PDF Portuguese

Propaganda
Relato de Caso
Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva: Relato de Caso e
Diagnóstico Diferencial com Granulomatose de Wegener
Rapidly Progressive Glomerulonephritis: Case Report and Differential
Diagnosis With Wegener’s Granulomatosis
Geraldo Bezerra da Silva Júnior, Fernando Antonio de Sousa Barros, Leyla Castelo Branco
Fernandes Marques, Régia Maria S. Vidal Patrocínio, Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça
Fernandes
Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE.
RESUMO
Introdução: A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é uma síndrome caracterizada por declínio rápido da função renal (declínio de mais de
50% da taxa de filtração glomerular), ao longo de dias ou semanas, geralmente em associação a manifestações de síndrome nefrítica aguda. Relato de
Caso: Relatamos o caso de um homem de 42 anos que deu entrada em nosso serviço com quadro de GNRP, com insuficiência renal aguda grave e
proteinúria nefrótica, sem evidência de lesões granulomatosas necrotizantes em vias aéreas, que se beneficiou do diagnóstico e tratamento (realizado com
metilprednisolona, prednisona e pulsoterapia com ciclofosfamida) precoces, com recuperação completa da função renal (creatinina = 1,0mg/dL). A pesquisa
de cANCA durante a investigação foi positiva. Uma das hipóteses diagnósticas para o caso foi de Granulomatose de Wegener. Conclusão: O paciente
apresentou disfunção renal grave, chegando a submeter-se a tratamento dialítico, porém não evoluiu para IRCT, provavelmente, devido ao diagnóstico e
terapêutica precoces. A GNRP é uma entidade incomum, de prognóstico ruim, que deve ser suspeitada em todos os casos em que há perda rápida da
função renal. O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível sendo indicada terapia de substituição renal e o uso de imunossupressores.
(J Bras Nefrol 2006; 28(4):218-224)
Descritores: Glomerulonefrite rapidamente progressiva. Granulomatose de Wegener. ANCA. Insuficiência renal aguda.
ABSTRACT
introduction: Rapidly progressive glomerulonephritis (RPGN) is a syndrome characterized by a rapid loss of renal function (<50% of glomerular filtration
rate), generaly associated with symptoms of nephritic syndrome. Case Report: We report the case of a 42 year-old man who was admitted to our hospital
presenting RPGN, with severe acute renal failure without granulomatous lesions in the respiratory tract. He had an early diagnosis and treatment (based on
methylprednisolone, prednisone and pulsotherapy with cyclophosphamide) with complete recovery of renal function (serum creatinine 1.0mg/dL). A positive
cANCA was found during the investigation. Wegener’s Granulomatosis was considered in the differential diagnosis for the case. Conclusion: The patient
presented severe acute renal failure that required dialysis treatment but did not develop end-stage renal disease possibly due to an early diagnosis and
treatment. RPGN is an uncommon entity that carries a bad prognosis, and must be suspected in every case in which it is observed a rapid loss of renal
function. The treatment should be instituted as fast as possible.Renal replacement therapy is frequently required and immunossupresive drugs are indicated.
(J Bras Nefrol 2006; 28(4):218-224)
Keywords: Rapidly progressive glomerulonephritis. Wegener’s granulomatosis. ANCA. Acute renal failure.
Recebido em 06/02/06 / Aprovado em 12/05/06
Endereço para correspondência:
Dra. Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes
Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal do Ceará
Rua Silva Jatahy, 1140
60165-070, Fortaleza, Ceará, Brasil
Tel/Fax: 55 85 3242-2613
E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected]
J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006
INTRODUÇÃO
A glomerulonefrite rapidamente progressiva
(GNRP) é uma síndrome caracterizada por declínio
rápido da função renal (declínio de mais de 50% da taxa
de filtração glomerular), ao longo de dias ou semanas,
geralmente em associação a manifestações de síndrome
nefrítica aguda 1-3. Pode ser classificada em três tipos, de
acordo com os achados da imunofluorescência: presença
de depósitos lineares (GN por anticorpos anti-membrana
basal glomerular), presença de depósitos granulares de
imuno-complexos (GN pós-infecciosas, doença de Berger,
GN lúpica, GN da crioglobulinemia mista, GN idiopáticas), ausência de depósitos significativos, pauci-imune
(GN da poliangeíte microscópica, granulomatose de
Wegener, GN idiopáticas) 1.
O principal achado histológico é a formação de
crescentes, usualmente envolvendo mais de 50% dos glomérulos. As manifestações clínicas, comuns às três formas de GNRP, incluem hematúria, proteinúria, oligúria,
edema e hipertensão 2,3.
Após consentimento esclarecido, relatamos o caso
de um paciente admitido em nosso serviço com quadro de
proteinúria nefrótica e IRA, cujo exame histopatológico
evidenciou GNRP, com c ANCA positivo, sendo uma das
principais etiologias suspeitas a granulomatose de
Wegener.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade,
branco, foi admitido no Serviço de Nefrologia do
Hospital Universitário Walter Cantídio em março de
2003, com história de disúria, hematúria e febre vespertina sem calafrios, com uma semana de evolução. Como
antecedentes referia quadro de artralgia generalizada dois
anos antes do quadro atual, bem como história de rouquidão e odinofagia de repetição.
Na admissão hospitalar, ao exame físico geral,
apresentava-se com estado geral regular, hipocorado
(2+/4), hidratado, afebril, eupnéico, sem alterações
neurológicas. O exame do aparelho cardiovascular
demonstrou pressão arterial em decúbito dorsal de 130 x
90 mmHg e freqüência cardíaca de 76 batimentos por
minuto. As auscultas cardíaca e pulmonar eram
fisiológicas. Não apresentava edema. O exame do fundo
de olho mostrava retinopatia serosa central bilateral e
microaneurismas. Não possuía outras alterações relevantes ao exame.
219
A conduta inicial consistiu da análise laboratorial
do hemograma, eletrólitos, uréia e creatinina séricas, sedimento urinário e proteinúria de 24 horas. Os resultados
revelaram anemia microcítica normocrômica com
hemoglobina de 9,68 mg/dL, hematócrito de 28,8%,
anisocitose, leucograma normal, plaquetas sem alterações, potássio sérico de 4,4 mEq/L, creatinina sérica de
9,2 mg/dL, uréia de 181 mg/dL e clearence de creatinina
de 13 mL/min. O exame do sedimento urinário mostrou
3+ de proteína, 4+ de hemoglobina, incontáveis hemácias,
depósitos de uratos amorfos (++), cilindros granulosos
grossos e presença de corpos ovais. A proteinúria de 24h
foi de 3500mg. FAN e fator reumatóide foram não
reagentes. Sorologias para HIV, hepatite B e C foram
negativas. A pesquisa de BAAR no escarro foi negativa,
bem como todas as hemoculturas.
Diante do quadro de insuficiência renal aguda
(IRA) o paciente foi submetido a tratamento hemodialítico, preparado para realização de biópsia renal e tratado
com pulsoterapia com metilprednisolona 500mg endovenosa por três dias.
A biopsia renal mostrou 80% dos glomérulos exibindo crescentes epiteliais segmentares, tufos capilares
dentro da normalidade histológica ou difusamente comprometidos às custas de aumento de matriz e células
mesangiais. Túbulos contendo cilindros hemáticos, apresentando ácinos com aspecto regenerativo, focos de
atrofia e necrose tubular aguda. Discreto infiltrado
inflamatório linfomononuclear intersticial. O laudo da
biópsia renal foi de Glomerulonefrite Crescêntica
(Figuras 1a, 1b e 1c). O quadro foi clinicamente compatível com glomerulonefrite rapidamente progressiva.
Durante a investigação da IRA foi solicitada a
pesquisa do ANCA, cujo resultado foi positivo com padrão citoplasmático (c-ANCA), título de 1:40, e p-ANCA
(perinuclear) negativo; o resultado saiu após um mês de
tratamento imunossupressor.
Mediante os dados clínicos, laboratoriais e resultado da biópsia renal foi estabelecido o diagnóstico de
GNRP por glomerulonefrite crescêntica, e uma das
hipóteses etiológicas levantadas foi de granulomatose de
Wegener. Inicialmente o paciente foi tratado com pulsoterapia de metilprednisolona endovenosa e prednisona de
manutenção na dose de 60 mg/dia. Oito dias após a
admissão evoluiu com hemoptóicos durante sete dias e
febre persistente. Foi realizada radiografia de tórax que
mostrou opacidade em lobo superior direito, delimitada
pela cissura horizontal, sugestiva de pneumonia lobar.
Fez uso de ciprofloxacina, ceftazidima e vancomicina
endovenosa, obtendo êxito no tratamento da pneumonia.
220
Figuras 1a, 1b e 1c. Biopsia renal: Glomerulonefrite Crescêntica.
Colorações - HE, PAS e metenamina
Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva
Instituiu-se o tratamento com ciclofosfamida endovenosa
com pulsoterapia mensal de 1000mg, programada para os
primeiros seis meses, seguidos de dois pulsos trimestrais
e avaliação para substituição da ciclofosfamida por azatioprina ou micofenolato mofetil. O paciente apresentou
boa resposta ao tratamento, tendo realizado apenas sete
sessões de hemodiálise, com recuperação completa da
função renal após três meses do início do quadro e
permanecendo com função renal normal (creatinina de
1,0 mg/dL) um ano depois do diagnóstico e proteinúria de
24h de 480 mg. Atualmente está usando Prednisona e
Micofenolato Mofetil.
DISCUSSÃO
Figura 1a. Crescente fibrosa e segmentar; esclerose glomerular
no alto á esquerda. Crescente epitelial segmentar; aumento de
células e matriz mesangial à direita. Hematoxilina-Eosina. 40 X.
Figura 1b. Crescente epitelial segmentar; retração do tufo
capilar. Hematoxilina-Eosina; 40 X.
Figura 1c. Crescente epitelial segmentar e esclerose mesangial.
Prata Metenamina. 40 X.
O paciente apresentou como manifestação inicial
IRA necessitando de tratamento hemodialítico cinco
dias após ter sido atendido por um nefrologista. O
quadro de disfunção renal caracterizou-se por insuficiência renal aguda grave, com proteinúria nefrótica,
necessitando de hemodiálise por alguns dias (sete
sessões). Durante a investigação etiológica da IRA, foi
realizada biopsia renal que mostrou glomerulonefrite
crescêntica (80% de crescentes), clinicamente compatível com glomerulonefrite rapidamente progressiva
(GNRP). A positividade do ANCA neste caso sugere a
etiologia mais provável sendo Granulomatose de
Wegener, embora também possa ser encontrado em
outras vasculites, como a Síndrome de Churg-Strauss e
a Poliangeíte Microscópica4. O c-ANCA tem mais de
90% de especificidade, 50% de sensibilidade inicialmente e 100% de sensibilidade se a doença estiver em
atividade e tiver acometimento sistêmico; o c-ANCA
não está presente durante a remissão5.
A confirmação diagnóstica nestes casos de GNRP
associada à positividade do ANCA é feita através da
biópsia renal e de achados clínicos sugestivos de cada
uma destas vasculites (Tabela 1). Os pacientes com
Granulomatose de Wegener geralmente apresentam
acometimento do trato respiraório superior, com a
formação de granulomas pulmonares, associado ao
acometimento renal, que é visto em mais de 75% dos
casos4. A imunofluorescência é importante na diferenciação destas etiologias de GNRP, mostrando depósitos
lineares (GN por anticorpos anti-membrana basal
glomerular), presença de depósitos granulares de imunocomplexos (GN pós-infecciosas, doença de Berger, GN
lúpica, GN da crioglobulinemia mista, GN idiopáticas),
ausência de depósitos significativos, pauci-imune (GN da
J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006
poliangeíte microscópica, granulomatose de Wegener,
GN idiopáticas). A ocorrência de esclerose e fibrose4 é
identificada na poliangeíte microscópica mais freqüentemente do que na Granulomatose de Wegener. No presente
caso não foi possível a realização da imunofluorescência,
por falta de condições técnicas.
Lesões granulomatosas necrotizantes não foram
evidenciadas em vias aéreas. No entanto, o envolvimento
respiratório caracterizou-se pela ocorrência dos hemoptóicos e pela imagem radiológica em pulmão direito,
sugestiva de pneumonia lobar, com melhora após instituição de antibioticoterapia. O acometimento pulmonar
sugere ter havido manifestação da Granulomatose de
Wegener por vasculite no parênquima, explicando a
persistência dos hemoptóicos, com infecção secundária
associada, porém sem comprovação histológica do
comprometimento das vias aéreas.
Algumas características apresentadas no decorrer
do curso clínico sugeriram que poderia se tratar de um
caso de Granulomatose de Wegener: faixa etária compatível com dados da literatura, cor branca e acometimento renal e do trato respiratório. Os achados clínicos
e laboratoriais juntamente com a positividade do c-ANCA
permitem sugerir o diagnóstico de Granulomatose de
Wegener. Quando a amostra de tecido renal é pequena e
não contém vasos (não se demonstra vasculite necrotizante) e o laudo da biópsia pode vir apenas como GN
crescêntica.
A Granulomatose de Wegener é uma doença rara
que pode evoluir com IRCT. O paciente apresentou disfunção renal grave, chegando a submeter-se a tratamento
dialítico, porém não evoluiu para IRCT devido ao
diagnóstico e terapêutica precoces.
O primeiro relato de Granulomatose de Wegener
(GW) data de 1931, quando foi descrito o caso de um
paciente com doença de vias aéreas superiores, que
faleceu após desenvolver insuficiência renal6. Em 1936,
foi relatado um caso idêntico, e em 1939, foi publicado a
primeira série de casos da moléstia que ficaria conhecida
como Granulomatose de Wegener 7.
Em 1954, foram estabelecidos os três critérios
clássicos para o diagnóstico da doença: a presença de
lesões granulomatosas necrotizantes no trato respiratório,
vasculite (em vasos de pequeno e médio calibre) e glomerulonefrite8.
A Granulomatose de Wegener é uma vasculite
sistêmica granulomatosa necrotizante caracterizada por
sua predileção em afetar os tratos respiratórios superior
e inferior e em muitos casos, os rins 9,10. É uma doença
de etiologia desconhecida. Estudos americanos demonstram uma prevalência de 3 casos para cada
100.000 pessoas 11,12. A idade média do diagnóstico
costuma estar entre 20 e 40 anos, o sexo masculino tem
sido relatado como mais acometido do que o feminino
numa proporção de 1,5:1, embora estudos mais antigos
sugiram que a doença afeta igualmente ambos os
sexos9,12 . É uma doença incomum em pessoas da raça
negra10,13.
O diagnóstico baseia-se no quadro clínico, no
exame anátomo-patológico dos órgãos envolvidos e na
positividade do ANCA (“antinuclear cytoplasmic
antibodies”)14. Existe uma forte associação entre as
vasculites e o ANCA. A Granulomatose de Wegener, juntamente com a poliangeíte microscópica e a síndrome de
Churg-Strauss são as doenças reconhecidamente associadas com o ANCA 15.
Tabela 1. Doenças comumente associadas com o ANCA
Granulomatose de Wegener
Inflamação granulomatosa envolvendo o trato respiratório,
vasculite necrotizante afetando vasos de pequeno e médio
calibre (capilares, vênulas, arteríolas e artérias).
Glomerulonefrite necrotizante é comum.
Poliangeíte Microscópica
Vasculite necrotizante com pouco ou nenhum depósito
imune afetando pequenos vasos (capilares, vênulas e
arteríolas). Arterite necrotizante envolvendo artérias de
pequeno e médio calibre pode estar presente.
Glomerulonefrite necrotizante é muito comum. Capilarite
pulmonar ocorre freqüentemente.
Síndrome de Churg-Strauss
Inflamação granulomatosa, rica em eosinófilos, envolvendo
o trato respiratório, e vasculite necrotizante afetando vasos
de pequeno e médio calibre; associada à eosinofilia e
usualmente asma ou outras formas de atopia.
Adaptada de Jannette e cols 14.
221
222
Estudos recentes sobre o ANCA, combinando
imunofluorescência e imunoensaio enzimático, tem
demonstrado uma especifidade de aproximadamente 99%
para a Granulomatose de Wegener e poliangeíte microscópica, ou sua variante com acometimento somente
renal16,17.
Falk e cols. (2000) 18 relataram que o C-ANCA é
o padrão predominante na Granulomatose de Wegener,
enquanto o p-ANCA predomina nos pacientes com
poliangeite microscópica, Síndrome de Churg-Strauss e
glomerulonefrite crescêntica necrotizante isolada sem
vasculite extra-renal. No entanto, 20 a 30% dos
pacientes com Granulomatose de Wegener têm p-ANCA
positivo. Do mesmo modo, 20-30% dos pacientes com
glomerulonefrite necrotizante sem manifestação extrarenal têm um c-ANCA positivo. Portanto, não há um
padrão de ANCA diagnóstico para um tipo particular de
vasculite18.
Pacientes com Granulomatose de Wegener com
freqüência apresentam sinais e sintomas inespecíficos de
uma doença sistêmica, tais como febre, astenia, perda de
peso, artralgias e mialgias19. O acometimento de vias
aéreas pode ocorrer sem evidência de lesão renal20,21. O
paciente do presente caso relatado tinha história de
artralgia dois anos antes do aparecimento do quadro de
febre e insuficiência renal aguda.
Doença renal severa sem manifestações respiratórias iniciais também tem sido descrita22. Alguns
estudos revelaram que o acometimento renal em
pacientes com Granulomatose de Wegener, no início da
doença, ou por ocasião do diagnóstico, varia de 18 a 60%,
podendo chegar a 77% durante o curso da doença10,23,24.
Woodworth e cols. (1987)22 descreveram 19 casos de
glomerulonefrite severa, como manifestação inicial
isolada de Granulomatose de Wegener, sendo que o
aparecimento de lesões características da doença em vias
aéreas comprovadas por biópsia ocorreu somente 4 a 78
meses depois da manifestação renal inicial 22 .
Glomerulonefrite necrotizante, freqüentemente com
crescentes, e raramente com vasculite, tem sido descrita
como a lesão renal predominante 22,25. Em casos de
glomerulonefrite severa, como manifestação inicial, o
diagnóstico de Granulomatose de Wegener pode deixar
de ser suspeitado inicialmente, porque alguns pacientes
apresentam manifestações sistêmicas tais como: febre,
artralgias, inapetência, que são transitórias ou
inespecíficas, e porque os achados das biópsias renais se
assemelham com aqueles vistos em casos de poliarterite
microscópica ou nefrite crescêntica idiopática. Nestes
pacientes a avaliação laboratorial inicial revela com
Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva
freqüência hematúria microscópica e proteinúria
usualmente não-nefrótica, com declínio da função renal
ocorrido em um curto período. Muitos pacientes já estão
recebendo tratamento dialítico crônico quando o trato
respiratório é acometido22.
No presente caso, o tratamento com metilprednisolona e ciclofosfamida endovenosa foi instituído e
houve boa resposta terapêutica com normalização da
função renal e remissão da proteinúria nefrótica, três
meses após início do tratamento, atualmente com
creatinina de 1,1 mg/dl e proteinúria de 24h de 516mg. A
rápida instituição do tratamento da GNRP foi crucial para
a recuperação do paciente. A GNRP é uma entidade com
prognóstico reservado, devendo ser prontamente
identificada e tratada 2.
O tratamento da Granulomatose de Wegener é
feito com drogas imunossupressoras e deve ser instituído
o mais precocemente possível, pois se trata de uma
enfermidade grave, que leva à morte devido a infecções e
principalmente, à falência renal 14.
Fauci e cols. (1983)19 verificaram que a ciclofosfamida (Cyc) foi capaz de induzir remissão completa em
93% de 85 pacientes com Granulomatose de Wegener
acompanhados durante 21 anos, com uma média de
duração da remissão de 48,2 meses19. Em pacientes com
vasculites associadas ao ANCA, a pulsoterapia com Cyc
tem se mostrado menos tóxica do que o uso contínuo de
Cyc, sendo pelo menos igualmente capaz de induzir
remissão, mas possivelmente com uma maior taxa de
recidiva26. Em um estudo envolvendo 155 pacientes
com Granulomatose Wegener e poliangeíte microscópica, a substituição de Cyc por azatioprina após remissão não aumentou a taxa de recidiva, sugerindo que a
duração da exposição a Cyc pode ser seguramente reduzida27. Em outro estudo envolvendo nove pacientes com
Granulomatose de Wegener e dois com poliangeíte
microscópica, após indução com Cyc, foi iniciada
terapia de manutenção com Micofenolato mofetil
(MMF) 2 g/dia e doses baixas de corticóide oral por um
período de 15 meses, com apenas uma recidiva dentre os
11 pacientes no período. Esse estudo concluiu que o
MMF foi bem tolerado no grupo e foi eficaz na
manutenção da remissão 28. O tratamento com Sulfametoxazol-Trimetoprim reduz a incidência de recidiva
em pacientes com Granulomatose de Wegener em
remissão29. Pacientes com insuficiência renal crônica
terminal (IRCT) podem submeter-se a transplante desde
que a doença esteja em remissão, mesmo que o ANCA
ainda seja detectado no soro. Recidivas podem ser
tratadas efetivamente com Cyc30.
J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 4 - Dezembro de 2006
CONCLUSÃO
A glomerulonefrite rapidamente progressiva
(GNRP) é uma entidade incomun, de prognóstico
reservado, que deve ser suspeitada em todos os casos em
que há perda rápida da função renal. O tratamento deve
ser instituído o mais precocemente possível, sendo
indicada terapia de substituição renal e o uso de
imunossupressores. Novas drogas imunossupressoras
devem ser levadas em consideração, dependendo da
resposta observada em cada caso.
A etiologia da GNRP deve ser investigada, sendo
para isso a biópsia renal de fundamental importância. No
presente caso achamos como mais provável etiologia a
Granulomatose de Wegener, uma entidade rara e de difícil
confirmação diagnóstica porque nem sempre os casos se
manifestam com o quadro clínico clássico. A sua ocorrência deve ser sempre suspeitada na vigência de acometimento renal e do trato respiratório, e quando ocorre GNRP.
Nos casos em que a doença se manifesta inicialmente com acometimento renal, sem evidência de lesões
granulomatosas necrotizantes em trato respiratório, o
diagnóstico torna-se difícil, podendo retardar a terapêutica precoce e adequada, e aumentando as chances de
progressão para doença renal terminal.
No presente caso foram fundamentais o diagnóstico e tratamento precoces para a recuperação completa da
função renal.
REFERÊNCIAS
1. Kirsztajn GM, Vieira OM, Abreu PF, Woronick V, Sens YAS.
Investigação e tratamento das doenças glomerulares em
adultos – Recomendações da Sociedade Brasileira de
Nefrologia. J Bras Nefrol 2005; 27(Supl 1):1-38.
2. Jindal KK. Management of idiopathic crescentic and diffuse
proliferative glomerulonephritis: evidence-based recommendations. Kidney Int 1999; 55(Suppl 70):S33-S40.
3. Markowitz GS, Radhakrishman J, D’Agati VD. An overlaping
etiology of rapidly progressive glomerulonephritis. Am J
Kidney Dis 2004; 43:388-393.
4. Seo P, Stone JH. The antineutrophil cytoplasmic antibodyassociated vasculitides. Am J Med 2004; 117:39-50.
5. No authors listed. Wegener’s Granulomatosis. Available from:
URL: pathologyoutlines.com/kidney.html#wegeners.
6. Klinger H. Grenzformen der Periarteritis nodosa. Frankf Z
Pathol 1931; 42:455-80.
7. Wegener F. Uber generalisierte, septische Gefässerkrankungen.
Verh Dtsch Ges Pathol 1936; 29:202-10.
8. Godman GC, Churg J. Wegener’s granulomatosis. Pathology
and review of the literature. Arch Pathol 1954; 58:533-53.
223
9. Leavitt RY, Fauci AS, Bloch DA, Michel BA, Hunder GG,
Arend WP, et al. The American College of Rheumatology
1990 Criteria for The Classification of Wegener’s
Granulomatosis. Artriths and Rheumatism 1990; 33:1101-7.
10. Hoffman GS, Kerr GS, Leavitt RY, Hallahan CW, Lebovics
RS, Travis WD, et al. Wegener’s Granulomatosis: An
Analysis of 158 Patients. Ann Intern Med 1992; 116:488-98.
11. Hartl DM, Aidan P, Brugière O, Sterkers O. Wegener’s
Granulomatosis Presenting as a Recurrence of Chronic Otitis
Media. Am J Otol 1998; 19:54-60.
12. Koldingsnes W, Nossent H. Epidemiology of Wegener’s
Granulomatosis in Nothern Norway. Art Rheum 2000;
43:2481-7.
13. Devaney KO, Ferlito A, Devaney SL, Hunter BC, Rinaldo A.
ClinicoPathological Consultation: Wegener’s Granulomatosis
of the Head and Neck. Ann Otol Rhinol Laryngol 1998;
107:439-45.
14. Rezende CEB, Rodrigue REC, Yoshimura R, Uvo IP,
Rapoport PB. Wegener’s granulomatosis: a case report. Rev
Bras Otorrinolaringol 2003; 69:261-5.
15. Jennette JC, Falk RJ, Andrassy K, Bacon PA, Churg J, Gross
WL, et al. Nomenclature of systemic vasculitides. Proposal of
an international consensus conference. Arthritis Rheum
1994; 37:187-92.
16. Hagen EC, Daha MR, Hermans J, Andrassy K, Csernok E,
Gaskin G, et al. Diagnostic value of standardized assays for
anti-neutrophil cytoplasmic antibodies in idiopathic systemic
vasculitis. EC/BCR Project for ANCA Assay Standardization.
Kidney Int 1998; 53:743-53.
17. Savige J, Gillis D, Benson E, Davies D, Esnault V, Falk RJ, et
al. International Consensus Statement on Testing and
Reporting of Antineutrophil Cytoplasmic Antibodies (ANCA).
Am J Clin Pathol 1999; 111:507-13.
18. Falk R, Nachman PH, Hogan SL, Jennette JC. ANCA
Glomerulonephritis and vasculitis: a Chapel Hill Perspective.
Semin Nephrol 2000; 20:233-43.
19. Fauci AS, Haynes BF, Katz P, Wolff SM. Wegener’s
Granulomatosis: Prospective Clinical and Therapeutic
Experience With 85 Patients for 21 Years. Ann Intern Med
1983; 98:76-85.
20. Carrington CB, Liebow AA. Limited forms of angiitis and
granulomatosis of Wegener’s type. Am J Med 1966; 41:
497-527.
21. Cassan SM, Coles DT, Harrison Jr EG. The concept of limited
forms of Wegener’s granulomatosis. Am J Med 1970; 49:
366-79.
22. Woodworth TG, Abuelo JG, Austin HA 3rd, Esparza A.
Severe glomerulonephritis with late emergence of classic
Wegener’s granulomatosis. Report of 4 cases and review of
the literature. Medicine (Baltimore) 1987; 66:181-91.
23. Reinhold-Keller E, Beuge N, Latza U, de Groot K, Rudert H,
Nolle B, et al. An interdisciplinary approach to the care of
patients with Wegener’s granulomatosis: long-term outcome
in 155 patients. Arthritis Rheum 2000; 43:1021-32.
24. Anderson G, Coles ET, Crane M, Douglas AC, Gibbs AR,
Geddes DM, et al. Wegener’s granuloma. A series of 265
British cases seen between 1975 and 1985. A report by a
sub-committee of the British Thoracic Society Research
Committee. Q J Med 1992; 83:427-38.
224
25. Appel GB, Gee B, Kashgarian M, Hayslett JP. Wegener’s
granulomatosis - clinical-pathologic correlations and longterm course. Am J Kidney Dis 1981; 1:27-37.
26. Groot K, Adu D, Savage C. The value of pulse
cyclophosphamide in ANCA-associated vasculitis: metaanalysis and critical review. Nephrol Dial Transplant 2001;
16:2018-27.
27. Jayne D, Rasmussen N, Andrassy K, Bacon P, Tervaert JW,
Dadoniene J, et al. A randomized trial of maintenance therapy
for vasculitis associated with antineutrophil cytoplasmic
autoantibodies. N Engl J Med 2003; 349:36-44.
Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva
28. Nowack R, Gobel U, Klooker P, Hergesell O, Andrassy K, van
der Woude FJ. Mycophenolate mofetil for maintenance
therapy of Wegener’s granulomatosis and microscopic
polyangiitis: a pilot study in 11 patients with renal
involvement. J Am Soc Nephrol 1999; 10:1965-71.
29. Stegeman CA, Tervaert JW, de Jong PE, Kallenberg CG.
Trimethoprim-sulfamethoxazole (co-trimoxazole) for the
prevention of relapses of Wegener’s granulomatosis. N Engl
J Med 1996; 335:16-20.
30. Nachman PH, Segelmark M, Westman K, Hogan SL, Satterly
KK, Jennette JC, et al. Recurrent ANCA-associated small
vessel vasculitis after transplantation: A pooled analysis.
Kidney Int 1999; 56:1544-50.
Download