arquivo - Faculdades Milton Campos

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
PAULO ANTÔNIO MACHADO DA SILVA FILHO
DO CONFLITO APARENTE ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E
NORMAS DE TRATADOS INTERNACIONAIS PARA EVITAR A
DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS
Nova Lima - MG
2014
Paulo Antônio Machado da Silva Filho
DO CONFLITO APARENTE ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E
NORMAS DE TRATADOS INTERNACIONAIS PARA EVITAR A
DUPLA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação Stricto Sensu da Faculdade de
Direito Milton Campos, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientador: Sacha Calmon Navarro Coêlho
Nova Lima – MG
2014
MACHADO DA SILVA FILHO, Paulo Antônio
S586 c
Do conflito aparente entre normas antielisivas e normas de tratados
internacionais para evitar a dupla tributação da renda de pessoas jurídicas./ Paulo
Antônio Machado da Silva Filho – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton
Campos / FDMC, 2014.
213 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coelho
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área
de concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos
Referências: f. 209-2013
1. Tributação. 2. Normas antielisivas. 3. Tratados internacionais tributários. 4.
Conflitos aparentes. I. Coelho, Sacha Calmon Navarro. II. Faculdade de Direito
Milton Campos III. Título
CDU 336.2:341.241(043)
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “Do conflito aparente entre
normas antielisivas e normas de tratados internacionais
para evitar a dupla tributação da renda de pessoas
jurídicas, de autoria do Mestrando Paulo Antônio
Machado da Silva Filho”, para avaliação da banca
constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho – FDMC
Orientador
Prof. Dr. André Mendes Moreira
Prof. Dr. Alessandra Machado Brandão Teixeira
Prof. Dr. Alexandre Antonio Alkmim Teixeira
Nova Lima, 28, novembro, 2014.
Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
A minha mãe Maria Cristina de Almeida da Fonseca, pelo incentivo e carinho, e, ao
meu pai Paulo Antônio Machado da Silva, pelo apoio.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço bastante ao professor Doutor Sacha Calmon
Navarro Coêlho pelas orientações apresentadas, sem as quais o presente estudo
não teria sido finalizado. Agradeço, ainda, pela disponibilidade em aceitar a
orientação, e, pelo exemplo como tributarista.
Agradeço, em seguida, aos professores do curso de Mestrado da Faculdade
de Direito Milton Campos que tive a honra de ser aluno: Rodolpho Barreto Sampaio
(“Teoria das Obrigações Empresariais” e “Direito Empresarial Contemporâneo”);
Jason Soares de Albergaria Neto (“Sociedades Empresárias”); Mônica Mata
Machado de Castro (“Metodologia da Pesquisa Científica”); Ricardo Adriano
Massara Brasileiro (“Filosofia do Direito”); Marisa Cintrão Forghieri (“Estágio de
Docência LP II”), Felipe Fernandes Ribeiro Maia (“Sociedade Anônima no Direito
Contemporâneo”) em especial ao professor André Mendes Moreira, por lecionar a
matéria de Direito Tributário (“Direito Tributário Empresarial”).
A realização desse Mestrado não seria possível sem o aproveitamento de
crédito das disciplinas isoladas realizadas na instituição PUC Minas, nos anos de
2008 e 2012, com os professores Paulo Roberto Coimbra Silva (“Teoria Geral do
Direito Tributário), e Flávio Couto Bernardes (“Sanções Tributárias”), os quais
também agradeço pelos conhecimentos transmitidos através das disciplinas
mencionadas. Notadamente, ao professor Flávio Couto Bernardes também registro o
meu grande agradecimento pelos conselhos dada para a realização do Mestrado.
Agradeço também ao professor Marciano Seabra de Godói, por ter aceitado a
minha inscrição em sua disciplina “Direito Tributário Internacional” na PUC Minas, no
segundo semestre de 2014, e, cujos conhecimentos agregados ao longo das aulas
que participei, antes da finalização do presente estudo, foram indispensáveis para a
sua lapidação final.
Aos meus pais pela grande oportunidade de sempre estar estudando e por
sempre me apoiarem nas decisões tomadas ao longo da minha vida.
A Suelen Souza de Oliveira, por ser minha companheira durante a trajetória
do Mestrado, e, pelo amor que sempre demonstrou.
“I suspect that if a million monkeys were put in front of a million typewriters,
by Wednesday one of them would have come up with an improved version
1
of the Income Tax Act.”
(Paul Gerber, Senior Member, Administrative Appeals Tribunal, Australia)
1
Tradução livre: “Eu suspeito que se um milhão de macacos forem colocados em frente a um milhão
de máquinas de escrever, até quarta-feira um deles terá feito uma versão melhorada da legislação
do Imposto de Renda.”
RESUMO
Esta dissertação de Mestrado em Direito consiste no estudo elaborado para o
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito Milton Campos, tendo como
referência o projeto “A Preservação da Empresa e o Poder de Tributar”, vinculado à
linha de pesquisa “A empresa na contemporaneidade”. O tema escolhido foi “Do
conflito aparente entre normas antielisivas e normas de tratados internacionais para
evitar a dupla tributação da renda de pessoas jurídicas”. Como problema de
pesquisa, a questão colocada foi: As normas antielisivas internas conflitam com as
normas dos Tratados Internacionais Tributários? Para tanto, procedeu-se a uma
pesquisa no sentido de delimitar as variáveis do problema e, assim, especificar o
que seriam as normas antielisivas internas e as normas de Tratados Internacionais
Tributários. Além da delimitação das variáveis, imprescindível foi demonstrar como
tais normas se comportam no ordenamento jurídico, especificamente no brasileiro.
Para tanto, diferencia evasão fiscal de elisão fiscal, normas antielisivas internas de
normas antielisivas internacionais, e normas gerais antielisivas de normas
específicas antielisivas. No tocante a variável Tratados Internacionais Tributários,
foram estudadas as correntes monista e dualista e suas mutações. A tese da
incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico foi analisada pelo
meio da adoção e da transformação. E, ainda, analisou-se o posicionamento do
Poder Judiciário sobre a hierarquia dos Tratados Internacionais Tributários, levandose em conta o art. 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Foi estudado o conflito
entre as normas internacionais e as normas internas, a interpretação dos tratados
internacionais e a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), além
dos Comentários à Convenção Modelo da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), com destaque para o Artigo 1º e para a
Revisão de 2003. O resultado alcançado pelo estudo foi a comprovação de que as
normas antielisivas internas (gerais e específicas) não confrontam com as normas
dos Tratados Internacionais Tributários, mas, sim, garantem a correta aplicação
destes.
Palavras-chaves:
Tributação.
tributários. Conflito aparente.
Normas
antielisivas.
Tratados
internacionais
ABSTRACT
This dissertation from Master of Law is a research for the Post-Graduation Program
from the Faculty of Law Milton Campos, with reference to the project "The
preservation of the company and the power to tax", linked to the research line "The
company nowadays". The theme chosen was "The apparent conflict between anti
avoidance rules and rules from international treaties to prevent the double taxation of
income from legal entities". As a problem from research, the question asked was:
Internal anti avoidance rules conflict with rules of International Tax Treaties?
Therefore, it proceeded to a survey in order to delimitate the variables of the problem
and, thus, specify what would be the internal anti avoidance rules and the rules from
International Tax Treaties. In addition to the definition of the variables, it was
imperative demonstrate how such rules behave in the legal order, specifically in the
Brazilian. Therefore, differentiates tax evasion and tax avoidance, internal anti
avoidance rules and international anti avoidance rules, and general anti avoidance
rules and specific anti avoidance rules. Regarding the variable International Treaties
Tax, the monism and dualism theories and their mutations were studied. The thesis
of the incorporation of international treaties in the legal system was analysed by
through the adoption and transformation. Also, it was analysed the position of the
judiciary on the hierarchy of international treaties Tax, taking into account Article 98
from the National Tax Code (CTN). It was studied the conflict between international
standards and internal standards, the interpretation of international treaties and the
Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT), in addition to comments on the
Organization Model Convention for Economic Cooperation and Development
(OECD), with especially Article 1 and for the 2003 Revision. It was studied the
conflict between international standards and internal standards, the interpretation of
international treaties and the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT),
besides to Commentaries on the Model Convention from the Organisation for
Economic Cooperation and Development (OECD), highlighting the Article 1 and the
2003 Revision. The result achieved by the study certifies that the internal anti
avoidance rules (general and specific) do not conflict with the rules of the
International Tax Treaties, but rather ensure the correct application of these.
Keywords: Tax. Anti-avoidance Rules. International tax treaty. Apparent conflict.
LISTA DE ABREVIATURAS
ampl. – ampliada
art. - artigo
coord. – coordenadores
ed. – edição
edn. – edição
org. – organizador
orgs. – organizadores
p. – página
pp. – páginas
para. – parágrafo
ss. – seguintes
v. - volume
LISTA DE SIGLAS
CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CFC - Controlled Foreign Corporations
CTN – Código Tributário Nacional
GAAR – General anti avoidance rules
IBFD – International Bureau of Fiscal Documentation
IFA – International Fiscal Association
CVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PDGRNC – Princípios de Direito Geralmente Reconhecidos pelas Nações
Civilizadas
SAAR – Special anti avoidance rules
STF – Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO............................................................................
13
2
2.1
NORMAS ANTIELISIVAS...........................................................
Distinção entre elisão e evasão fiscal (tax avoidance e tax
evasion)......................................................................................
Simulação....................................................................................
Fraude à lei.................................................................................
Abuso do direito..........................................................................
Distinção entre normas gerais antielisivas e normas
específicas antielisivas.............................................................
Parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional
(CTN)...........................................................................................
Normas específicas antielisivas..................................................
Normas setoriais antielisivas.......................................................
Alcance da norma geral antielisiva brasileira..............................
Distinção entre normas antielisivas internas e normas
antielisivas internacionais........................................................
Normas antielisivas internacionais..............................................
Uso impróprio dos Tratados Internacionais Tributários...............
Normas antielisivas internas.......................................................
“Unwritten avoidance clause”, de Vogel, e o princípio antiabuso ou princípio antielisão...................................................
Os princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações
civilizadas....................................................................................
O princípio antielisão e as normas internas................................
Abusos realizados pelos Estados e pelos contribuintes.............
19
TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS.......................
Soberania tributária..................................................................
Soberania absoluta e soberania limitada....................................
Da concepção interna e internacional da soberania...................
A soberania dinâmica..................................................................
O poder de tributar e os Tratados Internacionais Tributários .....
O princípio da territorialidade......................................................
Incorporação por transformação ou adoção........................
Transformação............................................................................
Adoção........................................................................................
O procedimento de incorporação................................................
Decreto executivo e validade dos tratados internacionais..........
A interpretação em face da incorporação...................................
Monismo versus dualismo.......................................................
Os fundamentos do dualismo......................................................
Os fundamentos do monismo.....................................................
A vigência, revogação e coexistência das normas
internacionais com as normas internas.......................................
A posição hierárquica..................................................................
Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN).....................
46
48
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56
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62
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66
2.1.1
2.1.2
2.1.3
2.2
2.2.1
2.2.2
2.2.3
2.2.4
2.3
2.3.1
2.3.2
2.3.3
2.4
2.4.1
2.4.2
2.4.3
3
3.1
3.1.1
3.1.2
3.1.3
3.1.4
3.1.5
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
3.2.5
3.3
3.3.1
3.3.2
3.3.3
3.3.4
3.4
25
28
29
29
31
31
33
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42
44
68
69
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3.4.1
3.4.2
3.4.3
3.5
3.5.1
3.5.2
3.5.3
3.5.4
3.5.5
3.5.6
3.5.7
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.1.3
4.1.4
4.1.5
4.2
4.2.1
4.2.2
4.2.3
4.2.4
4.2.5
4.2.6
4.3
4.3.1
4.3.2
4.3.3
4.3.4
4.3.5
4.3.6
4.3.7
A prevalência dos Tratados Internacionais Tributários...............
O afastamento da lei interna.......................................................
Tratados-norma e tratados-contrato em face da aplicação do
artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN)...........................
Posição do Poder Judiciário brasileiro...................................
Apelação Cível nº 9.583/1950; Apelação Cível nº 9.587/1951;
e, Recurso Extraordinário nº 71.154/1971– Monismo
moderado....................................................................................
Recurso Extraordinário nº 80.004/1977 – Dualismo
moderado....................................................................................
Recurso Extraordinário nº 90.824/1980 – Pirelli SA – Cia
Industrial Brasileira vs. União Federal – Dualismo moderado –
Aplicação do Artigo 98 do CTN...................................................
Habeas Corpus nº 72.131/1995 – Dualismo moderado – Pacto
de São José da Costa Rica – Paridade hierárquica – Critério
da especialidade.........................................................................
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.480/1997 – Dualismo moderado – Paridade hierárquica –
Critério Cronológico e Especial...................................................
Recurso Especial nº 1.161.467/2012 – Artigo 7º dos Tratados
Internacionais Tributários vs. Artigo 686 do RIR/99....................
Recurso Extraordinário nº 460.320, pendente de julgamento
definitivo – Volvo do Brasil Veículos Ltda. e outro vs. União
Federal – Monismo com primazia do Direito Internacional.........
CONFLITO ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E TRATADOS
INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS............................................
Conflito entre normas internas e normas de tratados
internacionais............................................................................
Primado do Direito Internacional em face das correntes
monista e dualista.......................................................................
Análise em face da Constituição da República de 1988.............
O critério da especialidade..........................................................
O princípio do pacta sunt servanda.............................................
O conflito com normas antielisivas internas................................
Interpretação dos Tratados Internacionais Tributários.........
O princípio da boa-fé...................................................................
O princípio da boa-fé na CVDT...................................................
O princípio do pacta sunt servanda.............................................
A observância dos tratados pelo direito interno..........................
O abuso das normas...................................................................
Os tratados-contratos versus os tratados-normas......................
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados...............
A interpretação com boa-fé.........................................................
O objeto e propósito dos tratados internacionais tributários.......
O contexto dos tratados internacionais.......................................
Os “meios suplementares”..........................................................
O “sentido especial” do Artigo 31(4) da CVDT............................
Uma “interpretação comum” pelos Estados Signatários.............
A posição da Receita Federal do Brasil......................................
72
73
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124
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131
132
133
135
4.3.8
4.4
4.4.1
4.4.2
4.4.3
4.4.4
4.4.5
4.4.6
4.4.7
4.5
4.5.1
4.5.2
4.5.3
4.5.4
5
5.1
5.1.1
5.1.2
5.2
5.2.1
5.2.2
A questão temporal.....................................................................
Comentários à Convenção Modelo da OCDE.........................
A influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE..
Princípio da Boa-fé e os Comentários à Convenção Modelo da
OCDE..........................................................................................
Comentários posteriores.............................................................
Revisão de 2003 e relação com tratados internacionais
tributários anteriores....................................................................
Estados não membros associados à OCDE (Brasil)...................
Comentários da OCDE e o princípio da integração sistemática
– artigo 31(3)(c) da CVDT...........................................................
Combate ao abuso dos Tratados Internacionais Tributários e a
prevenção da dupla não tributação.............................................
Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE
– Uso Impróprio da Convenção...............................................
Os Comentários anteriores a 2003.............................................
A prevenção à elisão e à evasão fiscal e as normas antielisivas
internas........................................................................................
As questões fundamentais..........................................................
Normas específicas antielisivas - CFC Rules.............................
NORMA ESPECÍFICA ANTIELISIVA INTERNA – CFC
RULES BRASILEIRA.................................................................
Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001...................
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588/2014...................
Recurso Especial nº 1.325.709/2014 (Vale do Rio Doce vs.
Fazenda Nacional)......................................................................
Lei nº 12.973/2014......................................................................
Rendas ativas e rendas passivas................................................
Coligadas e controladas com sócios e matrizes no exterior,
dentro do Brasil – Da equiparação à controladora......................
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189
190
6
CASO
EXEMPLO
–
GEARDAU
INTERNACIONAL
EMPREENDIMENTOS LTDA VS. FAZENDA NACIONAL........ 192
7
CONCLUSÃO.............................................................................
198
REFERÊNCIAS........................................................................... 209
13
1 INTRODUÇÃO
Antiabuse doctrines are needed . . . because it is impossible for drafters of
the tax law to anticipate each and every interaction of the various tax rules.
Inevitably, there will be some unforeseen interaction of the tax rules so that,
if one arranges one’s affairs in just the right manner, magic happens.
2
(SHAVIRO e WEISBACH, s/d).
Esta dissertação de mestrado, direcionada para a linha de pesquisa “A
empresa na contemporaneidade”, tem como referência o projeto “A Preservação da
Empresa e Poder de Tributar”. O contexto em que se insere corresponde ao cenário
mundial atual, cada vez mais globalizado, levando ao crescimento de acordos
internacionais entre Estados Soberanos. Entre estes, encontram-se os tributários,
elaborados para evitar a dupla tributação da renda (doravante chamados de
“Tratados Internacionais Tributários”). Em grande escala, são baseados na
Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
O Brasil, apesar de não ser membro dessa organização, assina tratados
internacionais tributários com diversos países, membros e não membros, tendo
como base a referida Convenção Modelo. Um de seus objetivos primordiais é
disciplinar a descarga tributária em operações internacionais, buscando estimular a
circulação de riquezas e a neutralidade fiscal nas transações internacionais de
capital e renda. Ocorre que, ao mesmo tempo em que passam a ser celebrados
tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda, um
problema comum ao sistema tributário de qualquer Estado Soberano toma
proporções internacionais: a prática de esquemas e manobras para evitar a
incidência tributária ou para mitigar a carga tributária. Concomitantemente, torna-se
crescente a preocupação por parte das autoridades tributárias em conter
planejamentos tributários vistos como agressivos e, portanto, abusivos, acarretando
a elaboração das normas antielisivas, tanto no ordenamento interno quanto no
internacional, que servem de solução para o combate aos esquemas e manobras
artificiais praticados em busca de uma economia fiscal.
2
Tradução livre: “São necessárias doutrinas antielisivas... porque é impossível para legisladores
tributários antecipar a cada interação das normas tributárias. Inevitavelmente, haverá alguma
interação imprevista das normas tributárias, de modo que, se alguém organiza seus negócios de
determinada maneira, a mágica acontece.”
14
As normas antielisivas visam combater comportamentos abusivos dos
contribuintes, o qual, segundo o Direito de cada Estado Soberano, extrapola os
limites do permitido. Isso não ocorre normalmente com a simples mitigação de
impostos com base em um planejamento tributário não agressivo. Sucede, porém,
que os limites entre o permitido e aquilo que a norma antielisiva busca coibir é
nebuloso, divergindo de Estado para Estado.
Neste contexto é que surge o tema deste estudo: o conflito aparente entre
normas antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários para se
evitar a dupla tributação da renda. Busca-se responder ao seguinte problema de
pesquisa: A norma antielisiva interna conflita com a norma de Tratados
Internacionais Tributários?
Com a celebração de um tratado internacional para evitar a dupla tributação,
muitas vezes, surge o problema de saber como tais comportamentos indesejados
passam a ser coibidos em situações que a princípio estariam abrangidas pelas
normas do tratado. Seria o caso de um conflito de normas? A aplicação da legislação
doméstica antielisiva ofenderia as disposições do tratado internacional? Poderia
haver coexistência entre tais normas internas antielisivas e as normas do tratado
internacional tributário sem que uma acabasse revogando a outra?
Destarte, o que se analisa neste estudo é a possibilidade de coexistência de
normas antielisivas com normas oriundas de tratados internacionais para se evitar a
dupla tributação da renda, buscando reconhecer a correta aplicação do Direito em
situações em que aparentemente existe conflito entre tais normas jurídicas.
O objetivo geral é: Reconhecer a possibilidade de aplicação das normas
antielisivas internas em face de situações abrangidas pelos tratados internacionais
tributários para evitar a dupla tributação da renda assinados pelo Brasil, com o fim
de se afastar a prática abusiva de normas internacionais.
Já os objetivos específicos são:
a)
Analisar qual é o grau hierárquico de uma norma de tratado
internacional tributário no ordenamento jurídico brasileiro;
b)
Analisar como se dá a aplicação de uma norma antielisiva perante
uma norma de incidência tributária no ordenamento tributário
brasileiro;
c)
Analisar o que vem a ser um planejamento tributário abusivo;
d)
Analisar como ocorre a aplicação de uma norma antielisiva e de
15
uma norma de tratado internacional tributário quando há uma
hipótese de incidência tributária prevista no ordenamento jurídico
brasileiro; e
e)
Analisar
a
aplicação
do
princípio
da
boa-fé
nos
tratados
internacionais tributários e como devem ser interpretadas as normas
dos tratados internacionais tributários quando ocorrem situações de
planejamento tributário abusivo, com base na legislação interna de
um dos Estados Contratantes.
O problema levantado tem como hipótese de solução a aplicação do princípio
da boa-fé que rege a interpretação dos tratados internacionais assinados por
Estados Soberanos, conforme confirmado pela Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT).
Apontam-se duas variáveis para o problema: de um lado, as normas
antielisivas; e, de outro, os Tratados Internacionais Tributários.
Na segunda seção, o estudo busca definir o que vem a ser norma antielisiva.
Para sua correta delimitação, especificamente a modalidade interna (relevante para
a resposta ao problema pesquisado), o primeiro passo, é proceder à distinção entre
elisão fiscal, chamada pela Convenção Modelo da OCDE de tax avoidance, e
evasão fiscal, cujo termo utilizado seria o tax evasion. Entende-se que é necessário
fazer a distinção das normas antielisivas em gerais e específicas. Procura-se
demonstrar que peculiaridades acabam surgindo quando se enfrenta o problema sob
estes ângulos diversos da primeira variável.
Distingue-se também entre normas antielisivas internas e normas antielisivas
internacionais, posto que o que realmente interessa é apenas o conflito das normas
de tratados internacionais tributários com as internas. Por fim, busca-se apresentar
uma forma diversa de norma antielisiva, na lição do professor Klaus Vogel, que a
define como unwritten avoidance clause, e da análise feita por Luís Eduardo
Schoueri, que a chama de “Princípio antiabuso”.
Na terceira seção, abordam-se os Tratados Internacionais Tributários. Apesar
de existirem várias formas de tratados internacionais que versem sobre a matéria
tributária, o estudo apoia-se na análise daqueles elaborados pelo Brasil para evitar a
dupla tributação da renda, com espeque na Convenção Modelo da OCDE, que
consiste largamente no modelo mais utilizado em todo o mundo. Além do que, a
Convenção Modelo das Nações Unidas (provavelmente o segundo modelo mais
16
utilizado) é bastante similar. A nomenclatura “Tratado Internacional Tributário”,
usada ao longo do estudo, corresponde aos tratados internacionais tributários para
evitar a dupla tributação da renda, sendo a mesma usada recentemente pelo Poder
Judiciário, conforme Recurso Especial nº 1.325.709/RJ.
No item “Soberania Tributária”, o objetivo é demonstrar o que vem a ser
soberania de um Estado e como ela se relaciona na elaboração de tratados
internacionais, especificamente os tributários. Ainda para a delimitação da segunda
variável (tratados internacionais), é imprescindível entender como ocorre a
incorporação no ordenamento interno do Estado Soberano, principalmente no Brasil.
Com isso, apresenta-se ainda a ideia alternativa de “ordem de execução”.
Notadamente, como se observará, será inevitável a discussão entre a corrente
monista e a dualista.
Serão vistas a origem e a distinção das duas correntes, bem como suas
vertentes. Ademais, o estudo ainda apresenta a síntese da literatura que trata do
tema e as posições antagônicas sobre a correta análise da tese adotada no
ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, analisa-se a importância do Artigo 98 do
Código Tributário Nacional (CTN), bem como as divergentes posições da literatura
jurídica sobre a validade, aplicação e alcance dessa norma. Por fim, proceder-se à
análise da posição do Poder Judiciário brasileiro, mediante a apresentação de um
histórico no que condiz à posição do Supremo Tribunal Federal (STF), e dando
ênfase ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, de 1977, cuja relevância
ecoa na literatura especializada.
Na quarta seção discute-se o conflito entre normas antielisivas e tratados
internacionais tributários. Inicia-se apresentando uma síntese do que se entende por
conflito entre normas e traçando a distinção entre conflito real entre normas e
conflito aparente entre normas, bem como as maneiras de solução de conflitos.
Prossegue-se demonstrando como a questão é vista pelo Poder Judiciário
brasileiro, e apresentando as principais correntes presentes na literatura. As
questões levantadas referentes aos tratados internacionais tributários são levadas
em consideração neste momento, notadamente no que condiz com as conclusões
preliminares a respeito de levantamentos feitos. Nesse momento, formulam-se
ponderações a respeito das formas de interpretação das normas dos tratados
internacionais tributários, levando-se em consideração normas do ordenamento
interno, como é o caso do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), como
17
normas internacionais, como a “Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados”,
analisada detidamente em seus dispositivos pertinentes ao estudo e os
“Comentários à Convenção Modelo da OCDE”, analisados mais detidamente na
quarta seção secundária.
Para suportar a correta análise do sentido das normas de tratados
internacionais tributários em face de confronto com normas antielisivas, é dado
destaque especial à Revisão de 2003. Com o objetivo de proceder à adequação da
interpretação das normas de tratados internacionais tributários quando confrontados
com normas antielisivas, principalmente internas de um determinado Estado
Soberano signatário.
Na quinta seção, apresenta-se a posição do Poder Judiciário brasileiro e a
nova legislação tributária sobre empresas controladas no exterior (CFC Rules).
Busca-se demonstrar como o Poder Judiciário trata a questão do conflito no caso de
norma específica antielisiva doméstica com base nas normas de tratados
internacionais. Ademais, vale ressaltar que as normas tributárias de empresas
controladas no exterior (Controlled Foreign Corporations Rules), configuram um
exemplo de normas específicas antielisivas internas, merecendo aqui maior
destaque, em virtude da importância do julgamento pelo Poder Judiciário brasileiro
ocorrido recentemente. Contudo, vale também ressaltar que o problema delimita as
normas antielisivas internas de maneira geral, e não uma certa norma específica
antielisiva doméstica, como a CFC Rules. Em vista da relevância da CFC Rules,
analisa-se especificamente a norma interna brasileira que trata da tributação de
lucros auferidos no exterior por intermédio de controladas e coligadas. Também será
dado destaque à antiga legislação tributária de CFC Rules – Medida Provisória nº
2.158-35/2001 e à nova legislação tributária de CFC Rules – Lei nº 12.973/2014.
Na sexta seção, discute-se a decisão proferida em julgamento administrativo
realizado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em que a
Autoridade Tributária buscou o enquadramento das normas internas tributárias por
meio da aplicação de medidas gerais antielisivas e da então vigente norma CFC.
Na sétima seção, formula-se a conclusão, com o posicionamento a respeito
de uma solução encontrada para o problema. O tema abordado no estudo procurou
focalizar dois tipos de normas de suma importância para a correta determinação da
relação jurídico-tributária: de uma lado, a análise das normas antielisivas, e o modo
como elas buscam combater situações indesejadas pelos sistemas tributários; de
18
outro, a análise das normas constantes dos Tratados Internacionais Tributários (para
se evitar a dupla tributação da renda) e o modo como eles são incorporados no
ordenamento interno brasileiro.
A correta aplicação dessas normas em conjunto consiste em delimitar o
alcance do poder impositivo tributário pelo Estado Democrático de Direito em
cenários onde existem outros Estados Soberanos, que, em vista da celebração do
tratado internacional tributário, esperam certa coerência e segurança na aplicação
das normas pactuadas por ambos contratantes.
Com a possibilidade de se estudar a aplicação do princípio da boa-fé como
justificativa para a aplicação de normas antielisivas investigando uma correta
interpretação das normas constantes em tratados internacionais e, ao mesmo
tempo, afastando a aplicação destas normas em situações em que se configura um
desvirtuamento de sua função por intermédio de planejamentos tributários abusivos
e agressivos, pode-se delimitar, de maneira segura e justa, a abrangência das
relações jurídicas tributárias.
A pesquisa realizada seguiu a vertente jurídico-sociológica, tendo como tipo
de metodologia o exame das normas de direito interno, principalmente as de caráter
antielisivas, e as normas de direito existentes nos tratados internacionais tributários
para se evitar a dupla tributação da renda. Além disso, buscou a determinação do
que vem a ser abuso no que se refere a planejamento tributário, principalmente no
âmbito internacional.
O estudo concentra-se nas normas jurídicas internas e internacionais, bem
como na literatura especializada sobre o tema, além de artigos publicados em
revistas especializadas, textos publicados em sítios da internet e decisões judiciais e
administrativas, além de dispositivos legais. Merecem destaque os dispositivos
legais, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), a Constituição
Federal de 1988, e o Código Tributário Nacional (CTN). Ademais, utilizou-se para
este estudo a Convenção Modelo da OCDE, bem como os Comentários à
Convenção Modelo da OCDE.
19
2 NORMAS ANTIELISIVAS
A ideia de que os contribuintes podem organizar seus negócios e atividades
da maneira que mais interessante lhes pareça é defendida pela vasta maioria dos
especialistas no assunto. 3 Trata-se do direito do particular ao planejamento
tributário, o qual, por razões óbvias, deve ser exercido sem abuso, sob pena de ser
coibido e sancionado pelo ordenamento jurídico. A aplicação de tão conhecida e
divulgada máxima seria privilégio no âmbito não somente do Direito Tributário
Interno, como também do Direito Tributário Internacional, por meio, por exemplo, da
aplicação das normas de tratados internacionais tributários.
Existem, todavia, certos comportamentos que não são aceitos pelo Direito. No
âmbito
da
análise
de
um
planejamento
tributário
internacional,
torna-se
imprescindível delimitar o que é permitido pelo ordenamento jurídico e o que não é.
Esses
comportamentos
indesejados
em
âmbito
internacional
podem
ser
classificados em duas espécies distintas: a) evasão fiscal (tax evasion) internacional;
e, b) elisão fiscal (tax avoidance) internacional, objeto deste estudo. Enquanto a
primeira seria a prática de atos ilícitos, a segunda seria a prática de atos lícitos,
contudo, moldados de forma artificiosa, podendo ser chamada de abusiva ou, até
mesmo, agressiva, cujo resultado acaba sendo o ilícito diante das normas dos
ordenamentos jurídicos. Como será demonstrado, tanto a delimitação desses
institutos como a própria nomenclatura utilizada nem sempre são uníssonas na
doutrina, razão pela qual opta-se por aqueles termos mais utilizados em âmbito
internacional.
Notadamente, o termo “evasão fiscal internacional”4 pode ter uma acepção
generalizada, compreendendo tanto a evasão fiscal como a elisão fiscal, de maneira
3
Vogel (1986, p. 79) afirma que é uma máxima em Direito Tributário (universal ou ao menos
conhecida nas democracias ocidentais) que os contribuintes podem organizar os seus assuntos
econômicos da forma que melhor lhes convém e que suas escolhas não poderiam afastar as
normas que concedem benefícios fiscais. Assim dispunha: “It is a maxim of tax law that taxpayers
may arrange their economic affairs in the manner they deem most beneficial for them. That a
particular action has been taken for tax purposes cannot deprive the actors of tax benefits to which
they are otherwise entitled under the law. This rule applies, if not universally, at least within all
Western constitutional democracies, and it is no less applicable with regard to treaty law than with
regard to domestic tax law. Tax planning on the domestic or the international level is by no means
objectionable; extensive tax planning, it is true, is an indication that the existing tax legislation is
defective.”.
4
Xavier (2002, p. 44) apresenta, inicialmente, em sua obra, três acepções do que poderia ser visto
como “evasão fiscal internacional”, chamando esta expressão de “ambígua e multifacetada”: “A
expressão “evasão fiscal internacional” é uma expressão ambígua e multifacetada com a qual se
20
ampla. Essa concepção generalizada do termo “evasão fiscal” acaba gerando uma
obscuridade na distinção da elisão fiscal (tax avoidance) com a evasão fiscal (tax
evasion), inclusive no âmbito da análise e interpretação de tratados internacionais
tributários.5
As práticas de evasão fiscal internacional são combatidas pelas Autoridades
Tributárias, mediante o que Xavier (2002) chama de “reação à fraude à lei fiscal
internacional”.6 Com relação às práticas apontadas como abusivas, as Autoridades
Tributárias, de maneira geral, identificam a manifestação de riqueza e procedem a
seu enquadramento na correta hipótese de incidência tributária. No caso de
transações
e
atos
internacionais
realizados
de
maneira
simulada
(sham
transactions), o combate à elisão fiscal internacional decorre da incidência de
normas que desconsideram os atos simulados, buscando a aplicação das normas
tributárias sob o ato encoberto.
designam fenômenos distintos. Numa primeira acepção, ela representaria o oposto da dupla
tributação, aludindo às situações em que, mercê da diversa configuração dos elementos de
conexão, nenhuma norma tributária se reconhece aplicável a uma certa situação da vida tributária
internacional, ocorrendo portanto a figura do conflito negativo ou vácuo (internationale Doppel –
Nichthesteuerung, um caso de Normenmangel, por oposição ao de Normenhäufung). Numa
segunda acepção, ela exprime os atos ilícitos pelos quais o contribuinte viola os deveres
decorrentes de uma relação jurídica tributária com elementos de estraneidade, trata-se de deveres
materiais, como o dever de cumprir, ou de deveres instrumentais, como o de apresentar
declarações verdadeiras ou o de manter escrituração regular. Numa terceira acepção, ela
englobaria, além da tax evasion propriamente dita, a figura da tax avoidance ou elisão fiscal
internacional que se traduz na prática de atos lícitos pelos quais os particulares, influenciando
voluntariamente os elementos de conexão, procuram evitar a aplicação de certo ordenamento
tributário. Apenas à evasão fiscal internacional, no primeiro dos aludidos sentidos, cabe uma
referência numa teoria do concurso de normas. A evasão fiscal internacional na segunda acepção,
não oferece especialidade digna de relevo na teoria do ilícito fiscal. Enfim, a elisão fiscal
internacional corresponde à figura da fraude à lei fiscal internacional, pelo que o seu tratamento
dogmático deve ser elaborado nos quadros do elemento de conexão.”
5
Com relação ao termo “evasão fiscal”, contido nos Tratados Internacionais Tributários, Arnold e
McIntyre (2002) aduzem que a definição acaba sendo um pouco obscura, havendo Estados como a
Suíça, que utiliza um termo mais limitado, apenas para crimes contra a ordem tributária, enquanto
que a maioria abrange o termo para a elisão fiscal abusiva.
6
Sobre o combate à elisão fiscal internacional, Xavier (2002, p. 327-328) assevera: “Coloca-se, pois,
a questão de saber qual a reação dos ordenamentos jurídicos cujas normas tributárias se viram
frustradas de aplicação pelo comportamento elisivo das partes. tal como sucede no Direito
Internacional Privado, o objetivo pretendido é tornar ineficazes ou inoponíveis face a um
ordenamento, os atos em que se traduz tal comportamento, só que o Direito Tributário Internacional
não cura do valor jurídico dos atos na esfera das relações entre os particulares, mas tão somente
da sua relevância para efeitos estritamente fiscais. É certo que alguns atos ou operações podem ser
inválidos perante o direito privado, em razão de simulação (sham transactions). Em tais casos,
também a generalidade dos ordenamentos jurídicos reconhece ao Fisco a faculdade de ver
reconhecida a nulidade desses atos e, por conseqüência, restaurada a realidade que visam
encobrir. Sucede, porém, que nos comportamentos elisivos não ocorre, em geral, a figura da
simulação, pois as partes pretendem exatamente aquilo que ostensivamente realizaram, não
existindo qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada. Só que o resultado que
realmente pretendem redunda numa economia de imposto obtida por atos ou conjunto de atos, em
si mesmo válidos, mais reputados ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”.
21
Obstante, nem sempre os comportamentos tidos como elisivos são realizados
de forma simulada. Eles correspondem, principalmente, a práticas por parte dos
contribuintes de manobras e planejamentos em que a vontade real é coincidente
com a vontade declarada, buscando tão somente a economia de impostos. Contudo,
mesmo que os atos práticas sejam válidos, eles são considerados, nas palavras de
Xavier (2002, p. 327-328), “ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”.
São o que no Direito Tributário Internacional denomina-se “abusive tax avoidance”.
Logo, apesar de ser cediço que o planejamento tributário é permitido tanto no nível
doméstico quanto no nível internacional, haveria um ponto extremo de tolerância a
partir do qual passaria a ser considerado abusivo, por mais que se possa defender
que a extensão de um planejamento tributário seja decorrente da existência de uma
legislação lacunosa. O limite do que seria tolerável vacila tanto de ordenamento
jurídico para ordenamento jurídico quanto entre especialistas sobre o tema.
No âmbito internacional, o planejamento tributário é entendido como abusivo
naquelas situações em que os atos e as transações internacionais pretendem
unicamente a economia de tributos, evitando a incidência da norma tributária. Para
Vogel (1986),7 os limites do tolerável são encontrados no planejamento tributário
internacional quando as transações se realizam com o único propósito de usufruir de
normas de determinado tratado internacional tributário existente. Diante disso,
algumas transações internacionais são vistas como lícitas e corretamente
realizadas, em um primeiro momento, quando se analisa o direito contratual. Porém,
é imperioso analisar sob o enfoque para fins de propósitos tributários, sendo que
grande parte dos Estados entende que esquemas utilizados com a finalidade única
de desconfigurar a situação prevista na hipótese de incidência gera o afastamento
de tal situação.8 Dessa forma, buscando combater a elisão fiscal internacional, é que
os ordenamentos jurídicos de diversos países, na maioria das vezes, recorre à
7
Vogel (1986, p. 79) afirma que: “Nevertheless, tax planning inevitably reaches a point beyond which
it cannot be tolerated within a legal system if it is intended that the system be just. Such limits may
be reached, for example, where transactions are entered, or base companies are established in
other states, solely for the purpose of enjoying the benefit of particular treaty rules existing between
the state involved and a third state,”
8
Ainda de acordo com Vogel (1986, p. 80): “If the transaction thus proves to be valid under the law of
contracts, it must next be determined whether it is effective for tax purposes. The tax laws of most
countries include provisions or principles that disregard transactions undertaken for tax purposes if,
contrary to the legislative intent, the contracting parties employ unusual or artificial measures solely
intended to circumvent the words of the statute, measures that would not have been employed aside
from the tax considerations. It is solely the dogmatic starting point of these principles which varies to
some extent among legal systems”.
22
elaboração de normas legislativas, que são de diversas maneiras.9 No caso das
cláusulas de “beneficiário efetivo” (beneficial ownership), por exemplo, seriam
impostos requisitos adicionais ao elemento de conexão, buscando dificultar o treaty
shopping, que se mostraria abusivo. Outro exemplo, que é analisado neste estudo
são as normas tributárias sobre as sociedades coligadas e controladas no exterior
(CFC Legislation). Há, ainda, a utilização de “ficções legais ou presunções legais
absolutas ou relativas”, como ocorre na ficção de distribuição de lucros pela
controlada e pelas coligadas no exterior ou nas hipóteses de inversão do ônus da
prova no caso de transferência indireta de lucros. No ordenamento jurídico brasileiro,
conforme será visto adiante, estas normas específicas antielisivas são criadas com
base no Artigo 109 do Código Tributário Nacional (CTN).
Além das normas específicas antielisivas, o combate à elisão fiscal abusiva
ocorre com normas gerais antielisivas, existentes em diversas legislações internas,
tendo como exemplo as regras de substância sobre a forma no Direito angloamericano, que acarretariam regras de propósito negocial e simulação, e no Direito
continental europeu, em que haveria os casos de abuso de direito e fraude à lei.
Como exemplo de países que já adotaram ou adotam normas gerais antielisivas
citam-se: Estados Unidos da América, Alemanha, Holanda, França, Austrália e
Canadá.
Com relação aos Estados Unidos da América, destaca-se o caso Gregory v.
Helvaring, julgado pela Suprema Corte em 1935, no qual teria sido consagrado o
princípio de que o contribuinte teria o direito de pagar menos tributos ou, mesmo,
nenhum, em decorrência da prática de atos legais. A partir de então, passou a
ocorrer a evolução da jurisprudência estadunidense, surgindo a teoria do business
purpose, em que se averiguava se, além da intenção de pagar menos impostos, as
operações realizadas teriam outra motivação, e a step by step transactions, em que
9
Xavier (2002, p. 327-328): “A prevenção da elisão fiscal internacional opera-se em regra por via
legislativa: e isto seja pela própria formulação legal do elemento de conexão em termos de impedir
ou dificultar o comportamento elisivo; seja pela exigência de requisitos adicionais específicos no
elemento de conexão – de que é exemplo a cláusula do “beneficiário efetivo” para contraria a
prática dos “treaty shopping”; seja pela utilização de ficções legais ou presunções legais absolutas –
como sucede com a ficção da distribuição automática do lucro pelas “sociedades-base”, decorrente
do regime da transparência fiscal ou da desconsideração da personalidade jurídica; ou ainda com a
ficção da conservação do domicílio nos regimes de “responsabilidade fiscal alargada”, para
combater o “abuso de domicílio”; seja, enfim, pela utilização de presunções legais relativas, como
sucede com os regimes de inversão do ônus da prova nas hipóteses de transferência indireta de
lucros”.
23
as operações eram vistas como um todo, e não somente ato por ato. Daí surge o
princípio da prevalência da substância sobre a forma (substance governs form).10
Na Alemanha, surgiu a teoria do abuso das formas, que daria à Autoridade
Tributária a possibilidade de reconstituir a operação do ponto de vista econômico.
Teria surgido na Reichsabgabenordnung, de 1919, e estaria prevista no §42 da AO,
de 1977.11
Na Holanda, teria surgido a doutrina do fraus legis, a partir de um julgamento
da Corte Suprema Holandesa (Hoge Raad) em caso referente a conduit companies,
sendo averiguada a utilização de operações artificiais.12
Na França, o combate teria por base o Artigo L-64º do Livre des procédures
fiscales, que combateria não só a simulação, mas também o abuso de direito.13
No Canadá, o Income Tax Act em sua seção 245, aplicaria a teoria do
business purpose, com base na bona fide purpose, praticando a desconsideração de
atos e transações cujo único objetivo fosse a obtenção de vantagens fiscais.14
Apesar de doutrinas diversas serem criadas por vários ordenamentos
jurídicos para combater os comportamentos indesejados dos contribuintes, é
possível averiguar a similitude por detrás delas. Tanto a doutrina anglo-americana
da substância sobre a forma (substance vs form) quanto a doutrina continental
europeia (doctrine of abuse), ao tratar os fatos de acordo com o direito contratual,
buscando averiguar as reais intenções das partes inicialmente, para depois aplicar
uma interpretação mais condizente com a realidade econômica da situação,
demonstrariam similitude entre si.15
Tal observação foi constatada de maneira detalhada pela International Fiscal
Association (IFA), em 2010. Weeghel (2010) foi o responsável pelo relatório geral do
Congresso da International Fiscal Association (IFA), de 2010, cuja tônica centrou-se
justamente nos Tratados Internacionais Tributários e na aplicação de normas
antielisivas (Tax Treaties and tax avoidance: application of anti-avoidance provisions
– General Report). De maneira geral, neste relatório Weeghel (2010) apresentou
10
11
12
13
14
15
Xavier (2002, p. 329)
Xavier (2002, p. 329)
Xavier (2002, p. 330)
Xavier (2002, p. 330)
Xavier (2002, p. 330)
Desse modo, Vogel (1986) dispõe que no final das contas as duas doutrinas (Direito angloamericano e o Direito continental europeu) seriam iguais.
24
uma visão sintética dos demais relatórios, fazendo um apanhado das principais
constatações nos vários Estados membros sobre o tema. Ele constatou a existência
de medidas antielisivas por meio tanto de previsões legais quanto de criações
jurisprudenciais, bem como das mais diversas formas, como abuso de direito,
simulação, substância sobre a forma, fraude à lei ou, simplesmente norma geral
antielisiva (nota-se que o conceito de medidas antielisivas é tratado em um contexto
abertíssimo). Também foi constatado que, tendo em vista as diferentes formas de
combate à elisão fiscal, a a simulação16 foi considerada a mais comum, mesmo não
tendo um caráter estritamente tributário, mas, pelo contrário, sendo advinda do
direito privado.
Com relação ao Direito brasileiro, ressalta-se que o planejamento tributário é
visto por alguns como estando estritamente ligado ao princípio da legalidade estrita
e da tipicidade tributária, além da previsão constante no Artigo 108, §1º, do Código
Tributário Nacional (CTN), a respeito da proibição da analogia.17 “O emprego da
16
Outra constatação feita pelo Relatório Geral da IFA de 2010, elaborado por Weeghel (2010),
consiste no fato de que na maioria dos Estados a norma é aplicada para se evitar o abuso e atingir
as transações em seu contexto econômico. É feita também uma divisão das medidas antielisivas
de maneira geral em quatro grandes categorias: a) casos em que a pessoa deixa de ser residente
em determinado Estado Signatário; b) quando a renda é alocada no exterior; c) quando a base de
cálculo de um determinado país é reduzida; e, d) quando a classificação do rendimento é alterado.
17
Neste diapasão, Xavier (2002, p. 331-332) destaca que o único limite reconhecido seria a
simulação: “Assim, o único limite tradicionalmente reconhecido, para evitar operações com o
objetivo de elisão fiscal, consiste na figura da simulação, consagrado no Artigo 102 do Código Civil
e que permite ao Fisco invocar a nulidade do negócio ou negócios jurídicos, desde que prove a
ocorrência de um dos seguintes três pressupostos: (i) os atos aparentam conferir ou transmitir
direitos a pessoas diversas daquelas a quem realmente se transferem ou transmitem; (ii) quando
contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; e (iii) quando os
instrumentos particulares forem ante-datados ou pós-datados. Não se verificando nenhum dos
pressupostos da simulação, o ato validamente praticado, da harmonia com o direito comum, tem
aptidão para produzir os seus efeitos fiscais. Todavia, já se opinou que uma cláusula-geral antifraude ou anti-abuso poderia vislumbrar-se no art. 51 da Lei 7.450/85 que estabelece o seguinte:
“Ficam compreendidos na incidência do imposto de renda todos os ganhos e rendimentos de
capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da
espécie ou da existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio,
que pela sua finalidade tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de incidência do
imposto de renda”. Baseado neste preceito legal, o Fisco emitiu o Parecer Normativo CST 46/87,
segundo o qual “a realização de operações simulados com o objetivo de elidir o surgimento da
obrigação tributária principal ou de gerar maiores vantagens fiscais, não inibe a aplicação de
preceitos específicos da legislação de regência, bastando que pela finalidade do ato ou negócio,
sejam obtidos rendimentos ou ganhos de capital submetidos à incidência do imposto de renda,
qualquer que seja a denominação que lhes seja dada”. O parecer – que aliás se debruça sobre
questão internacional – analisou a seguinte operação: a sociedade A, controlada por sociedades
residentes no exterior, foi cindida parcialmente para ser constituída a sociedade B, igualmente
controlada pela mesma sociedade estrangeira; em seguida, A adquiriu a totalidade da participação
societária que a controladora, no exterior, detinha na empresa B. O Parecer entendeu que a
remessa para o exterior correspondente à aquisição da participação societária, sob a aparência de
um retorno de capital, não tributável, estaria encobrindo a realidade econômica de uma remessa
de lucros, tributável.”
25
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei” (BRASIL,
1966).
Lado outro, é fato a existência de uma mudança do positivismo formalista
para uma teoria pós-positivista valorativa, em que a regra de estrita legalidade
tributária acaba sofrendo limitações em face do princípio da capacidade
contributiva.18
Fica claro, então, que é imprescindível não só fazer a distinção entre o que
vem a ser a elisão fiscal e a evasão fiscal, mas também entender o alcance da
primeira espécie, principalmente no âmbito internacional, quando a sua aplicação
pode acarretar um conflito aparente com uma norma de um tratado internacional
tributário.
2.1 Distinção entre elisão e evasão fiscal (tax avoidance e tax evasion)
É importante destacar os pontos diferenciais entre a elisão fiscal e a evasão
fiscal quando diante de um único ordenamento jurídico - ou seja, a diferenciação no
âmbito interno. Nessa concepção, vale registrar que no Direito Tributário brasileiro
os termos elisão fiscal e evasão fiscal são apresentados de maneira diversa, a
depender do especialista que trata do assunto. Da mesma forma, os limites entre um
e outro também são distintos, sendo, inclusive, criados termos como elusão fiscal
para apontar um meio termo entre os dois primeiros.
Em um primeiro momento, pode-se encontrar uma distinção entre elisão fiscal
e evasão fiscal situando a primeira como a “economia lícita de tributos” (e seria o
mesmo que “elusão” – na acepção do termo utilizado por alguns estudiosos19 ),
18
Fajersztajn e Santos (2014, p. 54-55) explanam que na jurisprudência administrativa do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) houve uma mudança entre a forma de julgamento e
análise das normas tributárias, passando-se inicialmente de uma fase positivista formalista para
outra pós-positivista valorativa, e, finalmente, buscando um meio-termo em suas colocações: “O
presente estudo procurou demonstrar, por meio da análise de julgados recentes, que o Carf passa
por uma fase de transição no exame das operações de planejamento tributário, com a adoção de
posições menos extremas e radicais, quase como um meio-termo entre o positivismo formalista,
que predominou nos julgamentos iniciais do antigo Conselho de Contribuintes, e o pós-positivismo
valorativo, que marcou a última fase da jurisprudência administrativa até o atual estágio de
transição. [...] A jurisprudência administrativa atual sinaliza para essa tendência, que, uma vez
consolidada, deverá pautar as condutas dos contribuintes na realização de operações que
proporcionem economia tributária”.
19
Com relação ao termo “elusão”, Huck (1997, p. 21) informa que o termo foi sugerido por Brandão
Machado (MACHADO, Brandão. Princípios tributários no direito brasileiro comparado, Rio de
Janeiro: 1988), “para qualificar o ato da evasão sem violação da norma tributária, justificando ser
elusão a palavra adequada para traduzir a ideia de fuga, desvio, evitação (...)”.
26
enquanto que a segunda seria uma prática ilícita. Assim, dois seriam os critérios
para a diferenciação dos institutos: o cronológico, posto que a elisão acontece antes
da realização do fato descrito na hipótese de incidência tributária, e, a evasão pode
ocorrer tanto no momento de realização do fato gerador quanto em momento
posterior.20
Tendo em vista que existe alguns casos de evasão fiscal em momento
anterior à ocorrência do fato gerador, destaca-se que outro critério utilizado seria a
“licitude dos meios utilizados”.21 Enquanto na elisão fiscal os meios empregados
seriam lícitos, na evasão estes seriam ilegítimos, apontando como exemplos a
fraude e a sonegação.
Essa forma de distinção é vista como um critério sistemático que
corresponderia a um “teste da presença de manipulação artificiosa da estrutura
negocial”.22 Surge daí a questão da utilização de meios lícitos de maneira abusiva ou
artificiosa, que acarretam um resultado ilícito para o Direito Tributário. Assim, seria a
prática da elisão fiscal de maneira abusiva (abusive tax avoidance).23
Coêlho (2007), ao analisar os conceitos internacionais de elisão (tax
avoidance) e evasão (tax evasion), ressalta que a diferenciação estaria baseada na
legitimidade dos meios utilizados.
Define o International Bureau of Fiscal Documentation (IBFD) (1988)24 apud
Coêlho (2007):
Elisão fiscal. Este termo é utilizado para denotar a redução dos encargos
tributários por meios legais. Frequentemente é usado em sentido pejorativo,
quando é utilizado para descrever a economia de impostos atingida através
de arranjos artificiais dos negócios pessoais ou empresariais, aproveitandose da existência de lacunas, anomalias ou outras deficiências no direito
tributário.
20
Coêlho (2007, s/p).
Coêlho (2007, s/p).
22
Caliendo (2009)
23
Lado outro, Tôrres (2003, p.173-174), ao discorrer sobre as formas de se abster do pagamento de
tributos, apresenta três maneiras, acrescentando além da evasão, e, elisão, a “elusão”. Neste
sentido, a elisão seria a forma encontrada pelo contribuinte para evitar a imposição da norma de
incidência tributária, por meios legítimos, “mediante legítima economia de tributos”. A evasão seria
o descumprimento da legislação diretamente. E, a elusão seria a prática de atos lícitos, “mas
constituídos com fraude à lei civil ou simulados e que geram o mesmo efeito de afastar-se do
campo de incidência de tributos ou coincide com hipóteses de incidência menos onerosas, como
entendemos”
24
International Bureau of Fiscal Documentation – International Tax Glossary. Amsterdam: IBFD,
1988, p. 22 e 101
21
27
(...). Em contrataste com a elisão, a evasão fiscal é a redução de impostos
obtida por meios ilícitos.
[...]
Evasão Fiscal. Este termo é aplicado para a economia de impostos atingida
por meios ilegais, incluindo-se nestes a omissão da renda tributável ou de
transações realizadas das declarações de tributos, ou a redução da quantia
devida por meios fraudulentos.
Da maneira como foram empregados acima, os termos são os que melhor
representam as colocações feitas neste estudo. Portanto, serão as definições que
servirão para a análise do problema. Uma vez que o contexto do trabalho assim
permite, ao discorrer sobre normas tributárias que buscam combater a elisão fiscal,
o que se pretende focalizar são as práticas realizadas de maneira artificiosa, e não o
planejamento tributário lícito.
Como mencionado anteriormente, no caso da elisão fiscal internacional os
atos praticados seriam lícitos, a princípio, nos ordenamentos jurídicos distintos (uma
vez que estar-se-ia falando em elisão fiscal internacional) e acarretariam a não
incidência da norma tributária impositiva naquele ordenamento jurídico em que tal
ocorreria de maneira mais gravosa, podendo produzir os efeitos no outro
ordenamento, que seria o menos gravoso. Já no caso da evasão fiscal estar-se-ia
diante de um ato ilícito em que uma obrigação tributária seria descumprida e conexa
a mais de um ordenamento jurídico.25
Na elisão fiscal internacional, portanto não necessariamente haveria um
conflito negativo de sistemas tributários distintos, podendo corresponder à aplicação
das normas daquele sistema tributário menos gravoso às atividades dos
contribuintes. Dessa forma, como requisitos para a elisão fiscal internacional apontase a existência de mais de um ordenamento jurídico tributário, com um deles sendo
mais favorável do que os demais, e possível como opção ao contribuinte de,
voluntariamente, adequar suas operações de forma que se enquadrem nas normas
tributárias mais benignas ou, mesmo, não se enquadrem em nenhuma. Tal
25
Conforme Xavier (2002, p. 275), que assim dispõe: “A expressão elisão fiscal internacional (tax
avoidance), não pode ser assimilada ao conceito de evasão fiscal (tax evasion), pois não está em
causa, necessariamente, um ato ilícito pelo qual o contribuinte viola a sua obrigação tributária
(conexa com mais do que uma ordem jurídica), prestando falsas declarações ou recusando-se ao
seu cumprimento, mas sim a prática de atos (em princípio) lícitos, praticados no âmbito da esfera
de liberdade de organização mais racional dos interesses do contribuinte, face a uma pluralidade
de regimes fiscais de ordenamentos distintos. Trata-se, em suma, de evitar a aplicação de certa
norma ou conjuntos de normas através de atos ou conjuntos de atos que visem a impedir a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária em certa ordem jurídica (menos favorável) ou
produzam a ocorrência desse fato noutra ordem jurídica (mais favorável).”
28
possibilidade de enquadramento nas normas menos gravosas seria uma “via
indireta” para adequação daqueles elementos de conexão existentes nos
ordenamentos jurídico tributários conflitantes perante o caso em concreto.
Por fim, a prática de atos e transações internacionais por meio de esquemas
e manipulações artificiosas, mesmo que embasados em atos lícitos, corresponderá à
elisão fiscal internacional abusiva (abusive tax avoidance), ou, simplesmente, elisão
fiscal internacional, que, poderá simplesmente ter uma conotação pejorativa,
decorrente de tais circunstâncias.
2.1.1 Simulação
Coêlho (2007) aduz que a simulação corresponde à prática evasiva que pode
ser absoluta, em que “finge-se o que não existe”, ou relativa, que seria chamada
também de “dissimulação”, quando “o ato ou negócio praticado jaz outro negócio,
oculto, que corresponde à real vontade das partes”. O exemplo de dissimulação
dado não poderia ser mais claro:
Caso típico de dissimulação é o da compra e venda de imóvel ocultado pela
celebração de um contrato de sociedade. Nesse caso, o objetivo das partes
é lesar o Fisco, uma vez que a dissolução societária – na qual aquele que
entrou com o dinheiro sai com o imóvel e vice-versa – não é tributada pelo
ITBI, à luz da imunidade prevista no art. 156, §2º, I da Constituição da
República de 1988. Nessa hipótese, o negócio aparente é a formação de
uma sociedade, ao passo que a verdadeira intenção das partes é transferir
a propriedade do imóvel sem pagamento do imposto devido. Há, dessarte,
clara divergência entre a intentio facti (compra do imóvel) e a intentio juris
(celebração de contrato de sociedade temporária para evitar a incidência do
imposto), típica da dissimulação (COÊLHO, 2007, p.4-5).
Sucede que é controverso, ao diferenciar elisão e evasão tributária, apontaria
qual realmente seria o correto enquadramento das hipóteses de simulação (absoluta
ou relativa [dissimulação]). 26 Não obstante, tal constatação, adotando o critério
sistemático apontado, entende-se a simulação como forma de elisão fiscal abusiva,
26
Tôrres (2003, p. 179-180) dispõe que existe uma dificuldade inicial de caracterizar a simulação
como evasão fiscal, haja vista que tanto o ato aparente como o ato simulado são lícitos, restando
apenas o pactum simulationes abrangido pela ilicitude. Assim, ao apresentar o conceito de “elusão
tributária” (que para este estudo corresponde à elisão), Tôrres (2003, p.189), engloba tanto a ideia
de simulação como de fraude à lei. Aduz que a elusão tributária “consiste em usar de negócios
jurídicos atípicos ou indiretos desprovidos de “causa” ou organizados como simulação ou fraude à
lei”, buscando, destarte a economia fiscal, seja através de ”evitar a incidência de norma tributária
impositiva, enquadrar-se em regime fiscalmente mais favorável ou obter alguma vantagem fiscal
específica”.
29
porque tanto o ato simulado como o ato encoberto são lícitos, apenas resultando,
para fins fiscais, em uma economia fiscal manipulada em desacordo com preceitos
do Direito.
2.1.2 Fraude à lei
A fraude à lei pode ser definida como “o afastamento de regime mais gravoso
ou tributável por descumprimento indireto de regra imperativa de direito privado, na
composição do próprio ato ou negócio jurídico”.27 Assim como a simulação, deve ser
considerada como hipótese de elisão fiscal abusiva e, portanto, como prática de atos
lícitos de maneira artificial por meio de esquemas ou de maneira abusiva.28 Nesse
sentido, haveria fraude à lei no Direito Tributário Internacional quando o contribuinte,
de maneira artificial (assim vista pela legislação interna daquele Estado Signatário
que poderia impor a norma tributária em vista de a situação em tela possuir um
elemento de conexão), afasta a norma imperativa tributária de determinado sistema
(visto como mais gravosa) para fins de aplicação da norma menos gravosa de outro
sistema ou, mesmo, de nenhuma norma (conflito negativo).29
2.1.3 Abuso do direito
Abuso do direito seria, segundo Coêlho (2006, p. 64) o “exercício imoderado
de um direito legítimo, com o fim de prejudicar a outrem (emulação),
intencionalmente, e pode ser elidido se ferir os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade”.
As normas antielisivas podem combater o abuso de duas maneiras: a) em
relação ao abuso das formas, em que se estaria diante de situações manipuladas ou
27
Tôrres (2003, p. 349-350).
Também no tocante à “fraude à lei”, Coêlho (2006, p. 63) aduz que o princípio da estrita legalidade,
corolário do Direito Tributário impede sua aplicação. Para a sua aplicação, seria necessária “a
existência de uma lei contendo ou prescrevendo uma conduta reprovável típica ligada a um
resultado proibido, dela decorrente” e a prática de “atos e negócios alternativos que conduzam ao
resultado proibido” de maneira plena.
29
Com relação à fraude à lei, no Direito Tributário Internacional, Xavier (2002, p. 280) aduz que seria
necessária a utilização de dispositivos internos do próprio ordenamento jurídico que iria tributar
determinada situação. Contudo, afirma que o grande problema na fraude à lei seria uma
estipulação, de certo ponto pressuposta, de que determinada conduta evitada pelo contribuinte,
por meio de uma “deslocalização” de elementos de conexões relevantes, seria uma conexão
“normal” e, portanto, esperado pelo Fisco. Dessa forma, a não realização desta conexão “normal”
acarretaria em uma tentativa de fuga pela realização de uma atividade fraudulenta, havendo uma
manipulação artificial do elemento de conexão da norma.
28
30
artificiais; e b) o próprio abuso do direito, em que o planejamento tributário permitido
ao contribuinte é feito de maneira desarrazoada e, portanto, agressiva, a ponto de ir
além do permitido.30
Certo é que o planejamento tributário abusivo teve o seu combate no
ordenamento jurídico brasileiro evoluído de maneira significativa com o passar dos
anos. Conforme já aduzido neste estudo, uma posição mais valorativa e menos
formalista passou a vigorar principalmente na esfera administrativa dos órgãos de
julgamento.31
A jurisprudência administrativa tributária brasileira, adotando uma evolução
em sua maneira de determinar a validade dos negócios jurídicos formulados com
base em planejamentos tributários, começou a afastar aqueles em que se
enquadravam em três situações distintas: ocorrência de simulação; fraude à lei; e,
falta de propósito negocial.32
30
Neste sentido, segundo Tôrres (2003, p. 192), as normas antielisivas teriam o objetivo de combater
o “abuso de forma” “por não ser uma “forma” usual, típica ou própria para a “causa” que se
pretende alcançar”, e, também, combater o “abuso de direito subjetivo”, quando o contribuinte se
auto-organiza “(por usar a simulação, fraude à lei ou ato anormal de gestão), indo além do quanto
lhe estaria permitido pelo ordenamento jurídico em matéria tributária”.
31
Schoueri (2010, p. 15) ressalta que do ponto de vista legislativo a única grande mudança foi a
introdução no Código Tributário Nacional (CTN) do Parágrafo único do Artigo 116, que contudo
não foi regulamentado, permanecendo somente o combate ao abuso através da constatação de
fraude ou simulação: “Paulatinamente, esta tendência passou a ser revertida, criando-se
limitações diversas ao planejamento tributário. Seja por meio de alterações legislativas, seja a
partir da evolução jurisprudencial, novos limites foram sendo apresentados à liberdade do
contribuinte. Também no Brasil viveu-se evolução semelhante: se até meados da década de 90 do
século passado, a liberdade do contribuinte na estruturação de suas transações não encontrava
limites, exceto os casos de fraude ou simulação, a jurisprudência administrativa passou, a partir de
então, a acatar posicionamentos das autoridades fiscais, que questionavam algumas daquelas
estruturas, não obstante o cuidado do contribuinte”.
32
Schoueri (2010, p. 17-20) destaca a realização levantamento de julgados do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF): “Ao cogitar da motivação tributária do ato, tinha-se em
mente a hipótese de que os julgadores desconsideravam planejamentos fiscais quando ficasse
evidenciado que a transação ganhou determinada forma exclusivamente por razões fiscais, ou
ainda, que do ponto de vista empresarial, a transação não faria sentido sem considerar seus
benefícios tributários. Outro fator que parecia justificar a recusa dos planejamentos tributários
seriam os casos em que os próprios fatos narrados pelo contribuinte não parecessem
corresponder à realidade. Trata-se do amplo campo da simulação e dos negócios sem causa,
quando não se vislumbra a subsunção dos fatos às normas que o contribuinte pretende ver
aplicadas. Finalmente, um terceiro universo seriam os casos de fraude à lei (não tributária, i.e.,
quando o negócio sequer poderia ter sido celebrado, por contrariar norma cogente. Merecem
atenção os resultados obtidos: enquanto num primeiro momento pareciam mais relevantes os
casos de descompasso entre os fatos narrados e os efetivamente verificados, foram, a partir de
certo momento, os motivos extratributários da operação que surgiram como o grande critério
adotado pelo Conselho de Contribuintes nos casos de planejamento tributário. Este ponto exige
alguma reflexão. Surgida na jurisprudência norte-americana, o business purpose, ou propósito
negocial, questiona se a operação teria sido efetuada do mesmo modo, não fossem as vantagens
tributárias geradas”.
31
2.2 Distinção entre normas gerais antielisivas e normas específicas antielisivas
Uma norma geral antielisiva seria aquela que autorizasse a desconsideração
de atos e fatos lícitos praticados de maneira artificial e abusiva, autorizando, em
consequência, a aplicação de efeitos tributários correspondentes àqueles do fato da
qual se buscou desviar. Neste mesmo diapasão, a norma geral antielisiva (general
anti avoidance rules – GAAR) seria, para Coêlho (2006, p. 64-66), aquela que
desqualificasse um negócio jurídico lícito, a partir de resultados econômicos
equivalentes, buscando anular as diferenças fiscais. Para tanto, os seguintes
requisitos tornam-se imprescindíveis: a) que o negócio alternativo que se quer
desqualificar seja lícito; b) que haja elisão do tributo; c) que o método utilizado para
requalificar seja o analógico; e d) que a justificação seja a isonomia real.33
2.2.1 Parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN)
A norma geral antielisiva, prevista no parágrafo único do Artigo 116 do Código
Tributário Nacional (CTN), foi criada com base no Artigo 146, inciso III, da
Constituição da República de 1988 (“Cabe à lei complementar estabelecer normas
gerais em matéria de legislação tributária”), buscando combater a prática de atos e
negócios realizados de maneira elisiva. Esse combate pode ser em face de
simulação, fraude à lei, e o negócio jurídico sem causa, sob uma visão do direito
tributário mais positivista e formalista. 34 Lado outro, é discutível se a norma do
parágrafo único do Artigo 116 do CTN não teria um alcance mais abrangente, em
virtude de uma tendência pós-positivista valorativa, como as normas gerais
antielisivas encontradas no direito comparado (Direito Europeu ou Direito
Americano), cujos pressupostos seriam: “abuso de direito”, “abuso de forma” ou
33
Como se observa e como acima já referido, Coêlho exclui da elisão fiscal a simulação. Assim, a
norma prescrita no art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN), seria, para
Coêlho (2006, p. 65), uma norma que “reforça o combate à dissimulação.” A redação do parágrafo
único do Artigo 116, do Código Tributário Nacional (CTN), incluído pela Lei Complementar 104, de
10 de janeiro de 2001: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a
natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária” (BRASIL, 2001).
34
Tôrres (2003, p. 259-276)
32
“interpretação econômica”, “fim negocial” e “prevalência da substância sobre a
forma”, entre outros.35
Em face dessa tendência pós-positivista e valorativa, ao analisar a redação da
norma geral antielisiva constante no parágrafo único do Artigo 116 do Código
Tributário Nacional (CTN), é possível defender a aplicação da doutrina da substância
sobre a forma em Direito Tributário brasileiro. Apesar de haver forte tendência de
assegurar a legalidade estrita da norma de incidência tributária, estaria surgindo
uma influência da valorização do sentido da norma. Neste caminho, estar-se-ia
criando uma exceção à proibição à analogia, constante no Artigo 108, parágrafo 1º,
do Código Tributário Nacional (CTN), de forma harmoniosa com o direito em
Estados Democráticos, notadamente na busca de um equilíbrio entre a forma e a
substância por meio do combate ao abuso do direito.36
Certo é que a Autoridade Tributária, muitas vezes, entende ser desnecessário
utilizar de uma disciplina específica, como a acima apresentada, para a
desconsideração de estruturas artificiais abusivas, fruto de planejamentos tributários
agressivos, sendo aplicável, nessas situações, apenas os arts. 142 e 149 do Código
Tributário Nacional (CTN). Mencionados dispositivos aduzem à competência da
Autoridade Tributária para a constituição do crédito tributário, efetuando o
lançamento tributário quando o contribuinte tenha agido com dolo, fraude ou
simulação.37
35
Segundo Lobo Torres (2002, p. 183-184), duas correntes podem ser destacadas a respeito da
interpretação da norma geral antielisiva prevista no parágrafo único do art. 116 do Código
Tributário Nacional (CTN). A primeira seria a tese formalista (positivismo formalista), que
apontaria, entre outras coisas que a norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário
Nacional (CTN) seria, na realidade, uma norma antievasiva ou antissimulação, e, caso fosse
entendida como antielisiva, estaria introduzindo a analogia ao direito tributário o que iria de
encontro como princípio da legalidade estrita e tipificação, previstos constitucionalmente. Entre os
autores que defenderiam esta tese, Lobo Torres (2002) cita Alberto Xavier, Gabriel Lacerda
Troianelli, Heleno Taveira Torres, Valdir de Oliveira Rocha, e, Misabel Abreu Machado Derzi. Já a
segunda tese do princípio do balanço entre a forma e a substância (Pós-positivismo Valorativo)
defenderia que a norma antielisiva do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional
(CTN) deve ser interpretada com base no princípio da transparência, harmonizando o princípio da
capacidade contributiva com a legalidade, sendo discutível a existência da legalidade estrita e da
tipificação fechada no sistema tributário brasileiro. Entre os autores que defenderiam esta tese são
apontados: Aurélio Seixas Filho, Marco Aurélio Greco, e, o próprio Ricardo Lobo Torres.
36
Lobo Torres (2002).
37
Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, por intermédio de sua Primeira
Seção de Julgamento, no Processo 16643.000276/2010-42, Acórdão 1101-000.811 (Gerdau
Internacional Empreendimentos Ltda. vs. Fazenda Nacional), julgado na sessão de 02 de Outubro
de 2012, pelo voto vencido da conselheira Edeli Pereira Bessa, que assim manifestou: “O
procedimento para desconstituição de estruturas formais que se prestam a ocultar ou impedir a
ocorrência do fato gerador, ou de seus efeitos, quando erigidas dolosamente, nunca dependeu de
disciplina específica, observando apenas disposições dos arts. 142 e 149 do Código Tributário
33
Vale ressaltar que o dispositivo do Código Tributário Nacional (CTN) que
dispõe sobre a fraude, foi formulado em 1966, época em que já existia a
conceituação dada pelo Artigo 72 da Lei nº 4.502, de 1964, no qual se dispunha ser
”toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente,
a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal” e / ou “a excluir ou
modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do
imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento” (BRASIL, 1964).
Além das normas gerais antielisivas, destaca-se também o uso de normas
específicas antielisivas (special anti avoidance rules – SAAR), que são formuladas
para casos específicos.38
2.2.2 Normas específicas antielisivas
A busca para a solução do abuso das normas de Direito Privado para evitar a
tributação encontra-se, no Brasil, no Artigo 109 do Código Tributário Nacional (CTN),
que dispõe que: “os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da
definição, conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não
para definição dos respectivos efeitos tributários” (BRASIL, 1966). 39 Tal artigo,
segundo Coêlho (1984), concederia ao legislador “o poder de atribuir efeitos
tributários próprios pelas vias do raciocínio tipológico, analógico e presuntivo, aos
princípios, conceitos e formas de Direito Privado, inclusive os contratos”. Seria,
dessa forma, uma norma direcionada ao legislador, e não à Administração Tributária
ou ao Poder Judiciário. Tal conclusão se confirma na lição de Aliomar Baleeiro40 e
Antônio Roberto Sampaio Dória (1971).
41
Portanto, as normas específicas
antielisivas teriam sua validade no mencionado Artigo 109 do Código Tributário
Nacional, por meio do qual e segundo Coêlho (2006, p. 62) “o legislador pode criar
presunções relativas (juris tantum) para atribuir a um negócio jurídico extra-típico,
o mesmo efeito jurídico tributário do negócio jurídico”.
38
39
40
41
Nacional” (Brasil, 2012, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Acórdão 1101-000.811, p.
62).
Tôrres (2003, p.235 e ss.) as chama de “normas preventivas específicas”, que consistem na
“prévia tipificação das hipóteses mais frequentes de atos elusivos”.
Coêlho (1984).
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 10ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, p.
444-445. (sem ano).
DÓRIA, Antônio R. S., Elisão e Evasão Fiscal, São Paulo, Ed. Lael, 1971.
34
É perceptível que no caso das normas específicas antielisivas ocorre a
ampliação do fato gerador abstrato descrito na norma de incidência tributária,
diferentemente do que ocorre com as normas gerais antielisivas.42 Talvez por essa
razão, tais normas são chamadas por Tôrres (2003, p. 276-278) de “normas de
prevenção à elusão”. Para este autor, elas consistem em expressar a maior
segurança jurídica e são verdadeiras regras de correção. Neste sentido, acabam por
tipificar condutas (atos e negócios jurídicos) que seriam consideradas como
condutas elisivas abusivas.43
As normas específicas antielisivas também são conhecidas como normas
“tailor made”, por serem feitas sob medida para determinadas situações observadas
pelas Autoridades Tributárias.44
2.2.3 Normas setoriais antielisivas
Outra espécie de norma antielisiva, apresentada por Xavier (2001, p. 86),
compreende as normas setoriais antielisivas (“cláusulas setoriais antielisivas”), mais
próximas das normas gerais antielisivas, pois não tipificariam as condutas que
atingem. Contudo, a diferença é que seriam específicas de determinada espécie
tributária.
2.2.4 Alcance da norma geral antielisiva brasileira
A norma geral antielisiva brasileira (parágrafo único do Artigo 116 do Código
Tributário Nacional) tem aplicabilidade em face tanto de relações internas como em
um contexto internacional.45 Contudo, ainda necessita de regulação advinda da lei
42
É vista uma equivalência na conclusão a que chega Martín Jiménez (2004) ao dispor que as
normas específicas antielisivas ampliariam o fato gerador descrito na norma tributária.
43
43
Apoiando-se na lição de Raffaelo Lupo (1999) , Tôrres (2003) critica o termo “normas específicas
antielusão”, entendendo que tais normas apenas preenchem “lacunas” detectadas na legislação
tributária, tipificando condutas elisivas. Portanto, não chegam a desconsiderar qualquer ato ou
negócio que possa ser entendido dessa forma. Como exemplo, na legislação tributária brasileira,
aponta, dentro da perspectiva do Direito Internacional Tributário, o art. 24 da Lei 9.430/96, que
define os “países com tributação favorecida” e as regras de preços de transferência.
44
Xavier (2001, p. 85), ao tratar das normas específicas antielisivas (as quais chama de “cláusulas
específicas antielisivas), aduz que “não passam da tipificação a posteriori, por lei, de certos atos
ou negócios jurídicos que a experiência revelou serem utilizados como forma anteriormente não
prevista em lei de obter resultados equivalentes aos dos atos tributados”.
45
Tôrres (2010, p. 149).
35
ordinária, para fins de identificação de critérios e procedimentos para que as
Autoridades Tributárias possam aplicá-la.
2.3 Distinção entre normas antielisivas internas e normas antielisivas
internacionais
Apesar de encontrar traços similares ou, até mesmo, idênticos ao comparar a
elisão fiscal interna e a elisão fiscal internacional, é possível destacar na segunda a
utilização de elementos de conexão entre os diversos ordenamentos jurídicos
tributários relacionados à situação.46 Assim, adota-se a doutrina de Xavier (2002, p.
277) para explicar, de maneira didática e classificatória, as formas de elisão fiscal
internacional em razão da natureza do elemento de conexão.
Quando a elisão fiscal internacional consiste em um planejamento tributário
voltado para a residência ou o domicílio do contribuinte, estará diante de uma elisão
fiscal subjetiva. Lado outro, sendo utilizado como elemento de conexão
correspondente ao local de produção da fonte ou de pagamento do rendimento,
passa a ser objetivo e a elisão fiscal internacional assim é classificada. A elisão
fiscal internacional objetiva é dividida em subcategorias, a depender da forma como
será manipulado o elemento de conexão. Neste sentido, o contribuinte, com base
em um planejamento tributário internacional, poderá buscar, pelo meio de elementos
objetivos, dividir o rendimento em territórios fiscais distintos, ou acumular o
46
Xavier (2002, p. 277) aduz: “As modalidade de elisão fiscal internacional podem classificar-se em
função da natureza do elemento de conexão utilizado: a elisão fiscal é subjetiva se opera através
de um elemento de conexão subjetivo, como a residência ou o domicílio do contribuinte; a elisão
fiscal é objetiva se opera através de um elemento de conexão objetivo, como o local onde se situa
a fonte de produção ou de pagamento de um rendimento, designadamente o local do exercício da
atividade, ou o local de instalação de um estabelecimento permanente.
A elisão fiscal objetiva pode ainda desdobrar-se em várias espécies, consoante o objetivo do
contribuinte em influenciar o elemento de conexão em causa: uma primeira espécie tem por fim
dividir o rendimento, distribuindo-o em territórios fiscais distintos; uma segunda espécie tem por
objetivo acumular o rendimento, fixando-o em território fiscalmente mais favorável, de tal modo
que a tributação seja diferida (tax deferral) para a eventualidade de o rendimento ser distribuído;
enfim uma terceira espécie tem como finalidade transferir o rendimento de um ordenamento para
outro que lhe conceda tratamento mais favorável.
O problema da natureza jurídica da elisão fiscal internacional não se coloca em termos diversos
dos da elisão fiscal no direito interno: trata-se da prática de ato ou conjunto de atos (operações),
no âmbito da esfera de liberdade concedida aos particulares pelo princípio da estrita legalidade ou
tipicidade da tributação, e que têm como efeito a aplicação de regime tributário menos oneroso do
que se aplicaria sem que tal ato ou conjunto de atos tivesse sido praticado.
A peculiaridade que o fenômeno reveste na esfera internacional é que tal ato ou conjunto de atos
visa atuar, direta ou indiretamente, no elemento de conexão da norma de conflitos, em termos de
arrastar a aplicação do regime fiscal mais favorável, seja ele decorrente de tratado ou de direito
interno estrangeiro”.
36
rendimento em um único território que possua a tributação favorecida, ou, buscar a
transferência do rendimento entre determinadas localidades.
A elisão fiscal internacional, ao se tornar abusiva, poderá ser combatida tanto
por normas antielisivas internas, previstas no ordenamento interno de um dos
Estados que possuam algum elemento de conexão com o ato ou transação
internacional, como por normas antielisivas internacionais, previstas em tratados
internacionais tributários.
2.3.1 Normas antielisivas internacionais
As
normas
antielisivas
internacionais
originam-se
do
ordenamento
internacional e, portanto, estão previstas em tratados internacionais tributários.
Haveria, ainda, o caso de normas de tratados internacionais tributários que prevejam
a aplicação de normas antielisivas internas. Em ambos os casos, tanto as normas
antielisivas internacionais como as situações abrangidas por tratados internacionais
tributários que possuem normas autorizando a aplicação de normas antielisivas
internas não contemplariam situações abrangidas pelo problema ora estudado.
Como exemplo de normas gerais antielisivas internacionais, ressalta-se
aquela existente no Tratado Internacional Tributário assinado entre o Brasil e o
México, que prevê a necessidade de acordos mútuos de procedimento. Outro
exemplo é o tratado assinado entre o Brasil e Israel, cuja redação corresponde
àquela utilizada nos tratados com a Rússia e com a Venezuela, que buscam afastar
a concessão de benefícios em face da ocorrência de abuso das normas.
Com relação às regras de preços de transferência, é possível vislumbrar que
existem algumas peculiaridades com relação às normas internas brasileiras
previstas na Lei 9.430/96. Destaca-se a definição de associated companies presente
na ordem interna e prevista no Artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE. A
problemática está relacionada com a utilização do parágrafo 2º do Artigo 3º da
Convenção Modelo da OCDE, que se refere à utilização da legislação doméstica
para a identificação de termos. Segundo aduz Tôrres (2010, p. 162), as regras de
preços de transferência brasileiras seriam compatíveis com as normas internacionais
dos tratados tributários, complementando e integrando suas disposições.
Outra norma antielisiva previstas nos tratados internacionais tributários são as
de exclusão, previstas nos tratados assinados pelo Brasil com a África do Sul, Chile,
37
México, Peru, e Ucrânia47, nos arts. 10, 11 e 12, que tratam de dividendos, juros e
royalties. Tais normas excluem os benefícios concernentes à redução ou à exclusão
dos tributos do Estado da fonte quando os beneficiários correspondem a entidades
criadas no Estado da residência com o único objetivo de utilizar-se das normas dos
Tratados Internacionais Tributários. Para tanto, é realizado um teste para averiguar
se a transação comercial foi feita de maneira artificial.
Trata-se da figura do “beneficiário efetivo” (“beneficial ownership”). A própria
análise dos termos do Tratado Internacional Tributário (notadamente os arts. 10, 11
e 12 da Convenção Modelo da OCDE, que trata, respectivamente, dos dividendos,
juros e royalties) permite conferir os benefícios ali previstos apenas para o
verdadeiro, “efetivo”, beneficiário, impedindo a atribuição de tais vantagens aos
terceiros interpostos.48
A grande vantagem das normas antielisivas internacionais é que elas
correspondem a medidas bilaterais previstas no corpo do próprio Tratado
Internacional Tributário, sendo, portanto, a maneira mais segura e menos
controvertida de combater o abuso destes, por exemplo, com base em
planejamentos tributários abusivos na forma de treaty shopping. Contudo, como já
enunciado anteriormente, tais normas antielisivas internacionais não são objeto do
presente estudo pela lógica razão de não ser questionável o conflito com as normas
de tratados internacionais tributários.
2.3.2 Uso impróprio dos Tratados Internacionais Tributários
O uso indevido dos tratados internacionais tributários acaba propiciando o
“uso indevido” de um “direito subjetivo público”, e consequentemente, tornando-se
um “abuso de direito”, que deve ser combatido pelas Autoridades Tributárias.49
Interessante e válido de menção é o raciocínio no sentido de a imposição
tributária com base na renda universal (world wide income) ter sido desenvolvida
para combater a fraude fiscal assim como a evasão fiscal internacional, terminando
por gerar medidas bilaterais e plurilaterais para evitar a dupla tributação da renda e
47
Tôrres (2010) ainda menciona Tratados Internacionais Tributários assinados com Rússia, Trinidad
e Tobago e Venezuela.
48
Contudo, Schoueri (1995) deixa claro que o conceito e delimitação do que vem a ser o beneficiário
efetivo acaba tornando-se uma tarefa árdua. Ele defende a posição de que tal conceito deve se
restringir aos casos em que haja uma obrigação contratual.
49
Tôrres (2001a, p. 60-61).
38
garantir a neutralidade nas transações internacionais. Contudo, é justamente por
meio dessas medidas capazes de evitar a dupla tributação da renda que a maioria
dos planejamentos tributários acaba surgindo, principalmente aqueles que são
considerados abusivos, e por isso merecem ser combatidos.
Três são as principais formas de uso indevido dos Tratados Internacionais
Tributários. A primeira abarca as situações em que haveria o uso indevido de uma
“qualificação subjetiva”. Seria o caso dos treaty shopping. A segunda contempla o
uso indevido em face de uma “qualificação objetiva”, a qual se chama rule shopping.
Enquanto no primeiro caso pessoas não residentes nos Estados Signatários buscam
tornar-se residentes em um deles com o intuito de beneficiar-se das normas dos
tratados internacionais tributários de forma abusiva, no segundo pessoas já
residentes nos Estados Signatários tentariam buscar uma vantagem tributária
mediante a manipulações abusivas das normas internas e internacionais
envolvidas.50 A terceira, conhecida como “casos triangulares”, envolve três Estados
Soberanos, sendo que no primeiro encontra-se a matriz de determinada pessoa
jurídica; no segundo, um estabelecimento permanente; e, no terceiro, um sujeito de
direito.
Não obstante tais considerações, o uso indevido seria decorrente apenas no
caso de ocorrência de uma ilicitude em algum dos ordenamentos jurídicos dos
Estados Signatários. Assim, um planejamento tributário internacional somente tem
sua legitimidade confirmada a partir do momento em que é considerado lícito em
ambos os ordenamentos jurídicos dos Estados Soberanos envolvidos na situação
fática.51
2.3.3 Normas antielisivas internas
Destaca-se que apenas as normas antielisivas internas em situações
abrangidas por Tratados Internacionais Tributários que não têm normas autorizando
a sua aplicação possuem relevância para este estudo. Portanto, o que importa saber
é quando elas irão ser aplicadas.
Entende-se
por
normas
antielisivas
internas
aquelas
oriundas
do
ordenamento interno, mesmo que possuam alcance em face de situações
50
51
Tôrres (2001a, p. 323 e ss.) e Caliendo (2005, p. 251-252).
Tôrres (2001a, p. 56 e ss.).
39
abrangidas por normas tributárias de mais de um ordenamento jurídico. Portanto,
uma norma antielisiva interna poderia ser aplicada diante de uma situação
enquadrada como elisão fiscal internacional abusiva.
Fazendo uma referência à Convenção Modelo da OCDE de 1977 e a suas
alterações com relação ao modelo de 1963, Vogel (1986, p. 81-82) destaca que um
grande número de Estados Soberanos começaram a aplicar normas antielisivas
internas a situações abrangidas pelos tratados internacionais e que, posteriormente,
tais Estados Soberanos começou a implementar estas próprias regras em seus
acordos internacionais. Em 1962,os Estados Unidos da América introduzira em seu
ordenamento regras relativas à tributação de empresas controladas no exterior
(Controlled Foreign Corporations - CFC). Em 1972, a Alemanha também
implementou tais regras em seu sistema tributário (Aussensteuergesetz). Seguiramse o Canada, a França, o Japão e o Reino Unido.
Nesse contexto, destaca-se também o posicionamento da Corte Fiscal Alemã
no sentido de possibilitar a aplicação das normas internas quando as normas dos
tratados internacionais não forem satisfatórias para a análise do caso. Julgamento
realizado em 1973 destacou-se a existência de duas esferas distintas, o que
acarretaria conceitos e limites próprios. O recurso ao direito interno somente seria
cabível em última instância.52
Ainda na mesma linha, outro caso também pertinente e que trata
especificamente do uso impróprio de tratados internacionais por meio de treaty
shopping é o de um investidor de Mônaco que, pretendendo realizar investimento na
Alemanha, mediante a interposição de terceiros, criou uma sociedade de capital na
Suíça, objetivando utilizar-se do Tratado Internacional Tributário firmado entre a
Alemanha e este último Estado. A Corte Fiscal Alemã decidiu que a norma interna
que trata de abuso de formas deve ser aplicada apenas internamente, não podendo
ser utilizada no terceiro interveniente presente na Suíça.53
Schoueri (1995) ressalta a posição de Becker,54 para quem as normas dos
tratados internacionais devem ser vistas, no ordenamento interno, como norma
especial em relação a este. Portanto, é com base na análise de suas normas que se
deve buscar a existência, ou não, de abuso. Tal entendimento de Becker apoiou-se
52
Schoueri (1995, p. 42).
Schoueri (1995).
54
BECKER, Helmut, Treaty Shopping / Treaty Override, in ET, 1988.
53
40
como bem apontado por Schoueri (1995, p. 47) no fato de que naquela ocasião
(1988) a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
(1987) 55 já teria se pronunciado no sentido de que os Estados Signatários de
determinado Tratado Internacional Tributário deveriam aplicar suas normas em
respeito ao princípio do pacta sunt servanda no caso de não haver norma específica
referente ao uso impróprio dos tratados. Esclarece a OCDE (1987) apud Schoueri
(1995, p. 47):
43. Os acordos de bitributação existentes podem ter cláusulas de
salvaguarda, contra o uso impróprio de seus dispositivos. Onde não haja
disposição semelhante, os benefícios do acordo devem ser concedidos, por
força do princípio “pacta sunt servanda”, ainda que isto seja considerado
impróprio.
Outro exemplo que vale destacar refere-se à decisão proferida pela Suprema
Corte Suíça (SchweizerischerBundesrat), em 1962, que negou benefício fiscal
oriundo de um tratado internacional assinado pela Suíça a empresas ali residentes e
que distribuiriam mais de 50% do seu lucro a pessoas que não estariam abrangidas
pelo escopo do tratado internacional ou caso eles fossem controlados por pessoas
que também não estariam abrangidas pelas regras do tratado internacional e
distribuíssem menos de 25% de seus lucros.
Posteriormente, tais regras, que correspondem a normas de empresas
controladas no exterior (Controlled Foreign Companies Rules - CFC Rules), seriam
incorporadas nos textos dos tratados entre a Suíça e a França e entre a Suíça e a
Alemanha. Outro país que começou a incluir no texto de seus tratados internacionais
normas específicas antielisivas de empresas controladas no exterior foi os Estados
Unidos da América.56
De maneira generalizada, as regras de empresas estrangeiras controladas
que permitem a determinado Estado tributar um residente em face de rendimentos
oriundos de empresas controladas no exterior.57 Cabe ressaltar que as regras no
Brasil dizem respeito não somente às controladas, mas também às empresas
coligadas. Recentemente (2014), foram objeto de análise pelo Supremo Tribunal
55
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, “Double Taxation
Conventions and the Use of Conduit Companies”, in OCDE, International Tax Avoidance and
Evasion – Four Related Studies (Issues in International Taxation, n.1), Paris, OCDE, 1987.
56
Vogel (1986).
57
Russo (2007, p. 212 e ss.).
41
Federal e, ao mesmo tempo, foram modificadas pelo legislador federal. Por essa
razão, tal fato será visto em seção própria deste estudo.
2.4 “Unwritten avoidance clause”, de Vogel, e o princípio anti-abuso ou
princípio antielisão
O princípio antielisão de Vogel corresponde a uma teoria desenvolvida pelo
professor da Universidade de Munique mencionada na obra de Schoueri (1995)
como uma medida global de combate ao abuso de Tratados Internacionais
Tributários.58
Destaca-se a conclusão a que chegou Vogel (1986), em período anterior à
Revisão de 2003 dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE. O professor da
Universidade de Munique relata que as Cortes Judiciais começaram a aplicar
normas antielisivas oriundas do ordenamento interno às situações abrangidas pelos
Tratados Internacionais Tributários independentemente da existência de alguma
previsão para tal.
Cita-se como exemplo o caso em que a Corte de Tributos dos Estados Unidos
(U.S. Tax Court) teria negado isenção tributária sobre juros a uma empresa
estrangeira que teria sido reconhecida como beneficiária de Tratado Internacional
Tributário, sob o argumento de que ela não teria “recebido” os juros. Ou seja, não
seria a beneficiária efetiva (Aiken Industries, Inc. V. Comm’r, 56 T.C. 925 [1971]).
Outro exemplo dado por Vogel (1986), cuja decisão seguiu a mesma linha de
raciocínio, foi o caso do ex-campeão de boxe Ingemar Johansson, julgado por uma
Corte de Apelação dos Estados Unidos da América (Court of Appeals of the 5th
Circuit), que lhe negou benefício tributário previsto no Tratado Internacional
Tributário assinado entre os Estados Unidos da América e a Suíça (Johansson v.
United States, 336, F.2d 809 [5th Cir. 1964]).
Na Alemanha, a Corte Fiscal Federal (Bundesfinanzhof) chegou a
desconsiderar a personalidade jurídica de diversas empresas de base estrangeiras
(foreign base companies) pertencentes a empresas alemães. A justificativa da Corte
58
Schoueri (1995) analisa a possibilidade de evitar o planejamento tributário abusivo em casos de
Treaty Shopping por meio de medidas que ele denomina “globais”, posto serem aplicadas a toda a
comunidade internacional, diferenciando-se das medidas unilaterais (aplicadas internamente por
cada Estado Soberano) ou das medidas bilaterais (aplicadas pelos Estados Signatários de
determinado tratado internacional tributário). Nesse caminho, introduz a lição de Klaus Vogel que
defende a existência de princípios gerais do Direito Internacional Público, e dentre estes estaria o
que Schoueri (1995) chama de “princípio antiabuso”.
42
Fiscal Federal (Bundesfinanzhof), segundo Vogel (1986) seria a falta de propósito
negocial nas transações. Destacou-se que a desconsideração feita pela Corte Alemã
ocorria apenas nos casos em que as empesas de base estrangeiras eram
controladas por empresas alemães.
2.4.1 Os princípios de direito geralmente reconhecidos pelas nações civilizadas
Vogel (1986, p. 82) expõe casos como estes para justificar a existência de um
princípio comum entre os diversos ordenamentos jurídicos, o que acarretaria em
uma norma não escrita antielisiva aplicável em face dos Tratados Internacionais
Tributários, o que estaria, inclusive, de acordo com os Comentários à Convenção
Modelo da OCDE (mesmo anteriores à Revisão de 2003). Seria, portanto, um
princípio antielisão. Contudo, para Vogel (1986), o referido princípio comum seria
aplicável somente quando a situação fosse entendida por ambos os países como
abusiva, seja como substância sobre a forma, simulação, fraude à lei ou falta de
propósito negocial. Nesse sentido, ressalta que as cláusulas específicas antielisivas
contidas nos Tratados Internacionais Tributários não podem sofrer o uso de
analogias para serem ampliadas e utilizadas em situações anteriormente previstas.
Vogel (1985, p. 260)59 apud Schoueri (1995, p. 114) aduz que, conforme a
previsão do Artigo 38 do Estatuto da Corte de Haia, existiria entre as fontes do
Direito Internacional Público os “Princípios de Direito Geralmente Reconhecidos
pelas
Nações
Civilizadas”
(PDGRNC).
Estes
correspondem
a
princípios
“confirmados faticamente” nos Estados considerados civilizados. Por essa razão,
deveriam ser aplicados na ordem internacional da mesma forma vinculante como
são aplicados nas ordens internas.60
2.4.2 O princípio antielisão e as normas internas
59
VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados
na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln,
Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985.
60
Com relação aos princípios comuns às ordens jurídicas nacionais, Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.
358) fazem uma crítica ao termo “nações civilizadas”. Segundo o mencionado princípio, devem ser
transportados para a ordem internacional aqueles princípios que são comuns entre as nações
civilizadas. A crítica reside no fato de que hoje em dia são todos os Estados considerados
civilizados. Contudo, não é imprescindível que o princípio seja presente em todas as ordens
jurídicas, mas sim na maioria delas.
43
Vogel (1986, p. 83-84) também aduz sobre a possibilidade de os Estados
Soberanos tentarem aplicar normas no sentido de elidir de maneira inapropriada das
normas dos tratados internacionais, com os quais se comprometeram. Uma das
formas destacadas pelo professor de Munique consistiria na elaboração de normas
internas que evitariam a ocorrência de situações abrangidas pelas normas dos
tratados internacionais. Tais situações, no entender de Vogel (1986), não devem ser
diversas daquelas em que a prática de medidas abusivas é realizada por
contribuintes. Ou seja, não se aplicam somente ao abuso pelos Estados.
Desse modo, e, continuando, Vogel (1985, p. 376)61 apud Schoueri (1995, p.
115) entende que a prevalência da substância sobre a forma, nas hipóteses em que
a forma sobre a substância fosse contrária aos preceitos de justiça, consistiria em
um entendimento que, em maior ou menor grau, subsistiria em todos os Estados
vistos como civilizados, mesmo que tivessem ordenamentos jurídicos distintos.
Neste diapasão, havendo essa prevalência da substância sobre a forma como
instrumento da “busca da justiça” dentro dos ordenamentos internos daqueles
Estados Soberanos ditos como civilizados, em uma interpretação das normas de um
tratado internacional, os Estados Signatários deverão, da mesma maneira, se ater a
esse princípio que praticam internamente.62
Vogel (1985, p. 376)63 apud Schoueri (1995, p. 115) entende que na hipótese
de um Tratado Internacional Tributário entre dois Estados Soberanos, que
reconhecem em seus respectivos ordenamentos internos disposições que buscam
combater a evasão fiscal, ao avaliarem determinada situação que esteja abrangida
pelas normas do referido tratado, devem também levar em conta se houve ou não
evasão. Conclui que haveria uma “Cláusula não escrita referente à Evasão Fiscal”
(ungescheriebene Umgehungsklausel).
Schoueri (1995, p. 116), analisando a questão sobre o enfoque dos Treaty
Shopping, entende que a referida “Cláusula não escrita referente à Evasão Fiscal”,
61
VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados
na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln,
Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985.
62
Assim, segundo Schoueri (1995, p. 115): “um contribuinte não se pode valer da forma em que
estruturou os negócios, para escapar à tributação com base em sua “substância”, há ai um
princípio de direito geralmente reconhecido pelas nações civilizadas (PDGRNC), que vincula os
Estados em suas relações com os demais contratantes”.
63
VOGEL, Klaus (org.). Grundgragen des Internationalen Steuerrechts (trabalhos apresentados
na “Jahrestagung der Deutsche Steuer juristischen Gesellschaft e.V. e debates posteriores); Kôln,
Verlag Dr. Otto Schmidt KG, 1985
44
existente nos tratados internacionais, visa combater não somente à evasão fiscal,
em sentido estrito, mas também a elisão fiscal agressiva, referindo-se a ela como
“princípio antiabuso”.
Demonstrando que a utilização dos princípios reconhecidos pelas nações
civilizadas não seria uma analogia, Schoueri (1995) defende que sua existência
seria mera aplicação da lei, enfatizando que, em analogia ao fato analisado, não há
norma jurídica que o regule, sendo utilizada outra norma jurídica como forma de
empréstimo.64
O princípio antielisão, de Vogel, corresponde, portanto, a uma norma geral
antielisiva de caráter global passível de aplicação no combate ao uso impróprio dos
tratados internacionais tributários.
2.4.3 Abusos realizados pelos Estados e pelos contribuintes
Schoueri (1997, p. 128)65 entende que o “princípio antiabuso” (como chamado
por ele) não seria de aplicação para o caso de abuso de formas feita por
contribuintes, em razão de que o abuso deve ser visto quando realizado pelas partes
contratantes do acordo internacional, isto é pelos Estados Signatários.
Schülle (1962, p. 70)66 apud Schoueri (1995, p. 128) também entende que o
abuso de direito estaria ligado a algum ato do sujeito de Direito Público
Internacional, da mesma forma que Cheng (1953, p. 130).67
Lado outro, para Vogel (1986, p. 84) 68 , tal princípio (unwritten avoidance
clause) seria aplicável tanto em situações em que um dos Estados Signatários
64
No tocante ao uso de analogia para a interpretação dos Tratados Internacionais Tributários,
Schoueri (1995) deixa claro a sua posição no sentido de não ser admissível, sob o argumento,
64
apoiado em Anzilotti , segundo o qual corresponderia a uma maior limitação da soberania dos
Estados. Contudo, Schoueri (1995) ressalta que não necessariamente o “princípio anti-abuso”
corresponderia a uma forma de analogia ao interpretar os tratados internacionais tributários. Aduz,
ainda, ser importante verificar até que ponto a aplicação do referido princípio seria considerado
recurso a analogia pelo intérprete, ou mera aplicação de um dos “Princípios de Direito Geralmente
Reconhecidos pelas Nações Civilizadas”.
65
Transcreve-se literalmente a passagem: “Temos, portanto, que a doutrina que defendeu a
existência de um princípio referente à proibição do abuso, concebeu-se como uma prática de
Estados; não, de particulares, contra o Estado. Deste modo, não nos parece que se possa utilizar
a autoridade destes doutrinadores, para se defender a existência de tal princípio.”
66
SCHÜLE, Adolf. Rechtsmißbrauch (verbete), in Struppe, Karl e Schlochauer, Hans-Jurgen (orgs.),
Wörterbuch des Völkerrechts, 3º, v., Berlin, Verlag Walter de Gruyter, 2ª, ed. 1962
67
CHENG, Bin. General Principles of Law as applied by International Courts and Tribunals,
London, Stevens & Sons Limited, 1953
45
estivesse tomando medidas abusivas em relação à aplicação das normas do
Tratado Internacional Tributário quanto naquelas situações em que o contribuinte
estivesse realizando algum tipo de planejamento tributário agressivo.
Logicamente, a posição de Vogel (1986) é a mais correta, independente do
fato de ter sido ele quem desenvolveu tal teoria. O uso indevido das normas dos
Tratados Internacionais Tributários ocorre com muito mais frequência entre
particulares / contribuintes que se encontram envolvidos em transações e operações
internacionais, que, de maneira artificial, buscam a economia tributária. A
desconsideração de tais operações e transações é medida imperiosa na busca dos
objetivos dos Tratados Internacionais Tributários, conforme será visto adiante.
68
Transcreve-se literalmente a passagem, e, em seguida, apresenta-se a tradução livre: “The legal
consequences of such “treaty circumvention” by states cannot be basically different from those of
tax avoidance by taxpayers. Under Article 38(1)(c) of the Statute of International Court of Justice,
“general legal principles recognized by civilized nations” constitute one of the sources of
international law. This provision confirms that commonly acceptable principles of domestic law are
binding in a parallel manner on states as principles of international law. Now, the principles on tax
avoidance set forth above certainly are recognized by an overwhelming majority of states. They
must therefore be binding on states, too, if they try to avoid treaty consequences by an artificial
legal construction (a “sham”).” Tradução livre: "As consequências jurídicas de tal "elisão do tratado
internacional” por Estados Signatários, não podem ser, basicamente, diferentes daqueles da
práticas elisivas por parte dos contribuintes. Nos termos do Artigo 38 (1)(c) do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, "princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas"
constituem uma das fontes do direito internacional. Esta disposição confirma que os princípios
geralmente aceites de direito interno são vinculativos de forma paralela em Estados como
princípios do direito internacional. Agora, os princípios sobre a elisão fiscal estabelecidas acima
certamente são reconhecidos por uma esmagadora maioria de estados. Devem, portanto, ser
vinculativa para os Estados, também, se eles tentam evitar consequências do tratado por uma
construção jurídica artificial (uma "farsa").”
46
3 TRATADOS INTERNACIONAIS TRIBUTÁRIOS
O Direito Tributário é tratado há muito tempo em convenções internacionais
de diversos assuntos, como formação de blocos, imunidades diplomáticas e regimes
fiscais de organizações internacionais.69 Contudo, entre os tratados deve ser dado
destaque especial aos bilaterais que versem especificamente sobre a dupla
tributação da renda. Conjuntamente com tais Tratados Internacionais Tributários, é
imprescindível uma atenção redobrada às convenções modelos, como é o caso da
Convenção Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e a Convenção Modelo da Organização das Nações Unidas
(ONU), entre outras.70 Segundo Xavier (2002), estas convenções modelo (chamados
pelo mesmo de “convenções-tipo”) seriam meras recomendações.
O final da Segunda Guerra Mundial é apontado como o momento em que as
transações internacionais (comerciais, financeiras e investimentos) começaram a
crescer de maneira mais destacada, acompanhando o desenvolvimento de diversas
áreas do Direito Internacional, notadamente a do Direito Internacional Tributário.
Este teria como peculiaridade o fato de a intenção por detrás das normas
internacionais tributárias não seria somente assegurar a ocorrência das transações
internacionais, mas também garantir a arrecadação para os Estados Soberanos
signatários de Tratados Internacionais Tributários.71
A Convenção Modelo da OCDE é a mais utilizada, seguida pelo Convenção
Modelo da ONU, que, na realidade seria bastante similar. Com relação a seus
objetivos, ambas dedicam-se a eliminar os impedimentos para transações
internacionais. 72 Pode-se dizer que os Tratados Internacionais Tributários, para
evitar a dupla tributação da renda, são um meio que os Estados Soberanos
encontraram para fazer concessões mútuas, com o intuito não só de diminuir a dupla
tributação da renda como também de evitar a evasão fiscal.73
69
Xavier (2002, p.91-93).
Este estudo, assim como os tratados assinados pelo Brasil, é elaborado tomando por base a
Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
assim como os seus comentários.
71
Vann (1998).
72
Arnold e McIntyre (2002).
73
Rothmann (ROTHMANN, Gerd Willi, Interpretação e Aplicação dos Acordos Internacionais
contra a Bitributação, tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da
Universidade de S. Paulo, edição particular s.d.), apud Schoueri (1995).
70
47
Importante destacar que a intenção por detrás dos Tratados Internacionais
Tributários formalizados via Convenção Modelo da OCDE é, ao mesmo tempo,
incentivar as transações internacionais, evitando a dupla tributação da renda e a não
dupla tributação da renda, e combater a evasão fiscal e a elisão fiscal.
Tendo em vista que os Estados Soberanos buscam tributar seus residentes
no contexto da renda mundial, determinadas situações acarretam conflitos de
normas impositivas tributárias internas. Algumas situações internacionais possuem
elementos de conexões de mais de um ordenamento jurídico, por isso são passíveis
da incidência tributária por mais de um Estado Soberano. Esta situação pode levar
tanto a uma carga tributária elevada, o que poderia, inclusive, levar a um efeito
confiscatório74, como a uma barreira à realização de transações internacionais. Ao
serem celebrados os Tratados Internacionais Tributários, busca-se fixar critérios de
competência tributária para que os Estados Soberanos, então Signatários, possam
aplicar a sua legislação tributária interna.75 Em contrapartida, são criadas formas de
evitar a dupla tributação, por meio de imputação de crédito, ou isenção.
A dupla tributação é afastada pela determinação de critérios nos tratados
internacionais que, de um lado, determinam a imposição tributária por parte de
determinado Estado Soberano e, de outro lado, atribuem obrigações ao outro Estado
Soberano no sentido de eliminar a tributação. Esses critérios de conexão utilizados
para a resolução dos conflitos de dupla tributação da renda costumam se relacionar
à nacionalidade ou à residência do contribuinte (critérios relacionados ao Estado de
Residência) ou ao território em que se percebe ou se aufere o rendimento (critério
relacionado ao Estado da Fonte).76
Noutro giro, pode ser dito que os Tratados Internacionais Tributários teriam
caráter “subsidiário”, uma vez que em suas aplicações ocorreriam correntemente
74
Grupenmacher (1999) afirma que os Tratados Internacionais Tributários, em grande parte, versam
em eliminar a dupla ou múltipla tributação da renda. Portanto, possuem uma relação com o
princípio da capacidade contributiva, evitando, destarte, o confisco. Assim, os conflitos de
competência tributária, no âmbito internacional, acabariam por interferir, da mesma forma como no
âmbito interno, na aplicação do princípio da capacidade contributiva, que, de maneira proporcional
e progressiva, buscaria atingir a manifestação de riqueza oriunda dos fatos jurídicos descritos na
hipótese de incidência tributária. A incidência das normas tributárias de ordenamentos jurídicos
distintos em face de uma mesma manifestação de riqueza afastaria a proporcionalidade esperada
do princípio em comento, acarretando verdadeiro confisco.
75
Outro ponto levantado por Grupenmacher (1999) é o fato de que a dupla tributação internacional
acaba ocorrendo em decorrência de existirem critérios distintos entre os Estados Soberanos para
a incidência de tributos, normalmente, decorrente de situações em que o contribuinte residente em
determinado Estado Soberano produz ou aufere renda proveniente de outro Estado Soberano.
76
Grupenmacher (1999).
48
“reenvios integrativos”, correspondentes à utilização de preceitos do direito interno
para a determinação da correta forma de aplicação das normas internacionais.
Contudo, o objetivo seria evitar o “concurso de pretensões impositivas” entre as
normas internas dos Estados Signatários. Nesse sentido, seria apenas uma forma
de harmonizar os direitos internos no âmbito tributário.77
Uma questão importante é saber quando que a norma de um tratado
internacional está sendo aplicada. Para os propósitos deste estudo, os Tratados
Internacionais Tributários seriam aplicados sempre que determinada situação
estivesse sendo abrangida pelas suas normas, mesmo que em determinado Estado
Signatário a imposição da norma tributária interna não estivesse ocorrendo como no
outro Estado Signatário. Isto porque, apesar de não estar sendo aplicada a norma
interna de determinado Estado Signatário, a situação estará abrangida neste último
Estado pelas normas do Tratado Internacional Tributário, da mesma forma.78
3.1 Soberania tributária
Para a compreensão exata de como se comportam os tratados internacionais,
e notadamente aqueles que versem sobre matéria de Direito Tributário,
imprescindível é tratar, preliminarmente, a questão da soberania dos Estados. A
partir da conscientização do que seja soberania, é possível entender como são
pactuados os tratados internacionais e como estes integram o ordenamento jurídico
de um Estado.
Em uma primeira análise, a ideia de soberania está ligada à autonomia que
determinado Estado possui em relação a suas questões internas e externas, sendo
reconhecido pelos demais Estados Soberanos como uma nação formada por
determinado grupo de pessoas (povo) em determinado território.79
A complexidade da noção de soberania está no fato de que a sua
compreensão está sempre alinhada a algum elemento de outra ordem, como a
sociológica ou a política. Dois elementos acabam se destacando na compreensão
77
Tôrres (2001b, p. 591 e ss.).
78
Nesse sentido, Tôrres (2001b, p. 595 e ss.) e, em sentido contrário Vogel e Prokisch (1993) apud
Tôrres (2001b), que entendem que o Tratado Internacional Tributário estaria sendo aplicado
somente nos casos em que ocorressem uma limitação na aplicação das normas tributárias
internas.
79
Grupenmacher (1999, p. 11) apresenta o conceito clássico de soberania como “fenômeno
vinculado à noção de poder reconhecido internacionalmente”.
78
49
do fenômeno: a falta de subordinação e a forma de poder estatal.80 Tôrres (2001b),
citando Kelsen81 e buscando uma conceituação de soberania abstrata de outras
ordens (somente a jurídica), alega que a soberania entre os Estados ocorre de
maneira igual, havendo, assim, uma reciprocidade. Neste sentido, os Estados
Soberanos estariam sujeitos apenas ao Direito Internacional, não estando
subordinados ao direito interno dos demais Estados Soberanos. O reconhecimento
de tal fato entre os Estados Soberanos acarretaria certa reciprocidade, que serviria
de legitimidade entre eles. Assim, no âmbito interno a soberania estaria alinhada à
ideia de autodeterminação, enquanto que em âmbito externo estaria alinhada com a
citada reciprocidade.82
Com apoio na ideia de que cada Estado soberano tem o poder de dispor da
maneira que entenda sobre suas questões internas, ressalta-se que o sistema
tributário de cada qual pode possuir disposições totalmente distintas em comparação
com os demais Estados Soberanos.
É importante frisar que em determinados sistemas tributários ocorre a
imposição tributária sobre pessoas nacionais, não residentes, ou seja, pessoas que
não estão localizadas no território daquele Estado (um exemplo são os Estados
Unidos da América). Assim, ao discorrer sobre a soberania tributária, é preciso levar
em consideração tal fato. Para os fins deste estudo, a mencionada doutrina de
Alberto Xavier, que aponta duas formas diferentes de soberania, cada qual
relacionada com os componentes de um Estado Soberano (o território e o povo),
não terá relevância, posto que o Brasil segue a Convenção Modelo da OCDE, em
que o tratamento é dado em função da residência, e não da nacionalidade.
3.1.1 Soberania absoluta e soberania limitada
Destaque deve ser dado no que condiz à nova ordem internacional e a sua
influência no conceito de soberania. Nesse diapasão, certo é que o aumento do
número de acordos internacionais pactuados entre os Estados Soberanos em que
80
Tôrres (2001b, p. 62-68)
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6 e. Coimbra: Armênio Amado, 1984
82
Tal entendimento é reconhecido por Grupenmacher (1999, p. 14), que, ao dispor sobre a igualdade
dos Estados Soberanos e a obrigatoriedade decorrente desta legitimidade às disposições de
natureza internacional, faz referência a esse posicionamento de Heleno Tôrres (1997). Nessa
linha de entendimento, a soberania estaria ligada à ideia de reciprocidade, como posto acima, e,
em contrapartida, estaria ligada à ideia de obediência a comandos de natureza internacional.
81
50
são criadas regras que servem para todos eles acabou por limitar o poder oriundo da
soberania. Surge dessas evolução legislativa internacional o conflito entre a ideia de
soberania absoluta a de soberania limitada.83
No ordenamento jurídico brasileiro, apesar haver disposições no texto
constitucional e posicionamentos de especialistas defendendo a soberania
absoluta84, fácil é perceber que o Direito Internacional acaba limitando a soberania
do Estado brasileiro em diversos aspectos.
Um exemplo que vale a menção corresponde ao Artigo 4º da Constituição da
República de 1988, na qual há uma disposição no sentido de deixar nítida a intenção
do legislador constitucional de assegurar que a soberania brasileira não é também
absoluta, mas sim limitada, por integrar o ordenamento internacional, além de
submeter-se ao cumprimento de tratados internacionais.
Outros exemplos são: a constituição de tribunais internacionais e, mais
especificamente, a celebração de tratados internacionais tributários em que constam
previsões de limitação da imposição tributária, buscando a não dupla tributação da
renda.
Uma vez que a soberania tributária é uma faceta da soberania estatal, é
possível concluir que a soberania tributária, assim como a soberania estatal, não é
absoluta, sendo, inclusive, limitada, cada vez mais pela crescente realização de
Tratados Internacionais Tributários. Nesse sentido, em sua manifestação externa, a
soberania tributária acaba sofrendo limitações, posto que o sistema tributário de
determinado Estado Soberano, no âmbito internacional, acaba colidindo com o
sistema tributário de outros Estados Soberanos. Para que se evite tal colisão (que
no âmbito tributário acaba sobrevindo com a dupla tributação da renda), torna-se
83
Ainda sobre a soberania, Grupenmacher (1999), com respaldo em Celso D. De Albuquerque
(ALBURQUERQUE, Celso D. De. Curso de Direito Internacional Público. 4ª edição. Rio de
Janeiro : Freitas Bastos, 1974), Hildebrando Accioly (ACCIOLY, Hildebrando, Manual de Direito
Internacional Público. 11ª edição, 5ª triagem. São Paulo: Saraiva, 1985), e, Heleno Torres
(TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo:
RT, 1997) dispõe que atualmente não é mais vista de maneira absoluta existindo um crescente
aumento da delimitação por parte de situações internacionais diversas, bem como tratados e
estatutos celebrados pelos Estados Soberanos.
84
Apesar de tal fato e em caminho oposto, lembra Grupenmacher (1999, p. 16), citando ainda Celso
Ribeiro de Bastos e Ives Gandra da Silva Martins (BASTOS, Celso Ribeiro de; MARTINS, Ives
Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1990), que
existem dispositivos constitucionais que são de extrema nacionalidade e independência nacional,
indo de encontro às ideias de soberania limitada encontrada em outros ordenamentos jurídicos.
Mesmo assim, ressalta a autora, a doutrina e a legislação contemporânea brasileira caminhou em
sentido diverso. Ou seja, de acordo com o acima citado, em que a soberania estatal brasileira é,
sim, limitada pela ordem internacional.
51
imprescindível celebrar Tratados Internacionais Tributários. Estes, conforme
analisado ao longo do estudo, seguem, na maioria das vezes, padrões já
estabelecidos por organizações internacionais, por exemplo, a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que possuem a convenção
modelo de tratado internacional, para evitar a dupla tributação da renda.
A determinação da soberania estatal como absoluta ou como limitada pelo
ordenamento internacional passa necessariamente pelo enfoque dado ao Direito
Internacional no ordenamento interno de determinado país. Assim, a querela entre
as teorias monista e dualista, em que se busca apreciar como as normas
internacionais são incorporadas no ordenamento interno, figura-se imprescindível.
3.1.2 Da concepção interna e internacional da soberania
A soberania tem duas concepções: uma de ordem interna, na qual estaria
destacado um aspecto impositivo da norma, como a norma tributária; e uma de
ordem internacional, na qual não haveria uma imposição normativa, mas sim uma
situação de paridade entre todos os demais Estados Soberanos, mediante o
reconhecimento de cada qual.85
A concepção da soberania no plano interno não pode ser confundida,
contudo, com a limitação da imposição normativa de determinado Estado Soberano
aos fatos que ocorrerem em seu território. Com visto, a norma tributária de
determinado Estado, para ser aplicável em um contexto internacional, carece de um
elemento de conexão com o fato tributável. Assim, determinados Estados, via de
exemplo, não impõem suas normas tributárias em face da residência dos
contribuintes, mas sim de sua nacionalidade. Os Estados Unidos da América é
exemplo de Estado que tributa seus nacionais ainda que não residentes.
De maneira mais clara e para evitar confusão ao tratar de duas espécies de
soberania, melhor seria dispor sobre uma manifestação da soberania no plano
interno. 86 Desse modo, ao tratar de soberania tributária, pode-se aduzir que há
85
Segundo Garbarino (GARBARINO, C. La tassazione del reddito transnazionale, Padova:
Cedam, 1990), apud Grupenmacher (1999, p. 17).
86
Contudo, Grupenmacher (1999, p. 18) critica a distinção feita por Garbarino (GARBARINO, C. La
tassazione del reddito transnazionale, Padova: Cedam, 1990) sobre duas espécies de
soberanias. Nesse sentido, cita, entre outros, López Espadafor (LÓPEZ ESPADAFOR, Carlos M.
Fiscalidad Internacional y Territorialidad del Tributo. Madrid: Mc Graw – Hill, 1995). Mas,
mesmo discordando de Garbarino (GARBARINO, C. La tassazione del reddito transnazionale,
52
manifestação interna ao impor normas tributárias sobre aquelas pessoas localizadas
no território soberano.
Adentrando na análise da Constituição Federal de 1988, registre-se que os
textos constitucionais, muitas vezes, podem sofrer mutações no sentido e no
alcance interpretativo de suas normas, sem contudo ocorrer uma alteração literal de
seus dispositivos.87 A interpretação da Constituição acaba sofrendo mutações com o
tempo88 e o intérprete do texto constitucional deve ater-se à realidade e aos valores
daquele momento. Tal constatação não só reforça a ideia de que a soberania não é
absoluta, mas demonstra uma certa dinâmica, no sentido da adequação ao contexto
internacional e ao Direito Internacional.
3.1.3 A Soberania dinâmica
Partindo da afirmação que as constituições sofrem mutações com a
passagem do tempo, por meio de alterações sofridas nas formas de interpretá-las e
de modificações no sentido de suas normas, e adicionando a isso o fato de que o
conceito de soberania pode ser entendido como um conceito aberto e não
totalmente absoluto, é possível vislumbrar a soberania tributária se amoldando em
face dos diversos tratados internacionais tributários, celebrados, muito vezes com
base na Convenção Modelo da OCDE. Em virtude dessa necessidade de amoldarse ao contexto internacional, a antiga ideia de soberania (como um poder absoluto)
precisa ser renovada. Isso é possível a partir de uma interpretação do texto
constitucional em harmonia ou consonância com a realidade atual, sem a
necessidade de alterar o texto formal da Constituição.89
Partindo-se de uma ideia de mutação constitucional, ocorrida em virtude das
adaptações do texto à realidade atual do Estado, é possível entender a soberania e,
consequentemente a soberania tributária como aptas também a mutações em seu
Padova: Cedam, 1990), Grupenmacher (1999, p. 21) consegue vislumbrar a soberania tributária
(ou fiscal) sob uma análise de sua manifestação interna, aduzindo que tal manifestação advém da
supremacia do Estado sobre o seu território e as pessoas ali localizadas.
87
Grupenmacher (1999).
88
Nesse sentido Canotilho (CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional, p. 154) apud
Grupenmacher (1999).
89
Nesse sentido, Grupenmacher conclui que é imperativo contar com um conceito de soberania que
não seja estático, mas sim dinâmico, justamente para possibilitar uma adaptação ao ordenamento
jurídico internacional de acordo com o momento ora vivido.
53
conceito, que não pode ser entendido como absoluto, mas sim passível de sofrer
limitações em face da realidade internacional.90
Ainda no tocante a essa questão, surge, mais uma vez, o problema
enfrentado no estudo referente a situações de normas antielisivas com normas de
tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da renda. Mesmo que as
normas antielisivas sejam pertencentes ao direito interno brasileiro e estejam com
sua eficácia assegurada pela soberania tributária, a sua não aplicação em face das
normas dos Tratados Internacionais Tributários pode ser considerada como uma
limitação desta soberania tributária ocasionada por um posicionamento existente no
âmbito jurídico internacional.
3.1.4 O poder de tributar e os Tratados Internacionais Tributários
No que se refere à competência tributária no Brasil, é importante fazer uma
clara distinção entre o poder de tributar, a competência tributária e a capacidade
tributária ativa.91 Com relação ao poder de tributar, ressalta-se ser este pertencente
ao Poder Constituinte do Estado Soberano que possui a faculdade de intervir no
patrimônio dos particulares. Ele atribui aos entes de direito público a competência
para criar os tributos, os quais no no ordenamento jurídico brasileiro, correspondem
à União Federal, aos Estados membros, aos Municípios e ao Distrito Federal.
A competência tributária que é atribuída aos entes federados não
corresponde a um poder absoluto, mas a uma atribuição conferida pelo Poder
Constituinte e sujeita a limites previstos na própria Carta Magna.92 Por fim, cabe
90
Grupenmacher (1999) dispõe ainda que é preciso estabelecer um novo conceito de soberania
tributária em decorrência desta necessidade de adaptação ao âmbito jurídico internacional,
citando para tanto a lição de Amorós (AMORÓS, Narcisio. Derecho Tributario. 2ª ed. Madrid :
Editorial de Derecho Financeiro. 1970). Ainda neste linha, Grupenmacher (1999, p. 31) conclui
que, para atingir uma relação internacional com os demais Estados, a um nível que está cada vez
mais crescente, as limitações existentes no Texto Constitucional devem ser interpretadas de
maneira a, cada vez, mais serem alargadas. Kyoshi Harada (HARADA Kyoshi. Tributação no
Mercosul. Pesquisas Tributárias (nova série – 3.) São Paulo : RT, 1997) apud Grupenmacher
(1999) defende um novo conceito de soberania tributária menos absoluto e perpétuo, em face de
uma realidade de formação de blocos econômicos regionais e plurirregionais, oriunda da
globalização da economia e que consiste em uma fenômeno irreversível.
91
Grupenmacher (1999, p. 35-39).
92
Grupenmacher (1999), com apoio na lição de Paulo de Barros Carvalho (1991) e de Roque
Antônio Carraza (1997), deixa claro que a competência tributária atribuída aos entes federados
além de não se confundir com o poder tributário (originário do Estado Soberano e
consubstanciado no Poder Constituinte), também não se confunde com a capacidade tributária
ativa, que seria a possibilidade de cobrar e arrecadar os tributos.
54
ressaltar que é certo que a competência tributária é indelegável e que a capacidade
tributária ativa é delegável.
Em vista dos Tratados Internacionais Tributários celebrados pela República
Federativa do Brasil, ou seja, pelo próprio Estado Soberano, conclui-se que a
ratificação tem o condão de afastar o próprio poder tributário, e não a competência
tributária.
Outro ponto que deve ser apreciado quando se trata do poder de tributar e
dos Tratados Internacionais Tributários, conjuntamente, é a aplicação da norma
tributária no espaço. Para tanto, imperioso se faz distinguir entre o âmbito de
incidência e o âmbito de eficácia da norma tributária.
O âmbito de incidência está relacionado com o Poder Legislativo do Estado
de criar os tributos de maneira abstrata, o que ocorre com base nas competências
tributárias delimitadas no texto constitucional. Já o âmbito de eficácia está
estritamente ligado à capacidade tributária ativa, ou seja, à capacidade de cobrar e
arrecadar tributos.93
Quando se adentra no Direito Tributário Internacional, torna-se possível a
aplicação de normas tributárias de Estados Soberanos distintos em face de uma
mesma situação fática (fato gerador concreto), em razão de as legislações tributárias
elegerem elementos de conexões diversos. Portanto, por meio dos Tratados
Internacionais Tributários é possível o afastamento do poder de tributar de
determinado Estado Soberano sobre fatos que a princípio estariam abrangidos pela
sua manifestação interna de soberania, restringindo-se a eficácia de suas normas
tributárias no espaço. Com a mesma razão mas em sentido oposto, um Estado
Soberano pode ter suas normas tributárias internas sendo aplicadas no território do
outro Estado Soberano signatário do tratado internacional, confirmando o seu poder
tributário, em razão de um elemento de conexão.
3.1.5 O princípio da territorialidade
93
Explica Grupenmacher (1999, p. 41): “Na análise do âmbito de incidência das disposições
normativas, investiga-se se a norma tributária interna pode alcançar pessoas, coisas e fatos
situados em território de outro Estado. Já no âmbito de eficácia, investiga-se a possibilidade de a
norma interna ser aplicada, coercitivamente, em território estrangeiro, e se, ao contrário, é
possível que uma lei tributária estrangeira seja aplicada, também coercitivamente, em território
nacional. O âmbito de incidência das normas tributárias guarda relação direta com o “âmbito do
poder legislativo do Estado”, o âmbito de eficácia das leis tributárias indica “âmbito do poder
executivo (administrativo ou judicial) do Estado”, “atividade tributária em concreto”, ou seja, o
efetivo exercício do poder tributário”.
55
As questões pertinentes aos elementos de conexão em âmbito internacional
para a aplicação de normas tributárias levam à necessidade de analisar o princípio
da territorialidade.94 Isso porque na ideia de soberania não absoluta e dinâmica, em
face das alterações no cenário internacional, o conceito de territorialidade acaba
sofrendo distorções, para alguns especialistas. Ademais, uma vez que uma norma
tributária de um Estado Soberano pode acarretar a incidência tributária de fatos
ocorridos em um território de outro Estado Soberano, surge a dúvida de estar-se
diante de violação ao princípio da territorialidade e, em consequência, da própria
soberania desse segundo.
O princípio da territorialidade não pode ser considerado como violado em
situações como as descritas porque a incidência tributária, em um cenário
internacional, torna-se possível mesmo quando o fato ocorre em território diverso
daquele do Estado Soberano que exerce o seu poder de tributar, posto que este se
justifica em razão de outros elementos de conexão.
O princípio da territorialidade ainda pode ser fragmentado em: territorialidade
formal e territorialidade material. A territorialidade material tem ligação com o âmbito
de incidência da norma tributária acima referido. Dessa forma, determinado Estado
Soberano pode determinar a incidência de suas normas tributárias em face de fatos
ocorridos em territórios de outros Estados Soberanos. O que permitirá a eficácia da
norma é a existência de outros elementos de conexão. Assim, sob o aspecto
material da territorialidade, é possível a aplicação da extraterritorialidade. Lado
outro, no que se refere à territorialidade formal, ou ao aspecto formal da
territorialidade, a extraterritorialidade não pode ser cogitada, pois corresponderia à
94
Sobre o princípio da territorialidade, Grupenmacher (1999, p. 46) aduz que: “Nesta evolução do
princípio da territorialidade, duas são as restrições impostas a ele. Uma é aquela que afirma que a
delimitação territorial do poder normativo estatal não é princípio imperativo, o que conduz à
consequência de que a disciplina jurídica dos fatos ocorridos no estrangeiro não corresponde,
necessariamente, à violação daquele território e outra que o conceito de territorialidade é tão
indeterminado que é impossível dele derivar concretas consequências jurídicas. [...] Tal
concepção conduz, no entanto, a uma situação de indeterminação quanto àquelas circunstâncias
que estão conexas com mais de uma ordem jurídica, situações em que surge a questão de se
saber qual a norma que rege o fato, a “interna”, qual seja a do Estado em que se concretizou o
fato tributável, ou a “eterna”, a integrante do ordenamento fiscal estrangeiro, que pode incidir
diante da existência de um elemento de conexão, do fato, do bem ou da pessoa, com tal ordem
jurídica.”
56
possibilidade de um Estado Soberano cobrar e arrecadar o tributo dentro do território
de outro Estado Soberano.95
3.2 Incorporação por transformação ou adoção
Após demonstrar que a soberania tributária possui uma feição dinâmica, no
sentido de sofrer uma limitação advinda da ordem internacional, passa-se a discutir
como as normas advindas de tratados internacionais incorporam o ordenamento
interno de determinado Estado Soberano.96
A depender da maneira como os Tratados Internacionais Tributários serão
incorporados no ordenamento interno brasileiro, as consequências são diversas no
que tange à relação com as normas internas. A incorporação pode ocorrer quando
os tratados internacionais são transformados em normas internas ou quando eles
são adotados pelo ordenamento interno como normas internacionais que são. Existe
todo um processo de recepção, em que se observam tanto preceitos de Direito
Internacional como regras previstas no texto constitucional, que, no caso brasileiro,
dispõe como um verdadeiro procedimento para a incorporação.
O procedimento de incorporação (ou celebração) dos tratados internacionais
apresenta, basicamente, duas fases: a assinatura do tratado internacional; e a
ratificação final. No primeiro momento, ocorrem as negociações e a formatação do
documento final; no segundo momento, o comprometimento oficial entre os Estados
Soberanos signatários. Entre estas duas fases, há um procedimento interno, que
também poderia ser considerado uma fase, em que, no caso brasileiro, ocorre o
referendo por parte do Poder Legislativo (Congresso Nacional), visto como a
recepção do tratado internacional pelo Estado, por parte de especialistas.
95
Sobre a extraterritorialidade, Grupenmacher (1999, p. 52) conclui que: “A extraterritorialidade da
lei, acatada excepcionalmente por nosso sistema, prevalece diante da disparidade entre normas
internas e internacionais, admitindo-se que determinados atos, fatos ou pessoas, sofram
regulação por norma vigente em outro sistema. Nesta hipótese, diferentes regras podem ser
adotadas, tais como a regra da nacionalidade, do domicílio, da residência, da localização dos bens
etc.. São elementos de conexão, normalmente em relação aos impostos sobre o rendimento e o
capital, o critério da “fonte” em que prevalece o país onde se obtém a renda produzida, e o da
“residência”, onde reside o titular dos fundos fornecidos e que aufere a renda do capital aplicado
no exterior”.
96
Conforme Schoueri (1995, p. 31) “a questão da incorporação dos tratados internacionais em geral
ao direito interno de cada Estado contratante é matéria de que se vem ocupando o direito
internacional público”.
57
A recepção, ou incorporação, pode ser feita de maneira automática, em que
não há qualquer ordem de execução ou edição de lei. Pode ser por transformação,
em que há a edição de uma lei interna, ou por adoção em que pode existir uma
ordem de execução para tanto.
A forma de incorporação reflete diretamente a maneira como serão
interpretados os Tratados Internacionais Tributários no ordenamento interno,
influenciando também a maneira como se dará o conflito com as normas internas.
Nesse sentido, a aplicação de uma norma antielisiva interna que, por exemplo,
combata o abuso da forma ou a simulação, terá a sua aplicação, em face de um fato
que corresponda ao uso impróprio de um Tratado Internacional Tributário, analisada
de maneira diversa, a depender da forma de incorporação. Logo, se o Tratado
Internacional Tributário for transformado em uma norma interna, a aplicação da
norma antielisiva será em face de uma norma interna, o que não deverá acarretar
muita discussão. Lado outro, caso o Tratado Internacional Tributário seja
incorporado de maneira direta ou por adoção, mantendo-se como norma
internacional, a aplicação de uma norma antielisiva interna necessariamente passará
por uma análise mais complexa, a ser vista ao longo do estudo.97
3.2.1 Transformação
A
incorporação
dos
tratados
internacionais,
segundo
a
teoria
de
transformação, ocorre somente com a edição de uma norma interna que contenha o
texto do tratado internacional.98
97
O uso de normas que vedam o abuso do direito é apontado por Schoueri (1995, p. 30) como uma
das formas de combate ao Treaty Shopping em diversos Estados, usando-se de recursos de
interpretação e aplicação de normas de Tratados Internacionais Tributários, de modo a impedir a
utilização por pessoas que, a princípio, não seriam os verdadeiros beneficiários dos tratados, mas
acabam assim se tornando em virtude de terceiros interpostos. Contudo, Schoueri (1995) defende
que a aplicação de normas internas que combatem o abuso de direito somente poderia acontecer
em situações abrangidas pelos Tratados Internacionais Tributários no caso em que esses fossem
transformados em normas de Direito Interno, esclarecendo que: “se os acordos de bitributação
não se submeterem às categorias próprias do direito interno, as normas internas referentes ao
abuso do direito serão de nenhuma força, diante deles”. Nessa linha, aduz ainda que as normas
internas referentes à contenção de abusos na interpretação somente podem ser aplicadas às
normas dos tratados internacionais quando estes forem incorporados no Direito Interno por meio
da transformação em norma interna, afastando, em contrapartida, nos casos em que os tratados
internacionais são incorporados através da adoção de suas normas.
98
Explicando a teoria da “transformação”, Schoueri (1995, p. 31), apoiando-se em Verdross e Simma
(VERDROSS, Alfred e SIMMA, Bruno, Universelles Völkerrecht – Theorie und Praxis, Berlin,
Duncker & Humblot, 1976), afirma que os tratados internacionais, mesmo que já celebrados,
somente poderiam ser utilizados e aplicados pelos tribunais internos do Estado Signatário após
58
Enquanto o tratado internacional é uma norma de Direito Internacional dirigida
apenas aos Estados Signatários, na concepção daqueles que adotam a teoria da
transformação, sua transformação cria norma de Direito Interno, cujo destinatário
final são os indivíduos.99 Nessa linha de raciocínio, somente com a transformação
em norma interna poderá haver a aplicação pelos tribunais internos do Estado
Signatário das normas do tratado internacional.
A questão mais relevante com relação à incorporação dos Tratados
Internacionais Tributários por meio da transformação cinge-se no fato de que, uma
vez existente a norma interna transformada, a interpretação a ser dada será aquela
pertinente ao Direito Interno, e não mais uma interpretação voltada para os
princípios do Direito Internacional.
A escolha, ou não, da transformação como forma de incorporação dos
tratados internacionais no ordenamento interno de um dado Estado Soberano está
intrinsicamente ligada à adoção da corrente monista ou dualista, tema que será
abordado mais adiante. 100 Como exemplo de Estado Soberano que incorpora
tratados internacionais em seu ordenamento interno mediante a transformação em
norma de direito interno, cita-se a Inglaterra, em que o Poder Executivo é que o
ratifica, sem o referendo do Poder Legislativo. Posteriormente, este analisa a criação
de norma interna incorporando o texto do tratado no ordenamento jurídico inglês.
3.2.2 Adoção
Em contrapartida à incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento
jurídico por intermédio da transformação em norma interna, existe o critério da
ocorrer um procedimento de “transformação” em que o texto do tratado internacional é
incorporado na ordem interna.
99
Menzel e Isen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut, Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979,
“Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962, p. 54 apud Schoueri (1995, p. 31), referido
procedimento de “transformação” do tratado internacional modificaria a norma em questão pois
passaria a se tornar norma de Direito Interno destinada aos indivíduos e teria uma estrutura de
subordinação à ordem jurídica, enquanto que, como norma de tratado internacional, seria oriunda
do Direito Internacional tendo como destinatário os sujeitos de Direito Internacional possuindo uma
estrutura de coordenação com o Direito Interno. Destarte, conclui Schoueri (1995) que a
consequência da teoria da “transformação” seria que os tratados internacionais uma vez
transformados, passariam a integrar o Direito Interno e, assim, a maneira de interpretá-los seria
conforme as disposições do Direito Interno para tanto.
100
O uso da teoria da transformação é questionada a muito tempo segundo Schoueri (1995, p. 32),
em decorrência de questões lógicas que não são explicadas como a própria entrada em vigor e a
revogação dos tratados internacionais, o que acarreta na discussão entre monismo e dualismo,
vista em seção subsequente.
59
adoção. A adoção consiste na edição de um ato que corresponda a uma ordem de
execução do tratado internacional na ordem interna de determinado Estado
Soberano. Não se dá especificamente a internalização do texto do tratado
internacional. Esta passa a ser aplicável no ordenamento interno, mas mantém seu
status de norma internacional. Consequentemente, sua interpretação será segundo
as normas de Direito Internacional.101
As considerações pertinentes à incorporação (ou recepção) dos tratados
internacionais pelo critério da adoção, no que se refere à forma de interpretação
como norma de Direito Internacional, são válidas, logicamente, pelo critério de
incorporação imediata dos tratados internacionais, em que bastaria somente a
ratificação para a validade no ordenamento interno do Estado Signatário.
3.2.3 O procedimento de incorporação
O procedimento de incorporação dos tratados internacionais no Direito
Interno, conforme já mencionado, apresenta duas fases, quais sejam, a assinatura
do tratado internacional, em que são realizadas as negociações e chega-se a um
texto final, e, a fase da ratificação, onde é confirmado o compromisso entre os
Estados Soberanos signatários. Com também já foi esclarecido, pode haver, entre
essas duas fases, procedimentos internos, a depender do ordenamento interno de
cada Estado, e, o que, inclusive, pode ser visto como uma fase ou etapa
intermediária.102
De acordo com a Constituição Federal de 1988, a incorporação dos tratados
internacionais possui, além das fases de assinatura e de ratificação, um
procedimento interno, em que o texto do tratado internacional transitará pelo Poder
Legislativo, sendo analisado pelo Congresso Nacional.
Entre os principais dispositivos que se referem ao procedimento de
incorporação dos tratados internacionais, destacam-se os arts. 21, inciso I, 84, inciso
101
Apresentando esta linha de raciocínio, Schoueri (1995) ressalta Seidl-Hohenveldern (SEIDLHOHENVELDERN, Ignaz, Völkerrecht, 6ª. ed., rev. e atualizada, Köln, Berlin, Bonn e München,
Carl Heymanns Verlag KG 1987), que defende que o tratado internacional celebrado por
determinado Estado Signatário deverá se submeter aos critérios de Direito Internacional referentes
à entrada em vigor, interpretação e rescisão; podendo concluir que continuam a pertencer a ao
Direito Internacional Público.
102
Analisando o procedimento com ênfase nas disposições constitucionais no Brasil, Xavier (2002, p.
129-130) destaca a simultaneidade tanto de previsões de etapas internacionais quanto de etapas
internas.
60
VIII, e 49, inciso I, todos da Constituição Federal de 1988. Enquanto que o Artigo 21,
inciso I, determina que a União Federal será o ente federado que representará o
Estado Soberano brasileiro na celebração dos tratados internacionais, com base na
manutenção das relações com outros Estados Soberanos, o Artigo 84, inciso VIII,
estabelece a competência do Presidente da República para celebrar os tratados
internacionais, o que corresponde a primeira e segunda fases (assinatura e
ratificação). Por fim, o Artigo 49, inciso I, corresponde ao procedimento interno e, ao
mesmo tempo, à participação do Poder Legislativo, por intermédio do Congresso
Nacional, que terá competência para decidir terminantemente sobre os tratados
internacionais.
Esse procedimento interno do Congresso Nacional, assim como o ato do
Presidente da República posteriormente à ratificação dos tratados internacionais de
publicação por meio de Decreto Executivo, corresponde à etapa interna.
A deliberação do Congresso Nacional é comumente chamada de referendo.
Corresponde à simples aprovação do texto do tratado internacional, por meio de um
Decreto Legislativo. Nota-se que a aprovação pelo Congresso Nacional não
corresponde, portanto, a uma transformação do texto do tratado internacional em lei
interna, muito menos seria a ordem de execução para que ele passasse a ser
incorporado no ordenamento interno.103 Corresponde, sim, a um “controle prévio”,
nas palavras de Xavier (2002), posto que, mesmo após o referendo do Congresso
Nacional, ainda restará a concretização da segunda fase, correspondente à
ratificação
do
tratado
internacional
pelo
Presidente
da
República,
como
representante do Estado Soberano brasileiro.104
O referendo do Congresso Nacional é visto como uma forma de garantir a
repartição sistemática de competência com o Poder Executivo no procedimento de
incorporação dos tratados internacionais. Assim, o referendo do Congresso
Nacional, conjuntamente com a atuação do Poder Executivo, corresponde ao treaty
making power brasileiro.
103
Uma importante observação feita por Xavier (2002, p. 129-130) é que a participação do Congresso
Nacional por meio do referendo não corresponde a uma “transformação” da norma internacional
em norma interna.
104
Como chefe de Estado, o Presidente da República responde pelos tratados internacionais
celebrados pelo Brasil em face de toda a federação, o que importa, inclusive, a possibilidade de
dispor sobre o poder tributário dos demais entes federados (Distrito Federal, Estados-membros e
Municípios).
61
Após o referendo do Congresso Nacional, o Poder Executivo poderá, ou não,
realizar a ratificação do tratado internacional. Com a ratificação existe ainda o
procedimento interno, de exclusividade do Poder Executivo, referente à edição de
Decreto Executivo com a simples função de dar publicidade ao tratado internacional.
Tal ato do Poder Executivo, destaca-se, sequer é previsto constitucionalmente, mas
é praxe comumente aceita. Contudo, apesar da falta de previsão, é visto como
ordem de execução. Neste sentido, confirma-se a posição de que no ordenamento
interno brasileiro os tratados internacionais não são transformados em normas
internas, sendo incorporados por meio da ordem de execução referente ao Decreto
Executivo, mas que, como será visto, apenas dá publicidade a tratados que já são
válidos desde a sua ratificação. Portanto, os tratados internacionais podem,
inclusive, ser vistos como fontes primárias de Direito.
3.2.4 Decreto Executivo e validade dos tratados internacionais
Uma vez ratificado o tratado internacional pelo Chefe de Estado, que no Brasil
é o próprio Presidente da República, finaliza-se a segunda fase da incorporação.
Contudo, ainda existe um procedimento interno, que, apesar de não estar previsto
no texto constitucional, é medida rotineira que já se incorporou na prática dos atos
do Poder Executivo. Surge, então, a questão de saber qual é a natureza jurídica do
Decreto Executivo, quais são seus efeitos e a partir de quando eles ocorrem.
Diferentemente do que acontece no ordenamento jurídico dos Estados
Soberanos que incorporam o tratado internacional mediante a edição de uma nova
lei, transformando o texto do tratado em direito interno, no Brasil, por meio do
Decreto Executivo, é dado conhecimento da ratificação do tratado internacional.
Assim, esse ato administrativo de mera publicidade nada mais faz do que declarar a
incorporação do tratado internacional ao ordenamento interno, como norma
internacional. Isso porque não existe edição de espécie normativa reproduzindo o
texto do tratado internacional. Ou seja, não há transformação. Da mesma forma, o
Decreto Executivo, como ato administrativo oriundo de praxe dos Poderes
Executivos, não pode ser considerado como ordem interna de execução, posto que,
não produzem o efeito de determinar a eficácia dos tratados internacionais.
Nessa linha de raciocínio, resta a última das três formas de incorporação dos
tratados internacionais para classificar o ordenamento jurídico brasileiro: a
62
incorporação automática. Esta acontece logo em seguida à ratificação do tratado
internacional pelo Chefe de Estado. É a forma adotada no Brasil.
A validade do tratado internacional ocorre, portanto, a partir da sua ratificação,
salvo os casos em que o próprio texto do tratado internacional disponha de maneira
diversa, estipulando prazo para sua entrada em vigência. Nesse sentido, é comum
encontrar tratados multilaterais cuja vigência ocorre somente a partir de certo
número de Estados Soberanos realizando a ratificação.
Entender de maneira diversa, ou seja, que os tratados internacionais
passariam a ter eficácia somente a partir do Decreto Executivo, seria autorizar o
descumprimento do pactuado no momento da ratificação com os demais Estados
Soberanos signatários. Ou seja, o Brasil estaria acordando com determinado Estado
Soberano, na ordem internacional, mas ficaria a seu bem entender o momento em
que o celebrado no tratado internacional teria eficácia em seu âmbito interno. Nada
mais abusivo do que este entendimento.
O Decreto Executivo não pode, desse modo, ser visto como ordem de
execução105, sendo, sim, mero ato de publicidade na ordem interna de fonte do
Direito Internacional. Ademais, a retroatividade da eficácia estaria de acordo com o
Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)106, o que
impede que o Estado Signatário justifique o não cumprimento do tratado
internacional pelo fato de que não teria ocorrido a sua publicação. Por fim, destacase que tal entendimento está em consonância com o que o próprio Supremo
Tribunal Federal já se posicionou a respeito.
3.2.5 A interpretação em face da incorporação
105
No que se refere ao ato do Presidente da República para a incorporação do tratado internacional
no Direito Interno, apesar de muitos doutrinadores utilizarem o termo “transformação”, como
apontado por Schoueri (1995, p. 35), o termo, segundo ele, não seria correto, pois a
transformação levaria a uma mudança na natureza do tratado internacional no tocante a sua fonte
jurídica. Neste diapasão, Schoueri (1995) defende tratar-se mais de uma ordem de execução no
Direito Interno. Assim, Schoueri (1995) defende uma terceira corrente, que seria a teoria da
execução (Vollzugstheorie), em que se faz necessário o ato do Presidente da República para que
o tratado internacional seja incorporado no ordenamento interno, sem, contudo, alterar sua
natureza e seu fundamento jurídico. Quer dizer, deve ser interpretado como norma de Direito
Internacional Público.
106
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) foi promulgada através do Decreto
7.030, de 14 de dezembro de 2009. A redação do seu art. 27 é a seguinte: “Artigo 27 – Direito
Interno e Observância de Tratados – Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito
interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o Artigo 46.”
(BRASIL, 2009)
63
A forma como o tratado internacional será incorporado no ordenamento
interno tem repercussão na hermenêutica a ser utilizada. Assim, havendo a
transformação do tratado internacional em norma interna, as regras de interpretação
deverão ser as utilizadas para a elucidação dos dispositivos das normas internas. No
caso do Brasil, caso fosse adotada a transformação para a incorporação dos
Tratados Internacionais Tributários, imprescindível seria utilizar as disposições do
Código Tributário Nacional (CTN), recepcionadas pela Constituição Federal de 1988,
como lei complementar e normas gerais em matéria tributária.
Vale ressaltar o entendimento, aqui considerado equivocado, de que as
normas de tratados internacionais tributários deveriam ser interpretadas como
normas de direito interno por força da disposição contida no Artigo 3º, parágrafo 2º
da Convenção Modelo da OCDE, seguida pelo Brasil.
Nota-se que a norma do Artigo 3º parágrafo 2º da Convenção Modelo da
OCDE deve ser utilizada apenas para esclarecer o significado de “termos ou
expressões” e em situações em que o contexto do Tratado Internacional Tributário
não consiga esclarecer. Logo, não sugere a forma de interpretação dos tratados
internacionais pelas normas de direito interno, mas apenas a conceituação e o
significado de termos utilizados.
Noutro giro, sendo os tratados internacionais incorporados no ordenamento
interno pela adoção imediata ou por meio da ordem de execução interna, as normas
de interpretação a serem aplicadas não seriam as previstas no direito interno, mas
aquelas oriundas do Direito Internacional. Portanto, no Brasil, entendendo que os
tratados internacionais são incorporados no ordenamento jurídico somente pela
ratificação, suas normas passam a ter validade internamente como normas de
Direito Internacional (haja vista a falta de transformação em lei interna) e devem ser
interpretadas de acordo com os preceitos de Direito Internacional. Tais preceitos são
estudados mais a frente, quando o estudo analisará as disposições da Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
3.3 Monismo versus dualismo
A maneira de incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento
jurídico de determinado Estado é que irá determinar a forma como as normas dos
tratados internacionais serão interpretados. No Brasil, tendo em vista que os
64
tratados internacionais passam a incorporar o ordenamento jurídico com a
ratificação, suas normas devem ser interpretadas em consonâncias com a
hermenêutica do Direito Internacional. Essa linha de raciocínio é desenvolvida a
partir da adoção pelos Estados Soberanos do Monismo ou do Dualismo, a depender
de como irão tratar a oponibilidade ou conflito entre as normas do Direito Interno e
as normas do Direito Internacional. Certo é que a adoção de uma dessas correntes
não condiz com uma análise doutrinária e acadêmica, mas o que realmente irá
determinar será a forma como as normas advindas do direito internacional irão fazer
parte do ordenamento jurídico.107
No Monismo, haverá uma unidade do sistema jurídico. Assim, no mesmo
ordenamento jurídico haverá normas oriundas do Direito Interno e normas oriundas
do Direito Internacional. Em outras palavras, em determinado ordenamento jurídico
as normas que o compõem serão advindas de fontes internas e de fontes
internacionais.
Em contraponto ao Monismo, há o Dualismo (ou Pluralismo), em que são
reconhecidos dois ou mais sistemas jurídicos. De acordo com essa corrente, as
normas dos tratados internacionais, por exemplo, são fontes de Direito Internacional
107
Com base na doutrina de Celso D. Albuquerque de Mello (MELLO, Celso D. Albuquerque de.
Curso de Direito Internacional Público, 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, 1992),
Grupenmacher (1999) aponta as duas vertentes relativas à incorporação de tratados
internacionais no ordenamento jurídico interno. De um lado, tem-se o monismo, em que se
entende que o Direito Interno e o Direito Internacional seria apenas um. Seria ainda admitido duas
vertentes: o monismo com primazia do Direito Internacional, e, o monismo com primazia do Direito
Interno. Explicando as correntes, Xavier (2002, p. 106) ressalta que, pela tese dualista haveria
uma diversidade de fontes do entre o direito internacional e o direito interno. Em virtude de
pertencerem a uma fonte diversa, a norma internacional, oriunda do direito internacional, somente
passa a pertencer à ordem interna depois do procedimento de transformação em lei interna. Já na
tese monista haveria uma unidade do Direito, e a ordem interna e internacional seriam apenas
manifestações do próprio direito. Neste sentido, não seria necessária a incorporação da norma
internacional por meio de um procedimento de transformação. Ambas as correntes, monista e
dualista (para alguns esta última ainda é destacada como pluralista), comportam variantes que
corresponderiam a preponderância de uma das normas sobre a outra. Dessa forma, haveria o
monismo com primado do Direito Interno e o monismo com primado do Direito Internacional, assim
da mesma maneira ocorreria com o dualismo. Xavier (2002) ainda faz menção de exaltar que a
questão está hoje “definitivamente” superada na ordem jurídica brasileira, principalmente no que
tange a falta de normas constitucionais que expressam o posicionamento a respeito do assunto.
Tôrres (2001b) ainda divide a tese monista em três correntes distintas: monismo com primazia do
Direito Interno, monismo com primazia do Direito Internacional, e, a o monismo moderado. O
monismo com primazia do Direito Interno daria maior destaque e importância a questão da
soberania do Estado. Já o monismo com primazia do Direito Internacional entenderiam que a
soberania estaria ligada à ideia de dependência com a ordem internacional, havendo, portanto,
uma limitação neste sentido. Ademais, a violação das normas internacionais iria acarretar a
responsabilidade internacional. Por fim, o monismo moderado seria a equivalência das normas
internas e internacionais em que o critério de solução melhor empregado seria o da lei posterior
prevalecendo sobre a lei anterior.
65
e não fazem parte do ordenamento jurídico do Estado Soberano adepto ao
Dualismo. Para serem incorporados ao ordenamento jurídico interno desse Estado
Soberano, requerem a realização de um procedimento de incorporação da norma do
tratado internacional para fins de transformá-la em norma interna. Com isso, e como
já exposto anteriormente, é criada uma norma interna, na qual é transcrito o texto do
tratado internacional, incorporando-o ao Direito Interno.
Importante destacar que existem variações tanto do Monismo quanto do
Dualismo. Assim, vale analisar cada uma dessa variações, para determinar como
ocorrerá a oponibilidade entre as normas internas e as normas internacionais.
3.3.1 Os fundamentos do dualismo
O Dualismo teve sua origem na Alemanha, a partir do estudo realizado por
Karl Henrich Triepel, em 1923. Também teria como expoente Anzilotti, na Itália.
Nesse primeiro momento, destaca-se que o Dualismo reconhecia uma distinção
entre o Direito Interno e o Direito Internacional em dois aspectos principais que
seriam o fato de tratarem de ramos distintos; e o fato de possuírem fontes também
distintas.108
Uma vez que o Dualismo reconhece a existência de dois sistemas jurídicos
diversos, passa-se a buscar a compreensão de como uma norma internacional
incorpora-se ao ordenamento interno. Surge daí uma ideia de dualismo extremado,
em que haveria a necessidade de incorporação por transformação em norma interna
que fosse fonte formal primária de direito – ou seja, lei. Em contrapartida, haveria
uma vertente menos extremada que entenderia que, mesmo havendo sistemas
distintos, a incorporação ao Direito Interno passaria apenas por um ato de referendo
do Congresso Legislativo. Com base nesta visão, é perceptível uma similitude com o
Monismo, no qual não há a necessidade de transformar a norma internacional para
que ela integre o ordenamento interno de um Estado Soberano.
108
Segundo Schoueri (1995, p. 88), citando Rousseau (ROUSSEAU, Charles. Droit International
Public, 9ª ed., Paris, Dalloz, 1979), a doutrina dualista teria sua origem na Alemanha, com Triepel
(TRIEPEL, Karl Henrich, 1923, As relações entre o direito interno e o direito internacional
(trad. por Amílcar de Castro), in RFDUFMG, outubro de 1966), e na Itália com Anzilotti
(Mencionado na obra de Schoueri (1995) por meio de citação da obra de Rousseau: ROUSSEAU,
Charles. Droit International Public, 9ª ed., Paris, Dalloz, 1979). Para Triepel (1923) apud
Schoueri (1995) o direito interno e o internacional se diferenciariam tanto no que diz respeito ao
ramo do direito que tratam, como da vontade de onde emanam e surgem.
66
Com relação ao Dualismo iniciado na Alemanha, é possível vislumbrar certa
moderação, traduzida pelo surgimento de uma vertente que aduz não corresponder
a uma diferença entre os distintos sistemas o fato de que no Direito Internacional
haveria normas dispondo apenas da relação entre os Estados Soberanos, enquanto
que no Direito Interno as relações normatizadas seriam entre as pessoas de direito
(indivíduos) e os Estados Soberanos.
Esse Dualismo moderado torna possível a ocorrência de conflito entre as
normas internacionais e as normas internas. Isso acaba acarretando a necessidade
de criar de regras para a harmonização de normas internas com normas
internacionais.109
A moderação também é encontrada no Monismo, com será visto no tópico
seguinte. Nesse sentido, dentro da concepção do Monismo, entre a primazia do
direito interno e a primazia do direito internacional haveria uma vertente moderada
onde seria preciso, da mesma forma como ocorre no dualismo moderado, a criação
de regras para a harmonização das normas internacionais com as normas internas,
evitando, destarte, conflitos reais.
3.3.2 Os fundamentos do monismo
109
Tratando do “dualismo moderado” Schoueri (1995. p. 90-91) apresenta primeiramente a posição
de Bleckmann (BLECKMANN, Albert, Grundgesetz und Vökerrecht, Berlin, Duncker & Humbolt,
1975), cuja contribuição seria no sentido de defender que, apesar de haver uma separação do
Direito Internacional e do Direito Interno, em ambos existiriam tanto relações entre os Estados
Soberanos, como entre esses e os indivíduos. Nesse diapasão, a possibilidade de conflito entre
normas de ambos os direitos seria uma possibilidade, o que acarretaria a necessidade de criação
de regras para harmonização das normas internas com as normas internacionais, segundo a lição
de Menzel e Ipsen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut, Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979,
“Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962) apud Schoueri (1995). Já segundo Bleckmann
(1975) apud Schoueri (1995), no caso de impossibilidade de resolução do conflito de normas, a
solução seria aplicar as normas internas na ordem interna e das normas internacionais na ordem
internacional. Com relação a esta moderação, é possível encontrar também na doutrina monista.
Schoueri (1995, p. 91-92) relata, citando Rousseau (1979) que a doutrina monista com prevalência
do direito interno é criticada principalmente quando se leva em conta os princípios e costumes que
constituem fontes do Direito Internacional, e, que não necessitariam da ordem estatal para serem
criados, o que levaria a uma desnecessidade de fundamentação constitucional. Assim, em face
das criticas surgidas, despontou o monismo moderado que defenderia a existência precária de
conflitos entre as normas internas e as normas de Direito Internacional, sendo que a solução
estaria em procedimentos previstos no próprio Direito Internacional Público (segundo Verdross e
Simma (VERDROSS, Alfred e SIMMA, Bruno, Universelles Völkerrecht – Theorie und Praxis,
Berlin, Duncker & Humblot, 1976), e, Menzel e Ipsen (MENZEL, Eberhardt e IPSEN, Knut,
Völkerrecht 2ª ed., rev. e atual., 1979, “Juristiche Kurzlehrbücher”, München, Beck, 1962), apud
Schoueri, 1995). Ademais, segundo Mössner (MÖSSNER, Jörg M., Einführung in das
Völkerrecht, (“Schriftreihe der Juristischen Schulung”, cad. 55), München, Beck 1977), apud
Schoueri (1995), o monismo moderado seria a corrente hoje predominante na doutrina.
67
O Monismo, comportando a ideia de que o sistema jurídico é uno, e que as
normas internas e as normas internacionais se correlacionam, também é passível de
vertentes, que defendem cada qual a preponderância de uma das normas. Havendo
a regulamentação de matérias tanto por normas internas como por normas
internacionais e sendo ambas pertencentes ao mesmo sistema jurídico, torna-se
inevitável a ocorrência de situações em que o conflito, mesmo que aparente, seja
inevitável.
O Monismo com primazia do Direito Internacional seria aquele em que o
sistema jurídico daria preponderância às normas internacionais em relação às
normas internas (com exceção da norma constitucional, posto ser aí que estaria
disposto sua validade). Nessa linha de raciocínio, no Monismo com primazia do
Direito Internacional é que se encontraria as normas internacionais como tendo um
caráter supralegal.
Noutro norte, o Monismo com primazia do Direito Interno defenderia a
preponderância das normas internas em face das normas internacionais. E,
finalmente, o Monismo moderado, como visto acima, seria aquele que estabelece
padrões hierárquicos paritários para as normas internas e as normas internacionais,
sendo que neste caso o conflito seria, inicialmente, resolvido pelos critérios
cronológico e especialidade.
É importante ressaltar duas passagens do texto constitucional. Primeira,
Artigo 4º, inciso II e VIII, da Constituição Federal de 1988: O Brasil tem como
princípios, em suas relações internacionais, a “prevalência dos direitos humanos” e o
“repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Nesse diapasão, é inconcebível que uma
norma interna afronte a disposição de um tratado internacional em se busca
alcançar os referidos princípios, notadamente, em razão da disposição constitucional
mencionada. Mas não é somente em razão dessa disposição. Segunda, parágrafo
2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 onde está disposto que: “Os direitos
e garantias expressas nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados em que a República do Brasil seja
parte” (BRASIL, 1988). De acordo com este último dispositivo, o Brasil, além de
observar as disposições dos tratados internacionais que dispõem sobre direitos e
garantias fundamentais, deixa clara a primazia de tais normas internacionais em
face de normas internas, mesmo que posteriores. Assim, é possível afirmar que a
Constituição Federal de 1988, nos dispositivos mencionados (Artigo 4º, incisos II e
68
VIII; e, Parágrafo 2º do Artigo 5º) estabelece regras de harmonização entre as
normas internacionais e as normas internas, sobre determinada matéria, dando
primazia ao Direito Internacional. Ademais, a referência a tratados internacionais, na
redação dos dispositivos, corresponde a um indício de que o Monismo é adotado
pelo ordenamento jurídico brasileiro.
3.3.3 A vigência, revogação e coexistência das normas internacionais com as
normas internas
Com relação à vigência, revogação e coexistência das normas internacionais
com as normas internas, a adoção do Monismo surte como opção mais adequada
para a manutenção de relações internacionais.
Enquanto que no Monismo o que ocorre é a vigência da própria norma
internacional, seja automaticamente após a ratificação, ou, somente após a ordem
de execução, no Dualismo a norma internacional não possui vigência no
ordenamento interno, mas sim a norma que foi resultado da transformação para fins
de incorporação.
No ordenamento jurídico brasileiro, o momento da vigência dos tratados
internacionais não será o momento em que o Congresso Nacional realiza o
referendo (ato de “transformação”, de acordo com o Dualismo), nem o momento em
que ocorre a publicação por intermédio do Decreto Executivo (que seria a “ordem de
execução”, para aqueles que entendem que tal ato possua tal competência). Os
tratados internacionais passam a ter vigência no ordenamento jurídico brasileiro,
como dito acima, no momento em que ocorre a ratificação pelo Presidente da
República, na qualidade de Chefe de Estado. Logicamente, e como já manifestado,
a vigência também poderá ser postergada quando assim dispuser o tratado
internacional. Certo é que a entrada em vigor da norma internacional depende de
atos internacionais e procedimentos exigidos pelo Direito Internacional. Nesse
entendimento, o Decreto Executivo serviria apenas para dar publicidade ao texto do
tratado internacional.
Assim, no Brasil, uma vez que o Decreto Executivo tem a única função de dar
publicidade ao texto do tratado internacional, pode-se afirmar que ocorre uma
recepção automática com a ratificação, o que Xavier (2002) chama de “cláusula
geral de recepção automática”.
69
Da mesma forma, as normas dos tratados internacionais deixam de ter
vigência no ordenamento jurídico brasileiro com a realização do ato de denúncia,
que consiste em um ato internacional de revogação do pactuado pelo Estado
Soberano, e, que repercute no plano interno deste. A via transversa, contudo, não é
possível. Ou seja, não é possível um Estado Soberano se desobrigar de uma norma
internacional através da revogação da mesma no plano interno, sem contudo o fazer
no plano internacional.
No caso do Monismo com primazia do direito internacional essa situação é
melhor vislumbrada. Seria o caso de ser promulgada uma lei cujos dispositivos
sejam contrários àqueles previstos em um tratado internacional anteriormente
ratificado pelo Brasil. Nessa situação hipotética, o Brasil não poderá deixar de
aplicar as disposições do tratado internacional sob a alegação que norma interna
posterior dispõe de maneira contrária, pois corresponderia a uma ofensa ao Artigo
27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), já mencionada, e
que determina que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito
interno para justificar o inadimplemento de um tratado” (BRASIL, 2009).
Em contrapartida, no Monismo com primado do direito interno, a norma
interna posterior iria afastar a aplicação no plano interno do tratado internacional,
sendo desse modo perceptível uma similitude com o Dualismo.
Não obstante, e, ainda com relação a adoção do Monismo com primazia do
direito internacional, observa-se que é possível a estruturação sistemática do
ordenamento jurídico para a convivência das normas internacionais e das normas
internas. Exemplo mais claro é o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN),
mais adiante analisado e que reafirma a posição supralegal dos tratados
internacionais tributários.
3.3.4 A posição hierárquica
A escolha entre o Monismo e o Dualismo, inicialmente, corresponde a uma
determinação de como uma norma internacional irá incorporar no ordenamento
jurídico de determinado Estado Soberano. Assim, e, como já dito alhures, a questão
tem um viés muito mais procedimental e política de cada Estado Soberano, do que
acadêmica.
70
É também uma discussão a respeito da oponibilidade entre as normas
internas e as normas internacionais. Para o Monismo o sistema jurídico é uno, e,
após a ratificação ou a ordem de execução, a norma internacional passa a viger no
ordenamento jurídico do Estado Soberano. Já para o Dualismo, a princípio as
normas internacionais e as normas internas não seriam conflitantes, pois cada qual
faria parte de um sistema jurídico distinto. Contudo, com a transformação da norma
internacional em uma norma interna, também seria possível vislumbrar a
possibilidade de um conflito aparente de normas.
Surge então a questão de posição hierárquica que as normas internacionais
teriam em comparação com as normas internas.
Inicialmente, a ideia é de que no Dualismo a transformação de uma norma
internacional em uma norma interna surtiria o efeito de uma paridade hierárquica
entre ambas. Contudo, nada impede que a norma interna oriunda da transformação
de uma norma internacional tenha uma hierarquia superior em face da norma interna
produzida originariamente no próprio plano interno. Nessa linha de raciocínio
encontramos entre os especialistas Hidelbrando Accioly apud Xavier (2002) que cita
a ideia de “um direito especial que a lei interna, comum, não pode revogar”, e,
Tôrres (2001b), que fala em um “princípio da prevalência de aplicabilidade das
normas internacionais”.
Não obstante tais posições, é certo que dentro de um ordenamento jurídico
que adota o Dualismo, a norma do tratado internacional transformada em norma
interna poderá ser considerada como hierarquicamente superior em face de
disposição nesse sentido, ou mesmo, poderá ter a sua aplicabilidade mantida em
face do critério da especialidade, somente podendo ser revogada por determinação
expressa de norma interna posterior (esse entendimento, inclusive, já foi o adotado
pelo Supremo Tribunal Federal em julgado que será analisado).
Outro ponto que resguarda a aplicação das normas de um tratado
internacional, em um ordenamento jurídico que adota o Dualismo, em face de norma
interna conflitante, é o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados
(CVDT), mencionada no tópico antecessor, e, que impossibilita a inadimplência de
um tratado internacional em virtude de normas internas de um dos Estados
Soberanos signatários.
Passando para o Monismo, o qual se adequa de maneira mais correta às
disposições concernentes à recepção e incorporação dos tratados internacionais no
71
ordenamento jurídico brasileiro, ressalta-se, novamente, as três variantes que
podem ser encontradas nessa corrente.
Assim, há o Monismo com do direito interno, e, a vertente moderada, que
defende a paridade das normas internas e internacionais, sendo que o critério
utilizado para a solução de conflitos aparentes seria o da especialidade e o
cronológico.
Já no Monismo com primazia do direito internacional, a norma internacional,
após a ratificação pelo Estado faz parte do ordenamento jurídico e tem primazia
sobre as normas internas, possuindo, destarte, um caráter supralegal. É,
exatamente, o que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, conforme finalmente
vem se posicionando o Poder Judiciário, e, será analisado adiante.
Nesse diapasão, o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) deixa claro
a posição de superioridade dos tratados internacionais tributários em frente às
normas internas da legislação tributária.
3.4 Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN)
No campo do Direito Tributário, a questão da superioridade hierárquica dos
tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro é acompanhada pela
análise da disposição contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que
determina que “os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação interna e serão observados pelas que lhes sobrevenha”.
Entendendo que o ordenamento jurídico brasileiro é adepto do Monismo com
primazia do Direito Internacional, questionável se torna a necessidade do referido
dispositivo. Isto porque, na sua ausência, os tratados internacionais tributários,
assim como os demais tratados internacionais, possuem caráter supra legal,
estando, portanto, hierarquicamente acima da legislação infraconstitucional. Apenas
para ressaltar, no ordenamento jurídico brasileiro ainda existem aqueles tratados
internacionais que possuem caráter constitucional, uma vez referendados com
quórum equivalente ao das emendas constitucionais.
O disposto no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) pode ser visto
como uma norma interna que consistiria em norma geral de direito tributário,
conforme previsão do Artigo 146 da Constituição da República de 1988, e, que ao
mesmo tempo disciplina o grau hierárquico das normas de tratados internacionais
72
tributários. Nesse sentido, mesmo que o ordenamento jurídico brasileiro adota-se o
Dualismo, com base na disposição do Codex Tributário em apreço, os tratados
internacionais que versassem sobre matéria de direito tributário deveriam ser
observados pela legislação infraconstitucional posterior.
Ademais, a determinação de observância das normas dos tratados
internacionais tributários pelas normas internas tributárias posteriores não
necessariamente significa um grau hierárquico superior, podendo também ser uma
questão de especialização da norma, ou mesmo uma determinação para o legislador
infraconstitucional.
Certo é que, adotando o Monismo com primazia do Direito Internacional, a
norma do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) reforça não só a hierarquia
dos tratados internacionais tributários, mas, também o respeito ao pactuado entre os
Estados Soberanos signatários do tratado internacional, em observância ao princípio
do pacta sunt servanda.
3.4.1 A prevalência dos Tratados Internacionais Tributários
A questão da aplicação do princípio do pacta sunt servanda é uma das razões
pelas quais, hoje em dia, encontramos uma primazia do Direito Internacional,
mesmo naqueles ordenamentos que aderem ao Dualismo. Nesse sentido cabe
inclusive destacar que aqueles que entendem pela adesão ao Dualismo no
ordenamento jurídico brasileiro, também entendem que, os tratados internacionais,
mesmo após a transformação em normas internas, teria prevalência sobre as
normas internas não provenientes de transformação, em virtude de disposições da
Constituição da República de 1988, como o Artigo 4º, inciso II, e VIII, e, o Parágrafo
2º do Artigo 5º, como exemplos.
De qualquer forma, entendendo nessa pesquisa que o ordenamento jurídico
brasileiro adere ao Monismo com primazia do Direito Internacional, o Artigo 98 do
Código Tributário Nacional é visto não somente como norma de observância pelo
interprete da legislação tributária, mas, também como norma de aplicação.
O fato do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) corresponder a
norma geral de Direito Tributário prevista em lei complementar apenas reforça a
imperiosidade das normas ordinárias em observar a determinação de seus
preceitos.
73
Cabe destacar, a princípio apenas de maneira superficial, que o Supremo
Tribunal Federal (STF), até o julgamento do emblemático Recurso Extraordinário nº
80.004 – SE (DJU de 29 de Dezembro de 1977) posicionava, acompanhado dos
estudiosos da época, em favor do Monismo com primazia do Direito Tributário, e, a
partir daquele julgado passou a entender que norma interna ordinária posterior
poderia revogar normas de tratado internacional.
O entendimento formado no julgado acima mencionado acarretou um maior
destaque ao Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), que, em vistas do
Monismo com primazia do Direito Internacional não possuía tanta importância, por
repercutir um efeito muito mais declaratório.
Assim,
passou-se
a
discutir
de
maneira
mais
aprofundada
a
constitucionalidade do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). A discussão
cinge-se em saber se lei complementar poderia restringir a competência do
legislador ordinário, ou se tal medida somente é cabível pelo texto constitucional.
Notadamente, o sistema tributário brasileiro, que possui suas bases no texto
constitucional, delegou à legislação complementar tributária o dever de dispor sobre
a aplicação da legislação tributária. Com isso, o Artigo 98 do Código Tributário
Nacional nada mais vez do que especificar de maneira clara e precisa como os
tratados internacionais que versassem sobre matéria tributária deveriam ser
aplicados no ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, a legislação tributária ordinária deverá observar as normas dos
tratados internacionais tributários, sendo tanto a norma interna anterior como a
posterior não são necessariamente revogadas, mas, sim, sobrestadas ou ficam com
seus dispositivos limitados aos casos que não estão abrangidos pelas normas dos
tratados internacionais.
3.4.2 O afastamento da lei interna
Ponto interessante que merece destaque é a parte do Artigo 98 do Código
Tributário Nacional (CTN) que refere-se a revogação da legislação tributária interna.
Conforme ali exposto, os tratados internacionais tributários, além de serem
observados pela legislação tributária superveniente, revogam a legislação tributária
interna então existente.
74
A utilização do termo “revogam” é notadamente equivocada, por mais de uma
razão, inclusive. Primeiramente deve-se ater ao fato que os tratados internacionais
tributários, principalmente aqueles que são celebrados bilateralmente entre o Brasil
e outro Estado Soberano, abrangem apenas situações ali descritas que possuam
algum elemento de conexão com um dos signatários. Com isso, surge uma certa
especialidade, em determinado grau, ao compararmos com a legislação tributária
interna que pode abranger um número de situações mais amplo, principalmente no
que tange às partes envolvidas.
Destarte, a legislação tributária interna não pode simplesmente ser revogada
pelas normas dos tratados internacionais tributários posteriores que disponham de
maneira diversa, mas para situações envolvendo apenas Estados Soberanos, e,
portanto, mais específicas. Há, desse modo, apenas um afastamento da norma
interna no que tange a sua aplicação aquelas situações que serão abrangidas pelas
normas dos tratados internacionais tributários.
Noutro giro, mesmo em uma situação onde o tratado internacional tributário
fosse multilateral, ou mesmo numa situação difícil de aventar mas apenas por
dialética, fosse um tratado internacional tributário assinado por todos os Estados
Soberanos, também assim não haveria assim não poderia ser falado em revogação
da lei interna, mas mero afastamento ou suspensão dos efeitos. Isto porque, e aqui
seria um segundo motivo, ao ser denunciado o tratado internacional (não apenas o
tributário), a norma interna que tinha os efeitos suspensos pela aplicação da norma
internacional é reestabelecida no ordenamento interno. Ou seja, a norma interna
volta a ter os seus efeitos válidos. Tal fato não seria possível acaso a norma interna
fosse realmente revogada.
3.4.3 Tratados-norma e tratados-contrato em face da aplicação do Artigo 98 do
Código Tributário Nacional (CTN)
Por fim, outro ponto que deve ser relatado, com relação ao Artigo 98 do
Código Tributário Nacional, é a utilização dos termos tratados e convenções
internacionais. Já é assentado o entendimento segundo o qual esses dois termos
não significam espécies de atos internacionais distintos, mas apenas destacam os
termos mais empregados para o mesmo ato internacional, que no presente estudo é
chamado de tratado internacional, ou tratado internacional tributário, quando
75
especificamente aos tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da
renda.
O Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), portanto, não faz qualquer
distinção com relação aos tratados internacionais tributários, e, tal fato consiste,
inclusive, em uma das razões pelas quais a distinção doutrinaria entre tratadosnormas e tratados-contratos não deveria ser empregada na sua interpretação.
A referida distinção entre tratados-norma e tratados-contrato é criticada não
somente por especialistas brasileiros no assunto, como também por especialistas
estrangeiros.
Os
tratados-norma
geralmente
seriam
aquelas
convenções
multilaterais, e, criariam normas gerais internacionais. Como exemplo de tratadonorma multilateral teria a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT),
e, como tratado-norma que seria bilateral, mas criariam normas internacionais, teria
os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Já
os tratados-contrato seriam aqueles celebrados na maioria das vezes bilateralmente
e não criariam normas abstratas, mas verdadeiros contratos de prestações
individuais e recíprocas entre os signatários.
A jurisprudência brasileira, por algum tempo, entendia, de maneira
equivocada, que a norma do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) seria
aplicável apenas aos tratados internacionais tributários que pudessem ser
classificados como tratados-contrato. O referido entendimento seria iniciado no
julgamento do Recurso Extraordinário
80.004-SE, que será destacado nesse
estudo.
3.5 Posição do Poder Judiciário Brasileiro
A posição do Poder Judiciário Brasileiro com relação aos tratados
internacionais, e, em especial aqueles que tratam de matéria tributária, pode ser
vista como variável ao longo do tempo, cabendo destacar alguns julgados que
firmam o posicionamento em determinado momento. Conforme abaixo será visto,
houve uma primeira etapa em que o Monismo era consagrado, sendo alterado em
momento posterior para a adoção do Dualismo, e, voltando ao final, novamente,
para o Monismo.
Da mesma forma, a maneira como é vista a paridade ou primazia das normas
internas com as normas internacionais são divergentes ao longo do tempo na
76
jurisprudência. Em momentos em que a paridade é a regra, critérios como o
cronológico e / ou especial são utilizados para a resolução de antinomias de normas.
3.5.1 Apelação Cível nº 9.583/1950; Apelação Cível nº 9.587/1951; e, Recurso
Extraordinário nº 71.154/1971– Monismo moderado
Através de uma análise da jurisprudência pretérita do Supremo Tribunal
Federal, observa-se que o entendimento inicial era no sentido de que os tratados
internacionais (e ai incluindo-se os tributários), correspondiam a leis específicas, e,
por tal razão, lei posterior geral não poderiam revogá-los. No mesmo diapasão,
observa-se, também, que, em caso de uma lei posterior especificamente prever a
revogação de uma norma de um tratado internacional, tal revogação era aceita.110
O Ministro Antônio Carlos Lafayette de Andrada, proferiu o seguinte voto,
como relator, nos autos da Apelação Cível 9.583, do Rio Grande do Sul, no dia 22
de junho de 1950:
Trata-se de matéria fiscal. A isenção é fundada em cláusula de tratado com
Paiz estrangeiro.
Estou de acordo com os votos vencedores. O Ministro Hahnemann
Guimarães, em caso idêntico, acentuou muito bem:
“O Tratado promulgado pelo dec. n. 23.710 de 1934, declarou, nas
cláusulas XIV e XV, completamente livre de direitos aduaneiros a
importação de certos produtos.
“Os tratados são interpretados com sua própria finalidade, e não em
conformidade com as disposições legais restritivas do paiz contratante.
O tratado é lei especial, cuja aplicação não deve ficar subordinada a lei
geral de cada país, se teve aquele por objeto excluir essa lei geral” (fls.
119).
Realmente quando o tratado concede a isenção de direitos aduaneiros,
nessa isenção se incluem também as taxas fiscais referentes a Alfandega.
Por isso o Ministro Orozimbo Nonato, notou: “O grade argumento contrário a
exclusão das taxas de 10% é o de que se trata de isenção, que deve ser
entendida restritivamente, aliás adversada de eminentes autores. Ela deve
prevalecer, dada a generalidade que deve revestir a tributação, pelo
princípio “sumo de igualdade”, a que alude Covielo.
“Como quer que seja, não pode o princípio ser invocado na inteligência do
texto de tratado entre duas nações e que deve ser interpretado no animo
generoso e de acordo com os motivos que a inspiraram. No caso do tratado
refletia uma política de fraternidade e a isenção foi proclamada de modo
eloquente, quasi enfativo: “completamente livre de direitos aduaneiros”. (fls.
121)
Sem dúvida, data venia, essa a melhor interpretação dos tratados que
atende a finalidade dos mesmos: exclusão de quaisquer exigência fiscal
alfandegaria. (BRASIL, 1950)
110
Este entendimento, cabe o destaque, é o posicionamento adotado hoje em dia por Rocha (2013, p.
134), ao afirmar que “em uma hipótese assim [lei posterior geral expressamente revogar norma do
tratado] a aplicação do critério da especialidade teria que ceder espaço para o critério cronológico.
77
Uma importante constatação que se faz diante da decisão, cujo voto condutor
foi supra transcrito em parte, refere-se também ao posicionamento referente a forma
de interpretação dos tratados internacionais que deveria ocorrer “de acordo com sua
própria finalidade”.
Posteriormente, em 1951, o mesmo Ministro Antônio Carlos Lafayette de
Andrade foi relator da Apelação Cível 9.587, onde proferiu voto no sentido de que
lei posterior que expressamente revogue norma de tratado internacional é válida.
Assim dispõe em seu voto: “Sem dúvida que tratado revoga as leis que lhe são
anteriores, mas não pode ser revogado pelas leis posteriores, se estas não se
referirem expressamente a essa revogação ou se não denunciarem o tratado.”
O interessante desta decisão é que o voto do Ministro Antônio Carlos
Lafayette foi fundamentado na doutrina de Philadelpho Azevedo, cuja lição foi
transcrita ali, e, em parte, ora se transcreve:
A dificuldade está, porém, no efeito inverso, último aspecto a que
desejamos atingir – o tratado é revogado por leis ordinárias posteriores, ao
menos nas hipóteses em que o seria uma outra lei? A equiparação absoluta
entre a lei e o tratado conduziria a resposta afirmativa, mas evidente o
desacerto de solução tão simplista, ante o caráter convencional do tratado,
qualquer que seja a categoria atribuída às regras de direito internacional.
Na América, em geral, tem assim força vinculatória a regra de que um paiz
não pode modificar o tratado, sem o acordo dos demais contratantes;
proclama-o até o Artigo 10 da Convenção sobre Tratados, assinada na 6ª
Conferência Americana de Havana, e entre nós promulgada pelo decreto
18.956, de 22 de outubro de 1929, embora não o havendo feito, até 1938, o
Uruguai, também seu signatário. Esse era, aliás, o princípio já edificado por
Epitácio Pessoa que entendia ainda a vinculação ao que, perante a
equidade, os costumes e os princípios de direito internacional, pudesse ser
considerado como tendo estado na intenção dos pactuantes
(Código,art.208); nenhuma das partes se exoneraria e assim isoladamente
(art. 210) podendo apenas fazer denuncia, segundo o combinado ou de
acordo com a clausula rebus sic stantibus subentendida, aliás na ausência
de prazo determinado. Clovis Bevilaqua também não se afastou desses
princípios universais e eternos, acentuando quão fielmente devem ser
executados os tratados, segundo a equidade, a boa fé, e o próprio sistema
dos mesmos.
Através do Recurso Extraordinário 71.154 – Paraná (Odilon Mello de Freitas
vs. Anibal Goulart Mais Filho), julgado no dia 04 de Agosto de 1971, e, publicado no
dia 27 do mesmo mês e ano, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Oswaldo Trigueiro, relator, proferiu voto em que fica evidente o posicionamento
daquela corte constitucional no sentido da adoção do Monismo no ordenamento
78
jurídico brasileiro.111 Transcreve-se, assim, trecho do voto proferido, na folha 08 do
acórdão:
É êste, de resto, o princípio dominante na generalidade dos países da
Europa (cf. as Constituições da Bélgica, art. 68; da Espanha, art. 14; da
Finlândia, art. 33; da Grécia, art. 32; da Itália, art. 80; dos Países Baixos, art.
60; da Suécia, art. 12). De todos êsses países, como no Brasil, faz-se
necessária a aprovação legislativa de todos os tratados de significação
política e dos que impõe modificações ao direito interno. Em nenhuma delas
se condiciona a vigência do tratado ratificado a nôvo ato legislativo, ou seja,
a lei elaborada para o propósito de incorporar as normas do tratado à
legislação nacional. A inexistência dêsse requisito na maioria, senão na
totalidade das Constituições democráticas, enfraquece a posição doutrinária
dos que entendem necessária, além da aprovação do tratado, a edição do
diploma legal que reproduza as normas modificadoras do direito positivo
Contudo, e, apesar de fazer menção a alguns julgados pretéritos, como a já
mencionada Apelação Cível 9.587, de 1951, onde além de referendar o Monismo
deixou claro que haveria uma moderação desse no sentido de norma interna poder
revogar norma do tratado internacional, desde que expressamente, o Recurso
Extraordinário 71.154 – Paraná, de 1971, referenda o Monismo mas não discute a
questão de hierarquia normativa dos tratados internacionais. Fato é que os julgados
daquela época muito mais estavam voltados para rechaçar a ideia de primazia das
normas internas, do que para fundamentar e defender o primado do direito
internacional, sendo a posição daquela época mais voltada para um monismo
moderado, com o mesmo grau hierárquico entre as normas internas e as normas
internacionais, destacando essas últimas pelo grau de especialidade.
3.5.2 Recurso Extraordinário nº 80.004/1977 – Dualismo moderado
Posteriormente, a questão foi ter relevo em decisão proferida no Recurso
Extraordinário
80.004 – Sergipe (Belmiro da Silveira Gois vs. Sebastião Leão
Trindade), julgado no dia 01 de Junho de 1977, e, publicado no dia 29 de Dezembro
daquele mesmo ano. Cabe ressaltar que esse julgamento acabou tornando-se um
referencial sobre o assunto. Transcreve-se, inicialmente, sua ementa:
111
Godoi (2003) ressalta que, através do Recurso Extraordinário 71.154, o Supremo Tribunal Federal
(STF) estaria afirmando a adoção do Monismo pelo ordenamento jurídico brasileiro. Tal
entendimento levaria a uma conclusão no sentido de que a interpretação dos tratados
internacionais devam seguir as regras de interpretação do direito internacional público,
notadamente aquelas expostas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
79
Convenção de Genebra, lei uniforme sobre letras de câmbio e notas
promissórias – aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal
– impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias.
Validade do Decreto-lei 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de
Genebra tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe
ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente
validade do Dec-Lei 427/69, que institui o registro obrigatório da nota
promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo
o aval um instituto do Direito Cambiário, inexistente será ele se reconhecida
a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso Extraordinário
conhecido e provido.
(BRASIL, 1977)
No voto do Ministro Cunha Peixoto, que posteriormente foi o relator do
acórdão, foi destacado a existência do Monismo, defendido por Kelsen, e do
Dualismo, defendido por Triepel, bem como a jurisprudência brasileira e estrangeira
sobre o assunto, destacando Amilcar de Castro, Giuseppe Valeri, e, Tullio Ascarelli,
entre outros. Ademais, fazendo uma análise dos demais Estados Soberanos
signatários da Convenção de Genebra, analisada naquele julgamento, o Ministro
Cunha Peixoto destaca que a questão possui uma índole constitucional,
especificamente no que se refere a incorporação dos tratados internacionais
tributários no ordenamento jurídico interno. Assim, destaca a Alemanha, a França e
a Itália, onde houve a incorporação da Convenção de Genebra através da edição de
norma interna.
Neste diapasão, o Ministro Cunha Peixoto filou-se ao Dualismo moderado, no
sentido de entender que o tratado internacional, no caso a Convenção de Genebra,
para incorporar-se ao ordenamento jurídico brasileiro precisaria ser transformada em
lei interna, bem como, também ressaltar que, norma interna posterior poderia
modificar as disposições da lei fruto da transformação. Assim, destaca-se a seguinte
passagem do voto do Ministro Cunha Peixoto no Recurso Extraordinário nº 80.004 –
Sergipe, página 592:
Admitida, porém, apenas para argumentar, a vigência da Lei Uniforme, no
Brasil, não podemos dar nossa adesão à corrente que entende não poder o
legislador
brasileiro
introduzir
nela
qualquer
modificação
e,
consequentemente, ser inconstitucional o Dec-lei 427, de 22 de janeiro de
1969.
Com efeito, se a Lei Uniforme transformou-se em direito positivo brasileiro,
evidente que pode ser modificado ou revogado, como qualquer outro
diploma legal. Do contrário, transformar-se-ia qualquer lei que procedesse
de algum tratado em super lei, em situação superior à própria Constituição
Brasileira. (BRASIL, 1977)
80
E, após fazer tal constatação, apesar de não ser objeto do caso em exame
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), naquela ocasião, o Ministro Cunha Peixoto
faz análise do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Assim, aduz que os
tratados internacionais tributários seriam tratados-contrato, e, portanto, poderia
haver a disposição do Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) dispondo que
deveriam ser observados pela legislação tributária superveniente.
O raciocínio desenhado, destarte, seria que o ordenamento jurídico brasileiro
estaria alinhado ao Dualismo, e, que as normas internas advindas da transformação
de tratados internacionais não teriam qualquer superioridade hierárquica em relação
às normas internas originais. Além disso, no caso do Artigo 98 do Código Tributário
Nacional (CTN), a prevalência em face das normas internas supervenientes seriam
decorrentes do fato de que os tratados internacionais tributários seriam tratadoscontrato, e, portanto representariam direitos subjetivos e não normas abstratas,
devendo serem observados.112
De maneira diversa, e, vencida ao final, foi o voto do Ministro Xavier de
Alburquerque, que defendeu o Monismo com primazia do direito internacional,
inclusive ressalvando que o princípio em questão estaria previsto no Artigo 98 do
Código Tributário Nacional (CTN). Fazendo um retrocesso da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministro Xavier de Alburquerque destaca o
Recurso Extraordinário 71.154, anteriormente analisado, e, aduz que “tais decisões
reforçaram e atualizaram, em nossos dias, antiga orientação de nossa jurisprudência
no sentido do primado do direito internacional sobre o direito interno” (BRASIL,
112
Nesse sentido, transcreve-se a passagem do voto do Ministro Castro Peixoto: “Nem se diga estar
a irrevogabilidade dos tratados e convenções por lei ordinária interna consagrado no direito
positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do Código Tributário Nacional, verbis: “os
tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão
observados pelas que lhe sobrevenham”. Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e
convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam
regras sobre pontos de interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de princípio abstrato,
no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes acerca de qualquer
assunto. O contratual, é, pois, título de direito subjetivo. Daí o art. 98 declarar que tratado ou
convenção não é revogado por lei tributária interna. E que se trata de um contrato, que deve ser
respeitado pelas partes. [...] Por isto mesmo, o art. 98 só se refere à legislação tributária,
deixando, destarte, claro, não ser o princípio de ordem geral. Se a lei ordinária não pudesse, pela
constituição, revogar a que advém de um tratado, não seria necessário dispositivo expresso de
ordem tributária”.
81
1977). Também vencido, e, defendendo o Monismo moderado (sem primazia de
normas) foi o raciocínio desenvolvido pelo Ministro Leite de Abreu.113
3.5.3 Recurso Extraordinário nº 90.824/1980 – Pirelli SA – Cia Industrial Brasileira
vs. União Federal – Dualismo moderado – Aplicação do Artigo 98 do CTN
No dia 25 de Junho de 1980 foi julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) o
Recurso Extraordinário 90.824 – São Paulo (Pirelli S/A – CIA Industrial Brasileira vs.
União Federal)114, sendo a decisão publicada no dia 19 de Setembro do mesmo ano.
O julgamento foi realizado pelo Tribunal Pleno da Corte constitucional, e, o relator foi
113
“É inegável que Hans Kelsen foi influenciado pelo direito continental europeu, uma vez que
modulou, inicialmente, a sua famosa teoria, em face do direito positivo da família romanogermânica. Europeu, vivendo na Europa, pensou como europeu e como europeu construiu, nos
seus traços capitais, a obra que o celebrizou. Ao elaborar, no entanto, o livro que citei – General
Theory of Law and State – sofre ele a influência do direito anglo-saxão, pois que escreveu nos
Estados Unidos da América, após estudo profundo que realizou, não só do direito ai vigorante,
mas também do direito inglês. Como ele mesmo diz, ao prefácio desse livro, publicado em 1944,
não se limitou, ao escrevê-lo, a republicar pensamentos e idéias anteriormente expressas em
alemão e em francês, senão que empreendeu a tarefa de reformular essas idéias e esses
pensamentos, a fim de imprimir à teoria pura do direito feição tal que abraçasse tanto os
problemas e instituições do direito americano e inglês, como os dos países, para os quais foi
originariamente formulado. Cabe presumir, desse modo, que, no tocante à aplicação direta do
tratado internacional, se haja feito sentir, na construção kelnesiana, a influência do direito
americano. Quanto à aplicação do tratado internacional, pelos órgãos estatais, especialmente
pelos tribunais, isso somente é possível, segundo a teoria kelseniana, quando a constituição não
disponha diversamente. Em última análise, pois, é a constituição, pelo seu silêncio, que habilita os
tribunais à aplicar tratado internacional, validamente concluído, sem a intermediação de lei, que
reproduza os termos do pacto assim concluído. Não se verifica, destarte, em nenhum caso, a
aplicação do tratado sem a anuência da ordem jurídica nacional, anuência que pode ser explicita
ou implícita. Na espécie, a aplicação direta do tratado se acha autorizada, implicitamente, porque
a Constituição não requer para isso ato legislativo pelo qual se estabeleça lei que tenha o mesmo
conteúdo do tratado. No caso de se editar lei nacional, que entre em conflito com o tratado, é
preciso saber, ainda segundo a teoria kelseniana, como o problema se resolve em face da
Constituição. Pode esta dispor que a lei tem preferência em relação ao tratado, embora não o
revogue, ou estabelecer que a antinomia se resolve em face do princípio lex posterior derogat
priori, ou, finalmente, prescrever que o tratado internacional terá precedência sobre a lei nacional.
A interpretação do direito positivo é que dirá qual das três soluções é a adotada pelo direito
interno. Na espécie, como não existe norma constitucional que autorize lei posterior revogar
tratado internacional, entendo, como Vossa Excelência, que não houve revogação do tratado. Não
se [prescreve], também, no texto constitucional, que o tratado prevalecerá sempre em face da lei,
nem se estatuí, explicitamente, que a lei nacional se aplicará sempre, preferindo ao tratado. Não
obstante a dificuldade que o problema confere, a solução que adoto, como ficou expresso no meu
voto, é que o Decreto-lei 427 é de aplicação obrigatória por parte dos tribunais, uma vez que estes
somente lhe poderiam afastar a aplicação se fosse inconstitucional, o que não acontece. Embora,
pois, esse ato legislativo não tenha, quanto à matéria sobre a qual dispõe, revogado o tratado, não
pode o Supremo Tribunal Federal, em face da antinomia entre a nossa Carta Política e o
mencionado Decreto-lei, deixar de aplicar este último, afastando, assim, nesse particular, a
aplicação do tratado.”
114
A ementa proferida nesse julgamento teve a seguinte redação: “Preço de referência. Importações
originarias de países pertencentes a ALALC. Em face do art. 48 do Tratado de Montevidéu, a vista
do qual se deve interpretar o parágrafo 2 do art. 3 do Decreto-lei n. 1111/70, não se aplica o
regime do preço de referência as importações originarias de países membros da associação
latino-americana de livre comércio. (ALALC). Recurso Extraordinário conhecido e provido”.
82
o Ministro Moreira Alves. De certa forma, pode-se aduzir que neste julgamento foi
destacado, e, não apenas mencionado, a necessidade de observância ao Artigo 98
do Código Tributário Nacional (CTN). A matéria de fundo desse julgado correspondia
a aplicação de normas internas tributárias, referentes a regime de “preço de
referência” para mercadorias importadas, à situações onde a importação estivesse
abrangida pelo Tratado de Montevidéu referente a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (ALALC).115
Em seu voto, o Ministro Moreira Alves esclarece que o referido Tratado de
Montevidéu criou um “regime excepcional para o intercâmbio comercial entre os
países latino-americanos que o firmaram, proibindo, como princípio geral, restrições
e gravames de caráter fiscal, monetário ou cambial” entre os Estados Signatários e
membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Após
esclarecer que o tratado internacional continha as referidas disposições de matéria
tributária, o Ministro Moreira Alves, em seu voto, alerta que “em matéria tributária,
independentemente da natureza do tratado internacional, se observa o princípio
contido no artigo 98 do Código Tributário Nacional”.
Outro voto, do julgamento do Recurso Extraordinário 90.824/80 que vale o
destaque seria o proferido pelo Ministro Cordeiro Guerra que enfatiza que norma
interna poderia sim alterar norma internacional, como o Supremo Tribunal Federal
(STF) teria firmado posicionamento através do Recurso Extraordinário 80.004/77.
Porém, em matéria tributária, como seria o caso daquele julgamento, não seria
possível em virtude da disposição contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional
(CTN).116
115
Sobre a matéria de fundo do julgado, transcreve-se o início do voto do Ministro Moreira Alves que
explica as duas interpretações divergentes sobre a demanda: “Toda a controvérsia gira em torno
de saber se o preço de referência pode ser aplicado às importações originárias de países
membros da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Os que sustentam a
negativa conjugam o disposto no §2º do artigo 3º do Decreto-Lei 1.1111/70, que estabeleceu as
normas relativas ao preço de referência, com disposições do Tratado de Montevidéu, para concluir
que o gravame fiscal decorrente do sistema do preço de referência é incompatível com este, razão
por que o citado § 2º determinou não fossem computadas no cálculo desse preço as importações
originárias de países participantes da ALALC. Já os que se inclinam pela afirmativa, entendem
que o § 2º do artigo 3º do Decreto-lei 1.111/70 se limita a proibir o cômputo de tais importações no
cálculo do preço de referência quando este é fixado estatisticamente, mas não veda a sua
incidência sobre essas importações: essa corrente não tem examinado o problema à luz do
Tratado de Montevidéu”.
116
Trecho do voto do Ministro Cordeiro Guerra: “Este é o modo que entendo. O Tratado de
Montevidéu só reconhece a pauta de valor mínimo, e o Código Tributário Nacional diz que,
enquanto viger o Tratado, não se pode alterá-lo, em se tratando de matéria fiscal. É o que está no
83
3.5.4 Habeas Corpus nº 72.131/1995 – Dualismo Moderado – Pacto de São José da
Costa Rica – Paridade Hierárquica – Critério da Especialidade
Em 23 de Novembro de 1995 foi a vez do julgamento do Habeas Corpus
72.131 – Rio de Janeiro (Lairton Almagro Vitoriano da Cunha vs. Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro), cuja decisão foi publicada apenas no dia 01 de Agosto
de 2003, e, o relator para o Acórdão foi o Ministro Moreira Alves.117 O destaque para
esse julgamento em particular cinge ao posicionamento adotado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) ao determinar a aplicação do critério da especialidade ao
deparar-se com antinomia de normas internas e normas internacionais.
Em análise apenas ao voto118 do Ministro Moreira Alves, que foi relator para o
acórdão, cabe destacar o entendimento de que a norma internacional do Tratado de
San José da Costa Rica, objeto da demanda, tendo força de norma interna, na
qualidade de lei ordinária, deveria ter a sua aplicabilidade, em face de outra norma
interna, auferida pelo critério da especialidade. No caso, a norma interna, segundo o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, seria mais específica, por tratar
unicamente da alienação fiduciária em garantia, enquanto que o Artigo 7º, §7º da
art. 98 do Código. Se não fosse tributária, diria que podia ser alterado por lei interna, como nós já
decidimos no Recurso Extraordinário 80.004, de Sergipe”.
117
A ementa proferida no Habeas Corpus 72.131 – Rio de Janeiro é a seguinte: “EMENTA: “Habeas
corpus”. Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. – Sendo
o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição
legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra
na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. – Nada interfere na
questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no §7º do artigo 7º da
Convenção de San José da Costa Rica. “Habeas corpus” indeferido, cassada a liminar concedida”.
118
“Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em
nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais
evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como o caso de recurso
especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ‘ocorre com relação à lei
infraconstitucional, a negativa de vigência de tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes
aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de
1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional
realizada por meio de ratificação de tratado. Sendo, pois, mero dispositivo legal ordinário esse § 7º
do artigo 7º da referida Convenção não pode restringir o alcance das exceções previstas no artigo
5º, LVII, da nossa atual Constituição (e note-se que essas exceções se sobrepõem ao direito
fundamental do devedor em não ser suscetível de prisão civil, o que implica em verdadeiro direito
fundamental dos credores de dívida alimentar e de depósito convencional ou necessário), até para
o efeito de revogar, por interpretação inconstitucional de seu silencia no sentido de não admitir o
que a Constituição brasileira admite expressamente, as normas sobre a prisão civil dou
depositário infiel, e isso sem ainda se levar em consideração que, sendo o artigo 7º, § 7º, dessa
Convenção norma de caráter geral, não revoga ele o disposto, em legislação especial, como é a
relativa à alienação fiduciária em garantia, no tocante à sua disciplina do devedor como
depositário necessário, suscetível de prisão civil se se tornar depositário infiel.”
84
norma interna fruto de transformação do referido tratado internacional teria caráter
geral.
Portanto, nessa ocasião, o Supremo Tribunal Federal (STF) além de reforçar
o seu posicionamento advindo do Recurso Extraordinário nº 80.004/77 – Sergipe,
pela adoção do Dualismo, também ressaltou a paridade hierárquica, em virtude da
transformação da norma do tratado internacional em norma interna, e, apontou o
critério da especialidade como forma de resolução de antinomia (conflito) aparente.
3.5.5 Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480/1997 –
Dualismo Moderado – Paridade hierárquica – Critério Cronológico e Especial
O Dualismo Moderado também foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em julgamento realizado no dia 04 de Setembro de 1997, e, publicado apenas
no dia 18 de Maio de 2001 (julgado posteriormente ao Habeas corpus 72.131/1996
– Rio de Janeiro, mas publicado antes), através da Medida Cautelar na Ação Direta
de Inconstitucionalidade
1.480 – Distrito Federal (Confederação nacional de
Transporte – CNT e Confederação Nacional da Indústria – CNI vs. Presidente da
República e Congresso Nacional.119
119
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO
158/OIT PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA
CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE
INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO
DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO 68/92 E DECRETO 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE
CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA
TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO
ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA
ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI
COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU
CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR
EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA
GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL
À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88)
- CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO
158/OIT, CUJA APLICABILIDADE
DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO
158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE
INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - É na Constituição
da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se
deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao
sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite
constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica
interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante
da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve,
85
definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF,
art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito
internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da
competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos
tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de
sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição,
pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são
inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a
executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no
plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os
tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade
normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os
tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem,
formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo
Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à
necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe
de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso,
efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados
ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE
ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os
tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno,
situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de
autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os
atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No
sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as
normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais
sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de
antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação
alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da
especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE
LEI COMPLEMENTAR. - O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao
princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema
da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema
autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os
tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem,
em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em
tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao
exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra
espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito
positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO 158/OIT, DESDE QUE
OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. - A Convenção 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação
legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal
aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única
conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os
Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da
reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção 158/OIT expressamente permite a cada
Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela
solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática
nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental
de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da
indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção 158/OIT
(Artigos 4º a 10).” (BRASIL, 2001)
86
O relator do acórdão foi o Ministro Celso de Mello, e, entre as conclusões
auferidas do julgamento algumas cabem destaque. A primeira constatação feita é
que a adoção do Monismo ou do Dualismo não pode ser restringida apenas a uma
questão doutrinaria, mas deve corresponder a uma análise dos preceitos
constitucionais pertinentes à incorporação das normas de tratados internacionais no
ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse sentido, a decisão proferida aduz que o processo de incorporação no
ordenamento jurídico brasileiro é complexo e conjuga de atos do Congresso
Nacional e do Poder Executivo, o que até então não deixa de contrariar nenhuma
das teorias. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, referindo-se ao Decreto
Executivo, afirma possuir três efeitos distintos: a promulgação do tratado
internacional; a publicação oficial do texto, e, a executoriedade do ato internacional.
Vê-se, assim, que, adotando a tese da incorporação por intermédio de ordem
de execução, e, ao mesmo tempo, defendendo uma paridade entre as normas dos
tratados internacionais, o Ministro Celso de Mello defende um Dualismo moderado.
Nesse diapasão, transcreve-se a seguinte passagem de seu voto:
Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do
dualismo tenha sido qualificada por CHARLES ROUSSEAU (“Droit
International Pubilc Approfondi”, p. 3/16, 1958, Dalloz, Paris), no plano do
direito internacional público, como mera “discussion d’école”, torna-se
necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como
disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloquente
atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria,
de exequibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois,
para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro
depende essencialmente, de um processo de integração normativa que se
acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da
República. (BRASIL, 2001).
Ainda nessa linha de raciocínio, o Ministro Celso Mello, em passagem um
pouco mais adiante no seu voto, confirma o Dualismo moderado, com concepção
adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista não necessariamente a
paridade das normas internas e internacionais, mas o fato da incorporação da norma
internacional não ser feita por edição de nova lei, mas bastando apenas a ordem de
execução advinda do decreto executivo:
Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro – que não exige a
edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito
interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de
87
executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção de iter
procedimental que compreende a aprovação congressional e a
promulgação executiva do texto (visão dualista moderada).(BRASIL,
2001)
A segunda constatação oriunda da decisão proferida pela Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.480/1997 – Distrito Federal é a paridade
existente entre as normas dos tratados internacionais, que seriam incorporados
através da ordem de execução do decreto executivo, e, as normas internas.
Ressalta-se, nesse sentido, que no voto do Ministro Celso de Mello há literal
referência ao julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/78 – Sergipe, onde o
entendimento é consolidado:
Sabemos que os atos internacionais, uma vez regularmente incorporados
ao direito interno, situam-se no mesmo plano de validade e eficácia das
normas infraconstitucionais. Essa visão do tema foi prestigiada em
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.
80.004-SE (RTJ 83/809, Rel. p/ o acórdão Min. CUNHA PEIXOTO), quando
se consagrou, entre nós, a tese – até hoje prevalecendo na
jurisprudência da Corte – de que existe, entre tratados internacionais e
leis internas brasileiras mera relação de paridade normativa.
A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema
jurídico brasileiro, por isso mesmo, permite situar esses atos de direito
internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo
plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas
(JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p.
170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTONIO ROBERTO
SAMPAIO DORIA, “Da Lei Tributária no Tempo”, p. 41, 1968; GERALDO
ATALIBA, “Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário”, p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, “Curso de Direito
Internacional Privado”, p. 108/112, 1978, Forense, JOSÉ FRANCISCO
REZEK, “Direito dos Tratados”, p. 470/475, itens 393-395, 1984, Forense,
v.g.). (BRASIL, 2001).
Ainda sobre a paridade normativa entre as normas dos tratados internacionais
e as normas internas, o Ministro Celso de Mello afirma que em situação onde haja
antinomia, o critério utilizado será o cronológico ou, se possível, o critério da
especialidade120.
Por fim, cabe ainda mencionar, com relação a esse julgamento, que o próprio
relator para o acórdão, Ministro Celso de Mello, ressalta a existência de uma
tendência mundial na adoção da primazia do direito internacional nos distintos
120
“A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito
interno somente ocorrerá – presente o contexto de eventual situação de antinomia com o
ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre,
em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do
critério da especialidade (RTJ 100/1030 – RT 554/434).” (BRASIL, 2001)
88
ordenamentos jurídicos, citando, a título de exemplo, a Argentina, e, a Holanda. E,
que no Brasil, tal situação não era concretizada em razão de ausência de preceitos
constitucionais, bem como jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal
(STF).121
Notadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acaba
tendo uma reviravolta, passando a adotar, novamente, o Monismo, e, ostentando
caráter supralegal às normas internacionais.
3.5.6 Recurso Especial nº 1.161.467/2012 - Artigo 7º dos Tratados Internacionais
Tributários vs. Artigo 686 do RIR/99
Quando discutido o confronto entre as normas internas do ordenamento
jurídico, e, normas internacionais derivadas dos tratados internacionais tributários, o
caso que é imperioso a análise corresponde ao pagamento efetuado à empresa
estrangeira pela prestação de serviço, sem a transferência de tecnologia e sem a
existência de estabelecimento permanente, a empresa residente no Brasil, que é
responsável pelo pagamento do serviço.
Nesta situação descrita, temos de um lado, o Artigo 7º da Convenção Modelo
da OCDE, que determina que a tributação compete ao Estado da residência do
prestador do serviço, e, de outro lado, temos o Artigo 685 do Regulamento do
Imposto de Renda – Decreto 3.000/99 (RIR/99)122, que determina a retenção na
fonte do Imposto de Renda em cima dos valores pagos pela empresa residente no
Brasil à empresa estrangeira prestadora do serviço.
Apesar da repercussão em cima da questão, bem como da opinião da Receita
Federal do Brasil sobre a aplicação do referido Artigo 685 do RIR/99, indubitável é
121
“É certo que já se registra no plano do direito comparado uma clara tendência no sentido de os
ordenamentos constitucionais dos diversos Países conferirem primazia jurídica aos tratados e atos
internacionais sobre as leis internas. É o que ocorre, por exemplo, na ARGENTINA (Const. De
1853, com a Reforma de 1994, Art. 75, n. 22), na HOLANDA (Const. De 1982, Art. 94), na
FEDERAÇÃO RUSSA (Const. De 1993, Art. 15, n. 4), no PARAGUAI (Const. De 1992, Arts. 137
e 141) e na FRANÇA (Const. De 1958, Art. 55). Tal, porém, não ocorre no Brasil, seja por efeito
de ausência de previsão constitucional, seja em virtude de orientação firmada pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, reconheceu – como precendentemente
assinalado – que os atos internacionais situam-se, após sua formal incorporação ao sistema
positivo doméstico, no mesmo plano de autoridade e de eficácia das leis internas.” (BRASIL,
2001).
122
Art.685. Os rendimentos, ganhos de capital e demais proventos pagos, creditados, entregues,
empregados ou remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente no
exterior, estão sujeitos à incidência na fonte: [...] II – à alíquota de vinte e cinco por cento: a)os
rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços.
89
que, no caso de conflito entre referidos dispositivos, a prevalência é do Artigo 7º da
Convenção Modelo da OCDE. Como será demonstrado de maneira esmiuçada no
presente estudo, o entendimento da prevalência do Artigo 7º cinge-se no fato de
tratar de norma de Direito Internacional a qual deve ser concedido tratamento de
norma supra-legal.
Uma outra interpretação defendida, no que tange à solução de um conflito
aparente entre a regra do Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE com o Artigo
686 do RIR/99 é que o primeiro seria uma norma especial, enquanto que o segundo
seria uma norma geral, e, portanto, deve prevalecer a primeira sobre a segunda,
inclusive com espeque no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN). Tal
posicionamento, cabe registrar, é defendido por Maneira e Lessa (s/d), no trabalho
“Inexigibilidade do IRRF sobre pagamentos efetuados a empresas no exterior pela
prestação de serviços. Conceito de lucro nos tratados contra dupla tributação do
modelo OCDE.”
Ainda sobre o problema específico, importante ressaltar, para deixar claro,
que a polêmica também acontecia porque, o entendimento da Receita Federal do
Brasil era no sentido de enquadrar o rendimento pago por residentes no Brasil a
não-residente, que aqui presta serviço sem transferência de tecnologia e sem
estabelecimento permanente, deve ser enquadrado no Artigo 21 da Convenção
Modelo da OCDE (“Outros rendimentos”). A regra ali insculpida determina que os
rendimentos devem ser tributados pelo Estado da fonte pagadora, ou seja, estaria
de acordo com o Artigo 685 do RIR/99.
A questão, analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), encontrou uma
solução no ano de 2012. Através do Recurso Especial
1.161.467/RS, relator
Ministro Castro Meira, da Segunda Turma, julgado no dia 17 de Maio de 2012, e,
publicado no DJe de 01 de Junho de 2012, foi decidido que o conceito de “lucro de
empresa estrangeira” estaria no Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE (no caso
específico, dos Tratados Internacionais Tributários assinados com a Alemanha e
com o Canadá).
Neste diapasão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o termo “lucro
da empresa estrangeira” deveria ser interpretado como lucro operacional,
enquadrando-se na previsão dos Artigos 6º, 11 e 12 do Decreto-lei 1.598/77 que o
conceitua como “o resultado das atividades, principais e acessórias, que constituam
objeto da pessoa jurídica”.
90
Ademais, pela teor da decisão, observa-se que naquela ocasião o Superior
Tribunal de Justiça entendeu que a norma internacional teria a prevalência sobre a
norma interna pelo critério da especialidade, e, não por se tratar de uma norma
hierarquicamente superior. Nesse sentido, a ementa dispôs que “a antinomia
supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno
resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja
posterior à internacional.”
3.5.7 Recurso Extraordinário nº 460.320, pendente de julgamento definitivo – Volvo
do Brasil Veículos Ltda. e outro vs. União Federal – Monismo com primazia do
direito internacional
No dia 31 de Agosto de 2011, o Ministro Gilmar Mendes proferiu voto nos
autos do Recurso Extraordinário 460.320 – Paraná (Volvo do Brasil Veículos Ltda.
vs. União Federal). Ressalta-se que, após o voto ora analisado, foi dado vista dos
autos para o Ministro Dias Toffoli, e, em 30 de Setembro de 2014, foi adiado o
julgamento a pedido deste.
A questão chegou primeiro ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do
Recurso Especial
426.945 – Paraná, julgado no dia 22 de Junho de 2004, e,
publicado no dia 25 de Agosto do mesmo ano, tendo ainda como relator para o
acórdão o Ministro José Delgado.
O caso em questão tem como matéria o confronto aparente entre as normas
do tratado internacional tributário para evitar a dupla tributação da renda celebrado
entre o Brasil e a Suécia, e, a norma interna contida nos Artigos 75 e 77 da Lei
8.383/91. A norma interna dispunha sobre a tributação de dividendos enviados para
o exterior a uma alíquota de 15% (quinze por cento). Em contrapartida, o disposto no
tratado internacional tributário assinado entre o Brasil e a Suécia (Artigos 10 e 24 do
Decreto 70.053/76) dispunham de maneira diversa.
Assim, de um lado haveria uma norma interna, onde através do Artigo 75 da
Lei
8.383/91 previa-se a não incidência do imposto de renda sobre o que for
distribuído a pessoa físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no Brasil, e,
através do Artigo 77 da Lei 8.383/91, combinado com o Artigo 97 do Decreto-Lei
5.844/43, determinava a incidência do imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF),
a alíquota de 15% (quinze por cento) sobre os dividendos distribuídos por fonte
residente no Brasil em benefício de pessoa física ou jurídica residente no exterior.
91
Em contrapartida, o Artigo 10 do tratado internacional tributário entre o Brasil
e a Suécia (Decreto nº 70.053/76) dispunha, em seu Parágrafo 1º que “os
dividendos pagos por uma sociedade residente de um estado contratante a um
residente do outro estado contratante são tributáveis nesse outro estado”. E, em seu
Parágrafo 2º haveria a ressalva, aduzindo que: “Todavia, esses dividendos poder ser
tributados no estado contratante onde reside a sociedade que os paga, e, de acordo
com a legislação desse estado, mas o imposto assim estabelecido não poderá
exceder” 15% (quinze por cento), nos casos em que o beneficiário for uma
sociedade, e 25% (vinte e cinco por cento) nos demais casos. Já o Artigo 24,
também do tratado internacional, dispõe sobre a regra da “Não Discriminação”
aduzindo, em seu Parágrafo 1º que, os nacionais de um dos Estados terá o mesmo
tratamento tributário dos nacionais do outro Estado, estando, obviamente na mesma
situação.
Basta uma análise perfunctória das disposições para concluir que não seria o
caso de antinomia das normas, posto que o Artigo 77 da Lei 8.383/91 não vulnerava
a disposição do tratado internacional tributário firmado entre o Brasil e a Suécia ao
determinar a incidência tributária do Imposto de Renda Retido da Fonte (IRRF), no
patamar de 15% (quinze por cento), sobre o montante de dividendos remetidos por
fonte situada no Brasil para sociedade residente na Suécia. Isto porque, tal
disposição, em primeiro lugar, teria previsão no Parágrafo 2º do Artigo 10 do referido
tratado. Em segundo lugar, e, mais importante, a norma da “Não Discriminação”,
prevista no Artigo 24 do tratado internacional, refere-se a tratamento diferenciado
entre os nacionais dos dois Estados Soberanos (Brasil e Suécia), e, não tratamento
diferenciado entre residentes. Ou seja, e, a título de exemplo, um nacional brasileiro
residente na Suécia teria o mesmo tratamento de um sueco ali residente, mas não
teria o mesmo tratamento de um sueco residente no Brasil, que, contudo, deveria ter
o mesmo tratamento do brasileiro residente no Brasil.
O primeiro voto proferido foi do Ministro Teori Zavascki (naquela oportunidade
Ministro do Superior Tribunal de Justiça) que a princípio entendeu corretamente pela
inexistência de conflito, ressaltando que “o item 1. do art. 24 pressupões prefeita
identidade de situações entre os nacionais, o que não se verifica no caso, em que se
comparam sócios residentes no Brasil e na Suécia”. Contudo, e continuando em seu
voto, o Ministro Teori Zavascki afirmou, de maneira equivocada, que, caso houvesse
o apontado conflito, a solução a ser empregada seria a aplicação da norma interna
92
superveniente, destacando julgamento que teria realizado ainda no Tribunal
Regional Federal da 4ª Região.
Assim, manifestou filiar-se a equivocada jurisprudência que faz distinção entre
tratados-norma e tratados-contrato, ressaltando que, no caso dos tratados
internacionais para se evitar a dupla tributação da renda a classificação correta seria
como tratados-norma, e, portanto, não seria aplicável a regra do Artigo 98 do Código
Tributário Nacional (CTN), que teria sua aplicação limitada aos tratados-contrato.123
Em seguida, votou o Ministro José Delgado, que acabou se tornando o relator
para o acórdão. Não obstante tal fato, é de se destacar que o voto proferido pelo
Ministro José Delgado está eivado de vícios os quais aponta-se apenas alguns. Em
primeiro lugar, o Ministro José Delgado aplicou interpretação equivocada ao Artigo
98 do Código Tributário Nacional (CTN), aduzindo haver ali uma distinção de
tratamento entre tratados-norma e tratados-contrato. Em segundo lugar, e,
contrariando à colocação feita corretamente no voto do Ministro Teori Zavascki, o
Ministro José Delgado interpretou equivocadamente a regra do Artigo 24 do tratado
internacional tributário, referente a “Não discriminação”, aduzindo que não poderia
ser concedido tratamento diferenciado entre residentes e não residentes. Por fim, o
Ministro José Delgado, referindo-se a um “princípio de proibição de dupla incidência
tributária”, e, defendendo que o mesmo se sobreporia inclusive a normas
constitucionais, deveria ser aplicável ao caso para se evitar uma dupla tributação
econômica.
O equívoco, portanto, é evidente tendo em vista que o tratamento
diferenciado é aceitável para situações diversas, como é aquela em que um pessoa
123
Rocha (2013) faz duas constatações a respeito desse julgamento que vale destaque. A primeira
delas seria o fato de ser a primeira vez que haveria um conflito entre norma interna e norma de
tratado internacional para se evitar a dupla tributação da renda. Nesse sentido afirma que “a
decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial 426.945 é uma
das decisões mais importantes referentes à matéria ora sob exame, especialmente porque, pela
primeira vez, um caso em que se discutia um conflito entre uma norma interna e uma convenção
para evitar a dupla tributação da renda foi objeto de análise” Rocha (2013, p. 120). Contudo, vale
ressaltar que a matéria referente a conflito de norma interna com norma de tratado internacional
tributário já tinha sido objeto de discussão, inclusive analisando-se o Artigo 98 do Código
Tributário Nacional (CTN), conforme já apresentado. Em segundo lugar, Rocha (2013, p. 122)
ressalta que, no voto do Ministro Teori Zavaski foi classificado de maneira inovadora os tratados
internacionais tributários como tratados-norma, o que, em razão da errada distinção entre
tratados-norma e tratados-contrato, acarretariam a não abrangência pela norma do Artigo 98 do
Código Tributário Nacional (CTN): “a grande inovação presente no voto do Ministro foi a alocação
das convenções internacionais para evitar a dupla tributação da renda entre os tratados
normativos (em linha com a posição sustentada neste estudo), e assim fora do campo de
aplicação do artigo 98”.
93
de direito é residente e outra não é residente. Lado outro, também é equivocado
aduzir que a dupla tributação da renda seja princípio ou mesmo que os tratados
internacionais tributários, especialmente aqueles celebrados com base na
Convenção Modelo da OCDE, buscariam evitar a dupla tributação econômica da
renda. O que se busca é evitar a dupla tributação jurídica da renda, conforme bem
informado nos Comentários à Convenção Modelo analisados posteriormente.
Após os dois primeiros votos, o Ministro Francisco Falcão acompanhou o
Ministro José Delgado, e, o Ministro Luiz Fux acompanhou o voto do Ministro Teori
Zavascki. O empate veio com o voto proferido pela Ministra Denise Arruda,
acompanhando o voto do Ministro José Delgado.
Mas apesar de acompanhar o Ministro José Delgado, deve-se destacar o voto
da Ministra Denise Arruda posto que os seus fundamentos estão melhor
empregados. Primeiramente, ao analisar o Artigo 98 do Código Tributário Nacional
(CTN) não é feita nenhuma menção à equivocada distinção entre tratados-norma e
tratados-contrato. Após transcrever abalizadas lições da doutrina nacional a respeito
do tema, onde é defendido o primado do direito internacional através do Artigo 98 do
Código Tributário Nacional (CTN), a Ministra Denise Arruda confirma a
impossibilidade de norma interna posterior afastar a aplicação de norma
internacional.124
124
O trecho em que a Ministra Denise Arruda dispõe sobre o Artigo 98 do Código Tributário Nacional
(CTN) tem a seguinte redação: “O art. 98 do Código Tributário Nacional estabelece que 'Os
tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e
serão observados pela que lhes sobrevenha'. E, examinando o tema, ALBERTO XAVIER defende
a supremacia dos tratados internacionais sobre as leis internas, e, analisando o art. 98 do CTN,
menciona: "A conclusão de que os tratados têm supremacia hierárquica sobre a lei interna e se
encontram numa relação de especialidade em relação a esta, é confirmada, em matéria tributária,
pelo art. 98 do Código Tributário Nacional que, em preceito declaratório, dispõe que 'os tratados e
as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão
observados pela que lhes sobrevenha". Observe-se, em homenagem à exatidão, que é incorreta a
redação deste preceito quando se refere à 'revogação' da lei interna pelos tratados. Com efeito,
não se está aqui perante um fenômeno abrogativo, já que a lei interna mantém a sua eficácia
plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se, isso sim, de limitação da
eficácia da lei que se torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações,
limitação esta que caracteriza precisamente o instituto da derrogação e decorre da relação de
especialidade entre tratados e leis. Cumpre notar que a supremacia hierárquica dos tratados sobre
as leis internas tem como efeito proibir a sua revogação por leis internas subseqüentes, não sendo
porém o fundamento exclusivo da sua 'aplicação prevalente' (Anwendungsvorrang). É que,
ainda que tratado e lei ordinária tivessem paridade de valor hierárquico, a aplicação prevalente do
primeiro resulta diretamente de uma relação de especialidade." (Direito Tributário Internacional
do Brasil, 5ª ed., Forense, 2000, págs. 123⁄124). E conclui: "Observe-se, enfim, que o art. 98 do
Código Tributário Nacional, tendo natureza de lei complementar, contém um comando adicional
ao legislador ordinário, que veda a este, hierarquicamente, qualquer desobediência ao tratado."
(ob. cit., p. 125). No mesmo sentido é a lição de MACÊDO DE OLIVEIRA, comentando o art. 98 do
CTN: "Os tratados e convenções internacionais, celebrados pelo Presidente da República, uma
94
Contudo, a interpretação dada ao Artigo 24 do tratado internacional, assim
como aquela dada pelo Ministro José Delgado foi equivocada, posto que a norma
interna brasileira não faz distinção em razão da nacionalidade, mas, sim, em razão
da residência.
Assim, e, voltando para o Supremo Tribunal Federal, cabe fazer alguns
destaques com relação ao voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, onde começa
a ficar evidenciado uma nova posição daquela corte constitucional, adotando o
Monismo com primazia do direito internacional.
O Ministro Gilmar Mendes faz referência ao julgamento do Recurso
Extraordinário nº 466.343 – São Paulo, cujo relator foi o Ministro Cezar Peluso, e, a
data do julgamento foi o dia 5 de Junho de 2009. Tal julgamento procede a uma
nova visão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito dos tratados
internacionais, especificamente aqueles que versam sobre direitos humanos, e, que
a partir da Emenda Constitucional 45 de 2004 passaram a poder ter hierarquia de
vez aprovados pelo Congresso Nacional através de decretos legislativos, prevalecem sobre o
direito interno. Os países, como os indivíduos, promovem acordos, realizam convênios, para a
solução de questões comuns e recíprocas, os quais, no campo tributário, são muito empregados
para evitar a bitributação internacional e em matéria de tarifas alfandegárias (incidentes sobre o
comércio exterior). Embora se estabelecesse, originariamente, a distinção entre tratado e
convenção considerando a natureza política daquele e a não-política deste, hoje se reconhece o
uso das expressões como sinônimas. Em suma, os tratados e convenções internacionais, se
ratificados pelo Poder Legislativo, funcionam como regras de direito, com eficácia interna, como os
demais atos legais, aos quais, todavia, se sobrepõem, segundo prescreve este artigo." (Código
Tributário Nacional, ed. Saraiva, 1998, p. 241). Por tal razão é que SACHA CALMON NAVARRO
COÊLHO refere que "Quando o art. 98 do CTN, que só pode ser mudado por outra lei
complementar - e portanto sob o ponto de vista material é lei complementar - , dispõe que o
tratado revoga a legislação tributária interna e não pode ser revogado pela legislação tributária
interna superveniente, o art. 98 do CTN não está se referindo apenas à legislação federal. Referese às legislações parciais da União, dos Estados e dos Municípios, que juntas formam a ordem
jurídica tributária total do Estado Brasileiro, como é da índole do Estado Federal. Não menos do
que por isso, o Ministro Rezek, que pertenceu à Suprema Corte, pôde dizer que o art. 98 construiu
no domínio tributário uma regra de primado do direito internacional sobre o direito interno ('Tratado
e Legislação Interna em Matéria Tributária - ABDF n. 22)." (in "Tratados Internacionais em Matéria
Tributária (Perante a Constituição Federal do Brasil de 1988)', 'Revista de Direito Tributário" n. 59,
p. 185). Também MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, integrando um grupo de tributaristas que
comentou o Código Tributário Nacional (5ª ed., Forense, p. 204⁄205), ao discorrer sobre o art. 98
do CTN e citando Fábio Fanucchi, salienta "... que comumente ocorre que determinada situação
tributável se submeta a uma pluralidade de poderes impositivos, de Estados soberanos distintos.
Desde que ocorrida essa circunstância e a fim de evitar que o sujeito passivo se subordine a
várias imposições perante um só fator de avaliação de sua capacidade contributiva, surgem os
tratados e convenções internacionais que, no seu contexto, declaram pretender evitar a
bitributação internacional." E, para arrematar, lembre-se o que afirmou ALIOMAR BALEEIRO,
dizendo que o art. 98 do CTN expressa a hierarquia do tratado sobre a legislação tributária
antecedente ou superveniente (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed., Forense, p. 639, atualizada
por Misabel Abreu Machado Derzi). Assim, observado o real alcance do multicitado art. 98 do
CTN, que veda o desrespeito ao tratado internacional ou a sua alteração por lei interna, há que se
examinar o preceito normativo constante da Convenção, especialmente o alusivo ao item que
obsta a discriminação tributária em se considerando a nacionalidade dos sócios - se residentes ou
não no País.” (Brasil, 2004).
95
emenda constitucional. Naquela oportunidade, e, juntamente com decisões
proferidas em outros julgados sobre o tema, foi destacado que esta espécie de
tratados internacionais, que versam sobre direitos humanos, teriam caráter
supralegal
(prevalecem
sobre
a
lei
interna,
mas
submetem-se
ao
texto
constitucional).
A conclusão que a princípio serviria para os tratados internacionais que
versassem sobre direitos humanos foi estendida no voto do Ministro Gilmar Mendes
para os demais tratados, e, especificamente tratou dos tratados internacionais
tributários, aduzindo alguns dos fundamentos sobre as razões da primazia do direito
internacional citados ao longo do presente estudo, como o princípio do pacta sunt
servanda e da boa-fé.
Conclui, sob tais fundamentos, alinhado ao atual cenário internacional, pela
supremacia do direito internacional ressaltando que:
Dessa forma, à luz dos atuais elementos de integração e abertura do
Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o
entendimento que privilegia a boa-fé e a segurança dos pactos
internacionais revela-se mais fiel à Carta Magna. (Brasil, 2011)
Além conferir uma interpretação correta ao Artigo 98 do Código Tributário
Nacional (CTN), o voto do Ministro Gilmar Mendes também foi acertado ao afastar a
equivocada tese de tratamento diferenciado entre tratado-norma e tratado-contrato,
declarar a adoção do Monismo com primazia do direito internacional, e, aduzir que,
no caso em tela, não haveria ofensa da norma interna, o que afasta a interpretação
equivocada dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).125
125
“Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais
tributárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e
municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual
cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por esta Corte. Como
enfatizei no voto do RE 466.343/SP, o texto constitucional admite a preponderância das normas
internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades
normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público. [...]
Assim, a aprovação pelo Congresso Nacional e a ratificação pelo Presidente da República
constituem regras de importância fundamental para a validade das normas tanto no plano
internacional quanto no plano interno. Em outras palavras, a República Federativa do Brasil, como
sujeito de direito público externo, não pode assumir obrigações, nem criar normas jurídicas
internacionais, à revelia da Carta Magna, mas deve observar suas disposições e requisitos
fundamentais para vincular-se em obrigações de direito internacional. Destaque-se que a
aprovação do texto do tratado e a ratificação pelo Presidente da República são necessários,
porém não suficientes à existência da norma internacional. Daí que a inaplicabilidade de
disposições previstas em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo
Executivo é possível, tanto no âmbito interno quanto no internacional, no caso de ausência de
96
4 CONFLITO ENTRE NORMAS ANTIELISIVAS E TRATADOS INTERNACIONAIS
TRIBUTÁRIOS
A antinomia jurídica ou conflito de normas como pode ser conceituada,
segundo Diniz (2007, p.19-20) como “a presença de duas normas conflitantes, sem
que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular”. No conflito, ou
antinomia, real, três seriam os elementos necessários para a sua concretização:
incompatibilidade, indecidibilidade, e, necessidade de decisão. Neste sentido, o
conflito aparente de normas, como é o caso ora estudado, seria aquele em que é
possível vislumbrar critérios para afastar qualquer dúvida a respeito de uma
incompatibilidade. Lado outro, o conflito será real se, “após a interpretação
adequada das duas normas, a incompatibilidade entre elas perdurar.”
Com base na doutrina de Noberto Bobbio (1994)126 , Grupenmacher (1999)
aduz que existe uma segunda forma de conflito que configuraria como um conflito de
segundo grau, onde a lei posterior é geral e a anterior (o tratado) seria uma regra
ratificação pelo outro Estado-parte ou de não concretização de alguma outra condição prevista.
Ora, se o texto constitucional dispõe sobre a criação de normas internacionais e prescinde de sua
conversão em espécies normativas internas – na esteira do entendido no RE 71.154/PR, Rel. Min.
Oswaldo Trigueiro, Pleno, DJ 25.8.1971 – deve o intérprete constitucional inevitavelmente
concluir: (i) que os tratados internacionais constituem, por si sós, espécies normativas
infraconstitucionais distintas e autônomas, que não se confundem com as normas federais, tais
como decreto- legislativo, decretos executivos, medidas provisórias, leis ordinárias ou leis
complementares; e (ii) que a Carta Magna não respalda o paradigma dualista. [...] Como exposto,
o tratado internacional não necessita ser aplicado na estrutura de lei ordinária ou lei
complementar, nem ter status paritário com qualquer deles, pois tem assento próprio na Carta
Magna, com requisitos materiais e formais peculiares. Dessa forma, à luz dos atuais elementos de
integração e abertura do Estado à cooperação internacional, tutelados no texto constitucional, o
entendimento que privilegie a boa-fé e a segurança dos pactos internacionais revela-se mais fiel à
Carta Magna. No mínimo, a Constituição Federal permite que norma geral, também recebida
como lei complementar por regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II e
III, da CF/1988), garanta estabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária, em
detrimento de legislação infraconstitucional interna superveniente, a teor do art. 98 do CTN, como
defende autorizada doutrina (cf. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6a ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 132; BORGES, Antônio de Moura. Convenções sobre Dupla
Tributação Internacional. Teresina: EDUFPI, 1992. pp. 141/142; MACHADO, Hugo de Brito. Curso
de Direito Tributário. 26a ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.98/99; TÔRRES, Heleno.
Pluritributação Internacional sobre as Rendas de Empresas. 2a ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. pp. 578- 582; BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da Isenção Tributária. 3a
ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 290-292; e AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. In
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. 4a ed. São Paulo:
Saraiva, 2006. pp.39/44, entre outros). Registre-se que, nessa linha, a recepção do art. 98 do CTN
pela Constituição Federal independe da desatualizada classificação em tratados-contratos
(contractual treaties, traités-contrats, rechtgeschäftlichen Verträge) e tratados-leis (law-making
treaties, traités-lois, rechtsetzende Verträge), que, aliás, tem perdido prestígio na doutrina
especializada (cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
28-29; SHAW, Malcom. International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 812;
VERDROSS & SIMMA. Universelles Völkerrecht. Berlin: Duncker und Humblot, 1984. p. 339;
HERDEGEN, Matthias. Völkerrecht. 4a ed. München: Beck, 2005. pp. 112-113).” (Brasil, 2011)
126
BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4. ed. Brasília : Unb, 1994.
97
específica. Nesta situação ocorreria um verdadeiro conflito de critérios para a
solução de incompatibilidade de normas. Segundo Bobbio (1994)
127
apud
Grupenmacher (1999), neste caso, o critério da especialidade prevaleceria, contudo,
ressalta a autora que tal análise ficaria bastante difícil, sendo necessário observar
atentamente o caso concreto.
Machado (2003, p.30) esclarece que um conflito, ou antinomia, entre uma
norma interna e uma norma de tratado internacional será aparente quando esta
segunda seja uma norma especial, sendo resolvido pelo critério da especialidade.
Sobre o conflito de normas Grupenmacher (1999, p.104) ainda ressalta que,
com base na lição de Maria Helena Diniz (1987) 128 é possível entender que as
normas de tratados internacionais “sejam conflitantes com as normas internas de um
dado Estado”, e que “em tal situação, estar-se-á diante de um conflito aparente de
normas”.
4.1 Conflito entre normas internas e normas de tratados internacionais
Durante Seminário da IFA realizado na cidade do Rio de Janeiro em 1989
Rezek (1989) afirmou que existiria, naquela ocasião, uma posição majoritária entre
os Estados Soberanos no sentido de normas internas e normas internacionais
possuírem o mesmo grau hierárquico. Contudo, ainda naquela ocasião foi lembrado
que o sistema tributário brasileiro possuía a peculiaridade do Artigo 98 do Código
Tributário Nacional (CTN). Ademais, alguns Estados teriam incluído em suas
constituições previsões no sentido de que os tratados internacionais teriam
prevalência sobre as normas internas, dando como exemplo a Constituição da
França de 1958, Artigo 55, a Constituição da Grécia de 1975, em seu Artigo 28,
parágrafo 1º, e, a Constituição do Peru, de 1979, em seu Artigo 101.
Como demonstrado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem
encaminhado para uma posição onde haveria uma primazia do direito internacional,
e, que o ordenamento jurídico brasileiro adotaria o Monismo. Assim, e, ainda de
acordo com recente posição do Supremo Tribunal Federal, o conflito aparente entre
normas de tratados internacionais e normas internas é resolvido pelo critério da
hierárquica, sendo que as primeiras teriam grau hierárquico superior. Tal
127
128
BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4. ed. Brasília : Unb, 1994.
DINIZ, Maria Helena. Conflitos de Normas. São Paulo : Saraiva, 1987.
98
constatação oriunda do voto do Ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário
460.320, ainda pendente de julgamento (Volvo vs. União Federal), leva à conclusão
de que a norma contida no Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN)
corresponda a uma ratificação da superioridade hierárquica dos tratados
internacionais tributários.
4.1.1 Primado do Direito Internacional em face da corrente monista e dualista
Certo é que ao tratar de conflito entre normas de tratados internacionais, pode
ocorrer o embate entre normas de dois tratados internacionais distintos, como
também poderá haver o conflito entre normas de um determinado tratado
internacional, de um lado, com normas internas de um dos Estados Soberanos
signatários, do outro lado. De qualquer forma, uma análise específica sobre os
conflitos deve ser feita, de maneira mais concreta, analisando tanto na hipótese de
adoção do Dualismo como do Monismo.
No Monismo, o conflito de normas de um tratado internacional e normas
internas é mais perceptível, e, dependendo do ordenamento jurídico, haverá tanto a
preferência (primazia) do direito internacional, como também poderá ocorrer em
relação ao direito interno. Ademais, a paridade hierárquica também é possível, e,
nesses casos, a especialidade acaba surgindo como um critério de solução para a
antinomia jurídica aparente.
Em contrapartida, inicialmente fica difícil perceber uma primazia de normas de
tratados internacionais e normas internas naqueles ordenamentos jurídicos que
adotam o dualismo. Partindo do pressuposto que nessa sistemática os tratados
internacionais, para serem aplicados no ordenamento jurídico interno, devem ser
transformados em normas internas (ou ao menos deve haver uma ordem de
execução para tanto), a paridade hierárquica parece ser evidente.
Em tais situações, o critério da especialidade também surge como hipótese
de solução de conflito aparente das normas em questão. Não obstante tal fato, nada
impediria que a Constituição da República de 1988 contivesse disposição no sentido
de garantir superioridade hierárquica para as normas internas resultantes da
transformação de tratados internacionais.
Portanto, diante de um caso concreto de conflito entre norma de tratado
internacional e norma interna, o julgador deve, em primeiro lugar averiguar se a
99
norma interna é anterior à norma do tratado internacional. Caso essa seja a situação
concreta, a solução para o conflito aparente entre as normas é de fácil solução
bastando a aplicação do critério cronológico (lex posterior priori derogat).
Contudo, a situação pode ser um pouco mais complexa quando a norma
interna é posterior a norma do tratado internacional. Assim, nos Estados Soberanos
que adotam a primazia do direito internacional, sejam pelo Monismo ou pelo
Dualismo, a norma interna não terá aplicação sobre aquelas situações abrangidas
pelas normas dos tratados internacionais. Seria, por exemplo, o que dispõe o Artigo
98 do Código Tributário Nacional (CTN), ao aduzir que a legislação tributária
superveniente deve observar os tratados internacionais tributários. Ressaltamos,
novamente, que mesmo no Dualismo, onde a paridade hierárquica seria a conclusão
lógica, a primazia do direito internacional poderá advir de disposição constitucional
(ou seja do direito interno), assegurando a observância do princípio da boa fé e do
princípio do pacta sunt servanda.
Nessas situações pode-se aduzir que tal entendimento e construção jurídica
no Estado Soberano nada mais seria do que uma previsão ética para o cumprimento
daquilo que foi pactuado com outro Estado Soberano.
Lado outro, também existem os Estados Soberanos onde as normas internas
e as normas dos tratados internacionais possuem paridade hierárquica. Nessas
situações o princípio da primazia do direito internacional, proveniente do princípio do
pacta sunt servanda, não seria observado, e, a norma posterior revogará a norma
anterior. É o caso da chamada “doutrina Matter” que foi consagrado na França.
4.1.2 Análise em face da Constituição da República de 1988
Analisando a questão do conflito das normas de tratados internacionais com
normas internas sob o enfoque das disposições da Constituição da República de
1988, a primeira observação a ser feita é que o texto constitucional está eivado de
passagens onde encontram-se referências diretas a competência de julgamentos
das normas de tratados internacionais e de determinação de inconstitucionalidade
das mesmas.
Nesse sentido o Artigo 109, inciso III, da Constituição de 1988 aduz que “aos
juízes federais compete processar e julgar as causas fundadas em tratados ou
contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional”. O Artigo
100
105, inciso III, alínea “a” da Constituição de 1988 aduz sobre a competência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o julgamento de recurso especial “quando a
decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. O Artigo
102, inciso III, alínea “b” também da Constituição de 1988 destaca a competência do
Supremo Tribunal Federal (STF), na qualidade de guardião da Carta Constitucional,
para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal”.129
Essa simples constatação acarreta em duas conclusões. A primeira é que,
pelo texto constitucional, pode-se dizer que os tratados internacionais são
reconhecidos como normas pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro. Isto
quer dizer, em outras palavras, que não é necessária a transformação dos tratados
internacionais em norma interna, e, portanto, o Brasil adota o Monismo. Na hipótese
em que fosse adotado o Dualismo, as disposições constitucionais em análise não
iriam se referir aos tratados internacionais, bastando somente a referência às leis
internas, posto que aqueles seriam incorporados no ordenamento jurídico brasileiro
através da transformação em lei.
129
Nesse sentido, Xavier (2002, p. 120-121): ““Em matéria de competência do Poder Judiciário a
Constituição estabelece no art. 109, inciso III que aos juízes federais compete processar e julgar
“as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo
internacional”; no art. 104, inciso III, alínea a) determina que compete ao Superior Tribunal de
Justiça julgar, em recurso especial, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou
negar-lhes vigências; e no art. 102, inciso III, alínea d) dispõe que compete ao Supremo Tribunal
Federal julgar, em recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a
inconstitucionalidade do tratado ou lei federal”. Estas disposições reconhecem que os tribunais
têm competência para apreciar direitos subjetivos emergentes diretamente dos tratados
internacionais. Ora, se os direitos decorrem diretamente dos tratados, isto significa que eles têm a
sua origem em normas internacionais, não previamente convertidas em leis internas. É que, caso
esta conversão existisse, não faria sentido a clara dicotomia que a Constituição estabelece entre
“tratado ou lei federal” ao prever a possibilidade de ambos serem contrariados por decisões
judiciais e a possibilidade de ambos ofenderam a Constituição. Daqui decorre que os tratados são
fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como
tal, perante os tribunais (princípio da eficácia direta e imediata); e que, conseqüentemente, à
interpretação dos seus preceitos são aplicáveis as regras de hermenêutica que vigoram quanto
aos tratados e não as que respeitam à legislação interna de cada Estado contratante”. As
previsões acima mencionadas para o julgamento pelas cortes brasileiras de normas dos tratados
internacionais levam ao entendimento, segundo Xavier (2002, p. 121), de que a análise é de
direitos e deveres oriundos diretamente de normas internacionais, posto que, caso assim não
fosse, desnecessária seria a menção a tratados internacionais nos dispositivos constitucionais.
Conclui, portanto, que os tratados internacionais são “fonte imediata de direitos e obrigações para
os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia
direta e imediata)”. O que leva a uma interpretação baseada nos princípios do direito internacional
público.
101
A
segunda
constatação
que
pode
ser
auferida
pelos
dispositivos
constitucionais é a de que os tratados internacionais estão hierarquicamente abaixo
do texto constitucional, já que eles podem ser considerados inconstitucionais.130
Nesse diapasão, mais uma vez vale a ressalva ao julgamento do Recurso
Extraordinário 460.320 (Volvo vs. União Federal), onde apesar de ser conferido
caráter supralegal aos tratados internacionais, é clarificado que estes não poderiam
ser hierarquicamente superiores à própria Constituição da República de 88.
Outros dois dispositivos do texto constitucional brasileiro que se deve atenção
em uma análise sobre conflito de tratados internacionais com normas internas são o
Parágrafo único do Artigo 4º, e, o Parágrafo 2º do Artigo 5º. O Parágrafo único do
Artigo 4º da Constituição de 1988 trata da busca pelo Estado brasileiro de
“integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Já o
Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição de 1988 dispõe que “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Assim, haveria um indício de que os tratados internacionais que buscam a
integração econômica, política, social e cultural entre os países da América Latina,
bem como a formação de comunidades internacionais, teriam supremacia em
relação a normas internas que mesmo posteriores dispusessem de forma contrária.
Obviamente tal constatação seria muito mais em vista da disposição do dispositivo
constitucional do Parágrafo único do Artigo 4º do que da norma internacional.131
130
Aduz, ainda, Schoueri (1995, p. 100) que a Constituição Federal de 1988 reconhece, em diversas
passagens, a possibilidade de um tratado internacional ser inconstitucional. Dessa modo, pode ser
aventada, de maneira lógica, que o texto constitucional é hierarquicamente superior à norma
internacional proveniente do tratado internacional, e, que essa última pode ser considerada e
declarada inconstitucional. Nesse sentido: “Foi reconhecida, pelo próprio constituinte, a
possibilidade de um tratado ser inconstitucional, de onde se pode extrair a conclusão de que o
texto da norma internacional que contrariar dispositivo da Carta será taxado de inconstitucional.
Daí, portanto, a colocação da Constituição, hierarquicamente acima dos tratados internacionais”
(SCHOUERI, 1995, p. 100).
131
Com relação a questão da superioridade dos tratados internacionais frente a leis ordinárias
posteriores, Grupenmacher (1999) faz menção à previsão do parágrafo único do Artigo 4º da
Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a busca de integração econômica com os demais
países da América Latina. Nesta linha, fazendo menção a lição de Hamilton Dias de Souza (1997)
aduz que para parte da doutrina bastaria tal dispositivo constitucional para que fosse assegurado
a supremacia dos tratados internacionais em tais situações. Rezek (REZEK, Francisco. Tratados
e suas relações com o ordenamento jurídico interno: antinomia e norma de conflito, Revista
do Centro de Estudos Judiciários. Brasília: [s.n.], 2, v. 1, 1997) apud Grupenmacher (1999)
102
Já a norma do Paragrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988
provavelmente é a mais importante em termos de análise de conflito de normas
internacionais e normas internas. Tal disposição, como já mencionado, trata da
recepção plena de tratados internacionais que versão sobre direitos e garantias
individuais132 . Basta esse dispositivo para novamente concluir que, especificamente
com relação aos tratados internacionais que tratem de direitos e garantias
fundamentais, as normas internacionais devem ser observadas pela normas
internas, mesmo aquelas posteriores.
Apesar de dispor apenas sobre tratados internacionais que versam sobre
direitos e garantias fundamentais, a opção pelo Monismo ali concebida pode ser
estendida e entendida de maneira geral para todas as normas internacionais133. Ou
seja, a consagração do Monismo na norma em questão sugere que todas as normas
internacionais integram o ordenamento jurídico brasileiro. Pensar de maneira diversa
seria entender que o ordenamento jurídico adotaria o Monismo para determinadas
espécies de normas internacionais, e, o Dualismo para outras, o que logicamente
seria inviável.
entende que o Brasil é um país “inibido” em relação ao propósito integracionalista, posto que não
se busca uma “integração econômica” assumindo todas as consequências e riscos necessários
para tanto, assumindo, dessa forma, uma postura mais conservadora.
132
Nessa linha, Alberto Xavier e Helena A. L. Xavier (XAVIER, Alberto; XAVIER, Helena de Araújo
Lopes. Tratados: Superioridade hierárquica em relação à lei face à Constituição Federal p.
40), apud Grupenmacher (1999) entendem que os tratados internacionais que versam sobre
matéria tributária corresponderiam a espécie de tratados internacionais que versam sobre direitos
e garantias individuais, e, portanto, teriam, de acordo com a norma do Artigo 5º, parágrafo 2º da
Constituição Federal de 1988 recepção plena. Este entendimento, contudo, é visto pela autora
como equivocado e que desvirtua a intenção do legislador constituinte.
133
Analisando ainda a questão da superioridade hierárquica dos tratados em matéria de direitos e
garantias, Xavier (2002, p.120) faz referência ao posicionamento de Heleno Tôrres (TÔRRES,
Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresa, São Paulo, 1997, p.
388),que aponta um caráter excepcional à regra do Artigo 5º, §2º da Constituição Federal de 1988,
ao entender que a “cláusula geral de recepção plena”, ali presente, seria única para aqueles
tratados. Ou seja, para os demais tratados internacionais, imprescindível a “transformação” em
norma interna ou a ordem de execução, por meio do Congresso Nacional com a edição do decreto
legislativo. Logicamente Xavier (2002, p.120) discorda de tal posicionamento, seja porque entende
incabível dentro de uma mesma ordem jurídica comportar a teoria monista para algumas espécies
de tratados internacionais (tratados internacionais que versam sobre direitos e garantias), e, a
teoria dualista para os demais tratados internacionais. Lado outro, ressalta, também, que o
procedimento é o mesmo para ambos os casos, dando destaque para o referendo do Congresso
Nacional que ocorre para todos os tipos de tratados internacionais, inclusive para aqueles que
tratam de direitos e garantias. Assim sendo, tornaria um absurdo entender que o mesmo ato,
realizado pelo Congresso Nacional através de decreto legislativo e consistente no referendo, teria
em certos casos natureza de ordem de execução para os tratados internacionais de maneira
generalizadas, enquanto não possuiria a mesma natureza nos tratados internacionais referentes a
direitos e garantias.
103
A superioridade hierárquica dos tratados internacionais que tratam de direitos
e garantias fundamentais é também ressaltada pela interpretação literal das norma
do Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988134135 . Mas, destaca-se
que, a partir da análise desse dispositivo, bem como do Parágrafo 3º, também do
Artigo 5º, inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional 45 de 2004, o
Supremo Tribunal Federal (STF) começou a estender a ideia de Monismo com
primado do Direito Internacional para os demais tratados internacionais, conforme se
infere através da conclusão a que se chegou o Ministro Gilmar Mendes no seu voto
proferido no Recurso Extraordinário 460.320 – Paraná (Volvo vs. União Federal –
pendente de julgamento definitivo),136 visto acima.
134
Segundo Xavier (2002, p. 113-115): “São seis os argumentos fundamentais em que assenta a tese
de superioridade hierárquica dos tratados em face à lei interna perante a Constituição de 1988: (i)
a Constituição Federal consagrou o sistema monista como cláusula geral de recepção plena (art.
5º, § 2º), o que significa que os tratados valem na ordem interna como tal e não como leis
internas, apenas sendo suscetíveis de revogação ou denúncia pelos mecanismos próprios do
direito dos tratados; (ii) o art. 5º, §2º, da Constituição Federal atribui expressa superioridade
hierárquica aos tratados em matéria de direitos e garantias fundamentais, entre os quais se inclui
a matéria tributária (art. 150, “caput”); (iii) os Tribunais aplicam os tratados como tal e não como lei
interna; (iv) a celebração dos tratados é ato da competência conjunta do Chefe do Poder
Executivo e do Congresso Nacional (art. 84, inciso VIII e art. 49, I), não sendo portanto admissível
a sua revogação por ato exclusivo do Poder Legislativo; (v) O artigo 98 do Código Tributário
Nacional – que é lei complementar que se impõe ao legislador ordinário – é expresso ao
estabelecer a superioridade hierárquica dos tratados, sendo inadmissível restringir essa
superioridade apenas a algumas espécies ou modalidades, não distinguidas por lei; (vi) nem o
decreto legislativo, que formaliza o referendo do Congresso Nacional, nem o decreto do
Presidente da República, que formaliza a promulgação, têm o alcance de transformar o tratado em
lei interna.”
135
Xavier (2002, p.116) ressalta que a posição da jurisprudência (naquela época firmada - 2002), no
sentido de haver uma paridade hierárquica entre as normas internacionais e as normas internas, é
fundamentada com base na análise da Constituição pretérita onde, conforme aduzido por Rezek
(REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 2ª edição, São Paul 1991) apud Xavier
(2002, p.116), faltaria uma “garantia de privilégio do tratado internacional sobre as leis do
Congresso”. Nesse mesmo sentido, é feita referência a Hamilton Dias de Sousa (SOUZA,
Hamilton Dias de. Tratados Internacionais – OMC e Mercosul. Revista Dialética de Direito
Tributário. São Paulo : Dialética, 1997) apud Xavier (2002, p.116) que ressalta que a conclusão
auferida pelo julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 foi em razão dos “intérpretes não
terem se detido na análise dos dispositivos sobre tratados como contidos na Carta Constitucional
de 1988”. Notadamente, Xavier (2002) entende que os tratados internacionais tributários estariam
inclusos entre aqueles que tratam dos direitos e garantias dos indivíduos, e, portanto,
imprescindível seria a aplicação do disposto no §2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988,
onde é expresso que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”.
136
“Na ocasião, em que foram apreciados em conjunto também o RE 349.703/RS, em que fui redator
para o acórdão, Pleno, DJ 5.6.2009, e o HC 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, a maioria
do Plenário entendeu que as convenções internacionais de direitos humanos têm status
supralegal, isto é, prevalecem sobre a legislação interna, submetendo-se apenas à Constituição
Federal, contra os votos dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau,
que avançavam ainda mais e reconheciam o status constitucional desses tratados. O RE
349.703/RS, restou assim ementado, no pertinente [...] Dessa forma, não só o fenômeno da
substituição de um arcaico Estado voltado para sim por um “Estado Constitucional Cooperativo”,
104
Outro ponto extremamente importante no análise do Parágrafo 2º do Artigo 5º
da Constituição Federal de 1988 diz respeito a recepção plena 137 dos tratados
internacionais e que seria uma constatação da adoção do Monismo. Ademais, essa
recepção plena aduzida no Parágrafo 2º do Artigo 5º da Constituição Federal de
1988 também serviria para fortalecer a supremacia dos tratados internacionais em
face das normas internas uma vez que sendo recepcionados de maneira plena não
podem ser afastados por normas infraconstitucionais internas posteriores.138
como identificado pelo Professor Peter Häberle, como o próprio texto da Carta Magna, sobretudo
com as alterações da EC 45/2004, exigem essa nova interpretação da relação entre direito
internacional e normas infraconstitucionais internas” (BRASIL, 2011, p. 23-24).
137
Uma outra justificativa apresentada por Xavier (2002, p.116-117) para demonstrar a superioridade
hierárquica dos tratados internacionais em frente às normas internas seria o fato de que aqueles
são recepcionados na ordem interna através da “cláusula geral de recepção plena”, e, portanto,
como normas internacionais de direito internacional público, e, não como norma interna. Assim
sendo, consequentemente “só podem ser celebrados, revogados ou denunciados pelos
mecanismos que lhes são próprios e não pelos mecanismos que valem para as leis internas”.
Logo, as normas internas não teriam o condão de denunciar ou mesmo revogar as normas dos
tratados internacionais, e, tal fato por si só consistiria na apontada supremacia.
Consequentemente, a referida “cláusula geral de recepção plena” demonstraria que o
ordenamento jurídico brasileiro teria adotado o “sistema de recepção automática plena”, nos
dizeres de Xavier (2002, p.116-117), o que rejeitaria a hipótese de transformação da norma
internacional em norma interna, e que, caso ocorresse poderia acarretar lei com paridade
hierárquica às leis ordinárias existentes no ordenamento. Contudo, o referendo do Congresso
Nacional, que consiste em um decreto legislativo não possui a natureza jurídica de lei. A referida
“cláusula geral de recepção plena”, destacada por Xavier (2002, p. 117-118) é explicada por ele
como oriunda da teoria monista (analisada em seção anterior) e consagrada no direito brasileiro, o
que acarreta que a norma do tratado internacional pactuado pelo Brasil passa a vigorar no
ordenamento jurídico como norma de direito internacional público e não como norma interna
transformada. Tal fato justificaria, como já ressaltada, a falta de paridade hierárquica, e, a entrada
em vigor de maneira independente à qualquer conversão legal. Seria o “princípio da aplicabilidade
direta e imediata”, portanto. Não obstante a lógica traçada em sua conclusão, Xavier (2002, p.118)
pondera que, no plano jurisprudencial, referida linha de raciocínio ainda não fora completamente
implementada. Voltando à disposição do §2º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, Xavier
(2002, p.118-119) ressalta que além da norma constitucional servir como “cláusula geral de
recepção plena” dos tratados internacionais, ainda teria um alcance mais amplo no sentido de
impossibilitar que novas leis sejam promulgadas buscando uma limitação de direitos e garantias
consagradas em tratados internacionais. Xavier (2002, p.119) ainda ressalta que os tratados
internacionais quando garantem direitos e garantias fundamentais além daqueles previstos no
texto constitucional irão prevalecer sobre esses, posto que terão uma natureza mais ampla e mais
forte. Ademais, entende que em matéria tributária, face o disposto no Artigo 150, caput, da
Constituição Federal de 1988, o tratamento a ser dado é de direito e garantias, o que resultaria um
tratamento não apenas “supralegislativo”, mas também “supraconstitucional”.
138
Em entendimento diverso ao exposto nesse tópico, ou seja, de que a Constituição Federal de 1988
adota o Dualismo, Tôrres (2001b, p. 569 e ss.) discorrendo sobre a “relação entre normas de
Direito Internacional e direito interno à luz da Constituição Federal”, esclarece que mesmo sendo
entendimento majoritário no sentido de não haver qualquer disposição concernente à recepção
dos tratados internacionais na ordem interna brasileira e ao grau hierárquico de tais normas,
entende ser possível retirar algumas conclusões através de uma interpretação sistemática de
algumas disposições. Ademais, ressalta que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal,
através do Ministro Celso de Mello, segundo a qual os tratados internacionais se incorporam no
ordenamento interno no mesmo plano de validade que as leis ordinárias, e, portanto, teriam uma
paridade hierárquica com elas, é totalmente descabida de fundamentação lógica constitucional.
Analisando a questão, Tôrres (2001b) inicia por fazer referência ao preâmbulo constitucional, que
105
4.1.3 O critério da especialidade
É necessário fazer menção ao critério da especialidade. O critério da
especialidade seria um critério para solução de conflitos aparentes de normas de
mesmo
grau
hierárquico.
Assim,
quando
duas
normas
hierarquicamente
equivalentes dispusessem de forma distinta sobre determinado assunto, uma das
formas de solução utilizadas para resolver a pendência da aplicação ao caso
concreto seria a especialidade. Aquela norma que fosse mais específica para o caso
em concreto seria a aplicável, enquanto que a norma que fosse mais geral seria
afastada.
A especialidade como solução para conflito de normas pode não ser o mais
adequado em determinadas situações. Isto porque nem sempre o conflito irá ocorrer
entre uma norma que pode ser considerada geral e outra considerada especial.
Nesse diapasão, e, a título de exemplo, podemos encontrar uma norma geral
(Norma 1) onde está determinado a alíquota “X” para o imposto de importação. Em
contrapartida, outra norma (Norma 2), mais específica, pode estabelecer que a
por sua vez destaca o compromisso com a ordem internacional, e, em relação aos conflitos
internacionais, a Constituição Federal acaba por fazer uma leve menção à existência de um
“dualismo de ordens jurídicas”. Ademais, destaca ainda dispositivos constitucionais que não só
demonstram a opção do legislador constitucional pela adoção do dualismo jurídico, como também
destaca o princípio da primazia do direito internacional, tanto em face de leis ordinários como em
face de leis complementares. Assim sendo, demonstra que o texto constitucional possui uma
atenção e compromisso com a ordem internacional, seja conferindo prevalência aos tratados
internacionais, seja ainda exigindo que estes tenham uma subordinação hierárquica àquele (com a
exceção dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, cujas regras são
distintas). Dessa forma, estando o posicionamento dos tratados internacionais em face da
Constituição Federal de 1988 esclarecido, Tôrres (2001b, p.574-576) passa a analisar a existência
de conflito com as normas internas infraconstitucionais. Citando Lourival Vilanova (VILANOVA,
Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo, São Paulo: Educ, 1977 p.174)
estabelece que podem existir simultaneamente no mesmo sistema regras contraditórias, mas que
a aplicação das mesmas não poderá ser simultâneo, e, para isto existem os três critérios clássicos
para resolver as contradições destes conflitos: critério temporal (a norma posterior prevalece);
critério hierárquico (norma superior prevalece); e, critério da especialidade (norma especial
prevalece). Não obstante tais regras de conflitos, Tôrres (2001b) esclarece que em face do
princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno “infraconstitucional”, elas não
seriam necessárias. Assim, em grau conclusivo, Tôrres (2001b, p.577) apresenta três assertivas.
A primeira é que ao tratar de análise de constitucionalidade de tratados e leis, o texto
constitucional estaria se posicionando a favor do dualismo, sendo que na ordem interna, o tratado
internacional permanece como tratado e não como lei. Outro fator que demonstra tal fato é a
segunda assertiva referente à competência dos juízes federais para a análise dos tratados
internacionais. Por fim, como terceira assertiva conclusiva, haveria uma prevalência dos tratados
internacionais sobre as leis internas infraconstitucionais, independente do critério cronológico.
Para confirmar seu posicionamento a respeito da confirmação do dualismo, Tôrres (2001b, p.577)
apresenta posicionamento jurisprudencial: “RE80.004, RT 83/809, de 1978; RE 80.043, RTJ
82/530, de 1976; RE 84.372, RTJ 83/194, de 1976; RE 82.515, RTJ 88/205, de 1978; RE 95.002,
RTJ 103/779”.
106
importação de um produto “A” será tributada pelo imposto de importação a uma
alíquota “Z”. Nesse caso, por ser bastante simples e didático, ficaria fácil solucionar
a questão através do princípio da especialidade, apontando a “Norma 2” como
aquela a ser aplicada ao caso de importação do produto “A”. Contudo, caso haja
uma outra norma (Norma 3) que estabeleça a alíquota “Z” para a importação entre o
Brasil e a Argentina (por exemplo), poderia ser levantado que esta norma, no que diz
respeito aos Estados Soberanos envolvidos na transação internacional, é mais
específica do que e “Norma 2”.
Através desse simples exemplo, fica demonstrado que a solução de conflito
pelo critério da especialidade nem sempre é de fácil resolução, como ocorrer com os
critérios cronológico e hierárquico.
Não obstante tal fato, o critério da especialidade foi visto por algum tempo
como a forma de solução de conflito entre normas internas e normas de tratados
internacionais, principalmente em decorrência do fato da jurisprudência, por algum
tempo, entender haver uma paridade hierárquica, muitas vezes advinda da adoção
ao Dualismo.139
139
Luciano Amaro (AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, p.
169, 1997) apud Grupenmacher (1999, p.108-109) entende que o conflito entre norma de direito
internacional e norma de direito interno resolve-se pela aplicação do princípio da especialidade.
Assim, a norma internacional que seria norma especial modificaria a aplicação da norma interna
que seria norma geral. Da mesma forma, Diva Malerbi (MALERBI, Diva. Tributação no Mercosul.
Pesquisas Tributárias (Nova Série – 3). São Paulo : RT, p. 77 1997) apud Grupenmacher (1999,
p. 108-109), entende que a norma internacional do tratado corresponde a norma especial em
relação à norma interna que seria considerada norma geral. Assim, Grupenmacher (1999)
abalizada nas lições de Luciano da Silva Amaro e Diva Malerbi, entende que, no caso das normas
provenientes dos tratados internacionais tributários, em situação de conflito aparente com normas
tributárias internas, ocorrerá a prevalência das primeiras em decorrência do princípio da
especialidade. “Luciano da Silva Amaro afirma que, diante de uma antinomia entre a norma de
direito internacional e a lei interna, o conflito se resolve pela aplicação do princípio de que a norma
especial prevalece sobre a norma geral aplicando-se consequentemente a norma convencional
em “harmonia (e não em confronto) com a legislação interna”. Entende, portanto, que a norma
especial modifica o mandamento da norma geral. Vale aqui trazer à colação a lição de Diva
Malerbi: “[...] o tratado vale como lei especial em relação à lei geral de incidência. Mais
precisamente, nos casos em que o tratado afasta ou modifique a disciplina que decorreria da lei
interna, o efeito jurídico do preceito convencional advindo do tratado é o de norma especial. O
tratado cria, em relação às hipóteses por ele previstas e aos países nele envolvidos, exceções à
aplicação da lei interna. O conteúdo material do tratado, uma vez incorporado ao direito interno,
prepondera, porque traduz preceito especial harmonizável com a norma geral de incidência.
Concluindo, os tratados internacionais tributários são leis especiais, quando confrontados com a
lei que cria o tributo, prevalecendo sobre essa. E, em sendo leis especiais, não são revogados
pela lei geral posterior. Essa prevalência das normas dos tratados decorre diretamente das regras
do sistema jurídico brasileiro”. Em matéria tributária, portanto, parece ser possível abraçar o
entendimento daqueles que, como Luciano Amaro e Diva Malerbi, entende que o princípio da
especialidade é apto para solucionar conflitos entre tratado e lei interna, pois os tratados em
matéria tributária usualmente modificam o mandamento da norma geral interna ao limitarem a
incidência tributária estabelecida na lei geral. No entanto, a adoção de providências interpretativas
107
4.1.4 O princípio do pacta sunt servanda
A solução de conflitos entre normas de tratados internacionais e normas
internas de um determinado Estado Soberano pode ser resolvida, também, com
fundamentação no princípio do pacta sunt servanda140. Tal princípio está previsto no
Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT): “Direito
Interno e Observância de Tratados – Uma parte não pode invocar as disposições de
seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Essa regra não
prejudica o Artigo 46” (BRASIL, 2009).
Uma vez assumido o compromisso entre os Estados Soberanos, através da
celebração dos tratados internacionais, não poderá ser invocado normas de direito
interno para a justificação de seu inadimplemento. Ou seja, não poderá um dos
Estados Soberanos signatários do tratado internacional justificar a não aplicação das
normas internacionais pactuadas afirmando que norma interna dispõe de sentido
diverso, pois tal fato iria de encontro com o referido princípio do pacta sunt servanda,
expressamente previsto na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT).
No caso específico dos tratados internacionais tributários, normalmente as
normas internacionais pactuadas dispõe sobre a correta forma de aplicação das
normas internas em situações abrangidas pelo sistema tributário de ambos os
Estados Soberanos. Assim, como forma de evitar a dupla tributação da renda, e,
buscar a neutralidade tributária nas transações internacionais, as normas dos
tratados internacionais tributários dispõe a competência para a aplicação da norma
interna. Em certas situações o Estado da fonte do rendimento será o competente
é insuficiente para alcançar-se uma solução definitiva para os conflitos entre tratados e leis
internas” (GRUPENMACHER, 1999, p.108-109). Nesse mesmo sentido, foi citado acima
Rocha (2013), ao apresentar a análise da jurisprudência pretérita do Supremo Tribunal Federal
(STF).
140
Segundo apontado por Grupenmacher (1999, p.110), seria a aplicação do princípio do pacta sunt
servanda, que, segundo destaca, corresponderia a assunção de compromissos por um Estado
Soberano através da subscrição de um tratado internacional. Neste sentido, aduz que assim como
a soberania dos Estados devem ser observadas, o princípio do pacta sunt servanda é
universalmente reconhecido, e, impõe ao Estado Signatário de um tratado internacional o dever de
observar as obrigações ali impostas sob pena de responsabilidade na ordem internacional, como
prescreve o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). “Se é certo
que a observância à soberania estatal é uma premissa universalmente aceite no direito
internacional público, também é certo que deve ser respeitado o princípio “pacta sunt servanda”,
em virtude do qual o Estado signatário de um tratado ou convenção deve observar as obrigações
por ele impostas, sob pena de responsabilidade na ordem internacional, consoante preceitua a
Convenção de Viena sobre o direito dos tratados...” (GRUPENMACHER, 1999, p. 110).
108
para a aplicação de sua norma interna impositiva, e, em outras situações, o Estado
da residência é quem será o competente para a aplicação de sua legislação
tributária141.
Nessa linha de raciocínio, as normas dos tratados internacionais tributários
são aplicadas permitindo em certas situações a aplicação das normas internas de
maneira subsidiária, e, assim sendo, observado estará o princípio do pacta sunt
servanda.
Cabe destacar, por fim, que com ainda com base no princípio do pacta sunt
servanda para a resolução de conflitos aparentes entre normas de tratados
internacionais tributários é discutível até que ponto o Artigo 98 do Código Tributário
Nacional (CTN) teria significância142. Conforme cediço, o Código Tributário Nacional
141
Ainda, no que tange ao conflito entre as normas dos tratados internacionais tributários e as normas
do direito interno, Grupenmacher (1999, p.111) reforça sua posição através de menção aos
ensinamentos de Heleno Taveira Torres (TORRES, Heleno Taveira. Convenções internacionais
em matéria tributária sobre renda e o capital : a abrangência de tributos incidentes sobre as
empresas. Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo : Dialética, 1997. pp. 63-64)
que afirma a prevalência das normas internacionais advindas de um tratado internacional tributário
sobre as normas internas tributárias, em virtude do princípio do pacta sunt servanda. Ademais, o
concurso entre as normas internacionais tributárias e as normas internas resultaria na integração
das normas internacionais na ordem interna acarretando a aplicação subsidiária das normas
internas em razão de ser o tratado “norma sobre norma”.
142
Schoueri (1995) conclui, seguindo os fundamentos apresentados em sua obra e dos estudiosos ali
citados, pela prevalência dos tratados internacionais. Contudo, cabe ressaltar a posição de
Rothmann apud Schoueri (1995, p.103), que mesmo reconhecendo a “plena eficácia” do Artigo 98
do Código Tributário Nacional (CTN), defende a falta de utilidade do mesmo ao impor que os
tratados internacionais tributários teriam a mesma superioridade hierárquica em face da lei interna
seja pela aplicação do princípio do pacta sunt servanda, seja pela aplicação da regra de
interpretação lex specialis derogat generali, seja ainda pelo princípio segundo o qual “um ato só
pode ser desfeito por outro ato que tenha obedecido a mesma forma”. “Expressando o mesmo
entendimento, temos a lição de Rothmann (s.d./81), que se manifesta no sentido de que “na
existência de um acordo contra a bitributação, as partes contratantes não podem tomar medidas
unilaterais, autônomas ou nacionais, modificando o conteúdo do acordo contra a bitributação”. O
mesmo autor vai além, mencionando que mesmo as medidas administrativas, por gerarem
suspeitas de poderem modificar o acordado internacionalmente, vêm sendo incluídas nos acordos
de bitributação, como itens sujeitos a prévios entendimentos entre as partes contratantes,
reforçando-se o princípio do pacta sunt servanda. [...] É importante ressaltar a observação de
Rothmann (s.d./184) que, embora reconhecendo plena eficácia ao art. 98 do CTN, sustenta que a
primazia dos acordos de bitributação sobre o restante da legislação tributária poderia ser
defendida, com igual êxito, mesmo na ausência daquele dispositivo complementar, com base nos
princípios gerais de direito internacional público (pacta sunt servanda) e de direito interno (a regra
lex specialis derogat generali e o “princípio de que um ato só pode ser desfeito por outro que
tenha obedecido a mesma forma”)” (SCHOUERI, 1995, p. 102-103). Algumas medidas adotadas
pelo legislador interno, em nosso ordenamento jurídico, é vista por Schoueri (1995) como normas
de aplicação apenas internas ou no máximo para situações que abrangem transações
internacionais que não estariam ligadas àquelas em que se aplicam normas de tratados
internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Assim, Schoueri (1995, p.109)
afirma que a edição de lei que limite benefícios fiscais oriundos das normas de um tratado
internacional acarreta violação ao Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT), posto que iria de encontro com o pactuado com o outro Estado Signatário. Ademais,
Schoueri (1995, p.110) ressalta que, através da Recomendação de 2.10.89, a OCDE teria se
109
(CTN) foi promulgado em 1966, e, posteriormente recepcionado pela Constituição
Federal de 1988 como lei complementar detentora de normas gerais sobre direito
tributário.
Nesse sentido, a aplicação do referido dispositivo em momento pretérito do
ordenamento jurídico brasileiro, onde imperava a adoção do Dualismo (como
fortemente destacado no Recurso Extraordinário 80.004, de 1977) é totalmente
válido para a resolução de conflitos entre normas internacionais de tratados
internacionais tributários e normas internas através do critério da especialidade.
Contudo, pela adoção do Monismo com primazia do direito internacional, bem
como em face do princípio do pacta sunt servanda, manifesto fica a perda de
importância do referido dispositivo complementar, servindo muito mais como
ratificação da superioridade hierárquica dos tratados internacionais tributários do que
como fórmula de resolução de conflito.
4.1.5 O conflito com normas antielisivas internas
Tratando especificamente a respeito da solução de conflitos aparentes entre
normas de tratados internacionais tributários e normas antielisivas internas chega-se
ao problema enfrentado nesse estudo com as variantes definidas.
Assim, se a aplicação de uma norma antielisiva interna corresponder ao
inadimplemento de um tratado por parte de um dos Estados Soberanos signatários,
configurada estará a ofensa ao princípio do pacta sunt servanda. Além disso, não
será correta a aplicação da norma interna. Isto porque, como aduzido linha acima, o
ordenamento jurídico brasileiro adota o Monismo com primazia do Direito
Internacional. Assim sendo, em caso de um conflito entre a norma interna e a norma
do tratado internacional, deve ser aplicada a segunda norma.
Não obstante tal constatação, certo é que as normas antielisivas, sejam elas
previstas nos tratados internacionais ou não, buscam evitar situações artificiais,
através de planejamentos tributários abusivos e agressivos. Nesse sentido, não se
estaria, necessariamente, ocorrendo uma aplicação de uma norma interna, no caso
posicionado no sentido de ser contrária a medidas unilaterais que limitariam a aplicação dos
tratados internacionais. Ressalta ainda que apesar de não fazer parte da organização, as
recomendações exaradas pela OCDE são seguidas pela comunidade internacional, o que levaria
o Brasil a correr o risco de sofrer represálias em caso de tomar medidas unilaterais para conter o
uso indevido de tratados internacionais por intermédio do treaty shopping.
110
a norma antielisiva, em detrimento, ou inadimplemento, de uma norma do tratado
internacional tributário. A norma antielisiva estaria, na realidade, afastando o uso
abusivo do tratado internacional tributário, e, não a sua correta aplicação143.
Certo é que os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla
tributação da renda, conforme já aduzido anteriormente, são elaborados com
espeque na Convenção Modelo da OCDE, e, objetivam por razões lógicas
desobstruir as transações internacionais no que diz respeito a uma pesada
tributação decorrente da dupla imposição de tributos por mais de um Estado
Soberano. Mas, além disso, os tratados internacionais tributários também buscam
evitar planejamentos tributários agressivos, e, medidas elisivas abusivas assim
como a evasão fiscal. De maneira geral, busca a neutralidade tributária nas
operações e transações internacionais no sentido de evitar a dupla tributação da
renda, a dupla não tributação da renda, e, o abuso de suas normas.
Para o auxílio do que seria o uso abusivo de suas normas ou do próprio
tratado é que a OCDE apresenta Comentários à sua Convenção Modelo, que são
aceitos ou ressalvados tanto pelos seus membros como pelos Estados associados
143
Tôrres (2001a, p. 346-347) analisando a aplicação de normas internas para enfrentar o abuso de
tratados internacionais tributários, se posiciona no sentido de que é imprescindível para a
averiguação da licitude do planejamento tributário realizado pelo contribuinte o confronto da
operação em face das normas internas de ambos os Estados signatários (Estado da fonte e da
Estado da residência), bem como das próprias regras internacionais. Contudo, entende ainda que
a aplicação de normas antielisivas por um determinado Estado Signatário somente poderá ocorrer
quando o ato a ser desconsiderado tenha sido realizado em seu território, o que significa dizer que
o Estado Signatário que seja o da fonte do rendimento não poderá desconsiderar uma situação
constituída no outro Estado Signatário (da residência), quando tal ato ali tenha sido constituído.
Assim sendo, no caso de um terceiro interposto estabelecido em um Estado Signatário, apenas
este poderá dizer que tal interposição ocorreu de forma simulada, por exemplo, não podendo ser
aplicado as regras internas do outro Estado Signatário. Tôrres (2001a) justifica tal colocação em
face do critério de conexão, e, aceitar o contrário seria inobservar o princípio do pacta sunt
servanda. Notadamente, o critério de conexão é justamente o que permitiria que uma norma
antielisiva de ambos os Estados Signatários pudesse ser aplicada ao caso concreto, independente
de ser Estado da fonte ou da residência. Lado outro, Tôrres (2001a, p. 348-350) aduz que existem
certas situações em que o Estado da fonte poderá sim usar de medidas para evitar o abuso de
normas dos tratados internacionais tributários, e, que tais medidas correspondem a análise dos
atos de forma isolada das operações realizadas, sendo conhecidas na doutrina, tais medidas,
como steps transactions, e, business purpose test. Em ambos os casos, tal posicionamento seria
para o combate do uso indevido dos tratados internacionais e não necessariamente para uso das
normas desses tratados. Contudo, no que diz respeito a utilização de normas internas que evitam
o abuso das normas dos tratados internacionais é, para Tôrres (2001a, p. 357-360) ofensa ao
princípio do pacta sunt servanda, não sendo, portanto, desejável. Ou seja, o controle do abuso
“deve partir necessariamente da interpretação das cláusulas expressamente definidas na
convenção.” Vale ressaltar que tal posicionamento é anterior à Revisão de 2003 aos comentários
ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE. Para Tôrres (2001a), a utilização das normas
internas não estariam de acordo com os “critérios previstos no acordo”, mas, como será
demonstrado no tópico referente aos comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, é
sugerido a utilização de normas antielisivas internas pelos Estados Signatários.
111
que não são membros (como é o caso do Brasil). Logo, devido a sua importância, os
comentários serão analisados em tópico posteriormente apresentado. Certo é que,
para este momento, cabe destacar que entre as revisões realizadas em seus
comentários, propositalmente para atualizar as colocações de seus membros, a
OCDE, através da Revisão de 2003 deixou claro a falta de conflito entre normas
antielisivas e normas de tratados internacionais tributários.144
A questão deve ser vista com cautela, tanto pelos comentários que foram
alterados, como pelo fato de que as normas antielisivas, como visto no início,
distinguem-se entre normas gerais antielisivas (que normalmente referem-se a
simulação e a substância sobre a forma) e normas específicas antielisivas (que
abrangem as normas de incidência tributárias internas).145146
144
Schwarz (2009), sobre a interação entre os tratados internacionais tributários e as regras
antielisivas internas, relata que é preciso um exame mais detalhado da questão, mesmo após a
Revisão de 2003 aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, em que foi previsto que tais
regras não conflitariam com as regras dos tratados internacionais. Assim, referida conclusão
somente poderia ser atingida analisando a norma interna e a norma internacional do tratado
aplicadas ao caso concreto. Rohatgi (2007, p. 36-37), dispondo sobre o conflito entre normas
antielisivas internas e normas de tratados internacionais tributários lembra que a partir da Revisão
de 2003, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE em relação ao Artigo 1º passaram a
dispor claramente que não seria o caso de conflito, e, muito menos de treaty override
(descumprimento unilateral do tratado). Neste sentido, o abuso do tratado seria interpretado como
um abuso da própria legislação doméstica, na medida em que é a norma interna que prevê a
incidência tributária em última instância. Assim, uma interpretação correta do tratado internacional
tributário acarretaria a desconsideração das medidas consideradas abusivas através da aplicação
das normas antielisivas internas. A crítica feita por Rohatgi (2007, p. 37) é justamente no sentido
de que tal posição poderia sim levar a uma situação de descumprimento do tratado internacional
através de treaty override, uma vez que aplicado de maneira unilateral por apenas um dos
Estados Signatários. Como exemplo cita que a Corte Suprema da Índia também entende desta
maneira. Russo (2007, p. 207 e ss.) aduz que em face dos novos comentários advindos da
Revisão de 2003, passou-se a entender que a aplicação das normas antielisivas internas não
estariam afrontando os tratados internacionais que teriam como propósito o combate ao abuso e
uso impróprio dos tratados. Dessa forma, o Estado Signatário poderia utilizar sua norma antielisiva
o que o permitiria não aplicar a norma internacional do tratado internacional ao caso concreto.
145
No que tange ao conflito com norma específicas antielisivas internas e normas de tratados
internacionais tributários, destaca-se as colocações feitas por Russo (2007) referentes às regras
de empresas controladas no exterior (CFC Rules). Russo (2007, p. 218-219) esclarece que,
apesar de aparentar existir um conflito com as regras dos Artigos 7, 10 e 21 da Convenção
Modelo da OCDE, e, nos comentários tal assunto não estar suficientemente claro, a partir da
revisão de 2003 ficou esclarecido que não haveria o conflito, mesmo sem a expressa previsão de
aplicação no texto do tratado. Isto ocorreria tendo em vista que a norma do Artigo 7 estaria
determinando a tributação da empresa controlada apenas no estado da sua residência, mas em
contrapartida a regra CFC estaria tributando a controladora, e não a controlada, que é residente
sua. Não obstante, várias foram as ressalvas feitas aos comentários.
146
Weeghel (2010) lembra que após as mudanças aos comentários da Convenção Modelo da OCDE
realizadas em 2003, ficou expresso que as regras antielisivas internas (internas) não conflitariam
com os tratados internacionais, contudo, critica a referida mudança ao destacar que não houve
uma clarificação a respeito destas normas antielisivas internas, não havendo uma distinção se
seriam aquelas específicas ou as gerais. Ademais, de maneira geral, os relatórios apresentados
seriam, em sua grande maioria, claros no sentido de que as normas antielisivas internas e as
normas dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda não
112
4.2 Interpretação dos tratados internacionais tributários
Com visto no final do tópico anterior, é imperioso saber como os tratados
internacionais tributários devem ser interpretados para dessa forma saber ser a
aplicação de uma norma antielisiva irá contrariá-los ou não.
Para tanto, o intérprete e aplicador deve ter em mente qual é o objetivo que
se busca com a celebração daqueles tratados internacionais tributários, justamente
para delimitar a responsabilidade de cada um dos Estados Soberanos no
adimplemento das normas pactuadas.147
No caso dos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla
tributação da renda a interpretação é primeiramente feita com base nas disposições
normativas do próprio tratado. Suas normas são, na realidade, determinantes de
competência impositiva tributária dos Estados Soberanos. Após a interpretação do
dispositivo da norma internacional, determinando a aplicação da norma de incidência
tributária de um Estado Soberano em detrimento da norma do outro Estado
Soberano, a situação concreta abrangida pelo tratado internacional tributário sofre
imposição tributária. Desse modo, os critérios de conexão são definidos pelas
entrariam em conflito, principalmente no que confere às normas de simulação e substância sobre
a forma. Interessante é notar que Weeghel (2010) aponta que alguns Estados, como é o caso da
Alemanha, deixam claro que as mudanças advindas dos novos comentários em 2003 não se
aplicariam aos tratados internacionais tributários anteriormente celebrados, mas apenas aos que a
partir de então fossem pactuados com outros Estados. Ainda com relação às normas antielisivas
gerais, o relatório geral aponta as conclusões de Portugal e Luxemburgo no sentido de
entenderam que existiria sim um conflito com as normas dos tratados internacionais tributários. Já
no caso da Índia, o relatório deixaria claro que os tratados internacionais revogaria as normas
antielisiva. Weeghel (2010) ao tratar do conflito da normas de tratados internacionais com normas
específicas antielisivas internas diz ser necessário, pelas análise dos relatórios, fazer uma
distinção entre aqueles países que permitem, pelo texto constitucional, a revogação de normas
internacionais por normas internas, e, aqueles que não. Neste sentido, o relatório geral faz
menção ao relatório brasileiro que contém menção a uma decisão judicial referente ao conflito de
normas de CFC Rules com normas de tratados internacionais para se evitar a dupla tributação da
renda. Segundo o relatório geral teria ocorrido uma aplicação das regras dos Artigos 7º e 10, dos
tratados internacionais tributários, em face da legislação interna (possivelmente em virtude do
Artigo 98 do Código Tributário Nacional), sendo que posteriormente, uma nova decisão veio
proferir resultado diverso.
147
Segundo Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.265), “a interpretação é a lógica a serviço do direito”, o que
leva ao entendimento de que o intérprete deve buscar ater-se a máximas na elaboração de um
raciocínio que sirva para orientá-lo em qualquer caso. Neste sentido, ao tratar de interpretação de
normas de direito internacional torna-se um propósito do intérprete averiguar qual seria a intenção
e vontade dos Estados Soberanos na elaboração de um tratado internacional, posto que tais
Estados não iriam querer comprometer-se além do que imaginavam estar aceitando. A
averiguação da vontade das partes, no caso da vontade dos Estados Soberanos, inspira-se na
ideia de contrato, e acaba conferindo um valor de princípio inegável, segundo se aufere, inclusive,
da posição adotada pelo Tribunal Internacional de Justiça.
113
normas dos tratados internacionais tributários, havendo uma divisão entre os
Estados Soberanos signatários dos fatos a serem tributados.148
Assim, de acordo com o Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE, por
exemplo, os lucros auferidos por uma empresa situada em um Estado será tributado
apelas ali, a não ser que os lucros advindos do outro Estado sejam auferidos por
intermédio de um estabelecimento permanente. A norma do Artigo 7º de um tratado
internacional tributário que assim dispõe será interpretada conjuntamente com a
norma do Artigo 4º que determina as regras de residência. De acordo com a
interpretação do tratado internacional tributário ao fato, e, combinadas com as
normas internas dos Estados Signatários, será determinado se a empresa pode ser
considerada residente em um dos Estados Signatários.
Lado outro, a norma antielisiva interna de um dos Estados Signatários poderá
desconsiderar determinada situação, seja a própria existência da empresa residente,
seja, ainda, a operação estruturada, constatando, por exemplo, uma artificialidade
carente de propósito negocial (business purpose) ou substância (substance over
form).
Para que isto ocorra sem qualquer vulneração ao tratado internacional
tributário é preciso que haja uma interpretação deste seguindo o que seria um
consenso entre os Estados Soberanos, como uma forma de regra geral149.
4.2.1 O princípio da boa-fé
148
Tôrres (2001b, p. 640-643) esclarece que, ao dispor sobre a forma de interpretação dos tratados
internacionais, existem momentos distintos. Um primeiro seria quando o intérprete busca o
significado no texto do tratado internacional, para posteriormente serem utilizados o princípio da
boa-fé e do pacta sunt servanda analisando o contexto em que a norma está inserida, e, em
seguida, caso necessário, é utilizado o reenvio ao direito interno. Tudo isto com o objetivo de
formar-se uma norma concreta de direito interno aplicável a uma situação abrangida pelo tratado
internacional. Assim, os tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da
renda servem para resolver um “conflito impositivo” entre as normas internas de sistemas
tributários distintos dos Estados Signatários. As normas internas desses passam a ser
interpretadas com base no tratado internacional que busca a “neutralização de divergências”,
definindo os critérios de conexão, elementos de qualificação e localização, e repartindo a
competência entre os Estados Signatários.
149
Neste diapasão, ainda seguindo a linha de raciocínio de Dinh, Daillier e Pellet (2003), ao
realizarmos a interpretação de um tratado internacional torna-se imprescindível averiguarmos
quais os elementos que representam melhor a vontade dos Estados Soberanos. Apontam, neste
sentido, a “regra geral de interpretação” proposta pela Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT) e que cinge-se a um artifício simplificador.
114
A regra geral mencionada no tópico anterior consiste na aplicação do princípio
da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais, servindo como uma regra
não somente na interpretação de tratados internacionais.150
O princípio da boa-fé tem suas origens no Civil Law, sendo que hoje em dia
consiste em norma expressa de interpretação de tratados internacionais segundo o
Parágrafo 1º do Artigo 1º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT). De acordo com a Corte Internacional de Justiça, o princípio da boa-fé seria
indispensável na análise das obrigações legais.151
Assim, seria o princípio da boa-fé uma norma fundamental utilizada para não
somente interpretar as regras e convenções pactuadas entre Estados Soberanos,
mas, também para garantir a manutenção da justiça na comunidade internacional.152
150
Não obstante, a previsão no parágrafo 1º do Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT) referente ao emprego da boa-fé corresponder ao referido artifício simplificador,
Dinh, Daillier e Pellet (2003) confessam que trata-se de regra essencial utilizada nos diversos
métodos de interpretação. Logo, “este princípio fundamental está na origem dos diversos meios e
regras utilizados para interpretar os tratados e é em função desta exigência fundamental que deve
efetuar-se a escolha entre os diferentes métodos”.
151
Engelen (2004, p. 122 e ss.), ao tratar do principio da boa-fé lembra que sua origem encontra-se
no Civil Law, em Roma, através do termo bona fides, e, evoluiu até se estabilizar como um
princípio de direito internacional legalmente previsto. Lembra, ainda, que a Corte Internacional de
Justiça através do julgamento a respeito dos testes nucleares entre Austrália vs. França (ICJ
Reports 1974, p.268) conceituou o princípio da boa-fé como um dos princípios básicos que
governam a criação e performance de obrigações legais, aonde quer que elas surjam. “The
principle of good Faith originates from bona fides in Roman and civil and has evolved into a ‘wellestablished principle of international law’. The principle has variously been characterised: ‘[…] as a
principle “which ought to govern all international relations”, an “indispensable condition for
maintenance of peace and the promotion of international co-operation”, one of the “cornerstones of
the United Nations system” having “capital importance in regard to peaceful coexistence”, the
“most longstanding principle of international law”, “one of the recognized elementary principles of
contemporary international law” and “one of the basic foundations of the normal peaceful relations
among States”, “one of the most essential and fundamental principles of friendly relations”, “the
grandnorm upon which the whole structure of contemporary international law was built”, “the very
foundation of international law” and the basis of all international legal order”.’ In the Nuclear Tests
(Australia vs. France) case, the ICJ, likewise, declared that the principle of good faith is: ‘one of the
basic principles governing the creation and performance of legal obligations, whatever their source
[…]. Trust and confidence are inherent in international co-operation, in particular in an age when
this co-operation in many fields is becoming increasingly essential.’” (ENGELEN, 2004, p.122).
152
J. F. O’Conner, citado por Engelen (2004, p. 123) aduz que o princípio da boa-fé é um princípio
fundamental do qual a regra do pacta sunt servanda e outras regras legais relacionadas com
honestidade, justeza e razoabilidade são direcionadas. Ademais, a aplicação de tais regras é
determinada, a qualquer momento, pelos fundamentos de honestidade, justiça e razoabilidade
prevalentes na comunidade internacional naquele tempo. Engelen (2004) aduz que apesar da
relação do princípio da boa-fé com a ordem e conceitos morais, sua atuação é como um princípio
legal na elaboração de normas legais. Outro autor citado por Engelen (2004, p.124) que apresenta
uma função do princípio da boa-fé é M.N. Shaw (SHAW.M.N. International Law, 4th edn.,
Cambridge University Press, Cambridge, 1997, p. 82), ao dispor que tal princípio teria a função de
informar e delimitar a aplicação de normas do direito internacional, além de influenciar a maneira
como tais regras devam ser legitimamente aplicadas e exercidas. “According to O’Connor, the
principle of good faith: ‘[…] is a fundamental principle from which the rule pacta sunt servanda and
other legal rules distinctively and directly related to honesty, fairness and reasonableness are
115
4.2.2 O princípio da boa-fé na CVDT
A importância do princípio da boa-fé na interpretação dos tratados
internacionais é tamanha que é citado em mais de uma ocasião na Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Nesse sentido, Engelen (2004, p. 124)
ressalta que o princípio é mencionado ao longo de todo o corpo da convenção,
iniciando-se no preâmbulo (onde é manifestado o seu reconhecimento universal),
passando pelo Artigo 26 (onde é previsto que um tratado internacional deve ser
aplicado em boa-fé), em seguida no Artigo 31, relativo à regra geral de interpretação
(onde no seu parágrafo 1º determina a aplicação da boa-fé na interpretação dos
tratados internacionais), Artigo 46 (trata da relação da violação dos tratados
internacionais com o princípio da boa-fé), e, finalmente, o Artigo 69 (onde é tratada
as consequências de uma invalidação do tratado internacional).153
Disso se denota que o princípio da boa-fé como instrumento da interpretação
dos tratados internacionais acaba demonstrando uma importância e ligação com o
derived, and the application of these rules is determined at any particular time by the compelling
standards of honesty, fairness and reasonableness prevailing in the international community at that
time.’ Notwithstanding that the substance of the principle of good faith is directly related to the
moral elements of honesty, fairness and reasonableness, it operates without a doubt as a legal
principle, and, in the words of O’Conner, ‘provides a mechanism for the articulation of the specific
group of concepts of the moral order in the form of legal rules’ that ‘may result eventually in the
emergence of “’normal’ rules”.’ Rosenne, [S. Rosenne, Developments in the Law of Treaties, 19451986, Cambridge, 1989, p.135.] likewise, emphasises that the existence of the ‘normative content
and its scope, in the sense that it constitutes a series of conduct-regulating rules non-observance
of which may give rise to an instance of international responsibility, and observance of which may
justify what is otherwise an internationally wrongful act, is not open to question today, even if its
application may be imprecise and not easily objectified and even though the very expression of
“good faith” may also point in the direction of metanormistic factors such as principles of abstract
public morality. However, as the ICJ said in the Boarder and Transborder Armed Actions case, the
principle of good faith ‘is not in itself a source of obligation where none would otherwise exist.”
Shaw therefore submits that the principle of good faith ‘is a background principle informing and
shaping the observance of existing rules of international law and in addition constraining the
manner in which those rules may legitimately be exercised.’” (ENGELEN, 2004, p. 123-124).
153
“The five references in the Vienna Convention to the principle of good faith also underline the
overriding importance of the principle in the law of treaties. Firstly, the third paragraph of the
Preamble confirms that ‘the principles of free consent and of good faith and the pacta sunt
servanda rule are universally recognized.’ Secondly, Article 26, on the pacta sunt servanda rule,
provides that a treaty must be performed in good faith. Thirdly, Article 31, on the general rule of
interpretation, provides in paragraph 1 that good faith also applies to the interpretation of a treaty.
Fourthly, Article 46, on the invocation by a State of a manifest violation of its internal law regarding
the competence to conclude treaties as invalidating its consent to be bound by a treaty, provides in
paragraph 2 that a violation is manifest only if it would be objectively evident to any State
conducting itself in accordance with normal practice and in good faith. Finally, Article 69, on the
consequences of invalidity of a treaty, provides in sub-paragraph 2(b) that any act performed in
good faith before the invalidity was invoked is not rendered unlawful by reason only of the invalidity
of the treaty” (ENGELEN, 2004, p. 124-125).
116
direito internacional, como um todo, e, que se estende desde o momento da
celebração das normas até a efetiva aplicação.154
Nesse mesmo sentido, I. Sinclair (1984)155 apud Engelen (2004, p. 131) aduz
que o princípio da boa-fé, na interpretação dos tratados internacionais, como
mencionado no Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT), consiste em um padrão de comportamento que deve ser aplicado o tempo
todo durante o processo de interpretação, além de ser utilizado também durante a
aplicação das regras, servindo, destarte como um critério objetivo. Ademais, a boafé deve servir de padrão para a interpretação e aplicação das normas dos tratados
internacionais não somente para as partes que o formularam, mas também para os
terceiros que os interpretam.
Assim, o princípio da boa-fé, notadamente na interpretação de tratados
internacionais, acaba servindo para regular a execução das normas ali constantes,
seguindo, ainda, a disposição do Artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT) que ao esclarecer o que seria a aplicação da boa-fé prescreve
que corresponde a “abster-se dos atos que privem um tratado do seu objeto ou do
seu fim”.156
Já o Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)
acaba criando uma ligação entre os princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda,
154
B. Cheng (CHENG, B., General Principles of Law as applied by International Courts and
Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 106) apud Engelen (2004, p. 124) aduz que o
direito internacional é baseado no princípio da boa-fé, possuindo uma ligação muito estreita com
este, e, nos tratados internacionais deve ser aplicado do momento da sua formação até o
momento da sua extinção. “Even though, as state above, the principle of good faith in internal law
governs the creation and performance of all legal rights and obligations, whatever their source, it is
of particular importance to the law of treaties. Indeed, as Cheng observed, this branch of
international law ‘is closely bound with the principle of good faith; if indeed not based on in it; for
this principle governs treaties from the time of their formation to the time of their extinction.’”
(ENGELEN, 2004, p. 124).
155
SINCLAIR I.. The Vienna Convention on the Law of Treaties, 2nd edn., Manchester University
Press, Manchester, 1984, p. 120.
156
Criticando a definição contida no Artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT), Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.223) a entendem como larga e vaga, posto que “não
caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má-fé”. Alegam, ainda, que a boa-fé deve ser
executada buscando excluir toda a tentativa de fraudar a lei, e, uma vez que encontra-se
demasiadamente abstrata, deve ser clarificada na prática. “O princípio da boa fé eleva-se ao nível
de uma instituição reguladora do conjunto das relações internacionais. Ganha particular relevo no
direito dos tratados. De acordo com uma fórmula geral da Convenção de Viena (art. 18º), executar
de boa fé significa: “abster-se dos actos que privem um tratado do seu objecto ou do seu fim.”
Esta concepção é talvez demasiado larga, por conseguinte demasiado vaga, porque não
caracteriza suficientemente a face oposta, que é a má fé. A execução de boa fé deveria ser
definida como a que exclui toda a tentativa de “fraudar à lei”, toda a astúcia, e exige positivamente
fidelidade e lealdade aos compromissos assumidos. Seja como for, uma definição é forçosamente
abstracta; ela deve ser clarificada pela prática.” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 223).
117
dispondo surgir uma vinculação nos tratados internacionais que leva a sua execução
de boa-fé.157
4.2.3 O princípio do pacta sunt servanda
A ligação entre o princípio da boa-fé e o princípio do pacta sunt servanda é
importantíssima para a interpretação dos tratados internacionais com dito
anteriormente. Vale destacar que, mesmo havendo por parte de um dos Estados
Soberanos signatários a prática de ilícitos decorrentes do inadimplemento das
normas dos tratado internacional e da falta de boa-fé em sua execução, o pactuado
ainda continuará válido.158
Pode-se ainda aduzir que o princípio do pacta sunt servanda é decorrente do
próprio princípio da boa-fé, e, sua utilização na interpretação dos tratados
internacionais condiz com a busca pelo sentido das normas e intenção e propósito
buscado pelos Estados Soberanos. Assim, não se deve interpretar literalmente as
normas de um tratado internacional, sob pena de acarretar uma interpretação que
foge dos objetivos e propósitos buscados pelos Estados Soberanos.159
157
Segundo Dinh, Daillier e Pellet (2003, p.222) o Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT), ao prescrever que “todo o tratado em vigor vincula as partes e deve ser por
elas executado de boa-fé”, cria uma ligação entre o princípio do pacta sunt servanda e o princípio
da boa-fé, que acabam se complementando para a execução do artigo em comento. “Pacta sunt
servanda – Segundo o artigo 26º da Convenção de Viena: “Todo o tratado em vigor vincula as
partes e deve ser por elas executado de boa fé”. Ao propor esta redacção, a C.D.I. fez questão em
sublinhar que enunciava o princípio fundamental do direito dos tratados. A execução de boa fé e o
respeito da regra pacta sunt servanda estão assim intimamente ligados constituindo dois aspectos
complementares de um mesmo princípio.” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 222).
158
No que tange à força do princípio da boa-fé na interpretação dos tratados internacionais, Dinh,
Daillier e Pellet (2003, p.224) ressalta que a prática de ilícitos pelos Estados Signatários não
acarreta o término do tratado, devendo este manter-se válido e regido pelo princípio do pacta sunt
servanda. “Quaisquer que possam ser as incertezas provenientes da redacção do tratado, as
partes não podem deixar de respeitar as suas disposições e a obrigação de execução de boa fé
permanece (v. acórdão proferido no caso do Diferendo territorial entre a Líbia e o Chade de 3 de
Fevereiro de 1994, Rec. p. 19-28). A força excepcional do princípio é atestada pela posição
vigorosa do T.I.J. no caso do Projet Gabcikovo-Naymaros (sistema de barragens sobre o Danúbio)
no qual foi de parecer que os “comportamentos ilícitos recíprocos das partes [no tratado que
instituiu o projecto] não puseram fim ao tratado, nem justificam que lhe seja posto fim. O Tribunal
estabeleceria um precedente com efeitos perturbadores para as relações convencionais e a
integridade da regra pacta sunt servanda se concluísse que pode ser resolvido, por motivo de
infracções recíprocas, um tratado em vigor entre Estados...” (acórdão de 25 de Setembro de 1997,
Rec. p. 68, § 114).” (DINH, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 224).
159
Sobre o princípio do pacta sunt servanda, Engelen (2004, p.125-126), consubstanciado em B.
Cheng (CHENG, B. General Principles of Law as applied by International Courts and
Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 113), defende que trata de uma manifestação
do princípio da boa-fé. Neste sentido, os tratados internacionais não devem ser aplicados
estritamente com espeque em uma interpretação literal de suas normas, mas, deve-se levar em
conta o seu espírito de maneira justa, honesta e razoável. Além disso, faz referência mais uma
118
Nessa linha de raciocínio, os tratados internacionais tributários celebrados
com base na Convenção Modelo da OCDE, possuem como objetivos assegurar as
transações internacionais de maneira neutra do ponto de vista fiscal, evitando desse
modo a dupla tributação da renda, assim como a dupla não tributação da renda, a
elisão fiscal abusiva e agressiva, e, a evasão fiscal.
4.2.4 A observância dos tratados pelo direito interno
A interpretação dos tratados internacionais passa necessariamente pela
observância destes pelo direito interno. A posição Monista com primazia do direito
internacional do ordenamento jurídico brasileiro, que o Poder Judiciário começa
finalmente a confirmar, como visto anteriormente, acaba se consagrando, também,
através do princípio do pacta sunt servanda previsto na Convenção de Viena sobre o
vez a decisão da Corte Internacional de Justiça no caso dos Testes Nucleares entre a Austrália e
a França, onde foi definido que o regra do pacta sunt servanda é baseada na boa-fé (ICJ Reports
1974, p.268). Importante ainda é a referência à S. Rosenne (ROSENNE, S. Developments in the
Law of Treaties 1945-1986, Cambridge, 1989, p. 176) que, sobre o princípio da boa-fé sugere
que a sua utilização na aplicação dos tratados internacionais acarretaria a possibilidade de
liberdade de ação dos Estados Signatários na interpretação e aplicação das normas aos casos
concretos, principalmente em situações imprevistas. “In the law of treaties, the most important
manifestation of the principle of good faith is undoubtedly the rule of pacta sunt servanda.
According to Cheng, the pacta sunt servanda rule, ‘now an indispensable rule of international law,
is but an expression of the principle of good faith, the pledge faith of nations as well as that of
individuals.’ In the Nuclear Tests (Australia vs. France) case referred to above, the ICJ did indeed
recognise that ‘the very rule of pacta sunt servanda in the law of treaties is based on good faith.’
However, good faith also ‘forms an integral part of the rule pacta sunt servanda’. and Article 26
VCLT not only provides that every treaty in force is binding upon the parties to it, but also that it
must be performed by them in good faith. Thus, it is not sufficient that a treaty is performed strictly
according to its letter. The principle of good faith rather requires fair and reasonable manner.
According to Cheng, the obligation to perform a treaty in good faith: ‘[…] means, essentially, that
treaty obligations should be carried out according to the common and real intention of the parties at
the time the treaty was concluded, that is to say, the spirit of the treaty and not its mere literal
meaning, This is one of the most important aspects of the principle of good faith and is in
accordance with the notion that a treaty is an accord of will between contracting parties. […]
Performance of a treaty obligation in good faith means carrying out the substance of this mutual
understanding honestly and loyally.’ Similarly, the Commentary on Article 23 of the 1966 Draft
Convention explains that ‘the obligation must not be evaded by merely literal application of the
clauses.’ In this respect, it should also be noted that in Article 55 of his original draft on the subject,
included in his Third Report on the Law of Treaties, Sir Humphrey Waldock had made an attempt
to concretise the obligation to apply a treaty in good faith formulated in paragraph 1 in abstract
terms, and paragraph 2 accordingly provided that ‘Good faith, inter alia, requires that a party to a
treaty shall refrain from any acts calculated to prevent the due execution of the treaty or otherwise
to frustrate its objects.’ The ILC, however, ‘considered that this was already implicit in the obligation
to perform the treaty in good faith and preferred to state the pacta sunt servanda rule in as simple a
form as possible.’ Finally, Rosenne suggests that, in the context of good faith observance of treaty
obligations, the ‘primary function’ of the principle of good faith is ‘to allow the decision-making
authority a fair degree of freedom of action in interpreting and applying the treaty-obligation in a
concrete case’, in particular ‘when the circumstances and situations are unforessen, and perhaps
even unforeseeable.’ (ENGELEN, 2004, p. 125-126).
119
Direito dos Tratados (CVDT), ratificada em 2009, mas, cujos valores ali previstos já
seriam adotados.
Nesse sentido, além do Artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT) que expressa o princípio do pacta sunt servanda, deve ser dada
atenção ao Artigo 27, também da CVDT, onde é destacado o “Direito Interno e
Observância de Tratados”, dispondo que “uma parte não pode invocar as
disposições de seu direito interno para justifica o inadimplemento de um
tratado”.160161
160
Para Schoueri (1995), em vista de tais disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT), as normas internas que afastam os benefícios tributários concedidos por
normas de tratados internacionais tributários não poderiam ser aceitas. Becker e Wüm (BECKER,
Helmut e WURM, Felix J.. Double-Taxation Conventions and the conflict between
international agreements and subsequent domestic laws, in INTERTAX, 1988. p.261) apud
Schoueri (1995, p.87) confirmam a posição, ao concluírem que a norma interna que seja contrária
ao do tratado internacional não deve a este prevalecer: “No direito internacional público, a doção
de medidas de direito interno que contrariem obrigações assumidas em tratados internacionais é
matéria disciplinada pelo art. 26 da Convenção de Viena, que consagrou o princípio pacta sunt
servanda, e pelo art. 27, que não permite à parte invocar normas legais internas, como justificativa
para haver deixado de cumprir obrigação decorrente de tratado internacional. Com base nestes
dispositivos legais, concluem Becker e Würm (1988a/261), que, do ponto de vista do direito
internacional público, não pode subsistir qualquer norma que seja inconsistente com o texto de um
tratado internacional. Do mesmo modo, nos países que ratificaram a Convenção de Viena, há de
se concluir, de imediato, não ter qualquer valia, perante os tratados internacionais, as normas
internas que lhes sejam opostas. Isto vale, também, para o Brasil, já se podendo afirmar, com
base nesta Convenção, que nenhum efeito teria uma lei que impusesse limites aos benefícios
decorrentes de acordos de bitributação, além daquelas constantes nos próprios acordos. A
verdade, no entanto, é que a questão não vem sendo resolvida de modo uniforme, encontrandose, em países signatários da Convenção de Viena, normas limitativas de acordos de bitributação,
que vêm sendo aplicadas pelas Cortes internas, na contenção de Treaty Shopping.”. Apesar de
levantar tal entendimento, Schoueri (1995) deixa claro que esta não é uma posição uníssona,
havendo Estados que apesar de serem signatários da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados aplicam em seu ordenamento interno normas limitativas dos tratados internacionais.
Schoueri (1995, p. 93), ao concluir sobre a existência de conflito, faz menção à Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), para aduzir que a norma de direito interno, uma vez
contrária à norma do direito internacional, não teria prevalência sobre esta, em face do Artigo 27
da CVDT, e, dos princípios de direito internacional público. Contudo, cabe mencionar a referência
feita a Partsch (PARTSCH, Karl J., International Law and Municipal Law (verbete), in R.
Bernhardt (org.), Encyclopaedia of Public International Law, v. 10, Amsterdam, Elsevier
Science Publishers B.V., 1987) que, extrapolando o texto do Artigo 27 da CVDT, defende que, na
ordem interna, a norma de direito interno teria validade, mesmo que contrária à norma de direito
internacional. Schoueri (1995, p.93), não concorda que o Artigo 27 da CVDT suporta tal raciocínio:
“De todo modo, entendemos que a permanência de uma norma interna contrária ao direito
internacional não se deve admitir, com base nos princípios de direito internacional público.
Especialmente no caso de tratados internacionais, tal impossibilidade decorro do já mencionado
art. 27 da Convenção de Viena. [...] “Vale ressaltar que o referido dispositivo da Convenção sobre
tratados internacionais é utilizada por Partsch (1987/244) para sustentar a afirmação de que nele
estaria reconhecida a possibilidade de uma norma de direito interno contrária ao direito
internacional possa não ser imediatamente nula, valendo na esfera doméstica. Segundo este
autor, se é necessário estabelecer-se que o dispositivo da ordem interna não pode ser invocado
perante a ordem internacional, é porque, pelo menos em outra esfera, tal dispositivo é tido por
válido. Em nosso entender, o art. 27 da Convenção não autoriza esse raciocínio. É estabelecida a
prevalência do direito internacional sobre as normas internas. Nada mais.”.
120
A exceção da previsão do Artigo 27 da CVDT é o Artigo 46, também da
CVDT, onde está prevista as “Disposições do Direito Interno sobre Competências
para Concluir Tratados”, dispondo que é possível a invocação de norma interna para
o descumprimento de um tratado internacional quando houver a inobservância de
uma norma fundamental, que no caso do Brasil seria a própria Constituição Federal
de 1988. 162 Como asseverado anteriormente, o caráter hierárquico dos tratados
internacionais em face do ordenamento jurídico brasileiro seria um caráter
161
Sobre o Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), Xavier (2002,
p.103-104) também faz considerações aduzindo causar uma certa estranheza a discussão da
superioridade hierárquica em face da regra insculpida no dispositivo em comento. Isto porque,
uma vez que os Estados Soberanos signatários de um tratado internacional devam observar o
princípio do pacta sunt servanda, e, em face de tal norma não descumprir o pactuado com a
escusa de norma interna contrária, o afastamento de uma norma internacional prevista em tratado
somente decorreria da ocorrência de uma situação prevista no Direito Internacional Público para
tanto, como seria o caso de uma denúncia ou mesmo negociação entre as partes para tanto.
Nesse sentido, Xavier (2002, p. 103-104) aduz que: “Pode causar estranheza a própria discussão
do problema da superioridade hierárquica das fontes internacionais de produção do direito, tendo
em vista o princípio do direito consuetudinário pacta sunt servanda, que tem como corolário a
regra consagrada no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969,
segundo a qual nenhum Estado pode invocar as suas normas internas para se eximir ao
cumprimento das suas obrigações internacionais. Princípio esse que, aliás, corresponde a uma
regra de senso comum, pois de pouco ou nada valeria a celebração de um tratado se as suas
disposições pudessem ser legitimamente modificadas ou revogadas por ação direita e unilateral
de um dos Estados contratantes, sem obediência aos mecanismos próprios de denúncia ou
renegociação previstos no Direito Internacional Público.”.
162
Mazzuoli (2007, p. 204-205), sobre os Artigos 27 e 46, ambos da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (CVDT) afirma o seguinte: “Nessa esteira é que o art. 27 da Convenção
dispõe que “uma parte não pode invocar as disposições de seu Direito interno para justificar o
inadimplemento de um tratado”, complementando que “esta regra não prejudica o artigo 46”. É
dizer, no que tange ao Direito Internacional Público positivo, a obrigação de cumprir os tratados de
boa-fé vige apesar de qualquer disposição a contrario sensu do Direito interno, qualquer que seja
ela, direito constitucional ou infraconstitucional. Isto se depreende da própria história do art. 27 da
Convenção, cuja redação, proposta na Conferência das Nações Unidas sobre o Direito dos
Tratados, teve a “intenção declarada de impedir que os Estados invocassem a respectiva
Constituição, a fim de se subtraírem ao cumprimento dos tratados por eles livremente concluídos”.
O art. 27 da Convenção ressalva, entretanto, a disposição do art. 46, segundo a qual “um Estado
não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em
violação de uma disposição de seu Direito Interno sobre competência para concluir tratados, a não
ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu Direito interno de
importância fundamental” (§1º). Norma de Direito interno de importância fundamental é a
Constituição do Estado, onde se encontram as regras jurídicas sobre a competência dos poderes
constituídos para a celebração de tratados. A única disposição do Direito interno brasileiro, de
importância fundamental, sobre competência para concluir tratados, é aquela que diz competir
exclusivamente ao Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art.
49, inc. I). Portanto, a única e exclusiva hipótese em que o Estado brasileiro pode invocar o fato de
que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição
constitucional sua sobre competência para concluir tratados, visando, com isto, nulificar os efeitos
desse acordo internacional em relação ao Brasil, é aquela ligada ao fato de o tratado ter sido
ratificado sem o abono do Congresso nacional (caso de inconstitucionalidade extrínseca ou
ratificação imperfeita). Salvo este caso especialíssimo, a regra do art. 27 da Convenção de Viena
continua a valer em sua inteireza, não podendo uma parte em um tratado internacional invocar as
disposições de seu Direito interno (qualquer delas, inclusive as normas da Constituição) para
justificar o inadimplemento desse tratado.”.
121
supralegal, conferindo, contudo, uma inferioridade hierárquica em face do texto
constitucional. Exceção àqueles tratados internacionais sobre direitos humanos que
podem ser celebrados com observância dos procedimentos para emenda
constitucional, segundo as disposição da Constituição Federal de 1988 incluídas
pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004.
4.2.5 O abuso das normas
Logicamente, a interpretação dos tratados internacionais, seguindo tanto o
princípio da boa-fé como o princípio do pacta sunt servanda, anteriormente
analisados, não pode permitir uma aplicação das normas internacionais que reflita
um abuso.163
Assim, as normas de um tratado internacional devem ser interpretadas em
consonância com as regras de Direito Internacional Público, notadamente no que se
refere a uma constatação de abuso na aplicação dessas normas internacionais.
Especificamente com relação ao tema ora estudado, a norma de um tratado
internacional tributário que preveja a competência de determinado Estado Soberano
para a imposição de suas normas internas de incidência tributária deve ser
primeiramente interpretada sob um enfoque do Direito Internacional Público para
163
Engelen (2004, p. 126-127) aponta que o princípio da boa-fé também aplica-se ao exercício dos
direitos, e, consequentemente abrange a doutrina do abuso de direito, que inclusive é reconhecido
pela Corte Internacional de Justiça como decorrente de sua aplicação. Dessa forma, os direitos
garantidos através de um tratado internacional não podem ser exercidos de maneira arbitrária ou
maliciosa. “The obligation to perform a treaty in good faith also means that the rights conferred
upon the parties by the treaty, as well as the discretionary powers inherent in such rights, must be
exercised by them in good faith, that is to say, honesty, fairly and reasonably. It should be noted
that the principle of good faith also governs the exercise of legal rights, and that the doctrine of
abuse of rights, which is recognised by the ICJ, is but an application of the same principle”
(ENGELEN (2004, p. 126-127). B Cheng (General Principles of Law as applied by International
Courts and Tribunals, Cambridge, 1953, reprinted in 1987, p. 124) apud Engelen (2004, p. 128)
também discorre sobre o assunto, aduzindo o seguinte: “Good faith in the exercise of rigths […]
means that a State’s rights must be exercised in a manner compatible with its various obligations
arising either from treaties or from the general law. It follows from this interdependence of rights
and obligations that rights must be reasonably exercised. The reasonable and bona fide exercise
of a right implies an exercise which is genuinely in pursuit of those interests which the right is
destined to protect and which is not calculated to cause any unfair prejudice to the legitimate
interest of another State, whether these interests be secured by treaty or by general international
law. The exact line dividing the rights of both parties is traced to a point where is a reasonable
balance between the conflicting interests involved. This becomes the limit between the right and
the obligation, and constitutes, in effect, the limit between the respective rights of the parties. The
protection of the law extends as far as this limit, which is the more often undefined save the
principle of good faith. Any violation of this limit constitutes an abuse of right and a breach of
obligation, by recognising their interdependence, harmonises the rights and obligations of every
person, as well as all the rights and obligations within the legal order as a whole.”.
122
que se constate estar ocorrendo ou não um abuso na aplicação dessa norma. Como
já visto, esse abuso pode corresponder a um abuso da própria norma (rule
shopping), do próprio tratado internacional tributário (treaty shopping), ou, aos casos
triangulares, onde existe a interposição de um terceiro beneficiário.
Após essa constatação de abuso das próprias normas dos tratados
internacionais tributários, baseada no princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda,
que necessariamente irão buscar aquela aplicação do tratado e de suas normas que
reflitam os objetivos e propósitos de sua celebração, é que cada Estado Soberano
signatário irá avaliar a aplicação de normas internas. Essas serão tanto aquelas que
determinam a imposição dos tributos cuja competência ao fato concreto foram
estabelecidas pela norma do tratado internacional tributário, como as normas
internas que irão auferir se dentro do contexto do ordenamento jurídico está
havendo uma elisão abusiva ou mesmo uma evasão fiscal, através de
planejamentos tributários agressivos e artificiosos.164
Nesse sentido, ressalta-se que os limites das normas internas antielisivas,
assim como as medidas adotadas pelas Autoridades Tributárias para o combate ao
abuso dos planejamentos tributários não são objeto de análise do presente estudo,
164
Schoueri (1995, p. 37) entende que as normas internacionais devem ser “aplicadas segundo as
regras válidas no direito internacional público”, fazendo ressalva quanto ao limite que seria a
própria Constituição: “No que se refere à interpretação, incluímo-nos entre aqueles que julgam que
os acordos de bitributação devem ser aplicados segundo as regras válidas no direito internacional
público. O único limite ao emprego de tais normas é o imposto pelo respeito à Constituição, cujas
normas devem ser interpretadas pelo aplicador da lei, ainda que este se valha do direito
internacional”. Davies (DAVIES, David R.. Principles of International Double Taxation Relief,
Londres, Sweet & Maxwell, 1985.) apud Schoueri (1995, p.39) defende este entendimento com
relação a um caráter subsidiário das normas internas com relação à interpretação das normas
internacionais: “Em consequência, as normas de direito interno, referentes à interpretação de
regras tributárias têm, no máximo, um caráter subsidiário em relação às regras de Direito
Internacional (Davies, 1985/52)”. Assim, para Schoueri (1995, p.39) as normas dos tratados
internacionais tributários devem ser interpretados de acordo com o direito internacional público,
em um primeiro passo, para depois serem utilizadas as normas de direito interno, principalmente
no que se refere ao abuso das normas dos tratados internacionais: Deve, portanto, o intérprete
buscar primeiramente a solução no direito internacional público, sendo subsidiárias as normas de
direito interno, no que se refere ao abuso de normas de acordos de bitributação. [...] Nossa
posição não nos desobriga, entretanto, do exame da solução da questão do Treaty Shopping, a
partir das regras de abuso de direito, nos ordenamentos internos. Este exame nos parece
necessário, primeiramente, porque, como mostrado, parte da doutrina entende que as regras de
direito interno têm importância (ainda que secundária) na interpretação dos tratados
internacionais. Além disso, verificamos que, de fato, há, no direito comparado, casos de aplicação
de normas internas sobre o abuso de direito, para a contenção do Treaty Shopping. Finalmente,
porque entendemos que um estudo que verse sobre o planejamento fiscal internacional não pode
fugir à responsabilidade de examinar como o direito brasileiro trata a questão da elusão/evasão
fiscal e os limites do nosso direito, no que se refere ao tema.”. Como a obra de Schoueri (1995)
trata especificamente do treaty shopping, ele deixa claro que é fundamental para analisar o abuso
no planejamento tributário internacional, através desta prática, a aplicação, mesmo que
subsidiária, de normas internas.
123
no tocante aos seus limites legais e constitucionais dentro do ordenamento jurídico
interno, importando somente a possibilidade de aplicá-los em face de situações
abrangidas pelos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação
da renda.
Assim, uma vez que os tratados internacionais tributários devam ser
interpretados como normas de Direito Internacional Público, e, não como normas
internas, posto não serem transformados em tais165, fato é que a limitação discutida
em âmbito interno no tocante a legalidade das medidas antielisivas e confronto no
que diz respeito a um posicionamento formalista ou valorativo, não são aplicáveis na
análise em questão.166
165
Por fim, Schoueri (1995) analisando a adoção da teoria da “transformação” dos tratados
internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, o que acarretaria a interpretação com base na
legislação interna, conclui que resta impossibilitado a aplicação da teoria do abuso de formas ao
planejamento tributário internacional por intermédio do Treaty Shopping. Aduz ainda que no
ordenamento jurídico brasileiro os vícios dos atos jurídicos são tratados, no direito tributário,
somente através da simulação e da fraude.
166
Tendo em vista que o Dualismo já foi considerado como adotado no ordenamento jurídico
brasileiro, e, portanto as normas dos tratados internacionais eram transformadas em normas
internas, o abuso dos tratados tinha que ser visto sob um enfoque do direito interno. Assim,
tratando da teoria do abuso das formas em especial no caso de Treaty Shopping, Schoueri (1995,
p.73) ressalta que, no caso não corresponderia a uma analogia, mas sim uma redução teleológica.
Isto porque na analogia normalmente há uma ampliação da norma atingindo fatos que antes
estariam de fora do seu alcance. Já na redução teleológica, Schoueri (1995, p.73) explica através
de Kramer (1991) que “diz-se que a aplicação literal da norma ultrapassaria a intenção do
legislador, e, por isso, não ocorre”. Já citando Larenz (LARENZ, Karl. Methodenlehre der
Rechtswissenschaft, 4ª ed., ampliada, 1979, Berlin, Heidelberg, New York, Springer-Verlag,
1960), Schoueri (1995, p.73) aduz que “enquanto a analogia ultrapassa o sentido possível dos
termos, a redução teleológica o restringe”. Não obstante tais ponderações, Schoueri entende que
tanto na analogia quanto na redução teleológica haveria uma “ampliação da compreensão do
texto, fora dos limites que suas palavras impõe. Neste diapasão, Schoueri (1995) acentua que a
redução teleológica também estaria afastada no ordenamento jurídico brasileiro com base na
norma do Artigo 108, §1º do Código Tributário Nacional (CTN)(“ “Art. 108. § 1º O emprego da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”). Cabe ressaltar que para
Schoueri (1995, p.79) a questão da utilização do abuso das formas não ser aceita no direito
tributário brasileiro, em razão das suas normas internas, seria relevante somente se os tratados
internacionais fossem incorporados no ordenamento interno através da teoria da “transformação”.
Não obstante tal fato, Schoueri (1995), conforme já aduzido, é adepto da teoria da “adoção”,
sendo esta a que melhor se adequa ao ordenamento jurídico brasileiro, e, portanto, os tratados
internacionais, entre eles os que versam sobre matéria tributária, devem ser interpretados em
consonância com as normas de Direito Internacional Público. Ao tratar da simulação, Schoueri
(1995, p.85) cita Tipke e Lang (TIPKE, Klaus e LANG, Joachim. Steuerrecht: ein systematischer
Grundriß, 12ª ed., rev. e atualizada, Köln, Berlag Otto Schmidt KG, 1989.) explicando que “no
negócio simulado, as partes não desejam os efeitos do negócio, encobrindo um outro, cujos
efeitos são almejados”. Assim, já passando para a esfera tributária, citando Meili (MEILI, Markus.
Die Steuerumgehung im schweizeirischen Recht der direkten Steuern – unter Einbezug der
missbräuchlichen Inanspruchnahme von Doppelbesteuerungsabkommen des Bundes.
Winterhur, Verlag Hans Schellenberg, 1976), aduz que o negócio simulado teria validade apenas
externamente para encobrir o outro negócio da fiscalização das autoridades tributárias. Em
comparação com a teoria do abuso das formas, Schoueri (1995, p. 85) cita Dória (DÓRIA, Antônio
R.S.. Elisão e Evasão Fiscal, São Paulo, Ed. LAEL, 1971) para ressaltar que “a teoria do abuso
das formas configuraria a simulação, em sua incidência fiscal, sendo desnecessário adotar tal
124
Certo é que as referidas normas antielisivas internas (aí também se incluindo
as medidas antielisivas como a aplicação dos Artigos 142 combinado com o Artigo
149 do Código Tributário Nacional) estarão em consonância com a interpretação dos
tratados internacionais tributários na medida em que buscarem os mesmos objetivos
destes, ressaltados ao longo do presente estudo em várias passagens, mas que
cabe mais uma vez o destaque, devido a sua importância: evitar a dupla tributação e
a dupla não tributação da renda; evitar a elisão abusiva e a evasão fiscal; e, buscar
com isso a neutralidade tributárias nas transações internacionais.
4.2.6 Os tratados-contratos versus os tratados-normas
Cabe mencionar novamente que a interpretação dos tratados internacionais já
sofreu distinção no tocante a classificação em tratados-normas e tratados
contratos.167
A doutrina brasileira já superou tal distinção, bem como a jurisprudência que
destaca a falta de relevância principalmente para os tratados internacionais
tributários para evitar a dupla tributação da renda. O Superior Tribunal de Justiça
(STJ), neste diapasão, já consagrou entendimento que a antiga posição de paridade
hierárquica com a legislação ordinária seria apenas para os “tratados-contratos”,
enquanto que os “tratados-lei” teriam caráter supralegal.
4.3 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
teoria (abuso de formas), “perigosa e imperfeita”, já que a simulação já é reprimida pelo direito
brasileiro”.
167
Schwarz (2009, p. 57) acentua a importância da interpretação dos tratados internacionais,
inicialmente faz referência a uma antiga classificação que já teve destaque na jurisprudência
brasileira (conforme mencionado alhures): se os tratados internacionais possuem natureza
contratual (e portanto devem ser interpretados pelas normas internas), ou se possuem natureza
de atos legislativos (devendo, destarte, serem interpretados como normas de direito internacional).
“The interpretation of tax treaties is a subject that has received considerable attention over the
years. The starting point of most of the analysis has been whether treaties are essentially
contractual in nature or a form of legislative enactment. Therefore, should they be subject to the
ordinary rules of statutory interpretation of international agreements? Are they to be construed in
the same way as any other fiscal legislation or are there specific rules? The difficulty is coming to
any conclusion is that treaties are, in effect, both. They are agreements between sovereign states,
but under UK constitutional rules, in order to give effect to them under domestic law, they also
acquire the status of legislative instruments. This duality of status has led some to conclude that
treaties must be interpreted at both levels and that different rules might apply at each level. Tax
treaties are interpreted by domestic courts and not supranational tribunals (with the exception of
the ECJ which has thus far refrained from interpretation).” (SCHAWRZ, 2009, p. 57).
125
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), concluída no dia
23 de maio de 1969, foi promulgada no Brasil no dia 14 de dezembro de 2009,
através do Decreto 7.030, e, com reservas aos Artigos 25 e 66. Para o presente
estudo, a Seção 3, que trata da “Interpretação de Tratados”, é indiscutivelmente a
mais relevante, motivo pelo qual, desde já transcreve-se os Artigos 31 a 33:
Artigo 31
Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum
atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e
finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá,
além do texto, seu preâmbulo e anexos:
a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em
conexão com a conclusão do tratado;
b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão
com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento
relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do
tratado ou à aplicação de suas disposições;
b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela
qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;
c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às
relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que
essa era a intenção das partes.
Artigo 32
Meios Suplementares de Interpretação
Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos
trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a
fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do Artigo 31 ou de
determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o Artigo
31:
a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.
Artigo 33
Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas
1. Quando um tratado foi autenticado em duas ou mais línguas, seu texto
faz igualmente fé em cada uma delas, a não ser que o tratado disponha ou
as partes concordem que, em caso de divergência, prevaleça um texto
determinado.
2. Uma versão do tratado em língua diversa daquelas em que o texto foi
autenticado só será considerada texto autêntico se o tratado o previr ou as
partes nisso concordarem.
3. Presume-se que os termos do tratado têm o mesmo sentido nos diversos
textos autênticos.
4. Salvo o caso em que um determinado texto prevalece nos termos do
parágrafo 1, quando a comparação dos textos autênticos revela uma
diferença de sentido que a aplicação dos Artigos 31 e 32 não elimina,
126
adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado,
melhor conciliar os textos.
Apesar do Artigo 33 fazer parte da seção, e, ter sido transcrito acima, não tem
relevância com o problema ora tratado nesse estudo.
4.3.1 A interpretação com boa-fé
O Artigo 31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)
prevê a interpretação com boa-fé. Tendo em vista a natureza do princípio da boa-fé,
ressalta-se que a sua aplicação na interpretação dos tratados internacionais
independe de o Estado Soberano ter ou não ratificado a CVDT.
Vale lembrar que, segundo Godoi (2003)168, a previsão normativa do princípio
da boa-fé nada mais é do que simples afirmação de norma costumeira existente no
ordenamento internacional. Neste diapasão, a aplicação do princípio da boa-fé deve
ser levada em conta diante de uma interpretação a ser dada a uma norma presente
em um tratado internacional para se evitar a dupla tributação da renda, ratificado
pelo Brasil, mesmo em momento anterior a 2009, quando a Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro.
Antes disso, Santiago (2006) também afirmava que a Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (CVDT) deveria ser observada no Brasil, mesmo que, naquela
época, ele não a tinha ratificado.
Ademais, é possível vislumbrar três princípios, de acordo com Russo (2007,
p.17)169, no Artigo 31(1) da CVDT: (i) os tratados devem ser interpretados em boa-fé;
(ii) presume-se a intenção dos Estados Signatários através do sentido comum dos
termos empregados; (iii), tais termos devem ser determinados de acordo com o
168
Cabe ressaltar, a observação feita por Godoi (2003) levava em conta que naquele momento o
Brasil ainda não tinha ratificado a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT),
sendo que a sua promulgação ocorreu apenas em 2009, através do Decreto 7.030, de 14 de
dezembro de 2009. Não obstante, o teor da observação continua, logicamente, válido.
169
“The interpretation of international treaties is governed by public international law and, specifically,
by the Vienna Convention on the Law of Treaties (VCLT) of 23 May 1969. Since it codifies
international customary law, the VCLT is used in interpreting treaties also in respect of states that
have not ratified it (see Sec. 5 of the Official Explanation on Arts. 31-33). Arts. 31 to 33 of the VCLT
deal specifically with the interpretation of international treaties. Art. 31(1) of the VCLT contains the
following three principles: (i) a treaty shall be interpreted in good faith; (ii) the parties are to be
presumed to have the intention that appears from the ordinary meaning of the terms used by them
(so-called “textual approach”); and (iii) the ordinary meaning of a term has to be determined in the
context of the treaty and in the light of its object and purpose.” (RUSSO, 2007, p. 17).
127
contexto dos tratados a partir de uma interpretação pautada em alcançar os seus
objetivos e o seu propósito.
Também com relação ao Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT), Lang e Brugger (2008, p. 99-100)170 aduzem que referida
norma determina que os tratados internacionais sejam interpretados em boa-fé e de
acordo com o sentido comum dado aos termos dentro do contexto do tratado e
objetivando alcançar o seu objeto e propósito.
Assim, o texto do tratado seria considerado como o ponto de início da
interpretação. É feita, contudo, a advertência no sentido de que a busca pelo sentido
comum dos termos dentro do contexto do tratado não necessariamente condiz com
a sua interpretação literal, devendo a interpretação decorrer de uma análise do
tratado como um todo. Neste diapasão, os tratados internacionais tributários para
evitar a dupla tributação da renda celebrados com a redação similar ao da
Convenção Modelo da OCDE terá nesta e nos seus comentários fonte relevante de
interpretação de suas normas, de acordo com a regra geral de interpretação
estabelecida no Artigo 31 da CVDT.
4.3.2 O objeto e propósito dos tratados internacionais tributários
Conforme já destacado anteriormente, o princípio da boa-fé se reveste como
uma regra geral de interpretação prevista no Artigo 31 da Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados (CVDT). Tal dispositivo deixa claro a importância a ser dada
ao objeto e propósito dos tratados internacionais.
170
“If it can be established, by reference to the text of the treaty, that a double taxation convention is,
in principle, based on the OECD Model, an interpretation in good faith requires that the OECD
Model Convention and the OECD Commentary are consulted in the interpretation process. The
principle of good faith “requires, that one party should be able to place confidence in the words of
the other, as a reasonable man might be taken to have understood them in the circumstances”. If
the contracting states chose to follow the wording of the OECD Model in drafting a certain
provision, it is only reasonable to assume that they intended such a provision to have the meaning
it has in the OECD Model, as outlined in the version of the OECD Commentary that existed at the
time when the treaty was negotiated. The general rule of interpretation in Article 31 (1) VCLT thus
establishes the relevance of the OECD Model Convention and the OECD Commentary in the
interpretation process. This does not imply, however, that the OECD Model Convention and the
OECD Commentary carry similar weight as the text of the treaty itself. It has to be taken into
account that the OECD Model Convention and the OECD Commentary do not form part of the
treaty. They may nevertheless serve as valuable evidence of the intentions of the negotiators to be
considered in the interpretation. However, depending on the circumstances at hand, other
arguments may carry more weight. The rules on interpretation contained in the Vienna Convention
are not designed to establish a rigid hierarchy between the various interpretative elements.
Consequently, each individual case calls for careful consideration of all relevant aspects.” (LANG e
BRUGGER, 2008, p. 99-100).
128
No caso dos tratados internacionais tributários, já foi destacado o seu objetivo
de garantir uma neutralidade tributária nas operações e transações internacionais
envolvendo os Estados Soberanos signatários através de algum elemento de
conexão. Tal objetivo seria buscado através de normas de imposição de
competência tributária impossibilitando, destarte, a dupla tributação da renda.
Contudo, como objetivo também estaria a elisão abusiva e a evasão fiscal, o que
evitaria a prática de planejamentos tributários abusivos e agressivos, bem como a
dupla não tributação da renda.171
A interpretação mesmo buscando alcançar os objetivos deve ter como ponto
de partida o significado geral dos termos deve ser apenas o ponto de partida na
busca da essência das normas e da busca pela real intenção dos Estados
Soberanos signatários. Nesse sentido, Schwarz (2009, p. 70) analisando o Artigo
31(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) faz remissão à
obra de McNair, The Law of Treaties.172
Lado outro, cabe destacar que o texto do tratado internacional tributário faz
parte do seu contexto, e, a interpretação a ser dada, por mais que se deva buscar os
objetivos dos tratados, não pode corresponder a uma extrapolação do que pode ser
entendido do seu texto.173
171
Sobre a forma de interpretação Santiago (2006, p. 84) aduz que o intérprete tem o dever de aplicar
aquela que busca atingir o objetivo do tratado evitando a dupla tributação e a dupla não-tributação:
“No caso das convenções tributárias, o intérprete se aterá aos limites de suas atribuições, não
descambando para a criação do direito, se tiver em mente que a finalidade daqueles é evitar a
dupla tributação e a dupla não-tributação nas hipóteses e para as pessoas nelas contempladas (e
não em todas as situações tributáveis em que tenham interesse comum os Estados-contratantes).
Dentro desses rígidos limites, tem não somente a faculdade, mas também o dever, de dar
preferência, entre as várias leituras possíveis, àquela que melhor realize os objetivos do tratado
(tais como nele inscritos, e não como presumivelmente concebidos pelos seus negociadores).”.
172
“Full recognition of the object and purpose interpretation, and of Article 31(1), is found in IRC v
Commerzbank. In that case, the court also referred to the customary international rule as
expressed by McNair in The Law of Treaties, where it was stated that the task of construing or
interpreting a treaty is ‘the duty of giving effect to the expressed intention of the parties’. In this
respect, McNair said that the plain terms of a treaty or construing words according to their general
and ordinary meaning or their natural signification are to be a starting point or a prima facie guide
and ‘cannot be allowed to obstruct the essential quest in the application of treaties, namely the
search for the real intention of the contracting parties using the language employed by them’.”
(SCHWARZ, 2009, p. 70).
173
Nesse sentido, Engelen (2004, p. 427) afirma que: “The text of a tax treaty is the primary object of
interpretation. It is a well-established principle that the starting point of any interpretation is the
elucidation of the meaning of the text, not an investigation into the intention of the parties. In other
words, the relevant question is not so much what a treaty was intended to say, but rather what it
actually says. Therefore, an interpretation going beyond what is expressed or necessarily implied
in the actual terms of a tax treaty in order to give effect to the presumed intention of the parties
would be in flagrant contradiction of the textual approach underlying the provisions of Articles 31
and 32 VCLT”.
129
4.3.3 O contexto dos tratados internacionais
Adentrando no que vem a ser o contexto dos tratados internacionais
tributários, para fins de interpretação é de vital importância determinar qual é o papel
da Convenção Modelo da OCDE, e, dos Comentários oficiais.174
Ainda com base na “Regra Geral de Interpretação” correspondente ao Artigo
31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), o contexto é
destacado nos Parágrafos 2 e 3. Assim, os tratados internacionais tributários, ao
serem interpretados, deverão buscar os objetivos dentro do seu contexto, que
compreenderá, “qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em
conexão com a conclusão do tratado”, e “qualquer instrumento estabelecido por uma
ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras
partes como instrumento relativo ao tratado”.
Ademais, acordos posteriores firmados pelas partes do tratado, ou mesmo
práticas que evidenciam a interpretação dos tratados podem ser consideradas
vinculantes no sentido de tornarem-se relevantes.
Como bem ressaltado por Li e Sandler (1997, p.903)175 , a utilização tanto da
Convenção Modelo da OCDE, quanto dos seus comentários é controvertida, haja
174
Tôrres (2001b, p. 653-655) trata da importância dos comentários das Convenções Modelo da
OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da ONU (Organização
das Nações Unidas) em relação aos preceitos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados
(CVDT), aduzindo que tais comentários fariam parte do contexto do qual a convecção menciona,
e, devem ser utilizados nas interpretações dos tratados internacionais tributários para se evitar a
dupla tributação da renda. “Para a interpretação das Convenções de Direito Internacional
Tributário, exclusivamente, existem dois recursos próprios e muito oportunos para figurar como
contexto. Trata-se dos Comentários aos Modelos de convenções, redigidos pelos respectivos
organismos internacionais responsáveis, ONU e OCDE, e dos acordos consultivos interpretativos
alcançados mediante procedimento amigável, já mencionado. [...] A importância dos Comentários
para a interpretação convencional baseia-se no princípio da concordância das decisões, como
forma de garantia de interpretação concordante entre os Estados contratantes, principalmente
para os países que fazem parte da OCDE ou ONU, que aprovaram por unanimidade os
respectivos Modelos e seus Comentários. Evidentemente, não existe uma vinculação para as
autoridades que realizam a atividade interpretativa, mas devem ser valorados à altura,
principalmente na ausência de critérios mais seguros é que as autoridades muitas vezes se
baseiam “cegamente” em seus critérios, frutos que são de profundas e exclusivas meditações,
experimentadas e aprovadas pela prática internacional. As suas explicitações cobrem todos os
campos de dúvidas possíveis, dando receitas e sugestões para solução de quaisquer problemas,
seja de que natureza for. Até porque são os Comentários que, em várias oportunidades, oferecem
uma redação alternativa aos artigos, em função das peculiaridades de relações mantidas entre os
Estados contratantes e dos concretos interesses surgidos no seio de uma negociação bilateral.”
(TÔRRES, 2001b, p. 653-654).
175
“The utility of the OECD model and commentary in the interpretation of a particular tax treaty is
controversial. The suggestion that it forms part of the context of a particular tax treaty under article
130
vista que apesar de sugestões no sentido de que tais documentos integrariam ao
contexto de um determinado tratado internacional tributário, segundo o que
prescreve o Artigo 31(2) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT). Mesmo o tratado internacional tributário sendo baseado na Convenção
Modelo da OCDE, ele não corresponde a um “acordo relativo ao tratado” nem a um
“instrumento” que estariam “em conexão com a conclusão do tratado”.
Além do contexto, é preciso que, na interpretação dos tratados internacionais
tributários sejam considerados, também, as previsões constantes do Parágrafo 3º,
alíneas “a”, “b”, e, “c”, quais sejam, “qualquer acordo posterior entre as partes
relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições”, “qualquer
prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o
acordo das partes relativo à sua interpretação”, e, “quaisquer regras pertinentes de
Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes”.
Assim, de acordo com o preceituado no Artigo 31(3)(C) da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), pode-se concluir que as normas de
Direito Internacional Público relevantes já existentes formam um “pano de fundo” na
qual a interpretação dos tratados internacionais tributários deve ser feita. Um
exemplo, referente aos tratados internacionais tributários para se evitar a dupla
tributação, é a previsão do Artigo 28 da Convenção Modelo da OCDE, que faz
referência às regras gerais de direito internacional e às normas específicas que
garantem privilégios fiscais para membros diplomáticos.176
31(2) of the VCLT is not supported by the text of that provision. The OECD model is not “an
agreement” or “instrument” made by any of the parties to a particular tax treaty; nor was the OECD
model made in connection with the conclusion of a particular treaty, even if the treaty is based on
the model. Ault’s suggestion that the commentary may be referred to under the auspices of article
31(4) is more appealing, although it is questionable whether the commentary necessarily reflects
the agreements of the two states that are part to a bilateral tax treaty, even if both are members of
the OECD” (LI E SANDLER, 1997, p.903).
176
O exemplo é apresentado por Engelen (2004, p. 436-437): “Tax treaties sometimes include an
express reference to the rules of general international law applicable in the relations between the
contracting States. For example, Article 28 of the OECD Model Tax Convention contains a
reservation for the general rules of international law and the provisions of special agreements
concerning the fiscal privileges of members of diplomatic missions or consular posts and it goes
without saying that in this particular context such terms as ‘diplomatic missions’ and ‘consular
posts’ must be interpreted in the light of these rules and agreements. In defining the term ‘the
Netherlands’ for the purpose of the 1992 DTC between and the United States, to mention one
further example, reference is made in Article 3(1)(b) of the Convention to ‘the part of the Kingdom
of the Netherlands that is situated in Europe and the part of the sea bed and its sub-soil under the
North Sea, over which it has sovereign rights in accordance with international law for the purpose
of exploration for and exploitation of the natural resources of such areas’, and the ordinary
meaning to be given to such terms as ‘sea bed’ and ‘sub-soil’ clearly must be determined in the
context of the rules of international law concerned”.
131
4.3.4 Os “meios suplementares”
O Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)
trata dos “Meios Suplementares da Interpretação). Assim, uma vez que a
interpretação de um tratado internacional não foi possível de ser realizada tomandose por base os seus objetivos, seu contexto (preâmbulo e anexos), bem como
aqueles elementos que devem ser levados em consideração de maneira conjunta –
Artigo 31(1)(2)(3) – o intérprete deve valer-se dos meios suplementares.
Estes são, de acordo com o Artigo 32 da CVDT, os trabalhos preparatórios e
as circunstâncias de sua conclusão, e, teriam como objetivo confirmar o sentido
auferido pela interpretação oriunda da aplicação do Artigo 31 da CVDT.
Como bem asseverado por Mazzuoli (2007, p.212)
177
, os trabalhos
preparatórios e as circunstâncias de conclusão dos tratados internacionais, apesar
de serem os únicos previstos no texto do Artigo 32 da CVDT, não são os únicos
meios suplementares de interpretação, podendo, destarte, valer-se o intérprete de
outros meios que entender necessário na busca do sentido da norma internacional.
Lang e Brugger (2008, p. 97) fazem referência ao julgamento da Suprema
Corte da Austrália, em 1990, no caso Thiel v Federal Commissioner of Taxation,
onde fora analisado a forma de interpretação dos tratados internacionais tributários
para se evitar a dupla tributação da renda. Naquela ocasião, foi decidido que o
tratado assinado entre a Austrália e a Suíça deveria ser interpretado em
conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT),
mesmo que a Suíça não tenha ratificado referida convenção. A decisão178 sustenta
que as disposições a respeito das interpretações de tratados internacionais
177
“Sem embargo de a Convenção só ter elencado esses dois meios suplementares de interpretação,
outros também poderão ser utilizados, a exemplo da regra do efeito útil – pela qual as cláusulas
obscuras ou ambíguas de um tratado devem ser sempre interpretadas de modo a que produzam o
maior sentido e eficácia possíveis relativamente ao seu objetivo -, a da interpretação funcional –
por meio da qual os tratados devem ser interpretados em harmonia com o seu desiderato, na
medida do possível para a plenitude dos efeitos do acordo -, bem como a analogia, os costumes,
os princípios gerais de direito e a regra contra proferentem, aplicada especialmente aos tratadoscontrato e segundo a qual toda disposição obscura ou ambígua do tratado deve ser interpretada
em desfavor da parte que a propôs ou redigiu, ficando a outra parte o benefício da dúvida.”
(MAZZUOLI, 2007, p. 212).
178
Trecho original da decisão: “Those rules have now been codified by the Vienna Convention on the
Law of Treaties to which Australia, but not Switzerland, is a party. Nevertheless, because the
interpretation provisions of the Vienna Convention reflect the customary rules for the interpretation
of treaties, it is proper to have regard to the terms of the Convention in interpreting the Agreement,
even though Switzerland is not a party to that Convention”.
132
presentes nos Artigos 31 a 33 da CVDT correspondem a direito internacional
consuetudinário.
Segundo Lang e Brugger (2008, p. 98-99), a Convenção Modelo da OCDE,
bem como os comentários à convenção, devem ser entendidos como meios
suplementares de interpretação dos tratados internacionais tributários, e, portanto,
abrangidos pelo Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT).
Santiago (2006, p.86)179 corrobora do entendimento de que os comentários à
Convenção Modelo da OCDE devem ser interpretados por Estados não membros,
mas associados, como o Brasil, como se fossem materiais preliminares, segundo a
disposição do Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(CVDT).
Neste diapasão, cumprem apenas um papel secundário na interpretação dos
tratados, seja confirmando a aplicação da interpretação oriunda do Artigo 31 da
CVDT, seja, ainda, determinando o sentido dos termos quando não é possível pelo
artigo precedente.
4.3.5 O “sentido especial” do Artigo 31(4) da CVDT
O Artigo 31(4) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)
prescreve que um “sentido especial” deve ser dado aos termos dos tratados
internacionais caso os Estados Signatários assim concordem.
Li e Sandler (1997, p.902-903)180 fazem menção a Ault (1993)181, que, por sua
vez, sugere que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE deveriam conter
179
“Para os Estados não-membros da organização que negociam as convenções a partir dos
modelos (caso do Brasil), parece-nos mantida a sua tese, expressa no artigo conjunto com
PROKISCH, de que constituem não mais do que material preliminar, no sentido do art. 32 da
CVDT” (SANTIAGO, 2006, p. 86).
180
“Finally, article 31(4) provides that a special meaning shall be given to a treaty term if the parties so
intended. Ault suggests that the commentary on the OECD could be referred to under this
provision “to establish the intent of the parties to use a term in a special manner, despite the
seeming lack of ambiguity based on the other restricted Article 31 material.” The utility of the
OECD model and commentary is the interpretation of a particular tax treaty is controversial. The
suggestion that it forms part of the context of a particular tax treaty under article 31(2) of the VCLT
is not supported by the text of that provision. The OECD model is not “an agreement” or
“instrument” made by any of the parties to a particular tax treaty; nor was the OECD model made in
connection with the conclusion of a particular treaty, even if the treaty is based on the model. Ault’s
suggestion that the commentary may be referred to under the auspices of article 31(4) is more
appealing, although it is questionable whether the commentary necessarily reflects the agreement
of the two states that are party to a bilateral tax treaty, even if both are members of the OECD.
133
uma menção no sentido de ser utilizado pelos Estados Signatários como um “sentido
especial”, fazendo, inclusive, alusão ao artigo em comento. A colocação de Ault
(1993), registrada por Li e Sandler (1997) é vista por eles como uma solução para a
querela, posto entenderem que tanto a Convenção Modelo da OCDE, quanto os
seus comentários não enquadrariam de maneira correta nas disposições do Artigo
31(2) ou Artigo 31(3) da CVDT.
Não obstante, também encontram empecilhos no que condiz ao Artigo 31(4)
da CVDT. Isto porque, mesmo os Estados Soberanos signatários sendo membros
da OCDE, não é presumível que os Comentários da Convenção Modelo da OCDE
correspondam às intenções pactuadas no tratado internacional tributário.
4.3.6 Uma “interpretação comum” pelos Estados Signatários
Como já aduzido anteriormente, os tratados internacionais tributários devem
ser interpretados em consonância com as disposições da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (CVDT), mesmo por aqueles Estados que não a
pactuaram, tendo em vista que as normas ali presentes correspondem a princípios
de direito internacional universalmente adotados.
No caso de uma norma interna ser considerada uma medida tomada pelo
Estado Soberano signatário de um tratado internacional tributário para tentar elidirse de uma de suas normas, mas, o outro Estado Soberano tenha aceitado a
aplicação desta nova norma interna por determinado período, Vogel (1986, p. 8485)182 entende que, em consonância com o Artigo 31(3)(b) da Convenção de Viena
Switzer has suggested: Even if the court were prepared to accept the commentary as admissible, it
is submitted that it would not be helpful. Rejection of the commentary to [a particular] article as an
interpretative aid is suggested by the inherent weaknesses of the commentary. The commentary
reflects only the consensus of pinion of a group of nations (and one suspects it is the lowest
common denominator opinion); because of its pluralistic nature, it may not indicate the attitudes of
the two countries which have entered into the convention. … Furthermore, the… commentary
cannot reflect the evolution of attitudes because it speaks only from the time it was prepared.” (LI e
SANDLER, 1997, p. 902-903).
181
AULT, Hugh J. The Role of the OECD Commentaries in the Interpretation of Tax Treaties. In
Herbet H. Alpert and Kees van Raad, eds., Essays on International Taxation (Deventer, the
Netherlands: Kluwer, 1993.
182
“According to Article 31(3)(b) of the Vienna Convention, of course, reference must also be made, in
interpreting a treaty, to the subsequent practice of the parties. Therefore, if the other contracting
state has accepted the application of the new law for some period of time, the avoidance objection
no longer can be raiser. It is, therefore, unnecessary today to examine whether the Subpart F
provisions of the U.S. Internal Revenue Code or the German Aussentsteuergesetz are reconcilable
with the double tax treaties the United States and the Federal Republic of Germany had previously
concluded.” (VOGEL, 1986, p.84-85).
134
sobre o Direito dos Tratados (CVDT), o tratado internacional deve passar a ser
interpretado como se essa fosse uma prática comum, não havendo que se falar em
ofensa.
Vogel (1986, p. 35)183, ao dispor sobre os dispositivos da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, aduz que a interpretação deve ser em razão do
propósito do tratado internacional tributário. Contudo, o propósito do tratado não
pode levar a uma interpretação subjetiva por parte do Estado Signatário, mas, sim,
de acordo com os seus objetivos de maneira geral.
Assim, Vogel (1986, p.37 e ss.) 184 apresenta a ideia de um princípio de
interpretação comum para a busca de uma melhor eficiência e justiça na utilização
de tratados internacionais tributários. A interpretação comum refere-se a uma forma
de interpretar os tratados internacionais tributários da forma que seja mais próxima
de ser aceita pelas partes. Neste sentido, Vogel (1986) exemplifica através de
decisões da cortes canadenses onde é feito uma referência a decisões de cortes
estadunidenses, em casos envolvendo análise de tratados internacionais tributários
entre os dois Estados, e, vice-versa, o que acaba gerando um diálogo produtivo na
formação de uma interpretação comum.
Vogel (1986), ao dispor sobre os comentários da Convenção Modelo da
OCDE, como meio para ser utilizado nas interpretações dos tratados internacionais
tributários, aduz que tal metodologia está em concordância com as previsões da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Ademais, seria uma forma de
atingir uma interpretação comum. Tanto a Convenção Modelo da OCDE como os
comentários à mesma seriam considerados como trabalhos preparatórios a que faz
referência o Artigo 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
183
“In interpreting international agreements according to these rules the treaty language is of primary
importance, meaning the “usual meaning” of the “terms” in the context of the entire agreement. The
older view seeking the subjective intent of the treaty parties is therefore rejected. The intent of the
parties is only important to the extent that is found to be expressed in the text. This does not mean
that subjective elements are excluded, rather they are implied within the purpose of the treaty. The
“purpose” referred to by the Vienna Convention, however, is not synonymous with the subjective
intention of the contracting states, but refers to the goal of the treaty language, as indicate by the
rule of Article 31 that the purpose shall influence interpretation merely by giving “light” to the terms
of the treaty. In other words, “purpose” is not itself an independent means of interpretation.”
(VOGEL, 1986, p. 35).
184
“In order for tax treaties to be applied efficiently and fairly, courts of different countries must strive
to interpret treaty provisions consistently. This principle of common interpretation is already wellestablished in many jurisdictions. Moreover, the OECD Model treaty provides a foundation for an
actual common interpretation of particular provisions by different states. Finally, parallel treaties of
a given state may also provide some guidance in the interpretation of other treaties of that state.”
(VOGEL, 1986, p.37)
135
4.3.7 A posição da Receita Federal do Brasil
A Receita Federal do Brasil, através da sua 15ª Turma, proferiu acórdão 1237583, no dia 31 de Maio de 2011, onde trata da função dos Comentários da
Convenção Modelo da OCDE na interpretação dos tratados internacionais tributários
assinados pelo Brasil. A ementa então proferida possui a seguinte redação:
15 º TURMA ACÓRDÃO 12-37583 de 31 de Maio de 2011
ASSUNTO: Normas Gerais de Direito Tributário
EMENTA:
TRATADOS
E
CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS.
OBSERVÂNCIA PELA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA INTERNA. Os tratados
e as convenções internacionais deverão ser observados pela legislação
tributária interna que lhe s sobrevenha (art. 98 do CTN).
TRATADOS INTERNACIONAIS DE BITRIBUTAÇÃO CELEBRADOS COM
BASE
NA
CONVENÇÃO-MODELO
DA
OCDE.
FUNÇÃO
INTERPRETATIVA DOS COMENTÁRIOS DAQUELA ORGANIZAÇÃO.
Conquanto não possuam natureza vinculante, os Comentários à
Convenção-Modelo da OCDE, elaborados pelo Comitê de Assuntos Fiscais
daquela Organização, constituem importante referência interpretativa para
os tratados de bitributação celebrados pelo Brasil com base no referido
modelo.
Ano-calendário: : 01/01/2007 a 31/12/2007
Apesar de não haver uma delimitação precisa de como ocorreria essa
referência interpretativa, a decisão já demonstra um certo grau de importância dos
Comentários à Convenção Modelo da OCDE, bem como a adoção da própria
Convenção pelo Brasil na elaboração de seus tratados internacionais tributários.
4.3.8 A questão temporal
A interpretação dos tratados internacionais tributários, principalmente no
tocante à utilização dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE, tem uma
questão temporal a ser analisada. Surge a questão de saber como e se devem ser
aplicados a tratados internacionais tributários pretéritos, Comentários elaborados
posteriormente.
Desse modo, existem posições no sentido de que os comentários deveriam
ser interpretados somente com relação aqueles tratados internacionais assinados
136
posteriormente. Ou seja, um comentário novo não deve ser aplicado a tratados
internacionais tributários pretéritos.
Neste sentido, Li e Sandler (1997, p.904)185 entendem que os comentários
realizados no momento em que os tratados internacionais tributários foram
concluídos é que deveriam ser levados em consideração para a sua aplicação,
destacando que poderia ocorrer algumas exceções no caso de serem utilizados
comentários “novos”.
Concluem, em síntese, que os comentários deveriam ser utilizados como
fonte secundária de acordo com as previsões do Artigo 32 da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (CVDT) que faz menção aos “meios suplementares de
interpretação”, ou seja, para confirmar determinada tributação ou para determinar o
significado de determinado termo ou expressão do tratado quando o recurso ao
Artigo 31 da CVDT acarretar em um sentido ambíguo ou mesmo obscuro.
Certo é que, conforme será visto, é preciso ver caso a caso, notadamente
para saber que tipo de Comentário está se buscando uma aplicação como meio
interpretativo, e, qual será o peso a ser dado, em razão de tal situação.
4.4 Comentários à Convenção Modelo da OCDE
Como já perceptível nessa altura, os Comentários à Convenção Modelo da
OCDE são de importância ímpar para a análise dos tratados internacionais
tributários elaborados com base na Convenção Modelo da OCDE. Notadamente, os
tratados internacionais celebrados pelo Brasil foram elaborados com base na
Convenção Modelo da OCDE, e, é reconhecido que se deve dar importância aos
seus comentários, apesar de na realidade isto não acontecer.
Portanto, a análise dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, como
“referência interpretativa” (nos dizeres da Receita Federal do Brasil – RFB), é de
suma importância, bem como a análise da própria Convenção Modelo, em si.
185
“However, most jurists agree that the version of the commentary in existence at the time the
particular treaty was concluded should be the one considered by courts. Save in exceptional
circumstances, it would be inappropriate for a court to consider commentary introduced after the
particular treaty was concluded. We suggest that the commentary is a secondary source of
interpretation and may be considered under article 32 of the VCLT; that is, it may be referred to in
order to confirm an interpretation or to determine the meaning when reliance on the rule of
interpretation set out in article 31 would give rise to an ambiguity or an absurdity” (LI e SANDLER,
1997, p.904).
137
Edwardes-Ker (1997, p.160 e ss.)186, em sua tese de doutorado “Tax Treaty
Interpretation”, realizada em 1997, informa que a Convenção Modelo de 1977 era
intitulada de “Model Convention for the avoidance of double taxation with respect to
taxes on income and on capital”, o que demonstra, segundo a sua opinião, que o
único propósito daquela Convenção era evitar a dupla tributação.
Somente com a mudança no título da Convenção Modelo da OCDE em 1992
é que tal referência passou a não mais constar, o que originou os comentários no
sentido de que os Estados Signatários de tratados internacionais tributários
deveriam constar no título dos tratados que os mesmos se destinavam, além de
evitar a dupla tributação da renda, a combater a evasão fiscal.
Tratando da interpretação dos tratados internacionais tributários de maneira a
prevenir a elisão fiscal abusiva, Arnold (2004) faz a relação entre os novos
Comentários ao Artigo 1º, oriundos da Revisão de 2003, com as regras de
interpretação dos tratados internacionais, previstas no Artigo 31 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). Neste sentido, Arnold (2004) apregoa
que, pela norma da Convenção de Viena, os tratados internacionais devem ser
interpretados de boa-fé, e, em consequência, devem ser levados em conta não só o
objetivo do tratado internacional, mas, também a sua interpretação literal e o
contexto onde está inserido. Posição categoricamente defendida ao longo do estudo.
Schwarz (2009, p.73 e ss.) 187 destaca que os Comentários à Convenção
Modelo da OCDE é de importância impar para a interpretação dos tratados
186
“The avoidance of double taxation is the most important object and purpose of almost all tax
treaties. In some tax treaties it is sole expressed purpose. For example, the 1977 OECD Model is
entitled (italics added): “Model Convention for the avoidance of double taxation with respect to
taxes on income and on capital”. This Model mentions no other object or purpose – but other
purpose exist, as indicated below. However, the 1992 OECD Model is succinctly entitled:
“Convention between (State A) and (State B) with respect to taxes on income and on capital”. This
1992 change in the OECD Model’s title was doubtless made to remove the implication in the 1977
Model that the avoidance of double taxation was its sole purpose – and to imply that both Models
may have other purposes, including “the prevention of fiscal evasion”. Accordingly, Footnote 1 to
the 1992 OECD Model’s title runs (italic added): “1. States wishing to do so may follow the
widespread practice of including in the title a reference to either the elimination of double taxation
and the prevention of fiscal evasion”” (EDWARDES-KER, 1997, p. 160).
187
“The most important publicly available document is the commentary to the OECD Model. The
OECD Model forms the basis of the UK negotiating position. HMRC takes the view that ‘Where the
text of a provision of a double taxation agreement follows the wording of the OECD Model or has
substantially similar wording then the guidance in the commentary on the OECD Model may be
used as an aid to interpretation of that double taxation agreement’. The commentary itself
advocates its own use. Commentary to the OECD Model is now routinely referred to by the courts
have not refined the tests as to when it is required to be used, when it may be used, and its
position in the hierarchy of interpretive rules. The commentary to the OECD Model is an important
aid to interpretation in Sun Life Assurance Company of Canada v Pearson, when the use of the
138
internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda. Ressalta, ainda,
que tal importância vem também do fato de que tais comentários são resultantes de
posições adotadas por experts do Comitê Fiscal da OCDE.
Nesse sentido, vale destacar o caso Sun Life Assurance Company vs.
Pearson, julgado em 1984 pela Poder Judiciário do Reino Unido. Na análise do
tratado internacional tributário celebrado entre o Reino Unido e o Canada, em 1967,
foi levado em consideração Comentários da OCDE de 1977, para a solução do caso.
Isso demonstra, de maneira evidente, que o Poder Judiciário brasileiro tem muito a
evoluir no tocante à análise aos tratados internacionais tributários. Contudo, já pode
ser
vislumbrado,
como
demonstrado
acima,
um
primeiro
passo,
com
o
reconhecimento do Monismo com primado do Direito Internacional.
Lado outro, Russo (2007, p.18-19) 188 , ao dispor sobre os Comentários à
Convenção Modelo da OCDE, pondera que existe realmente uma dificuldade em
enquadrá-los em um dos Artigos da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT), como visto acima.
Nessa linha, os Comentários seriam vistos, na maioria das vezes, entre uma
das três opções: sentido comum – Artigo 31(1) da CVDT; sentido especial – Artigo
31(4) da CVDT; ou, meios suplementares de interpretação – Artigo 32 da CVDT.
Russo (2007) conclui que a importância irá ser dada a depender do caso concreto e
do comentário. Mais abaixo é explorado o enquadramento dos Comentários à
Convenção Modelo da OCDE com mais profundidade.
Contudo, a grande dificuldade apontada, e a qual estudiosos discutem, referese à influência da mudança dos Comentários aos Artigos que já teriam sido
commentary was first considered by a UK court, it was noted that the articles in question were
draw in identical terms to the provisions of the 1977 OECD Model Treaty, and that both the UK and
Canada were member countries. In commenting on the allocation of income, the judge noted that
any doubts he had about the position would be dispelled by the commentary. This was despite the
fact that the 1977 commentary was not a commentary on the 1967 Canadian Treaty, which had a
different origin. He noted, however, that ‘the views of the experts who sat on the Fiscal Committee
on the Regulation of Double Taxation are entitled to very great weight’ (SCHWARZ, 2009, p.7374).
188
“The legal status of the OECD Commentary within the framework of the VCLT is far from clear. The
Commentary has been viewed in literature as (i) ‘ordinary meaning’ in the sense of Art. 31(1) of the
VCLT, (ii) “special meaning” in the sense of Art. 31(4) of the VCLT, or (iii) a “supplementary means
of interpretation” in the sense of Art. 32 of the VCLT. […] It is not the purpose of this contribution to
clarify one of the most debated issues in international taxation. What needs to be noted here is that
the bottom line is that the effective value of the OECD Commentaries may vary from one
jurisdiction to the other. In some states, local judges and tax authorities heavily rely on the
statements contained therein to interpret treaties based on the OECD Model, in others they simply
consider the Commentary as any other scholar’s work on the subject” (RUSSO, 2007, p.18-19).
139
corroborados. Neste sentido, quando os Estados membros da OCDE concordam
com tais provisões, sem o uso de ressalvas, a aplicação “retroativa” seria válida,
como no caso mencionado anteriormente.
Notadamente, seria uma questão de analisar caso a caso, a depender da
postura dos Estados Soberanos signatários, bem como do teor dos novos
comentários e de suas implicâncias.
Assim sendo, os tratados internacionais tributários, segundo Arnold (2004)
não essencialmente devem ser interpretados somente levando em consideração o
seu objetivo de prevenir a elisão tributária (ou o abuso de suas normas), como
exposto nos novos Comentários advindos da Revisão de 2003, posto que, existem
outras formas de se aplicar o princípio da boa-fé no tocante a correta maneira de
interpretação dos tratados internacionais.
No mesmo sentido, é a lição de Schoueri (1995) que mesmo analisando os
tratados internacionais tributários em momento anterior à Revisão de 2003 deixa
claro que, pelo menos naquela ocasião, a boa-fé não necessariamente poderia
corresponder a um princípio de anti-abuso dos tratados internacionais tributários,
diferentemente, em contrapartida, ao que defende Vogel (1986).
Certo é que a ideia principal por detrás dos tratados internacionais tributários
é a de resguardar as transações internacionais, sem que as mesmas sejam
influenciadas ou desmotivadas em decorrência de imposições tributárias, e, ao
assegurar tal vantagem, deve-se impedir que haja um abuso no exercício desse
direito.
4.4.1 A influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE
O American Law Institute, apud Ward (2005), em 1992, pronunciou-se no
sentido de que os Comentários à Convenção Modelo da OCDE correspondem a
material que apesar de não constituírem legislação internacional possuem um lugar
de destaque, haja vista que são notadamente consultados tanto por autoridades
governamentais (nas negociações dos tratados internacionais tributários), como por
consultores tributários, na elaboração de planejamentos tributários. Portanto, não há
que se falar em falta de conhecimento deles.
Sobre a influência dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE
conveniente observar que existe uma alentada discussão a respeito da sua eficácia.
140
Van Raad apud Engelen (2004, p. 440-441)189 apresentou estudo ainda em 1978
sobre o tema (Interpretatie van belastingwerdragen) onde inicialmente tinha
concluído pela força de contexto referido no Artigo 31(2)(b) da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
Posteriormente (Het nationale recht bij de uitlegging van belastingverdragen),
em 1984, o Professor de Leiden teria alterado o seu posicionamento para entender
que os Comentários teriam apenas força de meios suplementares de interpretação.
E, por último, em 1996, Van Raad (Interpretation and Application of Tax Treaties)
apud Engelen (2004, p. 441) teria reconsiderado sua posição no sentido de status
legal aos Comentários à Convenção Modelo da OCDE.
Outro estudioso que também veio a contribuir para a análise da influência dos
Comentários à Convenção Modelo da OCDE para a interpretação dos tratados
internacionais tributários foi Vogel (Klaus Vogel on Double Taxation Conventions)
apud Engelen (2004) entendendo que tais comentários não podem ser considerados
como ”contexto”, de acordo com o Artigo 31(2)(b) da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (CVDT), muito menos como meios suplementares de
interpretação previstos no Artigo 32, também da CVDT. Assim sendo, ele entenderia
que, uma vez sendo as provisões do tratado internacional tributário pactuado
idênticas às provisões da Convenção Modelo da OCDE, os comentários a esta
convenção seriam considerados dentro do previsto no Artigo 31(1) da CVDT, como
“sentido comum”, ou mesmo de acordo com o Artigo 31(4) da CVDT, como sendo
“sentido especial”.
Nesse caminho, Vogel apud Engelen (2004, p. 442) teria feito observações no
tocante à importância dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE.
Primeiramente, os Estados membros da OCDE devem seguir às orientações do
Conselho daquela organização internacional, no sentido de utilizarem das
Convenções Modelo, bem como seguir os Comentários inerentes a elas, salvo os
casos em que esses Estados tenham feito ressalvas. Em segundo lugar, caso o
189
“One of the first attempts to fit the Commentaries on the OECD Model Tax Convention into the
rules of interpretation laid down in the Vienna Convention was made by Van Raad. In an article
published as early as 1978, he concluded, though not without hesitation, that, since the Commentaries
are adopted by mutual consent of the OECD member countries and each Member country has the
possibility of making an observation if it disagrees with the interpretation set out therein, it seems
justified to regard them as an instrument within the meaning of Article 31(2)(b) VCLT and, thus, as
context for the purpose of the interpretation of tax treaties based on the OECD Model Convention”
(ENGELEN, 2004, p.440-441).
141
texto do tratado seja similar, mas não seja idêntico, e o contexto sugere uma
interpretação diversa, as partes devem seguir o previsto nos Comentários. E, em
terceiro lugar, os Comentários não devem ser levados em conta quando as
disposições dos tratados forem diferentes das disposições da Convenção Modelo da
OCDE, e, o contexto também sugerir uma interpretação diferente. Contudo, tais
ponderações são feitas para os casos em que as partes dos tratados internacionais
tributários sejam membros da OCDE. Caso alguma das partes não seja membro,
mas a outra sim, haverá a presunção de estarem querendo utilizar o sentido
expresso nos Comentários apenas quando a redação utilizada seja a mesma.
Com relação às alterações posteriores feitas aos Comentários à Convenção
Modelo da OCDE, através de revisões, Vogel apud Engelen (2004) entende que não
teriam força vinculante na interpretação dos tratados, sejam estes pactuados entre
Estados membros da organização ou não. Por causa destas alterações aos
comentários, Vogel (The influence of the OECD Commentaries on Treaty
Interpretation, 2000) apud Engelen (2004) reviu o seu posicionamento para dispor
que não se deve mais utilizar os Comentários para a interpretação dos tratados
internacionais tributários sem serem feitas algumas reservas (“we can no longer
apply the Commentaries when interpreting tax treaties without severe reservations”).
Assim, destaca quatro passos que devem ser seguidos para a determinar o grau de
influência dos Comentários. O primeiro passo diz que os Comentários originais à
Convenção Modelo de 1963 fazem parte de uma “linguagem internacional tributária”,
e, devem ser entendidos de acordo com o Artigo 31(1) da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados (CVDT) como sendo o sentido comum dos termos. O
segundo passo, seria idêntico ao primeiro mas com relação às mudanças de 1977,
e, para os casos dos tratados celebrados anteriormente, a solução deve ser vista
caso a caso. O terceiro passo diz respeito às versões posteriores dos comentários
que não integrariam a “linguagem internacional tributária”, e, que contudo podem ser
considerados de acordo com o Artigo 31(4) da CVDT como “sentido especial”. Por
fim, o quarto passo diz respeito aos demais comentários que seriam mais recentes e
que seriam no máximo considerados como “sentido especial” previsto no Artigo
31(4) da CVDT, e, de acordo com o Artigo 32, também da CVDT.
Não obstante tais mudanças, as antigas ponderações de Vogel (anteriores à
2000), são ratificadas por diversos autores como conta Engelen (2004, p. 445), entre
eles podendo serem destacados Ault, Avery Jones, Lang e Ward.
142
Já segundo o próprio Engelen (2004, p.459-460), os Comentários à
Convenção Modelo da OCDE não possuem força vinculante, de acordo com o
próprio estatuto da organização. Desse modo, não pode ser utilizado de acordo com
o Artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), que
estabelece como meios de interpretação somente aquilo que possua vínculo legal ou
autêntico com o texto do tratado. Neste diapasão, não seria nem um acordo nem um
instrumento. Assim, os Comentários à Convenção Modelo da OCDE devem ser
aplicados com base no Artigo 32 da CVDT, como “sentido especial”, todavia, sua
influência estaria a depender da análise do caso concreto.
Portanto, mais uma vez encontra-se o raciocínio no sentido da casuística para
a aplicação dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE na interpretação de
tratados internacionais tributários.
4.4.2 Princípio da Boa-fé e os Comentários à Convenção Modelo da OCDE
Martín Jiménez (2002, p.542-543) aponta a complexidade da relação das
normas antielisivas internas com as normas de tratados internacionais tributários
para se evitar a dupla tributação da renda, destacando alguns fatos. Em primeiro
lugar, destaca que o Parágrafo 41 da Introdução à Convenção Modelo da OCDE
deixa claro que o Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE continua a estudar a
questão do uso impróprio dos tratados internacionais tributários e da evasão fiscal
internacional.
Elisão e evasão tributária; uso impróprio dos tratados internacionais
41. O Comitê de Assuntos Fiscais continua a examinar tanto o uso
impróprio dos tratados internacionais tributários como a evasão fiscal
internacional. O problema é ressaltando nos Comentários em diversos
Artigos. Em particular, Artigo 26, como esclarecido nos Comentários,
permite Estados a trocarem informações para combater esses abusos.
190
(OCDE, 2014 [tradução livre])
Em segundo lugar, existe a questão das normas antielisivas internas
possuírem um padrão diferenciado a depender do Estado, sendo que em alguns, em
virtude de uma legalidade mais acirrada, é mais improvável o uso de normas gerais
190
“Tax avoidance and evasion; improper use of conventions
41. The Committee on Fiscal Affairs continues to examine both the improper use of tax
conventions and international tax evasion. The problem is referred to in the Commentaries on
several Articles. In particular, Article 26, as clarified in the Commentary, enables States to
exchange information to combat these abuses.” (OECD, 2014)
143
antielisivas, enquanto que em outros Estados busca-se um padrão mais rígido das
normas antielisivas, em seus sistemas tributários.
Em terceiro lugar, a elisão fiscal abusiva, assim como a evasão fiscal, é
muitas vezes combatida por outros meios sem ser as normas gerais antielisivas.
Assim, existem também as normas específicas antielisivas – como são as
normas de empresas estrangeiras controladas e as normas de subcapitalização – o
que acaba contribuindo também para uma maior complexidade na análise do tema.
E, o combate à concorrência fiscal prejudicial depende das normas antielisivas.
Martín Jiménez (2002, p.547) aponta que, se por um lado os tratados
internacionais tributários pouco dizem respeito ao que seria um abuso de suas
normas, por outro lado o direito internacional deixa claro que uma interpretação
literal dos dispositivos do tratado vai de encontro com o princípio da boa-fé, o que
leva a entender que a aplicação de regras gerais antielisivas não iria acarretar
qualquer ofensa ao princípio do pacta sunt servanda.
Contudo é questionável até que ponto o princípio da boa-fé interfere e vincula
os Estados a seguirem os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, nos casos
de terem pactuado tratados internacionais tributários.
Com relação a um tratado internacional tributário pactuado entre dois Estados
membros da OCDE a não utilização dos Comentários para interpretá-los ficaria
intricada por quatro pontos apontados por Engelen (2004, p.465):
a.
Ambos os Estados teriam deliberado a favor das recomendações
que são feitas pelo Conselho da OCDE;
b.
nenhum dos Estados teriam feito reservas aos comentários ou
observações na maneira de interpretá-los;
c.
o tratado internacional tributário segue o padrão das provisões da
Convenção Modelo da OCDE; e,
d.
nenhum dos Estados Signatários teriam feito observações durante
as negociações do tratado internacional tributário no sentido de que
as normas ali constantes seriam interpretadas de maneira diferente
ao estabelecido nos comentários.
Engelen (2004, p.467) ainda defende que os Comentários, nesses casos,
devem ser vistos como fontes de obrigações legais (“source of legal obligation”)
144
decorrentes do princípio da boa-fé que se apresenta como proteção à legitima
expectativa (segurança jurídica) e aquiescência.
Ademais, não somente os Comentários existentes no momento da ratificação
do tratado internacional tributário, mas como também aqueles posteriormente
incorporados através das revisões devem ser levados em conta. Esta é inclusive a
posição da própria Convenção Modelo da OCDE conforme se verifica no Parágrafo
35 da sua Introdução, acrescentado em 1992.
Outra previsão existente na Convenção que ratifica tal entendimento é a
contida no Parágrafo 36.1 onde contém evidências de que as orientações são no
sentido
aplicar
as
modificações
aos
comentários
em
tratados
assinados
anteriormente.
4.4.3 Comentários posteriores
Conforme asseverado, a Introdução à Convenção Modelo da OCDE trata da
relação entre os comentários e as versões anteriores nos Parágrafos 33 a 36.
Relação com as versões anteriores
33 Na elaboração da Convenção Modelo 1977, a Comissão dos Assuntos
Fiscais examinaram os problemas de conflitos de interpretação que possam
surgir como resultado de mudanças nos Artigos e Comentários do projeto
da Convenção de 1963. Naquela época, a Comissão considerou que as
Convenções existentes devem, na medida do possível, ser interpretadas no
espírito dos Comentários revisados, mesmo que as disposições dessas
Convenções ainda não incluam a formulação mais precisa do Convenção
Modelo de 1977. Também foi indicado que os países membros que desejam
esclarecer suas posições neste sentido poderiam fazê-lo por meio de uma
troca de cartas entre as autoridades competentes, em conformidade com o
procedimento de acordo mútuo e que, mesmo na ausência de tal uma troca
de cartas, estes autoridades poderiam utilizar procedimentos de acordo
mútuo para confirmar esta interpretação em casos particulares.
34 O Comité considera que as alterações aos Artigos da Convenção Modelo
e os Comentários que foram feitos desde 1977 deve ser interpretados de
forma semelhante.
35 Desnecessário será dizer que as alterações aos Artigos da Convenção
Modelo e alterações nos Comentários que são um resultado direto dessas
alterações não são relevantes para a interpretação ou aplicação das
Convenções anteriormente celebradas quando as disposições dessas
Convenções são substancialmente diferentes dos Artigos alterados. No
entanto, outras alterações ou adições aos Comentários são normalmente
aplicáveis à interpretação e aplicação das Convenções celebradas antes da
sua aprovação, porque refletem o consenso dos países membros da OCDE
quanto à interpretação adequada das disposições existentes e sua
aplicação em situações específicas.
145
36 Enquanto a Comissão considera que as alterações aos Comentários
devem ser pertinentes ao interpretar e aplicar as Convenções concluídas
antes da aprovação destas mudanças, não concorda com qualquer forma
de interpretação "a contrario", que seria necessariamente inferiria uma
alteração em um Artigo da Convenção Modelo ou aos Comentários que a
redação anterior resultaria em consequências diferentes daquelas da
modificação do texto. Muitas alterações visam simplesmente esclarecer,
não mudar, o significado dos Artigos ou dos comentários, e essas
interpretações "a contrario" seria claramente errado nesses casos.
36.1 As autoridades fiscais dos países membros seguem os princípios
gerais enunciados nos últimos quatro parágrafos. Por conseguinte, a
Comissão dos Assuntos Fiscais considera que os contribuintes também
podem achar útil consultar versões posteriores dos comentários na
191
interpretação de tratados anteriores. (OECD, 2014 [tradução livre])
Ward (2005, p. 79) apresenta uma classificação de quatro diferentes tipos de
Comentários posteriores à ratificação de um tratado internacional tributário,
formulada por Mike Waters (2005)192:
191
“Relation with previous versions
33. When drafting the 1977 Model Convention, the Committee on Fiscal Affairs examined the
problems of conflicts of interpretation that might arise as a result of changes in the Articles and
Commentaries of the 1963 Draft Convention. At that time, the Committee considered that existing
conventions should, as far as possible, be interpreted in the spirit of the revised Commentaries,
even though the provisions of these conventions did not yet include the more precise wording of
the 1977 Model Convention. It was also indicated that member countries wishing to clarify their
positions in this respect could do so by means of an exchange of letters between competent
authorities in accordance with the mutual agreement procedure and that, even in the absence of
such an exchange of letters, these authorities could use mutual agreement procedures to confirm
this interpretation in particular cases.
34. The Committee believes that the changes to the Articles of the Model Convention and the
Commentaries have been made since 1977 should be similarly interpreted.
35. Needless to say, amendments to the Articles of the Model Convention and changes to the
Commentaries that are a direct result of these amendments are not relevant to the interpretation
or application of previously concluded conventions where the provisions of those conventions are
different in substance from the amended Articles. However, other changes or additions to the
Commentaries are normally applicable to the interpretation and application of conventions
concluded before their adoption, because they reflect the consensus of the OECD member
countries as to the proper interpretation of existing provisions and their application to specific
situations.
36. Whilst the Committee considers that changes to the Commentaries should be relevant in
interpreting and applying conventions concluded before the adoption of these changes, it
disagrees with any form of “a contrario” interpretation that would necessarily infer from a change
to an Article of the Model Convention or to the Commentaries that the previous wording resulted
in consequences different from those of the modified wording. Many amendments are intended to
simply clarify, not change, the meaning of the Articles or the Commentaries, and such “a
contrario” interpretations would clearly be wrong in those cases.
36.1 Tax authorities in member countries follow the general principles enunciated in the
preceding four paragraphs. Accordingly, the Committee on Fiscal Affairs considers that taxpayers
may also find it useful to consult later versions of the Commentaries in interpreting earlier
treaties.” (OECD, 2014)
192
WATERS, Mike. The Relevance of the OECD Commentaries in the Interpretation of Tax
Treaties, 2005
146
a.
comentário que preenche uma lacuna nos comentários então
existentes cobrindo matérias que não tinham sido abordadas
anteriormente (Comentários que preenchem lacunas);
b.
comentário que amplia os comentários existentes acrescentando
novos exemplos ou argumentos ao que já existia (Comentários que
ampliam posicionamentos);
c.
comentário que registra o que é praticado pelos Estados
(Comentários que registram uma prática); e
d.
comentário que contradiz os comentários existentes (Comentários
que contradizem).
Ward (2005, p.85), ao fazer referência aos Comentários à Convenção Modelo
da OCDE, especificamente aos Comentários ao Artigo 1º, ressalta que o primeiro
Comentário foi feito apenas em 1977, ainda que tal artigo fosse o mesmo desde
1963.
O Comentário de 1977 ao Artigo 1º deixava claro que as normas de direito
interno consideradas anti-abusivas não poderiam acarretar o afastamento da
aplicação das normas internacionais previstas no tratado internacional tributário.
Para tanto, seria preciso a previsão no corpo dos tratados internacionais tributários
sobre a aplicação de tais medidas internas.
Segundo Ward (2005, p.90-92), os tratados internacionais tributários
ratificados anteriormente à Revisão de 2003 aos Comentários à Convenção Modelo
da OCDE não podem ser aplicados como permitindo a aplicação das normas
internas antielisivas, pois ofenderia o princípio do pacta sunt servanda.
Contudo, analisando como a questão é vista perante as Cortes Judiciárias de
alguns países, as conclusões são diversas.
Na França, a princípio, os comentários subsequentes não são levados em
conta, porém, podem ser considerados em certos casos. Já os comentários já
existentes, apesar de não possuírem força vinculante, possuem um valor maior
como forma de instrumentos de interpretação.
A Suprema Corte Italiana já decidiu que a Convenção Modelo da OCDE não
possui força vinculante com relação à interpretação dos tratados, e, portanto, assim
também devem ser vistos os comentários.
147
Em Luxemburgo tanto as Cortes Administrativas como as Judiciais utilizam a
Convenção Modelo da OCDE e os comentários como forma de interpretarem os
tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda.
Lang e Brugger (2008) apresentam a posição da Administração Tributária
Australiana (Australian Tax Office – ATO), segunda a qual, os Comentários à
Convenção Modelo da OCDE representam um importante meio de interpretação dos
tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da renda,
obviamente salvo os casos em que a Convenção Modelo esteja com redação
diversa daquela presente nos tratados ou os comentários sejam atuais e totalmente
distintos dos antigos elaborados anteriormente aos tratados.
Segundo Lang e Brugger (2008, p.102) seria preciso fazer uma referência no
tocante as mudanças dos Comentários, em função dos Artigos 31 e 32 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
Assim, não poderiam os “novos” comentários (posteriores a determinado
tratado internacional) serem utilizados para esclarecerem a intenção dos Estados
Soberanos signatários, e, também não seriam parte do contexto como previsto no
Artigo 31(2) da CVDT. Sobraria, contudo, enquadrá-los como acordos subsequentes
referentes à interpretação dos tratados de acordo com o Artigo 31(3) da CVDT.
Portanto, Lang e Brugger (2008, p.102-104) defendem que os Comentários à
Convenção Modelo da OCDE que forem feitos posteriormente à elaboração de um
tratado
internacional
tributário
para
evitar
a
dupla
tributação
da
renda
corresponderiam, de acordo com as regras gerais de interpretação da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) ao previsto no Artigo 31(3)(b), que
seriam as “práticas subsequentes”.
Para tanto, ressaltam o Parágrafo 29.1 da Introdução da Convenção Modelo
da OCDE onde está consignado que as administrações tributárias concedem grande
peso interpretativo às orientações oriundas dos comentários.
29.1 As administrações fiscais dos países membros rotineiramente
consultam os Comentários na sua interpretação dos tratados fiscais
bilaterais. Os Comentários são úteis tanto na decisão de questões
pormenores do dia-a-dia quanto na resolução de questões mais amplas que
envolvem as políticas e os propósitos por detrás de diversas disposições.
Auditores Fiscais dão grande importância à orientação contida nos
193
Comentários. "(OECD 2014 [tradução livre])
193
“29.1 The tax administrations of member countries routinely consult the Commentaries in their
interpretation of bilateral tax treaties. The Commentaries are useful both in deciding day-to-day
148
Ademais, o uso de práticas subsequentes para a interpretação dos tratados
internacionais tributários, apesar de limitada, acaba sendo uma maneira dinâmica de
aplicar as regras pois não necessariamente utilizam do entendimento dos Estados
Signatários no momento da conclusão do contrato, mas, sim, em momento posterior
com a evolução e adequação de suas normas à realidade dos fatos.
Não obstante tal dinamismo, a utilização, como posto por Lang e Brugger
(2008) é limitada, devendo se ater às linhas do tratado, sob pena inclusive de poder
ferir preceitos constitucionais de um dos Estados Signatários, caso altere demais o
significado original do texto do tratado.
4.4.4 Revisão de 2003 e relação com tratados internacionais tributários anteriores
No que tange aos efeitos da mudança nos comentários oriundas da revisão
realizada em 2003, Arnold (2004) esclarece que a aplicação de tais mudanças aos
tratados assinados após janeiro de 2003 é um pouco controversa, apesar da OCDE
entender que os novos comentários devem ser aplicados normalmente aos tratados
em vigor.
Acontece que as referidas mudanças não foram, para alguns, apenas
esclarecedoras, mas, apontaram um posicionamento até então incerto ou diverso
sobre certas questões, o que para alguns estudiosos seria justificativa para que os
novos comentários não fossem aplicados aos tratados internacionais tributários que
já vigentes.
Apesar dos Comentários à Convenção Modelo da OCDE não são vinculantes
para as cortes de justiça, representam fonte de interpretação (como é entendimento
exposto pela Receita Federal do Brasil, e transcrito em tópico prévio).
Ademais, de acordo com a própria Convenção (Parágrafos 33 a 36.1 da
Introdução, acima transcrito), os Comentários devem ser aplicados a todos os
tratados internacionais tributários, mesmo nos casos em que os tratados tenham
sido celebrados em momento anterior à elaboração dos comentários.
Segundo Ward (2005), os Comentários à Convenção Modelo da OCDE,
muitas das vezes, acabam tendo um sentido um pouco mais abrangente, em
questions of detail and in resolving larger issues involving the policies and purposes behind
various provisions. Tax officials give great weight to the guidance contained in the
Commentaries.” (OECD 2014)
149
decorrência de que a sua formação é feita de maneira multilateral e não bilateral
como ocorrem com alguns tratados internacionais.
Além disso, O Conselho de Assuntos Fiscais da OCDE (Councel of Fiscal
Affairs) tende a tomar posições pró-governamentais, como é exemplificado pelas
revisões de 2003, notadamente com relação ao Parágrafo 7.1 do Artigo 1º que foi
posto, de maneira positiva, que o propósito da Convenção Modelo da OCDE é evitar
o abuso das normas tributárias, além da evasão.
4.4.5 Estados não-membros associados à OCDE (Brasil)
No que concerne a Estados não-membros, Engelen (2004, p. 469-470) faz
uma distinção entre aqueles que são considerados Estados não-membros
associados (ou como a própria OCDE chama “key partners”), que é o caso do Brasil,
e, aqueles países não membros que não são considerados associados.
No caso destes key partners o fato de determinarem suas posições nos
comentários, com a imposição de ressalvas, inclusive, tornam sua submissão aos
Comentários à Convenção Modelo da OCDE idêntica à posição dos Estados
membros. Engelen (2004, p. 469-470) apresenta três requisitos para tanto:
a.
nenhum dos Estados Signatários tenham elaborado qualquer
reserva ou observação ao comentário;
b.
o tratado internacional tributário segue os padrões das principais
disposições da Convenção Modelo da OCDE; e,
c.
nenhum dos Estados Signatários, durante a fase de negociações,
tenha estipulado que a interpretação de determinado dispositivo
venha a ser feita de maneira diversa daquela prevista nos
Comentários à Convenção Modelo da OCDE.
Da mesma forma, os Comentários feitos posteriormente à ratificação dos
tratados internacionais tributários são observados.
Neste diapasão, tem-se como exemplo o julgamento de Corte Suprema da
Holanda, realizado em 21 de Fevereiro de 2003, em relação ao tratado internacional
150
tributário firmado com o Brasil, a respeito da interpretação do Artigo 15(2)(a) (BNB
2003/177c•).194
Utilizando-se das regras constantes na Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT), nos Artigos 31 e 32, a Corte Suprema holandesa utilizou-se,
para realizar uma correta interpretação do tratado, os Comentários à Convenção
Modelo, cuja modificação tinham ocorrido em 1992. Pela redação do julgado, os
comentários em questão foram definidos como “sentido suplementar”, de acordo
com a redação do Artigo 32 da CVDT, e, não como sentido ordinário previsto no
Artigo 31, também da CVDT.
4.4.6 Comentários da OCDE e o princípio da integração sistemática – artigo 31(3)(c)
da CVDT
Broekhuijsen (2013) apresenta um novo posicionamento no sentido de que os
Comentários da Convenção Modelo da OCDE podem ser utilizados na interpretação
dos tratados internacionais tributários para evitar a dupla tributação da renda através
de um princípio de integração sistemática, tendo em vista o disposto no Artigo
31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT)195, como uma
regra de direito internacional relevante. Tal entendimento foi apresentado com base
no relatório do Grupo de Estudos da Comissão de Direito Internacional (Study Group
of the International Law Commission – ILC) sobre a “fragmentação do direito
internacional” (“Fragmentation Report 2006”) e a decisão da Corte Internacional de
194
“In these circumstances, the Commentaries can also be a source of legal obligation for associated
States through the principles of acquiescence and estoppel, as well as through the principle of
protection of legitimate expectations. This also holds true for later changes or additions to the
Commentaries that are not a direct result of amendments to OECD Model Tax Convention itself,
unless either contracting State has made an observation on such later changes or additions, or
otherwise communicated to the other contracting State that it considers that the provisions of the
treaty that are identical to those of the Model should be interpreted and applied differently than as
set out in the Commentaries thereon. Foe example, in a decision of 21 February 2003, BNB
2003/177c•, regarding the interpretation of Article 15(2)(a) of the 1990 DTC between the
Netherlands and Brazil, the Hoge Raad referred to the Commentary on the identical provision of
the OECD Model Tax Convention, as supplemented in 1992, in the context fo an interpretation in
accordance with the rules laid down in Articles 31 and 32 VCLT, and said that the conclusion it had
reached on the basis of the text of the Convention was in conformity with paragraph 5 of the said
Commentary. It is, however, unclear precisely how much weight was given to the later version of
the Commentary. The wording of the judgment suggests that it was regarded as a mere
supplementary means of interpretation to which recourse could be had under Article 32 VCLT in
order to confirm the meaning resulting from the application of the general rule of interpretation
embodied in Article 31 VCLT, and not as an authentic interpretation to be taken into account,
together with the context, under Article 31(3) VCLT.”(ENGELEN, 2004, p.470-471).
195
“Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: […] c)quaisquer regras pertinentes
de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.” (BRASIL, 2009)
151
Justiça sobre as plataformas petrolíferas (Oil Plataforms 2003 – Islamic Republic of
Iran v. United States of America).
O relatório sobre Fragmentação do Direito Internacional, de 2006, traz a ideia
de que existe um sistema de direito internacional, o que motiva que os tratados
internacionais devam ser interpretados como se fizessem parte de um grande
ambiente que forma o seu contexto ou unidade. Esta ideia seria o princípio da
integração sistemática que estaria previsto no Artigo 31(3)(c) da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
Com relação ao julgamento realizado pela Corte Internacional de Justiça no
caso das Plataformas Petrolíferas (Oil Plataforms, Ilsmaic Republic of Iran v. United
States of America), os Estados Unidos da América argumentaram que a destruição
de três plataformas de petróleo no Golfo Persa, através da sua marinha, estaria
protegida pela previsão do Artigo XX do Tratado de Amizade, Relações Econômicas
e Direitos Consulares, de 1955, assinado entre os dois países. Referido artigo previa
o direito de legítima defesa, que justificaria o uso da força. Contudo, a Corte
Internacional de Justiça não concedeu razão aos Estados Unidos da América,
fundamentando a sua decisão no fato de que o Artigo XX do Tratado de Amizade,
Relações Econômicas e Direitos Consulares, de 1955, assinado com o Irã, deveria
ser interpretado conjuntamente com relevantes normas de direito internacional, entre
elas a Carta das Nações Unidas e o direito internacional consuetudinário196.
A aplicação do Artigo 31(3)(c) da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT), ainda segundo Broekhuijsen (2013) deve ser feita, contudo, de
maneira integral a todo o Artigo 31 da CVDT, que expressa a regra geral de
interpretação, devendo, portanto, ser aplicado dentro do contexto, objeto e propósito
dos tratados internacionais, além de levar também em consideração o sentido
comum de seus termos.
Além disso, três são os requisitos que devem ser levados em consideração
para a sua aplicação. O material a ser utilizado para a interpretação sistemática dos
dispositivos dos tratados internacionais devem ser relevantes, devem corresponder
196
ICJ Reports 161, sec. 41, apud Broekhuijsen (2013, p. 2): “[I]nterpretation must take into account
“any relevant rules of international law applicable in the relations between the parties” (art. 31,
para. 3 (c)). The Court cannot accept that Article XX, paragraph 1(d) of the 1955 Treaty was
intended to operate wholly independently of the relevant rules of international law on the use of
force... The application of the relevant rules of international law relating to this question thus
forms an integral part of the task of interpretation”.
152
a normas de direito internacional, e, devem ser aplicáveis às partes do tratado sob
análise.
A questão que surge é se a aplicação do Artigo 31(3)(c) da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) poderia utilizar-se de normas do direito
internacional que não fossem vinculantes, como é o caso dos Comentários da
Convenção Modelo da OCDE.
Neste diapasão, Broekhuijsen (2013) ressalta que a Corte Europeia de
Direitos Humanos já empregou em suas decisões o entendimento segundo o qual
normas não vinculantes de direito internacional podem ser aplicadas na
interpretação sistemática de tratados internacionais.
De maneira conclusiva, Broekhuijsen (2013) entende que a unicidade da
posição dos Comentários da Convenção Modelo da OCDE garantem a possibilidade
de sua utilização na interpretação sistemática de tratados internacionais tributários,
através da disposição do Artigo 31(3)(c) da CVDT.
Raposo (2013, p. 41) ao tratar dos resultados dos trabalhos do grupo de
estudos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas entre 2000 e 2006
ressalta o princípio da harmonização pelo qual “os atores internacionais não
assumem
obrigações
contraditórias
ao
desenvolver
novas
relações
e
compromissos”. Já com relação ao soft law, Raposo (2013, p.42) esclarece que “é
possível que um postulado de soft law seja de auxílio no esclarecimento do sentido
de um preceito jurídico internacional, desde que não implique em alteração do
mesmo”.
Desse modo deveria haver uma harmonia inerente ao sistema jurídico
internacional.
4.4.7 Combate ao Abuso dos Tratados Internacionais Tributários e a prevenção da
dupla não tributação
García Prats (2010, p.83-84), ao discorrer sobre a Revisão de 2003 aos
Comentários do Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, defende haver um
reconhecimento por parte dos Estados modernos de que existe um consenso a
respeito de um princípio geral de direito reconhecido pelas nações civilizadas a
permitirem o combate ao abuso do direito, no caso abuso de tratados internacionais
tributários.
153
Ademais, referido princípio estaria presente no Parágrafo 9.5 através de uma
tentativa de definição do mesmo.
Através de uma análise cronológica feita por García Prats (2010), é possível
perceber que apesar das alterações nos Comentários à Convenção Modelo da
OCDE, sempre houve uma preocupação em atingir as exigências da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT).
Neste sentido, a posição tradicional dos Comentários em 1977 era a respeito
da preocupação na preservação do pacta sunt servanda. Em 1987, com os relatórios
a respeito das empresas interpostas e empresa base (Conduit and Base companies)
fica demonstrado uma preocupação com o uso impróprio dos tratados. Em 1989
houve o relatório sobre a revogação de tratados internacionais tributários dando
importância ao princípio do pacta sunt servanda. Já nos anos 90, em especial com
base no relatório de 1998 sobre Concorrência Fiscal Prejudicial (Harmful Tax
Competition) começou a ser reconhecido uma importância em reconsiderar o
objetivo dos tratados internacionais em prevenir as situações de dupla não
tributação.
4.5 Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE – Uso Impróprio
da Convenção
A partir do Parágrafo 7º dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo
da OCDE, passa-se a tratar do uso impróprio dos tratados internacionais tributários.
A versão oficial está na língua inglesa e francesa. Por esta razão, este estudo irá
apresentar a versão oficial em inglês em nota de rodapé, e, apresentará a versão em
português, de tradução livre, no corpo do texto. Ademais, ao serem feitos as
transcrições, serão acrescidos títulos não oficiais aos parágrafos, que ficarão entre
colchetes (“[]”), seguindo, destarte, a obra do professor Kees Van Raad,
“MATERIALS on International & EU Tax Law”.
Arnold (2004, p.244) relata que a Convenção Modelo da OCDE de 1963 e
1977 não tratou de maneira clara o problema do abuso dos tratados internacionais.
Tais Convenções Modelo da OCDE destacavam que o seu propósito seria a
eliminação da dupla tributação jurídica da renda e a prevenção da evasão fiscal.
Somente após a revisão em 2003 é que houve destaque para este tipo de
abuso dos tratados internacionais tributários. Observa-se também que termos como
154
evasão fiscal e elisão fiscal (este último chamado de tax avoidance), são termos
considerados internacionalmente distintos.
Outro ponto sobressaído por Arnold (2004, p.245) é que com os novos
Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, em 2003, os tratados
internacionais tributários passaram a ser interpretados de forma a refutar a elisão
tributária abusiva, ou seja, devem ser interpretados de maneira a assegurar a
aplicação de normas antielisivas internas, e, ao mesmo tempo, devem ser
interpretados de modo a evitar o seu abuso.
Neste andamento, não se deve mais buscar uma interpretação literal das
disposições dos tratados internacionais tributários.
Com isso, a OCDE, segundo Arnold (2004) inverteu o ônus no sentido de não
ser mais necessário que os tratados internacionais tributários prevejam a
possibilidade de um dos Estados Signatários poder aplicar suas normas antielisivas
internas.
Nesta linha de raciocínio, é de ressaltar que a forma de interpretação dos
tratados internacionais tributários acabam por possibilitar uma aplicação de normas
antielisivas internas. Mesmo com a constatação de que o tratado internacional é
uma norma de direito público internacional, e, por esta razão deva seguir a forma de
interpretação definidas para este fim, o próprio comentário aduz pela possibilidade
de aplicação, ocorrendo uma verdadeira internacionalização das normas internas,
como medida bilateral para evitar abuso.
Contudo, nesse caso, a internacionalização das normas antielisivas internas
correspondem a verdadeira medida global, posto que oriunda não de uma cláusula
do tratado internacional tributário celebrado entre as partes, mas, sim, advinda dos
Comentários da OCDE sobre o Artigo 1 da sua Convenção Modelo. Assim, torna-se
precioso saber se, ao ocorrer a internacionalização de tais normas, o seu sentido
será alterado também, como tinha anunciado Schoueri (1995) ao tratar da
internacionalização como medida bilateral para se evitar abusos aos tratados.
Arnold (2004) lembra que as mudanças no Comentário ao Artigo 1º da
Convenção Modelo da OCDE, em 2003, foram decorrentes das recomendações
oriundas do Relatório da OCDE de 1998, intitulado Harmful Tax Competiton: An
Emerging Global Issue.
155
Entre as recomendações para o combate à “competição tributária ofensiva”,
Arnold (2004) destaca duas diretamente relacionadas a tratados internacionais
tributários e a elisão fiscal.
A primeira seria a recomendação para que os tratados fossem revisados no
que condiz à concessão de benefícios para empresas (entidades) que utilizassem de
planejamentos tributários abusivos. Arnold (2004) entende que a revisão de 2003
acatou tal recomendação por diversas passagens.
A segunda recomendação do relatório de 1998, apontada por Arnold (2004)
refere-se à sugestão para que os comentários afastem qualquer dúvida e clarifiquem
a possibilidade de serem compatíveis as normas antielisivas domesticas e as
normas dos tratados internacionais tributários (“the Commentary on the Model Tax
Convention be clarified to remove any uncertainty or ambiguity regarding the
compability of domestic anti-abusive measures with the Model Tax Convention”).
4.5.1 Os Comentários anteriores a 2003
Os Comentários anteriores a 2003, isto é, os Comentários de 1977 até 2003
levavam a conclusão de que normas antielisivas internas somente poderiam ser
aplicadas a situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários caso tal
aplicação estivesse expressa dentro dos tratados internacionais – seria o caso
defendido por Schoueri (1995) como medida bilateral.
Tal entendimento era extraído da leitura do parágrafo 7 dos Comentários ao
Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE 197 , mas que ao longo dos demais
Comentários à Convenção Modelo era possível perceber uma visão diferente, no
sentido de permitir a aplicação das normas antielisivas internas.
197
Segundo a própria OCDE, o parágrafo 7º dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da
OCDE foi acrescentado quando a Convenção Modelo da OCDE de 1977 foi adotada pelo
Conselho da OCDE no dia 11 de Abril de 1977. A redação original chegou a sofrer,
posteriormente, alterações ínfimas em sua redação, sem a perda do sentido, em 21 de Setembro
de 1995, ficando com o seguinte texto, até as alterações promovidas pela Revisão de 28 de
Janeiro de 2003: “7. The purpose of double taxation conventions is to promote, by eliminating
international double taxation, exchanges of goods and services, and the movement of capital and
persons; they should not, however, help tax avoidance or evasion. True, taxpayers have the
possibility, irrespective of double taxation conventions, to exploit differences in tax levels between
States and the tax advantages provided by various countries’ taxation laws, but it is for the States
concerned to adopt provisions in their domestic laws to counter such manoeuvres. Such States will
then wish, in their bilateral double taxation conventions, to preserve the application of provisions of
this kind contained in their domestic laws.” (OECD, 2010)
156
Neste sentido, ressalta o Parágrafo 23 dos Comentários ao Artigo 1º,
anteriores à Revisão de 2003, cuja redação, em tradução livre, é a seguinte:
23. A grande maioria dos países membros da OCDE consideram que tais
medidas são parte das regras internas básicas estabelecidas pela
legislação tributária nacional, para determinar quais os fatos dão origem a
uma obrigação tributária. Estas regras não são abordadas em tratados
internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Pode-se
invocar o espírito da Convenção, que seria violado se uma empresa, que é
uma pessoa, na acepção da Convenção, acabou com nenhum ou quase
nenhuma atividade ou renda sendo atribuída a ela, e, os Estados
Contratantes tiveram pontos de vista divergentes sobre o assunto, com a
dupla tributação econômica resultante disso, o mesmo rendimento seja
tributado duas vezes nas mãos de dois contribuintes diferentes (ver
parágrafo 2º do Artigo 9). Uma visão divergente, por outro lado, sustenta
que tais regras estão sujeitas às disposições gerais dos tratados fiscais
contra a dupla tributação, sobretudo quando o próprio tratado prevê
disposições destinada a lutar contra seu uso indevido. (OCDE, 2010,
198
[tradução livre])
Ainda sobre a o antigo Parágrafo 23 dos comentários ao Artigo 1º da
Convenção Modelo da OCDE, Arnold (2004) observa que tanto as normas
específicas antielisivas internas (CFC Rules, por exemplo) como as normas gerais
antielisivas internas, por se tratarem de regras que dispunham sobre a capacidade
tributária, não tinham qualquer interferência com as regras dos tratados
internacionais tributários.
Apesar
do
Parágrafo
23
estar
atualmente
com
nova
redação,
o
posicionamento em questão é visto no Parágrafo 22.1, da mesma forma, sem,
entretanto, constar a ressalva final:
22.1 [Não há conflito entre lei tributária domestica e tratados internacionais
tributários] Tais regras são parte das regras básicas internas fixadas pela
legislação tributária doméstica para determinar quais fatos dão origem a
uma obrigação tributária; estas regras não são abordadas pelos tratados
internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Assim,
como regra geral, e, tendo em conta o Parágrafo 9.6, não haverá conflito.
198
Segundo o histórico dos comentários à Convenção Modelo da OCDE, a redação do parágrafo 23
referente ao Artigo 1º, anterior à Revisão de 2003 era a seguinte, em seu texto original: “23. The
large majority of OECD member countries consider that such measures are part of the basic
domestic rules set by national tax law for determining which facts give rise to a tax liability. These
rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. One could invoke
the spirit of the Convention, which would be violated only if a company, which is a person within the
meaning of the Convention, ended up with no or almost no activity or income being attributed to it,
and the Contracting States took divergent views on the subject, with economic double taxation
resulting therefrom, the same income being taxed twice in the hands of two different taxpayers
(see paragraph 2 of Article 9). A dissenting view, on the other hand, holds that such rules are
subject to the general provisions of tax treaties against double taxation, especially where the treaty
itself contains provisions aimed at counteracting its improper use.” (OECD, 2010)
157
Por exemplo, na medida em que a aplicação das regras referidas no
Parágrafo 22 resulta em uma recaracterização de renda ou de uma nova
determinação dos contribuintes que é considerado para obter tais
rendimentos, as disposições dos tratados internacionais tributários serão
aplicados tendo em conta estas mudanças (VAN RAAD, 2011 [tradução
199
livre])
Ainda sobre os Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo anteriores a
2003, Arnold (2004) conclui que eram, de forma geral, confusos, por exporem a
opinião majoritária dos membros da OCDE no sentido da não aceitação do abuso
dos tratados internacionais tributários e da necessidade de consideração das
normas antielisivas internas, de um lado, e, em contrapartida, sugerir que a
internacionalização das medidas internas – nos dizeres de Schoueri (1995, p.115) –
sejam feitas de maneira bilateral no corpo do próprio tratado. Ademais, de maneira
geral, Arnold (2004, p.246) lembra que as normas antielisivas internas foram
tratadas de maneira geral, com algumas exceções como no caso das regras de
empresas controladas no exterior (CFC Rules).
Com isso, pode-se dizer que um dos motivos ensejadores da Revisão aos
Comentários realizada em 2003 foi justamente o esclarecimento dessa questão
condizente com a possibilidade de coexistência de normas antielisivas internas e
normas de tratados internacionais tributários para se evitar a dupla tributação da
renda.
Fazendo referência a antiga redação do Parágrafo 10 dos Comentários ao
Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, Arnold (2004, p.246) tenta demonstrar
um lado mais confuso dos comentários, que ao mesmo tempo tentaria agradar a
todos os Estados Membros da organização. A redação antiga do Parágrafo 10,
mencionado por Arnold (2004, p.246) dispunha que:
10. Algumas dessas situações são tratadas na Convenção, por exemplo,
pela introdução do conceito de “beneficiário efetivo” (Artigo 10, 11 e 12) e
das disposições específicas, para as chamadas empresas-artista (parágrafo
2 do Artigo 17). Tais problemas são também mencionados nos Comentários
sobre o Artigo 10 (parágrafos 17 e 22), o Artigo 11 (parágrafo 12), e no
Artigo 12 (parágrafo 7). Poderia ser apropriado para os Estados Signatários
199
“22.1 [No conflict between domestic tax law and tax conventions] Such rules are part of the basic
domestic rules set by domestic tax laws for determining which facts give rise to a tax liability; these
rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. Thus, as a general
rule and having regard to paragraph 9.6, there will be no conflict. For example, to the extent that
the application of the rules referred to in paragraph 22 results in a recharacterization of income or
in a redetermination of the taxpayers who is considered to derive such income, the provisions of
the Convention will be applied taking into account these changes.” (VAN RAAD, 2011)
158
concordar em negociações bilaterais que determinados benefícios fiscais
não devam ser aplicado em certos casos, ou concordar que a aplicação das
normas antielisivas internas não deve ser afastadas pelas normas do
Convenção para evitar a dupla tributação da renda. (OCDE 2010 [tradução
200
livre])
Contudo, entende-se que a menção, neste caso, seria a possibilidade dos
Estados fazerem referências a normas específicas antielisivas nos tratados
internacionais, o que não afeta as considerações a respeito da aplicação de normas
antielisivas internas em situações abrangidas por estes.
Em outra passagem, Arnold (2004) assevera que, antes de 2003, os
Comentários à Convenção Modelo não deixavam claro como deveria ser a
interpretação e a aplicação dos tratados internacionais tributários no que tange ao
objetivo de evitar a evasão e elisão fiscal. Inclusive, que vários estudiosos
interpretavam os comentários como se houvesse uma necessidade de previsão de
cláusulas permitindo a aplicação de normas antielisivas internas.
Logicamente, e, principalmente após a Revisão de 2003 (cujo objetivo
entende-se mais como uma clarificação dos parágrafos alterados), a busca pelos
objetivos dos tratados internacionais tributários, referentes a neutralidade nas
transações internacionais, bem como o contexto em que estão inseridas as
situações, levam a possibilitar uma possibilidade de aplicação de normas antielisivas
internas.
4.5.2 A prevenção à elisão e evasão fiscal e as normas antielisivas internas
Como já posicionado acima, também Martín Jiménez (2004, p.17) faz uma
importante observação em relação à Revisão de 2003 aos Comentários da
Convenção Modelo da OCDE. Ele nota que a grande inovação foi apresentar uma
clarificação a respeito da relação entre normas antielisivas internas e normas dos
tratados internacionais tributários.
200
Segundo a OCDE, a redação antiga oriunda de 1977 até o dia 28 e Janeiro de 2003 era a
seguinte: “10. Some of these situations are dealt with in the Convention, e.g. by the introduction of
the concept of “beneficial owner” (in Article 10, 11 and 12) and of special provisions, for so-called
artist-companies (paragraph 2 of Article 17). Such problems are also mentioned in the
Commentaries on Article 10 (paragraphs 17 and 22), Article 11 (paragraph 12), and Article 12
(paragraph 7). It may be appropriate for Contracting States to agree in bilateral negotiations that
any relief from tax should not apply in certain cases, or to agree that the application of the
provisions of domestic laws against tax avoidance should not be affected by the Convention.”
(OCDE, 2010)
159
Vale ressaltar que as mudanças ocorridas aos Comentários ao Artigo 1º da
Convenção Modelo seriam oriundos de três documentos distintos. O primeiro deles
seria o “Rascunho de 2001” (Draft Contents of the 2002 Update to the Model Tax
Convention of 2 October 2001 – “2001 Draft”), o segundo seria o “Relatório de 2002”
(Restricting the Entitlement to Treaty Benefits of 7 November 2002 – “2002 Report”),
e, finalmente o terceiro que seria a Revisão de 2003 aos Comentários da Convenção
Modelo da OCDE.
Uma das principais mudanças trazidas pela Revisão de 2003, seria a
mudança de redação do Parágrafo 7 dos Comentários ao Artigo 1º, onde estaria
incluído como um dos principais propósitos dos tratados internacionais a prevenção
da elisão e evasão fiscal (“to prevent tax avoidance and evasion”).
Tal inclusão objetivava não somente seguir a uma das recomendações do
Relatório de 1998 sobre Competição Fiscal Prejudicial (Harmful Tax Competition
Report), mas, também colocar a prevenção ao abuso dos tratados internacionais
não mais como um propósito auxiliar dos tratados internacionais tributários, mas
como um dos seus objetivos principais ao lado da eliminação da dupla tributação da
renda.
Assim, os tratados internacionais tributários passaram a não ter um objetivo
de somente não ajudar a elisão e evasão fiscal internacional, passando a buscar um
ajuste da jurisdição tributária dos Estados Soberanos signatários de maneira que os
fatos praticados e abrangidos pelas normas dos tratados sejam tributados em pelo
menos um deles. Seria a busca por evitar a dupla não tributação da renda.
Seguindo a alteração ao Parágrafo 7 dos Comentários ao Artigo 1, Martín
Jiménez (2004, p.18) ressalta que as mudanças nos Parágrafos 7.1 ao 9.5 são
decorrentes da adequação de suas redações em face da Revisão de 2003.
No que concerne ao Parágrafo 7.1, houve a identificação de “abuso” como a
exploração de diferenças tributárias entre os Estados Soberanos signatários, o que,
para Martín Jiménez (2004) poderia sugerir que os Comentários, após a Revisão de
2003, estariam abrangendo planejamentos tributários legítimos como formas de
abuso de tratados internacionais tributários.
Nesse diapasão, ressalta-se que a nova legislação sobre CFC no Brasil (Lei
12.973/2014), analisada posteriormente, cria uma presunção de localidade com
tributação favorecida onde haveria a chamada subtributação (abaixo de 20%), e, que
seguiria, de tal forma, a orientação não somente do Parágrafo 7.1, mas, também do
160
Parágrafo 26, em sua nova redação advinda da Revisão de 2003, que será visto em
seguida.
Entende-se que nesse caso a intenção é resguardar o propósito principal dos
tratados internacionais tributários no sentido de alcançar uma neutralidade tributária
nas transações internacionais.
Citando o professor Brian Arnold, em um Seminário da IFA (International
Fiscal Association), realizado em Sydney em 2003, Martín Jiménez (2004, p.18)
ressalta que outra mudança decorrente da Revisão de 2003 consiste na inversão do
ônus de prova com relação a aplicação das normas internas antielisivas a fatos
abrangidos pelos tratados internacionais tributários. Anteriormente à 2003, a
Administração Tributária deveria demonstrar que a norma antielisiva interna poderia
ser aplicada no contexto do tratado internacional tributário.
Portanto, ao lado de evitar a dupla tributação da renda e possibilitar o
comercio e investimento internacional, os tratados internacionais tributários
passaram a ter como objetivo auxiliar/acessório o combate ao planejamento
tributário abusivo e à evasão fiscal, de forma explicita em seus comentários. Arnold
(2004), inclusive, destaca que a Convenção de Viena sobre tratados internacionais
(CVDT), em seu Artigo 31(1) determina que os tratados devem ser interpretados em
conformidade com os seus objetivos. Atualmente, o Parágrafo 7, e 7.1, possuem a
seguinte redação:
7. [Prevenção de elisão e evasão tributária] O principal objetivo das
convenções de dupla tributação é promover, através da eliminação de dupla
tributação internacional, o intercâmbio de bens e serviços, e a circulação de
capitais e de pessoas. É também um objetivo dos tratados internacionais
tributários prevenir a elisão e a evasão tributária. (VAN RAAD, 2011
201
[tradução livre])
7.1 [Normas Internas Antielisivas] Os contribuintes podem ser tentados a
abusar das leis tributárias de um Estado através da exploração das
diferenças entre as legislações de vários países. Tais tentativas podem ser
combatidas por disposições ou normas jurisprudências que fazem parte do
direito interno do Estado em causa. Tal Estado é, então, improvável de
concordar com as disposições de tratados internacionais tributários que
seriam impedidas pelas disposições e regras deste tipo contidas em seu
direito interno. Além disso, ele não vai querer aplicar seus tratados
201
“7. [Prevention of tax avoidance and evasion] The principal purpose of double taxation conventions
is to promote, by eliminating international double taxation, exchanges of goods and services, and
the movement of capital and persons. It is also a purpose of tax conventions to prevent tax
avoidance and evasion.” (VAN RAAD, 2011)
161
internacionais tributários de uma maneira que teria esse efeito. (VAN RAAD,
202
2011 [tradução livre])
Arnold (2004), analisando o disposto no Parágrafo 7 referente aos
Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, ressalta que a previsão,
no sentido de descrever, como um dos objetivos dos tratados internacionais
tributários, a prevenção de elisão fiscal abusiva e evasão fiscal, é por demais ampla,
o que poderia acarretar algum tipo de obstáculo para as autoridades tributárias e as
cortes judiciais alinharem sua correta aplicação. Contudo, ressalta que para tanto, a
Revisão de 2003 também trouxe as alterações no Parágrafo 9.1 referente aos
Comentários ao Artigo 1, onde está disposto que os tratados internacionais
tributários não devem ser interpretados para se evitar a aplicação de normas
antielisivas e antievasivas internas, e, também não podem ser concedidos benefícios
para aquelas situações onde percebe-se o uso impróprio e abusivo dos tratados.
Ademais, com a Revisão aos Comentários à Convenção Modelo, em 2003,
onde ficou estabelecido de maneira clara e direta que um dos objetivos dos tratados
internacionais tributários seria a prevenção de planejamentos tributários abusivos, é
possível vislumbrar um conceito próprio de abuso dos tratados mesmo por aqueles
Estados Soberanos signatários que não possuem em seu ordenamento interno
normas antielisivas.
Ou seja, tais Estados poderiam interpretar os tratados internacionais
tributários que convencionassem de maneira a evitar o abuso dos mesmos,
independente de terem em seu ordenamento qualquer norma antielisiva.
Em relação ao Parágrafo 8, Martín Jiménez (2004, p.18) ressalta que houve
uma confirmação do que consistiria o planejamento tributário abusivo, sendo
bastante similar com a ideia apresentada no início desse estudo por Caliendo (2009)
como estruturas artificiais objetivando a economia de tributos.
203
8. [Treaty Shopping] "Também é importante notar que a extensão das
convenções de dupla tributação aumenta o risco de abuso, facilitando o uso
202
“7.1 [Domestic anti-abuse legislation] Taxpayers may be tempted to abuse the tax laws of a State
by exploiting the differences between various countries’ laws. Such attempts may be countered by
provisions or jurisprudential rules that are part of the domestic law of the State concerned. Such a
State is then unlikely to agree to provisions of bilateral double taxation conventions that would
otherwise be prevented by the provisions and rules of this kind contained in its domestic law. Also,
it will not wish to apply its bilateral conventions in a way that would have that effect.” (VAN RAAD,
2011)
162
de artifícios jurídicos que visam garantir os benefícios de ambos os
benefícios fiscais disponíveis sob certas leis nacionais e as isenções dos
impostos previstos no convenções de dupla tributação.
Neste sentido, Martín Jiménez (2004, p.18) entende que o objetivo da
Revisão de 2003 é criar, pela leitura dos Parágrafos 7 a 9, um conceito uniforme do
que seria um abuso dos tratados internacionais tributários (“uniform anti-abuse
standard”).
Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que a ideia de princípio antielisão
criado por Vogel (1986), e, comentado por Schoueri (1995) seria a mesma
uniformização buscada pelos Parágrafos 7 a 9 dos Comentários ao Artigo 1º da
Convenção Modelo da OCDE.
4.5.3 As questões fundamentais
A mudança oriunda da Revisão de 2003 ao Parágrafo 9 dos Comentários ao
Artigo 1º consiste na apresentação de dois modelos do que seriam considerados
abusos de tratados internacionais tributários e que estariam previstos na redação
antiga dos Comentários. Contudo, a grande diferença na visão de Martín Jiménez
(2004) é que nesta nova versão não haveria uma necessidade de previsão no corpo
dos tratados internacionais tributários, através de normas específicas antielisivas
internacionais.
9. [Exemplos de abuso] Este seria o caso, por exemplo, se uma pessoa
(seja ou não um residente de um Estado Contratante), atua através de uma
entidade jurídica criada em um Estado essencialmente para obter os
benefícios do tratado que não estariam disponíveis diretamente. Outro caso
seria um indivíduo que tem em um Estado Contratante tanto a sua casa
permanente e todos os seus interesses económicos, incluindo uma
participação substancial numa sociedade desse Estado, e que,
essencialmente, a fim de vender as ações e escapar da tributação nesse
Estado os ganhos provenientes da alienação (por força do § 5 do artigo 13),
transfere este lar permanente para outro Estado Contratante, onde os
ganhos estão sujeitos a pouco ou nenhum imposto. (VAN RAAD, 2011,
204
[tradução livre])
203
“It is also important to note that the extension of double taxation conventions increases the risk of
abuse by facilitating the use of artificial legal constructions aimed at securing the benefits of both
the tax advantages available under certain domestic laws and the reliefs from tax provided for in
double taxation conventions.” (VAN RAAD, 2011)
204
“[Examples of abuse] This would be the case, for example, if a person (whether or not a resident of
a Contracting State), acts through a legal entity created in a State essentially to obtain treaty
benefits that would not be available directly. Another case would be an individual who has in a
Contracting State both his permanent home and all his economic interests, including a substantial
163
Arnold (2004), adentrando na análise dos Comentários à Convenção Modelos
realizados após a Revisão de 2003, lembra que o Parágrafo 9.1 referente ao Artigo 1
apresenta dois problemas envolvendo os tratados internacionais tributários e a
elisão fiscal agressiva.
O primeiro consistiria em saber se os tratados internacionais tributários
poderiam ser interpretados e aplicados de forma a negar os benefícios ali previstos
quando entender ser o caso de transações abusivas, e, o segundo refere-se a
questão se as normas internas antielisivas são afastadas pelas normas dos tratados
internacionais tributários quando ocorrer uma situação de conflito de normas.
O Parágrafo 9.1 referenciado dispõe o que segue:
9.1 [Questões fundamentais] Isto levanta duas questões fundamentais que
são discutidas nos parágrafos seguintes:
- Se os benefícios dos tratados internacionais tributários devem ser
concedidos quando as transações que constituam um abuso das
disposições desses tratados são celebradas (cf. os Parágrafos 9.2 e
seguintes abaixo); e
- Se as disposições específicas e regras jurisprudenciais do direito interno
de um Estado Signatário que se destinam a prevenir elisão fiscal abusiva
conflita com tratados internacionais tributários (cf. Parágrafos 22 e seguintes
205
abaixo). (VAN RAAD, 2011, [tradução livre])
Com relação a esses dois problemas, acima apresentados, os Parágrafos 9.2
e 9.3 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE apresentam
duas visões distintas.
Na primeira, Parágrafo 9.2, o Estado Soberano signatário do tratado
internacional tributário entende que apenas o segundo problema apresentado acima
seria pertinente, posto que o uso impróprio dos tratados demandaria somente
aquelas situações onde ocorresse a violação de normas internas, já que são essas
que determinam a incidência tributária.
shareholding in a company of that State, and who, essentially in order to sell the shares and
escape taxation in that State on the capital gains from the alienation (by virtue of paragraph 5 of
Article 13), transfers this permanent home to the other Contracting State, where such gains are
subject to little or no tax.” (VAN RAAD, 2011)
205
“9.1 [Fundamental questions] This raises two fundamental questions that are discussed in the
following paragraphs: - whether the benefits of tax conventions must be granted when transactions
that constitute an abuse of the provisions of these conventions are entered into (cf. paragraphs 9.2
and following below); and - whether specific provisions and jurisprudential rules of the domestic law
of a Contracting State that are intended to prevent tax abuse conflict with tax conventions (cf.
paragraphs 22 and following below).” (VAN RAAD, 2011)
164
9.2 [Primeira abordagem: a autonomia das normas antielisivas internas]
Para muitos Estados, a resposta para a primeira questão é baseado em sua
resposta à segunda questão. Esses Estados têm em conta o fato de que os
tributos, em última instância, incidem em face das provisões do direito
interno, como restringido (e em alguns raros casos, ampliados) pelas
provisões dos tratados internacionais tributários. Assim, qualquer abuso das
disposições também pode ser caracterizada como um abuso das
disposições da legislação doméstica através da qual o tributo é cobrado.
Para esses Estados, a questão torna-se então se as disposições dos
tratados internacionais tributários podem impedir a aplicação das normas
antielisivas internas, o que corresponde com a segunda questão acima.
Conforme indicado no item 22.1 abaixo, a resposta a esta questão é que, na
medida em que as normas antielisivas internas fazem parte das regras
básicas internas definidas pela legislação tributária doméstica para a
determinação de quais fatos dão origem à obrigação tributária, elas não são
dirigidas aos tratados internacionais tributários e não são, portanto, afetadas
por eles. Assim, como regra geral, não haverá conflito entre as normas e as
206
disposições das convenções fiscais. (VAN RAAD, 2011 [tradução livre])
Buscando sintetizar as mudanças trazidas pelos Parágrafos 9.2 e seguintes
referentes ao Artigo 1, e, oriundos da Revisão de 2003, Martín Jiménez (2004, p.1920) faz importantes considerações. A primeira seria que os comentários não fazem
distinção em relação às normas específicas antielisivas internas e as normas gerais
antielisivas internas (segundo leitura do Parágrafo 9.2), o que acarreta uma
interpretação um pouco equivocada.
Isto porque, segundo o Comentário a aplicação das regras antielisivas
internas que afetam a hipótese de incidência não deixariam de ser aplicadas em
virtude de referirem a fatos abrangidos pelas normas dos tratados internacionais
tributários, contudo, existiria uma diferença entre os efeitos das normas antielisivas
internas (gerais e específicas). Enquanto as primeiras simplesmente garantem a
aplicação das regras de incidência tributária, as normas internas antielisivas
específicas ampliam referida regra de incidência tributária, havendo uma presunção
de que determinado evento elusivo estria abrangido pela hipótese de incidência.
Neste sentido, as normas específicas antielisivas internas, segundo o entendimento
206
“9.2 [First approach: autonomy of domestic anti-abuse provisions] For many States, the answer to
the first question is based on their answer to the second question. These States take account of
the fact that taxes are ultimately imposed through the provisions of domestic law, as restricted (and
in some rare cases, broadened) by the provisions of tax conventions. Thus, any abuse of the
provisions could also be characterised as an abuse of the provisions of domestic law under which
tax will be levied. For these States, the issue then becomes whether the provision of tax
conventions may prevent the application of the anti-abuse provisions of domestic law, which is the
second question above. As indicated in paragraph 22.1 below, the answer to that second question
is that to the extent these anti-avoidance rules are part of the basic domestic rule set by domestic
tax laws for determining which facts give rise to a tax liability, they are not addressed in tax treaties
and are therefore not affected by them. Thus, as a general rule, there will be no conflict between
such rules and the provisions of tax conventions.” (VAN RAAD, 2011)
165
de Martín Jiménez (2004, p.19) poderiam acarretar, em virtude da interpretação a
ser dada às normas do tratado internacional tributário, uma falta de harmonia.
Já a segunda visão, vislumbrada no Parágrafo 9.3 dos Comentários ao Artigo
1 da Convenção Modelo da OCDE, seria aquela em que o Estado Signatário do
tratado internacional tributário teria como preocupação a forma de interpretação das
normas desse tratado buscando evitar o seu abuso.
9.3 [Segunda abordagem: interpretação teleológica dos tratados
internacionais tributários] Outros Estados preferem ver alguns abusos como
sendo abusos do próprio tratado internacional tributário, ao contrário de
abuso do direito interno. Esses Estados, por qualquer meio, então
consideram que uma interpretação adequada para os tratados
internacionais tributários permitem desconsiderar transações abusivas, tais
como aquelas celebradas com vista à obtenção de benefícios não
intencionais ao abrigo das disposições dos tratados. Essa interpretação
resulta do objeto e da finalidade dos tratados internacionais tributários, bem
como da obrigação de interpretá-los de boa-fé (conforme o Artigo 31 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados). (VAN RAAD, 2011
207
[tradução livre])
Independente da abordagem, a conclusão presente nos comentários é pela
impossibilidade de concessão de vantagens advindas de planejamentos tributários
considerados abusivos e agressivos, como previsto no Parágrafo 9.4 dos
Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE.
9.4 [Não há benefícios em arranjos abusivos] Sob as duas abordagens,
portanto, fica acordado que os Estados não têm que conceder os benefícios
dos tratados internacionais tributários em face de transações que
constituam um abuso das disposições deste tratado celebrado. (VAN RAAD,
208
2011 [tradução livre])
Adentrando ao problema do conflito dos tratados internacionais tributários,
Arnold (2004) dispõe que o problema seria saber se existe ou não conflito entre as
normas destes e as normas antielisivas internas, e, que no caso de haver um
207
“9.3 [Second approach: purposive interpretation of tax conventions] Other States prefer to view
some abuses as being abuses of the convention itself, as opposed to abuses of domestic law.
These States, however, then consider that a proper construction of tax conventions allows them to
disregard abusive transactions, such as those entered into with the view to obtaining unintended
benefits under the provisions of these conventions. This interpretation results from the object and
purpose of tax conventions as well as the obligation to interpret them in good faith (see Article 31
of the Vienna Convention on the Law of Treaties).” (VAN RAAD, 2011)
208
“9.4 [No benefits upon abusive arrangements] Under both approaches, therefore, it is agreed that
States do not have to grant the benefits of double taxation convention where arrangements that
constitute an abusive of the provisions of the convention have been entered into.” (VAN RAAD,
2011)
166
conflito, os tratados internacionais tributários devem prevalecer, caso contrário, as
normas antielisivas internas devem ser aplicadas em decorrência do uso impróprio
das normas dos tratados internacionais tributários.
Analisando a possibilidade de não haver conflito, Arnold (2004) aponta
corretamente que as normas antielisivas internas são aplicadas para a correta
determinação dos fatos sobre os quais irão incidir a norma de incidência tributária
(hipótese de incidência).
Neste sentido, não haveria conflito, posto que a determinação e qualificação
correta dos fatos jurígenos passíveis de incidência tributária não estão no escopo
dos tratados internacionais tributários, e, somente após a correta determinação
destes fatos é que as normas dos tratados iriam ser aplicadas.
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, isto iria ocorrer através da
aplicação do Artigo 142 combinado com o Artigo 149, ambos do Código Tributário
Nacional (CTN), através da verificação pela Autoridade Tributária da ocorrência do
fato gerador e da constatação que o sujeito passivo (contribuinte) agiu com dolo,
fraude ou simulação.
Todavia, Arnold (2004) aponta existir uma questão referente a tal assertiva,
que consiste no fato de que poderia ocorrer uma situação onde a norma antielisiva
doméstica fosse considerada aplicável, mas, pela orientação do Parágrafo 9.5 dos
Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE, incluído pela Revisão de
2003, tal situação não seria configurada como um abuso do tratado.
9.5 [Princípio orientador] É importante notar, todavia, que não deve ser
ligeiramente suposto que um contribuinte está entrando no tipo de
transação abusiva acima referida. Um princípio orientador é que os
benefícios de um tratado internacional tributário não devem ser concedidos
quando o objetivo principal para entrar em certas transações ou acordos
seja assegurar a um colocação tributária mais favorável, e a obtenção do
tratamento mais favorável nestas circunstâncias seria contrário aos
objetivos e finalidades das disposições pertinentes. (VAN RAAD, 2001
209
[tradução livre])
Tal situação, ocorreria se o “princípio orientador” do Parágrafo 9.5 fosse
considerado, ele próprio, como uma norma antielisiva internacional.
209
“[Guiding principle] It is important to note, however, that it should not be lightly assumed that a
taxpayer is entering into the type of abusive transactions referred to above. A guiding principle is
that the benefits of a double tax convention should not be available where a main purpose for
entering into certain transactions or arrangements was to secure a more favourable tax position
and obtaining that more favourable treatment in these circumstances would be contrary to the
object and purpose of the relevant provisions.” (VAN RAAD, 2011)
167
Nesse caso, segundo Arnold (2004) existiriam, para certos Estados, duas
normas antielisivas que poderiam ter tratamentos diferenciados do fato apontado por
uma delas como abusivo. De um lado a norma antielisiva doméstica e de outro lado
a norma contida no Parágrafo 9.5 dos Comentários ao Artigo 1º. Nessa linha de
raciocínio, poder-se-ia chegar a conclusão de que a norma antielisiva doméstica
deveria ser interpretada de maneira distinta do que ocorre no ordenamento interno
do Estado, se relacionando com os critérios do Parágrafo 9.5., e, de acordo com a
previsão do Parágrafo 9.4.
Nessa situação, se estaria em consonância com a análise de Schoueri (1995)
ao tratar da internacionalização de normas internas, que acusa poder acarretar uma
interpretação distinta daquela que vinha sofrendo no ordenamento interno, em razão
de dever ser interpretada em consonância com os princípios de direito internacional
público.
Assim, podemos encontrar em Arnold (2004) uma certeza de que apesar da
orientação e objetivo dos tratados internacionais tributários ser a prevenção da
elisão fiscal, as normas antielisivas internas, ao serem aplicadas aos fatos
abrangidos por esses tratados, devem ser interpretadas em consonância com o seu
contexto. Entende-se que interpretar as normas internas antielisivas dentro do
contexto dos tratados internacionais tributários seria o mesmo que utilizar do método
da internacionalização das normas internas, apontado por Schoueri (1995),
aplicando-se, destarte, os princípios gerais de direito público internacional, já
analisados ao tratarmos da cláusula não escrita antielisiva de Vogel.
Neste contexto vale ressaltar também que a opinião de Schoueri (1995)
referente ao fato de que o “princípio do anti-abuso” não poder ser considerado como
oriundo do princípio da boa-fé e um princípio reconhecido pelas nações civilizadas
estaria, na atual conjuntura, equivocado, justamente em razão das alterações
advindas da Revisão de 2003 aos comentários da Convenção Modelo da OCDE –
ou mesmo pelas razões anteriores já existentes e apontadas por Vogel (1986).
A importância destacada por Martín Jiménez (2004) ao Parágrafo 9.6 dos
Comentários ao Artigo 1 consiste na possibilidade de normas gerais antielisivas
internas serem aplicadas a situações abrangidas por tratados internacionais
tributários que possuem normas específicas antielisivas internacionais.
168
9.6 A aplicação de cláusulas gerais antielisivas não significa que não há
necessidade para a inclusão, nas convenções fiscais, de disposições
específicas destinadas a prevenir determinadas formas de elisão fiscal.
Onde as técnicas de prevenção específicas foram identificadas ou onde o
uso de tais técnicas é especialmente problemática, muitas vezes, é útil
acrescentar às disposições da Convenção que incidem diretamente sobre a
estratégia de fuga relevante. Além disso, isso será necessário sempre que
um Estado que adota a visão descrita no parágrafo 9.2 acima acredita que
sua legislação interna não tem as regras antielisivas ou princípios
necessários para enfrentar adequadamente essa estratégia. (VAN RAAD,
210
2011, [tradução livre])
Portanto, a existência de normas antielisivas internacionais (no corpo dos
tratados internacionais tributários) não significa a impossibilidade de aplicação das
normas antielisivas internas, sejam as gerais ou as específicas.
4.5.4 Normas específicas antielisivas - CFC Rules
Assim como o presente estudo, os Comentários à Convenção Modelo da
OCDE tratam das normas específicas antielisivas internas de tributação de lucros
auferidos no exterior através de empresas controladas e coligadas, as CFC Rules.
Com relação às regras de empresas controladas estrangeiras (CFC Rules),
Martín Jiménez (2004, p.22) enfatiza que, com a Revisão de 2003, não só
confirmou-se a possibilidade de aplicação de normas gerais antielisivas internas a
situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários, mas, também, a
aplicação das CFC Rules, que seriam o exemplo de normas específicas antielisivas
internas em destaque na atualidade, principalmente no Brasil.
Além das mudanças e posicionamentos constantes nos Parágrafos 7 a 9.6,
que tratam das normas antielisivas internas de maneira generalizada, os Parágrafos
22 até 26 dão atenção destacada às Base Companies, sendo que os Parágrafos 22,
22.1 e 22.2 tratariam de normas gerais antielisivas internas, e, os Parágrafos 23 a 26
tratariam das normas de empresas controladas no exterior (CFC Rules).
Arnold (2004), inicialmente, adverte que os Comentários à Convenção Modelo
da OCDE, anteriores a 2003, deixavam claro que tais regras não seriam afastadas
210
“9.6 The potential application of general anti-abusive provisions does not mean that there is no
need for the inclusion, in tax conventions, of specific provisions aimed at preventing particular
forms of tax avoidance. Where specific avoidance techniques have been identified or where the
use of such techniques is especially problematic, it will often be useful to add to the Convention
provisions that focus directly on the relevant avoidance strategy. Also, this will be necessary where
a State which adopts the view described in paragraph 9.2 above believes that its domestic law
lacks the anti-avoidance rules or principles necessary to properly address such strategy.” (VAN
RAAD, 2011).
169
pelas normas dos tratados internacionais tributários. Contudo, Arnold (2004)
apresenta algumas observações a certos comentários, anteriores a 2003, onde
ficava estabelecido que a fata de confronto entre as CFC Rules e as normas dos
tratados internacionais tributários não seriam contraditórias desde que aquelas não
fossem aplicadas a situações que não haveria o uso impróprio do tratado
internacional. Tais situações iriam ocorrer, notadamente, quando as atividades
empresariais e as transações comerciais fossem consideradas reais (ou seja, sem
abuso). Assim era a redação do Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1 da
Convenção Modelo da OCDE:
26. A maioria dos países membros aceitaram contrapor medidas como um
meio necessário para manter a equidade e neutralidade das leis fiscais
nacionais num contexto internacional caracterizado por diferentes cargas
tributárias, mas acreditam que essas medidas devem ser utilizadas apenas
para esta finalidade. Seria contrário ao princípio geral subjacente à
Convenção Modelo e ao espírito dos tratados internacionais tributários em
geral se contrapor medidas deviam ser estendido para atividades como
produção, prestação normal dos serviços e comércio de empresas
envolvidas na atividade industrial ou comercial real, quando eles estão
claramente relacionados com o ambiente econômico do país em que
residem em uma situação em que essas atividades são realizadas de tal
forma que nenhuma evasão fiscal poderia ser suspeita. Contrapor medidas
não devem ser aplicadas a países em que a tributação é comparável ao do
211
país de residência do contribuinte. (OCDE, 2010 [tradução livre])
Segundo Arnold (2004), a discussão existente entre contribuintes e
autoridades tributárias referentes a aplicação das regras de tributação de empresas
controladas reside no fato de que, de acordo com os contribuintes, a aplicação de
tais regras consistiria em inobservância do Artigo 10(5)212 dos tratados internacionais
211
“26. The majority of member countries accepted counteracting measures as a necessary means of
maintaining equity and neutrality of national tax laws in an international environment characterised
by very different tax burdens, but believe that such measures should be used only for this purpose.
It would be contrary to the general principle underlying the Model Convention and to the spirit of tax
treaties in general if counteracting measures were to be extended to activities such as production,
normal rendering of services and trading of companies engaged in real industrial or commercial
activity, when they are clearly related to the economic environment of the country where they are
resident in a situation where these activities are carried out in such a way that no tax avoidance
could be suspected. Counteracting measures should not be applied to countries in which taxation
is comparable to that of the country of residence of the taxpayer.” (OECD, 2010).
212
“10(5) Where a company which is a resident of a Contracting State derives profits or income from
the other Contracting State, that other State may not impose any tax on the dividends paid by the
company, except insofar as such dividends are paid to a resident of that other State or insofar as
the holding in respect of which the dividends are paid is effectively connected with a permanent
establishment situated in that other State, nor subject the company’s undistributed profits to a tax
on the company’s undistributed profits, even if the dividends paid or the undistributed profits
consist wholly or partly of profits or income arising in such other State.” (OECD, 2014). Tradução
livre: “Quando uma sociedade é um residente de um Estado Signatário obtiver lucros ou
170
tributários que não permitem a tributação por um Estado Signatário dos lucros não
distribuídos por uma subsidiária residente em outro Estado e que pertenceriam ao
residente no primeiro. Lado outro, as autoridades tributárias defendem a
manutenção das regras de tributação das empresas estrangeiras controladas (CFC
Rules) primeiramente sob o argumento de que a tributação não seria sobre a
subsidiária não residente, e, portanto, não estaria violando a previsão do Artigo 10(5)
dos tratados internacionais tributários, e, em segundo lugar, porque tratam as CFC
Rules de verdadeiras normas específicas antielisão internas, buscando, destarte,
proteger a arrecadação tributária nacional.
As CFC Rules estão em consonância com os tratados internacionais
tributários pois previnem o uso artificial de empresas estrangeiras para o fim de
postergar e/ou evitar a tributação no Estado de residência.
Cabe ainda ressaltar que, com as modificações aos comentários advindas da
Revisão de 2003, ficou mais claro ainda que não existe um conflito entre as CFC
Rules e os tratados internacionais tributários. Arnold (2004), neste sentido, sustenta
que a única exceção seria apresentada pelo Parágrafo 26 dos comentários ao Artigo
1, que determina que as referidas regras não deveriam ser utilizadas em situações
onde o outro Estado tributada o rendimento na mesma carga tributária. Entende-se
que trata-se da mesma situação prevista nos Comentários anteriores à revisão de
2003, onde era disposto que as CFC Rules não deveriam ser aplicadas em
situações onde houvesse uma real atividade econômica.
26. [Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras controladas]
Membros que adotem disposições sobre empresas estrangeiras controladas
ou as regras anti-abuso referidos acima em suas leis internas procuram
manter a igualdade e neutralidade dessas leis em um ambiente
internacional caracterizado por diferentes cargas tributárias, mas tais
medidas não devem ser utilizados apenas para esta finalidade. Como regra
geral, estas medidas não devem ser aplicados quando o rendimento
relevante tenha sido sujeito a tributação que é comparável a do país de
213
residência do contribuinte. (VAN RAAD, 2011, [tradução livre])
rendimentos provenientes do outro Estado Signatário, esse outro Estado não poderá exigir
nenhum tributo sobre os rendimentos pagos pela sociedade, exceto na medida em que esses
dividendos forem pagos a um residente desse outro Estado ou na medida em que a participação
relativamente à qual os dividendos são pagos estiver efetivamente ligada a um estabelecimento
permanente situado nesse outro Estado, nem sujeitar os lucros não distribuídos da sociedade a
um tributo sobre os lucros não distribuídos da sociedade, mesmo que os dividendos pagos ou os
lucros não distribuídos consistam, total ou parcialmente, em lucros ou rendimentos provenientes
desse outro Estado.”.
213
“26. [Limitation of CFCs legislation] States that adopt controlled foreign companies provisions or
the anti-abuse rules referred to above in their domestic laws seek to maintain the equality and
171
Incumbe enfatizar que referente aos Comentários anteriores à 2003, a regra
no sentido de que as CFC rules não se aplicariam àquelas atividades empresariais
consideradas reais foram afastadas com a Revisão de 2003, restando apenas o
critério do montante tributado pelo outro Estado, onde reside a subsidiária
(controlada).
Com relação ao Parágrafo 22 dos Comentários ao Artigo 1, Martín Jiménez
(2004) aduz que consiste, em certo aspecto, a uma reprodução do Parágrafo 7.1,
buscando demonstrar outras formas de combate ao abuso, como a substância sobre
a forma, interpretação econômica, e normas gerais antielisivas. Ademais, o
Parágrafo 22 estaria relacionado à segunda questão do Parágrafo 9.1 (“se as
disposições específicas e regras jurisprudenciais do direito interno de um Estado
Signatário que se destinam a prevenir elisão fiscal abusiva conflita com tratados
internacionais tributários”). No mesmo sentido, o Parágrafo 22.1 corresponde a uma
reprografia do Parágrafo 9.2, dispondo que as normas antielisivas internas não
confrontam-se com as normas dos tratados internacionais tributários posto que as
primeiras determinam os fatos geradores enquanto que as segundas não possuem
tal atribuição. Martín Jiménez (2004, p. 23) ratifica seu posicionamento no sentido de
discordar desse argumento, reafirmando que apenas no caso das normas gerais
antielisivas é que haveria uma busca pela aplicação correta da legislação tributária,
enquanto que, no caso das normas específicas antielisivas haveria verdadeira
ampliação do fato gerador, o que, em consonância com o seu entendimento,
corresponderia a um confronto real das normas. E, a previsão do Parágrafo 22.2
corresponderia a antiga previsão do Parágrafo 25, onde é assegurado a aplicação
das normas dos tratados internacionais tributários naqueles casos em que não é
configurado o abuso de suas normas.
22. [Abordagens decorrente da legislação interna] Outras formas de abuso
de tratados internacionais tributários (por exemplo, o uso de uma empresa
base) e de possíveis maneiras de lidar com elas, incluindo "substância
sobre a forma", "substância econômica" e as regras gerais antielisivas
"também foram analisadas, nomeadamente no que diz respeito à questão
de saber se estas regras entram em conflito com os tratados internacionais
neutrality of these laws in an international environment characterized by very different tax burdens,
but such measures should not be used only for this purpose. As a general rule, these measures
should not be applied where the relevant income has been subjected to taxation that is comparable
to that in the country of residence of the taxpayer.” (VAN RAAD, 2011).
172
tributários, que é a segunda questão mencionada no parágrafo 9.1 acima"
214
(VAN RAAD, 2011 [tradução livre])
22.1 [Não há conflito entre lei tributária domestica e tratados internacionais
tributários] Tais regras são parte das regras básicas internas fixadas pela
legislação tributária doméstica para determinar quais fatos dão origem a
uma obrigação tributária; estas regras não são abordadas pelos tratados
internacionais tributários e não são, portanto, afetadas por eles. Assim,
como regra geral, e, tendo em conta o Parágrafo 9.6, não haverá conflito.
Por exemplo, na medida em que a aplicação das regras referidas no
Parágrafo 22 resulta em uma recaracterização de renda ou de uma nova
determinação dos contribuintes que é considerado para obter tais
rendimentos, as disposições dos tratados internacionais tributários serão
aplicados tendo em conta estas mudanças (VAN RAAD, 2011 [tradução
215
livre])
22.2 [Alívio na dupla tributação a não ser abuso comprovado] Embora essas
regras não entrem em conflito com as convenções fiscais, há um consenso
de que os países membros devem observar cuidadosamente as obrigações
específicas consagradas em tratados fiscais para evitar a dupla tributação,
desde que não há nenhuma evidência clara de que os tratados estão sendo
216
abusadas. (VAN RAAD, 2011 [tradução livre])
Adentrando à análise dos Parágrafos 23 a 26, decorrentes da Revisão de
2003 aos Comentários ao Artigo 1, Martín Jiménez (2004) relata que as mudanças
tiveram como base decisão proferida pela Suprema Corte Administrativa da
Finlândia (Finnish Supreme Administrative Court), e, corresponderam a uma afronta
à decisão proferida pelo Conselho de Estado francês (Conseil d’Êtat). Ademais, o
posicionamento anterior dos Comentários era no sentido de enfatizar que a maioria
dos Estados membros eram favoráveis à aplicação das CFC Rules, enquanto que a
minoria era contrária, e, a controvérsia foi resolvida com a Revisão de 2003, ao
confirmar a legitimidade das CFC Rules em face dos tratados internacionais
tributários. Neste diapasão, enquanto que o Parágrafo 23 aponta a legitimidade das
214
“[Approaches deriving from domestic laws] Other forms of abuse of tax treaties (e.g. the use of a
base company) and of possible ways to deal with them including “substance-over-form”, “economic
substance” and general anti-abuse rules” have also been analysed, particularly as concerns the
question of whether these rules conflict with tax treaties, which is the second question mentioned in
paragraph 9.1 above” (VAN RAAD, 2011).
215
“[No conflict between domestic tax law and tax conventions] Such rules are part of the basic
domestic rules set by domestic tax laws for determining which facts give rise to a tax liability; these
rules are not addressed in tax treaties and are therefore not affected by them. Thus, as a general
rule and having regard to paragraph 9.6, there will be no conflict. For example, to the extent that
the application of the rules referred to in paragraph 22 results in a recharacterization of income or
in a redetermination of the taxpayers who is considered to derive such income, the provisions of
the Convention will be applied taking into account these changes.” (VAN RAAD, 2011).
216
“[Double taxation relief unless proven abuse] Whilst these rules do not conflict with tax conventions,
there is agreement that Member countries should carefully observe the specific obligations
enshrined in tax treaties to relieve double taxation as long as there is no clear evidence that the
treaties are being abused.” (VAN RAAD, 2011).
173
CFC Rules como instrumento hábil ao combate do planejamento tributário abusivo e
forma de proteção da arrecadação tributária dos Estados Signatários de tratados
internacionais, o Parágrafo 26 enfatiza que as referidas regras teriam o mérito de
assegurar a capacidade contributiva e a neutralidade no contexto internacional.
23. [Legislação CFC] O uso de empresas base também podem ser
abordados através das disposições de empresas controladas estrangeiras.
Um número significativo de países membros e não-membros adotaram essa
legislação. Enquanto o projeto deste tipo de legislação varia
consideravelmente entre os países, uma característica comum dessas
regras, que agora são reconhecidas internacionalmente como um
instrumento legítimo para proteger a base tributária interna, é que eles
resultam de um Estado Contratante tributar os seus residentes sobre o lucro
atribuível a sua participação em determinados investidores estrangeiros.
Tem sido, por vezes, argumentado, com base em uma determinada
interpretação das disposições da Convenção, como parágrafo 1 do Artigo 7
e parágrafo 5 do Artigo 10, que essa característica comum da legislação de
empresas estrangeiras controladas em conflito com estas disposições.
Pelas razões explicadas no parágrafo 14 do Comentário ao artigo 7 e 37 do
Comentário ao artigo 10, que a interpretação não está de acordo com o
texto das disposições. Ele também não se sustenta quando estas
disposições são lidas em seu contexto. Assim, enquanto alguns países
sentiram que seria útil para esclarecer expressamente, em suas
convenções, que a legislação das empresas estrangeiras controladas não
entra em conflito com a Convenção, tal esclarecimento não é necessário.
Reconhece-se que a legislação de empresas estrangeiras controladas
estruturada desta forma não é contrária às disposições da Convenção.
217
(VAN RAAD, 2011, [tradução livre])
26. [Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras controladas]
Membros que adotem disposições sobre empresas estrangeiras controladas
ou as regras anti-abuso referidos acima em suas leis internas procuram
manter a igualdade e neutralidade dessas leis em um ambiente
internacional caracterizado por diferentes cargas tributárias, mas tais
medidas não devem ser utilizados apenas para esta finalidade. Como regra
geral, estas medidas não devem ser aplicados quando o rendimento
217
“[CFCs legislation] The use of base companies may also be addressed through controlled foreign
companies provisions. A significant number of Member and non-member countries have now
adopted such legislation. Whilst the design of this type of legislation varies considerably among
countries, a common feature of these rules, which are now internationally recognised as a
legitimate instrument to protect the domestic tax base, is that they result in a Contracting State
taxing its residents on income attributable to their participation in certain foreign entities. It has
sometimes been argued, based on a certain interpretation of provisions of the Convention such as
paragraph 1 of Article 7 and paragraph 5 of Article 10, that this common feature of controlled
foreign companies legislation conflicted with these provisions. For the reasons explained in
paragraphs 14 of the Commentary on Article 7 and 37 of the Commentary on Article 10, that
interpretation does not accord with the text of the provisions. It also does not hold when these
provisions are read in their context. Thus, whilst some countries have felt it useful to expressly
clarify, in their conventions, that controlled foreign companies legislation did not conflict with the
Convention, such clarification is not necessary. It is recognised that controlled foreign companies
legislation structured in this way is not contrary to the provisions of the Convention.” (VAN RAAD,
2011).
174
relevante tenha sido sujeito a tributação que é comparável a do país de
218
residência do contribuinte. (VAN RAAD, 2011, [tradução livre])
Uma observação destacável de Martín Jiménez (2004, p.24) a respeito dos
Comentários ao Artigo 1 referentes às CFC Rules é a sua colocação de que, com as
modificações introduzidas pela Revisão de 2003, passou a ser possível a aplicação
de normas específicas antielisivas internas não apenas para combater a fraude ou
abuso dos tratados internacionais tributários, mas, também, para atingir uma
neutralidade fiscal na exportação de capitais. Isto porque as CFC Rules passaram a
ter sua aplicação aceita objetivando que investimentos transnacionais sejam
tributáveis a um determinável nível, mesmo na ausência de transações artificiais e
abusivas. Contudo, na opinião de Martín Jiménez (2004, p.24) a mudança no
objetivo dos tratados internacionais tributários, oriunda do Parágrafo 7.1 dos
Comentários ao Artigo 1 não justificaria a aplicação destas normas específicas
antielisivas internas, quando não configurado o uso impróprio do tratado por meio de
abuso ou fraude.
Lang (2003)219 apud Martín Jiménez (2004) defende que as CFC Rules não
teria o condão de afrontar as normas de tratados internacionais tributários em virtude
de que tais regras regulam a incidência tributária de rendimentos no Estado da
residência, o que é competência da legislação tributária doméstica. Ademais, os
tratados internacionais tributários não se preocupam com a dupla tributação
econômica. E, por fim, Lang (2003) apud Martín Jiménez (2004, p.24) ressalta que o
Artigo 7 da Convenção Modelo da OCDE não se aplicaria ao caso, mas, sim, o
previsto no Artigo 10 que permite ao Estado da residência dos acionistas a
tributação de rendimentos mesmo que estes estejam conectados com empresas
estrangeiras.
Contra-atacando estes argumentos Martín Jiménez (2004) destaca que
apresar dos tratados internacionais tributários não tratarem da dupla tributação
econômica, esse não seria uma argumento totalmente válido, pois entenderia que
218
“[Limitation of CFCs legislation] States that adopt controlled foreign companies provisions or the
anti-abuse rules referred to above in their domestic laws seek to maintain the equality and
neutrality of these laws in an international environment characterized by very different tax burdens,
but such measures should not be used only for this purpose. As a general rule, these measures
should not be applied where the relevant income has been subjected to taxation that is comparable
to that in the country of residence of the taxpayer.” (VAN RAAD, 2011).
219
LANG, Michael. CFC Regulations and Double Taxation Treaties, 57 Bulletin of International
Fiscal Documentation 2 (2003).
175
em algumas disposições, e, de certa forma, em virtude do contexto dos tratados
internacionais tributários, a dupla tributação econômica seria sim combatida (nesse
sentido ressalta o Parágrafo 50 dos Comentários ao Artigo 23A e 23B. Ademais,
citando o Parágrafo 39 dos Comentários ao Artigo 10, Martín Jiménez (2004)
ressalta que a aplicação das CFC Rules poderiam acarretar a dupla tributação
judicial, o que vai de encontro com o objetivo dos tratados internacionais tributários.
Além de outros argumentos apresentados por Martín Jiménez (2004, p.25),
buscando demonstrar a incompatibilidade das CFC Rules com as normas de
tratados internacionais tributários, ressalta que, de uma maneira geral deve-se ater
ao fato de que a questão da compatibilidade não é “preto ou branco”, devendo ser
analisado as especificidades de cada caso, como também de cada tratado para a
averiguação da compatibilidade. É o que acontece com as normas CFC brasileiras.
176
5. NORMA ESPECÍFICA ANTIELISIVA INTERNA – CFC RULES BRASILEIRA
Entre as normas específicas antielisivas internas que estão espalhadas no
ordenamento jurídico brasileiro, tornou-se de grande necessidade analisar uma em
questão. Trata-se da legislação tributária sobre CFC (Controlled Foreign
Corporation), chamada, também de norma de tributação de lucros auferidos no
exterior através de controladas ou coligadas.
Assim como qualquer norma específica antielisiva, a norma de tributação de
lucros auferidos no exterior através de controladas ou coligadas amplia a hipótese
de incidência tributária, diferentemente das normas gerais antielisivas que atribuem
efeitos tributários a atos ou negócios considerados abusivos ou artificiais, aplicando
em consequência a norma de incidência tributária.
A importância dada nesse estudo justifica-se primeiramente pelo fim do
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
2.588/DF, pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) cuja duração ultrapassou dez anos, e, a norma objeto de
análise de constitucionalidade era justamente o Artigo 74 da Medida Provisória
2.158-35/2001. O mesmo dispositivo legal foi examinado pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) através do Recurso Especial 1.325.709/RJ em decisão proferida no
ano de 2014 analisando o conflito com normas de tratados internacionais tributários
para se evitar a dupla tributação da renda.
Outro motivo da importância de destacar-se, a título exemplificativo de norma
específica antielisiva interna, a norma brasileira de tributação de lucros auferidos no
exterior é a novel Lei 12.973, de 2014, advinda justamente de uma tentativa do
Poder Executivo em moldar as regras CFC brasileiras com o julgamento realizado
no âmbito da Corte Constitucional.220
220
Nesse sentido, Godoi (2014, p. 304-305): “Como aponta Conrado Hübner Mendes, a visão
tradicional da teoria do Direito Constitucional brasileiro é a de que os juízes em geral, e as cortes
constitucionais em particular, detêm o monopólio da última palavra sobre a interpretação da
Constituição. Numa versão por assim dizer messiânica do controle de constitucionalidade, o juiz
constitucional, considerado de forma idealizada como a última trincheira do cidadão, assume ares
de “heroico e impassível defensor de direitos, líder do debate moral, consciência crítica e
educadora da democracia”, enquanto o legislador democrático tende a ser caracterizado como
“predominantemente egoísta e venal, dedicado exclusivamente ao alpinismo político, à expansão
e perpetuação de seu poder”. Frente a tal visão messiânica do STF como guardião entrincheirado
e do monopólio judicial da última palavra, as teorias do diálogo institucional sem última palavra
parecem mais verossímeis, do ponto de vista da sociologia política, e mais adequadas, de um
ponto de vista jurídico, às instituições da separação de poderes e do Estado Democrático de
Direito. Os conceitos de “última palavra provisória”, “rodadas procedimentais” e “sequências
legislativas” dão uma nova luz e uma legitimidade renovada à instituição do judicial review nas
177
Cabe destacar que a legislação tributária sobre empresas controladas e
coligadas no exterior são de aplicação naqueles casos em que a investidora
(controlada ou coligada) é residente no Brasil, buscando, desse modo, atingir ao
princípio da universalidade.
Em contrapartida, as empresas coligadas e controladas sediadas no Brasil,
cujos investidores (sócios e empresa matriz) sejam não residentes, não serão
tributados com base nas regras CFC brasileiras, e sim somente no lucro aqui
auferido, como bem lecionado por Xavier (2010, p. 271)221. Não obstante tal caso, e,
de acordo com a Lei 12.973/2014, que adiante será vista, surge a figura das
“sociedades equiparadas à controladora” (Artigo 83 da Lei 12.973/2014), na
terminologia empregada por Xavier (2014, p.21).
Vale destacar que um grande diferencial que Lei
9.249/95 promovia, em
comparação a diferentes regimes de CFC, era a falta de distinção para a sua
aplicação.
Nesse sentido, destaca-se que certas normas CFC limitavam-se a aplicação
no caso de sociedades localizadas em paraísos fiscais ou quando houvesse
prevalência de renda passiva.222 Assim, parte da doutrina acaba entendendo haver
uma vulneração ao princípio da proporcionalidade ao deixar de restringir a aplicação
da norma para casos específicos (como feito pela nova legislação de 2014. Nesse
diapasão, Xavier (2010) cita João Francisco Bianco (“Transparência fiscal
internacional”), e, Luís Eduardo Schoueri (“Transparência fiscal, proporcionalidade e
disponibilidade”, 2007).
democracias contemporâneas. Aqui não é o lugar nem o momento para aprofundarmos o estudo e
o debate sobre esses conceitos. Pretendemos somente argumentar que esses conceitos fornecem
o marco teórico adequado para se compreender a sequência dialógica entre o julgamento da ADI
2.588 e o processo legislativo que culminou na Lei 12.973/2014. Aliás, na literatura recente, há
importante obra relacionando a evolução do direito positivo tributário brasileiro e as teorias do
diálogo institucional.”
221
Xavier (2010) aduz: “Note-se que este regime é apenas aplicável às pessoas jurídicas no Brasil e
não às filiais ou sucursais de sociedades estrangeiras instaladas no Brasil, as quais são apenas
tributáveis em relação aos lucros produzidos no Brasil, pois não faria sentido tributar
universalmente uma filial de sociedade estrangeira, quando a matriz é também tributada
universalmente no seu país de domicílio”.
222
Nesse sentido Xavier (2010, p. 373) afirma que: “O sistema de transparência fiscal internacional
consagrado na Lei 9.249/95 era, porém, aplicável a todas e quaisquer sociedades estrangeiras
controladas ou coligadas, sem as ressalvas e limitações restritivas das leis estrangeiras
“antiabuso”, notadamente as de tais sociedades se localizarem em países de baixa tributação e de
a sua renda ser essencialmente “passiva”, ou seja, não produtiva ou não operacional, pelo que
não revestia a natureza de um “regime CFC” propriamente dito, de aplicação excepcional, mas de
uma modalidade técnica de tributação de alcance geral.
178
A
ideia
de
transparência
fiscal
internacional
está
ligada
a
uma
desconsideração da personalidade jurídica das empresas coligadas e controladas no
exterior (somente para fins / efeitos fiscais), atribuindo a proporção dos lucros,
mesmo que não distribuídos, às empresas investidoras (controladoras e coligadas)
do Estado da residência.223
Ao analisar a questão do conflito das normas CFC (normas específicas
antielisivas internas) com normas dos tratados internacionais tributários, pode-se
concluir que grande parte da controversa cinge-se a determinação de quem está
realmente sendo o contribuinte no caso em questão. De um lado, aqueles que
entendem que as normas CFC tributam as empresas coligadas e controladas no
exterior ,e, portanto, haveria uma afronta ao primeiro comando do parágrafo 1º do
Artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE.224
Em contrapartida, e, através de uma análise mais detida da questão, a norma
CFC determina a tributação da controladora e / ou coligada do Estado de residência,
portanto, não haveria uma qualquer ofensa à norma do Artigo 7º da Convenção
Modelo da OCDE.225
223
Xavier (2010) apresenta conceito sobre a transparência fiscal internacional fazendo ao mesmo
tempo análise ao Artigo 43 do Código Tributário Nacional (CNT), dispondo que: “O regime de
transparência fiscal internacional, isto é, de tributação por adição automática dos lucros das
coligadas e controladas estrangeiras, independentemente da declaração de dividendos pelos
órgãos deliberativos da controlada ou coligada estrangeira, que os tornem disponíveis para o seu
sócio ou acionista, no Brasil, conduz a que, na verdade, se tribute não a renda da pessoa jurídica
brasileira, mas um ganho de sua controlada ou coligada, pessoa jurídica estrangeira, que só se
traduzirá em renda da pessoa jurídica brasileira se e quando lhe for atribuído por ato da controlada
ou coligada no exterior”.
224
Xavier (2010) é um dos que apresenta posição neste sentido com o seguinte exemplo: “Aplicando
este preceito ao caso de uma empresa brasileira (EB) que tenha, por exemplo, em Portugal, uma
filial (FP) ou controlada (CP), podem extrair-se as seguintes conclusões: a) O Brasil pode tributar
os lucros da FP, por esta constituir um estabelecimento permanente no exterior (1ª frase, 2ª parte,
do §1º); b) Portugal pode tributar os lucros da FP unicamente na medida em que forem imputáveis
a esse estabelecimento (2ª frase do §1º); c) Só Portugal (“competência exclusiva”) pode tributar os
lucros auferidos em Portugal pela CP, pois CP é empresa portuguesa (1ª frase, 1ª parte, do § 1º);
d) O Brasil não pode tributar os lucros auferidos em Portugal pela CP, pois só pode tributar
estabelecimentos permanentes no exterior e não entidades com personalidade jurídica própria
existentes no outro Estado”.
225
Contradizendo tal ideia, Xavier (2010) após destacar tal posicionamento, inclusive ressaltando a
referência existente nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, aduz que haveria uma
ofensa ao propósito (espírito) dos tratados internacionais tributários. Contudo, o seu equívoco é
entender que os tratados internacionais tributários buscam evitar a dupla tributação econômica,
enquanto que na realidade buscam coibir a chamada dupla tributação jurídica. Confira-se Xavier
(2010, 382-383): “Um argumento em favor da compatibilidade das legislações do tipo CFC com os
tratados internacionais, invocado nos Comentários da OCDE (art. 7º, § 13),alega que não se
estaria tributando as sociedades estrangeiras, mas as investidoras nacionais, embora com
referência aos lucros das primeiras. E acrescenta-se: “O imposto cobrado por um Estado sobre os
seus próprios residentes não reduz os lucros das empresas do outro Estado e não se pode, por
conseguinte dizer que foi lançado sobre esses lucros”. Tal argumento colide, porém, com a letra e
179
Partindo dessa última análise, que inclusive é fundada no fato dos
Comentários à Convenção Modelo da OCDE entenderem pela não existência de
conflito, afastada também fica a tese de que as normas CFC levam a uma
desconsideração das coligadas e controladas no exterior, infringindo desse modo o
preceito no Artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE onde é determinado a
competência do Estado, onde residente a pessoa jurídica, de definir o seu
conceito.226
Os próprios Comentários da OCDE, conforme visto no tópico específico,
deixam claro que a compatibilidade das normas de CFC com as normas dos
tratados internacionais tributários estaria vinculada com a manutenção da
neutralidade fiscal nas transações e negócios internacionais, o que acarretaria a sua
incompatibilidade ou não aplicação naquelas situações onde o rendimento que seria
alcançado / tributado já tenha sofrido tributação compatível. Ou seja, a
compatibilidade das normas CFC estaria vinculada a uma análise jurisdicional
(jurisdictional approach).
Neste diapasão, Xavier (2010, p. 385) destaca que a Irlanda e a Holanda
assim entendem, sustentando “não ser possível defender a conformidade in
abstracto, de tal modo que só em face das circunstâncias do caso concreto se
poderia configurar um abuso”.
Outro ponto importante e que merece o destaque no presente estudo é a
existência de previsões nos tratados internacionais tributários para a aplicação das
normas CFC. No caso do Brasil, o tratado internacional tributário assinado com o
México possui previsão no sentido de possibilitar a aplicação das normas CFC.
Contudo, não necessariamente tal fato quer dizer que sem a previsão nos
tratados internacionais tributários possibilitando a aplicação das normas CFC, estas
últimas não seriam compatíveis com as normas daqueles.
o espírito dos tratados, que têm por fim impedir a dupla tributação do mesmo lucro, ainda que nas
mãos de dois sujeitos passivos distintos, reservando a competência tributária exclusiva ao Estado
de domicílio das participadas”.
226
Entendendo que existe uma violação ao Artigo 3º da Convenção Modelo da OCDE, Xavier (2010,
p. 380) aduz que: “Por outro lado ainda a desaplicação da regra de competência tributária
exclusiva, atribuindo às subsidiárias o mesmo tratamento fiscal dos estabelecimentos
permanentes (filiais ou sucursais) traduz-se na desconsideração da sua personalidade jurídica e,
com isso, na violação do art. 3º que define o conceito de “pessoa”, não permitindo que um Estado
desconsidere a personalidade jurídica outorgada pelo ordenamento jurídico do Estado estrangeiro
do território da constituição da subsidiária, desde que conforme com aquela definição”.
180
Especificamente após a vigência da agora antiga norma CFC brasileira (Artigo
74 da Medida Provisória 2.158-35/01)227, uma outra tese no sentido de sustentar a
ofensa às normas dos tratados internacionais tributários foi levantada no
ordenamento jurídico brasileiro, apesar de já existir em âmbito internacional. Tratase de entender que os valores tributados a título de remuneração das empresas
controladoras e coligadas situadas no Estado de residência (no caso o Brasil) seriam
dividendos fictícios (deemed dividend), e, desse modo, consistiria em flagrante
ofensa ao preceito do Artigo 10 da Convenção Modelo da OCDE.
Corretamente Xavier (2010, p. 417) afasta tal tese ao destacar que a
disposição normativa deixa claro a ocorrência de uma “adição ao lucro da pessoa
jurídica brasileira dos próprios lucros auferidos por controladas e coligadas no
exterior, independentemente de serem pagos ou creditados”.
5.1 Artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001
A transparência fiscal internacional228, consiste em um regime adotado para
evitar o abuso de tratados internacionais determinando a tributação do lucro auferido
através de empresas controladas e/ou coligadas no exterior é uma das medidas
para evitar o abuso de tratados internacionais tributários, e, tem com medida as
legislações tributárias sobre empresas controladas no exterior (ou legislação sobre
lucros auferidos no exterior).
A depender da legislação do Estado, as normas tributárias que irão buscar a
transparência fiscal internacional poderão ser aplicadas a rendimentos passivos ou
rendimentos ativos, sendo essa uma abordagem transacional, ou, ainda, a aplicação
de tais medidas ocorrerão quando previstas certas circunstâncias, em uma
abordagem transacional, segundo lição de Godoi (2014).
227
Anteriormente ao Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, as regras tributárias sobre
empresas coligadas e controladas no exterior tinham previsão no Artigo 25 da Lei 9.249/1995.
228
Segundo Godoi (2014, 283): “Chama-se de transparência fiscal internacional” a legislação
tributária que imputa às empresas residentes investidoras, antes mesmo de sua distribuição, o
lucro auferido por sociedades controladas e coligadas domiciliadas no exterior. Esse regime, que
vigora há décadas na legislação dos países industrializados, foi concebido para atingir situações
de planejamento tributário internacional em que as empresas residentes desviam para jurisdições
com baixa ou nenhuma tributação o lucro que naturalmente fluiria para o seu país de residência.”
181
Especificamente com relação ao Artigo 74 da Medida Provisória
2.158-
35/2001, houve o julgamento através da Ação Direita de Inconstitucionalidade
2.588, onde estabeleceu-se a correta forma de sua aplicação.
Pode-se dizer que as normas internas tributárias sobre empresas coligadas
no exterior (controlled foreign company legislation), que no presente estudo é o
exemplo analisado de normas específicas antielisivas internas, na ocasião da
vigência do Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, foram objeto de crítica
por não fazerem distinções entre critérios de rendimentos ou de situações como as
mencionado acima. Assim, como bem constatado por Godoi (2014), o Artigo 74 da
Medida Provisória
2.158-35/2001 generaliza todas as situações, não fazendo
qualquer forma de distinção em relação à espécie de rendimentos ou qualquer outro
critério utilizado no cenário internacional229.
Acertado é que, sendo generalizada ou não, o importante é alcançar o
objetivo de buscar a neutralidade tributária, e, evitar tanto a dupla tributação da
renda, como a dupla não tributação da renda, além do próprio abuso do tratado
internacional. Nesse sentido, vale o que é consagrado na segunda parte do
Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1º da Convenção Modelo da OCDE. Ou
seja, as normas internas tributárias sobre controladas no exterior não confrontam
com as normas dos tratados internacionais tributários, a priori, contudo, podem ter
casos em que a aplicação daquelas levam a um resultado diverso daquele previsto
nos tratados internacionais tributários, acarretando a dupla tributação da renda, e,
portanto, não devem ser aplicadas.
5.1.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588/2014
O Artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 foi objeto de análise pelo
Supremo
Tribunal
Federal
(STF)
no
julgamento
da
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade 2.588, que se findou no dia 11 de Fevereiro de 2014, com a
229
Sobre o resultado da generalização feita pela norma brasileira, Godoi (2014) destaca que: “A
aplicação generalizada e indiscriminada do regime de transparência fiscal apresenta graves
inconvenientes. Por um lado, prejudica desnecessariamente a competitividade das sociedades
brasileiras que efetuam no exterior investimentos diretos em atividades genuinamente
empresariais. Nestes casos, não há nada que justifique, de um ponto de vista de política
econômica ou fiscal, a exigência do imposto à medida que os lucros das controladas e coligadas
são auferidos no exterior. Em segundo lugar, a adoção generalizada da transparência fiscal
internacional para todo e qualquer investimento exterior é apontada pela própria OCDE como
contrária às normas dos tratados internacionais celebrados para evitar a dupla tributação da
renda.”
182
publicação do acórdão. Apesar de certas questões discutidas no julgamento não
serem objeto do presente estudo, cabe destacarmos alguns pontos.230
De maneira resumida, e, em conformidade com o expresso na ementa do
julgado, pode-se destacar a composição dos votos com três destaques para a
definição do resultado:
2.1. A inaplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais
coligadas a pessoas jurídicas sediadas em países sem tributação
favorecida, ou que não sejam “paraísos fiscais”;
2.2. A aplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais
controladas de pessoas jurídicas sediadas em países de tributação
favorecida, ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados
(“paraísos fiscais”, assim definidos em lei);
2.3. A inconstitucionalidade do art. 74 par. ún., da MP 2.158-35/2001, de
modo que o texto impugnado não pode ser aplicado em relação aos lucros
apurados até 31 de dezembro de 2001.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014)
Importante ressaltar que, nos votos proferidos pelos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, encontra-se, nos argumentos do Ministro Nelson Jobim, seguido
por Carlos Britto, destaque para a importância da norma do Artigo 74 da Medida
Provisória 2.158-35/2001 como uma forma de combate à elisão fiscal abusiva, o
que, como demonstrado neste estudo, nada mais é do que um dos objetivos dos
tratados internacionais tributários, segundo os Comentários da Convenção Modelo
da OCDE.231
Outro voto cuja importância se faz para o presente estudo corresponde ao
proferido pelo então Ministro Joaquim Barbosa que entendeu pela validade do Artigo
74 da Medida Provisória
2.158-35/2001 somente quando “as coligadas ou
controladas no exterior estejam localizadas em países de tributação favorecida ou
230
Godoi (2014) elenca os pontos que foram objeto de análise da Ação Direita de
Inconstitucionalidade 2.588: “o art.43, § 2º do CTN estaria dando poderes ao legislador ordinário
para fixar o momento da ocorrência do fato gerador do imposto antes mesmo da efetiva aquisição
de renda; e a exigência de imposto de renda da sociedade investidora, antes de distribuídos os
lucros auferidos pelas sociedades investidas, tal como determinado pelo art.74 da MP 2.158-35,
seria inconstitucional, visto que configuraria uma incidência sobre algo “que não constitui renda”,
visto que a investidora ainda não teria adquirido disponibilidade econômica ou jurídica sobre tais
recursos. Quanto ao parágrafo único do art.74, alegou-se sua contrariedade às normas
constitucionais da irretroatividade e da anterioridade tributária (arts. 150, III, a e b da
Constituição)”.
231
Godoi (2014) ao analisar os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação
Direita de Inconstitucionalidade 2.588 destaca, que: “Quanto ao art. 74 da MP, Carlos Britto
seguiu integralmente a senda argumentativa do Ministro Jobim, no sentido de ressaltar a
necessidade de combater as manobras empresariais de planejamento tributário internacional (...)”.
183
desprovidos de controles societários e fiscais adequados, normalmente conhecidos
por ‘paraísos fiscais””.
Contudo, importantíssimo destacar parte do voto proferido pelo então Ministro
Joaquim Barbosa onde o mesmo aponta a possibilidade de aplicação de medidas de
combate à evasão e elisão fiscal abusiva, mesmo quando as coligadas e controladas
não estejam situadas em países com tributação favorecida. Nestes casos seria,
contudo, necessário a demonstração, por parte da Autoridade Tributária, do abuso
praticado pelo contribuinte. Assim dispôs o então Ministro Joaquim Barbosa, naquela
oportunidade:
Da forma como redigida a norma brasileira, presume-se indistintamente que
todas as controladas ou coligadas no exterior têm esse propósito elisivo ou
evasivo.
Penso ser plenamente possível conciliar a garantia de efetividade dos
instrumentos de fiscalização aos princípios do devido processo legal, da
proteção à propriedade privada e do exercício de atividades econômicas
lícitas. A presunção do intuito evasivo somente é cabível se a entidade
estrangeira estiver localizada em localizadas em países com tributação
favorecida, ou que não imponham controles e registros societários rígidos
(“paraísos fiscais”). A lista desses países é elaborada e atualizada pela
Receita Federal do Brasil, e atualmente encontra-se na IN 1.037/2010. Não
há qualquer dificuldade na atualização dessa lista.
Se a empresa estrangeira não estiver sediada em um “paraíso fiscal”, a
autoridade tributária deve argumentar e provar a evasão fiscal, isto é, a
ocultação do fato jurídico tributário ou da obrigação tributária. Essa
artumentação e essa prova fazem parte da motivação do ato de
constituição do crédito tributário, que deve ser plenamente vinculado.
Não obstante a importância no sentido de destacar uma posição que normas
tributárias sobre empresas controladas no exterior se aplicam presumidamente
somente no caso destas empresas estarem sediadas em países com tributação
favorecida, não houve a análise de compatibilidade com regras de tratados
internacionais tributários, conforme bem assevera Godoi (2014), disponde que tal
análise somente decorreu do julgamento do Recurso Especial 1.325.709, publicado
no dia 20 de Maio de 2014.
5.1.2 Recurso Especial nº 1.325.709/2014 (Vale do Rio Doce vs. Fazenda Nacional)
No dia 24 de Abril de 2014 foi julgado no Superior Tribunal de Justiça o
Recurso Especial 1.325.709 (Vale do Rio Doce vs. Fazenda Nacional) – Rio de
Janeiro – cuja publicação ocorreu no dia 20 de Maio do mesmo ano, e, a relatoria
ficou a cargo do Ministro Napoleão Maia Filho.
184
Especificamente no que diz respeito ao tema enfrentado nesse estudo,
transcreve-se os trechos da ementa para um início de análise:
5. A jurisprudência desta Corte Superior orienta que as disposições dos
Tratados Internacionais Tributários prevalecem sobre as normas de Direito
Interno, em razão de sua especificidade. Inteligência do art. 98 do CTN.
Precedente: (RESP 1.161.467-RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe
01.06.2012).
6. O art. VII do Modelo de Acordo Tributário sobre a Renda e o Capital da
CODE utilizado pela maioria dos Países ocidentais, inclusive pelo Brasil,
conforme Tratados Internacionais Tributários celebrados com a Bélgica
(Decreto 72.542/73), a Dinamarca (Decreto 75.106/74) e o Principado de
Luxemburgo (Decreto 85.051/80), disciplina que os lucros de uma empresa
de um Estado contratante só são tributáveis nesse mesmo Estado, a não
ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante, por
meio de um estabelecimento permanente ali situado (dependência, sucursal
ou filial); ademais, impõe a Convenção de Viena que uma parte não pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o
inadimplemento de um tratado (art. 27), em reverência ao princípio da boafé.
7. No caso de empresa controlada, dotada de personalidade jurídica própria
e distinta da controladora, nos termos dos Tratados Internacionais, os lucros
por ela auferidos são lucros próprios e assim tributados somente no País do
seu domicílio; a sistemática adotada pela legislação fiscal nacional de
adicioná-los ao lucro da empresa controladora brasileira termina por ferir os
Pactos Internacionais Tributários e infringir o princípio da boa-fé nas
relações exteriores, a que o Direito Internacional não confere abono.
8. Tendo em vista que o STF considerou constitucional o caput do art. 74 da
MP 2.158-35/2001, adere-se a esse entendimento, para considerar que os
lucros auferidos pela controlada sediada nas Bermudas, País com o qual o
Brasil não possui acordo internacional nos moldes da OCDE, devem ser
considerados disponibilizados para a controladora na data do balanço no
qual tiverem sido apurados.
Preliminarmente, ressalva-se que no julgamento em questão também foi
analisada a legalidade do método de equivalência patrimonial (MEP), utilizado para
a apuração dos valores tributados das empresas residentes brasileiras. Contudo, a
discussão foge ao objetivo do estudo, que se restringe, no julgamento em apreço,
aos tópicos acima transcritos.
A primeira observação, nesse diapasão, é a equivocada posição do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) referente a prevalência das normas internacionais em
frente às normas internas pelo critério da especialidade.
No voto que proferiu, o Ministro Napoleão Maia Filho aduziu que “a
interpretação a ser dada aos Tratados Internacionais Tributários deve ser também a
conferida no País com os quais esses instrumentos são celebrados”, e, a
consequência de não ser observada tal regra, e, em contrapartida, aplicar as normas
internas, seria “alterar os significados das convenções e subverter o seu propósito”.
185
Ainda segundo o raciocínio do Ministro relator, tal afirmação “é o que se chama de
regra da especialidade, que prioriza a supremacia das convenções externas sobre
as domésticas”.
Ora, conforme sobejamente demonstrado linhas acima, a preponderância
realmente é das normas internacionais, contudo tal ocorre em decorrência do
primado do Direito Internacional que prevalece no Monismo adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, empregar a mesma interpretação ao tratado internacional tributário
que o outro Estado Soberano signatário utiliza não corresponde à aplicação do
critério da especialidade, mas, sim, corresponderia a aplicação dos princípios da
boa-fé e do pacta sunt servanda analisados acima, e, cuja decorrência lógica seria o
emprego das orientações contidas nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE,
como regras de direito internacional relevantes, dentro do contexto, objeto e
propósito dos tratados internacionais (Artigo 31(3)(c) da CVDT).
Ainda com relação a prevalência das normas internacionais previstas nos
tratados internacionais tributários e sua relação com as normas internas, o Ministro
Napoleão Maia Filho ressalva o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário
460.320 – Paraná,
analisado anteriormente. Esmiuçando as ponderações feitas naquela ocasião pelo
Ministro da Corte Constitucional, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, apesar
de ter apontado que a preponderância das normas internacionais sobre as normas
internas seria decorrente da “regra da especialidade” (como inclusive disposto na
ementa acima transcrita), ressalta no seu voto que haveria também uma
superioridade hierárquica das normas internacionais:
33. Diante dessa definição sistêmica e constitucional, conclui-se que os
Tratados e Convenções Internacionais em matéria tributária seguramente
assimilam, no Direito Interno Brasileiro, a hierarquia de leis
complementares; anoto que, se assim não fosse – diga-se apenas para
efeito de exposição – as regulações internacionais seriam categorizadas
assim:
(i) seriam superiores à Carta Magna, não se submetendo, portanto, aos
seus ditames, o que importaria na afirmação – estranha afirmação – de
quebra de soberania nacional e consequente abdicação dos poderes
normativos nacionais, efeitos que não podem ser – nem de longe – sequer
objeto de reflexão jurídica minimamente adequada à nossa ordem
constitucional; ou
(ii) seriam nivelados às leis ordinárias e, portanto, modificáveis pela
legislação interna comum, significando isso que o legislador ordinário teria a
potestade de alterar, ou até mesmo de eliminar, a eficácia normativa dos
186
Tratados, infringindo a sua base de boa-fé e de reciprocidade de
tratamento, bem como privilegiando as empresas estrangeiras que tivessem
controladas no Brasil, pois os seus lucros não seriam tributados nos seus
Países de origem.
34. Em ambas as hipóteses, como se vê, ocorreria a perversão de pautas
essenciais do sistema jurídico, por isso que os tratadistas tributários
internacionais chamam a atenção para o respeito aos Tratados
Internacionais Tributários, o que reflete a necessidade de atribuir-lhes
posição hierárquica superior às leis ordinárias – mas, sem dúvida possível,
abaixo da Constituição – sendo urgente se vencer a concepção – tão
arraigada concepção – de que a hermenêutica doméstica da Administração
Tributária possa preponderar sobre aqueles documentos firmados no foro
externo pela soberania nacional; esse ponto de vista é sustentado, entre
outros autores de nomeada, pelo Ministro Professor FRANSCISCO RESEK
(Direito Internacional Público, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 103).
(BRASIL, 2014, STJ)
Ora, além de apresentar uma posição diferente da especialização da norma
internacional frente à norma interna, o trecho acima transcrito aduz que o critério de
resolução de conflito seria o hierárquico, pelo menos quando o conflito aparente
ocorra com lei ordinária. O equívoco se destaca em afronta ao que já foi exposto.
Notadamente a superioridade hierárquica das normas internacionais, no que tange
aos tratados internacionais tributários, não condiz a uma paridade hierárquica com
lei complementar, mas, sim, a uma primazia supralegal.
No tocante às normas específicas antielisivas internas de tributação de lucros
auferidos através de empresas controladas e coligadas no exterior, o Ministro
Napoleão Maia Filho (linha 49) aduz que as “Controlled Foreign Corporation
Legislation (CFC), leis especiais cujo principal objetivo é, sem interferir na
competitividade das empresas nacionais e de suas controladas no Exterior,
minimizar a temível; e abominável elisão fiscal”.
Como demonstrado ao longo deste estudo, uma vez que as normas CFC são
aplicadas em situações onde afigurado se encontra o abuso de tratados
internacionais tributários, conflito não haverá a ponto de deixar de serem aplicadas
as primeiras, mesmo que normas internas. Apesar da primazia das normas internas
dos tratados internacionais tributários sobre as normas internas, na situações em
que o combate à elisão fiscal abusiva é patente, e, coaduna-se com os objetivos
destes, a aplicação das normas antielisivas internas tornam-se imprescindíveis.
Contudo, no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministro
Napoleão Maia Filho, ressaltando que a questão ainda não fora analisada pelo
187
Supremo Tribunal Federal (STF)232, analisa a suposta ofensa das normas CFC ao
Artigo 7 da Convenção Modelo da OCDE afirmando a existência de violação à
norma do tratado internacional tributário (no caso os tratados assinados pelo Brasil
com a Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo).
Conforme já manifestado ao longo desse estudo, se por um lado constata-se
uma evolução da jurisprudência pátria no sentido de conferir a primazia às normas
internacionais, no caso dos tratados internacionais tributários, em contrapartida,
acaba ocorrendo um excesso nessa nova orientação. Assim, deixam de ser
analisadas as situações casuísticas, onde a norma CFC poderia, na realidade, estar
agindo resguardando o objetivo do próprio tratado internacional tributário.
Portanto, a decisão ora examinada, além de não conseguir determinar
corretamente qual seria a razão e o grau de superioridade hierárquica das normas
dos tratados internacionais tributários, também acaba descuidando ao não
implementar uma interpretação correta buscando a conciliação com normas
antielisivas internas, como é o caso das normas CFC.
Como bem destacado por Andrade (2014), no XVIII Congresso Internacional
de Direito Tributário da ABRADT (Associação Brasileira de Direito Tributário), em
certas situações a análise da casuística nos julgamentos realizados pelos tribunais é
importante, e, destaca em relação a julgamentos onde é analisada apenas as teses.
Por fim, destaca-se que com relação ao julgado proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) em questão, a Fazenda Nacional interpôs Recurso
Extraordinário ainda pendente de análise de admissibilidade.
Entre os fundamentos expostos no apelo extraordinário para a Suprema
Corte, destaca-se que a norma CFC brasileira não estaria tributando a empresa
controlada residente no outro Estado Soberano signatário do tratado internacional
tributário, o que seria vedado pela norma do Artigo 7º da Convenção Modelo da
OCDE (e reproduzido no tratado), mas, sim, estaria tributando o os lucros auferidos
por intermédio da empresa estrangeira.
Ademais, e mais importante, a Fazenda Nacional busca levar ao Supremo
Tribunal Federal os Comentários à Convenção Modelo da OCDE, reproduzindo o
232
“58. A questão de eventual ofensa aos Tratados Internacionais Tributários que vedam a
bitributação, todavia, ainda não foi abordada – pelo menos explicitamente – nos julgados do STF,
tendo sido determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem, precisamente para manifestarse sobre esta questão, porquanto a controvérsia restringiu-se, nas Cortes Judiciais de origem, à
discussão – importante discussão – sobre a constitucionalidade da referida norma legal (art. 74 da
MP 2.158-35⁄2001).” (BRASIL, 2014, STJ).
188
Parágrafo 23, acima transcrito, aduzindo que “no âmbito internacional, entende-se
que as chamadas “normas CFC” não contrariam o disposto no Artigo VII do Tratado
Modelo da OCDE”. Além disso, é feito a menção que a própria OCDE reconhece
que as normas CFC possuem peculiaridades a depender do ordenamento jurídico
de onde emanam, o que não corresponde a um empecilho para a sua aplicação
mesmo diante de situações abrangidas pelos tratados internacionais tributários.
Espera-se, portanto, que a partir da análise do recurso extraordinário em
questão, a jurisprudência passe a dar mais atenção aos Comentários da OCDE,
como fonte de auxílio na interpretação.
5.2 Lei nº 12.973/2014
O advento da Lei 12.973/2014 representa a atual norma específica antielisiva
interna que trata da tributação de lucros auferidos no exterior por intermédio de
empresas controladas e coligadas (a norma CFC brasileira). Tal norma, como
detalhadamente comentado por Godoi (2014) apoiado em Conrado Hübner
Mendes233, corresponde a um diálogo institucional entre o legislativo e à decisão
proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588/2014.
Para o presente estudo, importante duas constatações feitas na Ação Direita
de Inconstitucionalidade 2.588/2014 e que serviram de base para a reestruturação
das normas CFC no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira constatação é que
encontram-se em situações diversas aquelas empresas investidas (coligadas ou
controladas) em países considerados paraísos fiscais (ou com regime de tributação
considerado favorecido), e, países cuja tributação seja considerada dentro dos
padrões internacionais. 234 E, a segunda constatação seria o fato de empresas
controladas e coligadas não poderem ter o mesmo tratamento, por possuírem
distinções relevantes.
Com relação a essa primeira constatação realizada pelo Supremo Tribunal
Federal, imperioso é, para o presente trabalho, o retorno aos Comentários à
233
MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia, Rio de Janeiro,
Elsevier, 2008.
234
Nesse sentido, Godoi (2014, p. 305): “O consenso 1) descrito acima repercutiu claramente no
desenho de diversos institutos do novo sistema de tributação de lucros do exterior. No novo
sistema, os lucros relativos às empresas investidas situadas em países de tributação favorecida,
que desfrutam de regimes fiscais privilegiados ou de regime de subtributação têm um regime
tributário distinto do regime aplicável aos lucros relativos a empresas investidas que não se
enquadram nas três situações antes mencionadas”.
189
Convenção Modelo da OCDE, mesmo que não tenham sido objeto de análise até
então (podendo ser na ocasião de análise do recurso extraordinário apresentado
pela Fazenda Nacional nos autos do Recurso Especial 1.325.709/2014).
Nesse viés, o Parágrafo 26 dos Comentários ao Artigo 1 da Convenção
Modelo da OCDE, tratando da “Limitação da legislação sobre empresas estrangeiras
controladas” deixa claro que as regras CFC não devem ser utilizadas, regra geral,
quando o lucro auferido no exterior já tenha sofrido tributação do Estado da empresa
investida comparável a do Estado de residência do contribuinte (empresa
investidora).
Logo, ao dispor sobre a questão do regime de subtração, no Artigo 84, inciso
III, da Lei
12.973/2014, o legislador ordinário além de estar buscando seguir o
consenso auferido pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
2.588/2014, também acaba
entrando em harmonia com os Comentários da OCDE.
Cabe esclarecer que o regime de subtributação, previsto no Artigo 84, inciso
III da Lei 12.973/2014 é “aquele que tributa os lucros da pessoa jurídica domiciliada
no exterior a alíquota nominal inferior a 20% (vinte por cento)”.
Com relação ao segundo ponto, a diferenciação entre coligadas e
controladas, importante destacar que a grande diferenciação ocorreu num
abrandamento do regime para as coligadas. Nesse sentido, no caso das
controladas, a incidência tributária continua sendo o momento de auferimento do
lucros, apurados no balanço contábil, o que continuará a ser feito pelo Método de
Equivalência Patrimonial (MEP). Já no caso das coligadas, o abrandamento nítido
sendo que a tributação volta a ser no momento da disponibilização desses lucros.
5.2.1 Rendas Ativas e Rendas Passivas
Conforme mencionado anteriormente, as novidades trazidas pela Lei
12.973/2014 foram advindas do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), e, também, observa-se uma correlação com o direito comparado,
principalmente no que tange à uma observação aos Comentários à Convenção
Modelo da OCDE. Nessa linha de raciocínio foi exposto o Parágrafo 26 dos
Comentários ao Artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, na redação dada pela
Revisão de 2003, e, cujo teor esclarece a possibilidade de aplicação das regras de
190
CFC a situações abrangidas por regimes de subtração. A consonância com a novel
legislação estaria no já destacado Artigo 84, inciso I.
Ademais, outo ponto que merece atenção, e que, conforme Godoi (2014)
também seria decorrente de uma influência do direito comparado, seria a distinção
entre receitas ativas e receitas passivas para a configuração de situações de
regimes favorecidos ou regimes normais de tributação. Segundo Godoi (2014, p.
308) a renda ativa seria aquela “obtida pela exploração de atividade econômica
própria, excluindo-se as receitas decorrentes de royalties, juros, dividendos,
participações acionárias, aluguéis, ganhos de capital, aplicações financeiras e
intermediação financeira”. A renda passiva, em raciocínio lógico, seria o oposto.
Assim, de acordo com a Lei 12.973/2014, as empresas investidas no exterior,
para usufruírem dos benefícios concedidos para aquelas situações de “regime
normal de tributação”, como regime opcional de consolidação (Artigos 78 a 80 da Lei
12.973/2014) ou regime opcional de pagamento (Artigos 90 e 91 da Lei
12.973/2014), terão que ter no mínimo 80% (oitenta por cento) de sua renda ativa.
Barreto e Takano (2014) 235 criticam a legislação brasileira nesse ponto,
fazendo referência a Xavier (2010) ao dispor que a tendência no cenário
internacional, ao analisar o direito comparado, é perceber que as regras CFC tem
uma tendência de tributar somente as rendas passivas, notadamente pela facilidade
de alocação das mesmas em regimes especiais de tributação.
Obviamente tal raciocínio é correto, mas não tira a validade da nova norma
CFC brasileira, principalmente diante dos tratados internacionais tributários que, com
espeque nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE deixam claro a
possibilidade de assim ser. Ademais, não se poderia esperar uma exatidão da
legislação brasileira em frente aquelas dos Estados Soberanos membros da OCDE
que obviamente possuem uma situação econômica diversa, atraindo, destarte,
capital e investimentos por outros meios.
5.2.2 Coligadas e Controladas com sócios e matrizes no Exterior, dentro do Brasil –
Da equiparação à Controladora
235
Nesse sentido, Barreto e Takano (2014, p. 362) aduzem que: “É curioso notar que, em relação à
utilização da qualidade de renda ativa da empresa estrangeira como parâmetro para a aplicação
das regras “CFC” à totalidade de seus resultados, somente se encontra regime semelhante ao
nosso no Direito chinês, com a exceção de que nesse se exige que a maior parte da renda seja
passiva para aplicar as regras antiabuso, e não somente 20%. Seja como for, cabe reconhecer
que o modelo brasileiro trilha caminho radicalmente oposto ao dos países-membros da OCDE”.
191
Interessante é o Artigo 83 da Lei 12.973/2014 que trata “da equiparação à
controladora”.
Certamente as empresas controladas ou coligada que são situadas no Brasil
são tributadas pelos lucros que aqui auferirem, seja em decorrência da legislação
tributária brasileira, seja, ainda, em face de eventual aplicação do Artigo 7º de algum
tratado internacional tributário.
Não obstante tal fato, e, possivelmente através da constatação de
planejamentos tributários que comportavam estruturas semelhantes, o legislador
ordinário criou uma equiparação à controladora quando a empresa situada no Brasil
possuindo investimento em empresa sediada no exterior, mas que não seja
relevante, poderá ser equiparada a uma controladora caso “em conjunto com
pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil ou no exterior,
consideradas a ela vinculadas, possua mais de 50% (cinquenta por cento) do capital
votante da coligada no exterior”.
Assim, o controle é constatado de maneira consolidada entre as empresas
vinculadas com a empresa brasileira, e, como aduzido por Godoi (2014), tal medida
é padrão no direito comparado.
Da mesma forma como apontado acima para as demais questões, a
aplicação destes critérios não iriam acarretar qualquer ofensa a normas de tratados
internacionais tributárias, notadamente, como já sobejamente ressaltado, por
estarem em consonância com os Comentários à Convenção Modelo da OCDE.
Contudo, vale a ressalva, é possível vislumbrar uma impossibilidade de
aplicação de uma norma CFC a um caso concreto, onde ficar constatado a falta de
abuso, ou mesmo, a ocorrência de uma dupla tributação da renda.
192
6 CASO EXEMPLO – GEARDAU INTERNACIONAL EMPREENDIMENTOS LTDA
VS. FAZENDA NACIONAL
Por fim, e, buscando apresentar de maneira mais prática as considerações
feitas no presente estudo, antes de adentrar especificamente na conclusão,
importante a apresentação de caso onde foi analisada tanto a aplicação de uma
medida antielisiva geral interna, como a aplicação de uma norma específica
antielisiva interna, no caso a antiga legislação tributária de lucros auferidos no
exterior através de empresas controladas e coligadas (Artigo 74 da Medida
Provisória 2.158-35/01).
O caso Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. versus Fazenda
Nacional foi julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), na
Sessão do dia 02 de outubro de 2012, pela 1ª Câmara da 1ª Turma Ordinária, tendo
como pano de fundo lucros no exterior e tratados internacionais tributários.
No tocante ao assunto “Normas Gerais de Direito Tributário” a ementa contém
a seguinte passagem:
TRATADO INTERNACIONAL. INCIDÊNCIA. LANÇAMENTO.
Não existe disposição no tratado ou em lei interna estabelecendo a não
incidência do tratado por haver eventual interesse tributário em
reorganização societária que envolva países contratantes. Para que deixar
de aplicar o tratado em alguma circunstância, é preciso haver no tratado ou
em lei brasileira e, para o lançamento ser valido, esta regra deve ser
indicada no lançamento.
TRATADO INTERNACIONAL. ABUSO DE TRATADO. ABUSO DE
DIREITO. LEGALIDADE.
Não há base legal no sistema jurídico brasileiro para o Fisco afastar a
incidência legal do tratado, sob a alegação de entender estar havendo
abuso de tratado.
CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
A determinação feita no art. 243 da Lei 6404, de 1976, para que se
considere como controlada as controladas diretas e indiretas ó é válida para
fins do relatório anual de administração previsto no dispositivo. Sem uma
ressalva semelhante a existência no art. 243 da Lei das Sociedades por
Ação, controlada significa controlada direta. Não cabe entender que toda
menção à controlada, na Lei 6404, de 1976, se refira também às
controladas indiretas.
CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA.
A translação do conceito posto pelo art. 243 da Lei 6404, de 1976, para o
art. 74 da Medida Provisória 2.158-35, de 2001, estivesse se referindo às
controladas indiretas, seria preciso ignorar o texto do artigo e, além disso,
admitir que ele desconsiderasse tacitamente a personalidade jurídica das
controladas diretas. Não é possível supor que o termo controlada possa
alcançar as controladas diretas e as indiretas, sob pena de se estabelecer
uma dupla tributação do mesmo lucro, pois os resultados das controladas
indiretas já estão refletidos nas controladas diretas.
CONTROLADA DIRETA E INDIRETA. LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA.
193
O inciso I do art. 16 da Lei 9.430, de 1996, indica que os lucros das
controladas no exterior devem ser considerados de forma individualizada,
por controlada. Mas, isso, de modo algum quer dizer os lucros das
controladas indiretas devam ser considerados diretamente.
No caso em tela, de maneira extremamente resumida pode-se dizer que
através
de
um
planejamento
tributário,
a
empresa
Gerdau
Internacional
Empreendimentos Ltda. adquiriu e tornou-se única sócia da empresa GTL Trade
Corp. A empresa GTL Trade Corp era anteriormente sociedade unipessoal cuja
sócia era uma sociedade uruguaia chamada Oruscom S/A, e, não era uma
sociedade residente no território espanhol. Apenas após a mudança para o território
espanhol é que houve o interesse de aquisição da sociedade GTL Trade Corp pela
Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda., alterando a denominação da primeira
para Gerdau GTL Spain SL.
A empresa Gerdau GTL Spain SL correspondia a uma holding de várias
empresas do grupo econômico, e, estava constituída sobe a forma de “ETVE” –
Entidad de Tenencia de Valores Extranjeros. Além disso, não possuía funcionários,
e, sua administração burocrática era realizada por intermédio de procuração dada a
Ernst & Young.
A Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda. passou para a Gerdau GTL
Spain SL suas controladas diretas através da integralização de capital com as
respectivas ações.
Tais medidas corresponderiam a uma reestruturação societária objetivando o
alcance de uma economia fiscal, e, portanto, pode-se falar em planejamento
tributário. Segundo a decisão de primeira instância administrativa, o “propósito de
existência” da Gerdau GTL Spain SL, assim como de outra empresa controlada
direta, era apenas evitar a tributação no Brasil, já que o rendimento que elas
obtinham não eram oriundos do território espanhol. Entendia-se, assim, que se a
sociedade brasileira fosse controladora direta, os rendimentos seriam tributados.
Assim, uma parte da decisão de primeira instância, mencionada no acórdão ora
analisado, dispõe:
A empresa espanhola foi criada com a finalidade de ser repassadora dos
lucros auferidos por empresas controladas pela fiscalizada com o fito de
evitar a tributação no Brasil e, mesmo que se admita propósito negocial
subjacente, os lucros das controladas indiretas são considerados auferidos
pela investidora brasileira, sendo passíveis de disponibilização, por força da
legislação comercial e do art. 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001.
194
Ainda, com relação a decisão de primeira instância administrativa, o acórdão
transcreve trechos do voto do relator Eduardo Shimabukuro, onde é feita uma
constatação do entendimento da prevalência da substância sob a forma e da
impossibilidade de aceitação pelas Autoridades Tributárias de reestruturações
societárias cujo mero objetivo seria a economia fiscal sem qualquer propósito
negocial. No caso, se constatou que apesar da criação da estrutura societária da
holding espanhola (Gerdau GTL Spain SL), a gestão operacional era realizada pela
sociedade brasileira (Gerdau Internacional Empreendimentos Ltda.), ou seja, em
termos operacionais a reestruturação não provocou mudanças.236
A reestruturação, nesse caso, é notadamente um planejamento tributário que
pode ser considerado abusivo, uma vez que a substância dos fatos não condiz com
a forma apresentada.
Outro ponto interessante destacado no relatório do acórdão e referente à
decisão de primeira instância é o fundamento de que as normas do tratado
internacional tributário celebrado entre o Brasil e a Espanha foram incorporadas em
momento anterior à criação, na legislação espanhola, das ETVEs, e, portanto, “sua
aplicação conflitaria com a intenção de ambos os signatários de evitar a dupla
tributação de lucros gerados por residentes em cada um deles, e, ainda, o de evitar
a evasão fiscal, consoante o entendimento firmado no Ato Declaratório Interpretativo
SRF 6/2002”.237
236
O trecho do acórdão que faz menção à decisão de primeira instância no voto do relator Eduardo
Shimabukuro é o seguinte: “o princípio da livre iniciativa se opõe ao da justiça social, e a criação
da pessoa jurídica espanhola apenas com objetivo de servir de anteparo da tributação das demais
empresas estrangeiras no exterior não a legitima perante o ordenamento jurídico; a doutrina
aborda a figura do abuso do direito e sua inoponibilidade em face de terceiros, dentre os quais o
Fisco; a liberdade de se auto-organizar encontra limites nos demais princípios que informam
nossa matriz constitucional, em especial o da capacidade contributiva, da isonomia fiscal e da
função social do contrato; a existência de uma estrutura empresária com o objetivo primordial de
se eximir de tributação é injustificável, pois atende, tão-somente, o interesse de seus sócios; [...] a
empresa espanhola é meramente uma estrutura formal, que não possui qualquer funcionário e
cuja administração burocrática é realizada por mandato conferido à empresa de consultoria
jurídica e empresarial Ernst & Young, conforme constatado pela autoridade fiscal. Sua gestão
operacional é realizada por um conselho de administração, cujos diretores, snão os mesmos de
outras empresas do Grupo Gerdau, dentre as quais a própria autuada, e têm seus domicílios
fiscais situados no Brasil, de forma que, substancialmente, nada mudou; melhorias consistentes
em vantagem competitiva sobre seus concorrentes advinda exclusivamente de economia tributária
são inaceitáveis por carecerem de propósito negocial; não se trata de desconsideração da
personalidade jurídica da subsidiária integral na Espanha, mas da inoponibilidade dos efeitos do
planejamento tributário executado em face da tributação nacional” (BRASIL, 2012).
237
De acordo com o Ato Declaratório Interpretativo SRF 6, de 6 de Junho de 2002, em seu Artigo 1º:
“Sujeitam-se à incidência do imposto de renda os lucros e dividendos recebidos por residentes ou
195
Nessa situação poderia ser aventada, inclusive e conforme tópico
anteriormente analisado, a possibilidade de abuso do tratado internacional tributário
pelo próprio Estado Soberano signatário. Com isso, a Espanha estaria utilizando de
uma norma interna posterior (que dispõe sobre as ETVEs) para buscar um benefício
advindo do tratado internacional tributário celebrado com o Brasil de maneira diversa
da qual foi pretendido em sua celebração, indo de encontro com o objetivo de
neutralidade fiscal nas transações internacionais celebradas entre os dois Estados.
Nota-se, inclusive, que a Receita Federal do Brasil, através da Instrução
Normativa RFB 1.037, de 4 de Junho de 2010, havia incluído o regime fiscal das
ETVEs na lista de Regimes de Tributação fiscal privilegiados, mas, posteriormente, o
Ato Declaratório Executivo
22, de 30 de novembro de 2010, acabou excluído
referido regime da lista.
O voto vencedor que rendeu a ementa transcrita acima, pode ser
resumidamente fundamentado com quatro pontos. O primeiro é que a estrutura de
uma holding não seria a mesma coisa de uma estrutura de uma empresa
operacional; o segundo é que o argumento da Fazenda Nacional de que o único
objetivo seria economia fiscal (portanto sem propósito negocial) não pode ser
considerado absoluto; o terceiro é que o afastamento do tratado somente ocorre por
previsão expressa no mesmo ou em norma interna; e, o quarto seria que o
enquadramento do resultado foi feito de maneira errada, e, dessa forma, seria
preciso verificar o resultado das indiretas na holding espanhola e não buscar
diretamente o resultado. Portanto, de acordo com esse quarto argumento, a
desconsideração da holding espanhola foi indevido.
No que pese tanto as partes envolvidas no julgamento administrativo em
apreço, bem como os Conselheiros do CARF envolvidos, para fins didáticos do
presente trabalho a apresentação de alguns pontos desse caso é válido,
principalmente no que condiz ao voto vencido, o qual passa-se a analisar.
A importância do voto vencido é que diante da situação em concreto (e
resumida de maneira resumida) propôs a adoção inicialmente do que ora se chama
nesse estudo de norma geral antielisiva interna (posto que seria a aplicação
domiciliados no Brasil, decorrentes de participação em “Entidad de Tenencia de Valores
Extranjeros”/ETVE, regulada pela Lei Espanhola do Imposto de Sociedades, não se aplicando o
disposto no parágrafo 4º do art. 23 da Convenção destinada a Evitar a Dupla Tributação e
Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda entre o Brasil e a Espanha,
promulgada pelo Decreto 76.975, de 1976” (BRASIL, 2002).
196
conjunta de dispositivos do Código Tributário Nacional, notadamente o Artigo 142
combinado com o Artigo 149, em face de uma prática elisiva abusiva), e,
posteriormente, a aplicação de uma norma específica antielisiva interna (o Artigo 74
da Medida Provisória 2.158-35/2001). Ademais, e aqui a importância para esse
estudo, a aplicação da norma seria em face de situação abrangida pelo tratado
internacional tributário existente entre o Brasil e a Espanha.
Assim, segundo o voto vencido, mas que entende-se corretamente
fundamentado, “o procedimento para desconsideração de estruturas formais que se
prestam a ocultar ou impedir a ocorrência do fato gerador, ou de seus efeitos,
quando erigidas dolosamente, nuca dependeu de disciplina específica”. Assim, abrese fundamentação para que, na consideração de planejamentos tributários
agressivos por intermédio de estruturações artificiais e abusivas seja possível à
Autoridade Tributária verificar a ocorrência do fato gerador concreto e enquadrá-lo
na hipótese de incidência tributária prevista na norma interna (Artigo 142 do Código
Tributário Nacional), uma vez comprovado que “o sujeito passivo, ou terceiro em
benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação” (Artigo 149, inciso VII, do
Código Tributário Nacional).
Note-se que, caso fossem aplicados os Comentários à Convenção Modelo da
OCDE para a interpretação da questão, a conclusão óbvia que se chegaria, dentro
do contexto e buscando alcançar os objetivos do tratado internacional tributário
firmado com a Espanha, que, com espeque no Parágrafo 9.5 do Comentário ao
Artigo 1º, estaria ocorrendo uma verdadeira constatação dos fatos jurídicos
tributáveis, buscando afastar as situações ditas abusivas.
Ainda segundo o voto ora analisado, a conduto dolosa teria como exemplo
específico a previsão do Artigo 72 da Lei 4.502/64, que, naquela época, conceituava
a fraude fiscal como “toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal”,
além de “excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o
montante
Certo é que, conforme constatado corretamente por Rocha (2013, p.14) a
maneira como as decisões são exauridas pelo CARF é “bastante rudimentar e
superficial, uma vez que historicamente os conselheiros não eram chamados a
decidir sobre questões envolvendo a aplicação e interpretação de tratados
internacionais”. Ao longos dos julgamentos não examinada corretamente a maneira
197
como devem ser interpretados os tratados internacionais tributários, e, sequer são
analisados os comentários da OCDE que, segundo visto acima, além de
representarem fonte de auxílio na interpretação, já foram considerados pela própria
Receita Federal do Brasil como documentação auxiliar para tanto.
198
7 CONCLUSÃO
Methods of escape or intended escape from tax liability are many. Some are
instances of avoidance which appear to have the color of legality; others are
on the borderline of legality; others are plainly contrary even to the letter of
the law. All are alike in that they are definitely contrary to the spirit of the law.
All are alike in that they represent a determined effort on the part of those
who use them to dodge the payment of taxes which Congress based on
ability to pay. All are alike in that failure to pay results in shifting the tax load
to the shoulders of others less able to pay, and in mulcting the Treasury of
238
the Government’s just due. (ROOSEVELT, s/d)
Certa vez, um professor de Tratados Internacionais Tributários tentou explicar
o que seria o planejamento tributário de uma maneira simples aos alunos. Tratavase de suas últimas palavras, ao final do curso. Para apresentar a explicação, contou
que, certa vez, na cidade de Melbourne, ao sudeste da Austrália, iria ser realizado
um congresso de Direito Tributário, e, que dois Auditores da Receita Federal
australiana, lotados em Sydney, pretendiam ir de trem para assistirem às palestras.
O raciocínio dos auditores era bastante lógico. Uma vez que o congresso era
direcionado a advogados e consultores tributários, eles, os auditores, poderiam
conhecer as novas tendências em planejamento tributário, e, dessa forma, iriam
coibir qualquer tentativa realizada em suas jurisdições. Contudo, ao chegarem na
estação do trem, e, entrarem na fila para comprar o tíquete, reconheceram, logo a
frente, dois advogados tributaristas, conhecidos pela experiência em formularem
para seus clientes planejamentos tributários, os quais o Fisco tinha dificuldade em
desconsiderar para tributação. Concluindo que os advogados tributaristas também
iriam para o congresso, observaram que apenas um comprou o tíquete, entendendo
que tal situação correspondia a mais um esquema de trapaça para pagar menos.
Assim, a curiosidade levou os dois auditores a entrarem no mesmo vagão dos dois
advogados tributaristas. Então que, durante a viagem, no momento em que o
bilheteiro saiu do vagão antecessor e dirigiu-se ao vagão onde os quatro se
encontravam, os dois advogados tributaristas levantaram-se e entraram no banheiro
238
Tradução livre: “Métodos de fuga ou pretensão de fuga de responsabilidade fiscal são muitos.
Alguns são casos de elisão, que parecem ter a cor da legalidade; outros estão no limite da
legalidade; outros são claramente contrárias, mesmo ao pé da letra da lei. Todos são iguais no
que eles estão definitivamente contrários ao espírito da lei. Todos são iguais na medida em que
representam um determinado esforço por parte de quem os utiliza para evitar o pagamento de
impostos que o Congresso cobra com base na capacidade contributiva. Todos são iguais no que a
falta de pagamento resulta na mudança da carga tributária para os ombros de outros menos
capazes de pagar, e em punir o Tesouro do Governo pelo que é apenas devido.”.
199
ao mesmo tempo. O Cobrador entrou no vagão, e, passageiro por passageiro pediu
o tíquete que carimbou, desejando uma boa viagem. Até que, sob os olhares atentos
dos auditores fiscais, o Cobrador chegou à porta do banheiro, e, vendo que estava
ocupado, bateu na porta pedindo o tíquete ao suposto passageiro que se encontrava
ali. Um dos advogados tributaristas que estava com o tíquete o passou por debaixo
da porta, sendo pego pelo Cobrador que o carimbou e o devolveu pelo mesmo
caminho. Após o Cobrador saiu do vagão, e, os advogados tributaristas saíram do
banheiro retornando aos respectivos assentos, para a indignação dos auditores
fiscais que constataram “mais uma” artimanha daquela dupla.
Ao final do congresso, os auditores fiscais, ainda pensando no ocorrido da
ida, dirigiram-se à estação de trem de Melbourne para retornarem à Sydney. Mais
uma vez, ao entrarem na fila para comprarem o tíquete, depararam-se, logo a frente,
com os dois advogados tributaristas, e, notaram que a manobra realizada na ida
estava se repetindo. Dessa maneira, pretendendo coibir tal ato, um dos auditores
fiscais, que era sênior e portanto detentor de maior experiência, disse para o seu
colega que eles também iriam comprar apenas um tíquete, e, seguiriam os
advogados tributaristas para entrarem no mesmo vagão, adiantando-se aos mesmo
no momento de utilizarem o toalete. Dito e feito, estavam no mesmo vagão
retornando para Sydney os dois auditores fiscais, portanto apenas um tíquete, e, os
dois advogados tributaristas, também portanto apenas um tíquetes, todos a espera
do Cobrador. No primeiro sinal deste, os auditores fiscais se apressaram para
entrarem ambos no toalete, utilizando da mesma artimanha que haviam presenciado
na ida e buscando frustrar o plano dos advogados. Contudo, assim que entraram no
toalete, momento este em que o Cobrador estava entrando no vagão, um dos
advogados tributaristas que estava sem o tíquete dirigiu-se também ao toalete, e,
batendo na porta se fez passar pelo Cobrador, dizendo: “Tíquete senhor!”. Os
auditores fiscais desapercebidos de tal atitude dissimulada, passaram o tíquete por
debaixo da porta, contudo não obtiveram o retorno do mesmo carimbado. O
advogado tributarista pegando o tíquete retornou ao seu assento e o entregou ao
Cobrador que o carimbou e o entregou de volta como se fosse seu...
A moral da história apresentada pelo professor aos alunos no final do curso,
e, que ao mesmo tempo concede uma explicação do que vem a ser planejamento
tributário, é que, o planejamento tributário deve sempre estar um passo a frente da
realidade conhecida pelas autoridades tributárias.
200
O presente estudo e as ponderações feitas nas páginas acima não
desvirtuam muito do que é passado pela história acima descrita. Ao longo do tempo,
acompanhou-se medidas tomadas tanto para afastar uma carga tributária
demasiadamente pesada em transações internacionais, como, em paralelo, uma
tentativa de coibir o uso de tais medidas para a obtenção de vantagens além
daquelas inicialmente pretendidas pelos órgãos que as criaram.
Nesse sentido, podemos iniciar pela tributação sobre a renda mundial que foi
introduzida como uma forma de combater a evasão fiscal internacional, entendida
esta
no
sentido
genérico
apresentado
na
primeira
seção
primária
do
desenvolvimento. Com o aumento das transações internacionais e a necessidade de
se buscar uma neutralidade em face da possibilidade de bitributação por soberanias
diversas, Estados Soberanos começaram a pactuar tratados internacionais
tributários. A neutralidade fiscal é então buscada por esses tratados internacionais
tributários que, possuem como principal ferramenta as normas ali constantes para se
evitar a dupla tributação da renda. Não obstante, como demonstrado ao longo do
estudo, a finalidade proposta por estes tratados internacionais tributários não é
apenas evitar a dupla tributação da renda, mas, também, combater a evasão e a
elisão fiscal, pois somente assim, será alcançada a neutralidade fiscal internacional.
Assim, após as considerações elaboradas no presente estudo, e, da
exposição de uma literatura sobre o tema, de maneira sintética, passa-se a
apresentar a linha de raciocínio delineada sobre o problema, buscando demonstrar o
porque as normas antielisivas internas devem ser aplicadas em situações
abrangidas pelas normas de tratados internacionais tributários, não havendo,
destarte, nenhum conflito real de normas, mas, sim, uma interpretação conforme os
objetivos desses últimos.
A “evasão fiscal internacional” é um termo que, em virtude do seu
subjetivismo, comporta diferentes acepções, a depender do ordenamento jurídico e
até mesmo da corrente doutrinária. Para o estudo, é vista como gênero, do qual a
evasão fiscal (tax evasion), e, a elisão fiscal (tax avoidance) são espécies. Da
mesma forma, a utilização do termo “fraude à lei fiscal internacional”, corresponderia
a prática de atos lícitos de maneira inaceitável por determinado ordenamento, e, é o
que entende-se como elisão fiscal abusiva.
O combate à elisão fiscal ocorre através de diversas formas a depender do
Estado Soberano e das peculiaridades de cada ordenamento jurídico, e, apesar da
201
simulação ser a prática mais combatida, também encontram-se normas que buscam
evitar a fraude à lei fiscal, a aplicação da substância sobre a forma, o abuso de
direito, entre outros.
Para delimitar corretamente o que seria a elisão fiscal (tax avoidance), o
primeiro passo é a diferenciação com a evasão fiscal (tax evasion). Enquanto que a
evasão fiscal seria a prática de meios ilícitos em determinado ordenamento jurídico,
para a obtenção ilícita de vantagens fiscais (essas podendo ser tanto a não
tributação, como a redução ou postergação da carga tributária), a elisão fiscal seria
a prática de meios lícitos na busca de resultados fiscais mais vantajosos. Uma vez
que a prática de meios ilícitos seja considerada inadequada pelo ordenamento
jurídico, este poderá considerar tal prática abusiva e agressiva, criando normas para
impedir tal prática. Portanto, a elisão fiscal possui um viés aceitável, quando não é
combatida pelo ordenamento jurídico, como também pode possuir um sentido
negativo, quando sua prática é combatida por meio de normas antielisivas. Assim
sendo, o estudo considerou a utilização do termo “elusão”, como sinônimo de elisão
abusiva, desnecessária, não o empregando para a análise do problema.
A elisão fiscal abusiva, combatida pelas normas antielisivas, seria, destarte, a
prática de atos lícitos de forma manipulativa, artificial e abusiva do direito, alterando
a forma dos fatos e negócios, e, englobando, neste sentido, tanto a simulação, como
a fraude à lei, o negócio jurídico sem causa e o abuso das formas, para o fim de
evitar uma determinada carga tributária, ou simplesmente postergar a incidência da
norma. Em âmbito internacional, o sentido amplo seria o mesmo, com o diferencial
de ser constatado em situações que possuam elementos de conexão com mais de
um ordenamento jurídico.
O presente estudo idêntica a necessidade de delimitação das normas
antielisivas para a análise do problema. Neste sentido, a primeira distinção refere-se
a normas gerais antielisivas e normas específicas antielisivas.
A primeira espécie corresponde a uma regra geral onde haverá a
desconsideração de fatos e atos praticados pelo contribuinte quando em desacordo
com o ordenamento jurídico. A amplitude da norma poderá variar de ordenamento
jurídico para ordenamento jurídico, sendo que no direito brasileiro, o Parágrafo único
do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), considerado como a norma geral
antielisiva brasileira não foi ainda regulamentado, o que impede saber qual o seu
alcance segundo o entendimento do Poder Judiciário. A discussão doutrinaria sobre
202
um alcance mais restrito (pela corrente Positivista Formalista), ou mais amplo (pela
corrente Pós-positivista Valorativa) foge do objetivo geral dessa pesquisa, e, não
altera a resposta dada pelo problema, como será demonstrado.
A segunda espécie corresponde às normas específicas antielisivas, e,
caracterizam-se por tratar de assuntos específicos onde o legislador tributário
entendeu por bem tipificar certas condutas antes praticas pelos contribuintes como
forma de evitar a incidência da norma tributária.
A importância para tal distinção está justamente no fato de que as normas
gerais antielisivas desconsideram certos atos e fatos praticados pelos contribuintes
para enquadrá-los nas normas de incidência tributária, enquanto que as normas
específicas antielisivas possuem uma metodologia diversa, ampliando a hipótese de
incidência tributária em determinadas situações.
Para a análise do problema, é ainda levado em consideração apenas as
normas antielisivas internas, e, em situações abrangidas por tratados internacionais
que não possuam previsão autorizativa de aplicação. Ou seja, apenas as normas
antielisivas internas (sejam específicas ou geral), cujo alcance atinja situações
abrangidas por tratados internacionais tributários que não possuem normas
autorizando a aplicação daquelas, tem relevância no que condiz a análise de um
conflito com estes.
A doutrina especializada, conforme foi apresentado na pesquisa, aponta três
formas de uso impróprio ou abusivo dos tratados internacionais tributários que
seriam o treaty shopping, o rule shopping e os casos triangulares. Logo, a primeira
variável do problema (normas antielisivas), seriam aquelas normas gerais ou
específicas antielisivas internas que combateriam tais abusos, mesmo não estando
autorizadas nos tratados internacionais tributários.
Uma primeira justificativa para a sua aplicação repousa Princípio Antielisão de
Vogel. Nesse diapasão, as referidas normas (geral ou específicas) antielisivas
internas dos Estados Signatários seriam de aplicação possível a fatos abrangidos
por tratados internacionais tributários assinados por Estados Soberanos, mesmo que
não houvessem autorização para tanto, mas, cujo uso impróprio fosse combatido no
ordenamento interno de ambos. O uso impróprio dos tratados internacionais
tributários corresponde a uma violação do princípio da boa-fé, reconhecido
internacionalmente, e, consequentemente, torna possível defender a existência de
um princípio antielisão.
203
Lado outro, a segunda variável do problema são os “Tratados Internacionais
Tributários”, que, de acordo com o já mencionado na introdução desse estudo, seria
os tratados internacionais bilaterais para evitar a dupla tributação da renda, e,
formalizados com base na Convenção Modelo da OCDE. Os tratados internacionais
tributários correspondem a normas internacionais pactuadas por Estados Soberanos
que limitam o poder de tributar desses em determinadas situações. Em um tratado
internacional tributário, as suas normas incidem sobre determinada situação tanto no
sentido de autorizar determinado Estado Soberano a aplicar a norma interna
tributária, quanto no sentido de limitar esta aplicação.
Tal limitação do Poder de Tributar consiste em uma limitação da própria
soberania do Estado, na vertente da Soberania Tributária que, para se adequar ao
mundo globalizado dos dias atuais tende a ser flexível. Assim, determinado fato que
possui elementos de conexão de dois Estados Signatários de um tratado
internacional tributário será tributado apenas por um. Isto porque o tratado
internacional tributário, a um só tempo, atinge a soberania tributária dos dois
Estados Signatários, autorizando a incidência da norma tributária de um deles, e,
afastando a incidência da norma tributária do outro.
Ademais, o tratado internacional tributário é incorporado no nosso
ordenamento interno pela ratificação realizada pelo Brasil, e, continua sendo, no
direito interno, tratado internacional tributário, posto que o procedimento de
incorporação é a adoção, onde o Presidente da República assina o texto do tratado,
para referendo posterior do Congresso Nacional, seguido da ratificação, e, posterior
promulgação. O referendo, portanto, não cria ou transforma o tratado internacional
em norma interna, e, a promulgação apenas dá publicidade. Os atos que realmente
correspondem ao procedimento de celebração são a assinatura e a ratificação do
tratado internacional. Logo, é norma pertencente ao ordenamento jurídico brasileiro
o tratado internacional após a sua ratificação e interpreta-se com base no direito
internacional público.
Essa incorporação (ou internalização) do tratado internacional tributário no
ordenamento jurídico brasileiro por meio da adoção é corolário lógico do monismo,
cuja primazia ao direito internacional é decorrência lógica do princípio do pacta sunt
servanda, e, da previsão do Artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados (CVDT). Além disso, dispositivos do texto constitucional demonstram
204
claramente que o tratado internacional é norma que compõe o ordenamento jurídico
brasileiro (Artigo 102, 105, e, 109 da Constituição Federal de 1988).
O atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que os
tratados internacionais tributários prevalecem sobre as normas de direito interno,
sendo adotada a teoria monista com primazia do direito internacional. Entende-se,
nesse diapasão, que o Artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN) ao dispor
sobre a prevalência dos tratados internacionais tributários sobre a legislação
tributária, além de estar em consonância do a Constituição Federal de 1988, em face
da previsão do Artigo 146, inciso III, ratifica a lógica da adoção do monismo com
primazia do direito internacional. Assim, a prevalência das normas de tratados
internacionais tributários sobre a legislação tributária interna seria não apenas
decorrente de uma especialização, mas sim em face de uma superioridade
hierárquica.
Assim, a segunda variável do problema enfrentado nesse estudo, os tratados
internacionais tributários, teriam uma superioridade hierárquica decorrente do Artigo
98 do Código Tributário Nacional (CTN), e principalmente do princípio da primazia
do direito internacional sobre o privado, enfatizado pela adoção do monismo e do
pacta sunt servanda.
Uma vez superada a delimitação das variáveis do problema, impende
adentrar na questão propriamente dita do conflito entre as normas. Como
demonstrado, as normas de tratados internacionais tributários possuem uma
superioridade hierárquica que, agregada ao caráter de especialização, prevalecem
em face de um confronto aparente com as normas internas, que não são, portanto,
aplicadas. Essa superioridade hierárquica dos tratados internacionais em face das
leis internas advém, tanto para a corrente monista como para a corrente dualista, do
primado do direito internacional sobre o privado.
Não obstante tal premissa, no caso das normas (gerais e específicas)
antielisivas internas, a questão de superação do conflito aparente não cinge a uma
aplicação da norma dos tratados internacionais tributários e afastamento das
primeiras em decorrência de critérios superação de conflito de normas como a
hierarquia ou mesmo a especialização.
Buscando a correta interpretação dos tratados internacionais tributários,
imperioso a aplicação das regras constantes da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (CVDT), principalmente pelo fato de que, no ordenamento jurídico
205
brasileiro os tratados internacionais são fontes primárias de direito e incorporam-se a
este pela adoção e não transformação. Isto faz com que suas normas devam ser
interpretadas segundo o direito público internacional.
Nesta trilha de raciocínio, os tratados internacionais tributários devem ser
interpretados de acordo com o princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda. A
interpretação com espeque nesses princípios leva a uma conclusão lógica que os
dispositivos do tratado internacional tributário não devem ser interpretados
literalmente, e sim de maneira teleológica buscando os seus objetivos e propósitos.
Dentro desse contexto, ressaltando que os tratados internacionais tributários
objetivam a neutralidade fiscal na transações internacionais através do impedimento
da dupla tributação da renda e do combate à evasão e elisão abusiva, torna-se
salutar entender que normas antielisivas internas (gerais ou específicas) não devem
ser afastadas em caso de situações abrangidas pelos tratados.
No caso estudado, o Brasil celebra seus tratados internacionais tributários
com base na Convenção Modelo da OCDE, cujos Comentários são de importância
impar, notadamente aqueles referentes ao Artigo 1º que expõe os posicionamentos
dos Estados membros e dos associados (key partners), a respeito do seu uso
impróprio. Juntando a isto, surge ainda o fato de que tais comentários,
especificamente nessa parte, sofreram revisão em 2003, e, portanto, foi relevante
ver a abrangências das considerações ali presentes.
Apesar de não corresponderem a normas vinculantes de Direito Internacional
Público, nem serem celebrados especificamente pelos Estados Signatários de
determinado tratado internacional tributário, os Comentários da OCDE devem ser
utilizados numa interpretação sistemática desses, com espeque no Artigo 31(3)(c)
da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), como regra de direito
internacional relevante. O precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos
permitem a utilização do soft law como regra de direito internacional relevante, e, o
caráter único dos Comentários da OCDE não torna possível outro entendimento.
Ademais, tomando-se por base a ideia já exposta de um norma antielisiva não
escrita, formulada por Vogel (1986), é de ressaltar que, os Comentários advindos da
Revisão de 2003 não alteram o sentido e propósito dos tratados internacionais
tributários, mas apenas dão maior clarificação, uma vez que sempre buscou-se a
neutralidade fiscal, seja pela eliminação da dupla incidência tributária, seja também
pelo afastamento da dupla não incidência e prevenção da elisão e evasão tributária.
206
Noutro giro, os Comentários posteriores que fossem adições e não apenas
esclarecimentos correspondem, em última instância, a entendimentos dos Estados
membros e associados da OCDE que utilizam da Convenção Modelo, e que na
maioria das vezes podem fazer ponderações em sentido diverso. Deve-se, destarte,
buscar a harmonia, como faz a própria Convenção Modelo ao estabelecer em sua
introdução a retroatividade dos comentários posteriores aos tratados já celebrados.
Neste sentido, o Parágrafo 7 e 7.1 dos Comentários ao Artigo 1 da
Convenção Modelo da OCDE deixam claro o objetivo dos tratados internacionais em
evitar a elisão fiscal considerada abusiva. Bem como os demais parágrafos dos
Comentários ao Artigo 1, adequados, em grande parte, pela Revisão de 2003.
Destaque deve ser dado ao Parágrafo 9.5 que possui um princípio orientador
para a determinação das situações consideradas abusivas no uso das normas dos
tratados internacionais tributários. Assim sendo, tal princípio orientador conciliado
com a princípio antielisão (norma antielisiva não escrita) de Vogel, servem para
definir uma maneira de interpretar o abuso das normas dos tratados internacionais
tributários, e, ao mesmo tempo, possibilitar a aplicação das normas antielisivas
internas de cada Estado Signatário.
Lado outro, com bem asseverado nos comentários, sejam referentes às
normas gerais antielisivas internas, sejam às normas específicas antielisivas
internas, não há o conflito com as normas dos tratados internacionais tributários. Isto
porque as normas antielisivas internas determinariam os fatos que ensejam a
incidência da norma tributária, os caracterizando corretamente, não sendo o objeto
das normas dos tratados internacionais tributários. Ademais, mesmo no caso das
normas específicas antielisivas, que acabam ampliando a hipótese de incidência
tributária, não há qualquer distinção feita nos comentários da OCDE, e, uma vez
ampliado a incidência tributária é que deverá ser analisada a forma como o tratado
internacional tributário afeta o caso concreto.
Especificamente com relação as regras de empresas controladas no exterior
(CFC Rules), o estudo deixa claro que o propósito dos tratados é buscar a
neutralidade nas transações internacionais, tendo como um dos meios a não dupla
tributação jurídica, não sendo o caso de evitar a dupla tributação econômica.
Ademais, tais regras buscam, assim como os tratados internacionais tributários,
garantir a neutralidade fiscal nas transações internacionais. Logicamente, a
depender das normas internas e do caso concreto, poderá ocorrer a dupla tributação
207
jurídica, indo de encontro com as normas dos tratados internacionais, e, nesse caso,
a prevalência das regras desse último é certeira em face da jurisprudência brasileira
atual.
A nova Lei 12.973/2014, nesse sentido, representa ao mesmo tempo uma
adequação às determinações do Poder Judiciário brasileiro, e, uma busca de
harmonização com os Comentários da Convenção Modelo da OCDE, e, com o
direito comparado.
Além disso, independentemente da regulamentação do Artigo 116 do Código
Tributário Nacional (CTN), a Autoridade Tributária poderá, verificando a ocorrência
do fato gerador, e, comprovando que o contribuinte agiu de maneira abusiva, aplicar
os Artigos 142 combinado com o Artigo 149, inciso VII do Código Tributário Nacional
(CTN) desconsiderando aquelas situações que entendem ser artificiosas e sem
propósito negocial. Assim, poder-se-ia aduzir que no ordenamento jurídico brasileiro,
a aplicação de tais disposições do CTN funcionariam como uma norma geral
antielisiva interna.
Na hipótese de futuramente a norma geral antielisiva interna, prevista no
Parágrafo único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) ser
regulamentada, a sua aplicação em um contexto internacional poderá garantir a
possibilidade de uma interpretação conforme o objetivo dos tratados internacionais,
quais sejam, de evitar o abuso das suas regras, permitindo a desconsideração de
fatos e negócios formulados de maneira artificial e manipulativa, mesmo que para
isso, seja dado uma interpretação mais ampla do que aquela consistente no
ordenamento interno brasileiro.
Isto quer dizer que, ao internacionalizar as normas antielisivas internas (sejam
tanto a geral como as específicas), para fins de aplicação em fatos abrangidos pelos
tratados internacionais tributários, a interpretação deverá ser em acordo com os
objetivos desses, e, portanto, não necessariamente deve ser atribuída uma visão
positivista formalista oriunda de uma hermenêutica das regras internas tributárias.
Em outras palavras, as normas antielisivas internas, uma vez empregadas
dentro do contexto dos tratados internacionais tributários, devem buscar uma
interpretação no sentido de atingir aos princípios da boa-fé, anti-abuso,
transparência internacional, e, neutralidade fiscal. Esta última, cabe lembrar, não se
alcança somente com o combate à dupla bitributação, mas, também, com o combate
ao abuso das normas internacionais além da não bitributação.
208
Portanto, como queria-se demonstrar, em um conflito aparente entre uma
norma antielisiva interna e uma norma de um tratado internacional tributário, a
primeira aplica-se em homenagem à melhor hermenêutica, evitando, assim, o uso
impróprio da segunda, que deve ser executada somente de boa-fé.
209
REFERÊNCIAS
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