Relato de Caso Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva: Relato de Caso e Diagnóstico Diferencial com Granulomatose de Wegener Rapidly Progressive Glomerulonephritis: Case Report and Differential Diagnosis With Wegener’s Granulomatosis Geraldo Bezerra da Silva Júnior, Fernando Antonio de Sousa Barros, Leyla Castelo Branco Fernandes Marques, Régia Maria S. Vidal Patrocínio, Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE. RESUMO Introdução: A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é uma síndrome caracterizada por declínio rápido da função renal (declínio de mais de 50% da taxa de filtração glomerular), ao longo de dias ou semanas, geralmente em associação a manifestações de síndrome nefrítica aguda. Relato de Caso: Relatamos o caso de um homem de 42 anos que deu entrada em nosso serviço com quadro de GNRP, com insuficiência renal aguda grave e proteinúria nefrótica, sem evidência de lesões granulomatosas necrotizantes em vias aéreas, que se beneficiou do diagnóstico e tratamento (realizado com metilprednisolona, prednisona e pulsoterapia com ciclofosfamida) precoces, com recuperação completa da função renal (creatinina = 1,0mg/dL). A pesquisa de cANCA durante a investigação foi positiva. Uma das hipóteses diagnósticas para o caso foi de Granulomatose de Wegener. Conclusão: O paciente apresentou disfunção renal grave, chegando a submeter-se a tratamento dialítico, porém não evoluiu para IRCT, provavelmente, devido ao diagnóstico e terapêutica precoces. A GNRP é uma entidade incomum, de prognóstico ruim, que deve ser suspeitada em todos os casos em que há perda rápida da função renal. O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível sendo indicada terapia de substituição renal e o uso de imunossupressores. (J Bras Nefrol 2006; 28(4):218-224) Descritores: Glomerulonefrite rapidamente progressiva. Granulomatose de Wegener. ANCA. Insuficiência renal aguda. ABSTRACT introduction: Rapidly progressive glomerulonephritis (RPGN) is a syndrome characterized by a rapid loss of renal function (<50% of glomerular filtration rate), generaly associated with symptoms of nephritic syndrome. Case Report: We report the case of a 42 year-old man who was admitted to our hospital presenting RPGN, with severe acute renal failure without granulomatous lesions in the respiratory tract. He had an early diagnosis and treatment (based on methylprednisolone, prednisone and pulsotherapy with cyclophosphamide) with complete recovery of renal function (serum creatinine 1.0mg/dL). A positive cANCA was found during the investigation. Wegener’s Granulomatosis was considered in the differential diagnosis for the case. Conclusion: The patient presented severe acute renal failure that required dialysis treatment but did not develop end-stage renal disease possibly due to an early diagnosis and treatment. RPGN is an uncommon entity that carries a bad prognosis, and must be suspected in every case in which it is observed a rapid loss of renal function. The treatment should be instituted as fast as possible.Renal replacement therapy is frequently required and immunossupresive drugs are indicated. (J Bras Nefrol 2006; 28(4):218-224) Keywords: Rapidly progressive glomerulonephritis. Wegener’s granulomatosis. ANCA. Acute renal failure. Recebido em 06/02/06 / Aprovado em 12/05/06 Endereço para correspondência: Dra. Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal do Ceará Rua Silva Jatahy, 1140 60165-070, Fortaleza, Ceará, Brasil Tel/Fax: 55 85 3242-2613 E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006 INTRODUÇÃO A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é uma síndrome caracterizada por declínio rápido da função renal (declínio de mais de 50% da taxa de filtração glomerular), ao longo de dias ou semanas, geralmente em associação a manifestações de síndrome nefrítica aguda 1-3. Pode ser classificada em três tipos, de acordo com os achados da imunofluorescência: presença de depósitos lineares (GN por anticorpos anti-membrana basal glomerular), presença de depósitos granulares de imuno-complexos (GN pós-infecciosas, doença de Berger, GN lúpica, GN da crioglobulinemia mista, GN idiopáticas), ausência de depósitos significativos, pauci-imune (GN da poliangeíte microscópica, granulomatose de Wegener, GN idiopáticas) 1. O principal achado histológico é a formação de crescentes, usualmente envolvendo mais de 50% dos glomérulos. As manifestações clínicas, comuns às três formas de GNRP, incluem hematúria, proteinúria, oligúria, edema e hipertensão 2,3. Após consentimento esclarecido, relatamos o caso de um paciente admitido em nosso serviço com quadro de proteinúria nefrótica e IRA, cujo exame histopatológico evidenciou GNRP, com c ANCA positivo, sendo uma das principais etiologias suspeitas a granulomatose de Wegener. RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, branco, foi admitido no Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Walter Cantídio em março de 2003, com história de disúria, hematúria e febre vespertina sem calafrios, com uma semana de evolução. Como antecedentes referia quadro de artralgia generalizada dois anos antes do quadro atual, bem como história de rouquidão e odinofagia de repetição. Na admissão hospitalar, ao exame físico geral, apresentava-se com estado geral regular, hipocorado (2+/4), hidratado, afebril, eupnéico, sem alterações neurológicas. O exame do aparelho cardiovascular demonstrou pressão arterial em decúbito dorsal de 130 x 90 mmHg e freqüência cardíaca de 76 batimentos por minuto. As auscultas cardíaca e pulmonar eram fisiológicas. Não apresentava edema. O exame do fundo de olho mostrava retinopatia serosa central bilateral e microaneurismas. Não possuía outras alterações relevantes ao exame. 219 A conduta inicial consistiu da análise laboratorial do hemograma, eletrólitos, uréia e creatinina séricas, sedimento urinário e proteinúria de 24 horas. Os resultados revelaram anemia microcítica normocrômica com hemoglobina de 9,68 mg/dL, hematócrito de 28,8%, anisocitose, leucograma normal, plaquetas sem alterações, potássio sérico de 4,4 mEq/L, creatinina sérica de 9,2 mg/dL, uréia de 181 mg/dL e clearence de creatinina de 13 mL/min. O exame do sedimento urinário mostrou 3+ de proteína, 4+ de hemoglobina, incontáveis hemácias, depósitos de uratos amorfos (++), cilindros granulosos grossos e presença de corpos ovais. A proteinúria de 24h foi de 3500mg. FAN e fator reumatóide foram não reagentes. Sorologias para HIV, hepatite B e C foram negativas. A pesquisa de BAAR no escarro foi negativa, bem como todas as hemoculturas. Diante do quadro de insuficiência renal aguda (IRA) o paciente foi submetido a tratamento hemodialítico, preparado para realização de biópsia renal e tratado com pulsoterapia com metilprednisolona 500mg endovenosa por três dias. A biopsia renal mostrou 80% dos glomérulos exibindo crescentes epiteliais segmentares, tufos capilares dentro da normalidade histológica ou difusamente comprometidos às custas de aumento de matriz e células mesangiais. Túbulos contendo cilindros hemáticos, apresentando ácinos com aspecto regenerativo, focos de atrofia e necrose tubular aguda. Discreto infiltrado inflamatório linfomononuclear intersticial. O laudo da biópsia renal foi de Glomerulonefrite Crescêntica (Figuras 1a, 1b e 1c). O quadro foi clinicamente compatível com glomerulonefrite rapidamente progressiva. Durante a investigação da IRA foi solicitada a pesquisa do ANCA, cujo resultado foi positivo com padrão citoplasmático (c-ANCA), título de 1:40, e p-ANCA (perinuclear) negativo; o resultado saiu após um mês de tratamento imunossupressor. Mediante os dados clínicos, laboratoriais e resultado da biópsia renal foi estabelecido o diagnóstico de GNRP por glomerulonefrite crescêntica, e uma das hipóteses etiológicas levantadas foi de granulomatose de Wegener. Inicialmente o paciente foi tratado com pulsoterapia de metilprednisolona endovenosa e prednisona de manutenção na dose de 60 mg/dia. Oito dias após a admissão evoluiu com hemoptóicos durante sete dias e febre persistente. Foi realizada radiografia de tórax que mostrou opacidade em lobo superior direito, delimitada pela cissura horizontal, sugestiva de pneumonia lobar. Fez uso de ciprofloxacina, ceftazidima e vancomicina endovenosa, obtendo êxito no tratamento da pneumonia. 220 Figuras 1a, 1b e 1c. Biopsia renal: Glomerulonefrite Crescêntica. Colorações - HE, PAS e metenamina Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva Instituiu-se o tratamento com ciclofosfamida endovenosa com pulsoterapia mensal de 1000mg, programada para os primeiros seis meses, seguidos de dois pulsos trimestrais e avaliação para substituição da ciclofosfamida por azatioprina ou micofenolato mofetil. O paciente apresentou boa resposta ao tratamento, tendo realizado apenas sete sessões de hemodiálise, com recuperação completa da função renal após três meses do início do quadro e permanecendo com função renal normal (creatinina de 1,0 mg/dL) um ano depois do diagnóstico e proteinúria de 24h de 480 mg. Atualmente está usando Prednisona e Micofenolato Mofetil. DISCUSSÃO Figura 1a. Crescente fibrosa e segmentar; esclerose glomerular no alto á esquerda. Crescente epitelial segmentar; aumento de células e matriz mesangial à direita. Hematoxilina-Eosina. 40 X. Figura 1b. Crescente epitelial segmentar; retração do tufo capilar. Hematoxilina-Eosina; 40 X. Figura 1c. Crescente epitelial segmentar e esclerose mesangial. Prata Metenamina. 40 X. O paciente apresentou como manifestação inicial IRA necessitando de tratamento hemodialítico cinco dias após ter sido atendido por um nefrologista. O quadro de disfunção renal caracterizou-se por insuficiência renal aguda grave, com proteinúria nefrótica, necessitando de hemodiálise por alguns dias (sete sessões). Durante a investigação etiológica da IRA, foi realizada biopsia renal que mostrou glomerulonefrite crescêntica (80% de crescentes), clinicamente compatível com glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). A positividade do ANCA neste caso sugere a etiologia mais provável sendo Granulomatose de Wegener, embora também possa ser encontrado em outras vasculites, como a Síndrome de Churg-Strauss e a Poliangeíte Microscópica4. O c-ANCA tem mais de 90% de especificidade, 50% de sensibilidade inicialmente e 100% de sensibilidade se a doença estiver em atividade e tiver acometimento sistêmico; o c-ANCA não está presente durante a remissão5. A confirmação diagnóstica nestes casos de GNRP associada à positividade do ANCA é feita através da biópsia renal e de achados clínicos sugestivos de cada uma destas vasculites (Tabela 1). Os pacientes com Granulomatose de Wegener geralmente apresentam acometimento do trato respiraório superior, com a formação de granulomas pulmonares, associado ao acometimento renal, que é visto em mais de 75% dos casos4. A imunofluorescência é importante na diferenciação destas etiologias de GNRP, mostrando depósitos lineares (GN por anticorpos anti-membrana basal glomerular), presença de depósitos granulares de imunocomplexos (GN pós-infecciosas, doença de Berger, GN lúpica, GN da crioglobulinemia mista, GN idiopáticas), ausência de depósitos significativos, pauci-imune (GN da J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006 poliangeíte microscópica, granulomatose de Wegener, GN idiopáticas). A ocorrência de esclerose e fibrose4 é identificada na poliangeíte microscópica mais freqüentemente do que na Granulomatose de Wegener. No presente caso não foi possível a realização da imunofluorescência, por falta de condições técnicas. Lesões granulomatosas necrotizantes não foram evidenciadas em vias aéreas. No entanto, o envolvimento respiratório caracterizou-se pela ocorrência dos hemoptóicos e pela imagem radiológica em pulmão direito, sugestiva de pneumonia lobar, com melhora após instituição de antibioticoterapia. O acometimento pulmonar sugere ter havido manifestação da Granulomatose de Wegener por vasculite no parênquima, explicando a persistência dos hemoptóicos, com infecção secundária associada, porém sem comprovação histológica do comprometimento das vias aéreas. Algumas características apresentadas no decorrer do curso clínico sugeriram que poderia se tratar de um caso de Granulomatose de Wegener: faixa etária compatível com dados da literatura, cor branca e acometimento renal e do trato respiratório. Os achados clínicos e laboratoriais juntamente com a positividade do c-ANCA permitem sugerir o diagnóstico de Granulomatose de Wegener. Quando a amostra de tecido renal é pequena e não contém vasos (não se demonstra vasculite necrotizante) e o laudo da biópsia pode vir apenas como GN crescêntica. A Granulomatose de Wegener é uma doença rara que pode evoluir com IRCT. O paciente apresentou disfunção renal grave, chegando a submeter-se a tratamento dialítico, porém não evoluiu para IRCT devido ao diagnóstico e terapêutica precoces. O primeiro relato de Granulomatose de Wegener (GW) data de 1931, quando foi descrito o caso de um paciente com doença de vias aéreas superiores, que faleceu após desenvolver insuficiência renal6. Em 1936, foi relatado um caso idêntico, e em 1939, foi publicado a primeira série de casos da moléstia que ficaria conhecida como Granulomatose de Wegener 7. Em 1954, foram estabelecidos os três critérios clássicos para o diagnóstico da doença: a presença de lesões granulomatosas necrotizantes no trato respiratório, vasculite (em vasos de pequeno e médio calibre) e glomerulonefrite8. A Granulomatose de Wegener é uma vasculite sistêmica granulomatosa necrotizante caracterizada por sua predileção em afetar os tratos respiratórios superior e inferior e em muitos casos, os rins 9,10. É uma doença de etiologia desconhecida. Estudos americanos demonstram uma prevalência de 3 casos para cada 100.000 pessoas 11,12. A idade média do diagnóstico costuma estar entre 20 e 40 anos, o sexo masculino tem sido relatado como mais acometido do que o feminino numa proporção de 1,5:1, embora estudos mais antigos sugiram que a doença afeta igualmente ambos os sexos9,12 . É uma doença incomum em pessoas da raça negra10,13. O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, no exame anátomo-patológico dos órgãos envolvidos e na positividade do ANCA (“antinuclear cytoplasmic antibodies”)14. Existe uma forte associação entre as vasculites e o ANCA. A Granulomatose de Wegener, juntamente com a poliangeíte microscópica e a síndrome de Churg-Strauss são as doenças reconhecidamente associadas com o ANCA 15. Tabela 1. Doenças comumente associadas com o ANCA Granulomatose de Wegener Inflamação granulomatosa envolvendo o trato respiratório, vasculite necrotizante afetando vasos de pequeno e médio calibre (capilares, vênulas, arteríolas e artérias). Glomerulonefrite necrotizante é comum. Poliangeíte Microscópica Vasculite necrotizante com pouco ou nenhum depósito imune afetando pequenos vasos (capilares, vênulas e arteríolas). Arterite necrotizante envolvendo artérias de pequeno e médio calibre pode estar presente. Glomerulonefrite necrotizante é muito comum. Capilarite pulmonar ocorre freqüentemente. Síndrome de Churg-Strauss Inflamação granulomatosa, rica em eosinófilos, envolvendo o trato respiratório, e vasculite necrotizante afetando vasos de pequeno e médio calibre; associada à eosinofilia e usualmente asma ou outras formas de atopia. Adaptada de Jannette e cols 14. 221 222 Estudos recentes sobre o ANCA, combinando imunofluorescência e imunoensaio enzimático, tem demonstrado uma especifidade de aproximadamente 99% para a Granulomatose de Wegener e poliangeíte microscópica, ou sua variante com acometimento somente renal16,17. Falk e cols. (2000) 18 relataram que o C-ANCA é o padrão predominante na Granulomatose de Wegener, enquanto o p-ANCA predomina nos pacientes com poliangeite microscópica, Síndrome de Churg-Strauss e glomerulonefrite crescêntica necrotizante isolada sem vasculite extra-renal. No entanto, 20 a 30% dos pacientes com Granulomatose de Wegener têm p-ANCA positivo. Do mesmo modo, 20-30% dos pacientes com glomerulonefrite necrotizante sem manifestação extrarenal têm um c-ANCA positivo. Portanto, não há um padrão de ANCA diagnóstico para um tipo particular de vasculite18. Pacientes com Granulomatose de Wegener com freqüência apresentam sinais e sintomas inespecíficos de uma doença sistêmica, tais como febre, astenia, perda de peso, artralgias e mialgias19. O acometimento de vias aéreas pode ocorrer sem evidência de lesão renal20,21. O paciente do presente caso relatado tinha história de artralgia dois anos antes do aparecimento do quadro de febre e insuficiência renal aguda. Doença renal severa sem manifestações respiratórias iniciais também tem sido descrita22. Alguns estudos revelaram que o acometimento renal em pacientes com Granulomatose de Wegener, no início da doença, ou por ocasião do diagnóstico, varia de 18 a 60%, podendo chegar a 77% durante o curso da doença10,23,24. Woodworth e cols. (1987)22 descreveram 19 casos de glomerulonefrite severa, como manifestação inicial isolada de Granulomatose de Wegener, sendo que o aparecimento de lesões características da doença em vias aéreas comprovadas por biópsia ocorreu somente 4 a 78 meses depois da manifestação renal inicial 22 . Glomerulonefrite necrotizante, freqüentemente com crescentes, e raramente com vasculite, tem sido descrita como a lesão renal predominante 22,25. Em casos de glomerulonefrite severa, como manifestação inicial, o diagnóstico de Granulomatose de Wegener pode deixar de ser suspeitado inicialmente, porque alguns pacientes apresentam manifestações sistêmicas tais como: febre, artralgias, inapetência, que são transitórias ou inespecíficas, e porque os achados das biópsias renais se assemelham com aqueles vistos em casos de poliarterite microscópica ou nefrite crescêntica idiopática. Nestes pacientes a avaliação laboratorial inicial revela com Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva freqüência hematúria microscópica e proteinúria usualmente não-nefrótica, com declínio da função renal ocorrido em um curto período. Muitos pacientes já estão recebendo tratamento dialítico crônico quando o trato respiratório é acometido22. No presente caso, o tratamento com metilprednisolona e ciclofosfamida endovenosa foi instituído e houve boa resposta terapêutica com normalização da função renal e remissão da proteinúria nefrótica, três meses após início do tratamento, atualmente com creatinina de 1,1 mg/dl e proteinúria de 24h de 516mg. A rápida instituição do tratamento da GNRP foi crucial para a recuperação do paciente. A GNRP é uma entidade com prognóstico reservado, devendo ser prontamente identificada e tratada 2. O tratamento da Granulomatose de Wegener é feito com drogas imunossupressoras e deve ser instituído o mais precocemente possível, pois se trata de uma enfermidade grave, que leva à morte devido a infecções e principalmente, à falência renal 14. Fauci e cols. (1983)19 verificaram que a ciclofosfamida (Cyc) foi capaz de induzir remissão completa em 93% de 85 pacientes com Granulomatose de Wegener acompanhados durante 21 anos, com uma média de duração da remissão de 48,2 meses19. Em pacientes com vasculites associadas ao ANCA, a pulsoterapia com Cyc tem se mostrado menos tóxica do que o uso contínuo de Cyc, sendo pelo menos igualmente capaz de induzir remissão, mas possivelmente com uma maior taxa de recidiva26. Em um estudo envolvendo 155 pacientes com Granulomatose Wegener e poliangeíte microscópica, a substituição de Cyc por azatioprina após remissão não aumentou a taxa de recidiva, sugerindo que a duração da exposição a Cyc pode ser seguramente reduzida27. Em outro estudo envolvendo nove pacientes com Granulomatose de Wegener e dois com poliangeíte microscópica, após indução com Cyc, foi iniciada terapia de manutenção com Micofenolato mofetil (MMF) 2 g/dia e doses baixas de corticóide oral por um período de 15 meses, com apenas uma recidiva dentre os 11 pacientes no período. Esse estudo concluiu que o MMF foi bem tolerado no grupo e foi eficaz na manutenção da remissão 28. O tratamento com Sulfametoxazol-Trimetoprim reduz a incidência de recidiva em pacientes com Granulomatose de Wegener em remissão29. Pacientes com insuficiência renal crônica terminal (IRCT) podem submeter-se a transplante desde que a doença esteja em remissão, mesmo que o ANCA ainda seja detectado no soro. Recidivas podem ser tratadas efetivamente com Cyc30. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006 CONCLUSÃO A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é uma entidade incomun, de prognóstico reservado, que deve ser suspeitada em todos os casos em que há perda rápida da função renal. O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível, sendo indicada terapia de substituição renal e o uso de imunossupressores. Novas drogas imunossupressoras devem ser levadas em consideração, dependendo da resposta observada em cada caso. A etiologia da GNRP deve ser investigada, sendo para isso a biópsia renal de fundamental importância. No presente caso achamos como mais provável etiologia a Granulomatose de Wegener, uma entidade rara e de difícil confirmação diagnóstica porque nem sempre os casos se manifestam com o quadro clínico clássico. A sua ocorrência deve ser sempre suspeitada na vigência de acometimento renal e do trato respiratório, e quando ocorre GNRP. Nos casos em que a doença se manifesta inicialmente com acometimento renal, sem evidência de lesões granulomatosas necrotizantes em trato respiratório, o diagnóstico torna-se difícil, podendo retardar a terapêutica precoce e adequada, e aumentando as chances de progressão para doença renal terminal. No presente caso foram fundamentais o diagnóstico e tratamento precoces para a recuperação completa da função renal. REFERÊNCIAS 1. Kirsztajn GM, Vieira OM, Abreu PF, Woronick V, Sens YAS. Investigação e tratamento das doenças glomerulares em adultos – Recomendações da Sociedade Brasileira de Nefrologia. J Bras Nefrol 2005; 27(Supl 1):1-38. 2. Jindal KK. Management of idiopathic crescentic and diffuse proliferative glomerulonephritis: evidence-based recommendations. Kidney Int 1999; 55(Suppl 70):S33-S40. 3. Markowitz GS, Radhakrishman J, D’Agati VD. An overlaping etiology of rapidly progressive glomerulonephritis. Am J Kidney Dis 2004; 43:388-393. 4. Seo P, Stone JH. 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