado ordenamento jurídico as normas que o compõem serão advindas de fontes internas e de fontes internacionais. Em contraponto ao Monismo, há o Dualismo (ou Pluralismo), em que são reconhecidos dois ou mais sistemas jurídicos. De acordo com essa corrente, as normas dos tratados internacionais, por exemplo, são fontes de Direito Internacional 107 Com base na doutrina de Celso D. Albuquerque de Mello (MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito Internacional Público, 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1992), Grupenmacher (1999) aponta as duas vertentes relativas à incorporação de tratados internacionais no ordenamento jurídico interno. De um lado, tem-se o monismo, em que se entende que o Direito Interno e o Direito Internacional seria apenas um. Seria ainda admitido duas vertentes: o monismo com primazia do Direito Internacional, e, o monismo com primazia do Direito Interno. Explicando as correntes, Xavier (2002, p. 106) ressalta que, pela tese dualista haveria uma diversidade de fontes do entre o direito internacional e o direito interno. Em virtude de pertencerem a uma fonte diversa, a norma internacional, oriunda do direito internacional, somente passa a pertencer à ordem interna depois do procedimento de transformação em lei interna. Já na tese monista haveria uma unidade do Direito, e a ordem interna e internacional seriam apenas manifestações do próprio direito. Neste sentido, não seria necessária a incorporação da norma internacional por meio de um procedimento de transformação. Ambas as correntes, monista e dualista (para alguns esta última ainda é destacada como pluralista), comportam variantes que corresponderiam a preponderância de uma das normas sobre a outra. Dessa forma, haveria o monismo com primado do Direito Interno e o monismo com primado do Direito Internacional, assim da mesma maneira ocorreria com o dualismo. Xavier (2002) ainda faz menção de exaltar que a questão está hoje “definitivamente” superada na ordem jurídica brasileira, principalmente no que tange a falta de normas constitucionais que expressam o posicionamento a respeito do assunto. Tôrres (2001b) ainda divide a tese monista em três correntes distintas: monismo com primazia do Direito Interno, monismo com primazia do Direito Internacional, e, a o monismo moderado. O monismo com primazia do Direito Interno daria maior destaque e importância a questão da soberania do Estado. Já o monismo com primazia do Direito Internacional entenderiam que a soberania estaria ligada à ideia de dependência com a ordem internacional, havendo, portanto, uma limitação neste sentido. Ademais, a violação das normas internacionais iria acarretar a responsabilidade internacional. Por fim, o monismo moderado seria a equivalência das normas internas e internacionais em que o critério de solução melhor empregado seria o da lei posterior prevalecendo sobre a lei anterior. 65 e não fazem parte do ordenamento jurídico do Estado Soberano adepto ao Dualismo. Para serem incorporados ao ordenamento jurídico interno desse Estado Soberano, requerem a realização de um procedimento de incorporação da norma do tratado internacional para fins de transformá-la em norma interna. Com isso, e como já exposto anteriormente, é criada uma norma interna, na qual é transcrito o texto do tratado internacional, incorporando-o ao Direito Interno. Importante destacar que existem variações tanto do Monismo quanto do Dualismo. Assim, vale analisar cada uma dessa variações, para determinar como ocorrerá a oponibilidade entre as normas internas e as normas internacionais. 3.3.1 Os fundamentos do dualismo O Dualismo teve sua origem na Alemanha, a partir do estudo realizado por Karl Henrich Triepel, em 1923. Também teria como expoente Anzilotti, na Itália. Nesse primeiro momento, destaca-se que o Dualismo reconhecia uma distinção entre o Direito Interno e o Direito Internacional em dois aspectos principais que seriam o fato de tratarem de ramos distintos; e o fato de possuírem fontes também distintas.108 Uma vez que o Dualismo reconhece a existência de dois sistemas jurídicos diversos, passa-se a buscar a compreensão de como uma norma internacional incorpora-se ao ordenamento interno. Surge daí uma ideia de dualismo extremado, em que haveria a necessidade de incorporação por transformação em norma interna que fosse fonte formal primária de direito – ou seja, lei. Em contrapartida, haveria uma vertente menos extremada que entenderia que, mesmo havendo sistemas distintos, a incorporação ao Direito Interno passaria apenas por um ato de referendo do Congresso Legislativo. Com base nesta visão, é perceptível uma similitude com o Monismo, no qual não há a necessidade de transformar a norma internacional para que ela integre o ordenamento interno de um Estado Soberano. 108 Segundo Schoueri (1995, p. 88), citando Rousseau (ROUSSEAU, Charles. Droit International Public, 9ª ed., Paris, Dalloz, 1979), a doutrina dualista teria sua origem na Alemanha, com Triepel (TRIEPEL, Karl Henrich, 1923, As relações entre o direito interno e o direito internacional (trad. por Amílcar de Castro), in RFDUFMG, outubro de 1966), e na Itália com Anzilotti (Mencionado na obra de Schoueri (1995) por meio de citação da obra de Rousseau: ROUSSEAU, Charles. Droit International Public, 9ª ed., Paris, Dalloz, 1979). Para Triepel (1923) apud Schoueri (1995) o direito interno e o internacional se diferenciariam tanto no que diz respeito ao ramo do direito que tratam, como da vontade de onde emanam e surgem. 66 Com relação ao Dualismo iniciado na Alemanha, é possível vislumbrar certa moderação, traduzida pelo surgimento de uma vertente que aduz não corresponder a uma diferença entre os distintos sistemas o fato de que no Direito Internacional haveria normas dispondo apenas da relação entre os Estados Soberanos, enquanto que no Direito Interno as relações normatizadas seriam entre as pessoas de direito (indivíduos) e os Estados Soberanos. Esse Dualismo moderado torna possível a ocorrência de conflito entre as normas internacionais e as normas internas. Isso acaba acarretando a necessidade de criar de regras para a harmonização de normas internas com normas internacionais.109 A moderação também é encontrada no Monismo, com será visto no tópico seguinte. Nesse sentido, dentro da concepção do Monismo, entre a primazia do direito interno e a primazia do direito internacional haveria uma vertente moderada onde seria preciso, da mesma forma como ocorre no dualismo moderado, a criação de regras para a harmonização das normas internacionais com as normas internas, evitando, destarte, conflitos reais. 3.3.2 Os fundamentos do monismo 109 Tratando do “dualismo moderado” Schoueri (1995. p. 90-91) apresenta primeiramente a posição de Bleckmann (BLECKMANN, Albert, Grundgesetz und Vökerrecht, Berlin, Duncker & Humbolt, 1975), cuja contribuição seria no sentido de defender que, apesar de haver uma separação do Direito Internacional e do Direito Interno, em ambos existiriam tanto relações entre os Estados Soberanos, como entre esses e os indivíduos. Nesse diapasão, a possibilidade de conflito entre normas de ambos os direitos seria uma possibilidade, o que acarretaria a necessidade de criação de regras para harmonização das normas internas com as normas internacionais, segundo a lição de Menzel e Ipsen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut, Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979, “Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962) apud Schoueri (1995). Já segundo Bleckmann (1975) apud Schoueri (1995), no caso de impossibilidade de resolução do conflito de normas, a solução seria aplicar as normas internas na ordem interna e das normas internacionais na ordem internacional. Com relação a esta moderação, é possível encontrar também na doutrina monista. Schoueri (1995, p. 91-92) relata, citando Rousseau (1979) que a doutrina monista com prevalência do direito interno é criticada principalmente quando se leva em conta os princípios e costumes que constituem fontes do Direito Internacional, e, que não necessitariam da ordem estatal para serem criados, o que levaria a uma desnecessidade de fundamentação constitucional. Assim, em face das criticas surgidas, despontou o monismo moderado que defenderia a existência precária de conflitos entre as normas internas e as normas de Direito Internacional, sendo que a solução estaria em procedimentos previstos no próprio Direito Internacional Público (segundo Verdross e Simma (VERDROSS, Alfred e SIMMA, Bruno, Universelles Völkerrecht – Theorie und Praxis, Berlin, Duncker & Humblot, 1976), e, Menzel e Ipsen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut, Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979, “Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962), apud Schoueri, 1995). Ademais, segundo Mössner (MÖSSNER, Jörg M., Einführung in das Völkerrecht, (“Schriftreihe der Juristischen Schulung”, cad. 55), München, Beck 1977), apud Schoueri (1995), o monismo moderado seria a corrente hoje predominante na doutrina. 67 O Monismo, comportando a ideia de que o sistema jurídico é uno, e que as normas internas e as normas internacionais se correlacionam, também é passível de vertentes, que defendem cada qual a preponderância de uma das normas. Havendo a regulamentação de matérias tanto por normas internas como por normas internacionais e sendo ambas pertencentes ao mesmo sistema jurídico, torna-se inevitável a ocorrência de situações em que o conflito, mesmo que aparente, seja inevitável. O Monismo com primazia do Direito Internacional seria aquele em que o sistema jurídico daria preponderância às normas internacionais em relação às normas internas (com exceção da norma constitucional, posto ser aí que estaria disposto sua validade). Nessa linha de raciocínio, no Monismo com primazia do Direito Internacional é que se encontraria as normas internacionais como tendo um caráter supralegal. Noutro norte, o Monismo com primazia do Direito Interno defenderia a preponderância das normas internas em face das normas internacionais. E, finalmente, o Monismo moderado, como visto acima, seria aquele que estabelece padrões hierárquicos paritários para as normas internas e as normas internacionais, sendo que neste caso o conflito seria, inicialmente, resolvido pelos critérios cronológico e especialidade. É importante ressaltar duas passagens do texto constitucional. Primeira, Artigo 4º, inciso II e VIII, da Constituição Federal de 1988: O Brasil tem como princípios, em suas relações internacionais, a “prevalência dos direitos humanos” e o “repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Nesse diapasão, é inconcebível que uma norma interna afronte a disposição de um tratado internacional em se busca alcançar os referidos princípios, notadamente, em razão da disposição constitucional mencionada. Mas não é somente em razão dessa disposição. Segunda, parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 onde está disposto que: “Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados em que a República do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988). De acordo com este último dispositivo, o Brasil, além de observar as disposições dos tratados internacionais que dispõem sobre direitos e garantias fundamentais, deixa clara a primazia de tais normas internacionais em face de normas internas, mesmo que posteriores. Assim, é possível afirmar que a Constituição Federal de 1988, nos dispositivos mencionados (Artigo 4º, incisos II e 68 VIII; e, Parágrafo 2º do Artigo 5º) estabelece regras de harmonização entre as normas internacionais e as normas internas, sobre determinada matéria, dando primazia ao Direito Internacional. Ademais, a referência a tratados internacionais, na redação dos dispositivos, corresponde a um indício de que o Monismo é adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. 3.3.3 A vigência, revogação e coexistência das normas internacionais com as normas internas Com relação à vigência, revogação e coexistência das normas internacionais com as normas internas, a adoção do Monismo surte como opção mais adequada para a manutenção de relações internacionais. Enquanto que no Monismo o que ocorre é a vigência da própria norma internacional, seja automaticamente após a ratificação, ou, somente após a ordem de execução, no Dualismo a norma internacional não possui vigência no ordenamento interno, mas sim a norma que foi resultado da transformação para fins de incorporação. No ordenamento jurídico brasileiro, o momento da vigência dos tratados internacionais não será o momento em que o Congresso Nacional realiza o referendo (ato de “transformação”, de acordo com o Dualismo), nem o momento em que ocorre a publicação por intermédio do Decreto Executivo (que seria a “ordem de execução”, para aqueles que entendem que tal ato possua tal competência). Os tratados internacionais passam a ter vigência no ordenamento jurídico brasileiro, como dito acima, no momento em que ocorre a ratificação pelo Presidente da República, na qualidade de Chefe de Estado. Logicamente, e como já manifestado, a vigência também poderá ser postergada quando assim dispuser o tratado internacional. Certo é que a entrada em vigor da norma internacional depende de atos internacionais e procedimentos exigidos pelo Direito Internacional. Nesse entendimento, o Decreto Executivo serviria apenas para dar publicidade ao texto do tratado internacional. Assim, no Brasil, uma vez que o Decreto Executivo tem a única função de dar publicidade ao texto do tratado internacional, pode-se afirmar que ocorre uma recepção automática com a ratificação, o que Xavier (2002) chama de “cláusula geral de recepção automática”. 69 Da mesma forma, as normas dos tratados internacionais deixam de ter vigência no ordenamento jurídico brasileiro com a realização do ato de denúncia, que consiste em um ato internacional de revogação do pactuado pelo Estado Soberano, e, que repercute no plano interno deste. A via transversa, contudo, não é possível. Ou seja, não é possível um Estado Soberano se desobrigar de uma norma internacional através da revogação da mesma no plano interno, sem contudo o fazer no plano internacional. No caso do Monismo com primazia do direito internacional essa situação é melhor vislumbrada. Seria o caso de ser promulgada uma lei cujos dispositivos sejam contrários àqueles previstos em um tratado internacional anteriormente ratificado pelo Brasil. Nessa situação hipotética, o Brasil não poderá deixar de aplicar as disposições do tratado internacional sob a alegação que norma interna posterior dispõe de maneira contrária, pois corresponderia a uma ofensa ao Artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), já mencionada, e que determina que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado” (BRASIL, 2009). Em contrapartida, no Monismo com primado do direito interno, a norma interna posterior iria afastar a aplicação no plano interno do tratado internacional, sendo desse modo perceptível uma similitude com o Dualismo. Não obstante, e, ainda com relação a adoção do Monismo com primazia do direito internacional, observa-se que é possível a estruturação sistemática do ordenamento jurídico para a convivência das normas internacionais e das normas internas. Exemplo mais claro é o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), mais adiante analisado e que reafirma a posição supralegal dos tratados internacionais tributários. 3.3.4 A posição hierárquica A escolha entre o Monismo e o Dualismo, inicialmente, corresponde a uma determinação de como uma norma internacional irá incorporar no ordenamento jurídico de determinado Estado Soberano. Assim, e, como já dito alhures, a questão tem um viés muito mais procedimental e política de cada Estado Soberano, do que acadêmica. 70 É também uma discussão a respeito da oponibilidade entre as normas internas e as normas internacionais. Para o Monismo o sistema jurídico é uno, e, após a ratificação ou a ordem de execução, a norma internacional passa a viger no ordenamento jurídico do Estado Soberano. Já para o Dualismo, a princípio as normas internacionais e as normas internas não seriam conflitantes, pois cada qual faria parte de um sistema jurídico distinto. Contudo, com a transformação da norma internacional em uma norma interna, também seria possível vislumbrar a possibilidade de um conflito aparente de normas. Surge então a questão de posição hierárquica que as normas internacionais teriam em comparação com as normas internas. Inicialmente, a ideia é de que no Dualismo a transformação de uma norma internacional em uma norma interna surtiria o efeito de uma paridade hierárquica entre ambas. Contudo, nada impede que a norma interna oriunda da transformação de uma norma internacional tenha uma hierarquia superior em face da norma interna produzida originariamente no próprio plano interno. Nessa linha de raciocínio encontramos entre os especialistas Hidelbrando Accioly apud Xavier (2002) que cita a ideia de “um direito especial que a lei interna, comum, não pode revogar”, e, Tôrres (2001b), que fala em um “princípio da prevalência de aplicabilidade das normas internacionais”. Não obstante tais posições, é certo que dentro de um ordenamento jurídico que adota o Dualismo, a norma do tratado internacional transformada em norma interna poderá ser considerada como hierarquicamente superior em face de disposição nesse sentido, ou mesmo, poderá ter a sua aplicabilidade mantida em face do critério da especialidade, somente podendo ser revogada por determinação expressa de norma interna posterior (esse entendimento, inclusive, já foi o adotado pelo Supremo Tribunal Federal em julgado que será analisado). Outro ponto que resguarda a aplicação das normas de um tratado internacional, em um ordenamento jurídico que adota o Dualismo, em face de norma interna conflitante, é o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), mencionada no tópico antecessor, e, que impossibilita a inadimplência de um tratado internacional em virtude de normas internas de um dos Estados Soberanos signatários. Passando para o Monismo, o qual se adequa de maneira mais correta às disposições concernentes à recepção e incorporação dos tratados internacionais no 71 ordenamento jurídico brasileiro, ressalta-se, novamente, as três variantes que podem ser encontradas nessa corrente. Assim, há o Monismo com do direito interno, e, a vertente moderada, que defende a paridade das normas internas e internacionais, sendo que o critério utilizado para a solução de conflitos aparentes seria o da especialidade e o cronológico. Já no Monismo com primazia do direito internacional, a norma internacional, após a ratificação pelo Estado faz parte do ordenamento jurídico e tem primazia sobre as normas internas, possuindo, destarte, um caráter supralegal. É, exatamente, o que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, conforme finalmente vem se posicionando o Poder Judiciário, e, será analisado adiante. Nesse diapasão, o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) deixa claro a posição de superioridade dos tratados internacionais tributários em frente às normas internas da legislação tributária. 3.4 Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) No campo do Direito Tributário, a questão da superioridade hierárquica dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro é acompanhada pela análise da disposição contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que determina que “os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação interna e serão observados pelas que lhes sobrevenha”. Entendendo que o ordenamento jurídico brasileiro é adepto do Monismo com primazia do Direito Internacional, questionável se torna a necessidade do referido dispositivo. Isto porque, na sua ausência, os tratados internacionais tributários, assim como os demais tratados internacionais, possuem caráter supra legal, estando, portanto, hierarquicamente acima da legislação infraconstitucional. Apenas para ressaltar, no ordenamento jurídico brasileiro ainda existem aqueles tratados internacionais que possuem caráter constitucional, uma vez referendados com quórum equivalente ao das emendas constitucionais. O disposto no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) pode ser visto como uma norma interna que consistiria em norma geral de direito tributário, conforme previsão do Artigo 146 da Constituição da República de 1988, e, que ao mesmo tempo disciplina o grau hierárquico das normas de tratados internacionais 72 tributários. Nesse sentido, mesmo que o ordenamento jurídico brasileiro adota-se o Dualismo, com base na disposição do Codex Tributário em apreço, os tratados internacionais que versassem sobre matéria de direito tributário deveriam ser observados pela legislação infraconstitucional posterior. Ademais, a determinação de observância das normas dos tratados internacionais tributários pelas normas internas tributárias posteriores não necessariamente significa um grau hierárquico superior, podendo também ser uma questão de especialização da norma, ou mesmo uma determinação para o legislador infraconstitucional. Certo é que, adotando o Monismo com primazia do Direito Internacional, a norma do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) reforça não só a hierarquia dos tratados internacionais tributários, mas, também o respeito ao pactuado entre os Estados Soberanos signatários do tratado internacional, em observância ao princípio do pacta sunt servanda. 3.4.1 A prevalência dos Tratados Internacionais Tributários A questão da aplicação do princípio do pacta sunt servanda é uma das razões pelas quais, hoje em dia, encontramos uma primazia do Direito Internacional, mesmo naqueles ordenamentos que aderem ao Dualismo. Nesse sentido cabe inclusive destacar que aqueles que entendem pela adesão ao Dualismo no ordenamento jurídico brasileiro, também entendem que, os tratados internacionais, mesmo após a transformação em normas internas, teria prevalência sobre as normas internas não provenientes de transformação, em virtude de disposições da Constituição da República de 1988, como o Artigo 4º, inciso II, e VIII, e, o Parágrafo 2º do Artigo 5º, como exemplos. De qualquer forma, entendendo nessa pesquisa que o ordenamento jurídico brasileiro adere ao Monismo com primazia do Direito Internacional, o Artigo 98 do Código Tributário Nacional é visto não somente como norma de observância pelo interprete da legislação tributária, mas, também como norma de aplicação. O fato do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) corresponder a norma geral de Direito Tributário prevista em lei complementar apenas reforça a imperiosidade das normas ordinárias em observar a determinação de seus preceitos. 73 Cabe destacar, a princípio apenas de maneira superficial, que o Supremo Tribunal Federal (STF), até o julgamento do emblemático Recurso Extraordinário nº 80.004 – SE (DJU de 29 de Dezembro de 1977) posicionava, acompanhado dos estudiosos da época, em favor do Monismo com primazia do Direito Tributário, e, a partir daquele julgado passou a entender que norma interna ordinária posterior poderia revogar normas de tratado internacional. O entendimento formado no julgado acima mencionado acarretou um maior destaque ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que, em vistas do Monismo com primazia do Direito Internacional não possuía tanta importância, por repercutir um efeito muito mais declaratório. Assim, passou-se a discutir de maneira mais aprofundada a constitucionalidade do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). A discussão cinge-se em saber se lei complementar poderia restringir a competência do legislador ordinário, ou se tal medida somente é cabível pelo texto constitucional. Notadamente, o sistema tributário brasileiro, que possui suas bases no texto constitucional, delegou à legislação complementar tributária o dever de dispor sobre a aplicação da legislação tributária. Com isso, o Artigo 98 do Código Tributário Nacional nada mais vez do que especificar de maneira clara e precisa como os tratados internacionais que versassem sobre matéria tributária deveriam ser aplicados no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, a legislação tributária ordinária deverá observar as normas dos tratados internacionais tributários, sendo tanto a norma interna anterior como a posterior não são necessariamente revogadas, mas, sim, sobrestadas ou ficam com seus dispositivos limitados aos casos que não estão abrangidos pelas normas dos tratados internacionais. 3.4.2 O afastamento da lei interna Ponto interessante que merece destaque é a parte do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) que refere-se a revogação da legislação tributária interna. Conforme ali exposto, os tratados internacionais tributários, além de serem observados pela legislação tributária superveniente, revogam a legislação tributária interna então existente. 74 A utilização do termo “revogam” é notadamente equivocada, por mais de uma razão, inclusive. Primeiramente deve-se ater ao fato que os tratados internacionais tributários, principalmente aqueles que são celebrados bilateralmente entre o Brasil e outro Estado Soberano, abrangem apenas situações ali descritas que possuam algum elemento de conexão com um dos signatários. Com isso, surge uma certa especialidade, em determinado grau, ao compararmos com a legislação tributária interna que pode abranger um número de situações mais amplo, principalmente no que tange às partes envolvidas. Destarte, a legislação tributária interna não pode simplesmente ser revogada pelas normas dos tratados internacionais tributários posteriores que disponham de maneira diversa, mas para situações envolvendo apenas Estados Soberanos, e, portanto, mais específicas. Há, desse modo, apenas um afastamento da norma interna no que tange a sua aplicação aquelas situações que serão abrangidas pelas normas dos tratados internacionais tributários. Noutro giro, mesmo em uma situação onde o tratado internacional tributário fosse multilateral, ou mesmo numa situação difícil de aventar mas apenas por dialética, fosse um tratado internacional tributário assinado por todos os Estados Soberanos, também assim não haveria assim não poderia ser falado em revogação da lei interna, mas mero afastamento ou suspensão dos efeitos. Isto porque, e aqui seria um segundo motivo, ao ser denunciado o tratado internacional (não apenas o tributário), a norma interna que tinha os efeitos suspensos pela aplicação da norma internacional é reestabelecida no ordenamento interno. Ou seja, a norma interna volta a ter os seus efeitos válidos. Tal fato não seria possível acaso a norma interna fosse realmente revogada. 3.4.3 Tratados-norma e tratados-contrato em face da aplicação do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) Por fim, outro ponto que deve ser relatado, com relação ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional, é a utilização dos termos tratados e convenções internacionais. Já é assentado o entendimento segundo o qual esses dois termos não significam espécies de atos internacionais distintos, mas apenas destacam os termos mais empregados para o mesmo ato internacional, que no presente estudo é chamado de tratado internacional, ou tratado internacional tributário, quando 75 especificamente aos tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda. O Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), portanto, não faz qualquer distinção com relação aos tratados internacionais tributários, e, tal fato consiste, inclusive, em uma das razões pelas quais a distinção doutrinaria entre tratadosnormas e tratados-contratos não deveria ser empregada na sua interpretação. A referida distinção entre tratados-norma e tratados-contrato é criticada não somente por especialistas brasileiros no assunto, como também por especialistas estrangeiros. Os tratados-norma geralmente seriam aquelas convenções multilaterais, e, criariam normas gerais internacionais. Como exemplo de tratadonorma multilateral teria a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), e, como tratado-norma que seria bilateral, mas criariam normas internacionais, teria os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Já os tratados-contrato seriam aqueles celebrados na maioria das vezes bilateralmente e não criariam normas abstratas, mas verdadeiros contratos de prestações individuais e recíprocas entre os signatários. A jurisprudência brasileira, por algum tempo, entendia, de maneira equivocada, que a norma do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) seria aplicável apenas aos tratados internacionais tributários que pudessem ser classificados como tratados-contrato. O referido entendimento seria iniciado no julgamento do Recurso Extraordinário 80.004-SE, que será destacado nesse estudo. 3.5 Posição do Poder Judiciário Brasileiro A posição do Poder Judiciário Brasileiro com relação aos tratados internacionais, e, em especial aqueles que tratam de matéria tributária, pode ser vista como variável ao longo do tempo, cabendo destacar alguns julgados que firmam o posicionamento em determinado momento. Conforme abaixo será visto, houve uma primeira etapa em que o Monismo era consagrado, sendo alterado em momento posterior para a adoção do Dualismo, e, voltando ao final, novamente, para o Monismo. Da mesma forma, a maneira como é vista a paridade ou primazia das normas internas com as normas internacionais são divergentes ao longo do tempo na 76 jurisprudência. Em momentos em que a paridade é a regra, critérios como o cronológico e / ou especial são utilizados para a resolução de antinomias de normas. 3.5.1 Apelação Cível nº 9.583/1950; Apelação Cível nº 9.587/1951; e, Recurso Extraordinário nº 71.154/1971– Monismo moderado Através de uma análise da jurisprudência pretérita do Supremo Tribunal Federal, observa-se que o entendimento inicial era no sentido de que os tratados internacionais (e ai incluindo-se os tributários), correspondiam a leis específicas, e, por tal razão, lei posterior geral não poderiam revogá-los. No mesmo diapasão, observa-se, também, que, em caso de uma lei posterior especificamente prever a revogação de uma norma de um tratado internacional, tal revogação era aceita.110 O Ministro Antônio Carlos Lafayette de Andrada, proferiu o seguinte voto, como relator, nos autos da Apelação Cível 9.583, do Rio Grande do Sul, no dia 22 de junho de 1950: Trata-se de matéria fiscal. A isenção é fundada em cláusula de tratado com Paiz estrangeiro. Estou de acordo com os votos vencedores. O Ministro Hahnemann Guimarães, em caso idêntico, acentuou muito bem: “O Tratado promulgado pelo dec. n. 23.710 de 1934, declarou, nas cláusulas XIV e XV, completamente livre de direitos aduaneiros a importação de certos produtos. “Os tratados são interpretados com sua própria finalidade, e não em conformidade com as disposições legais restritivas do paiz contratante. O tratado é lei especial, cuja aplicação não deve ficar subordinada a lei geral de cada país, se teve aquele por objeto excluir essa lei geral” (fls. 119). Realmente quando o tratado concede a isenção de direitos aduaneiros, nessa isenção se incluem também as taxas fiscais referentes a Alfandega. Por isso o Ministro Orozimbo Nonato, notou: “O grade argumento contrário a exclusão das taxas de 10% é o de que se trata de isenção, que deve ser entendida restritivamente, aliás adversada de eminentes autores. Ela deve prevalecer, dada a generalidade que deve revestir a tributação, pelo princípio “sumo de igualdade”, a que alude Covielo. “Como quer que seja, não pode o princípio ser invocado na inteligência do texto de tratado entre duas nações e que deve ser interpretado no animo generoso e de acordo com os motivos que a inspiraram. No caso do tratado refletia uma política de fraternidade e a isenção foi proclamada de modo eloquente, quasi enfativo: “completamente livre de direitos aduaneiros”. (fls. 121) Sem dúvida, data venia, essa a melhor interpretação dos tratados que atende a finalidade dos mesmos: exclusão de quaisquer exigência fiscal alfandegaria. (BRASIL, 1950) 110 Este entendimento, cabe o destaque, é o posicionamento adotado hoje em dia por Rocha (2013, p. 134), ao afirmar que “em uma hipótese assim [lei posterior geral expressamente revogar norma do tratado] a aplicação do critério da especialidade teria que ceder espaço para o critério cronológico. 77 Uma importante constatação que se faz diante da decisão, cujo voto condutor foi supra transcrito em parte, refere-se também ao posicionamento referente a forma de interpretação dos tratados internacionais que deveria ocorrer “de acordo com sua própria finalidade”. Posteriormente, em 1951, o mesmo Ministro Antônio Carlos Lafayette de Andrade foi relator da Apelação Cível 9.587, onde proferiu voto no sentido de que lei posterior que expressamente revogue norma de tratado internacional é válida. Assim dispõe em seu voto: “Sem dúvida que tratado revoga as leis que lhe são anteriores, mas não pode ser revogado pelas leis posteriores, se estas não se referirem expressamente a essa revogação ou se não denunciarem o tratado.” O interessante desta decisão é que o voto do Ministro Antônio Carlos Lafayette foi fundamentado na doutrina de Philadelpho Azevedo, cuja lição foi transcrita ali, e, em parte, ora se transcreve: A dificuldade está, porém, no efeito inverso, último aspecto a que desejamos atingir – o tratado é revogado por leis ordinárias posteriores, ao menos nas hipóteses em que o seria uma outra lei? A equiparação absoluta entre a lei e o tratado conduziria a resposta afirmativa, mas evidente o desacerto de solução tão simplista, ante o caráter convencional do tratado, qualquer que seja a categoria atribuída às regras de direito internacional. Na América, em geral, tem assim força vinculatória a regra de que um paiz não pode modificar o tratado, sem o acordo dos demais contratantes; proclama-o até o Artigo 10 da Convenção sobre Tratados, assinada na 6ª Conferência Americana de Havana, e entre nós promulgada pelo decreto 18.956, de 22 de outubro de 1929, embora não o havendo feito, até 1938, o Uruguai, também seu signatário. Esse era, aliás, o princípio já edificado por Epitácio Pessoa que entendia ainda a vinculação ao que, perante a equidade, os costumes e os princípios de direito internacional, pudesse ser considerado como tendo estado na intenção dos pactuantes (Código,art.208); nenhuma das partes se exoneraria e assim isoladamente (art. 210) podendo apenas fazer denuncia, segundo o combinado ou de acordo com a clausula rebus sic stantibus subentendida, aliás na ausência de prazo determinado. Clovis Bevilaqua também não se afastou desses princípios universais e eternos, acentuando quão fielmente devem ser executados os tratados, segundo a equidade, a boa fé, e o próprio sistema dos mesmos. Através do Recurso Extraordinário 71.154 – Paraná (Odilon Mello de Freitas vs. Anibal Goulart Mais Filho), julgado no dia 04 de Agosto de 1971, e, publicado no dia 27 do mesmo mês e ano, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Oswaldo Trigueiro, relator, proferiu voto em que fica evidente o posicionamento daquela corte constitucional no sentido da adoção do Monismo no ordenamento 78 jurídico brasileiro.111 Transcreve-se, assim, trecho do voto proferido, na folha 08 do acórdão: É êste, de resto, o princípio dominante na generalidade dos países da Europa (cf. as Constituições da Bélgica, art. 68; da Espanha, art. 14; da Finlândia, art. 33; da Grécia, art. 32; da Itália, art. 80; dos Países Baixos, art. 60; da Suécia, art. 12). De todos êsses países, como no Brasil, faz-se necessária a aprovação legislativa de todos os tratados de significação política e dos que impõe modificações ao direito interno. Em nenhuma delas se condiciona a vigência do tratado ratificado a nôvo ato legislativo, ou seja, a lei elaborada para o propósito de incorporar as normas do tratado à legislação nacional. A inexistência dêsse requisito na maioria, senão na totalidade das Constituições democráticas, enfraquece a posição doutrinária dos que entendem necessária, além da aprovação do tratado, a edição do diploma legal que reproduza as normas modificadoras do direito positivo Contudo, e, apesar de fazer menção a alguns julgados pretéritos, como a já mencionada Apelação Cível 9.587, de 1951, onde além de referendar o Monismo deixou claro que haveria uma moderação desse no sentido de norma interna poder revogar norma do tratado internacional, desde que expressamente, o Recurso Extraordinário 71.154 – Paraná, de 1971, referenda o Monismo mas não discute a questão de hierarquia normativa dos tratados internacionais. Fato é que os julgados daquela época muito mais estavam voltados para rechaçar a ideia de primazia das normas internas, do que para fundamentar e defender o primado do direito internacional, sendo a posição daquela época mais voltada para um monismo moderado, com o mesmo grau hierárquico entre as normas internas e as normas internacionais, destacando essas últimas pelo grau de especialidade. 3.5.2 Recurso Extraordinário nº 80.004/1977 – Dualismo moderado Posteriormente, a questão foi ter relevo em decisão proferida no Recurso Extraordinário 80.004 – Sergipe (Belmiro da Silveira Gois vs. Sebastião Leão Trindade), julgado no dia 01 de Junho de 1977, e, publicado no dia 29 de Dezembro daquele mesmo ano. Cabe ressaltar que esse julgamento acabou tornando-se um referencial sobre o assunto. Transcreve-se, inicialmente, sua ementa: 111 Godoi (2003) ressalta que, através do Recurso Extraordinário 71.154, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria afirmando a adoção do Monismo pelo ordenamento jurídico brasileiro. Tal entendimento levaria a uma conclusão no sentido de que a interpretação dos tratados internacionais devam seguir as regras de interpretação do direito internacional público, notadamente aquelas expostas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). 79 Convenção de Genebra, lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias – aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal – impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec-Lei 427/69, que institui o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do Direito Cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (BRASIL, 1977) No voto do Ministro Cunha Peixoto, que posteriormente foi o relator do acórdão, foi destacado a existência do Monismo, defendido por Kelsen, e do Dualismo, defendido por Triepel, bem como a jurisprudência brasileira e estrangeira sobre o assunto, destacando Amilcar de Castro, Giuseppe Valeri, e, Tullio Ascarelli, entre outros. Ademais, fazendo uma análise dos demais Estados Soberanos signatários da Convenção de Genebra, analisada naquele julgamento, o Ministro Cunha Peixoto destaca que a questão possui uma índole constitucional, especificamente no que se refere a incorporação dos tratados internacionais tributários no ordenamento jurídico interno. Assim, destaca a Alemanha, a França e a Itália, onde houve a incorporação da Convenção de Genebra através da edição de norma interna. Neste diapasão, o Ministro Cunha Peixoto filou-se ao Dualismo moderado, no sentido de entender que o tratado internacional, no caso a Convenção de Genebra, para incorporar-se ao ordenamento jurídico brasileiro precisaria ser transformada em lei interna, bem como, também ressaltar que, norma interna posterior poderia modificar as disposições da lei fruto da transformação. Assim, destaca-se a seguinte passagem do voto do Ministro Cunha Peixoto no Recurso Extraordinário nº 80.004 – Sergipe, página 592: Admitida, porém, apenas para argumentar, a vigência da Lei Uniforme, no Brasil, não podemos dar nossa adesão à corrente que entende não poder o legislador brasileiro introduzir nela qualquer modificação e, consequentemente, ser inconstitucional o Dec-lei 427, de 22 de janeiro de 1969. Com efeito, se a Lei Uniforme transformou-se em direito positivo brasileiro, evidente que pode ser modificado ou revogado, como qualquer outro diploma legal. Do contrário, transformar-se-ia qualquer lei que procedesse de algum tratado em super lei, em situação superior à própria Constituição Brasileira. (BRASIL, 1977) 80 E, após fazer tal constatação, apesar de não ser objeto do caso em exame pelo Supremo Tribunal Federal (STF), naquela ocasião, o Ministro Cunha Peixoto faz análise do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Assim, aduz que os tratados internacionais tributários seriam tratados-contrato, e, portanto, poderia haver a disposição do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) dispondo que deveriam ser observados pela legislação tributária superveniente. O raciocínio desenhado, destarte, seria que o ordenamento jurídico brasileiro estaria alinhado ao Dualismo, e, que as normas internas advindas da transformação de tratados internacionais não teriam qualquer superioridade hierárquica em relação às normas internas originais. Além disso, no caso do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), a prevalência em face das normas internas supervenientes seriam decorrentes do fato de que os tratados internacionais tributários seriam tratadoscontrato, e, portanto representariam direitos subjetivos e não normas abstratas, devendo serem observados.112 De maneira diversa, e, vencida ao final, foi o voto do Ministro Xavier de Alburquerque, que defendeu o Monismo com primazia do direito internacional, inclusive ressalvando que o princípio em questão estaria previsto no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Fazendo um retrocesso da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministro Xavier de Alburquerque destaca o Recurso Extraordinário 71.154, anteriormente analisado, e, aduz que “tais decisões reforçaram e atualizaram, em nossos dias, antiga orientação de nossa jurisprudência no sentido do primado do direito internacional sobre o direito interno” (BRASIL, 112 Nesse sentido, transcreve-se a passagem do voto do Ministro Castro Peixoto: “Nem se diga estar a irrevogabilidade dos tratados e convenções por lei ordinária interna consagrado no direito positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do Código Tributário Nacional, verbis: “os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pelas que lhe sobrevenham”. Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos de interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de princípio abstrato, no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes acerca de qualquer assunto. O contratual, é, pois, título de direito subjetivo. Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é revogado por lei tributária interna. E que se trata de um contrato, que deve ser respeitado pelas partes. [...] Por isto mesmo, o art. 98 só se refere à legislação tributária, deixando, destarte, claro, não ser o princípio de ordem geral. Se a lei ordinária não pudesse, pela constituição, revogar a que advém de um tratado, não seria necessário dispositivo expresso de ordem tributária”. 81 1977). Também vencido, e, defendendo o Monismo moderado (sem primazia de normas) foi o raciocínio desenvolvido pelo Ministro Leite de Abreu.113 3.5.3 Recurso Extraordinário nº 90.824/1980 – Pirelli SA – Cia Industrial Brasileira vs. União Federal – Dualismo moderado – Aplicação do Artigo 98 do CTN No dia 25 de Junho de 1980 foi julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário 90.824 – São Paulo (Pirelli S/A – CIA Industrial Brasileira vs. União Federal)114, sendo a decisão publicada no dia 19 de Setembro do mesmo ano. O julgamento foi realizado pelo Tribunal Pleno da Corte constitucional, e, o relator foi 113 “É inegável que Hans Kelsen foi influenciado pelo direito continental europeu, uma vez que modulou, inicialmente, a sua famosa teoria, em face do direito positivo da família romanogermânica. Europeu, vivendo na Europa, pensou como europeu e como europeu construiu, nos seus traços capitais, a obra que o celebrizou. Ao elaborar, no entanto, o livro que citei – General Theory of Law and State – sofre ele a influência do direito anglo-saxão, pois que escreveu nos Estados Unidos da América, após estudo profundo que realizou, não só do direito ai vigorante, mas também do direito inglês. Como ele mesmo diz, ao prefácio desse livro, publicado em 1944, não se limitou, ao escrevê-lo, a republicar pensamentos e idéias anteriormente expressas em alemão e em francês, senão que empreendeu a tarefa de reformular essas idéias e esses pensamentos, a fim de imprimir à teoria pura do direito feição tal que abraçasse tanto os problemas e instituições do direito americano e inglês, como os dos países, para os quais foi originariamente formulado. Cabe presumir, desse modo, que, no tocante à aplicação direta do tratado internacional, se haja feito sentir, na construção kelnesiana, a influência do direito americano. Quanto à aplicação do tratado internacional, pelos órgãos estatais, especialmente pelos tribunais, isso somente é possível, segundo a teoria kelseniana, quando a constituição não disponha diversamente. Em última análise, pois, é a constituição, pelo seu silêncio, que habilita os tribunais à aplicar tratado internacional, validamente concluído, sem a intermediação de lei, que reproduza os termos do pacto assim concluído. Não se verifica, destarte, em nenhum caso, a aplicação do tratado sem a anuência da ordem jurídica nacional, anuência que pode ser explicita ou implícita. Na espécie, a aplicação direta do tratado se acha autorizada, implicitamente, porque a Constituição não requer para isso ato legislativo pelo qual se estabeleça lei que tenha o mesmo conteúdo do tratado. No caso de se editar lei nacional, que entre em conflito com o tratado, é preciso saber, ainda segundo a teoria kelseniana, como o problema se resolve em face da Constituição. Pode esta dispor que a lei tem preferência em relação ao tratado, embora não o revogue, ou estabelecer que a antinomia se resolve em face do princípio lex posterior derogat priori, ou, finalmente, prescrever que o tratado internacional terá precedência sobre a lei nacional. A interpretação do direito positivo é que dirá qual das três soluções é a adotada pelo direito interno. Na espécie, como não existe norma constitucional que autorize lei posterior revogar tratado internacional, entendo, como Vossa Excelência, que não houve revogação do tratado. Não se [prescreve], também, no texto constitucional, que o tratado prevalecerá sempre em face da lei, nem se estatuí, explicitamente, que a lei nacional se aplicará sempre, preferindo ao tratado. Não obstante a dificuldade que o problema confere, a solução que adoto, como ficou expresso no meu voto, é que o Decreto-lei 427 é de aplicação obrigatória por parte dos tribunais, uma vez que estes somente lhe poderiam afastar a aplicação se fosse inconstitucional, o que não acontece. Embora, pois, esse ato legislativo não tenha, quanto à matéria sobre a qual dispõe, revogado o tratado, não pode o Supremo Tribunal Federal, em face da antinomia entre a nossa Carta Política e o mencionado Decreto-lei, deixar de aplicar este último, afastando, assim, nesse particular, a aplicação do tratado.” 114 A ementa proferida nesse julgamento teve a seguinte redação: “Preço de referência. Importações originarias de países pertencentes a ALALC. Em face do art. 48 do Tratado de Montevidéu, a vista do qual se deve interpretar o parágrafo 2 do art. 3 do Decreto-lei n. 1111/70, não se aplica o regime do preço de referência as importações originarias de países membros da associação latino-americana de livre comércio. (ALALC). Recurso Extraordinário conhecido e provido”. 82 o Ministro Moreira Alves. De certa forma, pode-se aduzir que neste julgamento foi destacado, e, não apenas mencionado, a necessidade de observância ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). A matéria de fundo desse julgado correspondia a aplicação de normas internas tributárias, referentes a regime de “preço de referência” para mercadorias importadas, à situações onde a importação estivesse abrangida pelo Tratado de Montevidéu referente a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).115 Em seu voto, o Ministro Moreira Alves esclarece que o referido Tratado de Montevidéu criou um “regime excepcional para o intercâmbio comercial entre os países latino-americanos que o firmaram, proibindo, como princípio geral, restrições e gravames de caráter fiscal, monetário ou cambial” entre os Estados Signatários e membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Após esclarecer que o tratado internacional continha as referidas disposições de matéria tributária, o Ministro Moreira Alves, em seu voto, alerta que “em matéria tributária, independentemente da natureza do tratado internacional, se observa o princípio contido no artigo 98 do Código Tributário Nacional”. Outro voto, do julgamento do Recurso Extraordinário 90.824/80 que vale o destaque seria o proferido pelo Ministro Cordeiro Guerra que enfatiza que norma interna poderia sim alterar norma internacional, como o Supremo Tribunal Federal (STF) teria firmado posicionamento através do Recurso Extraordinário 80.004/77. Porém, em matéria tributária, como seria o caso daquele julgamento, não seria possível em virtude da disposição contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN).116 115 Sobre a matéria de fundo do julgado, transcreve-se o início do voto do Ministro Moreira Alves que explica as duas interpretações divergentes sobre a demanda: “Toda a controvérsia gira em torno de saber se o preço de referência pode ser aplicado às importações originárias de países membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Os que sustentam a negativa conjugam o disposto no §2º do artigo 3º do Decreto-Lei 1.1111/70, que estabeleceu as normas relativas ao preço de referência, com disposições do Tratado de Montevidéu, para concluir que o gravame fiscal decorrente do sistema do preço de referência é incompatível com este, razão por que o citado § 2º determinou não fossem computadas no cálculo desse preço as importações originárias de países participantes da ALALC. Já os que se inclinam pela afirmativa, entendem que o § 2º do artigo 3º do Decreto-lei 1.111/70 se limita a proibir o cômputo de tais importações no cálculo do preço de referência quando este é fixado estatisticamente, mas não veda a sua incidência sobre essas importações: essa corrente não tem examinado o problema à luz do Tratado de Montevidéu”. 116 Trecho do voto do Ministro Cordeiro Guerra: “Este é o modo que entendo. O Tratado de Montevidéu só reconhece a pauta de valor mínimo, e o Código Tributário Nacional diz que, enquanto viger o Tratado, não se pode alterá-lo, em se tratando de matéria fiscal. É o que está no 83 3.5.4 Habeas Corpus nº 72.131/1995 – Dualismo Moderado – Pacto de São José da Costa Rica – Paridade Hierárquica – Critério da Especialidade Em 23 de Novembro de 1995 foi a vez do julgamento do Habeas Corpus 72.131 – Rio de Janeiro (Lairton Almagro Vitoriano da Cunha vs. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), cuja decisão foi publicada apenas no dia 01 de Agosto de 2003, e, o relator para o Acórdão foi o Ministro Moreira Alves.117 O destaque para esse julgamento em particular cinge ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao determinar a aplicação do critério da especialidade ao deparar-se com antinomia de normas internas e normas internacionais. Em análise apenas ao voto118 do Ministro Moreira Alves, que foi relator para o acórdão, cabe destacar o entendimento de que a norma internacional do Tratado de San José da Costa Rica, objeto da demanda, tendo força de norma interna, na qualidade de lei ordinária, deveria ter a sua aplicabilidade, em face de outra norma interna, auferida pelo critério da especialidade. No caso, a norma interna, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, seria mais específica, por tratar unicamente da alienação fiduciária em garantia, enquanto que o Artigo 7º, §7º da art. 98 do Código. Se não fosse tributária, diria que podia ser alterado por lei interna, como nós já decidimos no Recurso Extraordinário 80.004, de Sergipe”. 117 A ementa proferida no Habeas Corpus 72.131 – Rio de Janeiro é a seguinte: “EMENTA: “Habeas corpus”. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. – Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. – Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no §7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. “Habeas corpus” indeferido, cassada a liminar concedida”. 118 “Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como o caso de recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ‘ocorre com relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência de tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado. Sendo, pois, mero dispositivo legal ordinário esse § 7º do artigo 7º da referida Convenção não pode restringir o alcance das exceções previstas no artigo 5º, LVII, da nossa atual Constituição (e note-se que essas exceções se sobrepõem ao direito fundamental do devedor em não ser suscetível de prisão civil, o que implica em verdadeiro direito fundamental dos credores de dívida alimentar e de depósito convencional ou necessário), até para o efeito de revogar, por interpretação inconstitucional de seu silencia no sentido de não admitir o que a Constituição brasileira admite expressamente, as normas sobre a prisão civil dou depositário infiel, e isso sem ainda se levar em consideração que, sendo o artigo 7º, § 7º, dessa Convenção norma de caráter geral, não revoga ele o disposto, em legislação especial, como é a relativa à alienação fiduciária em garantia, no tocante à sua disciplina do devedor como depositário necessário, suscetível de prisão civil se se tornar depositário infiel.” 84 norma interna fruto de transformação do referido tratado internacional teria caráter geral. Portanto, nessa ocasião, o Supremo Tribunal Federal (STF) além de reforçar o seu posicionamento advindo do Recurso Extraordinário nº 80.004/77 – Sergipe, pela adoção do Dualismo, também ressaltou a paridade hierárquica, em virtude da transformação da norma do tratado internacional em norma interna, e, apontou o critério da especialidade como forma de resolução de antinomia (conflito) aparente. 3.5.5 Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480/1997 – Dualismo Moderado – Paridade hierárquica – Critério Cronológico e Especial O Dualismo Moderado também foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado no dia 04 de Setembro de 1997, e, publicado apenas no dia 18 de Maio de 2001 (julgado posteriormente ao Habeas corpus 72.131/1996 – Rio de Janeiro, mas publicado antes), através da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.480 – Distrito Federal (Confederação nacional de Transporte – CNT e Confederação Nacional da Indústria – CNI vs. Presidente da República e Congresso Nacional.119 119 “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO 158/OIT PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO 68/92 E DECRETO 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, 85 definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. - O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A Convenção 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção 158/OIT (Artigos 4º a 10).” (BRASIL, 2001) 86 O relator do acórdão foi o Ministro Celso de Mello, e, entre as conclusões auferidas do julgamento algumas cabem destaque. A primeira constatação feita é que a adoção do Monismo ou do Dualismo não pode ser restringida apenas a uma questão doutrinaria, mas deve corresponder a uma análise dos preceitos constitucionais pertinentes à incorporação das normas de tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, a decisão proferida aduz que o processo de incorporação no ordenamento jurídico brasileiro é complexo e conjuga de atos do Congresso Nacional e do Poder Executivo, o que até então não deixa de contrariar nenhuma das teorias. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, referindo-se ao Decreto Executivo, afirma possuir três efeitos distintos: a promulgação do tratado internacional; a publicação oficial do texto, e, a executoriedade do ato internacional. Vê-se, assim, que, adotando a tese da incorporação por intermédio de ordem de execução, e, ao mesmo tempo, defendendo uma paridade entre as normas dos tratados internacionais, o Ministro Celso de Mello defende um Dualismo moderado. Nesse diapasão, transcreve-se a seguinte passagem de seu voto: Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo tenha sido qualificada por CHARLES ROUSSEAU (“Droit International Pubilc Approfondi”, p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público, como mera “discussion d’école”, torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloquente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exequibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro depende essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República. (BRASIL, 2001). Ainda nessa linha de raciocínio, o Ministro Celso Mello, em passagem um pouco mais adiante no seu voto, confirma o Dualismo moderado, com concepção adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista não necessariamente a paridade das normas internas e internacionais, mas o fato da incorporação da norma internacional não ser feita por edição de nova lei, mas bastando apenas a ordem de execução advinda do decreto executivo: Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de 87 executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto (visão dualista moderada).(BRASIL, 2001) A segunda constatação oriunda da decisão proferida pela Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.480/1997 – Distrito Federal é a paridade existente entre as normas dos tratados internacionais, que seriam incorporados através da ordem de execução do decreto executivo, e, as normas internas. Ressalta-se, nesse sentido, que no voto do Ministro Celso de Mello há literal referência ao julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/78 – Sergipe, onde o entendimento é consolidado: Sabemos que os atos internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se no mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconstitucionais. Essa visão do tema foi prestigiada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 80.004-SE (RTJ 83/809, Rel. p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO), quando se consagrou, entre nós, a tese – até hoje prevalecendo na jurisprudência da Corte – de que existe, entre tratados internacionais e leis internas brasileiras mera relação de paridade normativa. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, por isso mesmo, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas (JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DORIA, “Da Lei Tributária no Tempo”, p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA, “Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário”, p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, “Curso de Direito Internacional Privado”, p. 108/112, 1978, Forense, JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito dos Tratados”, p. 470/475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.). (BRASIL, 2001). Ainda sobre a paridade normativa entre as normas dos tratados internacionais e as normas internas, o Ministro Celso de Mello afirma que em situação onde haja antinomia, o critério utilizado será o cronológico ou, se possível, o critério da especialidade120. Por fim, cabe ainda mencionar, com relação a esse julgamento, que o próprio relator para o acórdão, Ministro Celso de Mello, ressalta a existência de uma tendência mundial na adoção da primazia do direito internacional nos distintos 120 “A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno somente ocorrerá – presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade (RTJ 100/1030 – RT 554/434).” (BRASIL, 2001) 88 ordenamentos jurídicos, citando, a título de exemplo, a Argentina, e, a Holanda. E, que no Brasil, tal situação não era concretizada em razão de ausência de preceitos constitucionais, bem como jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF).121 Notadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acaba tendo uma reviravolta, passando a adotar, novamente, o Monismo, e, ostentando caráter supralegal às normas internacionais. 3.5.6 Recurso Especial nº 1.161.467/2012 - Artigo 7º dos Tratados Internacionais Tributários vs. Artigo 686 do RIR/99 Quando discutido o confronto entre as normas internas do ordenamento jurídico, e, normas internacionais derivadas dos tratados internacionais tributários, o caso que é imperioso a análise corresponde ao pagamento efetuado à empresa estrangeira pela prestação de serviço, sem a transferência de tecnologia e sem a existência de estabelecimento permanente, a empresa residente no Brasil, que é responsável pelo pagamento do serviço. Nesta situação descrita, temos de um lado, o Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE, que determina que a tributação compete ao Estado da residência do prestador do serviço, e, de outro lado, temos o Artigo 685 do Regulamento do Imposto de Renda – Decreto 3.000/99 (RIR/99)122, que determina a retenção na fonte do Imposto de Renda em cima dos valores pagos pela empresa residente no Brasil à empresa estrangeira prestadora do serviço. Apesar da repercussão em cima da questão, bem como da opinião da Receita Federal do Brasil sobre a aplicação do referido Artigo 685 do RIR/99, indubitável é 121 “É certo que já se registra no plano do direito comparado uma clara tendência no sentido de os ordenamentos constitucionais dos diversos Países conferirem primazia jurídica aos tratados e atos internacionais sobre as leis internas. É o que ocorre, por exemplo, na ARGENTINA (Const. De 1853, com a Reforma de 1994, Art. 75, n. 22), na HOLANDA (Const. De 1982, Art. 94), na FEDERAÇÃO RUSSA (Const. De 1993, Art. 15, n. 4), no PARAGUAI (Const. De 1992, Arts. 137 e 141) e na FRANÇA (Const. De 1958, Art. 55). Tal, porém, não ocorre no Brasil, seja por efeito de ausência de previsão constitucional, seja em virtude de orientação firmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, reconheceu – como precendentemente assinalado – que os atos internacionais situam-se, após sua formal incorporação ao sistema positivo doméstico, no mesmo plano de autoridade e de eficácia das leis internas.” (BRASIL, 2001). 122 Art.685. Os rendimentos, ganhos de capital e demais proventos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente no exterior, estão sujeitos à incidência na fonte: [...] II – à alíquota de vinte e cinco por cento: a)os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços. 89 que, no caso de conflito entre referidos dispositivos, a prevalência é do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE. Como será demonstrado de maneira esmiuçada no presente estudo, o entendimento da prevalência do Artigo 7º cinge-se no fato de tratar de norma de Direito Internacional a qual deve ser concedido tratamento de norma supra-legal. Uma outra interpretação defendida, no que tange à solução de um conflito aparente entre a regra do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE com o Artigo 686 do RIR/99 é que o primeiro seria uma norma especial, enquanto que o segundo seria uma norma geral, e, portanto, deve prevalecer a primeira sobre a segunda, inclusive com espeque no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Tal posicionamento, cabe registrar, é defendido por Maneira e Lessa (s/d), no trabalho “Inexigibilidade do IRRF sobre pagamentos efetuados a empresas no exterior pela prestação de serviços. Conceito de lucro nos tratados contra dupla tributação do modelo OCDE.” Ainda sobre o problema específico, importante ressaltar, para deixar claro, que a polêmica também acontecia porque, o entendimento da Receita Federal do Brasil era no sentido de enquadrar o rendimento pago por residentes no Brasil a não-residente, que aqui presta serviço sem transferência de tecnologia e sem estabelecimento permanente, deve ser enquadrado no Artigo 21 da Convenção Modelo da OCDE (“Outros rendimentos”). A regra ali insculpida determina que os rendimentos devem ser tributados pelo Estado da fonte pagadora, ou seja, estaria de acordo com o Artigo 685 do RIR/99. A questão, analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), encontrou uma solução no ano de 2012. Através do Recurso Especial 1.161.467/RS, relator Ministro Castro Meira, da Segunda Turma, julgado no dia 17 de Maio de 2012, e, publicado no DJe de 01 de Junho de 2012, foi decidido que o conceito de “lucro de empresa estrangeira” estaria no Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE (no caso específico, dos Tratados Internacionais Tributários assinados com a Alemanha e com o Canadá). Neste diapasão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o termo “lucro da empresa estrangeira” deveria ser interpretado como lucro operacional, enquadrando-se na previsão dos Artigos 6º, 11 e 12 do Decreto-lei 1.598/77 que o conceitua como “o resultado das atividades, principais e acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica”. 90 Ademais, pela teor da decisão, observa-se que naquela ocasião o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a norma internacional teria a prevalência sobre a norma interna pelo critério da especialidade, e, não por se tratar de uma norma hierarquicamente superior. Nesse sentido, a ementa dispôs que “a antinomia supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja posterior à internacional.” 3.5.7 Recurso Extraordinário nº 460.320, pendente de julgamento definitivo – Volvo do Brasil Veículos Ltda. e outro vs. União Federal – Monismo com primazia do direito internacional No dia 31 de Agosto de 2011, o Ministro Gilmar Mendes proferiu voto nos autos do Recurso Extraordinário 460.320 – Paraná (Volvo do Brasil Veículos Ltda. vs. União Federal). Ressalta-se que, após o voto ora analisado, foi dado vista dos autos para o Ministro Dias Toffoli, e, em 30 de Setembro de 2014, foi adiado o julgamento a pedido deste. A questão chegou primeiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do Recurso Especial 426.945 – Paraná, julgado no dia 22 de Junho de 2004, e, publicado no dia 25 de Agosto do mesmo ano, tendo ainda como relator para o acórdão o Ministro José Delgado. O caso em questão tem como matéria o confronto aparente entre as normas do tratado internacional tributário para evitar a dupla tributação da renda celebrado entre o Brasil e a Suécia, e, a norma interna contida nos Artigos 75 e 77 da Lei 8.383/91. A norma interna dispunha sobre a tributação de dividendos enviados para o exterior a uma alíquota de 15% (quinze por cento). Em contrapartida, o disposto no tratado internacional tributário assinado entre o Brasil e a Suécia (Artigos 10 e 24 do Decreto 70.053/76) dispunham de maneira diversa. Assim, de um lado haveria uma norma interna, onde através do Artigo 75 da Lei 8.383/91 previa-se a não incidência do imposto de renda sobre o que for distribuído a pessoa físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no Brasil, e, através do Artigo 77 da Lei 8.383/91, combinado com o Artigo 97 do Decreto-Lei 5.844/43, determinava a incidência do imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF), a alíquota de 15% (quinze por cento) sobre os dividendos distribuídos por fonte residente no Brasil em benefício de pessoa física ou jurídica residente no exterior. 91 Em contrapartida, o Artigo 10 do tratado internacional tributário entre o Brasil e a Suécia (Decreto nº 70.053/76) dispunha, em seu Parágrafo 1º que “os dividendos pagos por uma sociedade residente de um estado contratante a um residente do outro estado contratante são tributáveis nesse outro estado”. E, em seu Parágrafo 2º haveria a ressalva, aduzindo que: “Todavia, esses dividendos poder ser tributados no estado contratante onde reside a sociedade que os paga, e, de acordo com a legislação desse estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá exceder” 15% (quinze por cento), nos casos em que o beneficiário for uma sociedade, e 25% (vinte e cinco por cento) nos demais casos. Já o Artigo 24, também do tratado internacional, dispõe sobre a regra da “Não Discriminação” aduzindo, em seu Parágrafo 1º que, os nacionais de um dos Estados terá o mesmo tratamento tributário dos nacionais do outro Estado, estando, obviamente na mesma situação. Basta uma análise perfunctória das disposições para concluir que não seria o caso de antinomia das normas, posto que o Artigo 77 da Lei 8.383/91 não vulnerava a disposição do tratado internacional tributário firmado entre o Brasil e a Suécia ao determinar a incidência tributária do Imposto de Renda Retido da Fonte (IRRF), no patamar de 15% (quinze por cento), sobre o montante de dividendos remetidos por fonte situada no Brasil para sociedade residente na Suécia. Isto porque, tal disposição, em primeiro lugar, teria previsão no Parágrafo 2º do Artigo 10 do referido tratado. Em segundo lugar, e, mais importante, a norma da “Não Discriminação”, prevista no Artigo 24 do tratado internacional, refere-se a tratamento diferenciado entre os nacionais dos dois Estados Soberanos (Brasil e Suécia), e, não tratamento diferenciado entre residentes. Ou seja, e, a título de exemplo, um nacional brasileiro residente na Suécia teria o mesmo tratamento de um sueco ali residente, mas não teria o mesmo tratamento de um sueco residente no Brasil, que, contudo, deveria ter o mesmo tratamento do brasileiro residente no Brasil. O primeiro voto proferido foi do Ministro Teori Zavascki (naquela oportunidade Ministro do Superior Tribunal de Justiça) que a princípio entendeu corretamente pela inexistência de conflito, ressaltando que “o item 1. do art. 24 pressupões prefeita identidade de situações entre os nacionais, o que não se verifica no caso, em que se comparam sócios residentes no Brasil e na Suécia”. Contudo, e continuando em seu voto, o Ministro Teori Zavascki afirmou, de maneira equivocada, que, caso houvesse o apontado conflito, a solução a ser empregada seria a aplicação da norma interna 92 superveniente, destacando julgamento que teria realizado ainda no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Assim, manifestou filiar-se a equivocada jurisprudência que faz distinção entre tratados-norma e tratados-contrato, ressaltando que, no caso dos tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda a classificação correta seria como tratados-norma, e, portanto, não seria aplicável a regra do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que teria sua aplicação limitada aos tratados-contrato.123 Em seguida, votou o Ministro José Delgado, que acabou se tornando o relator para o acórdão. Não obstante tal fato, é de se destacar que o voto proferido pelo Ministro José Delgado está eivado de vícios os quais aponta-se apenas alguns. Em primeiro lugar, o Ministro José Delgado aplicou interpretação equivocada ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), aduzindo haver ali uma distinção de tratamento entre tratados-norma e tratados-contrato. Em segundo lugar, e, contrariando à colocação feita corretamente no voto do Ministro Teori Zavascki, o Ministro José Delgado interpretou equivocadamente a regra do Artigo 24 do tratado internacional tributário, referente a “Não discriminação”, aduzindo que não poderia ser concedido tratamento diferenciado entre residentes e não residentes. Por fim, o Ministro José Delgado, referindo-se a um “princípio de proibição de dupla incidência tributária”, e, defendendo que o mesmo se sobreporia inclusive a normas constitucionais, deveria ser aplicável ao caso para se evitar uma dupla tributação econômica. O equívoco, portanto, é evidente tendo em vista que o tratamento diferenciado é aceitável para situações diversas, como é aquela em que um pessoa 123 Rocha (2013) faz duas constatações a respeito desse julgamento que vale destaque. A primeira delas seria o fato de ser a primeira vez que haveria um conflito entre norma interna e norma de tratado internacional para se evitar a dupla tributação da renda. Nesse sentido afirma que “a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial 426.945 é uma das decisões mais importantes referentes à matéria ora sob exame, especialmente porque, pela primeira vez, um caso em que se discutia um conflito entre uma norma interna e uma convenção para evitar a dupla tributação da renda foi objeto de análise” Rocha (2013, p. 120). Contudo, vale ressaltar que a matéria referente a conflito de norma interna com norma de tratado internacional tributário já tinha sido objeto de discussão, inclusive analisando-se o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), conforme já apresentado. Em segundo lugar, Rocha (2013, p. 122) ressalta que, no voto do Ministro Teori Zavaski foi classificado de maneira inovadora os tratados internacionais tributários como tratados-norma, o que, em razão da errada distinção entre tratados-norma e tratados-contrato, acarretariam a não abrangência pela norma do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN): “a grande inovação presente no voto do Ministro foi a alocação das convenções internacionais para evitar a dupla tributação da renda entre os tratados normativos (em linha com a posição sustentada neste estudo), e assim fora do campo de aplicação do artigo 98”. 93 de direito é residente e outra não é residente. Lado outro, também é equivocado aduzir que a dupla tributação da renda seja princípio ou mesmo que os tratados internacionais tributários, especialmente aqueles celebrados com base na Convenção Modelo da OCDE, buscariam evitar a dupla tributação econômica da renda. O que se busca é evitar a dupla tributação jurídica da renda, conforme bem informado nos Comentários à Convenção Modelo analisados posteriormente. Após os dois primeiros votos, o Ministro Francisco Falcão acompanhou o Ministro José Delgado, e, o Ministro Luiz Fux acompanhou o voto do Ministro Teori Zavascki. O empate veio com o voto proferido pela Ministra Denise Arruda, acompanhando o voto do Ministro José Delgado. Mas apesar de acompanhar o Ministro José Delgado, deve-se destacar o voto da Ministra Denise Arruda posto que os seus fundamentos estão melhor empregados. Primeiramente, ao analisar o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) não é feita nenhuma menção à equivocada distinção entre tratados-norma e tratados-contrato. Após transcrever abalizadas lições da doutrina nacional a respeito do tema, onde é defendido o primado do direito internacional através do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), a Ministra Denise Arruda confirma a impossibilidade de norma interna posterior afastar a aplicação de norma internacional.124 124 O trecho em que a Ministra Denise Arruda dispõe sobre o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) tem a seguinte redação: “O art. 98 do Código Tributário Nacional estabelece que 'Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha'. E, examinando o tema, ALBERTO XAVIER defende a supremacia dos tratados internacionais sobre as leis internas, e, analisando o art. 98 do CTN, menciona: "A conclusão de que os tratados têm supremacia hierárquica sobre a lei interna e se encontram numa relação de especialidade em relação a esta, é confirmada, em matéria tributária, pelo art. 98 do Código Tributário Nacional que, em preceito declaratório, dispõe que 'os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha". Observe-se, em homenagem à exatidão, que é incorreta a redação deste preceito quando se refere à 'revogação' da lei interna pelos tratados. Com efeito, não se está aqui perante um fenômeno abrogativo, já que a lei interna mantém a sua eficácia plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se, isso sim, de limitação da eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação e decorre da relação de especialidade entre tratados e leis. Cumpre notar que a supremacia hierárquica dos tratados sobre as leis internas tem como efeito proibir a sua revogação por leis internas subseqüentes, não sendo porém o fundamento exclusivo da sua 'aplicação prevalente' (Anwendungsvorrang). É que, ainda que tratado e lei ordinária tivessem paridade de valor hierárquico, a aplicação prevalente do primeiro resulta diretamente de uma relação de especialidade." (Direito Tributário Internacional do Brasil, 5ª ed., Forense, 2000, págs. 123⁄124). E conclui: "Observe-se, enfim, que o art. 98 do Código Tributário Nacional, tendo natureza de lei complementar, contém um comando adicional ao legislador ordinário, que veda a este, hierarquicamente, qualquer desobediência ao tratado." (ob. cit., p. 125). No mesmo sentido é a lição de MACÊDO DE OLIVEIRA, comentando o art. 98 do CTN: "Os tratados e convenções internacionais, celebrados pelo Presidente da República, uma 94 Contudo, a interpretação dada ao Artigo 24 do tratado internacional, assim como aquela dada pelo Ministro José Delgado foi equivocada, posto que a norma interna brasileira não faz distinção em razão da nacionalidade, mas, sim, em razão da residência. Assim, e, voltando para o Supremo Tribunal Federal, cabe fazer alguns destaques com relação ao voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, onde começa a ficar evidenciado uma nova posição daquela corte constitucional, adotando o Monismo com primazia do direito internacional. O Ministro Gilmar Mendes faz referência ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343 – São Paulo, cujo relator foi o Ministro Cezar Peluso, e, a data do julgamento foi o dia 5 de Junho de 2009. Tal julgamento procede a uma nova visão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito dos tratados internacionais, especificamente aqueles que versam sobre direitos humanos, e, que a partir da Emenda Constitucional 45 de 2004 passaram a poder ter hierarquia de vez aprovados pelo Congresso Nacional através de decretos legislativos, prevalecem sobre o direito interno. Os países, como os indivíduos, promovem acordos, realizam convênios, para a solução de questões comuns e recíprocas, os quais, no campo tributário, são muito empregados para evitar a bitributação internacional e em matéria de tarifas alfandegárias (incidentes sobre o comércio exterior). Embora se estabelecesse, originariamente, a distinção entre tratado e convenção considerando a natureza política daquele e a não-política deste, hoje se reconhece o uso das expressões como sinônimas. Em suma, os tratados e convenções internacionais, se ratificados pelo Poder Legislativo, funcionam como regras de direito, com eficácia interna, como os demais atos legais, aos quais, todavia, se sobrepõem, segundo prescreve este artigo." (Código Tributário Nacional, ed. Saraiva, 1998, p. 241). Por tal razão é que SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO refere que "Quando o art. 98 do CTN, que só pode ser mudado por outra lei complementar - e portanto sob o ponto de vista material é lei complementar - , dispõe que o tratado revoga a legislação tributária interna e não pode ser revogado pela legislação tributária interna superveniente, o art. 98 do CTN não está se referindo apenas à legislação federal. Referese às legislações parciais da União, dos Estados e dos Municípios, que juntas formam a ordem jurídica tributária total do Estado Brasileiro, como é da índole do Estado Federal. Não menos do que por isso, o Ministro Rezek, que pertenceu à Suprema Corte, pôde dizer que o art. 98 construiu no domínio tributário uma regra de primado do direito internacional sobre o direito interno ('Tratado e Legislação Interna em Matéria Tributária - ABDF n. 22)." (in "Tratados Internacionais em Matéria Tributária (Perante a Constituição Federal do Brasil de 1988)', 'Revista de Direito Tributário" n. 59, p. 185). Também MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, integrando um grupo de tributaristas que comentou o Código Tributário Nacional (5ª ed., Forense, p. 204⁄205), ao discorrer sobre o art. 98 do CTN e citando Fábio Fanucchi, salienta "... que comumente ocorre que determinada situação tributável se submeta a uma pluralidade de poderes impositivos, de Estados soberanos distintos. Desde que ocorrida essa circunstância e a fim de evitar que o sujeito passivo se subordine a várias imposições perante um só fator de avaliação de sua capacidade contributiva, surgem os tratados e convenções internacionais que, no seu contexto, declaram pretender evitar a bitributação internacional." E, para arrematar, lembre-se o que afirmou ALIOMAR BALEEIRO, dizendo que o art. 98 do CTN expressa a hierarquia do tratado sobre a legislação tributária antecedente ou superveniente (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., Forense, p. 639, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi). Assim, observado o real alcance do multicitado art. 98 do CTN, que veda o desrespeito ao tratado internacional ou a sua alteração por lei interna, há que se examinar o preceito normativo constante da Convenção, especialmente o alusivo ao item que obsta a discriminação tributária em se considerando a nacionalidade dos sócios - se residentes ou não no País.” (Brasil, 2004). 95 emenda constitucional. Naquela oportunidade, e, juntamente com decisões proferidas em outros julgados sobre o tema, foi destacado que esta espécie de tratados internacionais, que versam sobre direitos humanos, teriam caráter supralegal (prevalecem sobre a lei interna, mas submetem-se ao texto constitucional). A conclusão que a princípio serviria para os tratados internacionais que versassem sobre direitos humanos foi estendida no voto do Ministro Gilmar Mendes para os demais tratados, e, especificamente tratou dos tratados internacionais tributários, aduzindo alguns dos fundamentos sobre as razões da primazia do direito internacional citados ao longo do presente estudo, como o princípio do pacta sunt servanda e da boa-fé. Conclui, sob tais fundamentos, alinhado ao atual cenário internacional, pela supremacia do direito internacional ressaltando que: Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o entendimento que privilegia a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna. (Brasil, 2011) Além conferir uma interpretação correta ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), o voto do Ministro Gilmar Mendes também foi acertado ao afastar a equivocada tese de tratamento diferenciado entre tratado-norma e tratado-contrato, declarar a adoção do Monismo com primazia do direito internacional, e, aduzir que, no caso em tela, não haveria ofensa da norma interna, o que afasta a interpretação equivocada dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).125 125 “Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por esta Corte. Como enfatizei no voto do RE 466.343/SP, o texto constitucional admite a preponderância das normas internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público. [...] Assim, a aprovação pelo Congresso Nacional e a ratificação pelo Presidente da República constituem regras de importância fundamental para a validade das normas tanto no plano internacional quanto no plano interno. Em outras palavras, a República Federativa do Brasil, como sujeito de direito público externo, não pode assumir obrigações, nem criar normas jurídicas internacionais, à revelia da Carta Magna, mas deve observar suas disposições e requisitos fundamentais para vincular-se em obrigações de direito internacional. Destaque-se que a aprovação do texto do tratado e a ratificação pelo Presidente da República são necessários, porém não suficientes à existência da norma internacional. Daí que a inaplicabilidade de disposições previstas em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Executivo é possível, tanto no âmbito interno quanto no internacional, no caso de ausência de 96 4 CONFLITO ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS A antinomia jurídica ou conflito de normas como pode ser conceituada, segundo Diniz (2007, p.19-20) como “a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular”. No conflito, ou antinomia, real, três seriam os elementos necessários para a sua concretização: incompatibilidade, indecidibilidade, e, necessidade de decisão. Neste sentido, o conflito aparente de normas, como é o caso ora estudado, seria aquele em que é possível vislumbrar critérios para afastar qualquer dúvida a respeito de uma incompatibilidade. Lado outro, o conflito será real se, “após a interpretação adequada das duas normas, a incompatibilidade entre elas perdurar.” Com base na doutrina de Noberto Bobbio (1994)126 , Grupenmacher (1999) aduz que existe uma segunda forma de conflito que configuraria como um conflito de segundo grau, onde a lei posterior é geral e a anterior (o tratado) seria uma regra ratificação pelo outro Estado-parte ou de não concretização de alguma outra condição prevista. Ora, se o texto constitucional dispõe sobre a criação de normas internacionais e prescinde de sua conversão em espécies normativas internas – na esteira do entendido no RE 71.154/PR, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, Pleno, DJ 25.8.1971 – deve o intérprete constitucional inevitavelmente concluir: (i) que os tratados internacionais constituem, por si sós, espécies normativas infraconstitucionais distintas e autônomas, que não se confundem com as normas federais, tais como decreto- legislativo, decretos executivos, medidas provisórias, leis ordinárias ou leis complementares; e (ii) que a Carta Magna não respalda o paradigma dualista. [...] Como exposto, o tratado internacional não necessita ser aplicado na estrutura de lei ordinária ou lei complementar, nem ter status paritário com qualquer deles, pois tem assento próprio na Carta Magna, com requisitos materiais e formais peculiares. Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna. No mínimo, a Constituição Federal permite que norma geral, também recebida como lei complementar por regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II e III, da CF/1988), garanta estabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária, em detrimento de legislação infraconstitucional interna superveniente, a teor do art. 98 do CTN, como defende autorizada doutrina (cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 132; BORGES, Antônio de Moura. Convenções sobre Dupla Tributação Internacional. Teresina: EDUFPI, 1992. pp. 141/142; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26a ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.98/99; TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pp. 578- 582; BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da Isenção Tributária. 3a ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 290-292; e AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp.39/44, entre outros). Registre-se que, nessa linha, a recepção do art. 98 do CTN pela Constituição Federal independe da desatualizada classificação em tratados-contratos (contractual treaties, traités-contrats, rechtgeschäftlichen Verträge) e tratados-leis (law-making treaties, traités-lois, rechtsetzende Verträge), que, aliás, tem perdido prestígio na doutrina especializada (cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 28-29; SHAW, Malcom. International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 812; VERDROSS & SIMMA. Universelles Völkerrecht. Berlin: Duncker und Humblot, 1984. p. 339; HERDEGEN, Matthias. Völkerrecht. 4a ed. München: Beck, 2005. pp. 112-113).” (Brasil, 2011) 126 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4. ed. Brasília : Unb, 1994. 97 específica. Nesta situação ocorreria um verdadeiro conflito de critérios para a solução de incompatibilidade de normas. Segundo Bobbio (1994) 127 apud Grupenmacher (1999), neste caso, o critério da especialidade prevaleceria, contudo, ressalta a autora que tal análise ficaria bastante difícil, sendo necessário observar atentamente o caso concreto. Machado (2003, p.30) esclarece que um conflito, ou antinomia, entre uma norma interna e uma norma de tratado internacional será aparente quando esta segunda seja uma norma especial, sendo resolvido pelo critério da especialidade. Sobre o conflito de normas Grupenmacher (1999, p.104) ainda ressalta que, com base na lição de Maria Helena Diniz (1987) 128 é possível entender que as normas de tratados internacionais “sejam conflitantes com as normas internas de um dado Estado”, e que “em tal situação, estar-se-á diante de um conflito aparente de normas”. 4.1 Conflito entre normas internas e normas de tratados internacionais Durante Seminário da IFA realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1989 Rezek (1989) afirmou que existiria, naquela ocasião, uma posição majoritária entre os Estados Soberanos no sentido de normas internas e normas internacionais possuírem o mesmo grau hierárquico. Contudo, ainda naquela ocasião foi lembrado que o sistema tributário brasileiro possuía a peculiaridade do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Ademais, alguns Estados teriam incluído em suas constituições previsões no sentido de que os tratados internacionais teriam prevalência sobre as normas internas, dando como exemplo a Constituição da França de 1958, Artigo 55, a Constituição da Grécia de 1975, em seu Artigo 28, parágrafo 1º, e, a Constituição do Peru, de 1979, em seu Artigo 101. Como demonstrado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem encaminhado para uma posição onde haveria uma primazia do direito internacional, e, que o ordenamento jurídico brasileiro adotaria o Monismo. Assim, e, ainda de acordo com recente posição do Supremo Tribunal Federal, o conflito aparente entre normas de tratados internacionais e normas internas é resolvido pelo critério da hierárquica, sendo que as primeiras teriam grau hierárquico superior. Tal 127 128 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4. ed. Brasília : Unb, 1994. DINIZ, Maria Helena. Conflitos de Normas. São Paulo : Saraiva, 1987. 98 constatação oriunda do voto do Ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário 460.320, ainda pendente de julgamento (Volvo vs. União Federal), leva à conclusão de que a norma contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) corresponda a uma ratificação da superioridade hierárquica dos tratados internacionais tributários. 4.1.1 Primado do Direito Internacional em face da corrente monista e dualista Certo é que ao tratar de conflito entre normas de tratados internacionais, pode ocorrer o embate entre normas de dois tratados internacionais distintos, como também poderá haver o conflito entre normas de um determinado tratado internacional, de um lado, com normas internas de um dos Estados Soberanos signatários, do outro lado. De qualquer forma, uma análise específica sobre os conflitos deve ser feita, de maneira mais concreta, analisando tanto na hipótese de adoção do Dualismo como do Monismo. No Monismo, o conflito de normas de um tratado internacional e normas internas é mais perceptível, e, dependendo do ordenamento jurídico, haverá tanto a preferência (primazia) do direito internacional, como também poderá ocorrer em relação ao direito interno. Ademais, a paridade hierárquica também é possível, e, nesses casos, a especialidade acaba surgindo como um critério de solução para a antinomia jurídica aparente. Em contrapartida, inicialmente fica difícil perceber uma primazia de normas de tratados internacionais e normas internas naqueles ordenamentos jurídicos que adotam o dualismo. Partindo do pressuposto que nessa sistemática os tratados internacionais, para serem aplicados no ordenamento jurídico interno, devem ser transformados em normas internas (ou ao menos deve haver uma ordem de execução para tanto), a paridade hierárquica parece ser evidente. Em tais situações, o critério da especialidade também surge como hipótese de solução de conflito aparente das normas em questão. Não obstante tal fato, nada impediria que a Constituição da República de 1988 contivesse disposição no sentido de garantir superioridade hierárquica para as normas internas resultantes da transformação de tratados internacionais. Portanto, diante de um caso concreto de conflito entre norma de tratado internacional e norma interna, o julgador deve, em primeiro lugar averiguar se a 99 norma interna é anterior à norma do tratado internacional. Caso essa seja a situação concreta, a solução para o conflito aparente entre as normas é de fácil solução bastando a aplicação do critério cronológico (lex posterior priori derogat). Contudo, a situação pode ser um pouco mais complexa quando a norma interna é posterior a norma do tratado internacional. Assim, nos Estados Soberanos que adotam a primazia do direito internacional, sejam pelo Monismo ou pelo Dualismo, a norma interna não terá aplicação sobre aquelas situações abrangidas pelas normas dos tratados internacionais. Seria, por exemplo, o que dispõe o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), ao aduzir que a legislação tributária superveniente deve observar os tratados internacionais tributários. Ressaltamos, novamente, que mesmo no Dualismo, onde a paridade hierárquica seria a conclusão lógica, a primazia do direito internacional poderá advir de disposição constitucional (ou seja do direito interno), assegurando a observância do princípio da boa fé e do princípio do pacta sunt servanda. Nessas situações pode-se aduzir que tal entendimento e construção jurídica no Estado Soberano nada mais seria do que uma previsão ética para o cumprimento daquilo que foi pactuado com outro Estado Soberano. Lado outro, também existem os Estados Soberanos onde as normas internas e as normas dos tratados internacionais possuem paridade hierárquica. Nessas situações o princípio da primazia do direito internacional, proveniente do princípio do pacta sunt servanda, não seria observado, e, a norma posterior revogará a norma anterior. É o caso da chamada “doutrina Matter” que foi consagrado na França. 4.1.2 Análise em face da Constituição da República de 1988 Analisando a questão do conflito das normas de tratados internacionais com normas internas sob o enfoque das disposições da Constituição da República de 1988, a primeira observação a ser feita é que o texto constitucional está eivado de passagens onde encontram-se referências diretas a competência de julgamentos das normas de tratados internacionais e de determinação de inconstitucionalidade das mesmas. Nesse sentido o Artigo 109, inciso III, da Constituição de 1988 aduz que “aos juízes federais compete processar e julgar as causas fundadas em tratados ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”. O Artigo 100 105, inciso III, alínea “a” da Constituição de 1988 aduz sobre a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o julgamento de recurso especial “quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. O Artigo 102, inciso III, alínea “b” também da Constituição de 1988 destaca a competência do Supremo Tribunal Federal (STF), na qualidade de guardião da Carta Constitucional, para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”.129 Essa simples constatação acarreta em duas conclusões. A primeira é que, pelo texto constitucional, pode-se dizer que os tratados internacionais são reconhecidos como normas pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro. Isto quer dizer, em outras palavras, que não é necessária a transformação dos tratados internacionais em norma interna, e, portanto, o Brasil adota o Monismo. Na hipótese em que fosse adotado o Dualismo, as disposições constitucionais em análise não iriam se referir aos tratados internacionais, bastando somente a referência às leis internas, posto que aqueles seriam incorporados no ordenamento jurídico brasileiro através da transformação em lei. 129 Nesse sentido, Xavier (2002, p. 120-121): ““Em matéria de competência do Poder Judiciário a Constituição estabelece no art. 109, inciso III que aos juízes federais compete processar e julgar “as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”; no art. 104, inciso III, alínea a) determina que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigências; e no art. 102, inciso III, alínea d) dispõe que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade do tratado ou lei federal”. Estas disposições reconhecem que os tribunais têm competência para apreciar direitos subjetivos emergentes diretamente dos tratados internacionais. Ora, se os direitos decorrem diretamente dos tratados, isto significa que eles têm a sua origem em normas internacionais, não previamente convertidas em leis internas. É que, caso esta conversão existisse, não faria sentido a clara dicotomia que a Constituição estabelece entre “tratado ou lei federal” ao prever a possibilidade de ambos serem contrariados por decisões judiciais e a possibilidade de ambos ofenderam a Constituição. Daqui decorre que os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia direta e imediata); e que, conseqüentemente, à interpretação dos seus preceitos são aplicáveis as regras de hermenêutica que vigoram quanto aos tratados e não as que respeitam à legislação interna de cada Estado contratante”. As previsões acima mencionadas para o julgamento pelas cortes brasileiras de normas dos tratados internacionais levam ao entendimento, segundo Xavier (2002, p. 121), de que a análise é de direitos e deveres oriundos diretamente de normas internacionais, posto que, caso assim não fosse, desnecessária seria a menção a tratados internacionais nos dispositivos constitucionais. Conclui, portanto, que os tratados internacionais são “fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia direta e imediata)”. O que leva a uma interpretação baseada nos princípios do direito internacional público. 101 A segunda constatação que pode ser auferida pelos dispositivos constitucionais é a de que os tratados internacionais estão hierarquicamente abaixo do texto constitucional, já que eles podem ser considerados inconstitucionais.130 Nesse diapasão, mais uma vez vale a ressalva ao julgamento do Recurso Extraordinário 460.320 (Volvo vs. União Federal), onde apesar de ser conferido caráter supralegal aos tratados internacionais, é clarificado que estes não poderiam ser hierarquicamente superiores à própria Constituição da República de 88. Outros dois dispositivos do texto constitucional brasileiro que se deve atenção em uma análise sobre conflito de tratados internacionais com normas internas são o Parágrafo único do Artigo 4º, e, o Parágrafo 2º do Artigo 5º. O Parágrafo único do Artigo 4º da Constituição de 1988 trata da busca pelo Estado brasileiro de “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Já o Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição de 1988 dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, haveria um indício de que os tratados internacionais que buscam a integração econômica, política, social e cultural entre os países da América Latina, bem como a formação de comunidades internacionais, teriam supremacia em relação a normas internas que mesmo posteriores dispusessem de forma contrária. Obviamente tal constatação seria muito mais em vista da disposição do dispositivo constitucional do Parágrafo único do Artigo 4º do que da norma internacional.131 130 Aduz, ainda, Schoueri (1995, p. 100) que a Constituição Federal de 1988 reconhece, em diversas passagens, a possibilidade de um tratado internacional ser inconstitucional. Dessa modo, pode ser aventada, de maneira lógica, que o texto constitucional é hierarquicamente superior à norma internacional proveniente do tratado internacional, e, que essa última pode ser considerada e declarada inconstitucional. Nesse sentido: “Foi reconhecida, pelo próprio constituinte, a possibilidade de um tratado ser inconstitucional, de onde se pode extrair a conclusão de que o texto da norma internacional que contrariar dispositivo da Carta será taxado de inconstitucional. Daí, portanto, a colocação da Constituição, hierarquicamente acima dos tratados internacionais” (SCHOUERI, 1995, p. 100). 131 Com relação a questão da superioridade dos tratados internacionais frente a leis ordinárias posteriores, Grupenmacher (1999) faz menção à previsão do parágrafo único do Artigo 4º da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a busca de integração econômica com os demais países da América Latina. Nesta linha, fazendo menção a lição de Hamilton Dias de Souza (1997) aduz que para parte da doutrina bastaria tal dispositivo constitucional para que fosse assegurado a supremacia dos tratados internacionais em tais situações. Rezek (REZEK, Francisco. Tratados e suas relações com o ordenamento jurídico interno: antinomia e norma de conflito, Revista do Centro de Estudos Judiciários. Brasília: [s.n.], 2, v. 1, 1997) apud Grupenmacher (1999) 102 Já a norma do Paragrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 provavelmente é a mais importante em termos de análise de conflito de normas internacionais e normas internas. Tal disposição, como já mencionado, trata da recepção plena de tratados internacionais que versão sobre direitos e garantias individuais132 . Basta esse dispositivo para novamente concluir que, especificamente com relação aos tratados internacionais que tratem de direitos e garantias fundamentais, as normas internacionais devem ser observadas pela normas internas, mesmo aquelas posteriores. Apesar de dispor apenas sobre tratados internacionais que versam sobre direitos e garantias fundamentais, a opção pelo Monismo ali concebida pode ser estendida e entendida de maneira geral para todas as normas internacionais133. Ou seja, a consagração do Monismo na norma em questão sugere que todas as normas internacionais integram o ordenamento jurídico brasileiro. Pensar de maneira diversa seria entender que o ordenamento jurídico adotaria o Monismo para determinadas espécies de normas internacionais, e, o Dualismo para outras, o que logicamente seria inviável. entende que o Brasil é um país “inibido” em relação ao propósito integracionalista, posto que não se busca uma “integração econômica” assumindo todas as consequências e riscos necessários para tanto, assumindo, dessa forma, uma postura mais conservadora. 132 Nessa linha, Alberto Xavier e Helena A. L. Xavier (XAVIER, Alberto; XAVIER, Helena de Araújo Lopes. Tratados: Superioridade hierárquica em relação à lei face à Constituição Federal p. 40), apud Grupenmacher (1999) entendem que os tratados internacionais que versam sobre matéria tributária corresponderiam a espécie de tratados internacionais que versam sobre direitos e garantias individuais, e, portanto, teriam, de acordo com a norma do Artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal de 1988 recepção plena. Este entendimento, contudo, é visto pela autora como equivocado e que desvirtua a intenção do legislador constituinte. 133 Analisando ainda a questão da superioridade hierárquica dos tratados em matéria de direitos e garantias, Xavier (2002, p.120) faz referência ao posicionamento de Heleno Tôrres (TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresa, São Paulo, 1997, p. 388),que aponta um caráter excepcional à regra do Artigo 5º, §2º da Constituição Federal de 1988, ao entender que a “cláusula geral de recepção plena”, ali presente, seria única para aqueles tratados. Ou seja, para os demais tratados internacionais, imprescindível a “transformação” em norma interna ou a ordem de execução, por meio do Congresso Nacional com a edição do decreto legislativo. Logicamente Xavier (2002, p.120) discorda de tal posicionamento, seja porque entende incabível dentro de uma mesma ordem jurídica comportar a teoria monista para algumas espécies de tratados internacionais (tratados internacionais que versam sobre direitos e garantias), e, a teoria dualista para os demais tratados internacionais. Lado outro, ressalta, também, que o procedimento é o mesmo para ambos os casos, dando destaque para o referendo do Congresso Nacional que ocorre para todos os tipos de tratados internacionais, inclusive para aqueles que tratam de direitos e garantias. Assim sendo, tornaria um absurdo entender que o mesmo ato, realizado pelo Congresso Nacional através de decreto legislativo e consistente no referendo, teria em certos casos natureza de ordem de execução para os tratados internacionais de maneira generalizadas, enquanto não possuiria a mesma natureza nos tratados internacionais referentes a direitos e garantias. 103 A superioridade hierárquica dos tratados internacionais que tratam de direitos e garantias fundamentais é também ressaltada pela interpretação literal das norma do Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988134135 . Mas, destaca-se que, a partir da análise desse dispositivo, bem como do Parágrafo 3º, também do Artigo 5º, inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional 45 de 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a estender a ideia de Monismo com primado do Direito Internacional para os demais tratados internacionais, conforme se infere através da conclusão a que se chegou o Ministro Gilmar Mendes no seu voto proferido no Recurso Extraordinário 460.320 – Paraná (Volvo vs. União Federal – pendente de julgamento definitivo),136 visto acima. 134 Segundo Xavier (2002, p. 113-115): “São seis os argumentos fundamentais em que assenta a tese de superioridade hierárquica dos tratados em face à lei interna perante a Constituição de 1988: (i) a Constituição Federal consagrou o sistema monista como cláusula geral de recepção plena (art. 5º, § 2º), o que significa que os tratados valem na ordem interna como tal e não como leis internas, apenas sendo suscetíveis de revogação ou denúncia pelos mecanismos próprios do direito dos tratados; (ii) o art. 5º, §2º, da Constituição Federal atribui expressa superioridade hierárquica aos tratados em matéria de direitos e garantias fundamentais, entre os quais se inclui a matéria tributária (art. 150, “caput”); (iii) os Tribunais aplicam os tratados como tal e não como lei interna; (iv) a celebração dos tratados é ato da competência conjunta do Chefe do Poder Executivo e do Congresso Nacional (art. 84, inciso VIII e art. 49, I), não sendo portanto admissível a sua revogação por ato exclusivo do Poder Legislativo; (v) O artigo 98 do Código Tributário Nacional – que é lei complementar que se impõe ao legislador ordinário – é expresso ao estabelecer a superioridade hierárquica dos tratados, sendo inadmissível restringir essa superioridade apenas a algumas espécies ou modalidades, não distinguidas por lei; (vi) nem o decreto legislativo, que formaliza o referendo do Congresso Nacional, nem o decreto do Presidente da República, que formaliza a promulgação, têm o alcance de transformar o tratado em lei interna.” 135 Xavier (2002, p.116) ressalta que a posição da jurisprudência (naquela época firmada - 2002), no sentido de haver uma paridade hierárquica entre as normas internacionais e as normas internas, é fundamentada com base na análise da Constituição pretérita onde, conforme aduzido por Rezek (REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 2ª edição, São Paul 1991) apud Xavier (2002, p.116), faltaria uma “garantia de privilégio do tratado internacional sobre as leis do Congresso”. Nesse mesmo sentido, é feita referência a Hamilton Dias de Sousa (SOUZA, Hamilton Dias de. Tratados Internacionais – OMC e Mercosul. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo : Dialética, 1997) apud Xavier (2002, p.116) que ressalta que a conclusão auferida pelo julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 foi em razão dos “intérpretes não terem se detido na análise dos dispositivos sobre tratados como contidos na Carta Constitucional de 1988”. Notadamente, Xavier (2002) entende que os tratados internacionais tributários estariam inclusos entre aqueles que tratam dos direitos e garantias dos indivíduos, e, portanto, imprescindível seria a aplicação do disposto no §2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, onde é expresso que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 136 “Na ocasião, em que foram apreciados em conjunto também o RE 349.703/RS, em que fui redator para o acórdão, Pleno, DJ 5.6.2009, e o HC 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, a maioria do Plenário entendeu que as convenções internacionais de direitos humanos têm status supralegal, isto é, prevalecem sobre a legislação interna, submetendo-se apenas à Constituição Federal, contra os votos dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que avançavam ainda mais e reconheciam o status constitucional desses tratados. O RE 349.703/RS, restou assim ementado, no pertinente [...] Dessa forma, não só o fenômeno da substituição de um arcaico Estado voltado para sim por um “Estado Constitucional Cooperativo”, 104 Outro ponto extremamente importante no análise do Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 diz respeito a recepção plena 137 dos tratados internacionais e que seria uma constatação da adoção do Monismo. Ademais, essa recepção plena aduzida no Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 também serviria para fortalecer a supremacia dos tratados internacionais em face das normas internas uma vez que sendo recepcionados de maneira plena não podem ser afastados por normas infraconstitucionais internas posteriores.138 como identificado pelo Professor Peter Häberle, como o próprio texto da Carta Magna, sobretudo com as alterações da EC 45/2004, exigem essa nova interpretação da relação entre direito internacional e normas infraconstitucionais internas” (BRASIL, 2011, p. 23-24). 137 Uma outra justificativa apresentada por Xavier (2002, p.116-117) para demonstrar a superioridade hierárquica dos tratados internacionais em frente às normas internas seria o fato de que aqueles são recepcionados na ordem interna através da “cláusula geral de recepção plena”, e, portanto, como normas internacionais de direito internacional público, e, não como norma interna. Assim sendo, consequentemente “só podem ser celebrados, revogados ou denunciados pelos mecanismos que lhes são próprios e não pelos mecanismos que valem para as leis internas”. Logo, as normas internas não teriam o condão de denunciar ou mesmo revogar as normas dos tratados internacionais, e, tal fato por si só consistiria na apontada supremacia. Consequentemente, a referida “cláusula geral de recepção plena” demonstraria que o ordenamento jurídico brasileiro teria adotado o “sistema de recepção automática plena”, nos dizeres de Xavier (2002, p.116-117), o que rejeitaria a hipótese de transformação da norma internacional em norma interna, e que, caso ocorresse poderia acarretar lei com paridade hierárquica às leis ordinárias existentes no ordenamento. Contudo, o referendo do Congresso Nacional, que consiste em um decreto legislativo não possui a natureza jurídica de lei. A referida “cláusula geral de recepção plena”, destacada por Xavier (2002, p. 117-118) é explicada por ele como oriunda da teoria monista (analisada em seção anterior) e consagrada no direito brasileiro, o que acarreta que a norma do tratado internacional pactuado pelo Brasil passa a vigorar no ordenamento jurídico como norma de direito internacional público e não como norma interna transformada. Tal fato justificaria, como já ressaltada, a falta de paridade hierárquica, e, a entrada em vigor de maneira independente à qualquer conversão legal. Seria o “princípio da aplicabilidade direta e imediata”, portanto. Não obstante a lógica traçada em sua conclusão, Xavier (2002, p.118) pondera que, no plano jurisprudencial, referida linha de raciocínio ainda não fora completamente implementada. Voltando à disposição do §2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, Xavier (2002, p.118-119) ressalta que além da norma constitucional servir como “cláusula geral de recepção plena” dos tratados internacionais, ainda teria um alcance mais amplo no sentido de impossibilitar que novas leis sejam promulgadas buscando uma limitação de direitos e garantias consagradas em tratados internacionais. Xavier (2002, p.119) ainda ressalta que os tratados internacionais quando garantem direitos e garantias fundamentais além daqueles previstos no texto constitucional irão prevalecer sobre esses, posto que terão uma natureza mais ampla e mais forte. Ademais, entende que em matéria tributária, face o disposto no Artigo 150, caput, da Constituição Federal de 1988, o tratamento a ser dado é de direito e garantias, o que resultaria um tratamento não apenas “supralegislativo”, mas também “supraconstitucional”. 138 Em entendimento diverso ao exposto nesse tópico, ou seja, de que a Constituição Federal de 1988 adota o Dualismo, Tôrres (2001b, p. 569 e ss.) discorrendo sobre a “relação entre normas de Direito Internacional e direito interno à luz da Constituição Federal”, esclarece que mesmo sendo entendimento majoritário no sentido de não haver qualquer disposição concernente à recepção dos tratados internacionais na ordem interna brasileira e ao grau hierárquico de tais normas, entende ser possível retirar algumas conclusões através de uma interpretação sistemática de algumas disposições. Ademais, ressalta que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Celso de Mello, segundo a qual os tratados internacionais se incorporam no ordenamento interno no mesmo plano de validade que as leis ordinárias, e, portanto, teriam uma paridade hierárquica com elas, é totalmente descabida de fundamentação lógica constitucional. Analisando a questão, Tôrres (2001b) inicia por fazer referência ao preâmbulo constitucional, que 105 4.1.3 O critério da especialidade É necessário fazer menção ao critério da especialidade. O critério da especialidade seria um critério para solução de conflitos aparentes de normas de mesmo grau hierárquico. Assim, quando duas normas hierarquicamente equivalentes dispusessem de forma distinta sobre determinado assunto, uma das formas de solução utilizadas para resolver a pendência da aplicação ao caso concreto seria a especialidade. Aquela norma que fosse mais específica para o caso em concreto seria a aplicável, enquanto que a norma que fosse mais geral seria afastada. A especialidade como solução para conflito de normas pode não ser o mais adequado em determinadas situações. Isto porque nem sempre o conflito irá ocorrer entre uma norma que pode ser considerada geral e outra considerada especial. Nesse diapasão, e, a título de exemplo, podemos encontrar uma norma geral (Norma 1) onde está determinado a alíquota “X” para o imposto de importação. Em contrapartida, outra norma (Norma 2), mais específica, pode estabelecer que a por sua vez destaca o compromisso com a ordem internacional, e, em relação aos conflitos internacionais, a Constituição Federal acaba por fazer uma leve menção à existência de um “dualismo de ordens jurídicas”. Ademais, destaca ainda dispositivos constitucionais que não só demonstram a opção do legislador constitucional pela adoção do dualismo jurídico, como também destaca o princípio da primazia do direito internacional, tanto em face de leis ordinários como em face de leis complementares. Assim sendo, demonstra que o texto constitucional possui uma atenção e compromisso com a ordem internacional, seja conferindo prevalência aos tratados internacionais, seja ainda exigindo que estes tenham uma subordinação hierárquica àquele (com a exceção dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, cujas regras são distintas). Dessa forma, estando o posicionamento dos tratados internacionais em face da Constituição Federal de 1988 esclarecido, Tôrres (2001b, p.574-576) passa a analisar a existência de conflito com as normas internas infraconstitucionais. Citando Lourival Vilanova (VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo, São Paulo: Educ, 1977 p.174) estabelece que podem existir simultaneamente no mesmo sistema regras contraditórias, mas que a aplicação das mesmas não poderá ser simultâneo, e, para isto existem os três critérios clássicos para resolver as contradições destes conflitos: critério temporal (a norma posterior prevalece); critério hierárquico (norma superior prevalece); e, critério da especialidade (norma especial prevalece). Não obstante tais regras de conflitos, Tôrres (2001b) esclarece que em face do princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno “infraconstitucional”, elas não seriam necessárias. Assim, em grau conclusivo, Tôrres (2001b, p.577) apresenta três assertivas. A primeira é que ao tratar de análise de constitucionalidade de tratados e leis, o texto constitucional estaria se posicionando a favor do dualismo, sendo que na ordem interna, o tratado internacional permanece como tratado e não como lei. Outro fator que demonstra tal fato é a segunda assertiva referente à competência dos juízes federais para a análise dos tratados internacionais. Por fim, como terceira assertiva conclusiva, haveria uma prevalência dos tratados internacionais sobre as leis internas infraconstitucionais, independente do critério cronológico. Para confirmar seu posicionamento a respeito da confirmação do dualismo, Tôrres (2001b, p.577) apresenta posicionamento jurisprudencial: “RE80.004, RT 83/809, de 1978; RE 80.043, RTJ 82/530, de 1976; RE 84.372, RTJ 83/194, de 1976; RE 82.515, RTJ 88/205, de 1978; RE 95.002, RTJ 103/779”. 106 importação de um produto “A” será tributada pelo imposto de importação a uma alíquota “Z”. Nesse caso, por ser bastante simples e didático, ficaria fácil solucionar a questão através do princípio da especialidade, apontando a “Norma 2” como aquela a ser aplicada ao caso de importação do produto “A”. Contudo, caso haja uma outra norma (Norma 3) que estabeleça a alíquota “Z” para a importação entre o Brasil e a Argentina (por exemplo), poderia ser levantado que esta norma, no que diz respeito aos Estados Soberanos envolvidos na transação internacional, é mais específica do que e “Norma 2”. Através desse simples exemplo, fica demonstrado que a solução de conflito pelo critério da especialidade nem sempre é de fácil resolução, como ocorrer com os critérios cronológico e hierárquico. Não obstante tal fato, o critério da especialidade foi visto por algum tempo como a forma de solução de conflito entre normas internas e normas de tratados internacionais, principalmente em decorrência do fato da jurisprudência, por algum tempo, entender haver uma paridade hierárquica, muitas vezes advinda da adoção ao Dualismo.139 139 Luciano Amaro (AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, p. 169, 1997) apud Grupenmacher (1999, p.108-109) entende que o conflito entre norma de direito internacional e norma de direito interno resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade. Assim, a norma internacional que seria norma especial modificaria a aplicação da norma interna que seria norma geral. Da mesma forma, Diva Malerbi (MALERBI, Diva. Tributação no Mercosul. Pesquisas Tributárias (Nova Série – 3). São Paulo : RT, p. 77 1997) apud Grupenmacher (1999, p. 108-109), entende que a norma internacional do tratado corresponde a norma especial em relação à norma interna que seria considerada norma geral. Assim, Grupenmacher (1999) abalizada nas lições de Luciano da Silva Amaro e Diva Malerbi, entende que, no caso das normas provenientes dos tratados internacionais tributários, em situação de conflito aparente com normas tributárias internas, ocorrerá a prevalência das primeiras em decorrência do princípio da especialidade. “Luciano da Silva Amaro afirma que, diante de uma antinomia entre a norma de direito internacional e a lei interna, o conflito se resolve pela aplicação do princípio de que a norma especial prevalece sobre a norma geral aplicando-se consequentemente a norma convencional em “harmonia (e não em confronto) com a legislação interna”. Entende, portanto, que a norma especial modifica o mandamento da norma geral. Vale aqui trazer à colação a lição de Diva Malerbi: “[...] o tratado vale como lei especial em relação à lei geral de incidência. Mais precisamente, nos casos em que o tratado afasta ou modifique a disciplina que decorreria da lei interna, o efeito jurídico do preceito convencional advindo do tratado é o de norma especial. O tratado cria, em relação às hipóteses por ele previstas e aos países nele envolvidos, exceções à aplicação da lei interna. O conteúdo material do tratado, uma vez incorporado ao direito interno, prepondera, porque traduz preceito especial harmonizável com a norma geral de incidência. Concluindo, os tratados internacionais tributários são leis especiais, quando confrontados com a lei que cria o tributo, prevalecendo sobre essa. E, em sendo leis especiais, não são revogados pela lei geral posterior. Essa prevalência das normas dos tratados decorre diretamente das regras do sistema jurídico brasileiro”. Em matéria tributária, portanto, parece ser possível abraçar o entendimento daqueles que, como Luciano Amaro e Diva Malerbi, entende que o princípio da especialidade é apto para solucionar conflitos entre tratado e lei interna, pois os tratados em matéria tributária usualmente modificam o mandamento da norma geral interna ao limitarem a incidência tributária estabelecida na lei geral. No entanto, a adoção de providências interpretativas 107 4.1.4 O princípio do pacta sunt servanda A solução de conflitos entre normas de tratados internacionais e normas internas de um determinado Estado Soberano pode ser resolvida, também, com fundamentação no princípio do pacta sunt servanda140. Tal princípio está previsto no Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT): “Direito Interno e Observância de Tratados – Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Essa regra não prejudica o Artigo 46” (BRASIL, 2009). Uma vez assumido o compromisso entre os Estados Soberanos, através da celebração dos tratados internacionais, não poderá ser invocado normas de direito interno para a justificação de seu inadimplemento. Ou seja, não poderá um dos Estados Soberanos signatários do tratado internacional justificar a não aplicação das normas internacionais pactuadas afirmando que norma interna dispõe de sentido diverso, pois tal fato iria de encontro com o referido princípio do pacta sunt servanda, expressamente previsto na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT). No caso específico dos tratados internacionais tributários, normalmente as normas internacionais pactuadas dispõe sobre a correta forma de aplicação das normas internas em situações abrangidas pelo sistema tributário de ambos os Estados Soberanos. Assim, como forma de evitar a dupla tributação da renda, e, buscar a neutralidade tributária nas transações internacionais, as normas dos tratados internacionais tributários dispõe a competência para a aplicação da norma interna. Em certas situações o Estado da fonte do rendimento será o competente é insuficiente para alcançar-se uma solução definitiva para os conflitos entre tratados e leis internas” (GRUPENMACHER, 1999, p.108-109). Nesse mesmo sentido, foi citado acima Rocha (2013), ao apresentar a análise da jurisprudência pretérita do Supremo Tribunal Federal (STF). 140 Segundo apontado por Grupenmacher (1999, p.110), seria a aplicação do princípio do pacta sunt servanda, que, segundo destaca, corresponderia a assunção de compromissos por um Estado Soberano através da subscrição de um tratado internacional. Neste sentido, aduz que assim como a soberania dos Estados devem ser observadas, o princípio do pacta sunt servanda é universalmente reconhecido, e, impõe ao Estado Signatário de um tratado internacional o dever de observar as obrigações ali impostas sob pena de responsabilidade na ordem internacional, como prescreve o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). “Se é certo que a observância à soberania estatal é uma premissa universalmente aceite no direito internacional público, também é certo que deve ser respeitado o princípio “pacta sunt servanda”, em virtude do qual o Estado signatário de um tratado ou convenção deve observar as obrigações por ele impostas, sob pena de responsabilidade na ordem internacional, consoante preceitua a Convenção de Viena sobre o direito dos tratados...” (GRUPENMACHER, 1999, p. 110). 108 para a aplicação de sua norma interna impositiva, e, em outras situações, o Estado da residência é quem será o competente para a aplicação de sua legislação tributária141. Nessa linha de raciocínio, as normas dos tratados internacionais tributários são aplicadas permitindo em certas situações a aplicação das normas internas de maneira subsidiária, e, assim sendo, observado estará o princípio do pacta sunt servanda. Cabe destacar, por fim, que com ainda com base no princípio do pacta sunt servanda para a resolução de conflitos aparentes entre normas de tratados internacionais tributários é discutível até que ponto o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) teria significância142. Conforme cediço, o Código Tributário Nacional 141 Ainda, no que tange ao conflito entre as normas dos tratados internacionais tributários e as normas do direito interno, Grupenmacher (1999, p.111) reforça sua posição através de menção aos ensinamentos de Heleno Taveira Torres (TORRES, Heleno Taveira. Convenções internacionais em matéria tributária sobre renda e o capital : a abrangência de tributos incidentes sobre as empresas. Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo : Dialética, 1997. pp. 63-64) que afirma a prevalência das normas internacionais advindas de um tratado internacional tributário sobre as normas internas tributárias, em virtude do princípio do pacta sunt servanda. Ademais, o concurso entre as normas internacionais tributárias e as normas internas resultaria na integração das normas internacionais na ordem interna acarretando a aplicação subsidiária das normas internas em razão de ser o tratado “norma sobre norma”. 142 Schoueri (1995) conclui, seguindo os fundamentos apresentados em sua obra e dos estudiosos ali citados, pela prevalência dos tratados internacionais. Contudo, cabe ressaltar a posição de Rothmann apud Schoueri (1995, p.103), que mesmo reconhecendo a “plena eficácia” do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), defende a falta de utilidade do mesmo ao impor que os tratados internacionais tributários teriam a mesma superioridade hierárquica em face da lei interna seja pela aplicação do princípio do pacta sunt servanda, seja pela aplicação da regra de interpretação lex specialis derogat generali, seja ainda pelo princípio segundo o qual “um ato só pode ser desfeito por outro ato que tenha obedecido a mesma forma”. “Expressando o mesmo entendimento, temos a lição de Rothmann (s.d./81), que se manifesta no sentido de que “na existência de um acordo contra a bitributação, as partes contratantes não podem tomar medidas unilaterais, autônomas ou nacionais, modificando o conteúdo do acordo contra a bitributação”. O mesmo autor vai além, mencionando que mesmo as medidas administrativas, por gerarem suspeitas de poderem modificar o acordado internacionalmente, vêm sendo incluídas nos acordos de bitributação, como itens sujeitos a prévios entendimentos entre as partes contratantes, reforçando-se o princípio do pacta sunt servanda. [...] É importante ressaltar a observação de Rothmann (s.d./184) que, embora reconhecendo plena eficácia ao art. 98 do CTN, sustenta que a primazia dos acordos de bitributação sobre o restante da legislação tributária poderia ser defendida, com igual êxito, mesmo na ausência daquele dispositivo complementar, com base nos princípios gerais de direito internacional público (pacta sunt servanda) e de direito interno (a regra lex specialis derogat generali e o “princípio de que um ato só pode ser desfeito por outro que tenha obedecido a mesma forma”)” (SCHOUERI, 1995, p. 102-103). Algumas medidas adotadas pelo legislador interno, em nosso ordenamento jurídico, é vista por Schoueri (1995) como normas de aplicação apenas internas ou no máximo para situações que abrangem transações internacionais que não estariam ligadas àquelas em que se aplicam normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Assim, Schoueri (1995, p.109) afirma que a edição de lei que limite benefícios fiscais oriundos das normas de um tratado internacional acarreta violação ao Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), posto que iria de encontro com o pactuado com o outro Estado Signatário. Ademais, Schoueri (1995, p.110) ressalta que, através da Recomendação de 2.10.89, a OCDE teria se 109 (CTN) foi promulgado em 1966, e, posteriormente recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar detentora de normas gerais sobre direito tributário. Nesse sentido, a aplicação do referido dispositivo em momento pretérito do ordenamento jurídico brasileiro, onde imperava a adoção do Dualismo (como fortemente destacado no Recurso Extraordinário 80.004, de 1977) é totalmente válido para a resolução de conflitos entre normas internacionais de tratados internacionais tributários e normas internas através do critério da especialidade. Contudo, pela adoção do Monismo com primazia do direito internacional, bem como em face do princípio do pacta sunt servanda, manifesto fica a perda de importância do referido dispositivo complementar, servindo muito mais como ratificação da superioridade hierárquica dos tratados internacionais tributários do que como fórmula de resolução de conflito. 4.1.5 O conflito com normas antielisivas internas Tratando especificamente a respeito da solução de conflitos aparentes entre normas de tratados internacionais tributários e normas antielisivas internas chega-se ao problema enfrentado nesse estudo com as variantes definidas. Assim, se a aplicação de uma norma antielisiva interna corresponder ao inadimplemento de um tratado por parte de um dos Estados Soberanos signatários, configurada estará a ofensa ao princípio do pacta sunt servanda. Além disso, não será correta a aplicação da norma interna. Isto porque, como aduzido linha acima, o ordenamento jurídico brasileiro adota o Monismo com primazia do Direito Internacional. Assim sendo, em caso de um conflito entre a norma interna e a norma do tratado internacional, deve ser aplicada a segunda norma. Não obstante tal constatação, certo é que as normas antielisivas, sejam elas previstas nos tratados internacionais ou não, buscam evitar situações artificiais, através de planejamentos tributários abusivos e agressivos. Nesse sentido, não se estaria, necessariamente, ocorrendo uma aplicação de uma norma interna, no caso posicionado no sentido de ser contrária a medidas unilaterais que limitariam a aplicação dos tratados internacionais. Ressalta ainda que apesar de não fazer parte da organização, as recomendações exaradas pela OCDE são seguidas pela comunidade internacional, o que levaria o Brasil a correr o risco de sofrer represálias em caso de tomar medidas unilaterais para conter o uso indevido de tratados internacionais por intermédio do treaty shopping. 110 a norma antielisiva, em detrimento, ou inadimplemento, de uma norma do tratado internacional tributário. A norma antielisiva estaria, na realidade, afastando o uso abusivo do tratado internacional tributário, e, não a sua correta aplicação143. Certo é que os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda, conforme já aduzido anteriormente, são elaborados com espeque na Convenção Modelo da OCDE, e, objetivam por razões lógicas desobstruir as transações internacionais no que diz respeito a uma pesada tributação decorrente da dupla imposição de tributos por mais de um Estado Soberano. Mas, além disso, os tratados internacionais tributários também buscam evitar planejamentos tributários agressivos, e, medidas elisivas abusivas assim como a evasão fiscal. De maneira geral, busca a neutralidade tributária nas operações e transações internacionais no sentido de evitar a dupla tributação da renda, a dupla não tributação da renda, e, o abuso de suas normas. Para o auxílio do que seria o uso abusivo de suas normas ou do próprio tratado é que a OCDE apresenta Comentários à sua Convenção Modelo, que são aceitos ou ressalvados tanto pelos seus membros como pelos Estados associados 143 Tôrres (2001a, p. 346-347) analisando a aplicação de normas internas para enfrentar o abuso de tratados internacionais tributários, se posiciona no sentido de que é imprescindível para a averiguação da licitude do planejamento tributário realizado pelo contribuinte o confronto da operação em face das normas internas de ambos os Estados signatários (Estado da fonte e da Estado da residência), bem como das próprias regras internacionais. Contudo, entende ainda que a aplicação de normas antielisivas por um determinado Estado Signatário somente poderá ocorrer quando o ato a ser desconsiderado tenha sido realizado em seu território, o que significa dizer que o Estado Signatário que seja o da fonte do rendimento não poderá desconsiderar uma situação constituída no outro Estado Signatário (da residência), quando tal ato ali tenha sido constituído. Assim sendo, no caso de um terceiro interposto estabelecido em um Estado Signatário, apenas este poderá dizer que tal interposição ocorreu de forma simulada, por exemplo, não podendo ser aplicado as regras internas do outro Estado Signatário. Tôrres (2001a) justifica tal colocação em face do critério de conexão, e, aceitar o contrário seria inobservar o princípio do pacta sunt servanda. Notadamente, o critério de conexão é justamente o que permitiria que uma norma antielisiva de ambos os Estados Signatários pudesse ser aplicada ao caso concreto, independente de ser Estado da fonte ou da residência. Lado outro, Tôrres (2001a, p. 348-350) aduz que existem certas situações em que o Estado da fonte poderá sim usar de medidas para evitar o abuso de normas dos tratados internacionais tributários, e, que tais medidas correspondem a análise dos atos de forma isolada das operações realizadas, sendo conhecidas na doutrina, tais medidas, como steps transactions, e, business purpose test. Em ambos os casos, tal posicionamento seria para o combate do uso indevido dos tratados internacionais e não necessariamente para uso das normas desses tratados. Contudo, no que diz respeito a utilização de normas internas que evitam o abuso das normas dos tratados internacionais é, para Tôrres (2001a, p. 357-360) ofensa ao princípio do pacta sunt servanda, não sendo, portanto, desejável. Ou seja, o controle do abuso “deve partir necessariamente da interpretação das cláusulas expressamente definidas na convenção.” Vale ressaltar que tal posicionamento é anterior à Revisão de 2003 aos comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE. Para Tôrres (2001a), a utilização das normas internas não estariam de acordo com os “critérios previstos no acordo”, mas, como será demonstrado no tópico referente aos comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, é sugerido a utilização de normas antielisivas internas pelos Estados Signatários. 111 que não são membros (como é o caso do Brasil). Logo, devido a sua importância, os comentários serão analisados em tópico posteriormente apresentado. Certo é que, para este momento, cabe destacar que entre as revisões realizadas em seus comentários, propositalmente para atualizar as colocações de seus membros, a OCDE, através da Revisão de 2003 deixou claro a falta de conflito entre normas antielisivas e normas de tratados internacionais tributários.144 A questão deve ser vista com cautela, tanto pelos comentários que foram alterados, como pelo fato de que as normas antielisivas, como visto no início, distinguem-se entre normas gerais antielisivas (que normalmente referem-se a simulação e a substância sobre a forma) e normas específicas antielisivas (que abrangem as normas de incidência tributárias internas).145146 144 Schwarz (2009), sobre a interação entre os tratados internacionais tributários e as regras antielisivas internas, relata que é preciso um exame mais detalhado da questão, mesmo após a Revisão de 2003 aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, em que foi previsto que tais regras não conflitariam com as regras dos tratados internacionais. Assim, referida conclusão somente poderia ser atingida analisando a norma interna e a norma internacional do tratado aplicadas ao caso concreto. Rohatgi (2007, p. 36-37), dispondo sobre o conflito entre normas antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários lembra que a partir da Revisão de 2003, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE em relação ao Artigo 1º passaram a dispor claramente que não seria o caso de conflito, e, muito menos de treaty override (descumprimento unilateral do tratado). Neste sentido, o abuso do tratado seria interpretado como um abuso da própria legislação doméstica, na medida em que é a norma interna que prevê a incidência tributária em última instância. Assim, uma interpretação correta do tratado internacional tributário acarretaria a desconsideração das medidas consideradas abusivas através da aplicação das normas antielisivas internas. A crítica feita por Rohatgi (2007, p. 37) é justamente no sentido de que tal posição poderia sim levar a uma situação de descumprimento do tratado internacional através de treaty override, uma vez que aplicado de maneira unilateral por apenas um dos Estados Signatários. Como exemplo cita que a Corte Suprema da Índia também entende desta maneira. Russo (2007, p. 207 e ss.) aduz que em face dos novos comentários advindos da Revisão de 2003, passou-se a entender que a aplicação das normas antielisivas internas não estariam afrontando os tratados internacionais que teriam como propósito o combate ao abuso e uso impróprio dos tratados. Dessa forma, o Estado Signatário poderia utilizar sua norma antielisiva o que o permitiria não aplicar a norma internacional do tratado internacional ao caso concreto. 145 No que tange ao conflito com norma específicas antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários, destaca-se as colocações feitas por Russo (2007) referentes às regras de empresas controladas no exterior (CFC Rules). Russo (2007, p. 218-219) esclarece que, apesar de aparentar existir um conflito com as regras dos Artigos 7, 10 e 21 da Convenção Modelo da OCDE, e, nos comentários tal assunto não estar suficientemente claro, a partir da revisão de 2003 ficou esclarecido que não haveria o conflito, mesmo sem a expressa previsão de aplicação no texto do tratado. Isto ocorreria tendo em vista que a norma do Artigo 7 estaria determinando a tributação da empresa controlada apenas no estado da sua residência, mas em contrapartida a regra CFC estaria tributando a controladora, e não a controlada, que é residente sua. Não obstante, várias foram as ressalvas feitas aos comentários. 146 Weeghel (2010) lembra que após as mudanças aos comentários da Convenção Modelo da OCDE realizadas em 2003, ficou expresso que as regras antielisivas internas (internas) não conflitariam com os tratados internacionais, contudo, critica a referida mudança ao destacar que não houve uma clarificação a respeito destas normas antielisivas internas, não havendo uma distinção se seriam aquelas específicas ou as gerais. Ademais, de maneira geral, os relatórios apresentados seriam, em sua grande maioria, claros no sentido de que as normas antielisivas internas e as normas dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda não 112 4.2 Interpretação dos tratados internacionais tributários Com visto no final do tópico anterior, é imperioso saber como os tratados internacionais tributários devem ser interpretados para dessa forma saber ser a aplicação de uma norma antielisiva irá contrariá-los ou não. Para tanto, o intérprete e aplicador deve ter em mente qual é o objetivo que se busca com a celebração daqueles tratados internacionais tributários, justamente para delimitar a responsabilidade de cada um dos Estados Soberanos no adimplemento das normas pactuadas.147 No caso dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda a interpretação é primeiramente feita com base nas disposições normativas do próprio tratado. Suas normas são, na realidade, determinantes de competência impositiva tributária dos Estados Soberanos. Após a interpretação do dispositivo da norma internacional, determinando a aplicação da norma de incidência tributária de um Estado Soberano em detrimento da norma do outro Estado Soberano, a situação concreta abrangida pelo tratado internacional tributário sofre imposição tributária. Desse modo, os critérios de conexão são definidos pelas entrariam em conflito, principalmente no que confere às normas de simulação e substância sobre a forma. Interessante é notar que Weeghel (2010) aponta que alguns Estados, como é o caso da Alemanha, deixam claro que as mudanças advindas dos novos comentários em 2003 não se aplicariam aos tratados internacionais tributários anteriormente celebrados, mas apenas aos que a partir de então fossem pactuados com outros Estados. Ainda com relação às normas antielisivas gerais, o relatório geral aponta as conclusões de Portugal e Luxemburgo no sentido de entenderam que existiria sim um conflito com as normas dos tratados internacionais tributários. Já no caso da Índia, o relatório deixaria claro que os tratados internacionais revogaria as normas antielisiva. Weeghel (2010) ao tratar do conflito da normas de tratados internacionais com normas específicas antielisivas internas diz ser necessário, pelas análise dos relatórios, fazer uma distinção entre aqueles países que permitem, pelo texto constitucional, a revogação de normas internacionais por normas internas, e, aqueles que não. Neste sentido, o relatório geral faz menção ao relatório brasileiro que contém menção a uma decisão judicial referente ao conflito de normas de CFC Rules com normas de tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda. Segundo o relatório geral teria ocorrido uma aplicação das regras dos Artigos 7º e 10, dos tratados internacionais tributários, em face da legislação interna (possivelmente em virtude do Artigo 98 do Código Tributário Nacional), sendo que posteriormente, uma nova decisão veio proferir resultado diverso. 147 Segundo Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.265), “a interpretação é a lógica a serviço do direito”, o que leva ao entendimento de que o intérprete deve buscar ater-se a máximas na elaboração de um raciocínio que sirva para orientá-lo em qualquer caso. Neste sentido, ao tratar de interpretação de normas de direito internacional torna-se um propósito do intérprete averiguar qual seria a intenção e vontade dos Estados Soberanos na elaboração de um tratado internacional, posto que tais Estados não iriam querer comprometer-se além do que imaginavam estar aceitando. A averiguação da vontade das partes, no caso da vontade dos Estados Soberanos, inspira-se na ideia de contrato, e acaba conferindo um valor de princípio inegável, segundo se aufere, inclusive, da posição adotada pelo Tribunal Internacional de Justiça. 113 normas dos tratados internacionais tributários, havendo uma divisão entre os Estados Soberanos signatários dos fatos a serem tributados.148 Assim, de acordo com o Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE, por exemplo, os lucros auferidos por uma empresa situada em um Estado será tributado apelas ali, a não ser que os lucros advindos do outro Estado sejam auferidos por intermédio de um estabelecimento permanente. A norma do Artigo 7º de um tratado internacional tributário que assim dispõe será interpretada conjuntamente com a norma do Artigo 4º que determina as regras de residência. De acordo com a interpretação do tratado internacional tributário ao fato, e, combinadas com as normas internas dos Estados Signatários, será determinado se a empresa pode ser considerada residente em um dos Estados Signatários. Lado outro, a norma antielisiva interna de um dos Estados Signatários poderá desconsiderar determinada situação, seja a própria existência da empresa residente, seja, ainda, a operação estruturada, constatando, por exemplo, uma artificialidade carente de propósito negocial (business purpose) ou substância (substance over form). Para que isto ocorra sem qualquer vulneração ao tratado internacional tributário é preciso que haja uma interpretação deste seguindo o que seria um consenso entre os Estados Soberanos, como uma forma de regra geral149. 4.2.1 O princípio da boa-fé 148 Tôrres (2001b, p. 640-643) esclarece que, ao dispor sobre a forma de interpretação dos tratados internacionais, existem momentos distintos. Um primeiro seria quando o intérprete busca o significado no texto do tratado internacional, para posteriormente serem utilizados o princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda analisando o contexto em que a norma está inserida, e, em seguida, caso necessário, é utilizado o reenvio ao direito interno. Tudo isto com o objetivo de formar-se uma norma concreta de direito interno aplicável a uma situação abrangida pelo tratado internacional. Assim, os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda servem para resolver um “conflito impositivo” entre as normas internas de sistemas tributários distintos dos Estados Signatários. As normas internas desses passam a ser interpretadas com base no tratado internacional que busca a “neutralização de divergências”, definindo os critérios de conexão, elementos de qualificação e localização, e repartindo a competência entre os Estados Signatários. 149 Neste diapasão, ainda seguindo a linha de raciocínio de Dinh, Daillier e Pellet (2003), ao realizarmos a interpretação de um tratado internacional torna-se imprescindível averiguarmos quais os elementos que representam melhor a vontade dos Estados Soberanos. Apontam, neste sentido, a “regra geral de interpretação” proposta pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) e que cinge-se a um artifício simplificador. 114 A regra geral mencionada no tópico anterior consiste na aplicação do princípio da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais, servindo como uma regra não somente na interpretação de tratados internacionais.150 O princípio da boa-fé tem suas origens no Civil Law, sendo que hoje em dia consiste em norma expressa de interpretação de tratados internacionais segundo o Parágrafo 1º do Artigo 1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). De acordo com a Corte Internacional de Justiça, o princípio da boa-fé seria indispensável na análise das obrigações legais.151 Assim, seria o princípio da boa-fé uma norma fundamental utilizada para não somente interpretar as regras e convenções pactuadas entre Estados Soberanos, mas, também para garantir a manutenção da justiça na comunidade internacional.152 150 Não obstante, a previsão no parágrafo 1º do Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) referente ao emprego da boa-fé corresponder ao referido artifício simplificador, Dinh, Daillier e Pellet (2003) confessam que trata-se de regra essencial utilizada nos diversos métodos de interpretação. Logo, “este princípio fundamental está na origem dos diversos meios e regras utilizados para interpretar os tratados e é em função desta exigência fundamental que deve efetuar-se a escolha entre os diferentes métodos”. 151 Engelen (2004, p. 122 e ss.), ao tratar do principio da boa-fé lembra que sua origem encontra-se no Civil Law, em Roma, através do termo bona fides, e, evoluiu até se estabilizar como um princípio de direito internacional legalmente previsto. Lembra, ainda, que a Corte Internacional de Justiça através do julgamento a respeito dos testes nucleares entre Austrália vs. França (ICJ Reports 1974, p.268) conceituou o princípio da boa-fé como um dos princípios básicos que governam a criação e performance de obrigações legais, aonde quer que elas surjam. “The principle of good Faith originates from bona fides in Roman and civil and has evolved into a ‘wellestablished principle of international law’. The principle has variously been characterised: ‘[…] as a principle “which ought to govern all international relations”, an “indispensable condition for maintenance of peace and the promotion of international co-operation”, one of the “cornerstones of the United Nations system” having “capital importance in regard to peaceful coexistence”, the “most longstanding principle of international law”, “one of the recognized elementary principles of contemporary international law” and “one of the basic foundations of the normal peaceful relations among States”, “one of the most essential and fundamental principles of friendly relations”, “the grandnorm upon which the whole structure of contemporary international law was built”, “the very foundation of international law” and the basis of all international legal order”.’ In the Nuclear Tests (Australia vs. France) case, the ICJ, likewise, declared that the principle of good faith is: ‘one of the basic principles governing the creation and performance of legal obligations, whatever their source […]. Trust and confidence are inherent in international co-operation, in particular in an age when this co-operation in many fields is becoming increasingly essential.’” (ENGELEN, 2004, p.122). 152 J. F. O’Conner, citado por Engelen (2004, p. 123) aduz que o princípio da boa-fé é um princípio fundamental do qual a regra do pacta sunt servanda e outras regras legais relacionadas com honestidade, justeza e razoabilidade são direcionadas. Ademais, a aplicação de tais regras é determinada, a qualquer momento, pelos fundamentos de honestidade, justiça e razoabilidade prevalentes na comunidade internacional naquele tempo. Engelen (2004) aduz que apesar da relação do princípio da boa-fé com a ordem e conceitos morais, sua atuação é como um princípio legal na elaboração de normas legais. Outro autor citado por Engelen (2004, p.124) que apresenta uma função do princípio da boa-fé é M.N. Shaw (SHAW.M.N. International Law, 4th edn., Cambridge University Press, Cambridge, 1997, p. 82), ao dispor que tal princípio teria a função de informar e delimitar a aplicação de normas do direito internacional, além de influenciar a maneira como tais regras devam ser legitimamente aplicadas e exercidas. “According to O’Connor, the principle of good faith: ‘[…] is a fundamental principle from which the rule pacta sunt servanda and other legal rules distinctively and directly related to honesty, fairness and reasonableness are 115 4.2.2 O princípio da boa-fé na CVDT A importância do princípio da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais é tamanha que é citado em mais de uma ocasião na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Nesse sentido, Engelen (2004, p. 124) ressalta que o princípio é mencionado ao longo de todo o corpo da convenção, iniciando-se no preâmbulo (onde é manifestado o seu reconhecimento universal), passando pelo Artigo 26 (onde é previsto que um tratado internacional deve ser aplicado em boa-fé), em seguida no Artigo 31, relativo à regra geral de interpretação (onde no seu parágrafo 1º determina a aplicação da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais), Artigo 46 (trata da relação da violação dos tratados internacionais com o princípio da boa-fé), e, finalmente, o Artigo 69 (onde é tratada as consequências de uma invalidação do tratado internacional).153 Disso se denota que o princípio da boa-fé como instrumento da interpretação dos tratados internacionais acaba demonstrando uma importância e ligação com o derived, and the application of these rules is determined at any particular time by the compelling standards of honesty, fairness and reasonableness prevailing in the international community at that time.’ Notwithstanding that the substance of the principle of good faith is directly related to the moral elements of honesty, fairness and reasonableness, it operates without a doubt as a legal principle, and, in the words of O’Conner, ‘provides a mechanism for the articulation of the specific group of concepts of the moral order in the form of legal rules’ that ‘may result eventually in the emergence of “’normal’ rules”.’ Rosenne, [S. Rosenne, Developments in the Law of Treaties, 19451986, Cambridge, 1989, p.135.] likewise, emphasises that the existence of the ‘normative content and its scope, in the sense that it constitutes a series of conduct-regulating rules non-observance of which may give rise to an instance of international responsibility, and observance of which may justify what is otherwise an internationally wrongful act, is not open to question today, even if its application may be imprecise and not easily objectified and even though the very expression of “good faith” may also point in the direction of metanormistic factors such as principles of abstract public morality. However, as the ICJ said in the Boarder and Transborder Armed Actions case, the principle of good faith ‘is not in itself a source of obligation where none would otherwise exist.” Shaw therefore submits that the principle of good faith ‘is a background principle informing and shaping the observance of existing rules of international law and in addition constraining the manner in which those rules may legitimately be exercised.’” (ENGELEN, 2004, p. 123-124). 153 “The five references in the Vienna Convention to the principle of good faith also underline the overriding importance of the principle in the law of treaties. Firstly, the third paragraph of the Preamble confirms that ‘the principles of free consent and of good faith and the pacta sunt servanda rule are universally recognized.’ Secondly, Article 26, on the pacta sunt servanda rule, provides that a treaty must be performed in good faith. Thirdly, Article 31, on the general rule of interpretation, provides in paragraph 1 that good faith also applies to the interpretation of a treaty. Fourthly, Article 46, on the invocation by a State of a manifest violation of its internal law regarding the competence to conclude treaties as invalidating its consent to be bound by a treaty, provides in paragraph 2 that a violation is manifest only if it would be objectively evident to any State conducting itself in accordance with normal practice and in good faith. Finally, Article 69, on the consequences of invalidity of a treaty, provides in sub-paragraph 2(b) that any act performed in good faith before the invalidity was invoked is not rendered unlawful by reason only of the invalidity of the treaty” (ENGELEN, 2004, p. 124-125). 116 direito internacional, como um todo, e, que se estende desde o momento da celebração das normas até a efetiva aplicação.154 Nesse mesmo sentido, I. Sinclair (1984)155 apud Engelen (2004, p. 131) aduz que o princípio da boa-fé, na interpretação dos tratados internacionais, como mencionado no Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), consiste em um padrão de comportamento que deve ser aplicado o tempo todo durante o processo de interpretação, além de ser utilizado também durante a aplicação das regras, servindo, destarte como um critério objetivo. Ademais, a boafé deve servir de padrão para a interpretação e aplicação das normas dos tratados internacionais não somente para as partes que o formularam, mas também para os terceiros que os interpretam. Assim, o princípio da boa-fé, notadamente na interpretação de tratados internacionais, acaba servindo para regular a execução das normas ali constantes, seguindo, ainda, a disposição do Artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) que ao esclarecer o que seria a aplicação da boa-fé prescreve que corresponde a “abster-se dos atos que privem um tratado do seu objeto ou do seu fim”.156 Já o Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) acaba criando uma ligação entre os princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda, 154 B. Cheng (CHENG, B., General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 106) apud Engelen (2004, p. 124) aduz que o direito internacional é baseado no princípio da boa-fé, possuindo uma ligação muito estreita com este, e, nos tratados internacionais deve ser aplicado do momento da sua formação até o momento da sua extinção. “Even though, as state above, the principle of good faith in internal law governs the creation and performance of all legal rights and obligations, whatever their source, it is of particular importance to the law of treaties. Indeed, as Cheng observed, this branch of international law ‘is closely bound with the principle of good faith; if indeed not based on in it; for this principle governs treaties from the time of their formation to the time of their extinction.’” (ENGELEN, 2004, p. 124). 155 SINCLAIR I.. The Vienna Convention on the Law of Treaties, 2nd edn., Manchester University Press, Manchester, 1984, p. 120. 156 Criticando a definição contida no Artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.223) a entendem como larga e vaga, posto que “não caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má-fé”. Alegam, ainda, que a boa-fé deve ser executada buscando excluir toda a tentativa de fraudar a lei, e, uma vez que encontra-se demasiadamente abstrata, deve ser clarificada na prática. “O princípio da boa fé eleva-se ao nível de uma instituição reguladora do conjunto das relações internacionais. Ganha particular relevo no direito dos tratados. De acordo com uma fórmula geral da Convenção de Viena (art. 18º), executar de boa fé significa: “abster-se dos actos que privem um tratado do seu objecto ou do seu fim.” Esta concepção é talvez demasiado larga, por conseguinte demasiado vaga, porque não caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má fé. A execução de boa fé deveria ser definida como a que exclui toda a tentativa de “fraudar à lei”, toda a astúcia, e exige positivamente fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos. Seja como for, uma definição é forçosamente abstracta; ela deve ser clarificada pela prática.” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 223). 117 dispondo surgir uma vinculação nos tratados internacionais que leva a sua execução de boa-fé.157 4.2.3 O princípio do pacta sunt servanda A ligação entre o princípio da boa-fé e o princípio do pacta sunt servanda é importantíssima para a interpretação dos tratados internacionais com dito anteriormente. Vale destacar que, mesmo havendo por parte de um dos Estados Soberanos signatários a prática de ilícitos decorrentes do inadimplemento das normas dos tratado internacional e da falta de boa-fé em sua execução, o pactuado ainda continuará válido.158 Pode-se ainda aduzir que o princípio do pacta sunt servanda é decorrente do próprio princípio da boa-fé, e, sua utilização na interpretação dos tratados internacionais condiz com a busca pelo sentido das normas e intenção e propósito buscado pelos Estados Soberanos. Assim, não se deve interpretar literalmente as normas de um tratado internacional, sob pena de acarretar uma interpretação que foge dos objetivos e propósitos buscados pelos Estados Soberanos.159 157 Segundo Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.222) o Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), ao prescrever que “todo o tratado em vigor vincula as partes e deve ser por elas executado de boa-fé”, cria uma ligação entre o princípio do pacta sunt servanda e o princípio da boa-fé, que acabam se complementando para a execução do artigo em comento. “Pacta sunt servanda – Segundo o artigo 26º da Convenção de Viena: “Todo o tratado em vigor vincula as partes e deve ser por elas executado de boa fé”. Ao propor esta redacção, a C.D.I. fez questão em sublinhar que enunciava o princípio fundamental do direito dos tratados. A execução de boa fé e o respeito da regra pacta sunt servanda estão assim intimamente ligados constituindo dois aspectos complementares de um mesmo princípio.” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 222). 158 No que tange à força do princípio da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais, Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.224) ressalta que a prática de ilícitos pelos Estados Signatários não acarreta o término do tratado, devendo este manter-se válido e regido pelo princípio do pacta sunt servanda. “Quaisquer que possam ser as incertezas provenientes da redacção do tratado, as partes não podem deixar de respeitar as suas disposições e a obrigação de execução de boa fé permanece (v. acórdão proferido no caso do Diferendo territorial entre a Líbia e o Chade de 3 de Fevereiro de 1994, Rec. p. 19-28). A força excepcional do princípio é atestada pela posição vigorosa do T.I.J. no caso do Projet Gabcikovo-Naymaros (sistema de barragens sobre o Danúbio) no qual foi de parecer que os “comportamentos ilícitos recíprocos das partes [no tratado que instituiu o projecto] não puseram fim ao tratado, nem justificam que lhe seja posto fim. O Tribunal estabeleceria um precedente com efeitos perturbadores para as relações convencionais e a integridade da regra pacta sunt servanda se concluísse que pode ser resolvido, por motivo de infracções recíprocas, um tratado em vigor entre Estados...” (acórdão de 25 de Setembro de 1997, Rec. p. 68, § 114).” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 224). 159 Sobre o princípio do pacta sunt servanda, Engelen (2004, p.125-126), consubstanciado em B. Cheng (CHENG, B. General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 113), defende que trata de uma manifestação do princípio da boa-fé. Neste sentido, os tratados internacionais não devem ser aplicados estritamente com espeque em uma interpretação literal de suas normas, mas, deve-se levar em conta o seu espírito de maneira justa, honesta e razoável. Além disso, faz referência mais uma 118 Nessa linha de raciocínio, os tratados internacionais tributários celebrados com base na Convenção Modelo da OCDE, possuem como objetivos assegurar as transações internacionais de maneira neutra do ponto de vista fiscal, evitando desse modo a dupla tributação da renda, assim como a dupla não tributação da renda, a elisão fiscal abusiva e agressiva, e, a evasão fiscal. 4.2.4 A observância dos tratados pelo direito interno A interpretação dos tratados internacionais passa necessariamente pela observância destes pelo direito interno. A posição Monista com primazia do direito internacional do ordenamento jurídico brasileiro, que o Poder Judiciário começa finalmente a confirmar, como visto anteriormente, acaba se consagrando, também, através do princípio do pacta sunt servanda previsto na Convenção de Viena sobre o vez a decisão da Corte Internacional de Justiça no caso dos Testes Nucleares entre a Austrália e a França, onde foi definido que o regra do pacta sunt servanda é baseada na boa-fé (ICJ Reports 1974, p.268). Importante ainda é a referência à S. Rosenne (ROSENNE, S. Developments in the Law of Treaties 1945-1986, Cambridge, 1989, p. 176) que, sobre o princípio da boa-fé sugere que a sua utilização na aplicação dos tratados internacionais acarretaria a possibilidade de liberdade de ação dos Estados Signatários na interpretação e aplicação das normas aos casos concretos, principalmente em situações imprevistas. “In the law of treaties, the most important manifestation of the principle of good faith is undoubtedly the rule of pacta sunt servanda. According to Cheng, the pacta sunt servanda rule, ‘now an indispensable rule of international law, is but an expression of the principle of good faith, the pledge faith of nations as well as that of individuals.’ In the Nuclear Tests (Australia vs. France) case referred to above, the ICJ did indeed recognise that ‘the very rule of pacta sunt servanda in the law of treaties is based on good faith.’ However, good faith also ‘forms an integral part of the rule pacta sunt servanda’. and Article 26 VCLT not only provides that every treaty in force is binding upon the parties to it, but also that it must be performed by them in good faith. Thus, it is not sufficient that a treaty is performed strictly according to its letter. The principle of good faith rather requires fair and reasonable manner. According to Cheng, the obligation to perform a treaty in good faith: ‘[…] means, essentially, that treaty obligations should be carried out according to the common and real intention of the parties at the time the treaty was concluded, that is to say, the spirit of the treaty and not its mere literal meaning, This is one of the most important aspects of the principle of good faith and is in accordance with the notion that a treaty is an accord of will between contracting parties. […] Performance of a treaty obligation in good faith means carrying out the substance of this mutual understanding honestly and loyally.’ Similarly, the Commentary on Article 23 of the 1966 Draft Convention explains that ‘the obligation must not be evaded by merely literal application of the clauses.’ In this respect, it should also be noted that in Article 55 of his original draft on the subject, included in his Third Report on the Law of Treaties, Sir Humphrey Waldock had made an attempt to concretise the obligation to apply a treaty in good faith formulated in paragraph 1 in abstract terms, and paragraph 2 accordingly provided that ‘Good faith, inter alia, requires that a party to a treaty shall refrain from any acts calculated to prevent the due execution of the treaty or otherwise to frustrate its objects.’ The ILC, however, ‘considered that this was already implicit in the obligation to perform the treaty in good faith and preferred to state the pacta sunt servanda rule in as simple a form as possible.’ Finally, Rosenne suggests that, in the context of good faith observance of treaty obligations, the ‘primary function’ of the principle of good faith is ‘to allow the decision-making authority a fair degree of freedom of action in interpreting and applying the treaty-obligation in a concrete case’, in particular ‘when the circumstances and situations are unforessen, and perhaps even unforeseeable.’ (ENGELEN, 2004, p. 125-126). 119 Direito dos Tratados (CVDT), ratificada em 2009, mas, cujos valores ali previstos já seriam adotados. Nesse sentido, além do Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) que expressa o princípio do pacta sunt servanda, deve ser dada atenção ao Artigo 27, também da CVDT, onde é destacado o “Direito Interno e Observância de Tratados”, dispondo que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justifica o inadimplemento de um tratado”.160161 160 Para Schoueri (1995), em vista de tais disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), as normas internas que afastam os benefícios tributários concedidos por normas de tratados internacionais tributários não poderiam ser aceitas. Becker e Wüm (BECKER, Helmut e WURM, Felix J.. Double-Taxation Conventions and the conflict between international agreements and subsequent domestic laws, in INTERTAX, 1988. p.261) apud Schoueri (1995, p.87) confirmam a posição, ao concluírem que a norma interna que seja contrária ao do tratado internacional não deve a este prevalecer: “No direito internacional público, a doção de medidas de direito interno que contrariem obrigações assumidas em tratados internacionais é matéria disciplinada pelo art. 26 da Convenção de Viena, que consagrou o princípio pacta sunt servanda, e pelo art. 27, que não permite à parte invocar normas legais internas, como justificativa para haver deixado de cumprir obrigação decorrente de tratado internacional. Com base nestes dispositivos legais, concluem Becker e Würm (1988a/261), que, do ponto de vista do direito internacional público, não pode subsistir qualquer norma que seja inconsistente com o texto de um tratado internacional. Do mesmo modo, nos países que ratificaram a Convenção de Viena, há de se concluir, de imediato, não ter qualquer valia, perante os tratados internacionais, as normas internas que lhes sejam opostas. Isto vale, também, para o Brasil, já se podendo afirmar, com base nesta Convenção, que nenhum efeito teria uma lei que impusesse limites aos benefícios decorrentes de acordos de bitributação, além daquelas constantes nos próprios acordos. A verdade, no entanto, é que a questão não vem sendo resolvida de modo uniforme, encontrandose, em países signatários da Convenção de Viena, normas limitativas de acordos de bitributação, que vêm sendo aplicadas pelas Cortes internas, na contenção de Treaty Shopping.”. Apesar de levantar tal entendimento, Schoueri (1995) deixa claro que esta não é uma posição uníssona, havendo Estados que apesar de serem signatários da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados aplicam em seu ordenamento interno normas limitativas dos tratados internacionais. Schoueri (1995, p. 93), ao concluir sobre a existência de conflito, faz menção à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), para aduzir que a norma de direito interno, uma vez contrária à norma do direito internacional, não teria prevalência sobre esta, em face do Artigo 27 da CVDT, e, dos princípios de direito internacional público. Contudo, cabe mencionar a referência feita a Partsch (PARTSCH, Karl J., International Law and Municipal Law (verbete), in R. Bernhardt (org.), Encyclopaedia of Public International Law, v. 10, Amsterdam, Elsevier Science Publishers B.V., 1987) que, extrapolando o texto do Artigo 27 da CVDT, defende que, na ordem interna, a norma de direito interno teria validade, mesmo que contrária à norma de direito internacional. Schoueri (1995, p.93), não concorda que o Artigo 27 da CVDT suporta tal raciocínio: “De todo modo, entendemos que a permanência de uma norma interna contrária ao direito internacional não se deve admitir, com base nos princípios de direito internacional público. Especialmente no caso de tratados internacionais, tal impossibilidade decorro do já mencionado art. 27 da Convenção de Viena. [...] “Vale ressaltar que o referido dispositivo da Convenção sobre tratados internacionais é utilizada por Partsch (1987/244) para sustentar a afirmação de que nele estaria reconhecida a possibilidade de uma norma de direito interno contrária ao direito internacional possa não ser imediatamente nula, valendo na esfera doméstica. Segundo este autor, se é necessário estabelecer-se que o dispositivo da ordem interna não pode ser invocado perante a ordem internacional, é porque, pelo menos em outra esfera, tal dispositivo é tido por válido. Em nosso entender, o art. 27 da Convenção não autoriza esse raciocínio. É estabelecida a prevalência do direito internacional sobre as normas internas. Nada mais.”. 120 A exceção da previsão do Artigo 27 da CVDT é o Artigo 46, também da CVDT, onde está prevista as “Disposições do Direito Interno sobre Competências para Concluir Tratados”, dispondo que é possível a invocação de norma interna para o descumprimento de um tratado internacional quando houver a inobservância de uma norma fundamental, que no caso do Brasil seria a própria Constituição Federal de 1988. 162 Como asseverado anteriormente, o caráter hierárquico dos tratados internacionais em face do ordenamento jurídico brasileiro seria um caráter 161 Sobre o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), Xavier (2002, p.103-104) também faz considerações aduzindo causar uma certa estranheza a discussão da superioridade hierárquica em face da regra insculpida no dispositivo em comento. Isto porque, uma vez que os Estados Soberanos signatários de um tratado internacional devam observar o princípio do pacta sunt servanda, e, em face de tal norma não descumprir o pactuado com a escusa de norma interna contrária, o afastamento de uma norma internacional prevista em tratado somente decorreria da ocorrência de uma situação prevista no Direito Internacional Público para tanto, como seria o caso de uma denúncia ou mesmo negociação entre as partes para tanto. Nesse sentido, Xavier (2002, p. 103-104) aduz que: “Pode causar estranheza a própria discussão do problema da superioridade hierárquica das fontes internacionais de produção do direito, tendo em vista o princípio do direito consuetudinário pacta sunt servanda, que tem como corolário a regra consagrada no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, segundo a qual nenhum Estado pode invocar as suas normas internas para se eximir ao cumprimento das suas obrigações internacionais. Princípio esse que, aliás, corresponde a uma regra de senso comum, pois de pouco ou nada valeria a celebração de um tratado se as suas disposições pudessem ser legitimamente modificadas ou revogadas por ação direita e unilateral de um dos Estados contratantes, sem obediência aos mecanismos próprios de denúncia ou renegociação previstos no Direito Internacional Público.”. 162 Mazzuoli (2007, p. 204-205), sobre os Artigos 27 e 46, ambos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) afirma o seguinte: “Nessa esteira é que o art. 27 da Convenção dispõe que “uma parte não pode invocar as disposições de seu Direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”, complementando que “esta regra não prejudica o artigo 46”. É dizer, no que tange ao Direito Internacional Público positivo, a obrigação de cumprir os tratados de boa-fé vige apesar de qualquer disposição a contrario sensu do Direito interno, qualquer que seja ela, direito constitucional ou infraconstitucional. Isto se depreende da própria história do art. 27 da Convenção, cuja redação, proposta na Conferência das Nações Unidas sobre o Direito dos Tratados, teve a “intenção declarada de impedir que os Estados invocassem a respectiva Constituição, a fim de se subtraírem ao cumprimento dos tratados por eles livremente concluídos”. O art. 27 da Convenção ressalva, entretanto, a disposição do art. 46, segundo a qual “um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu Direito Interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu Direito interno de importância fundamental” (§1º). Norma de Direito interno de importância fundamental é a Constituição do Estado, onde se encontram as regras jurídicas sobre a competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados. A única disposição do Direito interno brasileiro, de importância fundamental, sobre competência para concluir tratados, é aquela que diz competir exclusivamente ao Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, inc. I). Portanto, a única e exclusiva hipótese em que o Estado brasileiro pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição constitucional sua sobre competência para concluir tratados, visando, com isto, nulificar os efeitos desse acordo internacional em relação ao Brasil, é aquela ligada ao fato de o tratado ter sido ratificado sem o abono do Congresso nacional (caso de inconstitucionalidade extrínseca ou ratificação imperfeita). Salvo este caso especialíssimo, a regra do art. 27 da Convenção de Viena continua a valer em sua inteireza, não podendo uma parte em um tratado internacional invocar as disposições de seu Direito interno (qualquer delas, inclusive as normas da Constituição) para justificar o inadimplemento desse tratado.”. 121 supralegal, conferindo, contudo, uma inferioridade hierárquica em face do texto constitucional. Exceção àqueles tratados internacionais sobre direitos humanos que podem ser celebrados com observância dos procedimentos para emenda constitucional, segundo as disposição da Constituição Federal de 1988 incluídas pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. 4.2.5 O abuso das normas Logicamente, a interpretação dos tratados internacionais, seguindo tanto o princípio da boa-fé como o princípio do pacta sunt servanda, anteriormente analisados, não pode permitir uma aplicação das normas internacionais que reflita um abuso.163 Assim, as normas de um tratado internacional devem ser interpretadas em consonância com as regras de Direito Internacional Público, notadamente no que se refere a uma constatação de abuso na aplicação dessas normas internacionais. Especificamente com relação ao tema ora estudado, a norma de um tratado internacional tributário que preveja a competência de determinado Estado Soberano para a imposição de suas normas internas de incidência tributária deve ser primeiramente interpretada sob um enfoque do Direito Internacional Público para 163 Engelen (2004, p. 126-127) aponta que o princípio da boa-fé também aplica-se ao exercício dos direitos, e, consequentemente abrange a doutrina do abuso de direito, que inclusive é reconhecido pela Corte Internacional de Justiça como decorrente de sua aplicação. Dessa forma, os direitos garantidos através de um tratado internacional não podem ser exercidos de maneira arbitrária ou maliciosa. “The obligation to perform a treaty in good faith also means that the rights conferred upon the parties by the treaty, as well as the discretionary powers inherent in such rights, must be exercised by them in good faith, that is to say, honesty, fairly and reasonably. It should be noted that the principle of good faith also governs the exercise of legal rights, and that the doctrine of abuse of rights, which is recognised by the ICJ, is but an application of the same principle” (ENGELEN (2004, p. 126-127). B Cheng (General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 124) apud Engelen (2004, p. 128) também discorre sobre o assunto, aduzindo o seguinte: “Good faith in the exercise of rigths […] means that a State’s rights must be exercised in a manner compatible with its various obligations arising either from treaties or from the general law. It follows from this interdependence of rights and obligations that rights must be reasonably exercised. The reasonable and bona fide exercise of a right implies an exercise which is genuinely in pursuit of those interests which the right is destined to protect and which is not calculated to cause any unfair prejudice to the legitimate interest of another State, whether these interests be secured by treaty or by general international law. The exact line dividing the rights of both parties is traced to a point where is a reasonable balance between the conflicting interests involved. This becomes the limit between the right and the obligation, and constitutes, in effect, the limit between the respective rights of the parties. The protection of the law extends as far as this limit, which is the more often undefined save the principle of good faith. Any violation of this limit constitutes an abuse of right and a breach of obligation, by recognising their interdependence, harmonises the rights and obligations of every person, as well as all the rights and obligations within the legal order as a whole.”. 122 que se constate estar ocorrendo ou não um abuso na aplicação dessa norma. Como já visto, esse abuso pode corresponder a um abuso da própria norma (rule shopping), do próprio tratado internacional tributário (treaty shopping), ou, aos casos triangulares, onde existe a interposição de um terceiro beneficiário. Após essa constatação de abuso das próprias normas dos tratados internacionais tributários, baseada no princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda, que necessariamente irão buscar aquela aplicação do tratado e de suas normas que reflitam os objetivos e propósitos de sua celebração, é que cada Estado Soberano signatário irá avaliar a aplicação de normas internas. Essas serão tanto aquelas que determinam a imposição dos tributos cuja competência ao fato concreto foram estabelecidas pela norma do tratado internacional tributário, como as normas internas que irão auferir se dentro do contexto do ordenamento jurídico está havendo uma elisão abusiva ou mesmo uma evasão fiscal, através de planejamentos tributários agressivos e artificiosos.164 Nesse sentido, ressalta-se que os limites das normas internas antielisivas, assim como as medidas adotadas pelas Autoridades Tributárias para o combate ao abuso dos planejamentos tributários não são objeto de análise do presente estudo, 164 Schoueri (1995, p. 37) entende que as normas internacionais devem ser “aplicadas segundo as regras válidas no direito internacional público”, fazendo ressalva quanto ao limite que seria a própria Constituição: “No que se refere à interpretação, incluímo-nos entre aqueles que julgam que os acordos de bitributação devem ser aplicados segundo as regras válidas no direito internacional público. O único limite ao emprego de tais normas é o imposto pelo respeito à Constituição, cujas normas devem ser interpretadas pelo aplicador da lei, ainda que este se valha do direito internacional”. Davies (DAVIES, David R.. Principles of International Double Taxation Relief, Londres, Sweet & Maxwell, 1985.) apud Schoueri (1995, p.39) defende este entendimento com relação a um caráter subsidiário das normas internas com relação à interpretação das normas internacionais: “Em consequência, as normas de direito interno, referentes à interpretação de regras tributárias têm, no máximo, um caráter subsidiário em relação às regras de Direito Internacional (Davies, 1985/52)”. Assim, para Schoueri (1995, p.39) as normas dos tratados internacionais tributários devem ser interpretados de acordo com o direito internacional público, em um primeiro passo, para depois serem utilizadas as normas de direito interno, principalmente no que se refere ao abuso das normas dos tratados internacionais: Deve, portanto, o intérprete buscar primeiramente a solução no direito internacional público, sendo subsidiárias as normas de direito interno, no que se refere ao abuso de normas de acordos de bitributação. [...] Nossa posição não nos desobriga, entretanto, do exame da solução da questão do Treaty Shopping, a partir das regras de abuso de direito, nos ordenamentos internos. Este exame nos parece necessário, primeiramente, porque, como mostrado, parte da doutrina entende que as regras de direito interno têm importância (ainda que secundária) na interpretação dos tratados internacionais. Além disso, verificamos que, de fato, há, no direito comparado, casos de aplicação de normas internas sobre o abuso de direito, para a contenção do Treaty Shopping. Finalmente, porque entendemos que um estudo que verse sobre o planejamento fiscal internacional não pode fugir à responsabilidade de examinar como o direito brasileiro trata a questão da elusão/evasão fiscal e os limites do nosso direito, no que se refere ao tema.”. Como a obra de Schoueri (1995) trata especificamente do treaty shopping, ele deixa claro que é fundamental para analisar o abuso no planejamento tributário internacional, através desta prática, a aplicação, mesmo que subsidiária, de normas internas. 123 no tocante aos seus limites legais e constitucionais dentro do ordenamento jurídico interno, importando somente a possibilidade de aplicá-los em face de situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Assim, uma vez que os tratados internacionais tributários devam ser interpretados como normas de Direito Internacional Público, e, não como normas internas, posto não serem transformados em tais165, fato é que a limitação discutida em âmbito interno no tocante a legalidade das medidas antielisivas e confronto no que diz respeito a um posicionamento formalista ou valorativo, não são aplicáveis na análise em questão.166 165 Por fim, Schoueri (1995) analisando a adoção da teoria da “transformação” dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, o que acarretaria a interpretação com base na legislação interna, conclui que resta impossibilitado a aplicação da teoria do abuso de formas ao planejamento tributário internacional por intermédio do Treaty Shopping. Aduz ainda que no ordenamento jurídico brasileiro os vícios dos atos jurídicos são tratados, no direito tributário, somente através da simulação e da fraude. 166 Tendo em vista que o Dualismo já foi considerado como adotado no ordenamento jurídico brasileiro, e, portanto as normas dos tratados internacionais eram transformadas em normas internas, o abuso dos tratados tinha que ser visto sob um enfoque do direito interno. Assim, tratando da teoria do abuso das formas em especial no caso de Treaty Shopping, Schoueri (1995, p.73) ressalta que, no caso não corresponderia a uma analogia, mas sim uma redução teleológica. Isto porque na analogia normalmente há uma ampliação da norma atingindo fatos que antes estariam de fora do seu alcance. Já na redução teleológica, Schoueri (1995, p.73) explica através de Kramer (1991) que “diz-se que a aplicação literal da norma ultrapassaria a intenção do legislador, e, por isso, não ocorre”. Já citando Larenz (LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 4ª ed., ampliada, 1979, Berlin, Heidelberg, New York, Springer-Verlag, 1960), Schoueri (1995, p.73) aduz que “enquanto a analogia ultrapassa o sentido possível dos termos, a redução teleológica o restringe”. Não obstante tais ponderações, Schoueri entende que tanto na analogia quanto na redução teleológica haveria uma “ampliação da compreensão do texto, fora dos limites que suas palavras impõe. Neste diapasão, Schoueri (1995) acentua que a redução teleológica também estaria afastada no ordenamento jurídico brasileiro com base na norma do Artigo 108, §1º do Código Tributário Nacional (CTN)(“ “Art. 108. § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”). Cabe ressaltar que para Schoueri (1995, p.79) a questão da utilização do abuso das formas não ser aceita no direito tributário brasileiro, em razão das suas normas internas, seria relevante somente se os tratados internacionais fossem incorporados no ordenamento interno através da teoria da “transformação”. Não obstante tal fato, Schoueri (1995), conforme já aduzido, é adepto da teoria da “adoção”, sendo esta a que melhor se adequa ao ordenamento jurídico brasileiro, e, portanto, os tratados internacionais, entre eles os que versam sobre matéria tributária, devem ser interpretados em consonância com as normas de Direito Internacional Público. Ao tratar da simulação, Schoueri (1995, p.85) cita Tipke e Lang (TIPKE, Klaus e LANG, Joachim. Steuerrecht: ein systematischer Grundriß, 12ª ed., rev. e atualizada, Köln, Berlag Otto Schmidt KG, 1989.) explicando que “no negócio simulado, as partes não desejam os efeitos do negócio, encobrindo um outro, cujos efeitos são almejados”. Assim, já passando para a esfera tributária, citando Meili (MEILI, Markus. Die Steuerumgehung im schweizeirischen Recht der direkten Steuern – unter Einbezug der missbräuchlichen Inanspruchnahme von Doppelbesteuerungsabkommen des Bundes. Winterhur, Verlag Hans Schellenberg, 1976), aduz que o negócio simulado teria validade apenas externamente para encobrir o outro negócio da fiscalização das autoridades tributárias. Em comparação com a teoria do abuso das formas, Schoueri (1995, p. 85) cita Dória (DÓRIA, Antônio R.S.. Elisão e Evasão Fiscal, São Paulo, Ed. LAEL, 1971) para ressaltar que “a teoria do abuso das formas configuraria a simulação, em sua incidência fiscal, sendo desnecessário adotar tal 124 Certo é que as referidas normas antielisivas internas (aí também se incluindo as medidas antielisivas como a aplicação dos Artigos 142 combinado com o Artigo 149 do Código Tributário Nacional) estarão em consonância com a interpretação dos tratados internacionais tributários na medida em que buscarem os mesmos objetivos destes, ressaltados ao longo do presente estudo em várias passagens, mas que cabe mais uma vez o destaque, devido a sua importância: evitar a dupla tributação e a dupla não tributação da renda; evitar a elisão abusiva e a evasão fiscal; e, buscar com isso a neutralidade tributárias nas transações internacionais. 4.2.6 Os tratados-contratos versus os tratados-normas Cabe mencionar novamente que a interpretação dos tratados internacionais já sofreu distinção no tocante a classificação em tratados-normas e tratados contratos.167 A doutrina brasileira já superou tal distinção, bem como a jurisprudência que destaca a falta de relevância principalmente para os tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), neste diapasão, já consagrou entendimento que a antiga posição de paridade hierárquica com a legislação ordinária seria apenas para os “tratados-contratos”, enquanto que os “tratados-lei” teriam caráter supralegal. 4.3 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados teoria (abuso de formas), “perigosa e imperfeita”, já que a simulação já é reprimida pelo direito brasileiro”. 167 Schwarz (2009, p. 57) acentua a importância da interpretação dos tratados internacionais, inicialmente faz referência a uma antiga classificação que já teve destaque na jurisprudência brasileira (conforme mencionado alhures): se os tratados internacionais possuem natureza contratual (e portanto devem ser interpretados pelas normas internas), ou se possuem natureza de atos legislativos (devendo, destarte, serem interpretados como normas de direito internacional). “The interpretation of tax treaties is a subject that has received considerable attention over the years. The starting point of most of the analysis has been whether treaties are essentially contractual in nature or a form of legislative enactment. Therefore, should they be subject to the ordinary rules of statutory interpretation of international agreements? Are they to be construed in the same way as any other fiscal legislation or are there specific rules? The difficulty is coming to any conclusion is that treaties are, in effect, both. They are agreements between sovereign states, but under UK constitutional rules, in order to give effect to them under domestic law, they also acquire the status of legislative instruments. This duality of status has led some to conclude that treaties must be interpreted at both levels and that different rules might apply at each level. Tax treaties are interpreted by domestic courts and not supranational tribunals (with the exception of the ECJ which has thus far refrained from interpretation).” (SCHAWRZ, 2009, p. 57). 125 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), concluída no dia 23 de maio de 1969, foi promulgada no Brasil no dia 14 de dezembro de 2009, através do Decreto 7.030, e, com reservas aos Artigos 25 e 66. Para o presente estudo, a Seção 3, que trata da “Interpretação de Tratados”, é indiscutivelmente a mais relevante, motivo pelo qual, desde já transcreve-se os Artigos 31 a 33: Artigo 31 Regra Geral de Interpretação 1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. 2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos: a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado; b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado. 3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes. 4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes. Artigo 32 Meios Suplementares de Interpretação Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do Artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o Artigo 31: a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado. Artigo 33 Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas 1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado disponha ou as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um texto determinado. 2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi autenticado só será considerada texto autêntico se o tratado o previr ou as partes nisso concordarem. 3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos. 4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma diferença de sentido que a aplicação dos Artigos 31 e 32 não elimina, 126 adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor conciliar os textos. Apesar do Artigo 33 fazer parte da seção, e, ter sido transcrito acima, não tem relevância com o problema ora tratado nesse estudo. 4.3.1 A interpretação com boa-fé O Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) prevê a interpretação com boa-fé. Tendo em vista a natureza do princípio da boa-fé, ressalta-se que a sua aplicação na interpretação dos tratados internacionais independe de o Estado Soberano ter ou não ratificado a CVDT. Vale lembrar que, segundo Godoi (2003)168, a previsão normativa do princípio da boa-fé nada mais é do que simples afirmação de norma costumeira existente no ordenamento internacional. Neste diapasão, a aplicação do princípio da boa-fé deve ser levada em conta diante de uma interpretação a ser dada a uma norma presente em um tratado internacional para se evitar a dupla tributação da renda, ratificado pelo Brasil, mesmo em momento anterior a 2009, quando a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro. Antes disso, Santiago (2006) também afirmava que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) deveria ser observada no Brasil, mesmo que, naquela época, ele não a tinha ratificado. Ademais, é possível vislumbrar três princípios, de acordo com Russo (2007, p.17)169, no Artigo 31(1) da CVDT: (i) os tratados devem ser interpretados em boa-fé; (ii) presume-se a intenção dos Estados Signatários através do sentido comum dos termos empregados; (iii), tais termos devem ser determinados de acordo com o 168 Cabe ressaltar, a observação feita por Godoi (2003) levava em conta que naquele momento o Brasil ainda não tinha ratificado a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), sendo que a sua promulgação ocorreu apenas em 2009, através do Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Não obstante, o teor da observação continua, logicamente, válido. 169 “The interpretation of international treaties is governed by public international law and, specifically, by the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT) of 23 May 1969. Since it codifies international customary law, the VCLT is used in interpreting treaties also in respect of states that have not ratified it (see Sec. 5 of the Official Explanation on Arts. 31-33). Arts. 31 to 33 of the VCLT deal specifically with the interpretation of international treaties. Art. 31(1) of the VCLT contains the following three principles: (i) a treaty shall be interpreted in good faith; (ii) the parties are to be presumed to have the intention that appears from the ordinary meaning of the terms used by them (so-called “textual approach”); and (iii) the ordinary meaning of a term has to be determined in the context of the treaty and in the light of its object and purpose.” (RUSSO, 2007, p. 17). 127 contexto dos tratados a partir de uma interpretação pautada em alcançar os seus objetivos e o seu propósito. Também com relação ao Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), Lang e Brugger (2008, p. 99-100)170 aduzem que referida norma determina que os tratados internacionais sejam interpretados em boa-fé e de acordo com o sentido comum dado aos termos dentro do contexto do tratado e objetivando alcançar o seu objeto e propósito. Assim, o texto do tratado seria considerado como o ponto de início da interpretação. É feita, contudo, a advertência no sentido de que a busca pelo sentido comum dos termos dentro do contexto do tratado não necessariamente condiz com a sua interpretação literal, devendo a interpretação decorrer de uma análise do tratado como um todo. Neste diapasão, os tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda celebrados com a redação similar ao da Convenção Modelo da OCDE terá nesta e nos seus comentários fonte relevante de interpretação de suas normas, de acordo com a regra geral de interpretação estabelecida no Artigo 31 da CVDT. 4.3.2 O objeto e propósito dos tratados internacionais tributários Conforme já destacado anteriormente, o princípio da boa-fé se reveste como uma regra geral de interpretação prevista no Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Tal dispositivo deixa claro a importância a ser dada ao objeto e propósito dos tratados internacionais. 170 “If it can be established, by reference to the text of the treaty, that a double taxation convention is, in principle, based on the OECD Model, an interpretation in good faith requires that the OECD Model Convention and the OECD Commentary are consulted in the interpretation process. The principle of good faith “requires, that one party should be able to place confidence in the words of the other, as a reasonable man might be taken to have understood them in the circumstances”. If the contracting states chose to follow the wording of the OECD Model in drafting a certain provision, it is only reasonable to assume that they intended such a provision to have the meaning it has in the OECD Model, as outlined in the version of the OECD Commentary that existed at the time when the treaty was negotiated. The general rule of interpretation in Article 31 (1) VCLT thus establishes the relevance of the OECD Model Convention and the OECD Commentary in the interpretation process. This does not imply, however, that the OECD Model Convention and the OECD Commentary carry similar weight as the text of the treaty itself. It has to be taken into account that the OECD Model Convention and the OECD Commentary do not form part of the treaty. They may nevertheless serve as valuable evidence of the intentions of the negotiators to be considered in the interpretation. However, depending on the circumstances at hand, other arguments may carry more weight. The rules on interpretation contained in the Vienna Convention are not designed to establish a rigid hierarchy between the various interpretative elements. Consequently, each individual case calls for careful consideration of all relevant aspects.” (LANG e BRUGGER, 2008, p. 99-100). 128 No caso dos tratados internacionais tributários, já foi destacado o seu objetivo de garantir uma neutralidade tributária nas operações e transações internacionais envolvendo os Estados Soberanos signatários através de algum elemento de conexão. Tal objetivo seria buscado através de normas de imposição de competência tributária impossibilitando, destarte, a dupla tributação da renda. Contudo, como objetivo também estaria a elisão abusiva e a evasão fiscal, o que evitaria a prática de planejamentos tributários abusivos e agressivos, bem como a dupla não tributação da renda.171 A interpretação mesmo buscando alcançar os objetivos deve ter como ponto de partida o significado geral dos termos deve ser apenas o ponto de partida na busca da essência das normas e da busca pela real intenção dos Estados Soberanos signatários. Nesse sentido, Schwarz (2009, p. 70) analisando o Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) faz remissão à obra de McNair, The Law of Treaties.172 Lado outro, cabe destacar que o texto do tratado internacional tributário faz parte do seu contexto, e, a interpretação a ser dada, por mais que se deva buscar os objetivos dos tratados, não pode corresponder a uma extrapolação do que pode ser entendido do seu texto.173 171 Sobre a forma de interpretação Santiago (2006, p. 84) aduz que o intérprete tem o dever de aplicar aquela que busca atingir o objetivo do tratado evitando a dupla tributação e a dupla não-tributação: “No caso das convenções tributárias, o intérprete se aterá aos limites de suas atribuições, não descambando para a criação do direito, se tiver em mente que a finalidade daqueles é evitar a dupla tributação e a dupla não-tributação nas hipóteses e para as pessoas nelas contempladas (e não em todas as situações tributáveis em que tenham interesse comum os Estados-contratantes). Dentro desses rígidos limites, tem não somente a faculdade, mas também o dever, de dar preferência, entre as várias leituras possíveis, àquela que melhor realize os objetivos do tratado (tais como nele inscritos, e não como presumivelmente concebidos pelos seus negociadores).”. 172 “Full recognition of the object and purpose interpretation, and of Article 31(1), is found in IRC v Commerzbank. In that case, the court also referred to the customary international rule as expressed by McNair in The Law of Treaties, where it was stated that the task of construing or interpreting a treaty is ‘the duty of giving effect to the expressed intention of the parties’. In this respect, McNair said that the plain terms of a treaty or construing words according to their general and ordinary meaning or their natural signification are to be a starting point or a prima facie guide and ‘cannot be allowed to obstruct the essential quest in the application of treaties, namely the search for the real intention of the contracting parties using the language employed by them’.” (SCHWARZ, 2009, p. 70). 173 Nesse sentido, Engelen (2004, p. 427) afirma que: “The text of a tax treaty is the primary object of interpretation. It is a well-established principle that the starting point of any interpretation is the elucidation of the meaning of the text, not an investigation into the intention of the parties. In other words, the relevant question is not so much what a treaty was intended to say, but rather what it actually says. Therefore, an interpretation going beyond what is expressed or necessarily implied in the actual terms of a tax treaty in order to give effect to the presumed intention of the parties would be in flagrant contradiction of the textual approach underlying the provisions of Articles 31 and 32 VCLT”. 129 4.3.3 O contexto dos tratados internacionais Adentrando no que vem a ser o contexto dos tratados internacionais tributários, para fins de interpretação é de vital importância determinar qual é o papel da Convenção Modelo da OCDE, e, dos Comentários oficiais.174 Ainda com base na “Regra Geral de Interpretação” correspondente ao Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), o contexto é destacado nos Parágrafos 2 e 3. Assim, os tratados internacionais tributários, ao serem interpretados, deverão buscar os objetivos dentro do seu contexto, que compreenderá, “qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado”, e “qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado”. Ademais, acordos posteriores firmados pelas partes do tratado, ou mesmo práticas que evidenciam a interpretação dos tratados podem ser consideradas vinculantes no sentido de tornarem-se relevantes. Como bem ressaltado por Li e Sandler (1997, p.903)175 , a utilização tanto da Convenção Modelo da OCDE, quanto dos seus comentários é controvertida, haja 174 Tôrres (2001b, p. 653-655) trata da importância dos comentários das Convenções Modelo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da ONU (Organização das Nações Unidas) em relação aos preceitos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), aduzindo que tais comentários fariam parte do contexto do qual a convecção menciona, e, devem ser utilizados nas interpretações dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. “Para a interpretação das Convenções de Direito Internacional Tributário, exclusivamente, existem dois recursos próprios e muito oportunos para figurar como contexto. Trata-se dos Comentários aos Modelos de convenções, redigidos pelos respectivos organismos internacionais responsáveis, ONU e OCDE, e dos acordos consultivos interpretativos alcançados mediante procedimento amigável, já mencionado. [...] A importância dos Comentários para a interpretação convencional baseia-se no princípio da concordância das decisões, como forma de garantia de interpretação concordante entre os Estados contratantes, principalmente para os países que fazem parte da OCDE ou ONU, que aprovaram por unanimidade os respectivos Modelos e seus Comentários. Evidentemente, não existe uma vinculação para as autoridades que realizam a atividade interpretativa, mas devem ser valorados à altura, principalmente na ausência de critérios mais seguros é que as autoridades muitas vezes se baseiam “cegamente” em seus critérios, frutos que são de profundas e exclusivas meditações, experimentadas e aprovadas pela prática internacional. As suas explicitações cobrem todos os campos de dúvidas possíveis, dando receitas e sugestões para solução de quaisquer problemas, seja de que natureza for. Até porque são os Comentários que, em várias oportunidades, oferecem uma redação alternativa aos artigos, em função das peculiaridades de relações mantidas entre os Estados contratantes e dos concretos interesses surgidos no seio de uma negociação bilateral.” (TÔRRES, 2001b, p. 653-654). 175 “The utility of the OECD model and commentary in the interpretation of a particular tax treaty is controversial. The suggestion that it forms part of the context of a particular tax treaty under article 130 vista que apesar de sugestões no sentido de que tais documentos integrariam ao contexto de um determinado tratado internacional tributário, segundo o que prescreve o Artigo 31(2) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Mesmo o tratado internacional tributário sendo baseado na Convenção Modelo da OCDE, ele não corresponde a um “acordo relativo ao tratado” nem a um “instrumento” que estariam “em conexão com a conclusão do tratado”. Além do contexto, é preciso que, na interpretação dos tratados internacionais tributários sejam considerados, também, as previsões constantes do Parágrafo 3º, alíneas “a”, “b”, e, “c”, quais sejam, “qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições”, “qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação”, e, “quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes”. Assim, de acordo com o preceituado no Artigo 31(3)(C) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), pode-se concluir que as normas de Direito Internacional Público relevantes já existentes formam um “pano de fundo” na qual a interpretação dos tratados internacionais tributários deve ser feita. Um exemplo, referente aos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação, é a previsão do Artigo 28 da Convenção Modelo da OCDE, que faz referência às regras gerais de direito internacional e às normas específicas que garantem privilégios fiscais para membros diplomáticos.176 31(2) of the VCLT is not supported by the text of that provision. The OECD model is not “an agreement” or “instrument” made by any of the parties to a particular tax treaty; nor was the OECD model made in connection with the conclusion of a particular treaty, even if the treaty is based on the model. Ault’s suggestion that the commentary may be referred to under the auspices of article 31(4) is more appealing, although it is questionable whether the commentary necessarily reflects the agreements of the two states that are part to a bilateral tax treaty, even if both are members of the OECD” (LI E SANDLER, 1997, p.903). 176 O exemplo é apresentado por Engelen (2004, p. 436-437): “Tax treaties sometimes include an express reference to the rules of general international law applicable in the relations between the contracting States. For example, Article 28 of the OECD Model Tax Convention contains a reservation for the general rules of international law and the provisions of special agreements concerning the fiscal privileges of members of diplomatic missions or consular posts and it goes without saying that in this particular context such terms as ‘diplomatic missions’ and ‘consular posts’ must be interpreted in the light of these rules and agreements. In defining the term ‘the Netherlands’ for the purpose of the 1992 DTC between and the United States, to mention one further example, reference is made in Article 3(1)(b) of the Convention to ‘the part of the Kingdom of the Netherlands that is situated in Europe and the part of the sea bed and its sub-soil under the North Sea, over which it has sovereign rights in accordance with international law for the purpose of exploration for and exploitation of the natural resources of such areas’, and the ordinary meaning to be given to such terms as ‘sea bed’ and ‘sub-soil’ clearly must be determined in the context of the rules of international law concerned”. 131 4.3.4 Os “meios suplementares” O Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) trata dos “Meios Suplementares da Interpretação). Assim, uma vez que a interpretação de um tratado internacional não foi possível de ser realizada tomandose por base os seus objetivos, seu contexto (preâmbulo e anexos), bem como aqueles elementos que devem ser levados em consideração de maneira conjunta – Artigo 31(1)(2)(3) – o intérprete deve valer-se dos meios suplementares. Estes são, de acordo com o Artigo 32 da CVDT, os trabalhos preparatórios e as circunstâncias de sua conclusão, e, teriam como objetivo confirmar o sentido auferido pela interpretação oriunda da aplicação do Artigo 31 da CVDT. Como bem asseverado por Mazzuoli (2007, p.212) 177 , os trabalhos preparatórios e as circunstâncias de conclusão dos tratados internacionais, apesar de serem os únicos previstos no texto do Artigo 32 da CVDT, não são os únicos meios suplementares de interpretação, podendo, destarte, valer-se o intérprete de outros meios que entender necessário na busca do sentido da norma internacional. Lang e Brugger (2008, p. 97) fazem referência ao julgamento da Suprema Corte da Austrália, em 1990, no caso Thiel v Federal Commissioner of Taxation, onde fora analisado a forma de interpretação dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Naquela ocasião, foi decidido que o tratado assinado entre a Austrália e a Suíça deveria ser interpretado em conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), mesmo que a Suíça não tenha ratificado referida convenção. A decisão178 sustenta que as disposições a respeito das interpretações de tratados internacionais 177 “Sem embargo de a Convenção só ter elencado esses dois meios suplementares de interpretação, outros também poderão ser utilizados, a exemplo da regra do efeito útil – pela qual as cláusulas obscuras ou ambíguas de um tratado devem ser sempre interpretadas de modo a que produzam o maior sentido e eficácia possíveis relativamente ao seu objetivo -, a da interpretação funcional – por meio da qual os tratados devem ser interpretados em harmonia com o seu desiderato, na medida do possível para a plenitude dos efeitos do acordo -, bem como a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e a regra contra proferentem, aplicada especialmente aos tratadoscontrato e segundo a qual toda disposição obscura ou ambígua do tratado deve ser interpretada em desfavor da parte que a propôs ou redigiu, ficando a outra parte o benefício da dúvida.” (MAZZUOLI, 2007, p. 212). 178 Trecho original da decisão: “Those rules have now been codified by the Vienna Convention on the Law of Treaties to which Australia, but not Switzerland, is a party. Nevertheless, because the interpretation provisions of the Vienna Convention reflect the customary rules for the interpretation of treaties, it is proper to have regard to the terms of the Convention in interpreting the Agreement, even though Switzerland is not a party to that Convention”. 132 presentes nos Artigos 31 a 33 da CVDT correspondem a direito internacional consuetudinário. Segundo Lang e Brugger (2008, p. 98-99), a Convenção Modelo da OCDE, bem como os comentários à convenção, devem ser entendidos como meios suplementares de interpretação dos tratados internacionais tributários, e, portanto, abrangidos pelo Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Santiago (2006, p.86)179 corrobora do entendimento de que os comentários à Convenção Modelo da OCDE devem ser interpretados por Estados não membros, mas associados, como o Brasil, como se fossem materiais preliminares, segundo a disposição do Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Neste diapasão, cumprem apenas um papel secundário na interpretação dos tratados, seja confirmando a aplicação da interpretação oriunda do Artigo 31 da CVDT, seja, ainda, determinando o sentido dos termos quando não é possível pelo artigo precedente. 4.3.5 O “sentido especial” do Artigo 31(4) da CVDT O Artigo 31(4) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) prescreve que um “sentido especial” deve ser dado aos termos dos tratados internacionais caso os Estados Signatários assim concordem. Li e Sandler (1997, p.902-903)180 fazem menção a Ault (1993)181, que, por sua vez, sugere que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE deveriam conter 179 “Para os Estados não-membros da organização que negociam as convenções a partir dos modelos (caso do Brasil), parece-nos mantida a sua tese, expressa no artigo conjunto com PROKISCH, de que constituem não mais do que material preliminar, no sentido do art. 32 da CVDT” (SANTIAGO, 2006, p. 86). 180 “Finally, article 31(4) provides that a special meaning shall be given to a treaty term if the parties so intended. Ault suggests that the commentary on the OECD could be referred to under this provision “to establish the intent of the parties to use a term in a special manner, despite the seeming lack of ambiguity based on the other restricted Article 31 material.” The utility of the OECD model and commentary is the interpretation of a particular tax treaty is controversial. The suggestion that it forms part of the context of a particular tax treaty under article 31(2) of the VCLT is not supported by the text of that provision. The OECD model is not “an agreement” or “instrument” made by any of the parties to a particular tax treaty; nor was the OECD model made in connection with the conclusion of a particular treaty, even if the treaty is based on the model. Ault’s suggestion that the commentary may be referred to under the auspices of article 31(4) is more appealing, although it is questionable whether the commentary necessarily reflects the agreement of the two states that are party to a bilateral tax treaty, even if both are members of the OECD. 133 uma menção no sentido de ser utilizado pelos Estados Signatários como um “sentido especial”, fazendo, inclusive, alusão ao artigo em comento. A colocação de Ault (1993), registrada por Li e Sandler (1997) é vista por eles como uma solução para a querela, posto entenderem que tanto a Convenção Modelo da OCDE, quanto os seus comentários não enquadrariam de maneira correta nas disposições do Artigo 31(2) ou Artigo 31(3) da CVDT. Não obstante, também encontram empecilhos no que condiz ao Artigo 31(4) da CVDT. Isto porque, mesmo os Estados Soberanos signatários sendo membros da OCDE, não é presumível que os Comentários da Convenção Modelo da OCDE correspondam às intenções pactuadas no tratado internacional tributário. 4.3.6 Uma “interpretação comum” pelos Estados Signatários Como já aduzido anteriormente, os tratados internacionais tributários devem ser interpretados em consonância com as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), mesmo por aqueles Estados que não a pactuaram, tendo em vista que as normas ali presentes correspondem a princípios de direito internacional universalmente adotados. No caso de uma norma interna ser considerada uma medida tomada pelo Estado Soberano signatário de um tratado internacional tributário para tentar elidirse de uma de suas normas, mas, o outro Estado Soberano tenha aceitado a aplicação desta nova norma interna por determinado período, Vogel (1986, p. 8485)182 entende que, em consonância com o Artigo 31(3)(b) da Convenção de Viena Switzer has suggested: Even if the court were prepared to accept the commentary as admissible, it is submitted that it would not be helpful. Rejection of the commentary to [a particular] article as an interpretative aid is suggested by the inherent weaknesses of the commentary. The commentary reflects only the consensus of pinion of a group of nations (and one suspects it is the lowest common denominator opinion); because of its pluralistic nature, it may not indicate the attitudes of the two countries which have entered into the convention. … Furthermore, the… commentary cannot reflect the evolution of attitudes because it speaks only from the time it was prepared.” (LI e SANDLER, 1997, p. 902-903). 181 AULT, Hugh J. The Role of the OECD Commentaries in the Interpretation of Tax Treaties. In Herbet H. Alpert and Kees van Raad, eds., Essays on International Taxation (Deventer, the Netherlands: Kluwer, 1993. 182 “According to Article 31(3)(b) of the Vienna Convention, of course, reference must also be made, in interpreting a treaty, to the subsequent practice of the parties. Therefore, if the other contracting state has accepted the application of the new law for some period of time, the avoidance objection no longer can be raiser. It is, therefore, unnecessary today to examine whether the Subpart F provisions of the U.S. Internal Revenue Code or the German Aussentsteuergesetz are reconcilable with the double tax treaties the United States and the Federal Republic of Germany had previously concluded.” (VOGEL, 1986, p.84-85). 134 sobre o Direito dos Tratados (CVDT), o tratado internacional deve passar a ser interpretado como se essa fosse uma prática comum, não havendo que se falar em ofensa. Vogel (1986, p. 35)183, ao dispor sobre os dispositivos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, aduz que a interpretação deve ser em razão do propósito do tratado internacional tributário. Contudo, o propósito do tratado não pode levar a uma interpretação subjetiva por parte do Estado Signatário, mas, sim, de acordo com os seus objetivos de maneira geral. Assim, Vogel (1986, p.37 e ss.) 184 apresenta a ideia de um princípio de interpretação comum para a busca de uma melhor eficiência e justiça na utilização de tratados internacionais tributários. A interpretação comum refere-se a uma forma de interpretar os tratados internacionais tributários da forma que seja mais próxima de ser aceita pelas partes. Neste sentido, Vogel (1986) exemplifica através de decisões da cortes canadenses onde é feito uma referência a decisões de cortes estadunidenses, em casos envolvendo análise de tratados internacionais tributários entre os dois Estados, e, vice-versa, o que acaba gerando um diálogo produtivo na formação de uma interpretação comum. Vogel (1986), ao dispor sobre os comentários da Convenção Modelo da OCDE, como meio para ser utilizado nas interpretações dos tratados internacionais tributários, aduz que tal metodologia está em concordância com as previsões da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Ademais, seria uma forma de atingir uma interpretação comum. Tanto a Convenção Modelo da OCDE como os comentários à mesma seriam considerados como trabalhos preparatórios a que faz referência o Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. 183 “In interpreting international agreements according to these rules the treaty language is of primary importance, meaning the “usual meaning” of the “terms” in the context of the entire agreement. The older view seeking the subjective intent of the treaty parties is therefore rejected. The intent of the parties is only important to the extent that is found to be expressed in the text. This does not mean that subjective elements are excluded, rather they are implied within the purpose of the treaty. The “purpose” referred to by the Vienna Convention, however, is not synonymous with the subjective intention of the contracting states, but refers to the goal of the treaty language, as indicate by the rule of Article 31 that the purpose shall influence interpretation merely by giving “light” to the terms of the treaty. In other words, “purpose” is not itself an independent means of interpretation.” (VOGEL, 1986, p. 35). 184 “In order for tax treaties to be applied efficiently and fairly, courts of different countries must strive to interpret treaty provisions consistently. This principle of common interpretation is already wellestablished in many jurisdictions. Moreover, the OECD Model treaty provides a foundation for an actual common interpretation of particular provisions by different states. Finally, parallel treaties of a given state may also provide some guidance in the interpretation of other treaties of that state.” (VOGEL, 1986, p.37) 135 4.3.7 A posição da Receita Federal do Brasil A Receita Federal do Brasil, através da sua 15ª Turma, proferiu acórdão 1237583, no dia 31 de Maio de 2011, onde trata da função dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE na interpretação dos tratados internacionais tributários assinados pelo Brasil. A ementa então proferida possui a seguinte redação: 15 º TURMA ACÓRDÃO 12-37583 de 31 de Maio de 2011 ASSUNTO: Normas Gerais de Direito Tributário EMENTA: TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. OBSERVÂNCIA PELA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA INTERNA. Os tratados e as convenções internacionais deverão ser observados pela legislação tributária interna que lhe s sobrevenha (art. 98 do CTN). TRATADOS INTERNACIONAIS DE BITRIBUTAÇÃO CELEBRADOS COM BASE NA CONVENÇÃO-MODELO DA OCDE. FUNÇÃO INTERPRETATIVA DOS COMENTÁRIOS DAQUELA ORGANIZAÇÃO. Conquanto não possuam natureza vinculante, os Comentários à Convenção-Modelo da OCDE, elaborados pelo Comitê de Assuntos Fiscais daquela Organização, constituem importante referência interpretativa para os tratados de bitributação celebrados pelo Brasil com base no referido modelo. Ano-calendário: : 01/01/2007 a 31/12/2007 Apesar de não haver uma delimitação precisa de como ocorreria essa referência interpretativa, a decisão já demonstra um certo grau de importância dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, bem como a adoção da própria Convenção pelo Brasil na elaboração de seus tratados internacionais tributários. 4.3.8 A questão temporal A interpretação dos tratados internacionais tributários, principalmente no tocante à utilização dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE, tem uma questão temporal a ser analisada. Surge a questão de saber como e se devem ser aplicados a tratados internacionais tributários pretéritos, Comentários elaborados posteriormente. Desse modo, existem posições no sentido de que os comentários deveriam ser interpretados somente com relação aqueles tratados internacionais assinados 136 posteriormente. Ou seja, um comentário novo não deve ser aplicado a tratados internacionais tributários pretéritos. Neste sentido, Li e Sandler (1997, p.904)185 entendem que os comentários realizados no momento em que os tratados internacionais tributários foram concluídos é que deveriam ser levados em consideração para a sua aplicação, destacando que poderia ocorrer algumas exceções no caso de serem utilizados comentários “novos”. Concluem, em síntese, que os comentários deveriam ser utilizados como fonte secundária de acordo com as previsões do Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) que faz menção aos “meios suplementares de interpretação”, ou seja, para confirmar determinada tributação ou para determinar o significado de determinado termo ou expressão do tratado quando o recurso ao Artigo 31 da CVDT acarretar em um sentido ambíguo ou mesmo obscuro. Certo é que, conforme será visto, é preciso ver caso a caso, notadamente para saber que tipo de Comentário está se buscando uma aplicação como meio interpretativo, e, qual será o peso a ser dado, em razão de tal situação. 4.4 Comentários à Convenção Modelo da OCDE Como já perceptível nessa altura, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE são de importância ímpar para a análise dos tratados internacionais tributários elaborados com base na Convenção Modelo da OCDE. Notadamente, os tratados internacionais celebrados pelo Brasil foram elaborados com base na Convenção Modelo da OCDE, e, é reconhecido que se deve dar importância aos seus comentários, apesar de na realidade isto não acontecer. Portanto, a análise dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, como “referência interpretativa” (nos dizeres da Receita Federal do Brasil – RFB), é de suma importância, bem como a análise da própria Convenção Modelo, em si. 185 “However, most jurists agree that the version of the commentary in existence at the time the particular treaty was concluded should be the one considered by courts. Save in exceptional circumstances, it would be inappropriate for a court to consider commentary introduced after the particular treaty was concluded. We suggest that the commentary is a secondary source of interpretation and may be considered under article 32 of the VCLT; that is, it may be referred to in order to confirm an interpretation or to determine the meaning when reliance on the rule of interpretation set out in article 31 would give rise to an ambiguity or an absurdity” (LI e SANDLER, 1997, p.904). 137 Edwardes-Ker (1997, p.160 e ss.)186, em sua tese de doutorado “Tax Treaty Interpretation”, realizada em 1997, informa que a Convenção Modelo de 1977 era intitulada de “Model Convention for the avoidance of double taxation with respect to taxes on income and on capital”, o que demonstra, segundo a sua opinião, que o único propósito daquela Convenção era evitar a dupla tributação. Somente com a mudança no título da Convenção Modelo da OCDE em 1992 é que tal referência passou a não mais constar, o que originou os comentários no sentido de que os Estados Signatários de tratados internacionais tributários deveriam constar no título dos tratados que os mesmos se destinavam, além de evitar a dupla tributação da renda, a combater a evasão fiscal. Tratando da interpretação dos tratados internacionais tributários de maneira a prevenir a elisão fiscal abusiva, Arnold (2004) faz a relação entre os novos Comentários ao Artigo 1º, oriundos da Revisão de 2003, com as regras de interpretação dos tratados internacionais, previstas no Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Neste sentido, Arnold (2004) apregoa que, pela norma da Convenção de Viena, os tratados internacionais devem ser interpretados de boa-fé, e, em consequência, devem ser levados em conta não só o objetivo do tratado internacional, mas, também a sua interpretação literal e o contexto onde está inserido. Posição categoricamente defendida ao longo do estudo. Schwarz (2009, p.73 e ss.) 187 destaca que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE é de importância impar para a interpretação dos tratados 186 “The avoidance of double taxation is the most important object and purpose of almost all tax treaties. In some tax treaties it is sole expressed purpose. For example, the 1977 OECD Model is entitled (italics added): “Model Convention for the avoidance of double taxation with respect to taxes on income and on capital”. This Model mentions no other object or purpose – but other purpose exist, as indicated below. However, the 1992 OECD Model is succinctly entitled: “Convention between (State A) and (State B) with respect to taxes on income and on capital”. This 1992 change in the OECD Model’s title was doubtless made to remove the implication in the 1977 Model that the avoidance of double taxation was its sole purpose – and to imply that both Models may have other purposes, including “the prevention of fiscal evasion”. Accordingly, Footnote 1 to the 1992 OECD Model’s title runs (italic added): “1. States wishing to do so may follow the widespread practice of including in the title a reference to either the elimination of double taxation and the prevention of fiscal evasion”” (EDWARDES-KER, 1997, p. 160). 187 “The most important publicly available document is the commentary to the OECD Model. The OECD Model forms the basis of the UK negotiating position. HMRC takes the view that ‘Where the text of a provision of a double taxation agreement follows the wording of the OECD Model or has substantially similar wording then the guidance in the commentary on the OECD Model may be used as an aid to interpretation of that double taxation agreement’. The commentary itself advocates its own use. Commentary to the OECD Model is now routinely referred to by the courts have not refined the tests as to when it is required to be used, when it may be used, and its position in the hierarchy of interpretive rules. The commentary to the OECD Model is an important aid to interpretation in Sun Life Assurance Company of Canada v Pearson, when the use of the 138 internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Ressalta, ainda, que tal importância vem também do fato de que tais comentários são resultantes de posições adotadas por experts do Comitê Fiscal da OCDE. Nesse sentido, vale destacar o caso Sun Life Assurance Company vs. Pearson, julgado em 1984 pela Poder Judiciário do Reino Unido. Na análise do tratado internacional tributário celebrado entre o Reino Unido e o Canada, em 1967, foi levado em consideração Comentários da OCDE de 1977, para a solução do caso. Isso demonstra, de maneira evidente, que o Poder Judiciário brasileiro tem muito a evoluir no tocante à análise aos tratados internacionais tributários. Contudo, já pode ser vislumbrado, como demonstrado acima, um primeiro passo, com o reconhecimento do Monismo com primado do Direito Internacional. Lado outro, Russo (2007, p.18-19) 188 , ao dispor sobre os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, pondera que existe realmente uma dificuldade em enquadrá-los em um dos Artigos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), como visto acima. Nessa linha, os Comentários seriam vistos, na maioria das vezes, entre uma das três opções: sentido comum – Artigo 31(1) da CVDT; sentido especial – Artigo 31(4) da CVDT; ou, meios suplementares de interpretação – Artigo 32 da CVDT. Russo (2007) conclui que a importância irá ser dada a depender do caso concreto e do comentário. Mais abaixo é explorado o enquadramento dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE com mais profundidade. Contudo, a grande dificuldade apontada, e a qual estudiosos discutem, referese à influência da mudança dos Comentários aos Artigos que já teriam sido commentary was first considered by a UK court, it was noted that the articles in question were draw in identical terms to the provisions of the 1977 OECD Model Treaty, and that both the UK and Canada were member countries. In commenting on the allocation of income, the judge noted that any doubts he had about the position would be dispelled by the commentary. This was despite the fact that the 1977 commentary was not a commentary on the 1967 Canadian Treaty, which had a different origin. He noted, however, that ‘the views of the experts who sat on the Fiscal Committee on the Regulation of Double Taxation are entitled to very great weight’ (SCHWARZ, 2009, p.7374). 188 “The legal status of the OECD Commentary within the framework of the VCLT is far from clear. The Commentary has been viewed in literature as (i) ‘ordinary meaning’ in the sense of Art. 31(1) of the VCLT, (ii) “special meaning” in the sense of Art. 31(4) of the VCLT, or (iii) a “supplementary means of interpretation” in the sense of Art. 32 of the VCLT. […] It is not the purpose of this contribution to clarify one of the most debated issues in international taxation. What needs to be noted here is that the bottom line is that the effective value of the OECD Commentaries may vary from one jurisdiction to the other. In some states, local judges and tax authorities heavily rely on the statements contained therein to interpret treaties based on the OECD Model, in others they simply consider the Commentary as any other scholar’s work on the subject” (RUSSO, 2007, p.18-19). 139 corroborados. Neste sentido, quando os Estados membros da OCDE concordam com tais provisões, sem o uso de ressalvas, a aplicação “retroativa” seria válida, como no caso mencionado anteriormente. Notadamente, seria uma questão de analisar caso a caso, a depender da postura dos Estados Soberanos signatários, bem como do teor dos novos comentários e de suas implicâncias. Assim sendo, os tratados internacionais tributários, segundo Arnold (2004) não essencialmente devem ser interpretados somente levando em consideração o seu objetivo de prevenir a elisão tributária (ou o abuso de suas normas), como exposto nos novos Comentários advindos da Revisão de 2003, posto que, existem outras formas de se aplicar o princípio da boa-fé no tocante a correta maneira de interpretação dos tratados internacionais. No mesmo sentido, é a lição de Schoueri (1995) que mesmo analisando os tratados internacionais tributários em momento anterior à Revisão de 2003 deixa claro que, pelo menos naquela ocasião, a boa-fé não necessariamente poderia corresponder a um princípio de anti-abuso dos tratados internacionais tributários, diferentemente, em contrapartida, ao que defende Vogel (1986). Certo é que a ideia principal por detrás dos tratados internacionais tributários é a de resguardar as transações internacionais, sem que as mesmas sejam influenciadas ou desmotivadas em decorrência de imposições tributárias, e, ao assegurar tal vantagem, deve-se impedir que haja um abuso no exercício desse direito. 4.4.1 A influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE O American Law Institute, apud Ward (2005), em 1992, pronunciou-se no sentido de que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE correspondem a material que apesar de não constituírem legislação internacional possuem um lugar de destaque, haja vista que são notadamente consultados tanto por autoridades governamentais (nas negociações dos tratados internacionais tributários), como por consultores tributários, na elaboração de planejamentos tributários. Portanto, não há que se falar em falta de conhecimento deles. Sobre a influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE conveniente observar que existe uma alentada discussão a respeito da sua eficácia. 140 Van Raad apud Engelen (2004, p. 440-441)189 apresentou estudo ainda em 1978 sobre o tema (Interpretatie van belastingwerdragen) onde inicialmente tinha concluído pela força de contexto referido no Artigo 31(2)(b) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Posteriormente (Het nationale recht bij de uitlegging van belastingverdragen), em 1984, o Professor de Leiden teria alterado o seu posicionamento para entender que os Comentários teriam apenas força de meios suplementares de interpretação. E, por último, em 1996, Van Raad (Interpretation and Application of Tax Treaties) apud Engelen (2004, p. 441) teria reconsiderado sua posição no sentido de status legal aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. Outro estudioso que também veio a contribuir para a análise da influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE para a interpretação dos tratados internacionais tributários foi Vogel (Klaus Vogel on Double Taxation Conventions) apud Engelen (2004) entendendo que tais comentários não podem ser considerados como ”contexto”, de acordo com o Artigo 31(2)(b) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), muito menos como meios suplementares de interpretação previstos no Artigo 32, também da CVDT. Assim sendo, ele entenderia que, uma vez sendo as provisões do tratado internacional tributário pactuado idênticas às provisões da Convenção Modelo da OCDE, os comentários a esta convenção seriam considerados dentro do previsto no Artigo 31(1) da CVDT, como “sentido comum”, ou mesmo de acordo com o Artigo 31(4) da CVDT, como sendo “sentido especial”. Nesse caminho, Vogel apud Engelen (2004, p. 442) teria feito observações no tocante à importância dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. Primeiramente, os Estados membros da OCDE devem seguir às orientações do Conselho daquela organização internacional, no sentido de utilizarem das Convenções Modelo, bem como seguir os Comentários inerentes a elas, salvo os casos em que esses Estados tenham feito ressalvas. Em segundo lugar, caso o 189 “One of the first attempts to fit the Commentaries on the OECD Model Tax Convention into the rules of interpretation laid down in the Vienna Convention was made by Van Raad. In an article published as early as 1978, he concluded, though not without hesitation, that, since the Commentaries are adopted by mutual consent of the OECD member countries and each Member country has the possibility of making an observation if it disagrees with the interpretation set out therein, it seems justified to regard them as an instrument within the meaning of Article 31(2)(b) VCLT and, thus, as context for the purpose of the interpretation of tax treaties based on the OECD Model Convention” (ENGELEN, 2004, p.440-441). 141 texto do tratado seja similar, mas não seja idêntico, e o contexto sugere uma interpretação diversa, as partes devem seguir o previsto nos Comentários. E, em terceiro lugar, os Comentários não devem ser levados em conta quando as disposições dos tratados forem diferentes das disposições da Convenção Modelo da OCDE, e, o contexto também sugerir uma interpretação diferente. Contudo, tais ponderações são feitas para os casos em que as partes dos tratados internacionais tributários sejam membros da OCDE. Caso alguma das partes não seja membro, mas a outra sim, haverá a presunção de estarem querendo utilizar o sentido expresso nos Comentários apenas quando a redação utilizada seja a mesma. Com relação às alterações posteriores feitas aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, através de revisões, Vogel apud Engelen (2004) entende que não teriam força vinculante na interpretação dos tratados, sejam estes pactuados entre Estados membros da organização ou não. Por causa destas alterações aos comentários, Vogel (The influence of the OECD Commentaries on Treaty Interpretation, 2000) apud Engelen (2004) reviu o seu posicionamento para dispor que não se deve mais utilizar os Comentários para a interpretação dos tratados internacionais tributários sem serem feitas algumas reservas (“we can no longer apply the Commentaries when interpreting tax treaties without severe reservations”). Assim, destaca quatro passos que devem ser seguidos para a determinar o grau de influência dos Comentários. O primeiro passo diz que os Comentários originais à Convenção Modelo de 1963 fazem parte de uma “linguagem internacional tributária”, e, devem ser entendidos de acordo com o Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) como sendo o sentido comum dos termos. O segundo passo, seria idêntico ao primeiro mas com relação às mudanças de 1977, e, para os casos dos tratados celebrados anteriormente, a solução deve ser vista caso a caso. O terceiro passo diz respeito às versões posteriores dos comentários que não integrariam a “linguagem internacional tributária”, e, que contudo podem ser considerados de acordo com o Artigo 31(4) da CVDT como “sentido especial”. Por fim, o quarto passo diz respeito aos demais comentários que seriam mais recentes e que seriam no máximo considerados como “sentido especial” previsto no Artigo 31(4) da CVDT, e, de acordo com o Artigo 32, também da CVDT. Não obstante tais mudanças, as antigas ponderações de Vogel (anteriores à 2000), são ratificadas por diversos autores como conta Engelen (2004, p. 445), entre eles podendo serem destacados Ault, Avery Jones, Lang e Ward. 142 Já segundo o próprio Engelen (2004, p.459-460), os Comentários à Convenção Modelo da OCDE não possuem força vinculante, de acordo com o próprio estatuto da organização. Desse modo, não pode ser utilizado de acordo com o Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), que estabelece como meios de interpretação somente aquilo que possua vínculo legal ou autêntico com o texto do tratado. Neste diapasão, não seria nem um acordo nem um instrumento. Assim, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE devem ser aplicados com base no Artigo 32 da CVDT, como “sentido especial”, todavia, sua influência estaria a depender da análise do caso concreto. Portanto, mais uma vez encontra-se o raciocínio no sentido da casuística para a aplicação dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE na interpretação de tratados internacionais tributários. 4.4.2 Princípio da Boa-fé e os Comentários à Convenção Modelo da OCDE Martín Jiménez (2002, p.542-543) aponta a complexidade da relação das normas antielisivas internas com as normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda, destacando alguns fatos. Em primeiro lugar, destaca que o Parágrafo 41 da Introdução à Convenção Modelo da OCDE deixa claro que o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE continua a estudar a questão do uso impróprio dos tratados internacionais tributários e da evasão fiscal internacional. Elisão e evasão tributária; uso impróprio dos tratados internacionais 41. O Comitê de Assuntos Fiscais continua a examinar tanto o uso impróprio dos tratados internacionais tributários como a evasão fiscal internacional. O problema é ressaltando nos Comentários em diversos Artigos. Em particular, Artigo 26, como esclarecido nos Comentários, permite Estados a trocarem informações para combater esses abusos. 190 (OCDE, 2014 [tradução livre]) Em segundo lugar, existe a questão das normas antielisivas internas possuírem um padrão diferenciado a depender do Estado, sendo que em alguns, em virtude de uma legalidade mais acirrada, é mais improvável o uso de normas gerais 190 “Tax avoidance and evasion; improper use of conventions 41. The Committee on Fiscal Affairs continues to examine both the improper use of tax conventions and international tax evasion. The problem is referred to in the Commentaries on several Articles. In particular, Article 26, as clarified in the Commentary, enables States to exchange information to combat these abuses.” (OECD, 2014) 143 antielisivas, enquanto que em outros Estados busca-se um padrão mais rígido das normas antielisivas, em seus sistemas tributários. Em terceiro lugar, a elisão fiscal abusiva, assim como a evasão fiscal, é muitas vezes combatida por outros meios sem ser as normas gerais antielisivas. Assim, existem também as normas específicas antielisivas – como são as normas de empresas estrangeiras controladas e as normas de subcapitalização – o que acaba contribuindo também para uma maior complexidade na análise do tema. E, o combate à concorrência fiscal prejudicial depende das normas antielisivas. Martín Jiménez (2002, p.547) aponta que, se por um lado os tratados internacionais tributários pouco dizem respeito ao que seria um abuso de suas normas, por outro lado o direito internacional deixa claro que uma interpretação literal dos dispositivos do tratado vai de encontro com o princípio da boa-fé, o que leva a entender que a aplicação de regras gerais antielisivas não iria acarretar qualquer ofensa ao princípio do pacta sunt servanda. Contudo é questionável até que ponto o princípio da boa-fé interfere e vincula os Estados a seguirem os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, nos casos de terem pactuado tratados internacionais tributários. Com relação a um tratado internacional tributário pactuado entre dois Estados membros da OCDE a não utilização dos Comentários para interpretá-los ficaria intricada por quatro pontos apontados por Engelen (2004, p.465): a. Ambos os Estados teriam deliberado a favor das recomendações que são feitas pelo Conselho da OCDE; b. nenhum dos Estados teriam feito reservas aos comentários ou observações na maneira de interpretá-los; c. o tratado internacional tributário segue o padrão das provisões da Convenção Modelo da OCDE; e, d. nenhum dos Estados Signatários teriam feito observações durante as negociações do tratado internacional tributário no sentido de que as normas ali constantes seriam interpretadas de maneira diferente ao estabelecido nos comentários. Engelen (2004, p.467) ainda defende que os Comentários, nesses casos, devem ser vistos como fontes de obrigações legais (“source of legal obligation”) 144 decorrentes do princípio da boa-fé que se apresenta como proteção à legitima expectativa (segurança jurídica) e aquiescência. Ademais, não somente os Comentários existentes no momento da ratificação do tratado internacional tributário, mas como também aqueles posteriormente incorporados através das revisões devem ser levados em conta. Esta é inclusive a posição da própria Convenção Modelo da OCDE conforme se verifica no Parágrafo 35 da sua Introdução, acrescentado em 1992. Outra previsão existente na Convenção que ratifica tal entendimento é a contida no Parágrafo 36.1 onde contém evidências de que as orientações são no sentido aplicar as modificações aos comentários em tratados assinados anteriormente. 4.4.3 Comentários posteriores Conforme asseverado, a Introdução à Convenção Modelo da OCDE trata da relação entre os comentários e as versões anteriores nos Parágrafos 33 a 36. Relação com as versões anteriores 33 Na elaboração da Convenção Modelo 1977, a Comissão dos Assuntos Fiscais examinaram os problemas de conflitos de interpretação que possam surgir como resultado de mudanças nos Artigos e Comentários do projeto da Convenção de 1963. Naquela época, a Comissão considerou que as Convenções existentes devem, na medida do possível, ser interpretadas no espírito dos Comentários revisados, mesmo que as disposições dessas Convenções ainda não incluam a formulação mais precisa do Convenção Modelo de 1977. Também foi indicado que os países membros que desejam esclarecer suas posições neste sentido poderiam fazê-lo por meio de uma troca de cartas entre as autoridades competentes, em conformidade com o procedimento de acordo mútuo e que, mesmo na ausência de tal uma troca de cartas, estes autoridades poderiam utilizar procedimentos de acordo mútuo para confirmar esta interpretação em casos particulares. 34 O Comité considera que as alterações aos Artigos da Convenção Modelo e os Comentários que foram feitos desde 1977 deve ser interpretados de forma semelhante. 35 Desnecessário será dizer que as alterações aos Artigos da Convenção Modelo e alterações nos Comentários que são um resultado direto dessas alterações não são relevantes para a interpretação ou aplicação das Convenções anteriormente celebradas quando as disposições dessas Convenções são substancialmente diferentes dos Artigos alterados. No entanto, outras alterações ou adições aos Comentários são normalmente aplicáveis à interpretação e aplicação das Convenções celebradas antes da sua aprovação, porque refletem o consenso dos países membros da OCDE quanto à interpretação adequada das disposições existentes e sua aplicação em situações específicas. 145 36 Enquanto a Comissão considera que as alterações aos Comentários devem ser pertinentes ao interpretar e aplicar as Convenções concluídas antes da aprovação destas mudanças, não concorda com qualquer forma de interpretação "a contrario", que seria necessariamente inferiria uma alteração em um Artigo da Convenção Modelo ou aos Comentários que a redação anterior resultaria em consequências diferentes daquelas da modificação do texto. Muitas alterações visam simplesmente esclarecer, não mudar, o significado dos Artigos ou dos comentários, e essas interpretações "a contrario" seria claramente errado nesses casos. 36.1 As autoridades fiscais dos países membros seguem os princípios gerais enunciados nos últimos quatro parágrafos. Por conseguinte, a Comissão dos Assuntos Fiscais considera que os contribuintes também podem achar útil consultar versões posteriores dos comentários na 191 interpretação de tratados anteriores. (OECD, 2014 [tradução livre]) Ward (2005, p. 79) apresenta uma classificação de quatro diferentes tipos de Comentários posteriores à ratificação de um tratado internacional tributário, formulada por Mike Waters (2005)192: 191 “Relation with previous versions 33. When drafting the 1977 Model Convention, the Committee on Fiscal Affairs examined the problems of conflicts of interpretation that might arise as a result of changes in the Articles and Commentaries of the 1963 Draft Convention. At that time, the Committee considered that existing conventions should, as far as possible, be interpreted in the spirit of the revised Commentaries, even though the provisions of these conventions did not yet include the more precise wording of the 1977 Model Convention. It was also indicated that member countries wishing to clarify their positions in this respect could do so by means of an exchange of letters between competent authorities in accordance with the mutual agreement procedure and that, even in the absence of such an exchange of letters, these authorities could use mutual agreement procedures to confirm this interpretation in particular cases. 34. The Committee believes that the changes to the Articles of the Model Convention and the Commentaries have been made since 1977 should be similarly interpreted. 35. Needless to say, amendments to the Articles of the Model Convention and changes to the Commentaries that are a direct result of these amendments are not relevant to the interpretation or application of previously concluded conventions where the provisions of those conventions are different in substance from the amended Articles. However, other changes or additions to the Commentaries are normally applicable to the interpretation and application of conventions concluded before their adoption, because they reflect the consensus of the OECD member countries as to the proper interpretation of existing provisions and their application to specific situations. 36. Whilst the Committee considers that changes to the Commentaries should be relevant in interpreting and applying conventions concluded before the adoption of these changes, it disagrees with any form of “a contrario” interpretation that would necessarily infer from a change to an Article of the Model Convention or to the Commentaries that the previous wording resulted in consequences different from those of the modified wording. Many amendments are intended to simply clarify, not change, the meaning of the Articles or the Commentaries, and such “a contrario” interpretations would clearly be wrong in those cases. 36.1 Tax authorities in member countries follow the general principles enunciated in the preceding four paragraphs. Accordingly, the Committee on Fiscal Affairs considers that taxpayers may also find it useful to consult later versions of the Commentaries in interpreting earlier treaties.” (OECD, 2014) 192 WATERS, Mike. The Relevance of the OECD Commentaries in the Interpretation of Tax Treaties, 2005 146 a. comentário que preenche uma lacuna nos comentários então existentes cobrindo matérias que não tinham sido abordadas anteriormente (Comentários que preenchem lacunas); b. comentário que amplia os comentários existentes acrescentando novos exemplos ou argumentos ao que já existia (Comentários que ampliam posicionamentos); c. comentário que registra o que é praticado pelos Estados (Comentários que registram uma prática); e d. comentário que contradiz os comentários existentes (Comentários que contradizem). Ward (2005, p.85), ao fazer referência aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, especificamente aos Comentários ao Artigo 1º, ressalta que o primeiro Comentário foi feito apenas em 1977, ainda que tal artigo fosse o mesmo desde 1963. O Comentário de 1977 ao Artigo 1º deixava claro que as normas de direito interno consideradas anti-abusivas não poderiam acarretar o afastamento da aplicação das normas internacionais previstas no tratado internacional tributário. Para tanto, seria preciso a previsão no corpo dos tratados internacionais tributários sobre a aplicação de tais medidas internas. Segundo Ward (2005, p.90-92), os tratados internacionais tributários ratificados anteriormente à Revisão de 2003 aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE não podem ser aplicados como permitindo a aplicação das normas internas antielisivas, pois ofenderia o princípio do pacta sunt servanda. Contudo, analisando como a questão é vista perante as Cortes Judiciárias de alguns países, as conclusões são diversas. Na França, a princípio, os comentários subsequentes não são levados em conta, porém, podem ser considerados em certos casos. Já os comentários já existentes, apesar de não possuírem força vinculante, possuem um valor maior como forma de instrumentos de interpretação. A Suprema Corte Italiana já decidiu que a Convenção Modelo da OCDE não possui força vinculante com relação à interpretação dos tratados, e, portanto, assim também devem ser vistos os comentários. 147 Em Luxemburgo tanto as Cortes Administrativas como as Judiciais utilizam a Convenção Modelo da OCDE e os comentários como forma de interpretarem os tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda. Lang e Brugger (2008) apresentam a posição da Administração Tributária Australiana (Australian Tax Office – ATO), segunda a qual, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE representam um importante meio de interpretação dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda, obviamente salvo os casos em que a Convenção Modelo esteja com redação diversa daquela presente nos tratados ou os comentários sejam atuais e totalmente distintos dos antigos elaborados anteriormente aos tratados. Segundo Lang e Brugger (2008, p.102) seria preciso fazer uma referência no tocante as mudanças dos Comentários, em função dos Artigos 31 e 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Assim, não poderiam os “novos” comentários (posteriores a determinado tratado internacional) serem utilizados para esclarecerem a intenção dos Estados Soberanos signatários, e, também não seriam parte do contexto como previsto no Artigo 31(2) da CVDT. Sobraria, contudo, enquadrá-los como acordos subsequentes referentes à interpretação dos tratados de acordo com o Artigo 31(3) da CVDT. Portanto, Lang e Brugger (2008, p.102-104) defendem que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE que forem feitos posteriormente à elaboração de um tratado internacional tributário para evitar a dupla tributação da renda corresponderiam, de acordo com as regras gerais de interpretação da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) ao previsto no Artigo 31(3)(b), que seriam as “práticas subsequentes”. Para tanto, ressaltam o Parágrafo 29.1 da Introdução da Convenção Modelo da OCDE onde está consignado que as administrações tributárias concedem grande peso interpretativo às orientações oriundas dos comentários. 29.1 As administrações fiscais dos países membros rotineiramente consultam os Comentários na sua interpretação dos tratados fiscais bilaterais. Os Comentários são úteis tanto na decisão de questões pormenores do dia-a-dia quanto na resolução de questões mais amplas que envolvem as políticas e os propósitos por detrás de diversas disposições. Auditores Fiscais dão grande importância à orientação contida nos 193 Comentários. "(OECD 2014 [tradução livre]) 193 “29.1 The tax administrations of member countries routinely consult the Commentaries in their interpretation of bilateral tax treaties. The Commentaries are useful both in deciding day-to-day 148 Ademais, o uso de práticas subsequentes para a interpretação dos tratados internacionais tributários, apesar de limitada, acaba sendo uma maneira dinâmica de aplicar as regras pois não necessariamente utilizam do entendimento dos Estados Signatários no momento da conclusão do contrato, mas, sim, em momento posterior com a evolução e adequação de suas normas à realidade dos fatos. Não obstante tal dinamismo, a utilização, como posto por Lang e Brugger (2008) é limitada, devendo se ater às linhas do tratado, sob pena inclusive de poder ferir preceitos constitucionais de um dos Estados Signatários, caso altere demais o significado original do texto do tratado. 4.4.4 Revisão de 2003 e relação com tratados internacionais tributários anteriores No que tange aos efeitos da mudança nos comentários oriundas da revisão realizada em 2003, Arnold (2004) esclarece que a aplicação de tais mudanças aos tratados assinados após janeiro de 2003 é um pouco controversa, apesar da OCDE entender que os novos comentários devem ser aplicados normalmente aos tratados em vigor. Acontece que as referidas mudanças não foram, para alguns, apenas esclarecedoras, mas, apontaram um posicionamento até então incerto ou diverso sobre certas questões, o que para alguns estudiosos seria justificativa para que os novos comentários não fossem aplicados aos tratados internacionais tributários que já vigentes. Apesar dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE não são vinculantes para as cortes de justiça, representam fonte de interpretação (como é entendimento exposto pela Receita Federal do Brasil, e transcrito em tópico prévio). Ademais, de acordo com a própria Convenção (Parágrafos 33 a 36.1 da Introdução, acima transcrito), os Comentários devem ser aplicados a todos os tratados internacionais tributários, mesmo nos casos em que os tratados tenham sido celebrados em momento anterior à elaboração dos comentários. Segundo Ward (2005), os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, muitas das vezes, acabam tendo um sentido um pouco mais abrangente, em questions of detail and in resolving larger issues involving the policies and purposes behind various provisions. Tax officials give great weight to the guidance contained in the Commentaries.” (OECD 2014) 149 decorrência de que a sua formação é feita de maneira multilateral e não bilateral como ocorrem com alguns tratados internacionais. Além disso, O Conselho de Assuntos Fiscais da OCDE (Councel of Fiscal Affairs) tende a tomar posições pró-governamentais, como é exemplificado pelas revisões de 2003, notadamente com relação ao Parágrafo 7.1 do Artigo 1º que foi posto, de maneira positiva, que o propósito da Convenção Modelo da OCDE é evitar o abuso das normas tributárias, além da evasão. 4.4.5 Estados não-membros associados à OCDE (Brasil) No que concerne a Estados não-membros, Engelen (2004, p. 469-470) faz uma distinção entre aqueles que são considerados Estados não-membros associados (ou como a própria OCDE chama “key partners”), que é o caso do Brasil, e, aqueles países não membros que não são considerados associados. No caso destes key partners o fato de determinarem suas posições nos comentários, com a imposição de ressalvas, inclusive, tornam sua submissão aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE idêntica à posição dos Estados membros. Engelen (2004, p. 469-470) apresenta três requisitos para tanto: a. nenhum dos Estados Signatários tenham elaborado qualquer reserva ou observação ao comentário; b. o tratado internacional tributário segue os padrões das principais disposições da Convenção Modelo da OCDE; e, c. nenhum dos Estados Signatários, durante a fase de negociações, tenha estipulado que a interpretação de determinado dispositivo venha a ser feita de maneira diversa daquela prevista nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. Da mesma forma, os Comentários feitos posteriormente à ratificação dos tratados internacionais tributários são observados. Neste diapasão, tem-se como exemplo o julgamento de Corte Suprema da Holanda, realizado em 21 de Fevereiro de 2003, em relação ao tratado internacional 150 tributário firmado com o Brasil, a respeito da interpretação do Artigo 15(2)(a) (BNB 2003/177c•).194 Utilizando-se das regras constantes na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), nos Artigos 31 e 32, a Corte Suprema holandesa utilizou-se, para realizar uma correta interpretação do tratado, os Comentários à Convenção Modelo, cuja modificação tinham ocorrido em 1992. Pela redação do julgado, os comentários em questão foram definidos como “sentido suplementar”, de acordo com a redação do Artigo 32 da CVDT, e, não como sentido ordinário previsto no Artigo 31, também da CVDT. 4.4.6 Comentários da OCDE e o princípio da integração sistemática – artigo 31(3)(c) da CVDT Broekhuijsen (2013) apresenta um novo posicionamento no sentido de que os Comentários da Convenção Modelo da OCDE podem ser utilizados na interpretação dos tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda através de um princípio de integração sistemática, tendo em vista o disposto no Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)195, como uma regra de direito internacional relevante. Tal entendimento foi apresentado com base no relatório do Grupo de Estudos da Comissão de Direito Internacional (Study Group of the International Law Commission – ILC) sobre a “fragmentação do direito internacional” (“Fragmentation Report 2006”) e a decisão da Corte Internacional de 194 “In these circumstances, the Commentaries can also be a source of legal obligation for associated States through the principles of acquiescence and estoppel, as well as through the principle of protection of legitimate expectations. This also holds true for later changes or additions to the Commentaries that are not a direct result of amendments to OECD Model Tax Convention itself, unless either contracting State has made an observation on such later changes or additions, or otherwise communicated to the other contracting State that it considers that the provisions of the treaty that are identical to those of the Model should be interpreted and applied differently than as set out in the Commentaries thereon. Foe example, in a decision of 21 February 2003, BNB 2003/177c•, regarding the interpretation of Article 15(2)(a) of the 1990 DTC between the Netherlands and Brazil, the Hoge Raad referred to the Commentary on the identical provision of the OECD Model Tax Convention, as supplemented in 1992, in the context fo an interpretation in accordance with the rules laid down in Articles 31 and 32 VCLT, and said that the conclusion it had reached on the basis of the text of the Convention was in conformity with paragraph 5 of the said Commentary. It is, however, unclear precisely how much weight was given to the later version of the Commentary. The wording of the judgment suggests that it was regarded as a mere supplementary means of interpretation to which recourse could be had under Article 32 VCLT in order to confirm the meaning resulting from the application of the general rule of interpretation embodied in Article 31 VCLT, and not as an authentic interpretation to be taken into account, together with the context, under Article 31(3) VCLT.”(ENGELEN, 2004, p.470-471). 195 “Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: […] c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.” (BRASIL, 2009) 151 Justiça sobre as plataformas petrolíferas (Oil Plataforms 2003 – Islamic Republic of Iran v. United States of America). O relatório sobre Fragmentação do Direito Internacional, de 2006, traz a ideia de que existe um sistema de direito internacional, o que motiva que os tratados internacionais devam ser interpretados como se fizessem parte de um grande ambiente que forma o seu contexto ou unidade. Esta ideia seria o princípio da integração sistemática que estaria previsto no Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Com relação ao julgamento realizado pela Corte Internacional de Justiça no caso das Plataformas Petrolíferas (Oil Plataforms, Ilsmaic Republic of Iran v. United States of America), os Estados Unidos da América argumentaram que a destruição de três plataformas de petróleo no Golfo Persa, através da sua marinha, estaria protegida pela previsão do Artigo XX do Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares, de 1955, assinado entre os dois países. Referido artigo previa o direito de legítima defesa, que justificaria o uso da força. Contudo, a Corte Internacional de Justiça não concedeu razão aos Estados Unidos da América, fundamentando a sua decisão no fato de que o Artigo XX do Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares, de 1955, assinado com o Irã, deveria ser interpretado conjuntamente com relevantes normas de direito internacional, entre elas a Carta das Nações Unidas e o direito internacional consuetudinário196. A aplicação do Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), ainda segundo Broekhuijsen (2013) deve ser feita, contudo, de maneira integral a todo o Artigo 31 da CVDT, que expressa a regra geral de interpretação, devendo, portanto, ser aplicado dentro do contexto, objeto e propósito dos tratados internacionais, além de levar também em consideração o sentido comum de seus termos. Além disso, três são os requisitos que devem ser levados em consideração para a sua aplicação. O material a ser utilizado para a interpretação sistemática dos dispositivos dos tratados internacionais devem ser relevantes, devem corresponder 196 ICJ Reports 161, sec. 41, apud Broekhuijsen (2013, p. 2): “[I]nterpretation must take into account “any relevant rules of international law applicable in the relations between the parties” (art. 31, para. 3 (c)). The Court cannot accept that Article XX, paragraph 1(d) of the 1955 Treaty was intended to operate wholly independently of the relevant rules of international law on the use of force... The application of the relevant rules of international law relating to this question thus forms an integral part of the task of interpretation”. 152 a normas de direito internacional, e, devem ser aplicáveis às partes do tratado sob análise. A questão que surge é se a aplicação do Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) poderia utilizar-se de normas do direito internacional que não fossem vinculantes, como é o caso dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE. Neste diapasão, Broekhuijsen (2013) ressalta que a Corte Europeia de Direitos Humanos já empregou em suas decisões o entendimento segundo o qual normas não vinculantes de direito internacional podem ser aplicadas na interpretação sistemática de tratados internacionais. De maneira conclusiva, Broekhuijsen (2013) entende que a unicidade da posição dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE garantem a possibilidade de sua utilização na interpretação sistemática de tratados internacionais tributários, através da disposição do Artigo 31(3)(c) da CVDT. Raposo (2013, p. 41) ao tratar dos resultados dos trabalhos do grupo de estudos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas entre 2000 e 2006 ressalta o princípio da harmonização pelo qual “os atores internacionais não assumem obrigações contraditórias ao desenvolver novas relações e compromissos”. Já com relação ao soft law, Raposo (2013, p.42) esclarece que “é possível que um postulado de soft law seja de auxílio no esclarecimento do sentido de um preceito jurídico internacional, desde que não implique em alteração do mesmo”. Desse modo deveria haver uma harmonia inerente ao sistema jurídico internacional. 4.4.7 Combate ao Abuso dos Tratados Internacionais Tributários e a prevenção da dupla não tributação García Prats (2010, p.83-84), ao discorrer sobre a Revisão de 2003 aos Comentários do Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, defende haver um reconhecimento por parte dos Estados modernos de que existe um consenso a respeito de um princípio geral de direito reconhecido pelas nações civilizadas a permitirem o combate ao abuso do direito, no caso abuso de tratados internacionais tributários. 153 Ademais, referido princípio estaria presente no Parágrafo 9.5 através de uma tentativa de definição do mesmo. Através de uma análise cronológica feita por García Prats (2010), é possível perceber que apesar das alterações nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, sempre houve uma preocupação em atingir as exigências da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Neste sentido, a posição tradicional dos Comentários em 1977 era a respeito da preocupação na preservação do pacta sunt servanda. Em 1987, com os relatórios a respeito das empresas interpostas e empresa base (Conduit and Base companies) fica demonstrado uma preocupação com o uso impróprio dos tratados. Em 1989 houve o relatório sobre a revogação de tratados internacionais tributários dando importância ao princípio do pacta sunt servanda. Já nos anos 90, em especial com base no relatório de 1998 sobre Concorrência Fiscal Prejudicial (Harmful Tax Competition) começou a ser reconhecido uma importância em reconsiderar o objetivo dos tratados internacionais em prevenir as situações de dupla não tributação. 4.5 Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE – Uso Impróprio da Convenção A partir do Parágrafo 7º dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, passa-se a tratar do uso impróprio dos tratados internacionais tributários. A versão oficial está na língua inglesa e francesa. Por esta razão, este estudo irá apresentar a versão oficial em inglês em nota de rodapé, e, apresentará a versão em português, de tradução livre, no corpo do texto. Ademais, ao serem feitos as transcrições, serão acrescidos títulos não oficiais aos parágrafos, que ficarão entre colchetes (“[]”), seguindo, destarte, a obra do professor Kees Van Raad, “MATERIALS on International & EU Tax Law”. Arnold (2004, p.244) relata que a Convenção Modelo da OCDE de 1963 e 1977 não tratou de maneira clara o problema do abuso dos tratados internacionais. Tais Convenções Modelo da OCDE destacavam que o seu propósito seria a eliminação da dupla tributação jurídica da renda e a prevenção da evasão fiscal. Somente após a revisão em 2003 é que houve destaque para este tipo de abuso dos tratados internacionais tributários. Observa-se também que termos como 154 evasão fiscal e elisão fiscal (este último chamado de tax avoidance), são termos considerados internacionalmente distintos. Outro ponto sobressaído por Arnold (2004, p.245) é que com os novos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, em 2003, os tratados internacionais tributários passaram a ser interpretados de forma a refutar a elisão tributária abusiva, ou seja, devem ser interpretados de maneira a assegurar a aplicação de normas antielisivas internas, e, ao mesmo tempo, devem ser interpretados de modo a evitar o seu abuso. Neste andamento, não se deve mais buscar uma interpretação literal das disposições dos tratados internacionais tributários. Com isso, a OCDE, segundo Arnold (2004) inverteu o ônus no sentido de não ser mais necessário que os tratados internacionais tributários prevejam a possibilidade de um dos Estados Signatários poder aplicar suas normas antielisivas internas. Nesta linha de raciocínio, é de ressaltar que a forma de interpretação dos tratados internacionais tributários acabam por possibilitar uma aplicação de normas antielisivas internas. Mesmo com a constatação de que o tratado internacional é uma norma de direito público internacional, e, por esta razão deva seguir a forma de interpretação definidas para este fim, o próprio comentário aduz pela possibilidade de aplicação, ocorrendo uma verdadeira internacionalização das normas internas, como medida bilateral para evitar abuso. Contudo, nesse caso, a internacionalização das normas antielisivas internas correspondem a verdadeira medida global, posto que oriunda não de uma cláusula do tratado internacional tributário celebrado entre as partes, mas, sim, advinda dos Comentários da OCDE sobre o Artigo 1 da sua Convenção Modelo. Assim, torna-se precioso saber se, ao ocorrer a internacionalização de tais normas, o seu sentido será alterado também, como tinha anunciado Schoueri (1995) ao tratar da internacionalização como medida bilateral para se evitar abusos aos tratados. Arnold (2004) lembra que as mudanças no Comentário ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, em 2003, foram decorrentes das recomendações oriundas do Relatório da OCDE de 1998, intitulado Harmful Tax Competiton: An Emerging Global Issue. 155 Entre as recomendações para o combate à “competição tributária ofensiva”, Arnold (2004) destaca duas diretamente relacionadas a tratados internacionais tributários e a elisão fiscal. A primeira seria a recomendação para que os tratados fossem revisados no que condiz à concessão de benefícios para empresas (entidades) que utilizassem de planejamentos tributários abusivos. Arnold (2004) entende que a revisão de 2003 acatou tal recomendação por diversas passagens. A segunda recomendação do relatório de 1998, apontada por Arnold (2004) refere-se à sugestão para que os comentários afastem qualquer dúvida e clarifiquem a possibilidade de serem compatíveis as normas antielisivas domesticas e as normas dos tratados internacionais tributários (“the Commentary on the Model Tax Convention be clarified to remove any uncertainty or ambiguity regarding the compability of domestic anti-abusive measures with the Model Tax Convention”). 4.5.1 Os Comentários anteriores a 2003 Os Comentários anteriores a 2003, isto é, os Comentários de 1977 até 2003 levavam a conclusão de que normas antielisivas internas somente poderiam ser aplicadas a situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários caso tal aplicação estivesse expressa dentro dos tratados internacionais – seria o caso defendido por Schoueri (1995) como medida bilateral. Tal entendimento era extraído da leitura do parágrafo 7 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE 197 , mas que ao longo dos demais Comentários à Convenção Modelo era possível perceber uma visão diferente, no sentido de permitir a aplicação das normas antielisivas internas. 197 Segundo a própria OCDE, o parágrafo 7º dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE foi acrescentado quando a Convenção Modelo da OCDE de 1977 foi adotada pelo Conselho da OCDE no dia 11 de Abril de 1977. A redação original chegou a sofrer, posteriormente, alterações ínfimas em sua redação, sem a perda do sentido, em 21 de Setembro de 1995, ficando com o seguinte texto, até as alterações promovidas pela Revisão de 28 de Janeiro de 2003: “7. The purpose of double taxation conventions is to promote, by eliminating international double taxation, exchanges of goods and services, and the movement of capital and persons; they should not, however, help tax avoidance or evasion. True, taxpayers have the possibility, irrespective of double taxation conventions, to exploit differences in tax levels between States and the tax advantages provided by various countries’ taxation laws, but it is for the States concerned to adopt provisions in their domestic laws to counter such manoeuvres. Such States will then wish, in their bilateral double taxation conventions, to preserve the application of provisions of this kind contained in their domestic laws.” (OECD, 2010) 156 Neste sentido, ressalta o Parágrafo 23 dos Comentários ao Artigo 1º, anteriores à Revisão de 2003, cuja redação, em tradução livre, é a seguinte: 23. A grande maioria dos países membros da OCDE consideram que tais medidas são parte das regras internas básicas estabelecidas pela legislação tributária nacional, para determinar quais os fatos dão origem a uma obrigação tributária. Estas regras não são abordadas em tratados internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Pode-se invocar o espírito da Convenção, que seria violado se uma empresa, que é uma pessoa, na acepção da Convenção, acabou com nenhum ou quase nenhuma atividade ou renda sendo atribuída a ela, e, os Estados Contratantes tiveram pontos de vista divergentes sobre o assunto, com a dupla tributação econômica resultante disso, o mesmo rendimento seja tributado duas vezes nas mãos de dois contribuintes diferentes (ver parágrafo 2º do Artigo 9). Uma visão divergente, por outro lado, sustenta que tais regras estão sujeitas às disposições gerais dos tratados fiscais contra a dupla tributação, sobretudo quando o próprio tratado prevê disposições destinada a lutar contra seu uso indevido. (OCDE, 2010, 198 [tradução livre]) Ainda sobre a o antigo Parágrafo 23 dos comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, Arnold (2004) observa que tanto as normas específicas antielisivas internas (CFC Rules, por exemplo) como as normas gerais antielisivas internas, por se tratarem de regras que dispunham sobre a capacidade tributária, não tinham qualquer interferência com as regras dos tratados internacionais tributários. Apesar do Parágrafo 23 estar atualmente com nova redação, o posicionamento em questão é visto no Parágrafo 22.1, da mesma forma, sem, entretanto, constar a ressalva final: 22.1 [Não há conflito entre lei tributária domestica e tratados internacionais tributários] Tais regras são parte das regras básicas internas fixadas pela legislação tributária doméstica para determinar quais fatos dão origem a uma obrigação tributária; estas regras não são abordadas pelos tratados internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Assim, como regra geral, e, tendo em conta o Parágrafo 9.6, não haverá conflito. 198 Segundo o histórico dos comentários à Convenção Modelo da OCDE, a redação do parágrafo 23 referente ao Artigo 1º, anterior à Revisão de 2003 era a seguinte, em seu texto original: “23. The large majority of OECD member countries consider that such measures are part of the basic domestic rules set by national tax law for determining which facts give rise to a tax liability. These rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. One could invoke the spirit of the Convention, which would be violated only if a company, which is a person within the meaning of the Convention, ended up with no or almost no activity or income being attributed to it, and the Contracting States took divergent views on the subject, with economic double taxation resulting therefrom, the same income being taxed twice in the hands of two different taxpayers (see paragraph 2 of Article 9). A dissenting view, on the other hand, holds that such rules are subject to the general provisions of tax treaties against double taxation, especially where the treaty itself contains provisions aimed at counteracting its improper use.” (OECD, 2010) 157 Por exemplo, na medida em que a aplicação das regras referidas no Parágrafo 22 resulta em uma recaracterização de renda ou de uma nova determinação dos contribuintes que é considerado para obter tais rendimentos, as disposições dos tratados internacionais tributários serão aplicados tendo em conta estas mudanças (VAN RAAD, 2011 [tradução 199 livre]) Ainda sobre os Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo anteriores a 2003, Arnold (2004) conclui que eram, de forma geral, confusos, por exporem a opinião majoritária dos membros da OCDE no sentido da não aceitação do abuso dos tratados internacionais tributários e da necessidade de consideração das normas antielisivas internas, de um lado, e, em contrapartida, sugerir que a internacionalização das medidas internas – nos dizeres de Schoueri (1995, p.115) – sejam feitas de maneira bilateral no corpo do próprio tratado. Ademais, de maneira geral, Arnold (2004, p.246) lembra que as normas antielisivas internas foram tratadas de maneira geral, com algumas exceções como no caso das regras de empresas controladas no exterior (CFC Rules). Com isso, pode-se dizer que um dos motivos ensejadores da Revisão aos Comentários realizada em 2003 foi justamente o esclarecimento dessa questão condizente com a possibilidade de coexistência de normas antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Fazendo referência a antiga redação do Parágrafo 10 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, Arnold (2004, p.246) tenta demonstrar um lado mais confuso dos comentários, que ao mesmo tempo tentaria agradar a todos os Estados Membros da organização. A redação antiga do Parágrafo 10, mencionado por Arnold (2004, p.246) dispunha que: 10. Algumas dessas situações são tratadas na Convenção, por exemplo, pela introdução do conceito de “beneficiário efetivo” (Artigo 10, 11 e 12) e das disposições específicas, para as chamadas empresas-artista (parágrafo 2 do Artigo 17). Tais problemas são também mencionados nos Comentários sobre o Artigo 10 (parágrafos 17 e 22), o Artigo 11 (parágrafo 12), e no Artigo 12 (parágrafo 7). Poderia ser apropriado para os Estados Signatários 199 “22.1 [No conflict between domestic tax law and tax conventions] Such rules are part of the basic domestic rules set by domestic tax laws for determining which facts give rise to a tax liability; these rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. Thus, as a general rule and having regard to paragraph 9.6, there will be no conflict. For example, to the extent that the application of the rules referred to in paragraph 22 results in a recharacterization of income or in a redetermination of the taxpayers who is considered to derive such income, the provisions of the Convention will be applied taking into account these changes.” (VAN RAAD, 2011) 158 concordar em negociações bilaterais que determinados benefícios fiscais não devam ser aplicado em certos casos, ou concordar que a aplicação das normas antielisivas internas não deve ser afastadas pelas normas do Convenção para evitar a dupla tributação da renda. (OCDE 2010 [tradução 200 livre]) Contudo, entende-se que a menção, neste caso, seria a possibilidade dos Estados fazerem referências a normas específicas antielisivas nos tratados internacionais, o que não afeta as considerações a respeito da aplicação de normas antielisivas internas em situações abrangidas por estes. Em outra passagem, Arnold (2004) assevera que, antes de 2003, os Comentários à Convenção Modelo não deixavam claro como deveria ser a interpretação e a aplicação dos tratados internacionais tributários no que tange ao objetivo de evitar a evasão e elisão fiscal. Inclusive, que vários estudiosos interpretavam os comentários como se houvesse uma necessidade de previsão de cláusulas permitindo a aplicação de normas antielisivas internas. Logicamente, e, principalmente após a Revisão de 2003 (cujo objetivo entende-se mais como uma clarificação dos parágrafos alterados), a busca pelos objetivos dos tratados internacionais tributários, referentes a neutralidade nas transações internacionais, bem como o contexto em que estão inseridas as situações, levam a possibilitar uma possibilidade de aplicação de normas antielisivas internas. 4.5.2 A prevenção à elisão e evasão fiscal e as normas antielisivas internas Como já posicionado acima, também Martín Jiménez (2004, p.17) faz uma importante observação em relação à Revisão de 2003 aos Comentários da Convenção Modelo da OCDE. Ele nota que a grande inovação foi apresentar uma clarificação a respeito da relação entre normas antielisivas internas e normas dos tratados internacionais tributários. 200 Segundo a OCDE, a redação antiga oriunda de 1977 até o dia 28 e Janeiro de 2003 era a seguinte: “10. Some of these situations are dealt with in the Convention, e.g. by the introduction of the concept of “beneficial owner” (in Article 10, 11 and 12) and of special provisions, for so-called artist-companies (paragraph 2 of Article 17). Such problems are also mentioned in the Commentaries on Article 10 (paragraphs 17 and 22), Article 11 (paragraph 12), and Article 12 (paragraph 7). It may be appropriate for Contracting States to agree in bilateral negotiations that any relief from tax should not apply in certain cases, or to agree that the application of the provisions of domestic laws against tax avoidance should not be affected by the Convention.” (OCDE, 2010) 159 Vale ressaltar que as mudanças ocorridas aos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo seriam oriundos de três documentos distintos. O primeiro deles seria o “Rascunho de 2001” (Draft Contents of the 2002 Update to the Model Tax Convention of 2 October 2001 – “2001 Draft”), o segundo seria o “Relatório de 2002” (Restricting the Entitlement to Treaty Benefits of 7 November 2002 – “2002 Report”), e, finalmente o terceiro que seria a Revisão de 2003 aos Comentários da Convenção Modelo da OCDE. Uma das principais mudanças trazidas pela Revisão de 2003, seria a mudança de redação do Parágrafo 7 dos Comentários ao Artigo 1º, onde estaria incluído como um dos principais propósitos dos tratados internacionais a prevenção da elisão e evasão fiscal (“to prevent tax avoidance and evasion”). Tal inclusão objetivava não somente seguir a uma das recomendações do Relatório de 1998 sobre Competição Fiscal Prejudicial (Harmful Tax Competition Report), mas, também colocar a prevenção ao abuso dos tratados internacionais não mais como um propósito auxiliar dos tratados internacionais tributários, mas como um dos seus objetivos principais ao lado da eliminação da dupla tributação da renda. Assim, os tratados internacionais tributários passaram a não ter um objetivo de somente não ajudar a elisão e evasão fiscal internacional, passando a buscar um ajuste da jurisdição tributária dos Estados Soberanos signatários de maneira que os fatos praticados e abrangidos pelas normas dos tratados sejam tributados em pelo menos um deles. Seria a busca por evitar a dupla não tributação da renda. Seguindo a alteração ao Parágrafo 7 dos Comentários ao Artigo 1, Martín Jiménez (2004, p.18) ressalta que as mudanças nos Parágrafos 7.1 ao 9.5 são decorrentes da adequação de suas redações em face da Revisão de 2003. No que concerne ao Parágrafo 7.1, houve a identificação de “abuso” como a exploração de diferenças tributárias entre os Estados Soberanos signatários, o que, para Martín Jiménez (2004) poderia sugerir que os Comentários, após a Revisão de 2003, estariam abrangendo planejamentos tributários legítimos como formas de abuso de tratados internacionais tributários. Nesse diapasão, ressalta-se que a nova legislação sobre CFC no Brasil (Lei 12.973/2014), analisada posteriormente, cria uma presunção de localidade com tributação favorecida onde haveria a chamada subtributação (abaixo de 20%), e, que seguiria, de tal forma, a orientação não somente do Parágrafo 7.1, mas, também do 160 Parágrafo 26, em sua nova redação advinda da Revisão de 2003, que será visto em seguida. Entende-se que nesse caso a intenção é resguardar o propósito principal dos tratados internacionais tributários no sentido de alcançar uma neutralidade tributária nas transações internacionais. Citando o professor Brian Arnold, em um Seminário da IFA (International Fiscal Association), realizado em Sydney em 2003, Martín Jiménez (2004, p.18) ressalta que outra mudança decorrente da Revisão de 2003 consiste na inversão do ônus de prova com relação a aplicação das normas internas antielisivas a fatos abrangidos pelos tratados internacionais tributários. Anteriormente à 2003, a Administração Tributária deveria demonstrar que a norma antielisiva interna poderia ser aplicada no contexto do tratado internacional tributário. Portanto, ao lado de evitar a dupla tributação da renda e possibilitar o comercio e investimento internacional, os tratados internacionais tributários passaram a ter como objetivo auxiliar/acessório o combate ao planejamento tributário abusivo e à evasão fiscal, de forma explicita em seus comentários. Arnold (2004), inclusive, destaca que a Convenção de Viena sobre tratados internacionais (CVDT), em seu Artigo 31(1) determina que os tratados devem ser interpretados em conformidade com os seus objetivos. Atualmente, o Parágrafo 7, e 7.1, possuem a seguinte redação: 7. [Prevenção de elisão e evasão tributária] O principal objetivo das convenções de dupla tributação é promover, através da eliminação de dupla tributação internacional, o intercâmbio de bens e serviços, e a circulação de capitais e de pessoas. É também um objetivo dos tratados internacionais tributários prevenir a elisão e a evasão tributária. (VAN RAAD, 2011 201 [tradução livre]) 7.1 [Normas Internas Antielisivas] Os contribuintes podem ser tentados a abusar das leis tributárias de um Estado através da exploração das diferenças entre as legislações de vários países. Tais tentativas podem ser combatidas por disposições ou normas jurisprudências que fazem parte do direito interno do Estado em causa. Tal Estado é, então, improvável de concordar com as disposições de tratados internacionais tributários que seriam impedidas pelas disposições e regras deste tipo contidas em seu direito interno. Além disso, ele não vai querer aplicar seus tratados 201 “7. [Prevention of tax avoidance and evasion] The principal purpose of double taxation conventions is to promote, by eliminating international double taxation, exchanges of goods and services, and the movement of capital and persons. It is also a purpose of tax conventions to prevent tax avoidance and evasion.” (VAN RAAD, 2011) 161 internacionais tributários de uma maneira que teria esse efeito. (VAN RAAD, 202 2011 [tradução livre]) Arnold (2004), analisando o disposto no Parágrafo 7 referente aos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, ressalta que a previsão, no sentido de descrever, como um dos objetivos dos tratados internacionais tributários, a prevenção de elisão fiscal abusiva e evasão fiscal, é por demais ampla, o que poderia acarretar algum tipo de obstáculo para as autoridades tributárias e as cortes judiciais alinharem sua correta aplicação. Contudo, ressalta que para tanto, a Revisão de 2003 também trouxe as alterações no Parágrafo 9.1 referente aos Comentários ao Artigo 1, onde está disposto que os tratados internacionais tributários não devem ser interpretados para se evitar a aplicação de normas antielisivas e antievasivas internas, e, também não podem ser concedidos benefícios para aquelas situações onde percebe-se o uso impróprio e abusivo dos tratados. Ademais, com a Revisão aos Comentários à Convenção Modelo, em 2003, onde ficou estabelecido de maneira clara e direta que um dos objetivos dos tratados internacionais tributários seria a prevenção de planejamentos tributários abusivos, é possível vislumbrar um conceito próprio de abuso dos tratados mesmo por aqueles Estados Soberanos signatários que não possuem em seu ordenamento interno normas antielisivas. Ou seja, tais Estados poderiam interpretar os tratados internacionais tributários que convencionassem de maneira a evitar o abuso dos mesmos, independente de terem em seu ordenamento qualquer norma antielisiva. Em relação ao Parágrafo 8, Martín Jiménez (2004, p.18) ressalta que houve uma confirmação do que consistiria o planejamento tributário abusivo, sendo bastante similar com a ideia apresentada no início desse estudo por Caliendo (2009) como estruturas artificiais objetivando a economia de tributos. 203 8. [Treaty Shopping] "Também é importante notar que a extensão das convenções de dupla tributação aumenta o risco de abuso, facilitando o uso 202 “7.1 [Domestic anti-abuse legislation] Taxpayers may be tempted to abuse the tax laws of a State by exploiting the differences between various countries’ laws. Such attempts may be countered by provisions or jurisprudential rules that are part of the domestic law of the State concerned. Such a State is then unlikely to agree to provisions of bilateral double taxation conventions that would otherwise be prevented by the provisions and rules of this kind contained in its domestic law. Also, it will not wish to apply its bilateral conventions in a way that would have that effect.” (VAN RAAD, 2011) 162 de artifícios jurídicos que visam garantir os benefícios de ambos os benefícios fiscais disponíveis sob certas leis nacionais e as isenções dos impostos previstos no convenções de dupla tributação. Neste sentido, Martín Jiménez (2004, p.18) entende que o objetivo da Revisão de 2003 é criar, pela leitura dos Parágrafos 7 a 9, um conceito uniforme do que seria um abuso dos tratados internacionais tributários (“uniform anti-abuse standard”). Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que a ideia de princípio antielisão criado por Vogel (1986), e, comentado por Schoueri (1995) seria a mesma uniformização buscada pelos Parágrafos 7 a 9 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE. 4.5.3 As questões fundamentais A mudança oriunda da Revisão de 2003 ao Parágrafo 9 dos Comentários ao Artigo 1º consiste na apresentação de dois modelos do que seriam considerados abusos de tratados internacionais tributários e que estariam previstos na redação antiga dos Comentários. Contudo, a grande diferença na visão de Martín Jiménez (2004) é que nesta nova versão não haveria uma necessidade de previsão no corpo dos tratados internacionais tributários, através de normas específicas antielisivas internacionais. 9. [Exemplos de abuso] Este seria o caso, por exemplo, se uma pessoa (seja ou não um residente de um Estado Contratante), atua através de uma entidade jurídica criada em um Estado essencialmente para obter os benefícios do tratado que não estariam disponíveis diretamente. Outro caso seria um indivíduo que tem em um Estado Contratante tanto a sua casa permanente e todos os seus interesses económicos, incluindo uma participação substancial numa sociedade desse Estado, e que, essencialmente, a fim de vender as ações e escapar da tributação nesse Estado os ganhos provenientes da alienação (por força do § 5 do artigo 13), transfere este lar permanente para outro Estado Contratante, onde os ganhos estão sujeitos a pouco ou nenhum imposto. (VAN RAAD, 2011, 204 [tradução livre]) 203 “It is also important to note that the extension of double taxation conventions increases the risk of abuse by facilitating the use of artificial legal constructions aimed at securing the benefits of both the tax advantages available under certain domestic laws and the reliefs from tax provided for in double taxation conventions.” (VAN RAAD, 2011) 204 “[Examples of abuse] This would be the case, for example, if a person (whether or not a resident of a Contracting State), acts through a legal entity created in a State essentially to obtain treaty benefits that would not be available directly. Another case would be an individual who has in a Contracting State both his permanent home and all his economic interests, including a substantial 163 Arnold (2004), adentrando na análise dos Comentários à Convenção Modelos realizados após a Revisão de 2003, lembra que o Parágrafo 9.1 referente ao Artigo 1 apresenta dois problemas envolvendo os tratados internacionais tributários e a elisão fiscal agressiva. O primeiro consistiria em saber se os tratados internacionais tributários poderiam ser interpretados e aplicados de forma a negar os benefícios ali previstos quando entender ser o caso de transações abusivas, e, o segundo refere-se a questão se as normas internas antielisivas são afastadas pelas normas dos tratados internacionais tributários quando ocorrer uma situação de conflito de normas. O Parágrafo 9.1 referenciado dispõe o que segue: 9.1 [Questões fundamentais] Isto levanta duas questões fundamentais que são discutidas nos parágrafos seguintes: - Se os benefícios dos tratados internacionais tributários devem ser concedidos quando as transações que constituam um abuso das disposições desses tratados são celebradas (cf. os Parágrafos 9.2 e seguintes abaixo); e - Se as disposições específicas e regras jurisprudenciais do direito interno de um Estado Signatário que se destinam a prevenir elisão fiscal abusiva conflita com tratados internacionais tributários (cf. Parágrafos 22 e seguintes 205 abaixo). (VAN RAAD, 2011, [tradução livre]) Com relação a esses dois problemas, acima apresentados, os Parágrafos 9.2 e 9.3 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE apresentam duas visões distintas. Na primeira, Parágrafo 9.2, o Estado Soberano signatário do tratado internacional tributário entende que apenas o segundo problema apresentado acima seria pertinente, posto que o uso impróprio dos tratados demandaria somente aquelas situações onde ocorresse a violação de normas internas, já que são essas que determinam a incidência tributária. shareholding in a company of that State, and who, essentially in order to sell the shares and escape taxation in that State on the capital gains from the alienation (by virtue of paragraph 5 of Article 13), transfers this permanent home to the other Contracting State, where such gains are subject to little or no tax.” (VAN RAAD, 2011) 205 “9.1 [Fundamental questions] This raises two fundamental questions that are discussed in the following paragraphs: - whether the benefits of tax conventions must be granted when transactions that constitute an abuse of the provisions of these conventions are entered into (cf. paragraphs 9.2 and following below); and - whether specific provisions and jurisprudential rules of the domestic law of a Contracting State that are intended to prevent tax abuse conflict with tax conventions (cf. paragraphs 22 and following below).” (VAN RAAD, 2011) 164 9.2 [Primeira abordagem: a autonomia das normas antielisivas internas] Para muitos Estados, a resposta para a primeira questão é baseado em sua resposta à segunda questão. Esses Estados têm em conta o fato de que os tributos, em última instância, incidem em face das provisões do direito interno, como restringido (e em alguns raros casos, ampliados) pelas provisões dos tratados internacionais tributários. Assim, qualquer abuso das disposições também pode ser caracterizada como um abuso das disposições da legislação doméstica através da qual o tributo é cobrado. Para esses Estados, a questão torna-se então se as disposições dos tratados internacionais tributários podem impedir a aplicação das normas antielisivas internas, o que corresponde com a segunda questão acima. Conforme indicado no item 22.1 abaixo, a resposta a esta questão é que, na medida em que as normas antielisivas internas fazem parte das regras básicas internas definidas pela legislação tributária doméstica para a determinação de quais fatos dão origem à obrigação tributária, elas não são dirigidas aos tratados internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Assim, como regra geral, não haverá conflito entre as normas e as 206 disposições das convenções fiscais. (VAN RAAD, 2011 [tradução livre]) Buscando sintetizar as mudanças trazidas pelos Parágrafos 9.2 e seguintes referentes ao Artigo 1, e, oriundos da Revisão de 2003, Martín Jiménez (2004, p.1920) faz importantes considerações. A primeira seria que os comentários não fazem distinção em relação às normas específicas antielisivas internas e as normas gerais antielisivas internas (segundo leitura do Parágrafo 9.2), o que acarreta uma interpretação um pouco equivocada. Isto porque, segundo o Comentário a aplicação das regras antielisivas internas que afetam a hipótese de incidência não deixariam de ser aplicadas em virtude de referirem a fatos abrangidos pelas normas dos tratados internacionais tributários, contudo, existiria uma diferença entre os efeitos das normas antielisivas internas (gerais e específicas). Enquanto as primeiras simplesmente garantem a aplicação das regras de incidência tributária, as normas internas antielisivas específicas ampliam referida regra de incidência tributária, havendo uma presunção de que determinado evento elusivo estria abrangido pela hipótese de incidência. Neste sentido, as normas específicas antielisivas internas, segundo o entendimento 206 “9.2 [First approach: autonomy of domestic anti-abuse provisions] For many States, the answer to the first question is based on their answer to the second question. These States take account of the fact that taxes are ultimately imposed through the provisions of domestic law, as restricted (and in some rare cases, broadened) by the provisions of tax conventions. Thus, any abuse of the provisions could also be characterised as an abuse of the provisions of domestic law under which tax will be levied. For these States, the issue then becomes whether the provision of tax conventions may prevent the application of the anti-abuse provisions of domestic law, which is the second question above. As indicated in paragraph 22.1 below, the answer to that second question is that to the extent these anti-avoidance rules are part of the basic domestic rule set by domestic tax laws for determining which facts give rise to a tax liability, they are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. Thus, as a general rule, there will be no conflict between such rules and the provisions of tax conventions.” (VAN RAAD, 2011) 165 de Martín Jiménez (2004, p.19) poderiam acarretar, em virtude da interpretação a ser dada às normas do tratado internacional tributário, uma falta de harmonia. Já a segunda visão, vislumbrada no Parágrafo 9.3 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, seria aquela em que o Estado Signatário do tratado internacional tributário teria como preocupação a forma de interpretação das normas desse tratado buscando evitar o seu abuso. 9.3 [Segunda abordagem: interpretação teleológica dos tratados internacionais tributários] Outros Estados preferem ver alguns abusos como sendo abusos do próprio tratado internacional tributário, ao contrário de abuso do direito interno. Esses Estados, por qualquer meio, então consideram que uma interpretação adequada para os tratados internacionais tributários permitem desconsiderar transações abusivas, tais como aquelas celebradas com vista à obtenção de benefícios não intencionais ao abrigo das disposições dos tratados. Essa interpretação resulta do objeto e da finalidade dos tratados internacionais tributários, bem como da obrigação de interpretá-los de boa-fé (conforme o Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados). (VAN RAAD, 2011 207 [tradução livre]) Independente da abordagem, a conclusão presente nos comentários é pela impossibilidade de concessão de vantagens advindas de planejamentos tributários considerados abusivos e agressivos, como previsto no Parágrafo 9.4 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE. 9.4 [Não há benefícios em arranjos abusivos] Sob as duas abordagens, portanto, fica acordado que os Estados não têm que conceder os benefícios dos tratados internacionais tributários em face de transações que constituam um abuso das disposições deste tratado celebrado. (VAN RAAD, 208 2011 [tradução livre]) Adentrando ao problema do conflito dos tratados internacionais tributários, Arnold (2004) dispõe que o problema seria saber se existe ou não conflito entre as normas destes e as normas antielisivas internas, e, que no caso de haver um 207 “9.3 [Second approach: purposive interpretation of tax conventions] Other States prefer to view some abuses as being abuses of the convention itself, as opposed to abuses of domestic law. These States, however, then consider that a proper construction of tax conventions allows them to disregard abusive transactions, such as those entered into with the view to obtaining unintended benefits under the provisions of these conventions. This interpretation results from the object and purpose of tax conventions as well as the obligation to interpret them in good faith (see Article 31 of the Vienna Convention on the Law of Treaties).” (VAN RAAD, 2011) 208 “9.4 [No benefits upon abusive arrangements] Under both approaches, therefore, it is agreed that States do not have to grant the benefits of double taxation convention where arrangements that constitute an abusive of the provisions of the convention have been entered into.” (VAN RAAD, 2011) 166 conflito, os tratados internacionais tributários devem prevalecer, caso contrário, as normas antielisivas internas devem ser aplicadas em decorrência do uso impróprio das normas dos tratados internacionais tributários. Analisando a possibilidade de não haver conflito, Arnold (2004) aponta corretamente que as normas antielisivas internas são aplicadas para a correta determinação dos fatos sobre os quais irão incidir a norma de incidência tributária (hipótese de incidência). Neste sentido, não haveria conflito, posto que a determinação e qualificação correta dos fatos jurígenos passíveis de incidência tributária não estão no escopo dos tratados internacionais tributários, e, somente após a correta determinação destes fatos é que as normas dos tratados iriam ser aplicadas. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, isto iria ocorrer através da aplicação do Artigo 142 combinado com o Artigo 149, ambos do Código Tributário Nacional (CTN), através da verificação pela Autoridade Tributária da ocorrência do fato gerador e da constatação que o sujeito passivo (contribuinte) agiu com dolo, fraude ou simulação. Todavia, Arnold (2004) aponta existir uma questão referente a tal assertiva, que consiste no fato de que poderia ocorrer uma situação onde a norma antielisiva doméstica fosse considerada aplicável, mas, pela orientação do Parágrafo 9.5 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, incluído pela Revisão de 2003, tal situação não seria configurada como um abuso do tratado. 9.5 [Princípio orientador] É importante notar, todavia, que não deve ser ligeiramente suposto que um contribuinte está entrando no tipo de transação abusiva acima referida. Um princípio orientador é que os benefícios de um tratado internacional tributário não devem ser concedidos quando o objetivo principal para entrar em certas transações ou acordos seja assegurar a um colocação tributária mais favorável, e a obtenção do tratamento mais favorável nestas circunstâncias seria contrário aos objetivos e finalidades das disposições pertinentes. (VAN RAAD, 2001 209 [tradução livre]) Tal situação, ocorreria se o “princípio orientador” do Parágrafo 9.5 fosse considerado, ele próprio, como uma norma antielisiva internacional. 209 “[Guiding principle] It is important to note, however, that it should not be lightly assumed that a taxpayer is entering into the type of abusive transactions referred to above. A guiding principle is that the benefits of a double tax convention should not be available where a main purpose for entering into certain transactions or arrangements was to secure a more favourable tax position and obtaining that more favourable treatment in these circumstances would be contrary to the object and purpose of the relevant provisions.” (VAN RAAD, 2011) 167 Nesse caso, segundo Arnold (2004) existiriam, para certos Estados, duas normas antielisivas que poderiam ter tratamentos diferenciados do fato apontado por uma delas como abusivo. De um lado a norma antielisiva doméstica e de outro lado a norma contida no Parágrafo 9.5 dos Comentários ao Artigo 1º. Nessa linha de raciocínio, poder-se-ia chegar a conclusão de que a norma antielisiva doméstica deveria ser interpretada de maneira distinta do que ocorre no ordenamento interno do Estado, se relacionando com os critérios do Parágrafo 9.5., e, de acordo com a previsão do Parágrafo 9.4. Nessa situação, se estaria em consonância com a análise de Schoueri (1995) ao tratar da internacionalização de normas internas, que acusa poder acarretar uma interpretação distinta daquela que vinha sofrendo no ordenamento interno, em razão de dever ser interpretada em consonância com os princípios de direito internacional público. Assim, podemos encontrar em Arnold (2004) uma certeza de que apesar da orientação e objetivo dos tratados internacionais tributários ser a prevenção da elisão fiscal, as normas antielisivas internas, ao serem aplicadas aos fatos abrangidos por esses tratados, devem ser interpretadas em consonância com o seu contexto. Entende-se que interpretar as normas internas antielisivas dentro do contexto dos tratados internacionais tributários seria o mesmo que utilizar do método da internacionalização das normas internas, apontado por Schoueri (1995), aplicando-se, destarte, os princípios gerais de direito público internacional, já analisados ao tratarmos da cláusula não escrita antielisiva de Vogel. Neste contexto vale ressaltar também que a opinião de Schoueri (1995) referente ao fato de que o “princípio do anti-abuso” não poder ser considerado como oriundo do princípio da boa-fé e um princípio reconhecido pelas nações civilizadas estaria, na atual conjuntura, equivocado, justamente em razão das alterações advindas da Revisão de 2003 aos comentários da Convenção Modelo da OCDE – ou mesmo pelas razões anteriores já existentes e apontadas por Vogel (1986). A importância destacada por Martín Jiménez (2004) ao Parágrafo 9.6 dos Comentários ao Artigo 1 consiste na possibilidade de normas gerais antielisivas internas serem aplicadas a situações abrangidas por tratados internacionais tributários que possuem normas específicas antielisivas internacionais. 168 9.6 A aplicação de cláusulas gerais antielisivas não significa que não há necessidade para a inclusão, nas convenções fiscais, de disposições específicas destinadas a prevenir determinadas formas de elisão fiscal. Onde as técnicas de prevenção específicas foram identificadas ou onde o uso de tais técnicas é especialmente problemática, muitas vezes, é útil acrescentar às disposições da Convenção que incidem diretamente sobre a estratégia de fuga relevante. Além disso, isso será necessário sempre que um Estado que adota a visão descrita no parágrafo 9.2 acima acredita que sua legislação interna não tem as regras antielisivas ou princípios necessários para enfrentar adequadamente essa estratégia. (VAN RAAD, 210 2011, [tradução livre]) Portanto, a existência de normas antielisivas internacionais (no corpo dos tratados internacionais tributários) não significa a impossibilidade de aplicação das normas antielisivas internas, sejam as gerais ou as específicas. 4.5.4 Normas específicas antielisivas - CFC Rules Assim como o presente estudo, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE tratam das normas específicas antielisivas internas de tributação de lucros auferidos no exterior através de empresas controladas e coligadas, as CFC Rules. Com relação às regras de empresas controladas estrangeiras (CFC Rules), Martín Jiménez (2004, p.22) enfatiza que, com a Revisão de 2003, não só confirmou-se a possibilidade de aplicação de normas gerais antielisivas internas a situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários, mas, também, a aplicação das CFC Rules, que seriam o exemplo de normas específicas antielisivas internas em destaque na atualidade, principalmente no Brasil. Além das mudanças e posicionamentos constantes nos Parágrafos 7 a 9.6, que tratam das normas antielisivas internas de maneira generalizada, os Parágrafos 22 até 26 dão atenção destacada às Base Companies, sendo que os Parágrafos 22, 22.1 e 22.2 tratariam de normas gerais antielisivas internas, e, os Parágrafos 23 a 26 tratariam das normas de empresas controladas no exterior (CFC Rules). Arnold (2004), inicialmente, adverte que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, anteriores a 2003, deixavam claro que tais regras não seriam afastadas 210 “9.6 The potential application of general anti-abusive provisions does not mean that there is no need for the inclusion, in tax conventions, of specific provisions aimed at preventing particular forms of tax avoidance. Where specific avoidance techniques have been identified or where the use of such techniques is especially problematic, it will often be useful to add to the Convention provisions that focus directly on the relevant avoidance strategy. Also, this will be necessary where a State which adopts the view described in paragraph 9.2 above believes that its domestic law lacks the anti-avoidance rules or principles necessary to properly address such strategy.” (VAN RAAD, 2011). 169 pelas normas dos tratados internacionais tributários. Contudo, Arnold (2004) apresenta algumas observações a certos comentários, anteriores a 2003, onde ficava estabelecido que a fata de confronto entre as CFC Rules e as normas dos tratados internacionais tributários não seriam contraditórias desde que aquelas não fossem aplicadas a situações que não haveria o uso impróprio do tratado internacional. Tais situações iriam ocorrer, notadamente, quando as atividades empresariais e as transações comerciais fossem consideradas reais (ou seja, sem abuso). Assim era a redação do Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE: 26. A maioria dos países membros aceitaram contrapor medidas como um meio necessário para manter a equidade e neutralidade das leis fiscais nacionais num contexto internacional caracterizado por diferentes cargas tributárias, mas acreditam que essas medidas devem ser utilizadas apenas para esta finalidade. Seria contrário ao princípio geral subjacente à Convenção Modelo e ao espírito dos tratados internacionais tributários em geral se contrapor medidas deviam ser estendido para atividades como produção, prestação normal dos serviços e comércio de empresas envolvidas na atividade industrial ou comercial real, quando eles estão claramente relacionados com o ambiente econômico do país em que residem em uma situação em que essas atividades são realizadas de tal forma que nenhuma evasão fiscal poderia ser suspeita. Contrapor medidas não devem ser aplicadas a países em que a tributação é comparável ao do 211 país de residência do contribuinte. (OCDE, 2010 [tradução livre]) Segundo Arnold (2004), a discussão existente entre contribuintes e autoridades tributárias referentes a aplicação das regras de tributação de empresas controladas reside no fato de que, de acordo com os contribuintes, a aplicação de tais regras consistiria em inobservância do Artigo 10(5)212 dos tratados internacionais 211 “26. The majority of member countries accepted counteracting measures as a necessary means of maintaining equity and neutrality of national tax laws in an international environment characterised by very different tax burdens, but believe that such measures should be used only for this purpose. It would be contrary to the general principle underlying the Model Convention and to the spirit of tax treaties in general if counteracting measures were to be extended to activities such as production, normal rendering of services and trading of companies engaged in real industrial or commercial activity, when they are clearly related to the economic environment of the country where they are resident in a situation where these activities are carried out in such a way that no tax avoidance could be suspected. Counteracting measures should not be applied to countries in which taxation is comparable to that of the country of residence of the taxpayer.” (OECD, 2010). 212 “10(5) Where a company which is a resident of a Contracting State derives profits or income from the other Contracting State, that other State may not impose any tax on the dividends paid by the company, except insofar as such dividends are paid to a resident of that other State or insofar as the holding in respect of which the dividends are paid is effectively connected with a permanent establishment situated in that other State, nor subject the company’s undistributed profits to a tax on the company’s undistributed profits, even if the dividends paid or the undistributed profits consist wholly or partly of profits or income arising in such other State.” (OECD, 2014). Tradução livre: “Quando uma sociedade é um residente de um Estado Signatário obtiver lucros ou 170 tributários que não permitem a tributação por um Estado Signatário dos lucros não distribuídos por uma subsidiária residente em outro Estado e que pertenceriam ao residente no primeiro. Lado outro, as autoridades tributárias defendem a manutenção das regras de tributação das empresas estrangeiras controladas (CFC Rules) primeiramente sob o argumento de que a tributação não seria sobre a subsidiária não residente, e, portanto, não estaria violando a previsão do Artigo 10(5) dos tratados internacionais tributários, e, em segundo lugar, porque tratam as CFC Rules de verdadeiras normas específicas antielisão internas, buscando, destarte, proteger a arrecadação tributária nacional. As CFC Rules estão em consonância com os tratados internacionais tributários pois previnem o uso artificial de empresas estrangeiras para o fim de postergar e/ou evitar a tributação no Estado de residência. Cabe ainda ressaltar que, com as modificações aos comentários advindas da Revisão de 2003, ficou mais claro ainda que não existe um conflito entre as CFC Rules e os tratados internacionais tributários. Arnold (2004), neste sentido, sustenta que a única exceção seria apresentada pelo Parágrafo 26 dos comentários ao Artigo 1, que determina que as referidas regras não deveriam ser utilizadas em situações onde o outro Estado tributada o rendimento na mesma carga tributária. Entende-se que trata-se da mesma situação prevista nos Comentários anteriores à revisão de 2003, onde era disposto que as CFC Rules não deveriam ser aplicadas em situações onde houvesse uma real atividade econômica. 26. [Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras controladas] Membros que adotem disposições sobre empresas estrangeiras controladas ou as regras anti-abuso referidos acima em suas leis internas procuram manter a igualdade e neutralidade dessas leis em um ambiente internacional caracterizado por diferentes cargas tributárias, mas tais medidas não devem ser utilizados apenas para esta finalidade. Como regra geral, estas medidas não devem ser aplicados quando o rendimento relevante tenha sido sujeito a tributação que é comparável a do país de 213 residência do contribuinte. (VAN RAAD, 2011, [tradução livre]) rendimentos provenientes do outro Estado Signatário, esse outro Estado não poderá exigir nenhum tributo sobre os rendimentos pagos pela sociedade, exceto na medida em que esses dividendos forem pagos a um residente desse outro Estado ou na medida em que a participação relativamente à qual os dividendos são pagos estiver efetivamente ligada a um estabelecimento permanente situado nesse outro Estado, nem sujeitar os lucros não distribuídos da sociedade a um tributo sobre os lucros não distribuídos da sociedade, mesmo que os dividendos pagos ou os lucros não distribuídos consistam, total ou parcialmente, em lucros ou rendimentos provenientes desse outro Estado.”. 213 “26. [Limitation of CFCs legislation] States that adopt controlled foreign companies provisions or the anti-abuse rules referred to above in their domestic laws seek to maintain the equality and 171 Incumbe enfatizar que referente aos Comentários anteriores à 2003, a regra no sentido de que as CFC rules não se aplicariam àquelas atividades empresariais consideradas reais foram afastadas com a Revisão de 2003, restando apenas o critério do montante tributado pelo outro Estado, onde reside a subsidiária (controlada). Com relação ao Parágrafo 22 dos Comentários ao Artigo 1, Martín Jiménez (2004) aduz que consiste, em certo aspecto, a uma reprodução do Parágrafo 7.1, buscando demonstrar outras formas de combate ao abuso, como a substância sobre a forma, interpretação econômica, e normas gerais antielisivas. Ademais, o Parágrafo 22 estaria relacionado à segunda questão do Parágrafo 9.1 (“se as disposições específicas e regras jurisprudenciais do direito interno de um Estado Signatário que se destinam a prevenir elisão fiscal abusiva conflita com tratados internacionais tributários”). No mesmo sentido, o Parágrafo 22.1 corresponde a uma reprografia do Parágrafo 9.2, dispondo que as normas antielisivas internas não confrontam-se com as normas dos tratados internacionais tributários posto que as primeiras determinam os fatos geradores enquanto que as segundas não possuem tal atribuição. Martín Jiménez (2004, p. 23) ratifica seu posicionamento no sentido de discordar desse argumento, reafirmando que apenas no caso das normas gerais antielisivas é que haveria uma busca pela aplicação correta da legislação tributária, enquanto que, no caso das normas específicas antielisivas haveria verdadeira ampliação do fato gerador, o que, em consonância com o seu entendimento, corresponderia a um confronto real das normas. E, a previsão do Parágrafo 22.2 corresponderia a antiga previsão do Parágrafo 25, onde é assegurado a aplicação das normas dos tratados internacionais tributários naqueles casos em que não é configurado o abuso de suas normas. 22. [Abordagens decorrente da legislação interna] Outras formas de abuso de tratados internacionais tributários (por exemplo, o uso de uma empresa base) e de possíveis maneiras de lidar com elas, incluindo "substância sobre a forma", "substância econômica" e as regras gerais antielisivas "também foram analisadas, nomeadamente no que diz respeito à questão de saber se estas regras entram em conflito com os tratados internacionais neutrality of these laws in an international environment characterized by very different tax burdens, but such measures should not be used only for this purpose. As a general rule, these measures should not be applied where the relevant income has been subjected to taxation that is comparable to that in the country of residence of the taxpayer.” (VAN RAAD, 2011). 172 tributários, que é a segunda questão mencionada no parágrafo 9.1 acima" 214 (VAN RAAD, 2011 [tradução livre]) 22.1 [Não há conflito entre lei tributária domestica e tratados internacionais tributários] Tais regras são parte das regras básicas internas fixadas pela legislação tributária doméstica para determinar quais fatos dão origem a uma obrigação tributária; estas regras não são abordadas pelos tratados internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Assim, como regra geral, e, tendo em conta o Parágrafo 9.6, não haverá conflito. Por exemplo, na medida em que a aplicação das regras referidas no Parágrafo 22 resulta em uma recaracterização de renda ou de uma nova determinação dos contribuintes que é considerado para obter tais rendimentos, as disposições dos tratados internacionais tributários serão aplicados tendo em conta estas mudanças (VAN RAAD, 2011 [tradução 215 livre]) 22.2 [Alívio na dupla tributação a não ser abuso comprovado] Embora essas regras não entrem em conflito com as convenções fiscais, há um consenso de que os países membros devem observar cuidadosamente as obrigações específicas consagradas em tratados fiscais para evitar a dupla tributação, desde que não há nenhuma evidência clara de que os tratados estão sendo 216 abusadas. (VAN RAAD, 2011 [tradução livre]) Adentrando à análise dos Parágrafos 23 a 26, decorrentes da Revisão de 2003 aos Comentários ao Artigo 1, Martín Jiménez (2004) relata que as mudanças tiveram como base decisão proferida pela Suprema Corte Administrativa da Finlândia (Finnish Supreme Administrative Court), e, corresponderam a uma afronta à decisão proferida pelo Conselho de Estado francês (Conseil d’Êtat). Ademais, o posicionamento anterior dos Comentários era no sentido de enfatizar que a maioria dos Estados membros eram favoráveis à aplicação das CFC Rules, enquanto que a minoria era contrária, e, a controvérsia foi resolvida com a Revisão de 2003, ao confirmar a legitimidade das CFC Rules em face dos tratados internacionais tributários. Neste diapasão, enquanto que o Parágrafo 23 aponta a legitimidade das 214 “[Approaches deriving from domestic laws] Other forms of abuse of tax treaties (e.g. the use of a base company) and of possible ways to deal with them including “substance-over-form”, “economic substance” and general anti-abuse rules” have also been analysed, particularly as concerns the question of whether these rules conflict with tax treaties, which is the second question mentioned in paragraph 9.1 above” (VAN RAAD, 2011). 215 “[No conflict between domestic tax law and tax conventions] Such rules are part of the basic domestic rules set by domestic tax laws for determining which facts give rise to a tax liability; these rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. Thus, as a general rule and having regard to paragraph 9.6, there will be no conflict. For example, to the extent that the application of the rules referred to in paragraph 22 results in a recharacterization of income or in a redetermination of the taxpayers who is considered to derive such income, the provisions of the Convention will be applied taking into account these changes.” (VAN RAAD, 2011). 216 “[Double taxation relief unless proven abuse] Whilst these rules do not conflict with tax conventions, there is agreement that Member countries should carefully observe the specific obligations enshrined in tax treaties to relieve double taxation as long as there is no clear evidence that the treaties are being abused.” (VAN RAAD, 2011). 173 CFC Rules como instrumento hábil ao combate do planejamento tributário abusivo e forma de proteção da arrecadação tributária dos Estados Signatários de tratados internacionais, o Parágrafo 26 enfatiza que as referidas regras teriam o mérito de assegurar a capacidade contributiva e a neutralidade no contexto internacional. 23. [Legislação CFC] O uso de empresas base também podem ser abordados através das disposições de empresas controladas estrangeiras. Um número significativo de países membros e não-membros adotaram essa legislação. Enquanto o projeto deste tipo de legislação varia consideravelmente entre os países, uma característica comum dessas regras, que agora são reconhecidas internacionalmente como um instrumento legítimo para proteger a base tributária interna, é que eles resultam de um Estado Contratante tributar os seus residentes sobre o lucro atribuível a sua participação em determinados investidores estrangeiros. Tem sido, por vezes, argumentado, com base em uma determinada interpretação das disposições da Convenção, como parágrafo 1 do Artigo 7 e parágrafo 5 do Artigo 10, que essa característica comum da legislação de empresas estrangeiras controladas em conflito com estas disposições. Pelas razões explicadas no parágrafo 14 do Comentário ao artigo 7 e 37 do Comentário ao artigo 10, que a interpretação não está de acordo com o texto das disposições. Ele também não se sustenta quando estas disposições são lidas em seu contexto. Assim, enquanto alguns países sentiram que seria útil para esclarecer expressamente, em suas convenções, que a legislação das empresas estrangeiras controladas não entra em conflito com a Convenção, tal esclarecimento não é necessário. Reconhece-se que a legislação de empresas estrangeiras controladas estruturada desta forma não é contrária às disposições da Convenção. 217 (VAN RAAD, 2011, [tradução livre]) 26. [Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras controladas] Membros que adotem disposições sobre empresas estrangeiras controladas ou as regras anti-abuso referidos acima em suas leis internas procuram manter a igualdade e neutralidade dessas leis em um ambiente internacional caracterizado por diferentes cargas tributárias, mas tais medidas não devem ser utilizados apenas para esta finalidade. Como regra geral, estas medidas não devem ser aplicados quando o rendimento 217 “[CFCs legislation] The use of base companies may also be addressed through controlled foreign companies provisions. A significant number of Member and non-member countries have now adopted such legislation. Whilst the design of this type of legislation varies considerably among countries, a common feature of these rules, which are now internationally recognised as a legitimate instrument to protect the domestic tax base, is that they result in a Contracting State taxing its residents on income attributable to their participation in certain foreign entities. It has sometimes been argued, based on a certain interpretation of provisions of the Convention such as paragraph 1 of Article 7 and paragraph 5 of Article 10, that this common feature of controlled foreign companies legislation conflicted with these provisions. For the reasons explained in paragraphs 14 of the Commentary on Article 7 and 37 of the Commentary on Article 10, that interpretation does not accord with the text of the provisions. It also does not hold when these provisions are read in their context. Thus, whilst some countries have felt it useful to expressly clarify, in their conventions, that controlled foreign companies legislation did not conflict with the Convention, such clarification is not necessary. It is recognised that controlled foreign companies legislation structured in this way is not contrary to the provisions of the Convention.” (VAN RAAD, 2011). 174 relevante tenha sido sujeito a tributação que é comparável a do país de 218 residência do contribuinte. (VAN RAAD, 2011, [tradução livre]) Uma observação destacável de Martín Jiménez (2004, p.24) a respeito dos Comentários ao Artigo 1 referentes às CFC Rules é a sua colocação de que, com as modificações introduzidas pela Revisão de 2003, passou a ser possível a aplicação de normas específicas antielisivas internas não apenas para combater a fraude ou abuso dos tratados internacionais tributários, mas, também, para atingir uma neutralidade fiscal na exportação de capitais. Isto porque as CFC Rules passaram a ter sua aplicação aceita objetivando que investimentos transnacionais sejam tributáveis a um determinável nível, mesmo na ausência de transações artificiais e abusivas. Contudo, na opinião de Martín Jiménez (2004, p.24) a mudança no objetivo dos tratados internacionais tributários, oriunda do Parágrafo 7.1 dos Comentários ao Artigo 1 não justificaria a aplicação destas normas específicas antielisivas internas, quando não configurado o uso impróprio do tratado por meio de abuso ou fraude. Lang (2003)219 apud Martín Jiménez (2004) defende que as CFC Rules não teria o condão de afrontar as normas de tratados internacionais tributários em virtude de que tais regras regulam a incidência tributária de rendimentos no Estado da residência, o que é competência da legislação tributária doméstica. Ademais, os tratados internacionais tributários não se preocupam com a dupla tributação econômica. E, por fim, Lang (2003) apud Martín Jiménez (2004, p.24) ressalta que o Artigo 7 da Convenção Modelo da OCDE não se aplicaria ao caso, mas, sim, o previsto no Artigo 10 que permite ao Estado da residência dos acionistas a tributação de rendimentos mesmo que estes estejam conectados com empresas estrangeiras. Contra-atacando estes argumentos Martín Jiménez (2004) destaca que apresar dos tratados internacionais tributários não tratarem da dupla tributação econômica, esse não seria uma argumento totalmente válido, pois entenderia que 218 “[Limitation of CFCs legislation] States that adopt controlled foreign companies provisions or the anti-abuse rules referred to above in their domestic laws seek to maintain the equality and neutrality of these laws in an international environment characterized by very different tax burdens, but such measures should not be used only for this purpose. As a general rule, these measures should not be applied where the relevant income has been subjected to taxation that is comparable to that in the country of residence of the taxpayer.” (VAN RAAD, 2011). 219 LANG, Michael. CFC Regulations and Double Taxation Treaties, 57 Bulletin of International Fiscal Documentation 2 (2003). 175 em algumas disposições, e, de certa forma, em virtude do contexto dos tratados internacionais tributários, a dupla tributação econômica seria sim combatida (nesse sentido ressalta o Parágrafo 50 dos Comentários ao Artigo 23A e 23B. Ademais, citando o Parágrafo 39 dos Comentários ao Artigo 10, Martín Jiménez (2004) ressalta que a aplicação das CFC Rules poderiam acarretar a dupla tributação judicial, o que vai de encontro com o objetivo dos tratados internacionais tributários. Além de outros argumentos apresentados por Martín Jiménez (2004, p.25), buscando demonstrar a incompatibilidade das CFC Rules com as normas de tratados internacionais tributários, ressalta que, de uma maneira geral deve-se ater ao fato de que a questão da compatibilidade não é “preto ou branco”, devendo ser analisado as especificidades de cada caso, como também de cada tratado para a averiguação da compatibilidade. É o que acontece com as normas CFC brasileiras. 176 5. NORMA ESPECÍFICA ANTIELISIVA INTERNA – CFC RULES BRASILEIRA Entre as normas específicas antielisivas internas que estão espalhadas no ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se de grande necessidade analisar uma em questão. Trata-se da legislação tributária sobre CFC (Controlled Foreign Corporation), chamada, também de norma de tributação de lucros auferidos no exterior através de controladas ou coligadas. Assim como qualquer norma específica antielisiva, a norma de tributação de lucros auferidos no exterior através de controladas ou coligadas amplia a hipótese de incidência tributária, diferentemente das normas gerais antielisivas que atribuem efeitos tributários a atos ou negócios considerados abusivos ou artificiais, aplicando em consequência a norma de incidência tributária. A importância dada nesse estudo justifica-se primeiramente pelo fim do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588/DF, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) cuja duração ultrapassou dez anos, e, a norma objeto de análise de constitucionalidade era justamente o Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001. O mesmo dispositivo legal foi examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Recurso Especial 1.325.709/RJ em decisão proferida no ano de 2014 analisando o conflito com normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Outro motivo da importância de destacar-se, a título exemplificativo de norma específica antielisiva interna, a norma brasileira de tributação de lucros auferidos no exterior é a novel Lei 12.973, de 2014, advinda justamente de uma tentativa do Poder Executivo em moldar as regras CFC brasileiras com o julgamento realizado no âmbito da Corte Constitucional.220 220 Nesse sentido, Godoi (2014, p. 304-305): “Como aponta Conrado Hübner Mendes, a visão tradicional da teoria do Direito Constitucional brasileiro é a de que os juízes em geral, e as cortes constitucionais em particular, detêm o monopólio da última palavra sobre a interpretação da Constituição. Numa versão por assim dizer messiânica do controle de constitucionalidade, o juiz constitucional, considerado de forma idealizada como a última trincheira do cidadão, assume ares de “heroico e impassível defensor de direitos, líder do debate moral, consciência crítica e educadora da democracia”, enquanto o legislador democrático tende a ser caracterizado como “predominantemente egoísta e venal, dedicado exclusivamente ao alpinismo político, à expansão e perpetuação de seu poder”. Frente a tal visão messiânica do STF como guardião entrincheirado e do monopólio judicial da última palavra, as teorias do diálogo institucional sem última palavra parecem mais verossímeis, do ponto de vista da sociologia política, e mais adequadas, de um ponto de vista jurídico, às instituições da separação de poderes e do Estado Democrático de Direito. Os conceitos de “última palavra provisória”, “rodadas procedimentais” e “sequências legislativas” dão uma nova luz e uma legitimidade renovada à instituição do judicial review nas 177 Cabe destacar que a legislação tributária sobre empresas controladas e coligadas no exterior são de aplicação naqueles casos em que a investidora (controlada ou coligada) é residente no Brasil, buscando, desse modo, atingir ao princípio da universalidade. Em contrapartida, as empresas coligadas e controladas sediadas no Brasil, cujos investidores (sócios e empresa matriz) sejam não residentes, não serão tributados com base nas regras CFC brasileiras, e sim somente no lucro aqui auferido, como bem lecionado por Xavier (2010, p. 271)221. Não obstante tal caso, e, de acordo com a Lei 12.973/2014, que adiante será vista, surge a figura das “sociedades equiparadas à controladora” (Artigo 83 da Lei 12.973/2014), na terminologia empregada por Xavier (2014, p.21). Vale destacar que um grande diferencial que Lei 9.249/95 promovia, em comparação a diferentes regimes de CFC, era a falta de distinção para a sua aplicação. Nesse sentido, destaca-se que certas normas CFC limitavam-se a aplicação no caso de sociedades localizadas em paraísos fiscais ou quando houvesse prevalência de renda passiva.222 Assim, parte da doutrina acaba entendendo haver uma vulneração ao princípio da proporcionalidade ao deixar de restringir a aplicação da norma para casos específicos (como feito pela nova legislação de 2014. Nesse diapasão, Xavier (2010) cita João Francisco Bianco (“Transparência fiscal internacional”), e, Luís Eduardo Schoueri (“Transparência fiscal, proporcionalidade e disponibilidade”, 2007). democracias contemporâneas. Aqui não é o lugar nem o momento para aprofundarmos o estudo e o debate sobre esses conceitos. Pretendemos somente argumentar que esses conceitos fornecem o marco teórico adequado para se compreender a sequência dialógica entre o julgamento da ADI 2.588 e o processo legislativo que culminou na Lei 12.973/2014. Aliás, na literatura recente, há importante obra relacionando a evolução do direito positivo tributário brasileiro e as teorias do diálogo institucional.” 221 Xavier (2010) aduz: “Note-se que este regime é apenas aplicável às pessoas jurídicas no Brasil e não às filiais ou sucursais de sociedades estrangeiras instaladas no Brasil, as quais são apenas tributáveis em relação aos lucros produzidos no Brasil, pois não faria sentido tributar universalmente uma filial de sociedade estrangeira, quando a matriz é também tributada universalmente no seu país de domicílio”. 222 Nesse sentido Xavier (2010, p. 373) afirma que: “O sistema de transparência fiscal internacional consagrado na Lei 9.249/95 era, porém, aplicável a todas e quaisquer sociedades estrangeiras controladas ou coligadas, sem as ressalvas e limitações restritivas das leis estrangeiras “antiabuso”, notadamente as de tais sociedades se localizarem em países de baixa tributação e de a sua renda ser essencialmente “passiva”, ou seja, não produtiva ou não operacional, pelo que não revestia a natureza de um “regime CFC” propriamente dito, de aplicação excepcional, mas de uma modalidade técnica de tributação de alcance geral. 178 A ideia de transparência fiscal internacional está ligada a uma desconsideração da personalidade jurídica das empresas coligadas e controladas no exterior (somente para fins / efeitos fiscais), atribuindo a proporção dos lucros, mesmo que não distribuídos, às empresas investidoras (controladoras e coligadas) do Estado da residência.223 Ao analisar a questão do conflito das normas CFC (normas específicas antielisivas internas) com normas dos tratados internacionais tributários, pode-se concluir que grande parte da controversa cinge-se a determinação de quem está realmente sendo o contribuinte no caso em questão. De um lado, aqueles que entendem que as normas CFC tributam as empresas coligadas e controladas no exterior ,e, portanto, haveria uma afronta ao primeiro comando do parágrafo 1º do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE.224 Em contrapartida, e, através de uma análise mais detida da questão, a norma CFC determina a tributação da controladora e / ou coligada do Estado de residência, portanto, não haveria uma qualquer ofensa à norma do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE.225 223 Xavier (2010) apresenta conceito sobre a transparência fiscal internacional fazendo ao mesmo tempo análise ao Artigo 43 do Código Tributário Nacional (CNT), dispondo que: “O regime de transparência fiscal internacional, isto é, de tributação por adição automática dos lucros das coligadas e controladas estrangeiras, independentemente da declaração de dividendos pelos órgãos deliberativos da controlada ou coligada estrangeira, que os tornem disponíveis para o seu sócio ou acionista, no Brasil, conduz a que, na verdade, se tribute não a renda da pessoa jurídica brasileira, mas um ganho de sua controlada ou coligada, pessoa jurídica estrangeira, que só se traduzirá em renda da pessoa jurídica brasileira se e quando lhe for atribuído por ato da controlada ou coligada no exterior”. 224 Xavier (2010) é um dos que apresenta posição neste sentido com o seguinte exemplo: “Aplicando este preceito ao caso de uma empresa brasileira (EB) que tenha, por exemplo, em Portugal, uma filial (FP) ou controlada (CP), podem extrair-se as seguintes conclusões: a) O Brasil pode tributar os lucros da FP, por esta constituir um estabelecimento permanente no exterior (1ª frase, 2ª parte, do §1º); b) Portugal pode tributar os lucros da FP unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento (2ª frase do §1º); c) Só Portugal (“competência exclusiva”) pode tributar os lucros auferidos em Portugal pela CP, pois CP é empresa portuguesa (1ª frase, 1ª parte, do § 1º); d) O Brasil não pode tributar os lucros auferidos em Portugal pela CP, pois só pode tributar estabelecimentos permanentes no exterior e não entidades com personalidade jurídica própria existentes no outro Estado”. 225 Contradizendo tal ideia, Xavier (2010) após destacar tal posicionamento, inclusive ressaltando a referência existente nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, aduz que haveria uma ofensa ao propósito (espírito) dos tratados internacionais tributários. Contudo, o seu equívoco é entender que os tratados internacionais tributários buscam evitar a dupla tributação econômica, enquanto que na realidade buscam coibir a chamada dupla tributação jurídica. Confira-se Xavier (2010, 382-383): “Um argumento em favor da compatibilidade das legislações do tipo CFC com os tratados internacionais, invocado nos Comentários da OCDE (art. 7º, § 13),alega que não se estaria tributando as sociedades estrangeiras, mas as investidoras nacionais, embora com referência aos lucros das primeiras. E acrescenta-se: “O imposto cobrado por um Estado sobre os seus próprios residentes não reduz os lucros das empresas do outro Estado e não se pode, por conseguinte dizer que foi lançado sobre esses lucros”. Tal argumento colide, porém, com a letra e 179 Partindo dessa última análise, que inclusive é fundada no fato dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE entenderem pela não existência de conflito, afastada também fica a tese de que as normas CFC levam a uma desconsideração das coligadas e controladas no exterior, infringindo desse modo o preceito no Artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE onde é determinado a competência do Estado, onde residente a pessoa jurídica, de definir o seu conceito.226 Os próprios Comentários da OCDE, conforme visto no tópico específico, deixam claro que a compatibilidade das normas de CFC com as normas dos tratados internacionais tributários estaria vinculada com a manutenção da neutralidade fiscal nas transações e negócios internacionais, o que acarretaria a sua incompatibilidade ou não aplicação naquelas situações onde o rendimento que seria alcançado / tributado já tenha sofrido tributação compatível. Ou seja, a compatibilidade das normas CFC estaria vinculada a uma análise jurisdicional (jurisdictional approach). Neste diapasão, Xavier (2010, p. 385) destaca que a Irlanda e a Holanda assim entendem, sustentando “não ser possível defender a conformidade in abstracto, de tal modo que só em face das circunstâncias do caso concreto se poderia configurar um abuso”. Outro ponto importante e que merece o destaque no presente estudo é a existência de previsões nos tratados internacionais tributários para a aplicação das normas CFC. No caso do Brasil, o tratado internacional tributário assinado com o México possui previsão no sentido de possibilitar a aplicação das normas CFC. Contudo, não necessariamente tal fato quer dizer que sem a previsão nos tratados internacionais tributários possibilitando a aplicação das normas CFC, estas últimas não seriam compatíveis com as normas daqueles. o espírito dos tratados, que têm por fim impedir a dupla tributação do mesmo lucro, ainda que nas mãos de dois sujeitos passivos distintos, reservando a competência tributária exclusiva ao Estado de domicílio das participadas”. 226 Entendendo que existe uma violação ao Artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE, Xavier (2010, p. 380) aduz que: “Por outro lado ainda a desaplicação da regra de competência tributária exclusiva, atribuindo às subsidiárias o mesmo tratamento fiscal dos estabelecimentos permanentes (filiais ou sucursais) traduz-se na desconsideração da sua personalidade jurídica e, com isso, na violação do art. 3º que define o conceito de “pessoa”, não permitindo que um Estado desconsidere a personalidade jurídica outorgada pelo ordenamento jurídico do Estado estrangeiro do território da constituição da subsidiária, desde que conforme com aquela definição”. 180 Especificamente após a vigência da agora antiga norma CFC brasileira (Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/01)227, uma outra tese no sentido de sustentar a ofensa às normas dos tratados internacionais tributários foi levantada no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de já existir em âmbito internacional. Tratase de entender que os valores tributados a título de remuneração das empresas controladoras e coligadas situadas no Estado de residência (no caso o Brasil) seriam dividendos fictícios (deemed dividend), e, desse modo, consistiria em flagrante ofensa ao preceito do Artigo 10 da Convenção Modelo da OCDE. Corretamente Xavier (2010, p. 417) afasta tal tese ao destacar que a disposição normativa deixa claro a ocorrência de uma “adição ao lucro da pessoa jurídica brasileira dos próprios lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, independentemente de serem pagos ou creditados”. 5.1 Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 A transparência fiscal internacional228, consiste em um regime adotado para evitar o abuso de tratados internacionais determinando a tributação do lucro auferido através de empresas controladas e/ou coligadas no exterior é uma das medidas para evitar o abuso de tratados internacionais tributários, e, tem com medida as legislações tributárias sobre empresas controladas no exterior (ou legislação sobre lucros auferidos no exterior). A depender da legislação do Estado, as normas tributárias que irão buscar a transparência fiscal internacional poderão ser aplicadas a rendimentos passivos ou rendimentos ativos, sendo essa uma abordagem transacional, ou, ainda, a aplicação de tais medidas ocorrerão quando previstas certas circunstâncias, em uma abordagem transacional, segundo lição de Godoi (2014). 227 Anteriormente ao Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, as regras tributárias sobre empresas coligadas e controladas no exterior tinham previsão no Artigo 25 da Lei 9.249/1995. 228 Segundo Godoi (2014, 283): “Chama-se de transparência fiscal internacional” a legislação tributária que imputa às empresas residentes investidoras, antes mesmo de sua distribuição, o lucro auferido por sociedades controladas e coligadas domiciliadas no exterior. Esse regime, que vigora há décadas na legislação dos países industrializados, foi concebido para atingir situações de planejamento tributário internacional em que as empresas residentes desviam para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação o lucro que naturalmente fluiria para o seu país de residência.” 181 Especificamente com relação ao Artigo 74 da Medida Provisória 2.158- 35/2001, houve o julgamento através da Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.588, onde estabeleceu-se a correta forma de sua aplicação. Pode-se dizer que as normas internas tributárias sobre empresas coligadas no exterior (controlled foreign company legislation), que no presente estudo é o exemplo analisado de normas específicas antielisivas internas, na ocasião da vigência do Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, foram objeto de crítica por não fazerem distinções entre critérios de rendimentos ou de situações como as mencionado acima. Assim, como bem constatado por Godoi (2014), o Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 generaliza todas as situações, não fazendo qualquer forma de distinção em relação à espécie de rendimentos ou qualquer outro critério utilizado no cenário internacional229. Acertado é que, sendo generalizada ou não, o importante é alcançar o objetivo de buscar a neutralidade tributária, e, evitar tanto a dupla tributação da renda, como a dupla não tributação da renda, além do próprio abuso do tratado internacional. Nesse sentido, vale o que é consagrado na segunda parte do Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE. Ou seja, as normas internas tributárias sobre controladas no exterior não confrontam com as normas dos tratados internacionais tributários, a priori, contudo, podem ter casos em que a aplicação daquelas levam a um resultado diverso daquele previsto nos tratados internacionais tributários, acarretando a dupla tributação da renda, e, portanto, não devem ser aplicadas. 5.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588/2014 O Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588, que se findou no dia 11 de Fevereiro de 2014, com a 229 Sobre o resultado da generalização feita pela norma brasileira, Godoi (2014) destaca que: “A aplicação generalizada e indiscriminada do regime de transparência fiscal apresenta graves inconvenientes. Por um lado, prejudica desnecessariamente a competitividade das sociedades brasileiras que efetuam no exterior investimentos diretos em atividades genuinamente empresariais. Nestes casos, não há nada que justifique, de um ponto de vista de política econômica ou fiscal, a exigência do imposto à medida que os lucros das controladas e coligadas são auferidos no exterior. Em segundo lugar, a adoção generalizada da transparência fiscal internacional para todo e qualquer investimento exterior é apontada pela própria OCDE como contrária às normas dos tratados internacionais celebrados para evitar a dupla tributação da renda.” 182 publicação do acórdão. Apesar de certas questões discutidas no julgamento não serem objeto do presente estudo, cabe destacarmos alguns pontos.230 De maneira resumida, e, em conformidade com o expresso na ementa do julgado, pode-se destacar a composição dos votos com três destaques para a definição do resultado: 2.1. A inaplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais coligadas a pessoas jurídicas sediadas em países sem tributação favorecida, ou que não sejam “paraísos fiscais”; 2.2. A aplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais controladas de pessoas jurídicas sediadas em países de tributação favorecida, ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados (“paraísos fiscais”, assim definidos em lei); 2.3. A inconstitucionalidade do art. 74 par. ún., da MP 2.158-35/2001, de modo que o texto impugnado não pode ser aplicado em relação aos lucros apurados até 31 de dezembro de 2001. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014) Importante ressaltar que, nos votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, encontra-se, nos argumentos do Ministro Nelson Jobim, seguido por Carlos Britto, destaque para a importância da norma do Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 como uma forma de combate à elisão fiscal abusiva, o que, como demonstrado neste estudo, nada mais é do que um dos objetivos dos tratados internacionais tributários, segundo os Comentários da Convenção Modelo da OCDE.231 Outro voto cuja importância se faz para o presente estudo corresponde ao proferido pelo então Ministro Joaquim Barbosa que entendeu pela validade do Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 somente quando “as coligadas ou controladas no exterior estejam localizadas em países de tributação favorecida ou 230 Godoi (2014) elenca os pontos que foram objeto de análise da Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.588: “o art.43, § 2º do CTN estaria dando poderes ao legislador ordinário para fixar o momento da ocorrência do fato gerador do imposto antes mesmo da efetiva aquisição de renda; e a exigência de imposto de renda da sociedade investidora, antes de distribuídos os lucros auferidos pelas sociedades investidas, tal como determinado pelo art.74 da MP 2.158-35, seria inconstitucional, visto que configuraria uma incidência sobre algo “que não constitui renda”, visto que a investidora ainda não teria adquirido disponibilidade econômica ou jurídica sobre tais recursos. Quanto ao parágrafo único do art.74, alegou-se sua contrariedade às normas constitucionais da irretroatividade e da anterioridade tributária (arts. 150, III, a e b da Constituição)”. 231 Godoi (2014) ao analisar os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.588 destaca, que: “Quanto ao art. 74 da MP, Carlos Britto seguiu integralmente a senda argumentativa do Ministro Jobim, no sentido de ressaltar a necessidade de combater as manobras empresariais de planejamento tributário internacional (...)”. 183 desprovidos de controles societários e fiscais adequados, normalmente conhecidos por ‘paraísos fiscais””. Contudo, importantíssimo destacar parte do voto proferido pelo então Ministro Joaquim Barbosa onde o mesmo aponta a possibilidade de aplicação de medidas de combate à evasão e elisão fiscal abusiva, mesmo quando as coligadas e controladas não estejam situadas em países com tributação favorecida. Nestes casos seria, contudo, necessário a demonstração, por parte da Autoridade Tributária, do abuso praticado pelo contribuinte. Assim dispôs o então Ministro Joaquim Barbosa, naquela oportunidade: Da forma como redigida a norma brasileira, presume-se indistintamente que todas as controladas ou coligadas no exterior têm esse propósito elisivo ou evasivo. Penso ser plenamente possível conciliar a garantia de efetividade dos instrumentos de fiscalização aos princípios do devido processo legal, da proteção à propriedade privada e do exercício de atividades econômicas lícitas. A presunção do intuito evasivo somente é cabível se a entidade estrangeira estiver localizada em localizadas em países com tributação favorecida, ou que não imponham controles e registros societários rígidos (“paraísos fiscais”). A lista desses países é elaborada e atualizada pela Receita Federal do Brasil, e atualmente encontra-se na IN 1.037/2010. Não há qualquer dificuldade na atualização dessa lista. Se a empresa estrangeira não estiver sediada em um “paraíso fiscal”, a autoridade tributária deve argumentar e provar a evasão fiscal, isto é, a ocultação do fato jurídico tributário ou da obrigação tributária. Essa artumentação e essa prova fazem parte da motivação do ato de constituição do crédito tributário, que deve ser plenamente vinculado. Não obstante a importância no sentido de destacar uma posição que normas tributárias sobre empresas controladas no exterior se aplicam presumidamente somente no caso destas empresas estarem sediadas em países com tributação favorecida, não houve a análise de compatibilidade com regras de tratados internacionais tributários, conforme bem assevera Godoi (2014), disponde que tal análise somente decorreu do julgamento do Recurso Especial 1.325.709, publicado no dia 20 de Maio de 2014. 5.1.2 Recurso Especial nº 1.325.709/2014 (Vale do Rio Doce vs. Fazenda Nacional) No dia 24 de Abril de 2014 foi julgado no Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial 1.325.709 (Vale do Rio Doce vs. Fazenda Nacional) – Rio de Janeiro – cuja publicação ocorreu no dia 20 de Maio do mesmo ano, e, a relatoria ficou a cargo do Ministro Napoleão Maia Filho. 184 Especificamente no que diz respeito ao tema enfrentado nesse estudo, transcreve-se os trechos da ementa para um início de análise: 5. A jurisprudência desta Corte Superior orienta que as disposições dos Tratados Internacionais Tributários prevalecem sobre as normas de Direito Interno, em razão de sua especificidade. Inteligência do art. 98 do CTN. Precedente: (RESP 1.161.467-RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 01.06.2012). 6. O art. VII do Modelo de Acordo Tributário sobre a Renda e o Capital da CODE utilizado pela maioria dos Países ocidentais, inclusive pelo Brasil, conforme Tratados Internacionais Tributários celebrados com a Bélgica (Decreto 72.542/73), a Dinamarca (Decreto 75.106/74) e o Principado de Luxemburgo (Decreto 85.051/80), disciplina que os lucros de uma empresa de um Estado contratante só são tributáveis nesse mesmo Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante, por meio de um estabelecimento permanente ali situado (dependência, sucursal ou filial); ademais, impõe a Convenção de Viena que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado (art. 27), em reverência ao princípio da boafé. 7. No caso de empresa controlada, dotada de personalidade jurídica própria e distinta da controladora, nos termos dos Tratados Internacionais, os lucros por ela auferidos são lucros próprios e assim tributados somente no País do seu domicílio; a sistemática adotada pela legislação fiscal nacional de adicioná-los ao lucro da empresa controladora brasileira termina por ferir os Pactos Internacionais Tributários e infringir o princípio da boa-fé nas relações exteriores, a que o Direito Internacional não confere abono. 8. Tendo em vista que o STF considerou constitucional o caput do art. 74 da MP 2.158-35/2001, adere-se a esse entendimento, para considerar que os lucros auferidos pela controlada sediada nas Bermudas, País com o qual o Brasil não possui acordo internacional nos moldes da OCDE, devem ser considerados disponibilizados para a controladora na data do balanço no qual tiverem sido apurados. Preliminarmente, ressalva-se que no julgamento em questão também foi analisada a legalidade do método de equivalência patrimonial (MEP), utilizado para a apuração dos valores tributados das empresas residentes brasileiras. Contudo, a discussão foge ao objetivo do estudo, que se restringe, no julgamento em apreço, aos tópicos acima transcritos. A primeira observação, nesse diapasão, é a equivocada posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referente a prevalência das normas internacionais em frente às normas internas pelo critério da especialidade. No voto que proferiu, o Ministro Napoleão Maia Filho aduziu que “a interpretação a ser dada aos Tratados Internacionais Tributários deve ser também a conferida no País com os quais esses instrumentos são celebrados”, e, a consequência de não ser observada tal regra, e, em contrapartida, aplicar as normas internas, seria “alterar os significados das convenções e subverter o seu propósito”. 185 Ainda segundo o raciocínio do Ministro relator, tal afirmação “é o que se chama de regra da especialidade, que prioriza a supremacia das convenções externas sobre as domésticas”. Ora, conforme sobejamente demonstrado linhas acima, a preponderância realmente é das normas internacionais, contudo tal ocorre em decorrência do primado do Direito Internacional que prevalece no Monismo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, empregar a mesma interpretação ao tratado internacional tributário que o outro Estado Soberano signatário utiliza não corresponde à aplicação do critério da especialidade, mas, sim, corresponderia a aplicação dos princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda analisados acima, e, cuja decorrência lógica seria o emprego das orientações contidas nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, como regras de direito internacional relevantes, dentro do contexto, objeto e propósito dos tratados internacionais (Artigo 31(3)(c) da CVDT). Ainda com relação a prevalência das normas internacionais previstas nos tratados internacionais tributários e sua relação com as normas internas, o Ministro Napoleão Maia Filho ressalva o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário 460.320 – Paraná, analisado anteriormente. Esmiuçando as ponderações feitas naquela ocasião pelo Ministro da Corte Constitucional, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, apesar de ter apontado que a preponderância das normas internacionais sobre as normas internas seria decorrente da “regra da especialidade” (como inclusive disposto na ementa acima transcrita), ressalta no seu voto que haveria também uma superioridade hierárquica das normas internacionais: 33. Diante dessa definição sistêmica e constitucional, conclui-se que os Tratados e Convenções Internacionais em matéria tributária seguramente assimilam, no Direito Interno Brasileiro, a hierarquia de leis complementares; anoto que, se assim não fosse – diga-se apenas para efeito de exposição – as regulações internacionais seriam categorizadas assim: (i) seriam superiores à Carta Magna, não se submetendo, portanto, aos seus ditames, o que importaria na afirmação – estranha afirmação – de quebra de soberania nacional e consequente abdicação dos poderes normativos nacionais, efeitos que não podem ser – nem de longe – sequer objeto de reflexão jurídica minimamente adequada à nossa ordem constitucional; ou (ii) seriam nivelados às leis ordinárias e, portanto, modificáveis pela legislação interna comum, significando isso que o legislador ordinário teria a potestade de alterar, ou até mesmo de eliminar, a eficácia normativa dos 186 Tratados, infringindo a sua base de boa-fé e de reciprocidade de tratamento, bem como privilegiando as empresas estrangeiras que tivessem controladas no Brasil, pois os seus lucros não seriam tributados nos seus Países de origem. 34. Em ambas as hipóteses, como se vê, ocorreria a perversão de pautas essenciais do sistema jurídico, por isso que os tratadistas tributários internacionais chamam a atenção para o respeito aos Tratados Internacionais Tributários, o que reflete a necessidade de atribuir-lhes posição hierárquica superior às leis ordinárias – mas, sem dúvida possível, abaixo da Constituição – sendo urgente se vencer a concepção – tão arraigada concepção – de que a hermenêutica doméstica da Administração Tributária possa preponderar sobre aqueles documentos firmados no foro externo pela soberania nacional; esse ponto de vista é sustentado, entre outros autores de nomeada, pelo Ministro Professor FRANSCISCO RESEK (Direito Internacional Público, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 103). (BRASIL, 2014, STJ) Ora, além de apresentar uma posição diferente da especialização da norma internacional frente à norma interna, o trecho acima transcrito aduz que o critério de resolução de conflito seria o hierárquico, pelo menos quando o conflito aparente ocorra com lei ordinária. O equívoco se destaca em afronta ao que já foi exposto. Notadamente a superioridade hierárquica das normas internacionais, no que tange aos tratados internacionais tributários, não condiz a uma paridade hierárquica com lei complementar, mas, sim, a uma primazia supralegal. No tocante às normas específicas antielisivas internas de tributação de lucros auferidos através de empresas controladas e coligadas no exterior, o Ministro Napoleão Maia Filho (linha 49) aduz que as “Controlled Foreign Corporation Legislation (CFC), leis especiais cujo principal objetivo é, sem interferir na competitividade das empresas nacionais e de suas controladas no Exterior, minimizar a temível; e abominável elisão fiscal”. Como demonstrado ao longo deste estudo, uma vez que as normas CFC são aplicadas em situações onde afigurado se encontra o abuso de tratados internacionais tributários, conflito não haverá a ponto de deixar de serem aplicadas as primeiras, mesmo que normas internas. Apesar da primazia das normas internas dos tratados internacionais tributários sobre as normas internas, na situações em que o combate à elisão fiscal abusiva é patente, e, coaduna-se com os objetivos destes, a aplicação das normas antielisivas internas tornam-se imprescindíveis. Contudo, no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministro Napoleão Maia Filho, ressaltando que a questão ainda não fora analisada pelo 187 Supremo Tribunal Federal (STF)232, analisa a suposta ofensa das normas CFC ao Artigo 7 da Convenção Modelo da OCDE afirmando a existência de violação à norma do tratado internacional tributário (no caso os tratados assinados pelo Brasil com a Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo). Conforme já manifestado ao longo desse estudo, se por um lado constata-se uma evolução da jurisprudência pátria no sentido de conferir a primazia às normas internacionais, no caso dos tratados internacionais tributários, em contrapartida, acaba ocorrendo um excesso nessa nova orientação. Assim, deixam de ser analisadas as situações casuísticas, onde a norma CFC poderia, na realidade, estar agindo resguardando o objetivo do próprio tratado internacional tributário. Portanto, a decisão ora examinada, além de não conseguir determinar corretamente qual seria a razão e o grau de superioridade hierárquica das normas dos tratados internacionais tributários, também acaba descuidando ao não implementar uma interpretação correta buscando a conciliação com normas antielisivas internas, como é o caso das normas CFC. Como bem destacado por Andrade (2014), no XVIII Congresso Internacional de Direito Tributário da ABRADT (Associação Brasileira de Direito Tributário), em certas situações a análise da casuística nos julgamentos realizados pelos tribunais é importante, e, destaca em relação a julgamentos onde é analisada apenas as teses. Por fim, destaca-se que com relação ao julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em questão, a Fazenda Nacional interpôs Recurso Extraordinário ainda pendente de análise de admissibilidade. Entre os fundamentos expostos no apelo extraordinário para a Suprema Corte, destaca-se que a norma CFC brasileira não estaria tributando a empresa controlada residente no outro Estado Soberano signatário do tratado internacional tributário, o que seria vedado pela norma do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE (e reproduzido no tratado), mas, sim, estaria tributando o os lucros auferidos por intermédio da empresa estrangeira. Ademais, e mais importante, a Fazenda Nacional busca levar ao Supremo Tribunal Federal os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, reproduzindo o 232 “58. A questão de eventual ofensa aos Tratados Internacionais Tributários que vedam a bitributação, todavia, ainda não foi abordada – pelo menos explicitamente – nos julgados do STF, tendo sido determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem, precisamente para manifestarse sobre esta questão, porquanto a controvérsia restringiu-se, nas Cortes Judiciais de origem, à discussão – importante discussão – sobre a constitucionalidade da referida norma legal (art. 74 da MP 2.158-35⁄2001).” (BRASIL, 2014, STJ). 188 Parágrafo 23, acima transcrito, aduzindo que “no âmbito internacional, entende-se que as chamadas “normas CFC” não contrariam o disposto no Artigo VII do Tratado Modelo da OCDE”. Além disso, é feito a menção que a própria OCDE reconhece que as normas CFC possuem peculiaridades a depender do ordenamento jurídico de onde emanam, o que não corresponde a um empecilho para a sua aplicação mesmo diante de situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários. Espera-se, portanto, que a partir da análise do recurso extraordinário em questão, a jurisprudência passe a dar mais atenção aos Comentários da OCDE, como fonte de auxílio na interpretação. 5.2 Lei nº 12.973/2014 O advento da Lei 12.973/2014 representa a atual norma específica antielisiva interna que trata da tributação de lucros auferidos no exterior por intermédio de empresas controladas e coligadas (a norma CFC brasileira). Tal norma, como detalhadamente comentado por Godoi (2014) apoiado em Conrado Hübner Mendes233, corresponde a um diálogo institucional entre o legislativo e à decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588/2014. Para o presente estudo, importante duas constatações feitas na Ação Direita de Inconstitucionalidade 2.588/2014 e que serviram de base para a reestruturação das normas CFC no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira constatação é que encontram-se em situações diversas aquelas empresas investidas (coligadas ou controladas) em países considerados paraísos fiscais (ou com regime de tributação considerado favorecido), e, países cuja tributação seja considerada dentro dos padrões internacionais. 234 E, a segunda constatação seria o fato de empresas controladas e coligadas não poderem ter o mesmo tratamento, por possuírem distinções relevantes. Com relação a essa primeira constatação realizada pelo Supremo Tribunal Federal, imperioso é, para o presente trabalho, o retorno aos Comentários à 233 MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia, Rio de Janeiro, Elsevier, 2008. 234 Nesse sentido, Godoi (2014, p. 305): “O consenso 1) descrito acima repercutiu claramente no desenho de diversos institutos do novo sistema de tributação de lucros do exterior. No novo sistema, os lucros relativos às empresas investidas situadas em países de tributação favorecida, que desfrutam de regimes fiscais privilegiados ou de regime de subtributação têm um regime tributário distinto do regime aplicável aos lucros relativos a empresas investidas que não se enquadram nas três situações antes mencionadas”. 189 Convenção Modelo da OCDE, mesmo que não tenham sido objeto de análise até então (podendo ser na ocasião de análise do recurso extraordinário apresentado pela Fazenda Nacional nos autos do Recurso Especial 1.325.709/2014). Nesse viés, o Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, tratando da “Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras controladas” deixa claro que as regras CFC não devem ser utilizadas, regra geral, quando o lucro auferido no exterior já tenha sofrido tributação do Estado da empresa investida comparável a do Estado de residência do contribuinte (empresa investidora). Logo, ao dispor sobre a questão do regime de subtração, no Artigo 84, inciso III, da Lei 12.973/2014, o legislador ordinário além de estar buscando seguir o consenso auferido pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588/2014, também acaba entrando em harmonia com os Comentários da OCDE. Cabe esclarecer que o regime de subtributação, previsto no Artigo 84, inciso III da Lei 12.973/2014 é “aquele que tributa os lucros da pessoa jurídica domiciliada no exterior a alíquota nominal inferior a 20% (vinte por cento)”. Com relação ao segundo ponto, a diferenciação entre coligadas e controladas, importante destacar que a grande diferenciação ocorreu num abrandamento do regime para as coligadas. Nesse sentido, no caso das controladas, a incidência tributária continua sendo o momento de auferimento do lucros, apurados no balanço contábil, o que continuará a ser feito pelo Método de Equivalência Patrimonial (MEP). Já no caso das coligadas, o abrandamento nítido sendo que a tributação volta a ser no momento da disponibilização desses lucros. 5.2.1 Rendas Ativas e Rendas Passivas Conforme mencionado anteriormente, as novidades trazidas pela Lei 12.973/2014 foram advindas do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e, também, observa-se uma correlação com o direito comparado, principalmente no que tange à uma observação aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. Nessa linha de raciocínio foi exposto o Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, na redação dada pela Revisão de 2003, e, cujo teor esclarece a possibilidade de aplicação das regras de 190 CFC a situações abrangidas por regimes de subtração. A consonância com a novel legislação estaria no já destacado Artigo 84, inciso I. Ademais, outo ponto que merece atenção, e que, conforme Godoi (2014) também seria decorrente de uma influência do direito comparado, seria a distinção entre receitas ativas e receitas passivas para a configuração de situações de regimes favorecidos ou regimes normais de tributação. Segundo Godoi (2014, p. 308) a renda ativa seria aquela “obtida pela exploração de atividade econômica própria, excluindo-se as receitas decorrentes de royalties, juros, dividendos, participações acionárias, aluguéis, ganhos de capital, aplicações financeiras e intermediação financeira”. A renda passiva, em raciocínio lógico, seria o oposto. Assim, de acordo com a Lei 12.973/2014, as empresas investidas no exterior, para usufruírem dos benefícios concedidos para aquelas situações de “regime normal de tributação”, como regime opcional de consolidação (Artigos 78 a 80 da Lei 12.973/2014) ou regime opcional de pagamento (Artigos 90 e 91 da Lei 12.973/2014), terão que ter no mínimo 80% (oitenta por cento) de sua renda ativa. Barreto e Takano (2014) 235 criticam a legislação brasileira nesse ponto, fazendo referência a Xavier (2010) ao dispor que a tendência no cenário internacional, ao analisar o direito comparado, é perceber que as regras CFC tem uma tendência de tributar somente as rendas passivas, notadamente pela facilidade de alocação das mesmas em regimes especiais de tributação. Obviamente tal raciocínio é correto, mas não tira a validade da nova norma CFC brasileira, principalmente diante dos tratados internacionais tributários que, com espeque nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE deixam claro a possibilidade de assim ser. Ademais, não se poderia esperar uma exatidão da legislação brasileira em frente aquelas dos Estados Soberanos membros da OCDE que obviamente possuem uma situação econômica diversa, atraindo, destarte, capital e investimentos por outros meios. 5.2.2 Coligadas e Controladas com sócios e matrizes no Exterior, dentro do Brasil – Da equiparação à Controladora 235 Nesse sentido, Barreto e Takano (2014, p. 362) aduzem que: “É curioso notar que, em relação à utilização da qualidade de renda ativa da empresa estrangeira como parâmetro para a aplicação das regras “CFC” à totalidade de seus resultados, somente se encontra regime semelhante ao nosso no Direito chinês, com a exceção de que nesse se exige que a maior parte da renda seja passiva para aplicar as regras antiabuso, e não somente 20%. Seja como for, cabe reconhecer que o modelo brasileiro trilha caminho radicalmente oposto ao dos países-membros da OCDE”. 191 Interessante é o Artigo 83 da Lei 12.973/2014 que trata “da equiparação à controladora”. Certamente as empresas controladas ou coligada que são situadas no Brasil são tributadas pelos lucros que aqui auferirem, seja em decorrência da legislação tributária brasileira, seja, ainda, em face de eventual aplicação do Artigo 7º de algum tratado internacional tributário. Não obstante tal fato, e, possivelmente através da constatação de planejamentos tributários que comportavam estruturas semelhantes, o legislador ordinário criou uma equiparação à controladora quando a empresa situada no Brasil possuindo investimento em empresa sediada no exterior, mas que não seja relevante, poderá ser equiparada a uma controladora caso “em conjunto com pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil ou no exterior, consideradas a ela vinculadas, possua mais de 50% (cinquenta por cento) do capital votante da coligada no exterior”. Assim, o controle é constatado de maneira consolidada entre as empresas vinculadas com a empresa brasileira, e, como aduzido por Godoi (2014), tal medida é padrão no direito comparado. Da mesma forma como apontado acima para as demais questões, a aplicação destes critérios não iriam acarretar qualquer ofensa a normas de tratados internacionais tributárias, notadamente, como já sobejamente ressaltado, por estarem em consonância com os Comentários à Convenção Modelo da OCDE. Contudo, vale a ressalva, é possível vislumbrar uma impossibilidade de aplicação de uma norma CFC a um caso concreto, onde ficar constatado a falta de abuso, ou mesmo, a ocorrência de uma dupla tributação da renda. 192 6 CASO EXEMPLO – GEARDAU INTERNACIONAL EMPREENDIMENTOS LTDA VS. FAZENDA NACIONAL Por fim, e, buscando apresentar de maneira mais prática as considerações feitas no presente estudo, antes de adentrar especificamente na conclusão, importante a apresentação de caso onde foi analisada tanto a aplicação de uma medida antielisiva geral interna, como a aplicação de uma norma específica antielisiva interna, no caso a antiga legislação tributária de lucros auferidos no exterior através de empresas controladas e coligadas (Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/01). O caso Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. versus Fazenda Nacional foi julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na Sessão do dia 02 de outubro de 2012, pela 1ª Câmara da 1ª Turma Ordinária, tendo como pano de fundo lucros no exterior e tratados internacionais tributários. No tocante ao assunto “Normas Gerais de Direito Tributário” a ementa contém a seguinte passagem: TRATADO INTERNACIONAL. INCIDÊNCIA. LANÇAMENTO. Não existe disposição no tratado ou em lei interna estabelecendo a não incidência do tratado por haver eventual interesse tributário em reorganização societária que envolva países contratantes. Para que deixar de aplicar o tratado em alguma circunstância, é preciso haver no tratado ou em lei brasileira e, para o lançamento ser valido, esta regra deve ser indicada no lançamento. TRATADO INTERNACIONAL. ABUSO DE TRATADO. ABUSO DE DIREITO. LEGALIDADE. Não há base legal no sistema jurídico brasileiro para o Fisco afastar a incidência legal do tratado, sob a alegação de entender estar havendo abuso de tratado. CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO COMERCIAL. A determinação feita no art. 243 da Lei 6404, de 1976, para que se considere como controlada as controladas diretas e indiretas ó é válida para fins do relatório anual de administração previsto no dispositivo. Sem uma ressalva semelhante a existência no art. 243 da Lei das Sociedades por Ação, controlada significa controlada direta. Não cabe entender que toda menção à controlada, na Lei 6404, de 1976, se refira também às controladas indiretas. CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. A translação do conceito posto pelo art. 243 da Lei 6404, de 1976, para o art. 74 da Medida Provisória 2.158-35, de 2001, estivesse se referindo às controladas indiretas, seria preciso ignorar o texto do artigo e, além disso, admitir que ele desconsiderasse tacitamente a personalidade jurídica das controladas diretas. Não é possível supor que o termo controlada possa alcançar as controladas diretas e as indiretas, sob pena de se estabelecer uma dupla tributação do mesmo lucro, pois os resultados das controladas indiretas já estão refletidos nas controladas diretas. CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. 193 O inciso I do art. 16 da Lei 9.430, de 1996, indica que os lucros das controladas no exterior devem ser considerados de forma individualizada, por controlada. Mas, isso, de modo algum quer dizer os lucros das controladas indiretas devam ser considerados diretamente. No caso em tela, de maneira extremamente resumida pode-se dizer que através de um planejamento tributário, a empresa Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. adquiriu e tornou-se única sócia da empresa GTL Trade Corp. A empresa GTL Trade Corp era anteriormente sociedade unipessoal cuja sócia era uma sociedade uruguaia chamada Oruscom S/A, e, não era uma sociedade residente no território espanhol. Apenas após a mudança para o território espanhol é que houve o interesse de aquisição da sociedade GTL Trade Corp pela Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda., alterando a denominação da primeira para Gerdau GTL Spain SL. A empresa Gerdau GTL Spain SL correspondia a uma holding de várias empresas do grupo econômico, e, estava constituída sobe a forma de “ETVE” – Entidad de Tenencia de Valores Extranjeros. Além disso, não possuía funcionários, e, sua administração burocrática era realizada por intermédio de procuração dada a Ernst & Young. A Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. passou para a Gerdau GTL Spain SL suas controladas diretas através da integralização de capital com as respectivas ações. Tais medidas corresponderiam a uma reestruturação societária objetivando o alcance de uma economia fiscal, e, portanto, pode-se falar em planejamento tributário. Segundo a decisão de primeira instância administrativa, o “propósito de existência” da Gerdau GTL Spain SL, assim como de outra empresa controlada direta, era apenas evitar a tributação no Brasil, já que o rendimento que elas obtinham não eram oriundos do território espanhol. Entendia-se, assim, que se a sociedade brasileira fosse controladora direta, os rendimentos seriam tributados. Assim, uma parte da decisão de primeira instância, mencionada no acórdão ora analisado, dispõe: A empresa espanhola foi criada com a finalidade de ser repassadora dos lucros auferidos por empresas controladas pela fiscalizada com o fito de evitar a tributação no Brasil e, mesmo que se admita propósito negocial subjacente, os lucros das controladas indiretas são considerados auferidos pela investidora brasileira, sendo passíveis de disponibilização, por força da legislação comercial e do art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001. 194 Ainda, com relação a decisão de primeira instância administrativa, o acórdão transcreve trechos do voto do relator Eduardo Shimabukuro, onde é feita uma constatação do entendimento da prevalência da substância sob a forma e da impossibilidade de aceitação pelas Autoridades Tributárias de reestruturações societárias cujo mero objetivo seria a economia fiscal sem qualquer propósito negocial. No caso, se constatou que apesar da criação da estrutura societária da holding espanhola (Gerdau GTL Spain SL), a gestão operacional era realizada pela sociedade brasileira (Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda.), ou seja, em termos operacionais a reestruturação não provocou mudanças.236 A reestruturação, nesse caso, é notadamente um planejamento tributário que pode ser considerado abusivo, uma vez que a substância dos fatos não condiz com a forma apresentada. Outro ponto interessante destacado no relatório do acórdão e referente à decisão de primeira instância é o fundamento de que as normas do tratado internacional tributário celebrado entre o Brasil e a Espanha foram incorporadas em momento anterior à criação, na legislação espanhola, das ETVEs, e, portanto, “sua aplicação conflitaria com a intenção de ambos os signatários de evitar a dupla tributação de lucros gerados por residentes em cada um deles, e, ainda, o de evitar a evasão fiscal, consoante o entendimento firmado no Ato Declaratório Interpretativo SRF 6/2002”.237 236 O trecho do acórdão que faz menção à decisão de primeira instância no voto do relator Eduardo Shimabukuro é o seguinte: “o princípio da livre iniciativa se opõe ao da justiça social, e a criação da pessoa jurídica espanhola apenas com objetivo de servir de anteparo da tributação das demais empresas estrangeiras no exterior não a legitima perante o ordenamento jurídico; a doutrina aborda a figura do abuso do direito e sua inoponibilidade em face de terceiros, dentre os quais o Fisco; a liberdade de se auto-organizar encontra limites nos demais princípios que informam nossa matriz constitucional, em especial o da capacidade contributiva, da isonomia fiscal e da função social do contrato; a existência de uma estrutura empresária com o objetivo primordial de se eximir de tributação é injustificável, pois atende, tão-somente, o interesse de seus sócios; [...] a empresa espanhola é meramente uma estrutura formal, que não possui qualquer funcionário e cuja administração burocrática é realizada por mandato conferido à empresa de consultoria jurídica e empresarial Ernst & Young, conforme constatado pela autoridade fiscal. Sua gestão operacional é realizada por um conselho de administração, cujos diretores, snão os mesmos de outras empresas do Grupo Gerdau, dentre as quais a própria autuada, e têm seus domicílios fiscais situados no Brasil, de forma que, substancialmente, nada mudou; melhorias consistentes em vantagem competitiva sobre seus concorrentes advinda exclusivamente de economia tributária são inaceitáveis por carecerem de propósito negocial; não se trata de desconsideração da personalidade jurídica da subsidiária integral na Espanha, mas da inoponibilidade dos efeitos do planejamento tributário executado em face da tributação nacional” (BRASIL, 2012). 237 De acordo com o Ato Declaratório Interpretativo SRF 6, de 6 de Junho de 2002, em seu Artigo 1º: “Sujeitam-se à incidência do imposto de renda os lucros e dividendos recebidos por residentes ou 195 Nessa situação poderia ser aventada, inclusive e conforme tópico anteriormente analisado, a possibilidade de abuso do tratado internacional tributário pelo próprio Estado Soberano signatário. Com isso, a Espanha estaria utilizando de uma norma interna posterior (que dispõe sobre as ETVEs) para buscar um benefício advindo do tratado internacional tributário celebrado com o Brasil de maneira diversa da qual foi pretendido em sua celebração, indo de encontro com o objetivo de neutralidade fiscal nas transações internacionais celebradas entre os dois Estados. Nota-se, inclusive, que a Receita Federal do Brasil, através da Instrução Normativa RFB 1.037, de 4 de Junho de 2010, havia incluído o regime fiscal das ETVEs na lista de Regimes de Tributação fiscal privilegiados, mas, posteriormente, o Ato Declaratório Executivo 22, de 30 de novembro de 2010, acabou excluído referido regime da lista. O voto vencedor que rendeu a ementa transcrita acima, pode ser resumidamente fundamentado com quatro pontos. O primeiro é que a estrutura de uma holding não seria a mesma coisa de uma estrutura de uma empresa operacional; o segundo é que o argumento da Fazenda Nacional de que o único objetivo seria economia fiscal (portanto sem propósito negocial) não pode ser considerado absoluto; o terceiro é que o afastamento do tratado somente ocorre por previsão expressa no mesmo ou em norma interna; e, o quarto seria que o enquadramento do resultado foi feito de maneira errada, e, dessa forma, seria preciso verificar o resultado das indiretas na holding espanhola e não buscar diretamente o resultado. Portanto, de acordo com esse quarto argumento, a desconsideração da holding espanhola foi indevido. No que pese tanto as partes envolvidas no julgamento administrativo em apreço, bem como os Conselheiros do CARF envolvidos, para fins didáticos do presente trabalho a apresentação de alguns pontos desse caso é válido, principalmente no que condiz ao voto vencido, o qual passa-se a analisar. A importância do voto vencido é que diante da situação em concreto (e resumida de maneira resumida) propôs a adoção inicialmente do que ora se chama nesse estudo de norma geral antielisiva interna (posto que seria a aplicação domiciliados no Brasil, decorrentes de participação em “Entidad de Tenencia de Valores Extranjeros”/ETVE, regulada pela Lei Espanhola do Imposto de Sociedades, não se aplicando o disposto no parágrafo 4º do art. 23 da Convenção destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda entre o Brasil e a Espanha, promulgada pelo Decreto 76.975, de 1976” (BRASIL, 2002). 196 conjunta de dispositivos do Código Tributário Nacional, notadamente o Artigo 142 combinado com o Artigo 149, em face de uma prática elisiva abusiva), e, posteriormente, a aplicação de uma norma específica antielisiva interna (o Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001). Ademais, e aqui a importância para esse estudo, a aplicação da norma seria em face de situação abrangida pelo tratado internacional tributário existente entre o Brasil e a Espanha. Assim, segundo o voto vencido, mas que entende-se corretamente fundamentado, “o procedimento para desconsideração de estruturas formais que se prestam a ocultar ou impedir a ocorrência do fato gerador, ou de seus efeitos, quando erigidas dolosamente, nuca dependeu de disciplina específica”. Assim, abrese fundamentação para que, na consideração de planejamentos tributários agressivos por intermédio de estruturações artificiais e abusivas seja possível à Autoridade Tributária verificar a ocorrência do fato gerador concreto e enquadrá-lo na hipótese de incidência tributária prevista na norma interna (Artigo 142 do Código Tributário Nacional), uma vez comprovado que “o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação” (Artigo 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional). Note-se que, caso fossem aplicados os Comentários à Convenção Modelo da OCDE para a interpretação da questão, a conclusão óbvia que se chegaria, dentro do contexto e buscando alcançar os objetivos do tratado internacional tributário firmado com a Espanha, que, com espeque no Parágrafo 9.5 do Comentário ao Artigo 1º, estaria ocorrendo uma verdadeira constatação dos fatos jurídicos tributáveis, buscando afastar as situações ditas abusivas. Ainda segundo o voto ora analisado, a conduto dolosa teria como exemplo específico a previsão do Artigo 72 da Lei 4.502/64, que, naquela época, conceituava a fraude fiscal como “toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal”, além de “excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante Certo é que, conforme constatado corretamente por Rocha (2013, p.14) a maneira como as decisões são exauridas pelo CARF é “bastante rudimentar e superficial, uma vez que historicamente os conselheiros não eram chamados a decidir sobre questões envolvendo a aplicação e interpretação de tratados internacionais”. Ao longos dos julgamentos não examinada corretamente a maneira 197 como devem ser interpretados os tratados internacionais tributários, e, sequer são analisados os comentários da OCDE que, segundo visto acima, além de representarem fonte de auxílio na interpretação, já foram considerados pela própria Receita Federal do Brasil como documentação auxiliar para tanto. 198 7 CONCLUSÃO Methods of escape or intended escape from tax liability are many. Some are instances of avoidance which appear to have the color of legality; others are on the borderline of legality; others are plainly contrary even to the letter of the law. All are alike in that they are definitely contrary to the spirit of the law. All are alike in that they represent a determined effort on the part of those who use them to dodge the payment of taxes which Congress based on ability to pay. All are alike in that failure to pay results in shifting the tax load to the shoulders of others less able to pay, and in mulcting the Treasury of 238 the Government’s just due. (ROOSEVELT, s/d) Certa vez, um professor de Tratados Internacionais Tributários tentou explicar o que seria o planejamento tributário de uma maneira simples aos alunos. Tratavase de suas últimas palavras, ao final do curso. Para apresentar a explicação, contou que, certa vez, na cidade de Melbourne, ao sudeste da Austrália, iria ser realizado um congresso de Direito Tributário, e, que dois Auditores da Receita Federal australiana, lotados em Sydney, pretendiam ir de trem para assistirem às palestras. O raciocínio dos auditores era bastante lógico. Uma vez que o congresso era direcionado a advogados e consultores tributários, eles, os auditores, poderiam conhecer as novas tendências em planejamento tributário, e, dessa forma, iriam coibir qualquer tentativa realizada em suas jurisdições. Contudo, ao chegarem na estação do trem, e, entrarem na fila para comprar o tíquete, reconheceram, logo a frente, dois advogados tributaristas, conhecidos pela experiência em formularem para seus clientes planejamentos tributários, os quais o Fisco tinha dificuldade em desconsiderar para tributação. Concluindo que os advogados tributaristas também iriam para o congresso, observaram que apenas um comprou o tíquete, entendendo que tal situação correspondia a mais um esquema de trapaça para pagar menos. Assim, a curiosidade levou os dois auditores a entrarem no mesmo vagão dos dois advogados tributaristas. Então que, durante a viagem, no momento em que o bilheteiro saiu do vagão antecessor e dirigiu-se ao vagão onde os quatro se encontravam, os dois advogados tributaristas levantaram-se e entraram no banheiro 238 Tradução livre: “Métodos de fuga ou pretensão de fuga de responsabilidade fiscal são muitos. Alguns são casos de elisão, que parecem ter a cor da legalidade; outros estão no limite da legalidade; outros são claramente contrárias, mesmo ao pé da letra da lei. Todos são iguais no que eles estão definitivamente contrários ao espírito da lei. Todos são iguais na medida em que representam um determinado esforço por parte de quem os utiliza para evitar o pagamento de impostos que o Congresso cobra com base na capacidade contributiva. Todos são iguais no que a falta de pagamento resulta na mudança da carga tributária para os ombros de outros menos capazes de pagar, e em punir o Tesouro do Governo pelo que é apenas devido.”. 199 ao mesmo tempo. O Cobrador entrou no vagão, e, passageiro por passageiro pediu o tíquete que carimbou, desejando uma boa viagem. Até que, sob os olhares atentos dos auditores fiscais, o Cobrador chegou à porta do banheiro, e, vendo que estava ocupado, bateu na porta pedindo o tíquete ao suposto passageiro que se encontrava ali. Um dos advogados tributaristas que estava com o tíquete o passou por debaixo da porta, sendo pego pelo Cobrador que o carimbou e o devolveu pelo mesmo caminho. Após o Cobrador saiu do vagão, e, os advogados tributaristas saíram do banheiro retornando aos respectivos assentos, para a indignação dos auditores fiscais que constataram “mais uma” artimanha daquela dupla. Ao final do congresso, os auditores fiscais, ainda pensando no ocorrido da ida, dirigiram-se à estação de trem de Melbourne para retornarem à Sydney. Mais uma vez, ao entrarem na fila para comprarem o tíquete, depararam-se, logo a frente, com os dois advogados tributaristas, e, notaram que a manobra realizada na ida estava se repetindo. Dessa maneira, pretendendo coibir tal ato, um dos auditores fiscais, que era sênior e portanto detentor de maior experiência, disse para o seu colega que eles também iriam comprar apenas um tíquete, e, seguiriam os advogados tributaristas para entrarem no mesmo vagão, adiantando-se aos mesmo no momento de utilizarem o toalete. Dito e feito, estavam no mesmo vagão retornando para Sydney os dois auditores fiscais, portanto apenas um tíquete, e, os dois advogados tributaristas, também portanto apenas um tíquetes, todos a espera do Cobrador. No primeiro sinal deste, os auditores fiscais se apressaram para entrarem ambos no toalete, utilizando da mesma artimanha que haviam presenciado na ida e buscando frustrar o plano dos advogados. Contudo, assim que entraram no toalete, momento este em que o Cobrador estava entrando no vagão, um dos advogados tributaristas que estava sem o tíquete dirigiu-se também ao toalete, e, batendo na porta se fez passar pelo Cobrador, dizendo: “Tíquete senhor!”. Os auditores fiscais desapercebidos de tal atitude dissimulada, passaram o tíquete por debaixo da porta, contudo não obtiveram o retorno do mesmo carimbado. O advogado tributarista pegando o tíquete retornou ao seu assento e o entregou ao Cobrador que o carimbou e o entregou de volta como se fosse seu... A moral da história apresentada pelo professor aos alunos no final do curso, e, que ao mesmo tempo concede uma explicação do que vem a ser planejamento tributário, é que, o planejamento tributário deve sempre estar um passo a frente da realidade conhecida pelas autoridades tributárias. 200 O presente estudo e as ponderações feitas nas páginas acima não desvirtuam muito do que é passado pela história acima descrita. Ao longo do tempo, acompanhou-se medidas tomadas tanto para afastar uma carga tributária demasiadamente pesada em transações internacionais, como, em paralelo, uma tentativa de coibir o uso de tais medidas para a obtenção de vantagens além daquelas inicialmente pretendidas pelos órgãos que as criaram. Nesse sentido, podemos iniciar pela tributação sobre a renda mundial que foi introduzida como uma forma de combater a evasão fiscal internacional, entendida esta no sentido genérico apresentado na primeira seção primária do desenvolvimento. Com o aumento das transações internacionais e a necessidade de se buscar uma neutralidade em face da possibilidade de bitributação por soberanias diversas, Estados Soberanos começaram a pactuar tratados internacionais tributários. A neutralidade fiscal é então buscada por esses tratados internacionais tributários que, possuem como principal ferramenta as normas ali constantes para se evitar a dupla tributação da renda. Não obstante, como demonstrado ao longo do estudo, a finalidade proposta por estes tratados internacionais tributários não é apenas evitar a dupla tributação da renda, mas, também, combater a evasão e a elisão fiscal, pois somente assim, será alcançada a neutralidade fiscal internacional. Assim, após as considerações elaboradas no presente estudo, e, da exposição de uma literatura sobre o tema, de maneira sintética, passa-se a apresentar a linha de raciocínio delineada sobre o problema, buscando demonstrar o porque as normas antielisivas internas devem ser aplicadas em situações abrangidas pelas normas de tratados internacionais tributários, não havendo, destarte, nenhum conflito real de normas, mas, sim, uma interpretação conforme os objetivos desses últimos. A “evasão fiscal internacional” é um termo que, em virtude do seu subjetivismo, comporta diferentes acepções, a depender do ordenamento jurídico e até mesmo da corrente doutrinária. Para o estudo, é vista como gênero, do qual a evasão fiscal (tax evasion), e, a elisão fiscal (tax avoidance) são espécies. Da mesma forma, a utilização do termo “fraude à lei fiscal internacional”, corresponderia a prática de atos lícitos de maneira inaceitável por determinado ordenamento, e, é o que entende-se como elisão fiscal abusiva. O combate à elisão fiscal ocorre através de diversas formas a depender do Estado Soberano e das peculiaridades de cada ordenamento jurídico, e, apesar da 201 simulação ser a prática mais combatida, também encontram-se normas que buscam evitar a fraude à lei fiscal, a aplicação da substância sobre a forma, o abuso de direito, entre outros. Para delimitar corretamente o que seria a elisão fiscal (tax avoidance), o primeiro passo é a diferenciação com a evasão fiscal (tax evasion). Enquanto que a evasão fiscal seria a prática de meios ilícitos em determinado ordenamento jurídico, para a obtenção ilícita de vantagens fiscais (essas podendo ser tanto a não tributação, como a redução ou postergação da carga tributária), a elisão fiscal seria a prática de meios lícitos na busca de resultados fiscais mais vantajosos. Uma vez que a prática de meios ilícitos seja considerada inadequada pelo ordenamento jurídico, este poderá considerar tal prática abusiva e agressiva, criando normas para impedir tal prática. Portanto, a elisão fiscal possui um viés aceitável, quando não é combatida pelo ordenamento jurídico, como também pode possuir um sentido negativo, quando sua prática é combatida por meio de normas antielisivas. Assim sendo, o estudo considerou a utilização do termo “elusão”, como sinônimo de elisão abusiva, desnecessária, não o empregando para a análise do problema. A elisão fiscal abusiva, combatida pelas normas antielisivas, seria, destarte, a prática de atos lícitos de forma manipulativa, artificial e abusiva do direito, alterando a forma dos fatos e negócios, e, englobando, neste sentido, tanto a simulação, como a fraude à lei, o negócio jurídico sem causa e o abuso das formas, para o fim de evitar uma determinada carga tributária, ou simplesmente postergar a incidência da norma. Em âmbito internacional, o sentido amplo seria o mesmo, com o diferencial de ser constatado em situações que possuam elementos de conexão com mais de um ordenamento jurídico. O presente estudo idêntica a necessidade de delimitação das normas antielisivas para a análise do problema. Neste sentido, a primeira distinção refere-se a normas gerais antielisivas e normas específicas antielisivas. A primeira espécie corresponde a uma regra geral onde haverá a desconsideração de fatos e atos praticados pelo contribuinte quando em desacordo com o ordenamento jurídico. A amplitude da norma poderá variar de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico, sendo que no direito brasileiro, o Parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), considerado como a norma geral antielisiva brasileira não foi ainda regulamentado, o que impede saber qual o seu alcance segundo o entendimento do Poder Judiciário. A discussão doutrinaria sobre 202 um alcance mais restrito (pela corrente Positivista Formalista), ou mais amplo (pela corrente Pós-positivista Valorativa) foge do objetivo geral dessa pesquisa, e, não altera a resposta dada pelo problema, como será demonstrado. A segunda espécie corresponde às normas específicas antielisivas, e, caracterizam-se por tratar de assuntos específicos onde o legislador tributário entendeu por bem tipificar certas condutas antes praticas pelos contribuintes como forma de evitar a incidência da norma tributária. A importância para tal distinção está justamente no fato de que as normas gerais antielisivas desconsideram certos atos e fatos praticados pelos contribuintes para enquadrá-los nas normas de incidência tributária, enquanto que as normas específicas antielisivas possuem uma metodologia diversa, ampliando a hipótese de incidência tributária em determinadas situações. Para a análise do problema, é ainda levado em consideração apenas as normas antielisivas internas, e, em situações abrangidas por tratados internacionais que não possuam previsão autorizativa de aplicação. Ou seja, apenas as normas antielisivas internas (sejam específicas ou geral), cujo alcance atinja situações abrangidas por tratados internacionais tributários que não possuem normas autorizando a aplicação daquelas, tem relevância no que condiz a análise de um conflito com estes. A doutrina especializada, conforme foi apresentado na pesquisa, aponta três formas de uso impróprio ou abusivo dos tratados internacionais tributários que seriam o treaty shopping, o rule shopping e os casos triangulares. Logo, a primeira variável do problema (normas antielisivas), seriam aquelas normas gerais ou específicas antielisivas internas que combateriam tais abusos, mesmo não estando autorizadas nos tratados internacionais tributários. Uma primeira justificativa para a sua aplicação repousa Princípio Antielisão de Vogel. Nesse diapasão, as referidas normas (geral ou específicas) antielisivas internas dos Estados Signatários seriam de aplicação possível a fatos abrangidos por tratados internacionais tributários assinados por Estados Soberanos, mesmo que não houvessem autorização para tanto, mas, cujo uso impróprio fosse combatido no ordenamento interno de ambos. O uso impróprio dos tratados internacionais tributários corresponde a uma violação do princípio da boa-fé, reconhecido internacionalmente, e, consequentemente, torna possível defender a existência de um princípio antielisão. 203 Lado outro, a segunda variável do problema são os “Tratados Internacionais Tributários”, que, de acordo com o já mencionado na introdução desse estudo, seria os tratados internacionais bilaterais para evitar a dupla tributação da renda, e, formalizados com base na Convenção Modelo da OCDE. Os tratados internacionais tributários correspondem a normas internacionais pactuadas por Estados Soberanos que limitam o poder de tributar desses em determinadas situações. Em um tratado internacional tributário, as suas normas incidem sobre determinada situação tanto no sentido de autorizar determinado Estado Soberano a aplicar a norma interna tributária, quanto no sentido de limitar esta aplicação. Tal limitação do Poder de Tributar consiste em uma limitação da própria soberania do Estado, na vertente da Soberania Tributária que, para se adequar ao mundo globalizado dos dias atuais tende a ser flexível. Assim, determinado fato que possui elementos de conexão de dois Estados Signatários de um tratado internacional tributário será tributado apenas por um. Isto porque o tratado internacional tributário, a um só tempo, atinge a soberania tributária dos dois Estados Signatários, autorizando a incidência da norma tributária de um deles, e, afastando a incidência da norma tributária do outro. Ademais, o tratado internacional tributário é incorporado no nosso ordenamento interno pela ratificação realizada pelo Brasil, e, continua sendo, no direito interno, tratado internacional tributário, posto que o procedimento de incorporação é a adoção, onde o Presidente da República assina o texto do tratado, para referendo posterior do Congresso Nacional, seguido da ratificação, e, posterior promulgação. O referendo, portanto, não cria ou transforma o tratado internacional em norma interna, e, a promulgação apenas dá publicidade. Os atos que realmente correspondem ao procedimento de celebração são a assinatura e a ratificação do tratado internacional. Logo, é norma pertencente ao ordenamento jurídico brasileiro o tratado internacional após a sua ratificação e interpreta-se com base no direito internacional público. Essa incorporação (ou internalização) do tratado internacional tributário no ordenamento jurídico brasileiro por meio da adoção é corolário lógico do monismo, cuja primazia ao direito internacional é decorrência lógica do princípio do pacta sunt servanda, e, da previsão do Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Além disso, dispositivos do texto constitucional demonstram 204 claramente que o tratado internacional é norma que compõe o ordenamento jurídico brasileiro (Artigo 102, 105, e, 109 da Constituição Federal de 1988). O atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que os tratados internacionais tributários prevalecem sobre as normas de direito interno, sendo adotada a teoria monista com primazia do direito internacional. Entende-se, nesse diapasão, que o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) ao dispor sobre a prevalência dos tratados internacionais tributários sobre a legislação tributária, além de estar em consonância do a Constituição Federal de 1988, em face da previsão do Artigo 146, inciso III, ratifica a lógica da adoção do monismo com primazia do direito internacional. Assim, a prevalência das normas de tratados internacionais tributários sobre a legislação tributária interna seria não apenas decorrente de uma especialização, mas sim em face de uma superioridade hierárquica. Assim, a segunda variável do problema enfrentado nesse estudo, os tratados internacionais tributários, teriam uma superioridade hierárquica decorrente do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), e principalmente do princípio da primazia do direito internacional sobre o privado, enfatizado pela adoção do monismo e do pacta sunt servanda. Uma vez superada a delimitação das variáveis do problema, impende adentrar na questão propriamente dita do conflito entre as normas. Como demonstrado, as normas de tratados internacionais tributários possuem uma superioridade hierárquica que, agregada ao caráter de especialização, prevalecem em face de um confronto aparente com as normas internas, que não são, portanto, aplicadas. Essa superioridade hierárquica dos tratados internacionais em face das leis internas advém, tanto para a corrente monista como para a corrente dualista, do primado do direito internacional sobre o privado. Não obstante tal premissa, no caso das normas (gerais e específicas) antielisivas internas, a questão de superação do conflito aparente não cinge a uma aplicação da norma dos tratados internacionais tributários e afastamento das primeiras em decorrência de critérios superação de conflito de normas como a hierarquia ou mesmo a especialização. Buscando a correta interpretação dos tratados internacionais tributários, imperioso a aplicação das regras constantes da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), principalmente pelo fato de que, no ordenamento jurídico 205 brasileiro os tratados internacionais são fontes primárias de direito e incorporam-se a este pela adoção e não transformação. Isto faz com que suas normas devam ser interpretadas segundo o direito público internacional. Nesta trilha de raciocínio, os tratados internacionais tributários devem ser interpretados de acordo com o princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda. A interpretação com espeque nesses princípios leva a uma conclusão lógica que os dispositivos do tratado internacional tributário não devem ser interpretados literalmente, e sim de maneira teleológica buscando os seus objetivos e propósitos. Dentro desse contexto, ressaltando que os tratados internacionais tributários objetivam a neutralidade fiscal na transações internacionais através do impedimento da dupla tributação da renda e do combate à evasão e elisão abusiva, torna-se salutar entender que normas antielisivas internas (gerais ou específicas) não devem ser afastadas em caso de situações abrangidas pelos tratados. No caso estudado, o Brasil celebra seus tratados internacionais tributários com base na Convenção Modelo da OCDE, cujos Comentários são de importância impar, notadamente aqueles referentes ao Artigo 1º que expõe os posicionamentos dos Estados membros e dos associados (key partners), a respeito do seu uso impróprio. Juntando a isto, surge ainda o fato de que tais comentários, especificamente nessa parte, sofreram revisão em 2003, e, portanto, foi relevante ver a abrangências das considerações ali presentes. Apesar de não corresponderem a normas vinculantes de Direito Internacional Público, nem serem celebrados especificamente pelos Estados Signatários de determinado tratado internacional tributário, os Comentários da OCDE devem ser utilizados numa interpretação sistemática desses, com espeque no Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), como regra de direito internacional relevante. O precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos permitem a utilização do soft law como regra de direito internacional relevante, e, o caráter único dos Comentários da OCDE não torna possível outro entendimento. Ademais, tomando-se por base a ideia já exposta de um norma antielisiva não escrita, formulada por Vogel (1986), é de ressaltar que, os Comentários advindos da Revisão de 2003 não alteram o sentido e propósito dos tratados internacionais tributários, mas apenas dão maior clarificação, uma vez que sempre buscou-se a neutralidade fiscal, seja pela eliminação da dupla incidência tributária, seja também pelo afastamento da dupla não incidência e prevenção da elisão e evasão tributária. 206 Noutro giro, os Comentários posteriores que fossem adições e não apenas esclarecimentos correspondem, em última instância, a entendimentos dos Estados membros e associados da OCDE que utilizam da Convenção Modelo, e que na maioria das vezes podem fazer ponderações em sentido diverso. Deve-se, destarte, buscar a harmonia, como faz a própria Convenção Modelo ao estabelecer em sua introdução a retroatividade dos comentários posteriores aos tratados já celebrados. Neste sentido, o Parágrafo 7 e 7.1 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE deixam claro o objetivo dos tratados internacionais em evitar a elisão fiscal considerada abusiva. Bem como os demais parágrafos dos Comentários ao Artigo 1, adequados, em grande parte, pela Revisão de 2003. Destaque deve ser dado ao Parágrafo 9.5 que possui um princípio orientador para a determinação das situações consideradas abusivas no uso das normas dos tratados internacionais tributários. Assim sendo, tal princípio orientador conciliado com a princípio antielisão (norma antielisiva não escrita) de Vogel, servem para definir uma maneira de interpretar o abuso das normas dos tratados internacionais tributários, e, ao mesmo tempo, possibilitar a aplicação das normas antielisivas internas de cada Estado Signatário. Lado outro, com bem asseverado nos comentários, sejam referentes às normas gerais antielisivas internas, sejam às normas específicas antielisivas internas, não há o conflito com as normas dos tratados internacionais tributários. Isto porque as normas antielisivas internas determinariam os fatos que ensejam a incidência da norma tributária, os caracterizando corretamente, não sendo o objeto das normas dos tratados internacionais tributários. Ademais, mesmo no caso das normas específicas antielisivas, que acabam ampliando a hipótese de incidência tributária, não há qualquer distinção feita nos comentários da OCDE, e, uma vez ampliado a incidência tributária é que deverá ser analisada a forma como o tratado internacional tributário afeta o caso concreto. Especificamente com relação as regras de empresas controladas no exterior (CFC Rules), o estudo deixa claro que o propósito dos tratados é buscar a neutralidade nas transações internacionais, tendo como um dos meios a não dupla tributação jurídica, não sendo o caso de evitar a dupla tributação econômica. Ademais, tais regras buscam, assim como os tratados internacionais tributários, garantir a neutralidade fiscal nas transações internacionais. Logicamente, a depender das normas internas e do caso concreto, poderá ocorrer a dupla tributação 207 jurídica, indo de encontro com as normas dos tratados internacionais, e, nesse caso, a prevalência das regras desse último é certeira em face da jurisprudência brasileira atual. A nova Lei 12.973/2014, nesse sentido, representa ao mesmo tempo uma adequação às determinações do Poder Judiciário brasileiro, e, uma busca de harmonização com os Comentários da Convenção Modelo da OCDE, e, com o direito comparado. Além disso, independentemente da regulamentação do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), a Autoridade Tributária poderá, verificando a ocorrência do fato gerador, e, comprovando que o contribuinte agiu de maneira abusiva, aplicar os Artigos 142 combinado com o Artigo 149, inciso VII do Código Tributário Nacional (CTN) desconsiderando aquelas situações que entendem ser artificiosas e sem propósito negocial. Assim, poder-se-ia aduzir que no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação de tais disposições do CTN funcionariam como uma norma geral antielisiva interna. Na hipótese de futuramente a norma geral antielisiva interna, prevista no Parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) ser regulamentada, a sua aplicação em um contexto internacional poderá garantir a possibilidade de uma interpretação conforme o objetivo dos tratados internacionais, quais sejam, de evitar o abuso das suas regras, permitindo a desconsideração de fatos e negócios formulados de maneira artificial e manipulativa, mesmo que para isso, seja dado uma interpretação mais ampla do que aquela consistente no ordenamento interno brasileiro. Isto quer dizer que, ao internacionalizar as normas antielisivas internas (sejam tanto a geral como as específicas), para fins de aplicação em fatos abrangidos pelos tratados internacionais tributários, a interpretação deverá ser em acordo com os objetivos desses, e, portanto, não necessariamente deve ser atribuída uma visão positivista formalista oriunda de uma hermenêutica das regras internas tributárias. Em outras palavras, as normas antielisivas internas, uma vez empregadas dentro do contexto dos tratados internacionais tributários, devem buscar uma interpretação no sentido de atingir aos princípios da boa-fé, anti-abuso, transparência internacional, e, neutralidade fiscal. Esta última, cabe lembrar, não se alcança somente com o combate à dupla bitributação, mas, também, com o combate ao abuso das normas internacionais além da não bitributação. 208 Portanto, como queria-se demonstrar, em um conflito aparente entre uma norma antielisiva interna e uma norma de um tratado internacional tributário, a primeira aplica-se em homenagem à melhor hermenêutica, evitando, assim, o uso impróprio da segunda, que deve ser executada somente de boa-fé. 209 REFERÊNCIAS ANDRADE, André Martins de. O STJ – tribunal de teses ou de casos? A aplicação equivocada dos julgados repetitivos como ofensa à isonomia e à livre concorrência: remédios. 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