Volume 15. Suplemento. 1997 ISSN 0102-0536 ÍNDICE SOCIEDADE DE OLERICULTURA DO BRASIL Presidente Nilton Rocha Leal UENF-CCTA Vice-Presidente Luiz Gomes Correa EMATER-MG 1º Secretário Arlete Marchi T. de Melo IAC 2º Secretário Iniberto Hammerschmidt EMATER-PR 1º Tesoureiro Pedro Henrique Monnerat UENF-CCTA 2º Tesoureiro Osmar Alves Carrijo Embrapa Hortaliças COMISSÃO EDITORIAL DA HORTICULTURA BRASILEIRA Presidente Paulo Eduardo de Melo Embrapa Hortaliças Editora Alice M. Quezado Soares Embrapa Hortaliças Editor Luis Antônio B. Salles Embrapa Clima Temperado Editor Marcelo Mancuso da Cunha IICA- SRH Editora Mirtes Freitas Lima Embrapa Semi-Árido Editora Sieglinde Brune Embrapa Hortaliças CORRESPONDÊNCIA: Horticultura Brasileira Caixa Postal 190 70.359-970 - Brasília-DF Tel.: (061) 385-9000/9066/9051 Fax: (061) 556-5744 www.hortbras.com.br hortbras@ cnph.embrapa.br Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. CARTA DO EDITOR 139 PALESTRAS Os desafios da olericultura como atividade empresarial. Carlos Alberto M. Tavares ........................................................................................................ 141 O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. Lin Chau Ming .............................................................................................. 145 A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado no. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. Fernando Antônio Lyrio Silva ...................................... 148 O impacto da lei de propriedade industrial e de proteção de cultivares na olericultura brasileira. Vicente Wagner D. Casali ..................................................................... 154 Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos. Eduardo A. V. Morales. Everaldo de V. Martins .............................. 157 A importância da flora amazônica para uso medicinal.Germano Guarim Neto ...................... 159 Tendências fitotécnicas e econômicas de espécies vegetais utilizadas na medicina popular. Jean Kleber de A. Mattos ....................................................................... 161 Plasticultura nos trópicos: uma avaliação técnico-econômica. Rumy Goto .............................. 163 Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. Osvaldo K. Sassaki .................................................................................................. 165 Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. de controle. Armando Takatsu; Carlos A. Lopes ........................................................ 170 Manejo integrado de pragas e doenças em hortaliças. Hasan A. Bolkan .................................. 178 Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. Hasime Tokeshi1; Douglas Y. Harada .................................................................... 179 Expansão do cultivo da pupunheira para palmito no Brasil. Marilene L. A. Bovi ................... 183 Pupunha: recursos genéticos para a produção de palmito. Charles R. Clement ...................... 186 Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. Kaoru Yuyama ....................... 191 Palmito de pupunha - alternativas de processamento. Antônio G. Soares ................................ 198 A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. C.A. Khatounian ................................................. 199 Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. Laércio Meirelles .................................. 205 O papel das universidades no desenvolvimento da olericultura no Brasil. Maria do Carmo Vieira ............................................................................................. 210 A Sociedade de Olericultura do Brasil e o desenvolvimento da pesquisa em hortaliça. Flávio Augusto D’A. Couto ................................................................................. 213 A SOB e a extensão rural no Brasil. Sérgio Mário Regina ....................................................... 216 Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. Nozomu Makishima ................................................................................... 223 Contribuição da extensão rural para o desenvolvimento da olericultura no Brasil. Rodolfo H. Steindorf .................................................................................................. 227 RESUMOS DO 37ºCONGRESSO BRASILEIRO DE OLERICULTURA Volume 15 Supplement. 1997 ISSN 0102-0536 CONTENTS Journal of the Brazilian Society of Vegetable Science EDITOR'S LETTER 139 The challenges of vegetable cropping as business. Carlos Alberto M. Tavares ....... 141 Recognition of the traditional populations’ role on breeding and conservation of vegetal species. Lin Chau Ming ......................................................... 145 The access law: comments on the Senate Law Project n. 306, from 1995, authored by senator Marina Silva, that “disposes about the access to genetic resources and their derivatives and regulates other procedures”. Fernando Antônio Lyrio Silva ............................................................... 148 The impact of the industrial property and cultivar protection law on the Brazilian horticulture. Vicente Wagner D. Casali ....................................................................... 154 Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos.Eduardo A. V. Morales1 & Everaldo de V. Martins ............ 157 A importância da flora amazônica para uso medicinal.Germano Guarim Neto ........ 159 Technical and economic trends of plant species used in the folk popular medicine. Jean Kleber de A. Mattos. ............................................................. 161 Protected cultivation in the tropics: a technical and economic approach. Rumy Goto .................................................................................................... 163 Preliminary results of soilless vegetable production in the state of Amazonas. Osvaldo K. Sassaki ........................................................................................................ 165 Bacterial wilt in vegetables: scientific advances and perspectives of control. Armando Takatsu; Carlos A. Lopes ........................................................................... 170 Integrated pest and disease management in vegetables. Hasan A. Bolkan ................. 178 Integrated disease control in vegetable species. vegetable species. Hasime Tokeshi1; Douglas Y. Harada ......................................... 179 Expansion of pejibaye cultivation for palm-core production in Brazil. Marilene L. A. Bovi ...................................................................................... 183 Pejibaye: genetic resources for palm-core production. Charles R. Clement .............. 186 Cropping system for palm-core production from the peach-palm. Kaoru Yuyama ... 191 Pejibaye palm-core: options for processing. Antônio G. Soares ................................. 198 Sustainability and vegetable copping. C.A. Khatounian ............................................. 199 Production and commercialization of organic vegetables. Laércio Meirelles ............ 205 The role of university in the development of horticulture in Brazil. Maria do Carmo Vieira ................................................................................................ 210 The Brazilian Society of Vegetable Science and the development of research in vegetable crops. Flávio Augusto D’A. Couto .............................................................. 213 The Brazilian Society of Vegetable Science - SOB - and the rural extension in Brazil. Sérgio Mário Regina .................................................................................... 216 Diffusion of technology for vegetable production by the official institutions Address: of scientific research. Nozomu Makishima .................................................................. 223 Caixa Postal 07-190 Contributions of the rural extension for the development of horticulture 70359-970 Brasília-DF of horticulture in Brazil.Rodolfo H. Steindorf ............................................................. 227 Tel: (061) 385-9000/9051/9066 Fax: (061) 556-5744 www.hortbras.com.br [email protected] Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. carta do editor C om este número, contendo as palestras e resumos dos trabalhos apresentados no XXXVII Congresso Brasileiro de Olericultura, realizado em Manaus, em 1997, encerramos o volume 15 da nossa Horticultura Brasileira. Este volume foi aberto com a celebração dos quinze anos da nossa revista e marcou também o começo do trabalho de uma Comissão Editorial renovada. Pois bem, chegamos agora ao final do volume, ainda celebrando, embora um pouco cansados, é verdade. O trabalho neste ano foi árduo, buscando publicar sem atraso a revista (o que ainda não conseguimos totalmente) e, ao mesmo tempo, lutando contra o nosso mais forte obstáculo: o financiamento da revista. Por outro lado, encerramos o ano muito satisfeitos. Temos nossos dois números anuais já publicados e, além deles, nos foi possível publicar também este Suplemento, graças ao apoio sempre constante da diretoria da Sociedade e, com todo o mérito, à Comissão Organizadora do XXXVII CBO. Porém, não só da publicação desse número extra vem a nossa satisfação. Durante todo esse ano, de forma mais especial logo após a publicação dos número 1 e 2, recebemos várias manifestações muito positivas de diversos sócios, tanto autores, quanto leitores. Isso nos dá tranquilidade para continuar trabalhando em ritmo forte e certeza de que seguimos no rumo certo. A estes, agradecemos o apoio e o incentivo. Sabemos que não conseguimos atender a todos na forma como merecem e, por isso, já estamos implementando algumas mudanças que nos permitirão melhorar o atendimento aos sócios. A estes, pedimos desculpas, um pouco mais de paciência e um voto de confiança. Encerrando esta carta gostaria de chamar a atenção para o enorme êxito deste Suplemento de Horticultura Brasileira que consegue, de uma vez só, reunir três pilares fundamentais da nossa Sociedade de Olericultura: o CBO, através das palestras e dos resumos; a Horticultura Brasileira, através da própria revista que você agora lê e; e o sócio, começo e fim da nossa SOB, aqui representado por você, caro leitor. Até o próximo número! Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 139 140 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. palestras TAVARES, C.A.M. Os desafios da olericultura como atividade empresarial. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 141-144, 1997. Palestra. Suplemento. Os desafios da olericultura como atividade empresarial. The challenges of vegetable cropping as business. Carlos Alberto M. Tavares SVS do Brasil Sementes Ltda. - Depto. de Serviços Técnicos, C. Postal 1564, 13.025-300 Campinas - SP. Palavras-chave: economia, hortaliças, cultivo protegido, plasticultura, melhoramento, cultivares, embalagens, comercialização, transporte, distribuição, armazenamento, marketing. Keywords: economics, protected cultivation, plastic cover, breeding, cultivars, packs, trade, transport, distribution, storage, marketing. A olericultura vem experimentando, a nível mundial, profundas e rápidas mudanças em toda a sua cadeia produtiva sobretudo com a formação de blocos econômicos na Europa e América do Norte. No Brasil, essas transformações coincidem com o processo gradual de abertura da economia, a partir do início da década atual, e com a implementação do MERCOSUL. Além disso, a estabilização da economia, a partir do Plano Real, tem também contribuído sobremaneira para o desenvolvimento e a modernização da olericultura brasileira. A produção de hortaliças, enquanto atividade empresarial de grande importância sócio-econômica no negócio agrícola nacional, através dessas transformações, busca a modernidade necessária para melhorar o rendimento e a qualidade de seus produtos e, sobretudo, a sua competitividade, condição imprescindível para enfrentar a concorrência externa à medida que o processo de globalização da economia avança irreversivelmente. É evidente que os desafios são gigantescos, em vista, principalmente, das peculiaridades inerentes a um país com dimensão continental e com profundas diferenças regionais. Todavia, para enfrentar esses desafios, em nosso ponto de vista, serão necessários investimentos na geração de tecnologia para atender às novas modalidades de cultivo (e às convencionais também), na logística de embalagem, nos canais de comercialização, no transporte, armazenamento e distribuição, e em um sistema eficiente de informação integrando os principais entrepostos Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. hortifrutícolas do MERCOSUL. Evidentemente, isso só será factível através de uma ação integrada envolvendo todos os segmentos da cadeia agro-industrial de olerícolas. Enfocaremos a seguir alguns aspectos/tópicos que consideramos relevantes, por ensejarem um estudo mais profundo, dentro do processo de modernização da olericultura brasileira frente aos desafios do presente e futuros. A nossa contribuição é baseada na experiência de quem vem acompanhando de perto o desenvolvimento da olericultura brasileira nos últimos doze anos. NOVAS MODALIDADES DE CULTIVO O uso do plástico possibilitou a introdução de novos modelos de cultivo que têm se demonstrado eficientes, permitindo quando bem manejados a maximização da produção e a obtenção de produtos de alta qualidade, capazes de competir com nossos parceiros comerciais. Os meios de comunicação têm publicado com frequência, as vantagens e os resultados promissores conseguidos tanto a nível nacional como internacional, com os diferentes sistemas de produção tais como, o cultivo protegido no solo, a hidroponia e a produção de produtos orgânicos. São muitas as empresas e produtores que têm tentado fazer da plasticultura uma realidade, porém após os três primeiros anos da implantação dos projetos, os problemas encontrados têm sido maiores que os resultados econômicos auferidos por estas atividades produti- vas. Modelos inadequados de estufas ou abrigos plásticos, altas temperaturas, condução inadequada, cultivares não apropriadas, uso de fertilizantes não específicos, falta de recomendações técnicas para fertirrigação adaptadas às nossas condições, somados à ocorrência de problemas de solo como os nematóides, têm se constituído nos maiores desafios a serem superados para a completa viabilização da plasticultura, como atividade empresarial. SEGMENTAÇÃO VARIETAL A busca incessante de melhores preços tem levado os produtores rurais à procura de novidades e de nichos de mercado diferenciados para hortaliças sofisticadas com melhor remuneração. O surgimento e expansão das grandes cadeias de ‘fast food’, que totalizam hoje mais de 550 estabelecimentos e um faturamento anual bruto de 2,6 a 3 bilhões de reais, tem sido um fator importante de demanda por matérias-primas mais nobres e de alta qualidade. A indústria de sementes sempre atenta para a introdução de novas tecnologias, tem se colocado na vanguarda da pesquisa e suprimento de novas cultivares mais resistentes a pragas e doenças, como a introdução recente dos híbridos de tomate do tipo longa vida e do tipo cereja, melancias híbridas, melancias sem sementes, melões nobres, pepinos partenocárpicos, pimentões, berinjelas e cebolas coloridas, alfaces americanas e vermelhas, brócolos de cabeça única, cenouras híbridas e endívias. A estabilização da economia e o alto 141 TAVARES, C.A.M. Os desafios da olericultura como atividade empresarial. custo de vida têm forçado as donas de casa a participarem do orçamento familiar. Sem o tempo necessário para os afazeres domésticos, o público feminino tem gerado maior demanda por alimentos semi-processados e congelados, fazendo surgir um número cada vez maior de empresas interessadas no abastecimento destes novos segmentos. O suprimento contínuo de novas cultivares que satisfaçam plenamente as necessidades da indústria de processamento, bem como dos produtores, será um novo desafio para todas as empresas privadas e órgãos oficiais de pesquisa. EMBALAGENS DIFERENCIADAS As embalagens são hoje um componente fundamental na comercialização. São elas que chamam a atenção do público e que agregam valor ao seu conteúdo. O acondicionamento de produtos hortícolas em embalagens adequadas contribui não só para uma melhor conservação e apresentação dos mesmos, como para a redução de perdas, controle de problemas sanitários, melhor manuseio das mercadorias e maior racionalidade e economia de transporte. A utilização da caixa “K” como embalagem preferida do mercado atacadista tem se mostrado inadequada, para o acondicionamento de hortigranjeiros. Para o setor supermercadista, a permanência das embalagens atuais, principalmente da caixa “K”, tem levado a consequências nocivas quanto a perdas mecânicas dos produtos, contaminação microbiológica e transtornos sanitários entre outros. Devido ao alto nível das perdas das mercadorias, em torno de 15 a 16%, provocados pelo mau acondicionamento, os produtores acabam sendo pressionados a arcar com os custos das quebras no sistema de distribuição. O surgimento de uma nova classe de produtores profissionais, muitos deles agrônomos, mais abertos à adoção de novas técnicas de cultivo, acondicionamento e ‘marketing’, tem substituído paulatinamente os pequenos produtores rurais em relação ao fornecimento de produtos nas formas mais adequadas e exigidas pelas grandes redes de supermercados. 142 Hoje o livre comércio do MERCOSUL e as pressões cada vez maiores por parte do consumidor interno, exigem uma evolução global no padrão de acondicionamento e portanto das embalagens dos produtos hortícolas, incluindo no mínimo o uso de material não retornável, dimensões externas paletizáveis e a presença externa de selos com logomarca e rótulos de identificação do produto, com sua classificação, qualidade e origem. As embalagens apropriadas serão o componente mais forte para a maximização dos lucros e a conquista de preços preferenciais nos mercados interno e externo, a despeito da flutuação e da demanda inerentes deste setor. Novos Canais de Comercialização O tradicional canal de escoamento dos produtos olerícolas a nível atacadista é constituído pelas Centrais de Abastecimento - CEASAS, instaladas nas capitais e nos principais municípios de todos os estados brasileiros. Cerca de 55% a 60% do total do volume de hortaliças é comercializado por estes mercados, entre os quais o Entreposto Terminal de São Paulo, a CEAGESP, responde isoladamente por pouco mais de 25% de toda a comercialização verificada nos entrepostos oficiais do País. A rede nacional de CEASAS, foi concebida no final da década de 60 visando a racionalização e o aumento global da eficiência de comercialização dos produtos hortigranjeiros. Hoje há uma apreciação consensual de que as Centrais de Abastecimento acabaram por privilegiar unicamente os aspectos massivos do abastecimento hortícola, manejando grandes volumes em detrimento quase que total das preocupações com qualidade, apresentação do produto final e desenvolvimento empresarial de produtores e comerciantes. A abertura de mercado e as recentes mudanças nos hábitos de consumo provocadas pelo aumento do poder aquisitivo, evidenciam a existência de um grande mercado emergente, que tem absorvido novas iniciativas comerciais de exploração de novos nichos de mercado, altamente sofisticados, como as butiques de verduras e casas especializadas no comércio de hortaliças frescas semi-processadas e importadas. As grandes redes de supermercados, por seu turno, têm dedicado maior atenção à venda de produtos horti-granjeiros, investindo na inovação tecnológica de suas embalagens, formas de apresentação e comercialização. Recentemente, o surgimento das gigantes empresas transnacionais de distribuição de produtos hortifrutigranjeiros, com os mais altos conceitos de logística e qualidade, como a norte americana DOLE, com 4 bilhões de faturamento e presença em mais de 80 países, os restaurantes industriais e as redes de ‘fast food’ em franca expansão, passarão a representar as mais amplas perspectivas para o desenvolvimento das empresas olerícolas em um futuro próximo. Considerando-se a realidade dos novos tempos e a evolução de toda a cadeia produtiva, faz-se premente a modernização das CEASA’s com a introdução de novos sistemas de comercialização que sejam mais abertos e que facilitem o relacionamento, bem como o contato direto entre o empresário rural e o consumidor final. A instalação de leilões computadorizados tipo ‘veiling’, já em prática na venda de flores na Holambra, poderia significar a mudança, do antigo sistema vigente há décadas, para um novo modelo que privilegiasse a transparência, a qualidade e sobretudo a segurança de recebimento das transações comerciais, efetuadas por compradores previamente cadastrados e selecionados. A expectativa em relação ao futuro comércio atacadista de hortaliças é que ocorram no Brasil processos semelhantes em relação aos que já ocorreram na Europa, onde há uma crescente perda dos entrepostos oficiais, que vêm sendo substituídos por centrais atacadistas independentes. Na França por exemplo, de 1975 a 1992, a participação dos novos atacadistas cresceu de 21% para 34% no comércio global de frutas e hortaliças. A explicação deve-se aos supermercados que têm otimizado o abastecimento de suas lojas, através da diminuição da intermediação comercial, em detrimento da utilização de sistemas mais eficientes de normatização, tanto de produtos, quanto de suas formas de acondicionamento e dos sistemas logísticos de distribuição. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. TAVARES, C.A.M. Os desafios da olericultura como atividade empresarial. No Brasil, o mesmo já está acontecendo e as mudanças já se refletem no entreposto paulista, que têm registrado um decréscimo nos seus volumes comerciais da ordem de 10%. Este percentual representa uma perda de quase 280 mil toneladas anuais, cujas principais causas são as limitações físicas, operacionais e o crescimento significativo das compras diretas dos supermercados junto aos produtores. Em 1996, informações da Secretaria da Agricultura dão conta de que estas aquisições diretas somaram entre 200 e 250 mil toneladas. É necessário também incentivar e melhorar a imagem dos produtos olerícolas, hoje negativa, devido ao elevado nível de resíduos agroquímicos. Só é possível isto com campanhas institucionais de ‘marketing’, em parceria com a iniciativa privada, de modo a aumentar-se o consumo, hoje de apenas 40 kg/ano per capita, nível muito baixo se comparado a nossos vizinhos da Argentina e Uruguai, com 70 a 75 kg. LOGÍSTICA DE TRANSPORTE, DISTRIBUIÇÃO E ARMAZENAMENTO Um país como o Brasil, de extensão continental, necessita de uma logística de transporte adequado, distribuição eficiente e armazenamento apropriado. A utilização de meios de transporte frigorificados, capazes de realizar o deslocamento de produtos perecíveis a longas distâncias, com certeza será um dos meios eficazes de garantir a manutenção da qualidade que almeja o mercado. A padronização da paletização e a adoção de páletes providos de rodas chamados no exterior de ‘rolltainers’, não só facilitam o processo de carga e descarga, como possibilitam a comercialização de hortaliças no próprio pálete, que serve como prateleira, representando economia de tempo e espaço. Com a utilização de embalagem que permitam um correto empilhamento e transporte, serão criadas as condições necessárias para o bom acondicionamento dos produtos perecíveis. Com o surgimento das novas empresas de processamento de hortaliças, tanto na área de congelados quanto na de produtos semi-processados com atmosfera modificada, novos métodos de distribuição têm sido postos em prática, entre eles o modelo de venda domiciliar ou porta-a-porta, tão em voga na área de cosméticos. O ‘marketing’ cada vez mais agressivo e a necessidade de uma distribuição cada vez mais rápida e eficiente, farão com que os produtos olerícolas possam suprir de modo integral a completa necessidade do consumidor final. MARKETING As empresas modernas do setor da produção de olerícolas estão interessadas em produtos que atendam à expectativa do consumidor final. Estão, de outro lado, interessadas em pesquisar a AGRONEGÓCIOS UMA NOVA POSTURA EM RELAÇÃO AO FUTURO Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 143 TAVARES, C.A.M. Os desafios da olericultura como atividade empresarial. aceitação das suas mercadorias, a imagem de suas empresas, bem como a competitividade dos preços, qualidade, embalagem, rapidez de entrega e o nível de atendimento dos pontos de venda. O marketing dentro das principais redes de supermercado tem criado novos departamentos para hortaliças semiprocessadas, produzidas em estufa, hidropônicas e orgânicas. Além disto, alguns deles têm feito a promoção das diferentes verduras com cartazes onde se pode observar o conteúdo nutritivo de cada uma delas, a exemplo do que é feito no mundo desenvolvido. Na verdade, promoções têm sido feitas em alguns países entre produtores, atacadistas e varejistas, para a criação de hábitos de consumo de determinados produtos. Nos Estados Unidos por exemplo, aumentou-se o consumo de hortaliças e frutas na alimentação, através de testes degustativos e campanhas publicitárias, que mostravam não só o valor nutricional, como sua contribuição para uma vida mais saudável. Nos dias de hoje onde a competição é a palavra-chave, mais do que conquistar mercados é necessário prover a sua manutenção com produtos diferenciados, de alto valor agregado, e serviços capazes de satisfazerem todos os anseios do consumidor final. SISTEMA DE INFORMAÇÃO A globalização da economia e o livre comércio estabelecido, especialmen- 144 te no MERCOSUL, farão com que a interação da comunicação seja uma realidade entre os diferentes parceiros comerciais. Informações de mercado dos principais países da América do Sul poderão ser recebidas via on-line. A rapidez das comunicações via INTERNET poderá ser um importante instrumento à disposição dos produtores, atacadistas e varejistas quanto à oferta e procura de mercadorias, programação de safras e ofertas de produtos excedentes a nível de continente. CONCLUSÃO A inserção do Brasil na economia global fará com que se busque em bloco um crescimento econômico estável, constante e cada vez mais dinâmico, capaz de satisfazer os anseios pessoais de consumo, bem como o suprimento pleno das necessidades das populações, com uma melhor condição de vida. Segundo nosso ponto de vista e de acordo com a figura, além da tecnologia fundamental durante a fase de produção, o gerenciamento, a organização e o ‘marketing’, dentro e fora da propriedade, englobarão o conhecimento necessário para se chegar à competitividade, que viabilizará a produção diferenciada de hortaliças, com altos padrões de produtividade e qualidade. O engajamento permanente das empresas fornecedoras de insumos, que têm se colocado na vanguarda com a introdução do que existe de melhor a serviço do produtor brasileiro, com maquinários, defensivos e adubos, incluindo também a indústria de sementes, sempre atenta para a introdução de novas cultivares de maior potencial genético e com múltipla resistência a doenças, farão com que as mudanças sejam grandes ao se iniciar o novo século. A participação de indústrias cada vez mais dinâmicas, modernas e eficientes, aliada à investigação científica que nos trará as soluções técnicas que almejam nossos produtores, serão o sustentáculo maior do sucesso que antevemos para o progresso da olericultura empresarial brasileira. Porém, a harmonização da política tributária será a condição sine qua non para o livre comércio, sob pena de se discriminarem nossas estruturas produtivas. O rápido processo de abertura econômica trará como desafio permanente a busca de soluções para os tópicos aqui enfocados. Estamos certos de que todas as partes envolvidas farão o melhor para que se encontrem as soluções que todos almejamos para o setor. Desejamos firmemente que a nossa olericultura encontre seu lugar de destaque no contexto nacional e internacional e que a plasticultura se transforme na excelência da olericultura como atividade empresarial. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MING. L.C. O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. Horticultura Brasileira, v. 15, p. 145-148, 1997. Palestra. Suplemento. O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. Recognition of the traditional populations’ role on breeding and conservation of vegetal species. Lin Chau Ming UNESP - Faculdade de Ciências Agronômicas, Depto. de Horticultura, 18.603-970 Botucatu - SP. Palavras-chave: cultivares criatas, biodiversidade, recursos naturais, manejo, propriedade intelectual, legislação. Keywords: landraces, biodiversity, natural resources, management, intellectual property, regulation. A história da agricultura se confunde com o desenvol vimento da habilidade das populações autóctones, de diversas partes do mundo, em observar as características dos vegetais mais apropriados ao uso humano e selecionar e domesticar plantas, iniciando assim o processo de cultivo de vegetais para aproveitamento pelas famílias, seja na alimentação, no vestuário, ou ainda como utensílios e medicamentos. No Brasil, antes da chegada dos colonizadores portugueses, as populações indígenas já haviam desenvolvido estratégias para melhor utilização e conservação dos recursos que a diversidade natural lhes oferecia. Na carta enviada ao rei, o escrivão Pero Vaz de Caminha informa que os índios consumiam umas variedades de inhames (possivelmente Dioscorea) de melhor sabor do que as conhecidas em Cabo Verde, as quais foram levadas a Portugal. Outras espécies cultivadas, com certeza, não foram observadas pela expedição, dado ao pouco tempo que permaneceram. Nas expedições posteriores e durante o processo desencadeado para a colonização do Brasil nos séculos seguintes, intensificou-se o intercâmbio de espécies vegetais, notadamente com os escravos negros, seu aproveitamento e a troca de informações culturais, constituindose assim as bases da variedade de espécies utilizadas na agricultura brasileira. A despeito da velocidade em que houve a introdução e o cultivo de espécies exóticas em grandes extensões de terra, o aproveitamento de espécies nativas também se verificou, porém em escala bem mais modesta, em nível reHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. gional, na maior parte das vezes. Isso porém, não significa que essas espécies sejam menos importantes. A participação de cultivares utilizadas por comunidades tradicionais e/ou espécies não usuais da agricultura ocidental vem se constituindo em importante fonte na alimentação da população, fornecendo proteínas, aminoácidos, açúcares, vitaminas e outros elementos essenciais, além de produtos não alimentares que contribuem para a melhoria das condições de vida, como fibras, corantes, perfumes, madeira, produtos naturais e medicamentos. O usufruto desses recursos naturais é um benefício que pode ser para toda a humanidade. Muitos destes produtos são hoje utilizados, como fibras de agave para produção de cordas, alguns gêneros de palmeiras para fabricação de vassouras, cipós de Cyclantacea para confecção de cestos, corante de Bixa orellana para a indústria alimentícia, amido de estipe de algumas palmeiras para alimentação, diversas plantas como medicamento, diversas frutas comestíveis e uma série imensa de outras espécies. O valor e a importância dessas espécies para a humanidade é incalculável. Além de utilizarem, melhorarem e cultivarem essas fontes alternativas de produtos naturais, mantendo um amplo leque de possibilidades e variabilidade genética, as comunidades tradicionais desenvolveram estratégias, oriundas do estreito e íntimo convívio com o ambiente que as cercavam, que permitiram a manutenção e conservação não somente desses recursos, mas de todos os biomas vegetais em que habitavam. A expansão da agricultura moderna teve como uma das consequências mais nefastas, a destruição de enormes e contínuas áreas de vegetação natural, pondo em risco de extinção grande número de espécies que são úteis ou poderão vir a ser utilizadas pela humanidade. A manutenção da diversidade genética nos ambientes originais existentes no Brasil e o reconhecimento do papel desempenhado pelas populações tradicionais na sua conservação são ações essenciais para a garantia de que isso possa ser usufruído pelas próximas gerações. FONTES ALTERNATIVAS E MELHORAMENTO DOS RECURSOS VEGETAIS Os recursos genéticos vegetais no Brasil foram utilizados, muitos deles, segundo informações e observações feitas com as diversas populações autóctones e/ou tradicionais. Além do inhame, a esquadra de Cabral conheceu outras espécies de arroz do gênero Oryza (Martins, 1997*), que lhe foram oferecidas, pelos indígenas. Na América do Sul, o registro dos conhecimentos das plantas cultivadas pelos povos da América pré-colombiana é muito escasso. Segundo Sauer (1987) as fontes utilizadas para esse estudo foram: a) informações de cronistas europeus, de fins do século XVI, principalmente espanhóis e portugueses; b) materiais arqueológicos, que limitaram-se, em sua maior parte, à costa de Peru e do Chile; c) estudo regionais de plantas nativas cultivadas e da agricul145 MING. L.C. O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. tura e estudos botânicos sistemáticos realizados apenas no século XX e; d) estudos genéticos, que são mais recentes. Segundo o mesmo autor, da mesma forma que o ocorrido com o milho no novo mundo, as características botânicas e as preferências dos cultivadores nativos formaram, com o tempo, e preservaram até nossos dias, uma extraordinária variedade de formas de muitas espécies vegetais que são utilizadas hoje. Como exemplo, aclimataram quatro espécies de feijão comum (Phaseolus); diversas espécies de cucurbitáceas, como Cucurbita (C. pepo e C. maxima), Sicana, Cyclanthera e Sechium; diversas variedades de mandioca (Manihot utilissima), batata-doce (Ipomoea batatas), de inhames (Dioscorea dodecaneura, D. piprifolia e D. hastata, confirmando a carta de Caminha), carás (diversas espécies de Xanthosoma), diversas pimentas (Capsicum), tabaco (Nicotiana tomentosum e N. sylvestris), de bananas ou pacovás (Musa paradisiaca), de mamões (Carica candicans, C. candamarcencis e C. pentagona), goiaba (Psidium guajava) que se expandiram plenamente através de porcos e outros animais, algodão (Gossypium barbadense e G. hirsutum), pupunha (Bactris gasipaes), que foi melhorada por muitas populações indígenas, do cacau (Theobroma cacao), que foi melhorado por cultivadores aborígenes em tipos com sementes de sabor delicado e pobre em tanino, urucu (Bixa orellana), jenipapo (Genipa americana) e outras espécies. Outros trabalhos mostram também a paciente e continuada ação de melhoramento e cultivo de espécies vegetais na América do Sul e no Brasil. Kerr (1987) já informava que os índios caiapós selecionavam as 20 melhores espigas de milho para sementeira (utilizando onze cultivares) e conservavam o terço médio, depois de seco ao sol, em cabaças tapadas com cera. Segundo o mesmo autor, foram também selecionadas cultivares de abio (Pouteria caimito) que produziam frutos maiores (de até 1,8 kg), quando os frutos normais pesam cerca de 30 g; cultivares de mapati (Pourouma cecropiaefolia), melhorada pelos índios Tukuna e Tukano, selecionando cultivares com frutos maiores, alguns com mais de 3 cm de diâmetro. 146 A variabilidade de frutos selecionados pelos índios amazônicos pode também ser exemplificada no abacaxi, que apresenta variações de cor de fruto, sabor mais ou menos ácido e/ou doce e peso. Há a famosa cultivar de abacaxi de Tarauacá, no Acre, cujos frutos ultrapassam 12 kg. Kerr (1987) observou quatorze cultivares de banana plantadas pelos caiapós, diferenciadas pela cor, sabor e formato do fruto. Segundo Clement (1990), a pupunha foi melhorada em época remota, pelos indígenas amazônicos e colombianos, tendo diversas cultivares sido levadas para outros locais da Amazônia. As cultivares apresentam diferenças no sabor, teor de óleo, presença ou ausência de sementes, cor e tamanho de frutos e número de cachos por pé. No Acre, existe uma variedade de castanheira (Bertholletia excelsa) conservada pelos seringueiros na região de Xapuri, cujas sementes são quatro vezes mais pesadas que as normais. No que tange a raízes comestíveis, os índios caiapós utilizam mais de 22 cultivares de batata-doce, os índios Desâna utilizam mais de 40 cultivares de mandioca, que se diferenciam pela produtividade, cor e formato de folhas, precocidade, altura da planta e cor de raiz (Kerr, 1987). Os índios caiapós plantam 21 cultivares de cará às margens das grandes trilhas que unem as aldeias. Plantam duas cultivares por cova, provocando constante competição, com a seleção das melhores cultivares. Cherneca (1987) também verificou o cultivo 137 cultivares de mandioca pelos índios Tukano, em quatro aldeias, que se diferenciavam pelo número e formato dos lobos das folhas, cor das hastes e da folhagem nova, ramificação da planta e cor da raiz. Salick (1997) encontrou entre os Anuesha, no Peru, a seleção e conservação, através de métodos tradicionais indígenas, de diversas cultivares de mandioca, envolvendo quatro diferentes condições ambientais e 73 variedades, muitas delas resistentes a muitas pragas e doenças frequentes na região, confirmando o observado anteriormente por Boster (1984). Essas opções de utilização de espécies vegetais diferentes e não usuais garantem fontes alternativas para as mais diversas necessidades atuais e futuras da humanidade. Tal situação so- mente é possível com os conhecimentos etnobiológicos das mais diversas populações autóctones e/ou tradicionais de todo o país, que contribuíram e ainda contribuem com a produção de centenas de espécies domesticadas e a manutenção dos ambientes naturais onde vivem, permitindo a existência desses recursos, muito deles ameaçados pela desenfreada ação antrópica promovida pela expansão agropecuária. CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS VEGETAIS A prática agrícola requer, inevitavelmente, a existência de áreas abertas para o cultivo organizado de espécies úteis ao homem. Tal atividade pode ter maior ou menor influência negativa para o ambiente natural do lugar, conforme as técnicas e estratégias de cultivo adotadas. As práticas adotadas na agricultura do hemisfério norte, realizada pelos europeus, não foram plenamente eficientes, quando trazidas para os países tropicais, no melhor e racional aproveitamento dos recursos existentes, bem como não se mostraram adaptadas às condições edafoclimáticas tropicais. Ao contrário e mesmo que em menores extensões territoriais e para menores contigentes populacionais, as comunidades autóctones souberam desenvolver tecnologias adaptadas às condições ambientais, sociais e culturais locais. O entendimento da importância da floresta ou outra formação vegetal determinaram a utilização de práticas agrícolas e/ou manejo sustentável para a produção de diversas espécies úteis na América do Sul, que conservaram os biomas existentes. Posey (1984), em estudo sobre o sistema de manejo da floresta tropical dos índios caiapós, detalhou diversas estratégias adotadas na melhor utilização dos recursos naturais, sem sua depauperação. Diversas associações planta-solo-animais foram verificadas em diversas ecozonas. Manejo em florestas primárias e secundárias também são ações usadas para criar condições ambientais para algumas espécies úteis. O plantio em clareiras na floresta e ao longo dos caminhos entre as tribos demostram a harmonia e o entendimenHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MING. L.C. O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. to das relações entre os indígenas e o ambiente. Hiraoka (1992) e Padoch & De Jong (1992) estudaram o manejo de florestas secundárias por populações tradicionais nas várzeas amazônicas e verificaram a existência de um complexo sistema de utilização dos recursos naturais conforme o ciclo das águas dos rios, que inundam áreas ribeirinhas periodicamente. Diversas espécies são manejadas com grande sucesso nesses locais. A agricultura praticada por um enorme contigente de agricultores brasileiros, a de coivara ou itinerante, ou seja, a derrubada da mata, o plantio e o cultivo por alguns anos, o abandono da área e a abertura de nova área, é um sistema baseado no entendimento do processo de recuperação natural da pequena área desmatada, para utilização posterior. É uma prática agrícola branda, que permite o desenvolvimento do complexo biológico na área, após alguns anos de “repouso”. Dentre os seringueiros da região de Xapuri, Acre, tal processo é utilizado e as famílias locais preferem reutilizar áreas de capoeiras velhas para plantio de culturas a abrir novas áreas em floresta primária (Ming, 1994). Nas capoeiras o trabalho de derrubada é mais fácil e, além disso, nas área novas há espécies importantes para as famílias nas formações naturais primárias. Estes poucos exemplos podem trazer elementos comparativos entre as ações antrópicas desenvolvidas por diferentes povos, técnicas e interesses. Na atividade pecuária, os danos ambientais e a perda da biodiversidade são drásticos. Segundo Menezes (1994), 87% da área desmatada no Acre se destina à expansão pecuária. Os processos de colonização agrícola em Rondônia promovem as famosas “espinhas de peixe”, faixas enormes desmatadas ao longo das estradas, que são abertas para a definição dos loteamentos e a posterior e consequente formação das clareiras, observadas por fotografias de satélites. As comunidades tradicionais, com suas práticas menos agressivas ao ambiente, adaptadas às condições locais, são responsáveis diretamente pela manutenção e conservação dos recursos genéticos existentes nesses locais. Reconhecer esse fato é essencial para as políticas sociais e projetos a serem realizados daqui em diante. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DAS COMUNIDADES. Passar do reconhecimento do papel das comunidades tradicionais e seus conhecimentos no melhoramento e conservação dos recursos genéticos vegetais ao reconhecimento de seus direitos de propriedade intelectual seria um procedimento lógico, não fossem os grandes interesses econômicos e políticos envolvidos e as dificuldades inerentes dessa situação. Grande parte das comunidades tradicionais encaram seus conhecimentos acerca do uso, melhoramento e conservação dos recursos genéticos como um bem que pode ser compartilhado com outros, em benefício comum. Assim ocorreu e vem ocorrendo, com o intercâmbio de germoplasma melhorado, de informações técnicas adequadas, das estratégias utilizadas no manejo e conservação, do acesso a essas espécies; enfim, ações que, dentro do contexto cultural das comunidades, são encaradas como normais e amistosas, destituídas de qualquer intenção que não seja a de colaboração, seja quem for o interlocutor, parentes, amigos, outras comunidades, estudantes ou pesquisadores. Essa generosidade e fraternidade de ações foi aproveitada historicamente por outros povos e mais recentemente por indústrias. Há casos antigos, como o do curare, usado pelos índios amazônicos em suas armas para caça, que virou medicamento patenteado e produzido pela indústria farmacêutica ocidental, e casos mais recentes, como o de Thaumatococcus daniellii, planta que cresce nas florestas da África Central e Ocidental e que produz uma proteína, a taumatina, cerca de 2.000 vezes mais doce que a sacarose. Seus frutos são utilizados secularmente pelas populações autóctones como adoçante. Uma empresa americana obteve patente de todos os frutos, sementes e hortaliças transgênicas que contenham o gene responsável pela produção daquela proteína, pondo a perder todas as áreas plantadas com a espécie nos locais de ocorrência e sem retornar nenhum benefício às comunidades locais. O mercado potencial deste produto é estimado em um bilhão de dólares/ano, somente nos Estados Unidos (Posey & Dutfield, 1996). O desrespeito aos tradicionais deve ser urgentemente interrompido. A importância desses conhecimentos pode ser medida no crescente número de trabalhos, pesquisas, instituições, entidades e profissionais ligados à área etnobiológica, particularmente a etnobotânica. No Brasil, no ano passado, o próprio CENARGEN - Centro Nacional dos Recursos Genéticos, da EMBRAPA, firmou um acordo com populações indígenas amazônicas, para o retorno e acesso deles às suas próprias etnocultivares melhoradas de milho, conservadas em laboratórios, em uma ação inédita, bastante louvável, de reconhecimento do papel desempenhado no melhoramento e conservação dos recursos naturais. Ações para garantia dos direitos das populações tradicionais devem ser fruto de esforços conjuntos. Populações locais, que não conheciam esses direitos, começaram a se organizar. Entidades e organizações também contribuem para isso. Desde 1990, o Grupo de Trabalho em Direitos de Propriedade Intelectual vem desenvolvendo atividades com populações indígenas, organizações científicas e grupos ambientalistas para implementar uma forte estratégia para o uso dos conhecimentos tradicionais, no envolvimento de populações locais em estratégias de conservação e desenvolvimento e na implantação de alternativas de modelos de conservação centrados na população. Após a ECO92, as ações nessa área intensificaramse enormemente. Diversos eventos internacionais discutiram aspectos e situações reais, expondo uma grande gama de dificuldades de ordem científica, legal, econômica e política, muitas delas de difícil entendimento dada a complexidade e novidade do assunto. O Brasil, como país de maior diversidade vegetal do planeta e com sua rica diversidade cultural, não pode ficar fora dessa discussão. O fato de uma sociedade científica, como a Sociedade de Olericultura do Brasil, promover um fórum de debate sobre essa questão mostra concretamente que os pesquisadores brasileiros e outras categorias envolvidas se preocupam e querem dar sua 147 MING. L.C. O reconhecimento do papel das populações tradicionais no melhoramento e conservação de espécies vegetais. cota de participação. A questão não se encerra agora, muitas discussões precisam ainda continuar, buscando soluções que respeitem e beneficiem as populações tradicionais e sua cultura, mas marca o reconhecimento de sua importância em muitas das atividades relacionadas à horticultura no país. Um bom começo. LITERATURA CITADA BISTRE, J.S. Classification, cultivation and selection of Aguaruna cultivars of Manihot esculenta (Euphorbiaceae). Advances of Economic Botany, n. 1, p. 34/47, 1984. CHERNELA, J.M. Os cultivares de mandioca na área do Uaupés (Tukâno). In: RIBEIRO, D., ed. Suma etnobiológica brasileira, etnobiologia. 2. ed. 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Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 148-153. Palestra. Suplemento. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado no. 306, de 1995, de autoria da senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”1 The access law: comments on the Senate Law Project n. 306, from 1995, authored by senator Marina Silva, that “disposes about the access to genetic resources and their derivatives and regulates other procedures”. Fernando Antônio Lyrio Silva Consultor Legislativo do Senado Federal Palavras-chave: biodiversidade, regulação. Keywords: biodiversity, regulation. HISTÓRICO A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), um dos mais importantes resultados da Conferência do Rio, em 1992, representa uma importante mudança no tra- tamento dado aos recursos da biodiversidade. Com efeito, prevalecia, então, a definição de que esses recursos constituíam patrimônio comum da humanidade. Em contraposição, a idéia defendida especialmente pelos países do Sul, em 1992, enfim vencedora, propugnava pela adoção do conceito de preocupação comum da humanidade e é com este conceito que nos deparamos hoje ao lidarmos com uma proposta nacional para a formulação de uma lei de acesso a recursos genéticos. A idéia de uma lei que disciplinasse 1 Trabalho elaborado com diversos subsídios oriundos do trabalho de Francisco Eugênio Machado Arcanjo, Consultor Legislativo do Senado Federal, intitulado Convenção Sobre Diversidade Biológica e Projeto de Lei do Senado n° 306, de 1995: Soberania, Propriedade e Acesso aos Recursos Genéticos, 1997. O presente trabalho reflete o estágio atual da tramitação do PLS 306/95 no Senado Federal. 148 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SILVA, F.A.L. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado no. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. o acesso aos recursos genéticos nacionais no âmbito do Congresso Nacional remonta ao ano de 1995, quando o Senador Dirceu Carneiro apresentou projeto de lei que dispunha sobre os “instrumentos de preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético do País”. O projeto continha, em essência, os princípios básicos que deveriam reger a matéria e, por força das disposições regimentais do Senado Federal, não tendo sido apreciado antes do fim da legislatura, foi arquivado. Nesse período, tramitava no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara n° 115, de 1993, sobre direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Entre os temas mais debatidos, então, figurava a questão do patenteamento de formas de vida e suas repercussões na sociedade brasileira. Naquela oportunidade, a Senadora Marina Silva apresentou emendas que visavam assegurar direitos para comunidades locais e para populações indígenas, no que diz respeito ao uso de seus conhecimentos, inovações e práticas aplicados aos recursos biológicos. Ambas as emendas, discutidas sob intensa pressão internacional para aprovar uma legislação patentária o menos restritiva possível, foram rejeitadas. Antes que a Lei de Patentes fosse aprovada, a Senadora Marina Silva decidiu pela apresentação de um projeto de lei para disciplinar o acesso aos recursos genéticos brasileiros, o Projeto de Lei do Senado n° 306, de 1995 (PLS 306/95), que é hoje conhecido como projeto da Lei de Acesso. Havia, à época, plena consciência das dificuldades para uma tarefa de tal envergadura. Em particular, não existia, então, uma só legislação similar em outro país, a partir de onde se pudesse iniciar o trabalho. Partia-se apenas de disposições genéricas da CDB, que assim dispõe em seu artigo 15: “cada parte contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas (...) para compartilhar de forma justa e equitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a parte contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo”. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Em sua justificação ao Projeto, a Senadora Marina destacava que “(...) a biodiversidade ganhou em 92, ostensiva e definitivamente, a posição de eixo crítico e privilegiado de negociação política e econômica. (...) Na Conferência, ficou claro, de maneira pública, o que já se sabia nos circuitos especializados: biodiversidade é poder.” Com referência ao desafio que se apresentava, à existência de poucos parâmetros de referência para iniciar a discussão e à escassez de legislação comparada que pudesse ser usada como ponto de partida, a Senadora afirmava: “Temos consciência de que, sobre esta base, um longo caminho deverá ser percorrido no Congresso Nacional, para que possa ser contemplada a necessidade de uma ampla e profunda troca de conhecimentos e opiniões, entre cientistas, pesquisadores e técnicos, setores da população diretamente interessados e organizações não-governamentais que acumulam significativa experiência sobre o assunto”. Não havia, portanto, a despeito da importância e da necessidade de uma legislação de acesso aos recursos genéticos nacionais, qualquer interesse em que o Projeto fosse aprovado às pressas no Senado Federal. A idéia era que o Projeto pudesse ser amplamente discutido com diversos setores da sociedade brasileira, incluindo a comunidade de pesquisa, organizações não-governamentais e os diversos órgãos do Poder Público de alguma maneira ligados, direta ou indiretamente, à matéria. De fato, foi isso o que aconteceu. Desde sua apresentação no Senado Federal, em outubro de 1995, o projeto vem sendo alvo de intensas discussões em todo o País. Especificamente durante o ano de 1996, diversos eventos foram realizados com o objetivo específico de discuti-lo, destacando-se as três audiências públicas realizadas pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal (São Paulo, Manaus e Brasília) e o workshop “Acesso a Recursos Biológicos: subsídios para sua normatização”, uma promoção do Ministério do MeioAmbiente em parceria com o Senado Federal, com a EMBRAPA e com quatro organizações não-governamentais (WWF, ISA, Vitae Civilis e ASPTA). Além disso, durante esse período, houve intensa movimentação de segmentos interessados que apresentaram, ao Senado Federal, subsídios que representassem suas posições. Com esse nível de discussões, parece atendida a expectativa da Senadora Marina Silva com o presente projeto, o que assegura a ela lugar de destaque na tarefa a que o país vem se dedicando para encontrar instrumentos adequados para o uso e para a conservação da rica diversidade biológica nacional. É de se destacar, também, aqui, o papel do relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, o senador Osmar Dias. Com efeito, desde o momento em que foi designado relator da matéria, o senador não poupou esforços para que o maior número possível de interessados fosse ouvido, para que as audiências públicas fossem realizadas e para que houvesse um saudável contato de trabalho entre ele, na condição de relator, e a Senadora Marina Silva, na condição de autora do projeto. O projeto foi também distribuído, por requerimento do senador Lúcio Alcântara, à Comissão de Educação do Senado Federal, o que significa que, após sua aprovação na Comissão de Assuntos Sociais, o Projeto deve vir a ser discutido também nesta comissão. Esse requerimento pode ser retirado, a critério de seu autor, o que faria com que, uma vez aprovado o projeto na Comissão de Assuntos Sociais, seja ele imediatamente remetido à Câmara dos Deputados para nova rodada de discussões. O estudo sobre alterações no Projeto de Lei n° 306/95, preparado pela assessoria do senador Osmar Dias e que circulou entre as principais entidades e indivíduos que vêm acompanhando a tramitação do projeto, revela conteúdo que significa grande avanço em relação ao projeto originalmente apresentado. Alguns subsídios de última hora ainda têm chegado à autora do projeto, senadora Marina Silva, especialmente da parte de algumas organizações não-governamentais e, encaminhados ao relator, poderão ser incorporadas ao seu parecer. Uma vez apresentado à Comissão de Assuntos Sociais, espera-se que o parecer possa ser submetido a discussão e a votação ainda no mês de agosto próximo. 149 SILVA, F.A.L. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado n o. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. DESAFIOS Desde o início da concepção do projeto e até agora, durante todas as etapas de sua discussão, um conjunto de requisitos se constituíram os principais desafios para que se chegasse à versão que deve ser finalmente apresentada pelo senador Osmar Dias à Comissão de Assuntos Sociais. Eugênio Arcanjo, um dos consultores legislativos incumbidos tanto da redação inicial do projeto como do assessoramento ao relator, senador Osmar Dias, destaca que, ao contrário do que se poderia imaginar, as principais dificuldades enfrentadas não se referem “a conflitos de natureza política, ideológica ou técnica, como ocorreu no projeto de lei sobre propriedade industrial e, em menor escala, no projeto de lei sobre cultivares. O principal obstáculo da proposta (...) tem sido o marcante caráter inovador da legislação, ante o qual se agrupa todo o atual esforço de composição política e técnica em torno do projeto, envolvendo Governo, sociedade civil e Legislativo”. De fato, é interessante observar que a maior parte daqueles que se têm envolvido com o debate em torno da Lei de Acesso comungam de posições bastante semelhantes e defendem, basicamente, os mesmos princípios, aquilo que Arcanjo tem chamado de “agenda do acesso”, presente na CDB e norteadora do projeto de lei nacional. Segundo a tal “agenda”, a idéia que se tem procurado imprimir ao projeto em discussão no Senado Federal é a elaboração de um instrumento normativo que discipline o uso do recurso genético para fins científicos ou comerciais (que, em última análise, é o que estamos chamando de acesso aos recursos genéticos), a partir das seguintes premissas: - sustentabilidade ambiental, o que implica dizer que os avanços econômicos e tecnológicos obtidos com os recursos genéticos do País não se darão às custas da qualidade do meio-ambiente, em especial da integridade do patrimônio genético e da diversidade biológica do País; - soberania nacional sobre os recursos genéticos e seus produtos derivados existentes no território nacional, dentro do que prevê a CDB; 150 - respeito aos direitos de propriedade material e imaterial, incluindo os recursos naturais, coleções privadas de recursos genéticos, conhecimentos tradicionais, cultivos agrícolas e propriedade intelectual; - repartição eqüitativa dos benefícios financeiros e tecnológicos derivados do acesso aos recursos genéticos; - proteção às comunidades locais e às populações indígenas, reconhecendose seu importante papel na proteção da biodiversidade e assegurando-lhes retribuição eqüitativa e justa pela eventual utilização de seus conhecimentos; - transferência e fixação de tecnologias apropriadas, em particular a biotecnologia, voltadas para o uso dos recursos genéticos. Até o momento, não se têm verificado embates acentuados em torno das premissas acima, que têm sido aceitas e reconhecidas pelos principais interlocutores do Congresso Nacional na discussão da Lei de Acesso. Os debates e as polêmicas têm se concentrado, em particular, na forma, nomenclatura e conceituação de idéias que possam produzir, mais do que uma declaração de princípios, um efetivo instrumento para disciplinar o acesso aos recursos genéticos do País e regular as relações daí decorrentes de maneira justa para a nação e sua sociedade. Para isso, têm-se conjugado esforços por parte de cientistas, acadêmicos, políticos, representantes de organizações não-governamentais e de órgãos governamentais, em busca das melhores formas de elaboração legislativa para registrar propostas que, se não constituem, ainda, acirrada fonte de divergências, estão longe de constituírem consenso quanto à forma em que devem ser apresentadas. Da mesma maneira, praticamente todos os países do planeta, independentemente de serem ricos ou pobres em diversidade biológica, bem como organismos internacionais especializados e a Conferência das Partes da CDB, têm dedicado especial atenção à elaboração de regimes adequados para disciplinar o acesso aos recursos genéticos e aos efeitos dessa atividade nas relações entre os países. A tarefa a que o Congresso Nacional tem se dedicado, portanto, é adequar a “agenda do acesso” a um regime que seja não apenas adequado ao País mas, também, reconhecido e aceito pelos países detentores de tecnologia e, supostamente, interessados nos recursos genéticos nacionais. Reconhece-se, até aqui, que a elaboração de uma lei cuja execução seja considerada excessivamente complexa, burocrática ou xenófoba trará, como principal efeito, a manutenção da clandestinidade em que se processa o acesso aos recursos genéticos no País, a perpetuação da “pirataria genética” e, na melhor das hipóteses, à formulação de acordos paralelos, à margem da lei, entre prospectores biológicos e provedores de recursos genéticos. Superada essa etapa, onde os embates têm sido mais de ordem técnica do que de vontade política, voltados para a busca de referências e terminologia comuns, muito provavelmente os esforços que se conjugam no Congresso Nacional venham a desvendar as diferenças de cunho ideológico e político que hoje não estão aparecendo de maneira muito clara. Um exemplo ilustrativo dessa perspectiva encontra-se na questão dos direitos das comunidades locais e populações indígenas. O projeto tem como um de seus pontos basilares o respeito a essas sociedades, às terras que ocupam e a seus conhecimentos tradicionais, mas, sabidamente, esse enfoque encontra resistências em diversos segmentos da sociedade brasileira, que se manifestarão mais cedo ou mais tarde. O PROJETO EM GESTAÇÃO Do ponto de vista exclusivamente regimental, a versão oficial que se tem do projeto é ainda a que foi apresentada pela Senadora Marina Silva, em 1995. O parecer do relator, Senador Osmar Dias, ainda não foi apresentado à Comissão de Assuntos Sociais, para que possa ser discutido e votado, o que não nos permite fazer afirmações quanto ao conteúdo das alterações que venham a ser feitas ao projeto original. Baseamonos, aqui, nos resultados das consultas, das audiências públicas e dos workshops realizados, que permitem vislumbrar uma série de aperfeiçoamentos que podem ser incorporados à versão original do projeto. Assim, nada do que aqui se expõe é considerado oficial, sob a ótica Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SILVA, F.A.L. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado no. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. do relator ou do Senado Federal, refletindo apenas nossa opinião pessoal. O que se propõe aqui, a título de análise do projeto, são breves comentários sobre as principais questões que têm sido alvo das discussões e apresentar as propostas que, até o momento, têm maior probabilidade de serem incorporadas ao texto que o Senado vier a aprovar. Objeto - Após muitos debates em torno da abrangência da Lei de Acesso, entende-se que a lei deva ter alcance suficientemente amplo para regular direitos e obrigações relativos ao acesso a: · recursos genéticos, material genético e produtos derivados, em condições ex situ ou in situ, existentes no território nacional ou dos quais o Brasil é país de origem; · conhecimentos tradicionais das populações indígenas e comunidades locais associados a recursos genéticos ou produtos derivados; · cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados no Brasil. Regime de propriedade dos recursos genéticos - Esse é, sem dúvida, um aspecto complexo da legislação de acesso. Trata-se, aqui, de definir a relação de titularidade patrimonial que deve reger os recursos genéticos do País, em especial no que tange ao papel do Poder Público, considerando-se que se quer caracterizar um bem sobre o qual recai o interesse público (portanto, um bem público), mas para o qual se admitem algumas formas de apropriação privada (que vêm a ser as razões que justificam um procedimento de acesso a recursos genéticos). Com base nesse entendimento, Arcanjo propõe que a melhor classificação para os recursos genéticos, no que tange à sua titularidade, é a de bens comuns de uso especial, definidos pelo especialista em direito administrativo José Cretella Júnior como “toda parte do domínio público sobre o qual determinadas pessoas exercem direitos de uso e gozo, mediante outorga (...) do poder público, através dos institutos da permissão ou da concessão”. Ressaltase, assim, o interesse público na tutela desses bens, possibilitando-se, porém, formas de apropriação privada segundo o poder discricionário da autoridade competente. Essa tem sido também a opção de países que aprovaram recentemente Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. legislação específica de acesso a recursos genéticos, como o Equador e as Filipinas. Direitos de propriedade material e imaterial - A aceitação e a viabilidade política da Lei de Acesso que se discute está condicionada ao respeito a direitos de propriedade material e imaterial, reconhecidos legal e constitucionalmente, em particular aqueles relativos: · aos recursos naturais que contêm o recurso genético ou produto derivado; · à coleção privada de recursos genéticos ou produtos derivados; · aos conhecimentos tradicionais das populações indígenas e comunidades locais associados a recursos genéticos ou produtos derivados; · aos cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados no Brasil. Repartição dos benefícios - Da mesma forma como previsto na CDB, a Lei de Acesso deverá incluir a garantia de repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados do acesso aos recursos genéticos e produtos derivados, aos conhecimentos tradicionais das populações indígenas e comunidades locais associados a recursos genéticos ou produtos derivados e aos cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados no Brasil. Acesso aos recursos genéticos humanos - Os objetivos da Lei de Acesso nos levam a acreditar que não é adequado nem oportuno tratar, nesta proposta, do acesso aos recursos genéticos humanos, que deve ser devidamente excepcionado do escopo da lei. Definições - O uso de definições no processo de elaboração legislativa não é usual no Brasil. Contudo, em casos específicos, entende-se que a harmonização de conceitos pode revelar-se fundamental no entendimento e na aplicação da lei. Esse é, evidentemente, o caso da Lei de Acesso, cujo debate envolve termos e expressões que não fazem parte do universo legislativo, alguns objeto de polêmicas e de interpretações diferenciadas que justificam a inclusão de conceitos e definições na lei nacional Autoridade competente - Por força de dispositivos da Constituição Federal, um projeto de lei iniciado no Congresso Nacional não pode, sob pena de vício de origem, dispor sobre criação, estruturação e atribuições dos ministérios e órgãos da administração pública. Assim, o projeto não deverá referir-se explicitamente a nenhum órgão governamental, utilizando-se apenas da expressão genérica “autoridade competente”. Caberá a esse órgão, a ser designado pelo Poder Público, toda a elaboração, coordenação e execução da política nacional de acesso a recursos genéticos, em conformidade com as diretrizes da Comissão de Recursos Genéticos, instância consultiva cuja criação se propõe no estudo realizado por Arcanjo para alterações ao projeto. Do acesso a recursos genéticos em condições in situ - Como requisito fundamental de qualquer procedimento de acesso, deve ser prevista a autorização prévia pela autoridade competente e a assinatura e publicação de contrato entre a autoridade competente e as pessoas físicas ou jurídicas interessadas. O estudo para alterações ao projeto prevê, ainda, a figura das “agências de acesso”, entidades públicas e organizações privadas sem fins lucrativos que poderão requerer acesso em nome de terceiros, negociar contratos conexos e cláusulas de proteção de direitos relativos à conhecimento tradicional, bem como gerenciar projetos e aplicações de recursos advindos dos contratos de acesso. Embora haja divergências quanto ao grau de detalhamento que deve constar na Lei de Acesso no que tange à solicitação e ao projeto de acesso, entende-se que, minimamente, a lei deverá referenciar-se à exigência de apresentação, pelos solicitantes, dos dados de identificação das diversas entidades e dos respectivos responsáveis, de informações sobre os recursos financeiros previstos para o projeto, dos métodos a serem utilizados, da localização precisa onde se fará o acesso e do destino do material coletado. Em adição, os procedimentos de acesso deverão ser acompanhados por uma instituição pública a ser especificamente aprovada ou designada pela autoridade competente, ressalvando-se que convênios especiais poderão ser feitos com instituições de ensino e pesquisa públicas ou de utilidade pública, que seriam, nesse caso, dispensadas dessa exigência. Finalmente, entende-se que a Lei de 151 SILVA, F.A.L. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado n o. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. Acesso deverá prever publicidade para todos os atos administrativos que estabelece, bem como a possibilidade de manifestação por parte de qualquer interessado. Contrato de acesso - Deverá ter, como partes, o Estado, representado pela autoridade competente, o solicitante do acesso, a agência de acesso e o provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, nos casos de contratos de acesso que envolvam estes componentes. Contratos acessórios - Quando a solicitação de acesso envolva um conhecimento tradicional ou um cultivo agrícola domesticado, o contrato de acesso incorporará, como parte integrante, um anexo, denominado contrato acessório de utilização de conhecimento tradicional ou de cultivo agrícola domesticado, subscrito pela autoridade competente, pelo provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola domesticado, pelo solicitante e pela agência de acesso, quando for o caso, que estabeleça a compensação justa e eqüitativa relativa aos benefícios provenientes dessa utilização, indicando-se expressamente a forma de tal participação. Contrato conexos - O projeto deverá prever a existência de contratos não diretamente relacionados à atividade de acesso (esses têm que ser celebrados com a autoridade competente), como, por exemplo, os contratos dos prospectores com o dono da terra onde se localizam os recursos genéticos ou com a comunidade local ou população indígena (quando não estiverem envolvidos conhecimentos tradicionais). Esses contratos referem-se, basicamente, ao tipo de benefício que essas pessoas obterão a partir do acesso e deverão estipular uma participação justa e eqüitativa às partes nos benefícios resultantes do acesso ao recurso genético, indicando-se expressamente a forma de tal participação. Do acesso a recursos em condições ex situ - Outro ponto polêmico da lei que se discute. Parece haver consenso quanto à necessidade da existência de contratos de acesso a recursos genéticos depositados em centros de conservação ex situ localizados no território nacional ou em outros países (neste caso, quando o Brasil for o país de origem dos 152 recursos). Também não restam muitas dúvidas de que os acordos de transferência de material genético ou análogos entre centros de conservação ex situ ou entre estes centros e terceiros, internamente ou mediante importação ou exportação, constituem modalidades de contratos de acesso e que, portanto, devem ser regidos pela lei que aqui se discute. As dúvidas surgem quando se discute a abrangência dessa proteção a recursos genéticos ex situ. É sabido que os principais cultivos alimentares utilizados no País são dependentes de germoplasma exótico. O fato de o Brasil ser rico em diversidade biológica não quer dizer, necessariamente, que o País seja auto-suficiente na produção de alimentos. A situação mundial é de extrema interdependência no que se refere aos recursos genéticos para agricultura e, mais especificamente, para alimentação. Por esse motivo, muitos estudiosos propugnam por um regime de exceção para esses recursos que compõem a matriz alimentar do País. Aparentemente, ao defender de maneira veemente a troca do sistema vigente de livre troca de recursos genéticos para agricultura e alimentação, o Brasil optou por um sistema que pudesse, no longo prazo, assegurar sua propriedade sobre a rica diversidade biológica silvestre e a transferência de tecnologia que vem associada à negociação sobre o acesso aos recursos genéticos. Esse é, porém, um aspecto da CDB ainda mal resolvido, o qual não pôde ser apropriadamente conduzido nas reuniões preparatórias para redação do texto da Convenção, fazendo com que a reunião de Nairobi, a última antes da Rio-92, reconhecesse a necessidade de se elaborar melhor esse significante e contencioso tema junto à FAO (Food and Agriculture Organization), o organismo internacional que defendeu e popularizou o conceito de “patrimônio comum da humanidade”. Proteção do conhecimento tradicional associado a recursos genéticos - A autora do PLS 306/95, senadora Marina Silva, manifestou, desde o início, sua preocupação com a proteção dos conhecimentos das comunidades locais e das populações indígenas, empenhando-se no sentido de que qualquer regi- me de acesso que se estabeleça no País tenha, como princípio básico, a integridade intelectual do conhecimento tradicional e a garantia de seu reconhecimento, de sua proteção e de compensação justa e eqüitativa pelo seu uso. Esse é, contudo, o princípio da lei onde se têm encontrado as maiores dificuldades, no nível técnico, jurídico e político. Procura-se, aqui, criar um sistema que não existe, ainda, funcionando efetiva e eficazmente, em qualquer outro país. Um sistema denominado sui generis, uma vez que nenhum dos institutos de proteção ao conhecimento hoje conhecidos - patentes, direitos autorais, certificado de inventor, cultivares, entre outros - se revela apropriado para os conhecimentos tradicionais. Nesse sistema, que deve prever a repartição dos benefícios derivados do acesso aos recursos genéticos, deve constar, também, a necessidade de consentimento prévio das comunidades locais e das populações indígenas para as atividades de acesso aos recursos genéticos situados nas áreas que ocupam, aos seus cultivos agrícolas domesticados e semi-domesticados e aos conhecimentos tradicionais que detêm. Como fundamento de um sistema sui generis, ainda, a Lei de Acesso deverá caracterizar a diferença entre os direitos de propriedade intelectual (fundamentados basicamente na retribuição financeira pelo uso do conhecimento) e os direitos relativos aos conhecimentos tradicionais, que se distinguem pela sua inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. O uso desses direitos só é admitido após o consentimento da comunidade ou população envolvida e mediante a devida compensação. Desenvolvimento e transferência de tecnologia - Como prevê a CDB, a lei nacional deve ser elaborada de forma que o acesso aos recursos genéticos propicie ao País a partilha dos benefícios resultantes e o ganho de tecnologias relevantes, incluindo biotecnologia. Para isso, o Poder Público deverá apoiar o desenvolvimento e a aquisição de tecnologias nacionais para o estudo, uso e melhoramento dos recursos genéticos, bem como a criação, manutenção e aperfeiçoamento dos conhecimentos tradicionais das comunidades locais e popuHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SILVA, F.A.L. A lei de acesso: comentários sobre o projeto de lei do Senado n o. 306, de 1995, de autoria da Senadora Marina Silva, que “dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados e dá outras providências”. lações indígenas, além de criar mecanismos para assegurar e facilitar aos pesquisadores nacionais o acesso a tecnologias apropriadas para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. Infrações e sanções administrativas e penais - O Senado Federal acaba de aprovar projeto de lei que define os crimes e as infrações administrativas contra o meio-ambiente, incluindo avanços que podem ser incorporados pela Lei de Acesso, como o princípio da responsabilidade civil objetiva e a responsabilização penal da pessoa jurídica, entre outros. As penas previstas deverão ser severas o suficiente para que tenham efeito dissuasivo e as modalidades de sanções administrativas ao alcance da autoridade competente deverão constar de forma explícita, de forma a simplificar e tornar mais ágil a fiscalização e o cumprimento da lei. CONCLUSÃO A Lei de Acesso, de autoria da senadora Marina Silva, ora em tramitação no Senado Federal e aguardando parecer do senador Osmar Dias, tem mostrado ao País o quão difícil é a tarefa de disciplinar o acesso e o uso dos recur- Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. sos genéticos nacionais, em função da complexidade da matéria e da falta de conhecimentos técnicos universalmente aceitos em todas as áreas. O uso de conceitos e de regras para os procedimentos de acesso é uma tarefa tão mais complexa quanto mais se aproxime dos aspectos econômicos que envolvem a questão. Por isso, o resultado mais importante até agora obtido na tramitação do PLS 306/95 é o próprio processo de discussão a que o projeto vem sendo submetido, o que tem proporcionado o envolvimento de todos os tipos de entidades e indivíduos que possam oferecer subsídios a uma matéria de natureza tão ampla e pouco explorada. Nesses quase dois anos de existência do projeto, observou-se uma formidável conjugação de esforços por parte de diversos segmentos da sociedade brasileira, incluindo-se aí universidades, centros de pesquisa, comunidades locais, populações indígenas, organizações não-governamentais e órgãos do Poder Executivo. Esse esforço foi coordenado e articulado pelo Senado Federal, que, até o momento, não tem poupado esforços para viabilizar, por meio de audiências públicas, workshops, debates, consultas e conversas, o maior número de aportes e subsídios que possam ser oferecidos ao projeto original. A forma com que o projeto vem sendo discutido possibilitou que a denominação Lei de Acesso se tornasse de uso corrente, antes que, como de costume, se batizasse a Lei como Lei Senador Fulano ou Lei Senador Ciclano. Essa importante mudança de hábitos políticos é certamente a razão pela qual estão sendo vencidas resistências de cunho partidário ou pessoal e para que as discussões se concentrem naquilo que é essencial para a definição de um regime de acesso aos recursos genéticos nacionais, tarefa, por si só, grandiosa e complexa. O Projeto ainda tem um longo caminho a percorrer antes de sua transformação em norma jurídica: aprovação no Senado, discussão e aprovação na Câmara dos Deputados, retorno ao Senado e sanção presidencial. Em cada uma dessas etapas, abrem-se novas oportunidades de discussão, de esclarecimentos, de superação de divergências e de formulação de conceitos. Esse é o verdadeiro e ideal caminho da elaboração legislativa e a esperança de que o Brasil venha a ter uma Lei de Acesso que, de fato, se constitua instrumento de desenvolvimento para o País, de conservação e de uso sustentável da diversidade biológica e de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. 153 CASALI, V.W.D. O impacto da lei de propriedade industrial e de proteção de cultivares na olericultura brasileira. Horticultura Brasileira, v. 15, p. 154-156, 1997. Palestra. Suplemento. O impacto da lei de propriedade industrial e de proteção de cultivares na olericultura brasileira. The impact of the industrial property and cultivar protection law on the Brazilian horticulture. Vicente Wagner D. Casali UFV - Depto. de Fitotecnia, 36.571-000 Viçosa - MG. Palavras-chave: legislação, patentes, biotecnologia, organismos geneticamente modificados, biodiversidade. Keywords: regulation, patents, biotechnology, genetic modified organisms, biodiversity. INTRODUÇÃO N a história da agricultura, o germoplasma foi a matériaprima livremente usada pelos seres humanos para a co-evolução da agricultura. A história da humanidade não é a história do desenvolvimento tecnológico, mas a história da evolução do pensamento. Primordialmente o pensamento era ocupado com a sobrevivência. Depois, desenvolveu-se para o pensamento analógico e tornou-se dedutivo para precipitar-se no pensamento objetivo (com o qual fez a revolução industrial e a tecnologia). Agora, a degradação levou-o ao pensamento holístico que agarrou-se na globalização, onde a pobreza compete com a riqueza, sendo a patente um instrumento de legalização. A geração de 1940-50 nasceu por conta da natureza; a de 60-80, por conta do consumismo. A geração do final do século nascerá por conta de qual poder? Seremos filhos de quem? Seremos multinacionais? LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL A nova Lei de Propriedade Industrial (no 9.279-96), assinada em 14 de maio de 1996 e publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União, passou a validar os direitos retroativos da indústria química e farmacêutica instantaneamente. Os outros direitos, quase todos, passaram a vigorar a partir de 15 de maio de 1997. Cruelmente o Brasil passa a pagar “royalties” sobre produtos que não seriam patenteáveis por já se encontra154 rem no domínio público (artigo 230) exatamente por causa desse retroativo. Uma vez que sejam declarados pelo requisitante como invenção, os remédios, os alimentos e as biotecnologias, assim como os microorganismos transgênicos são doravante patenteáveis (artigo 18). E o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) passa a decidir sobre a legitimidade, a capacidade técnica e a capacidade econômica dos empresários nacionais com vistas à fabricação dos produtos patenteados e importados por multinacionais (artigo 68). E a pirataria é sumariamente culpada até que prove o contrário nos tribunais (artigo 42 e 206). No artigo 10, inciso IX, está explícito e claro que não são patenteáveis, em razão de não serem considerados invenções, “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais”. Esse artigo limitou as intenções de poder imperial ambicionadas pelo governo enquanto engessado pelas multinacionais, no que se refere a produtos e processos naturais. A pressão dos ambientalistas, cientistas, filósofos e religiosos, dentre outros, contra o patenteamento dos seres vivos resultou numa conquista que se limita aos artigos 10 e o 18. Nesse artigo 18, inciso III, o patenteamento é restrito aos microorganismos transgênicos que atendam aos requisitos específicos da patenteabilidade, quais sejam: a novidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial. As descobertas em si não são patenteáveis. O microrganismo transgênico é definido como “organismo, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais”. A interpretação dos artigos 10 e 18, plenamente compreensível pela comunidade científica, a qual, aguarda otimista o entendimento da comunidade jurídica, assim como o respeito humanista dos interessados exclusivamente em monopólios e lucros, é que, absolutamente nenhum ser vivo ou processo biológico natural, e nenhuma planta ou animal como estão e são, serão patenteáveis. O que foi deixado como ponto vulnerável, ainda anterior às intenções do lobo à jusante sobre o cordeiro bebendo água à vazante, é que, no artigo 10 não foi estabelecido claramente o que é natural e o que é invenção para seres vivos, com referência às partes que os compõem e os processos biológicos que lhes são intrínsecos. Das descobertas de Einstein fizeram a bomba atômica. Das intenções do governo, apoiadas e promovidas pelas multinacionais no sentido de dar prioridade ao patenteamento das tecnologias estrangeiras, resultou que o artigo 18, que trata das invenções não patenteáveis, não se refere aos processos biotecnológicos que, portanto, serão patenteáveis, do mesmo modo que as metodologias mecânicas e químicas sempre foram. Não tendo sido estabelecidas as condições de acesso aos processos biotecnológicos, o Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. CASALI, V.W.D. O impacto da lei de propriedade industrial e de proteção de cultivares na olericultura brasileira. Brasil fica sob o domínio dessas patentes ao desenvolver suas próprias invenções, novidades e aplicações industriais. Sendo assim o patenteamento direto de plantas e animais está impedido pela lei, mas o patenteamento indireto está aberto, pois a patente sobre um processo biotecnológico para a criação de uma planta ou animal transgênico concede os mesmos direitos sobre a planta ou animal obtido (artigo 42, II). Em razão de não haver limitação sobre a patente de genes de bactérias transgênicas quando estes são transferidos via engenharia genética para o genoma de plantas ou animais, a reprodução das plantas e animais transgênicos implica na reprodução de um gene patenteado. Portanto, plantas e animais não patenteáveis, segundo o artigo 18, são monopolizáveis pelas patentes do processo biotecnológico e do microorganismo transgênico empregados na “nova invenção”. De acordo com a nova lei, os projetos, exceto das indústrias farmacêuticas, química e de alimentos, empregando tecnologia de ponta, ao requererem patentes, poderão ter o parecer negativo de acordo com o artigo 229 e, nas próximas proposições de financiamento, já devem incluir eventuais “royalties” nos orçamentos que, inclusive, poderão ser cobrados retroativamente. Levando-se em conta que há uma pressão para que as pesquisas sejam direcionadas para o mercado, o artigo 43 alerta os pesquisadores para usarem as técnicas pagando os direitos de patente antes de inventarem suas próprias. LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES A Lei de Proteção de Cultivares (no. 9456-97), publicada no Diário Oficial da União no dia 28 de abril de 1997 protege os direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar e dá outras providências. No artigo 9 merecem destaque as restrições impostas pela lei e que influenciam as atividades na área de olericultura. O titular (dono) de uma cultivar adquiriu o direito da reprodução comercial, ou seja, é proibido a pessoas ou empresas a produção, com fins Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. de venda, das sementes da nova cultivar; somente o titular pode autorizar essa operação durante o período da proteção. As cultivares lançadas por órgãos de pesquisa pública, sem proteção requerida ou concedida, podem ser comercializadas livremente, como para todas as cultivares antes dessa lei. As novas cultivares com proteção concedida poderão ser monopolizadas à medida que as pequenas empresas forem desaparecendo. A doação de sementes da cultivar protegida é possível, sem sanções, quando não for nominada a semente doada. A troca de sementes entre pequenos agricultores é permitida, respeitada a definição de pequeno agricultor na lei. O artigo 9 pela sua fundamental conceituação será transcrito: “A proteção assegura ao seu titular o direito à reprodução comercial no território brasileiro, ficando vedado a terceiros, durante o prazo de proteção, a produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou à comercialização, do material de propagação da cultivar, sem sua autorização”. A utilização de uma cultivar em cruzamentos deve respeitar a lei de proteção e a cultivar obtida utilizando-se a cultivar protegida como progenitor só poderá ser comercializada se ocorrer autorização do titular. A cultivar protegida pode ser utilizada na pesquisa científica pois não fere o direito de propriedade (artigo 10). Uma cultivar derivada da protegida poderá ser explorada comercialmente mediante autorização do titular da proteção. A cultivar derivada deve ser distinta da protegida por margem mínima de descritores previstos em critérios de órgão competente (ainda a ser estabelecido). A lei prevê uma declaração de uso público da cultivar protegida para atender necessidades da política agrícola nos casos de emergência, abuso do poder econômico e para usos não comerciais. Esse dispositivo pode atender os programas de distribuição gratuita de sementes promovidos por prefeituras. Há possibilidades de cancelamento da proteção quando ocorrerem, dentre outras situações, a perda de homogeneidade ou estabilidade ou quando for comprovado que a cultivar tenha causado impacto desfavorável ao ambiente ou à saúde humana. As cultivares suscetíveis a doenças e pragas são passíveis de cancelamento quando exigirem a aplicação de doses de agrotóxicos que causem riscos à saúde. Assim também as cultivares resistentes a herbicidas, com o uso contínuo, com acompanhamento e com um relatório de impacto ambiental, podem ser canceladas. LEI DE ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS Esse procedimento legal é um reconhecimento dos direitos soberanos dos países sobre seus recursos naturais, diante do lema tendencioso de que os recursos genéticos eram patrimônio comum da humanidade. Na realidade são, exceto no sentido do mercantilismo. Diante dessa definição soberana, a biodiversidade revela-se como objeto de poder. A convenção sobre diversidade biológica se fundamenta em três objetivos: a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias e mediante financiamento adequado. Esse propósito visa disciplinar, acompanhar e contabilizar as compensações das práticas de biopirataria e garimpo genético, ou seja, a invasão de nosso território por empresas com o objetivo de apropriar-se de recursos genéticos. Tem-se em vista a justa retribuição ao conhecimento e a conservação dos recursos genéticos pelas comunidades indígenas e assemelhadas. O texto contém os princípios: a) soberania na inalienabilidade dos direitos sobre a diversidade biológica e recursos genéticos existentes no território nacional; b) a participação das comunidades locais e dos povos indígenas nas decisões, que tenham por objetivo o acesso em suas áreas; c) a participação nacional nos benefícios econômicos e sociais decorrentes do acesso, especialmente em proveito das comunidades locais e povos indígenas envolvidos; d) a proteção e o incentivo à diversidade cultural e ; e) a garantia dos direitos in155 CASALI, V.W.D. O impacto da lei de propriedade industrial e de proteção de cultivares na olericultura brasileira. telectuais comunitários sobre os conhecimentos associados à biodiversidade, de maneira que se reconheçam sua proteção e remuneração. Há ainda um capítulo com as definições das obrigações institucionais, porém as responsabilidades do órgão encarregado serão estabelecidas em regulamentação posterior. As normas para acessar são fixadas. Em se tratando de terras indígenas ou comunidades, deverá haver audiência e participação nos trabalhos por representantes dessas comunidades. Normas de biossegurança, de proteção ao ambiente, de repasse de informações a instituições federais, de participação nacional nos benefícios gerados, constam do documento. Alguns aspectos que devem ser considerados nessa lei são identificados nos seguintes itens: a) há garantias de propriedade intelectual e os países detentores da biodiversidade condicionam o acesso a seus recursos genéticos a transferências de tecnologia e compensações econômicas; b) os dispositivos da lei são instrumentos de negociação em que o gestor é o Estado; c) as conceituações de comunidade local são levantadas as- 156 sim como a repartição de benefícios. Alguns comentários devem ser feitos quanto à repartição de benefícios que naturalmente não serão um pagamento pelo produto gerado a partir de seus recursos, além disso deverá ser assegurado às comunidades o direito de negarem o acesso a seus recursos genéticos ou conhecimentos. CONSIDERAÇÕES GERAIS Em termos econômicos é bom refletir sobre o exemplo modesto e curioso de duas espécies de tomates verdes silvestres encontrados no Peru na década de 60. Os genes responsáveis pelo acréscimo de pigmentação e teor de sólidos solúveis valem aproximadamente US$ 5 milhões por ano à indústria processadora de tomate. Outra reflexão é que a extinção de espécies vegetais pode significar também o desaparecimento de bilhões de dólares em fármacos derivados cujo valor de mercado, em 1980, era US$ 8 bilhões. Esses exemplos ilustram que a cada nova avaliação do sistema mercantilista imposto à humanidade pelo poder econô- mico, os interesses industriais são fortalecidos, mas os direitos da sociedade são enfraquecidos e o planeta está mais pobre nos seus recursos naturais. Os monopólios avançam e as dependências dos agricultores aumentam. Sob o jugo de quem nascerão nossas próximas gerações? Vai ser necessário uma patente para nascer? Pertencemos todos ao mesmo planeta e por isso vozes de contestação e reflexão devem se fazer ouvir. Os líderes dos recursos financeiros não apreciam ouvir os contrários, mas os ouvem, por isso é preciso primeiro apontar o lado cruel do patenteamento para, depois, conviver com o sistema e ajudar no direcionamento de caminhos alternativos para as próximas gerações de líderes, já que a atual está apegada demais aos valores materiais e esquecida de valores humanísticos. A empresa está hierarquicamente colocada em maior importância que o ser humano. Mas não esqueçamos que a dívida atual dos seres humanos para com o planeta Terra é de US$ 33 trilhões. Isso é o quanto foi retirado “gratuitamente”. Será que vamos avançar nosso pensamento historicamente para o pensamento holístico? Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MORALES, E.A.V. & MARTINS, E. de V. Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, suplemento, p. 157-159, 1997. Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos. The rate of GENAMAZ network on conservation and use of the Amazonic resources. Eduardo A. V. Morales1, Everaldo de V. Martins2 1 Embrapa - Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Ocidental, C. Postal 319, 69011-970 Manaus - AM; 2 SUDAM - Gerência de Programas de Ciência e Tecnologia, Av. Almirante Barroso 426, Bloco C - 4o. andar, 66090-000 Belém - PA Palavras-chave: biodiversidade, desenvolvimento sustentável, pesquisa e desenvolvimento. Keywords: biodiversity, sustainable development, research and development. CONCEITUAÇÃO A Rede para Conservação e Uso dos Recursos Genéti cos Amazônicos GENAMAZ - faz parte de um conjunto de estratégias adotadas pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM - para promover o desenvolvimento sustentável da região amazônica (SUDAM, 1996), dentro de uma relação harmônica entre a conservação de sua biodiversidade e o estímulo ao crescimento da economia regional. Na prática constitui uma rede amazônica interinstitucional, organizada sob o marco da SUDAM, através do Grupo de Ciência e Tecnologia. Está fundamentada no Plano de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM, 1993), onde a biodiversidade presente nos ecossistemas amazônicos destaca-se como um dos maiores potenciais a serem oferecidos para o terceiro milênio. PROPOSTA A GENAMAZ, ao mesmo tempo em que apoia ações voltadas para conservação e qualidade ambiental do bioma, em benefício da humanidade, apoia também ações voltadas a disponibilizar e promover a utilização sustentável de informações sobre o potencial socioeconômico de flora, fauna e micobiota amazônica. Sua proposta esta voltada para a organização de mecanismos técnico-institucionais de articulação entre as políticas nacionais e regionais para a conservação e uso dos recursos genéticos da Amazônia, estimulando a transformação do potencial natuHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. ral em fonte de renda, de emprego e de bem estar da sociedade amazônica. Os conceitos organizacionais da GENAMAZ repousam sobre o papel estratégico que as atividades de P & D, principalmente quando em redes institucionais, representam para o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia. Como estratégia para superar ações pontuais, muitas vezes voltadas para o corporativismo acadêmico com baixos níveis de eficiência e eficácia (Carneiro, 1995), a GENAMAZ estimula: (i) o levantamento de demandas como mecanismo para priorizar tecnologias, serviços, produtos e processos de interesse para o desenvolvimento socioeconômico regional; (ii) a mobilização integrada da capacidade instalada nos setores públicos e empresariais, com o intuito de promover e fortalecer a busca de soluções para os problemas priorizados; e (iii) a priorização de uma política regional de capacitação de recursos humanos e de fortalecimento institucional, principalmente quando de interesse para ações integradas. A intenção que conduz esta estratégia é estimular ações de cooperação e complementação para possibilitar o estabelecimento de fortes níveis de integração institucional. PRODUTOS ESPERADOS Em relação ao potencial de produtos esperados da biodiversidade amazônica é importante levar-se em conta o número de ecossistemas e de espécies existentes, embora, dada a magnitude, em muitos casos ainda sejam estimativas. Em linhas gerais, tem sido aceitos os seguintes números: 30.000 espécies de plantas superiores, 2.500.000 espé- cies de artrópodes, 2.000 espécies de peixes e 300 espécies de mamíferos, com um enorme potencial de diversidade genética nas inúmeras comunidades e endemismos da região (Gentry, 1983; Salati, 1983). Entretanto, ao mesmo tempo em que existe um potencial expressivo de encontrar-se características utilitárias do maior valor socioeconômico nesta diversidade genética amazônica, também existe o risco de que, quando procuradas, já tenham ocorrido perdas irrecuperáveis, uma vez que estimativas mostram que a degradação das florestas tropicais é tão intensa que poderá provocar até ao final deste século a extinção de 15 a 50% dessas florestas (Lugo, 1988). Esta situação poderá ser ainda mais acentuada na América Latina, uma vez que esta região mantém somente 2% das florestas tropicais sob áreas protegidas, ao passo que África o faz em 4% e Ásia em 6% (Wilson, 1988). Embora ainda pouco conhecida, esta variação genética potencial representa um dos mais importantes produtos estratégicos da biodiversidade amazônica e, ao mesmo tempo, um importante mecanismo para o desenvolvimento socioeconômico regional em bases sustentáveis. Entretanto, a implementação de uma política adequada para conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos precisa de esforços institucionais expressivos, principalmente através de ações institucionalmente integradas, para: (1) coordenar a coleta e a disponibilidade do germoplasma; (2) melhorar a capacidade para permitir uma retribuição mais justa pela variação genética regional; (3) identificar e disponibilizar variação 157 MORALES, E.A.V., MARTINS, E. de V. Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos. genética de interesse socioeconômico e; (4) diminuir a dependência por materiais genéticos estrangeiros. Os resultados esperados estão relacionados tanto ao fortalecimento da competência científico-tecnológica regional, como à definição de oportunidades empresariais de interesse socioeconômico, sob quatro grandes linhas: (i) fortalecimento da capacidade científico-tecnológica regional; (ii) disponibilidade de germoplasma com potencial de uso em programas de desenvolvimento sustentável da Amazônia; (iii) estabelecimento de uma rede regional de informação e documentação para recursos genéticos amazônicos e; (iv) disponibilidade de um banco de projetos empresariais, utilizando o potencial de negócios oferecido pelos recursos genéticos amazônicos, de interesse socioeconômico regional. ORGANIZAÇÃO DA GENAMAZ Tendo como princípio essencial uma ação articulada entre instituições que atuem ou que possam apoiar a conservação e o uso de recursos genéticos amazônicos, a GENAMAZ está estruturada com a participação ativa e integrada de instituições federais, regionais e estaduais que atuam na Amazônia, como agências para o desenvolvimento socioeconômico; centros de excelência em P & D; sistema universitário público e privado; sistema para conservação e qualidade ambiental; sistemas de C & T; organizações empresariais e organizações não governamentais. Embora o apoio oferecido pela GENAMAZ possa ser significativo, sua ação poderá ser ainda mais expressiva se os em projetos também receberem apoio de programas de C & T e P & D, como: MCT-CORPAN, MCT-PADCT, MMA-PRONABIO, MCT-PTU, MCTPPG-7, UNAMAZ, TCA, IICAPROCITROPICOS / TROPIGEM, GEF, FAO, PNUD e outros. ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS INTEGRADOS Considerando-se o expressivo potencial oferecido pela diversidade genética amazônica, a organização de proje158 tos deve considerar as seguintes fases e etapas: (i) Fase I. Seleção de espécies potenciais e comprometimento institucional na seleção de espécies com potencial socioeconômico de interesse regional, com as seguintes etapas: a) identificação de demandas e oportunidades de negócios; b) existência de vocações, demandas e prioridades regionais; c) análise do conhecimento etnobiológico, popular, científicotecnológico, perspectivas utilitárias e distribuição ecogeográfica das espécies potenciais; d) análise da representatividade genética, estado de conservação e disponibilidade de amostras das espécies potenciais; e) seleção de espécies prioritárias para uma ação institucional integrada e; f) definição das atribuições e do comprometimento institucional nas ações integradas priorizadas. (ii) Fase II. Obtenção, conservação e reconhecimento do valor utilitário do germoplasma, para identificar, reconhecer o valor socioeconômico, conservar e tornar disponíveis características genéticas, com as seguintes etapas: a) prospecção, levantamento e, quando necessário, validação das informações sobre distribuição ecogeográfica das espécies, dos “genepools” pertinentes e das áreas de pressão antrópica, como estratégias para priorizar os locais para coleta de germoplasma; b) coleta de amostras populacionais para representar e obter características genéticas para adaptação ambiental e utilitárias; c) estabelecimento de processos alternativos e complementares para conservação do germoplasma, através do uso combinado de procedimentos in situ e ex situ; e) caracterização, avaliação e validação do germoplasma, como, por exemplo, mecanismos para diferenciar acessos e estabelecer seu potencial utilitário e; g) organização da documentação e da difusão das informações pertinentes. (iii) Fase III. Disponibilização do conhecimento, das tecnologias e políticas de crédito necessárias para que os recursos genéticos nativos sejam utilizados em ações empresariais de interesse socioeconômico regional, com as seguintes etapas: a) identificação e seleção de perspectivas de negócios para espécies amazônicas, como estratégia para identificar e priorizar atividades de C & T; b) estímulo ao desenvolvimento e uso de tecnologias, sistemas de produção e “pacotes tecnológicos”, com expressivo valor agregado; c) implementação de estudos tecnológicos voltados para apoiar a pequena, média e grande empresa, tanto em nível de incubação, como na organização de consórcios entre universidades, empresas públicas e empresas privadas; d) desenvolvimento de normas e regulamentos tanto de direitos e patentes sobre o germoplasma e as tecnologias para sua utilização, como sobre biossegurança para os organismos transformados geneticamente; e) levantamento do estado da arte da pesquisa para aproveitamento socioeconômico da biodiversidade, com ênfase aos processos biotecnológicos e à disponibilidade de tecnologias pertinentes em nível regional, nacional e mundial; f) levantamento da política de investimentos do setor privado nacional e estrangeiro, de interesse para promoção do desenvolvimento socioeconômico regional em bases sustentáveis e; g) levantamento das perspectivas oferecidas pelos mercados nacionais e estrangeiros, dentro da realidade de uma economia global de mercados. Durante a execução das diferentes fases, três enfoques devem ser considerados para fortalecer a integração e associação institucional e, consequentemente, para diminuir as ações pontuais ou isoladas: (i) concentração dos recursos humanos e financeiros sobre as prioridades definidas para cada etapa; (ii) utilização conjunta ou complementar do conhecimento científico-tecnológico disponível e; (iii) fortalecimento da capacidade institucional instalada. PRIORIZAÇÃO DOS PROJETOS Com a intenção de priorizar uma série de ações de interesse para apoiar o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e com isto diminuir-se ações pontuais, foram selecionados os seguintes grupos de atividades: (i) estudos sobre o conhecimento etnobiológico e Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MORALES, E.A.V. & MARTINS, E. de V. Papel da rede GENAMAZ na conservação e uso dos recursos genéticos amazônicos. distribuição da diversidade genética como estratégia para selecionar espécies; (ii) levantamento e validação da distribuição ecogeográfica da diversidade genética; (iii) taxonomia, evolução, “genepools”; (iv) coleta de germoplasma; (v) conservação de germoplasma; (vi) caracterização e avaliação de germoplasma; (vii) intercâmbio e direitos sobre germoplasma; (viii) atividades de “pré-melhoramento”, como estímulo para a utilização de germoplasma; (ix) estimativa do potencial socioeconômico ou utilitário do germoplasma; (x) documentação e informação de recursos genéticos como estratégia para estimular a utilização dos recursos genéticos; (xi) organização de um banco de projetos sobre oportunidades empresariais e; (xii) implementar modelos alternativos para utilização dos recursos genéticos amazônicos. LITERATURA CONSULTADA CARNEIRO, M. Parecer Técnico à EMBRAPA sobre o processo de levantamento e priorização de demandas para a pesquisa biotecnológica. Brasília: EMBRAPA CENARGEN, 1995. 3 p. (Documento Interno Restrito). GENTRY, A. Neotropical floristic diversity: Phytogeographical connections between Central and South America, pleistocene climatic fluctuations, or an accident of the Andean orogeny?. Annals of the Missouri Botanical Garden, v. 69, n. 3, p. 557 - 593, 1982. LUGO, A.E. Estimating reductions in the diversity of tropical forest species. In: WILSON, E.O, PETER, F.M. Biodiversity. Washington: National Academy, 1988. p. 3 -18. McNEELY, J.A.; MILLER, K.R.; REID, W.; MITTERMEIER, R.A.; WERNER, T.B. Conserving the world´s biological diversity. Washington: IUCN/WRI/CI/WWF-US/ World Bank, 1993. SALATI, E. O clima atual depende da floresta. In: SALATI, E. (ed.) Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 15 - 44. SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA. Plano de Desenvolvimento da Amazônia 1994/97. Belém, 1993. 90 p. SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA. Rede para Conservação e Uso dos Recursos Genéticos Amazônicos (GENAMAZ). 2a.. Ed., Belém: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - Grupo de Ciência e Tecnologia, 1996, 46 p. WILSON, E.O. The current state of biological diversity. In: WILSON, E.O., PETER, F.M. Biodiversity. Washington: National Academy, 1988. p. 3 - 18. GUARIM NETO, G. A importância da flora amazônica para uso medicinal. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, suplemento, p. 159-161, 1997. A importância da flora amazônica para uso medicinal. The importance of the Amazonic plants for medicinal use. Germano Guarim Neto1 Universidade Federal de Mato Grosso, IB - Depto. de Botânica e Ecologia, 78060-900 Cuiabá - MT. Palavras-chave: floresta tropical, biodiversidade, taxonomia. Keywords: rainy forest, biodiversity, taxonomy. N as oportunidades que tive de externar/opinar sobre a Amazônia, sempre fiz de maneira muito gratificante, uma vez que foi nesta fantástica região que consolidei a minha formação científica, mais precisamente no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde me inseri no campo da Botânica e nas suas inúmeras possibilidades. Agradeço à Comissão Organizadora do evento pelo convite a mim formulado para apresentar esta palestra sobre a flora medicinal da Amazônia. A região amazônica, por si só caracteriza-se pela grande variação de formações vegetais, onde as espécies se interrelacionam e definem unidades de paisagem diferenciadas e peculiares. Essa vegetação, a grosso modo, está configurada, principalmente, pelas áreas florestais (onde se inserem as matas) 1 e as não florestais (caracterizadas pelos campos e similares). Classificações detalhadas para a vegetação da Amazônia são fornecidas por Ducke & Black (1954), Pires (1973), Braga (1979), Pires & Prance (1985) e Guarim Neto (1994). BASES PARA O CONHECIMENTO DA BIODIVERSIDADE A questão da biodiversidade é um tema atual e merece a atenção de todos os envolvidos com o estudo dos seres vivos, neste caso, da biodiversidade vegetal. Nesse sentido, Guarim Neto (1994) formula três caminhos como bases para o conhecimento da biodiversidade: (1) os trabalhos de levantamentos florísticos e fitossociológicos realizados em diferentes localidades da Amazônia; (2) os trabalhos de revisões e estudos taxonômicos de grupos vegetais (famílias, gêneros) que, normalmente, incluem espécies novas e novas ocorrências de espécies para a flora amazônica, informando sobre seus usos e; (3) o resgate do conhecimento etnobotânico de comunidades tradicionais (e contemporâneas) da Amazônia. Nesse pressuposto, tem-se a potencialidade de uma região, conhecida e divulgada nos mais diferentes aspectos, subsidiando políticas públicas para a sua manutenção (e proteção), principalmente frente à discutida lei de patenteamento. POTENCIAL DA FLORA AMAZÔNICA Em geral, o aproveitamento de determinada flora conduz para itens bastante diversificados, onde salientam-se, no caso da Amazônia: Bolsista do CNPq. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 159 GUARIM NETO, G. A importância da flora amazônica para uso medicinal. · Plantas produtoras de látex (Hevea brasiliensis M. Arg.: seringueira). · Plantas produtoras de óleos e gorduras (Carapa guianensis Aublet: andiroba). · Plantas produtoras de resinas (Copaifera guianensis Desf.: copaíba). · Plantas aromáticas (Aniba spp.: pau-rosa). · Plantas fornecedoras de condimentos (Spilanthes acmella Murr.: jambu). · Plantas taníferas (Stryphnodendron pulcherrimum (Willd.) Hochr.: faveiracamuzé). · Plantas tóxicas (Derris sp.: timbó). · Plantas inseticidas (Ryania spp.: mata-calado). · Plantas alucinógenas (Banisteria caapi Spruce: caapi). · Plantas contraceptivas (Siparuna spp.: caapitú, erva-santa). · Plantas abortivas (Merremia glabra Hall.: kumikumi) · Planta têxteis (Ceiba pentandra (L.) Gaertn.: sumaúma). · Plantas madeireiras (Swietenia macrophylla King: mogno, aguano). · Plantas como matéria-prima para celulose e papel (Calophyllum brasiliensis Camb.: jacareúba, guanandi) · Plantas tintoriais (Bixa orellana L.: urucu, colorau). · Plantas ornamentais ou com possibilidades (bromélias, cactos, maracujá-poranga, açaí, buriti). · Plantas fornecedoras de frutos comestíveis (Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) Schum.). · Plantas medicinais (objeto desta palestra). PLANTAS MEDICINAIS Indiscutivelmente, em qualquer região, as plantas medicinais assumem um papel de destaque, principalmente porque traduzem um conhecimento tradicional secular, acumulado pelas populações humanas que delas fazem uso e, de uma forma ou de outra, conseguem repassar esse conhecimento aos seus 160 descendentes. Sobre o aspecto do estudo botânico de plantas medicinais vale mencionar, entre outros, Cavalcante & Frikel (1973), que encontraram 171 plantas medicinais aplicadas à 292 doenças na farmacopéia dos índios Tiriyó (Amazônia); Branch & Silva (1983), que apontam 192 plantas utilizadas em Alter do Chão (Pará), aplicadas em 394 remédios; Guarim Neto (1987, 1996), indicando respectivamente uma relação de 128 e 166 espécies para a flora medicinal de Mato Grosso; Berg (1980, 1993), enumerando respectivamente 103 espécies para o estado de Mato Grosso e 352 espécies como componentes do repertório fitoterápico da Amazônia; Berg & Silva (1988), apontando 103 espécies medicinais para a flora de Roraima; Tenório et al., (1991) informando sobre cerca de 65 espécies medicinais de usos mais comuns no Amapá. A ampliação dos trabalhos sobre plantas medicinais, certamente, forneceria um maior número de espécies, tendo em vista a própria territorialidade amazônica. USO TRADICIONAL Entre as espécies medicinais tradicionais utilizadas na Amazônia, situamse: Abuta (Aristolochia cymbifera Zuc.), Açaí (Euterpe oleracea Mart.), Ameixa-do-Pará (Ximenia americana L.), Andiroba (Carapa guianensis Aubl.), Angelim (Andira anyhelmintica Benth.), Caferana (Picrolemma pseudocoffea Ducke), Capim-santo (Cymbopogon citratus L.), Castanhado-Pará (Bertholletia excelsa HBK), Catinga-de-mulata (Aeolanthus suaveolens G. Don), Catuaba (Anemopaegma arvensis (Vell.) Stellf.), Copaíba (Copaifera spp.), Crajiru (Arrabidaea chica (HBK) Verlot), Jacareúba, guanandi (Calophyllum brasiliensis Camb.), Japana (Eupatorium triplinerve Vahl), Jatobá, jutaí (Hymenaea courbaril L.), Jequitibá (Cariniana domestica Miers), Malvarisco (Potomorphe peltata (L.) Miq.), Marapuama (Heteropteris sp.), Mastruz (Chenopodium ambrosioides L.), Pata-de-vaca (Bauhinia nitida Benth.), Patchuli (Vetiveria zizanioides (L.) Nash.), Pau-d’arco (Tabebuia spp.), Pau-de-angola (Piper arboreum Ruiz & Pavon), Sacaca (Croton cajucara L.), Sucupira (Bowdichia nitida Spruce), Tipi (Pettiveria alliacea L.) e Ucuubavermelha (Virola sebifera Aubl.) ALGUMAS POSSIBILIDADES Entretanto, é interessante que espécies menos difundidas sejam contempladas em estudos mais pormenorizados, visando obter dados para a compreensão dos seus usos e potencialidades, Entre estas, situam-se, por exemplo: Amapá (Parahancornia amapa Ducke), Amor-crescido (Portulaca pilosa L.), Bota (Cissampelos ovalifolia DC.), Cabacinha (Luffa operculata L.), Cajuí (Anacardium giganteum L.), Camapu (Phisalis angulata L.), Caranapaúba (Aspidosperma nitidum Benth.), Cipócravo (Thynanthus elegans Miers), Cubiu (Solanum sessiliflorum Dunal), Graviola (Annona muricata L.), Imbiriba (Xylopia frutescens Aubl.), Oerana (Salix martiana Leyb.), Piprioca (Cyperus odoratus Rott.), Sacaca (Croton cajucara L.), Saúde-da-mulher (Echites rubro-venosa Lindl.), Sucuúba (Himatanthus sucuuba Woods.), Uxi (Endopleura uchi Cuatr.). As opções são amplas, porém, o estudo de plantas medicinais deve contemplar a interdisciplinaridade e buscar formas de retorno para as comunidades detentoras do conhecimento tradicional dos usos das espécies. LEITURA CITADA BERG, M.E. van den. Contribuição à flora medicinal do Estado de Mato Grosso. In: Simpósio de plantas medicinais, 6. Suplemento de Ciência e Cultura, v. 33, p. 163 170, 1980. BERG, M.E. van den. Plantas medicinais da Amazônia: contribuição ao seu conhecimento sistemático. Belém: CNPq/MPEG, 1993, 206 p. BERG, M.E. van den.; SILVA, M.H.L. Contribuição ao conhecimento da flora medicinal de Roraima. Acta Amazonica, v. 18, n. 1/2, p. 23 - 35, 1988. BRAGA, P.I.S. Subdivisão fitogeográfica, tipos de vegetação, conservação e inventário florístico da floresta amazônica. Acta Amazonica, v. 9, n. 4, p. 53 -80, 1979. BRANCH, L.C.; SILVA, M.F. da. Folk medicine of Alter do Chão, Pará, Brazil. Acta Amazonica, v. 13, n. 5/6, p. 737 - 797, 1993. BUCHILLET, D. Medicinas tradicionais e medicina ocidental na Amazônia. Belém: CEJUP, 1991. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. GUARIM NETO, G. A importância da flora amazônica para uso medicinal. CAVALCANTE, P.B.; FRIKEL, P. A farmacopéia Tiriyó - estudo etnobotânico. Belém: CNPq/ INP/MPEG, 1973. 145 p. DUCKE, A.; BLACK, G.A. Notas sobre a fitogeografia da Amazônia brasileira. Boletim Técnico IAN, v. 29, p. 1 - 62, 1954. GUARIM NETO, G. Revisão taxonômica das espécies brasileiras do gênero Talisia Aublet (Sapindaceae). Manaus: INPA/FUA, 1978. 256 p. (Tese mestrado). GUARIM NETO, G. Estudo taxonômico em Cupania L. (Sapindaceae): as espécies brasileiras. Manaus: INPA/FUA, 1986. 272 p. (Tese doutorado). GUARIM NETO, G. Plantas utilizadas na medicina popular do Estado de Mato Grosso. Brasília: CNPq, 1987. 58 p. GUARIM NETO, G. Riqueza e exploração da flora. In: IBAMA (Ed.) Amazônia: uma proposta interdisciplinar de Educação Ambiental (temas básicos). Brasília, 1994. p. 193-223. GUARIM NETO, G. Plantas medicinais do Estado de Mato Grosso. Brasília: ABEAS, 1996. 72 p. GUARIM NETO, G. Plantas medicinais. Cadernos do NERU, v. 5, p. 97 - 108, 1996. MORÁN, E.F.A Ecologia humana das populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1990. 367 p. MOTA, M.G.F. de la C.; GUARIM NETO, G. O estudo de plantas medicinais: por uma abordagem holística. Revista do Instituto de Saúde Coletiva, v. 1, p. 9 - 17, 1996. PIRES, J.M. Tipos de vegetação da Amazônia. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 20, p. 179 - 202, 1973. PIRES, J.M. & PRANCE, G.T. The vegetation types of the Brazilian Amazon. In: PRANCE, G.T.; LOVEJOY, T.E. (eds.) Key Environments: Amazônia, v. 9, p. 109 - 145, 1985. POSEY, D.A.; OVERAL, W.L. Ethnobiology: implications and applications. Belém: CNPq/MPEG, 1990. 2 v. PRANCE, G.T. Etnobotânica de algumas tribos amazônicas. Suma Etnológica Brasileira, Volume 1 (Etnobiologia). p.119 -134. 1987. RIBEIRO, D. Suma etnológica brasileira. Petrópolis: Vozes, 1987. v. 1, 302 p. SILVA, M.F. da; LISBOA, P.L.B.; LISBOA, R.C.L. Nomes vulgares de plantas amazônicas. Manaus: CNPq/INPA, 1977. 222 p. TENÓRIO, M.A.R. de O.; BERG, M.E. van den; MENEZES, O.F. de; SALLES, P. Fitoterapia: uma estratégia terapêutica do Amapá. In: BUCHILLET, D. (Org.). Medicinas tradicionais e medicina ocidental na Amazônia. Belém: MPEG/CEJUP, 1991. p. 413 - 461. MATTOS, J.K. de A. Tendências fitotécnicas e econômicas de espécies vegetais utilizadas na medicina popular. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 161-162, 1997. Palestra. Suplemento. Tendências fitotécnicas e econômicas de espécies vegetais utilizadas na medicina popular. Technical and economic trends of plant species used in the folk medicine. Jean Kleber de A. Mattos. Universidade de Brasília, C. Postal 04364, 70.919-970 Brasília - DF. Palavras-chave: plantas medicinais, plantas aromáticas, paisagismo, pesquisa. Keywords: medicinal plants, aromatic plants, ornamentals, research. O setor de produção de plan tas medicinais no Brasil vem sendo beneficiado de alguns anos para cá por um aumento no número de pessoas interessadas no estudo desta matéria. Uma forte evidência é o crescente número de teses de mestrado e de doutorado e o elevado número de inscrições e trabalhos apresentados em recentes simpósios sobre o tema. Este fato tem resultado em efetivos ganhos de transparência no comércio de plantas medicinais e derivados, trazendo a público dados mais específicos sobre a participação do Brasil como importador e exportador de plantas medicinais e seus derivados ou afins. Também tem ensejado à identificação de alguns equívocos ou até mesmo fraudes que permeiam este complicado ramo de comércio. Desde o início da onda naturista que varreu o planeta em fins dos anos 70 e Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. início dos anos 80, o grupo de plantas medicinais da Sociedade de Olericultura do Brasil tem procurado atualizar os conhecimentos da comunidade mediante o estímulo à apresentação de trabalhos e conferências de seus membros ou de conferencistas convidados nos congressos anuais de SOB , bem como da participação em outras sociedades relacionadas ao assunto. Merecem destaque os simpósios realizados em Aracaju, Brasília, Águas de São Pedro (SP), Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro, onde foi possível discutir a situação deste setor no Brasil, na Europa, na América Latina e na Ásia. Constatamos, por exemplo, os avanços do setor na China e na Índia, bem como visualizamos os elevados valores das importações brasileiras, notadamente de nossos vizinhos do cone sul. A pesquisa no Brasil tem avançado principalmente na revelação de novas fontes de fármacos (como, por exemplo, a Lippia sidoides, fonte de timol), neste aspecto destacando-se os trabalhos da equipe do Prof. F.J.A. Mattos, da Universidade Federal do Ceará (UFCe), bem como na reversão de tendência à extinção de algumas espécies como a ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha), mediante trabalhos na área de biotecnologia onde se destacam o CENARGEN e o CPATU (EMBRAPA), o INPA e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Ainda do norte, a revelação de novas fontes alternativas de fármacos como a Pimenta-longa (Piper hispidinervium), também fonte de Safrol. Merece especial destaque o trabalho de melhoramento e zoneamento geográfico de espécies exóticas, liderado pelo CPQBA-UNICAMP, e as teses de pós-graduação que contemplam as medicinais de clima ameno com ênfase na Espinheira-santa (Maytenus 161 MATTOS, J.K. de A. Tendências fitotécnicas e econômicas de espécies vegetais utilizadas na medicina popular. ilicifolia), onde se destacam as Universidades Federais do Paraná (UFPR) e Rio Grande do Sul (UFRGS), além da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Deve ser lembrado ainda o eficiente trabalho da EMATER-PR, principalmente em relação à camomila. Resultados obtidos pela FIOCRUZ com espécies exóticas em topoclimas no sudeste brasileiro também precisam ser mencionados. Em todos os casos uma constante: a preocupação da correlação do fator clima e do fator manejo com a concentração do fármaco. No que tange às aromáticas em geral, há que ser reconhecido o trabalho pioneiro do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que vem desenvolvendo pesquisa neste grupo de plantas há várias décadas, oferecendo pacotes tecnológicos para a produção em campo de dezenas de espécies em São Paulo. Dados valiosos sobre a sazonalidade de diversas substâncias ativas já foram obtidos pelo CPQBA, UFCe e UnB. Na área da adubação enfatizamos o que tem sido realizado em Pernambuco (UFRPe), em São Paulo (UNESP) e no Paraná (UFPR). Quanto à fitossanidade, destaque seja dado aos trabalhos na área de nematologia vegetal em Minas Gerais (UFLA), Brasília (UnB) e Paraná (IAPAR). No tocante à micro-propagação, o número de trabalhos é significativamente alto em quase todos as instituições de ensino e pesquisa. Nesta matéria, referência especial seja feita ao CENARGEN, à UFRGS, à UnB e ao CPATU. 162 Como novidade, ultimamente tem crescido o interesse dos pesquisadores e extensionistas pelo “Neem” (Azadiracta indica), já tendo sido instalados plantios pilotos em Goiás (EMBRAPA) e no Maranhão (EMAPAUFMA). A planta produz substâncias ativas sobre a alimentação e o ciclo reprodutivo de insetos, além de outras substâncias de uso medicinal. O momento atual do trabalho com as plantas envolvidas de alguma forma na medicina popular está sendo marcado por uma crescente profissionalização do setor, priorizando três linhas: · obtenção de germoplasma competitivo; · seleção e adaptação de plantas exóticas para substituição de importações; · revelação de novas espécies objetivando principalmente a exportação. Em se tratando de economia e contemplando a questão das oportunidades de trabalho, há uma utilidade das plantas medicinais que está sendo esquecida: o seu potencial paisagístico. É inegável que o retorno do investimento em plantas medicinais como tal é lento, porque é complexo. O sucesso com a venda destas plantas como remédio depende de vários fatores. Via de regra há que se combinar estrutura adequada e oportunidades especiais de venda. Daí lembrarmos o paisagismo como mais uma alternativa. Ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, esta atividade tem sido negligenciada no Brasil. Jardins de plantas medicinais são belíssimos e podem vir a ser uma atividade econômica interessante. No plano internacional e na faixa tropical gostaríamos de destacar os avanços obtidos na Índia, com a produção in vitro de metabólitos secundários mediante cultura de células, valendo enfatizar a utilização da bactéria Agrobacterium rhizogenes para maximizar a obtenção em laboratório de alcalóides produzidos em raízes de solanáceas (‘hairy root cultures’). Finalizando diríamos que o grande desafio atual está na elucidação das vias biossintéticas dos metabólitos secundários que nos interessam. Lembrando um artigo de um conferencista convidado da SOB, o Dr. Paramvir Singh Ahuja, exchefe da Divisão de Cultura de Tecidos do CIMAP - Lucknow - Índia, reforçaríamos suas palavras no sentido de que a identificação de enzimas envolvidas na formação dos produtos secundários, com o auxílio dos avanços obtidos pela pesquisa em biologia molecular, significará a abertura das portas do futuro, tornando cada dia mais viável o isolamento dos genes específicos responsáveis por promover ou inibir as conversões de substâncias fitoterápicas de alta relevância. Em termos de arsenal técnico-científico, o Brasil está a se capacitar a passos largos com a força de seus jovens pesquisadores e a esperança dos cidadãos nas promessas da ciência para a cura das enfermidades. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. GOTO, R. Plasticultura nos trópicos: uma avaliação técnico-econômica. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 163-165, 1997. Palestra. Suplemento. Plasticultura nos trópicos: uma avaliação técnico-econômica. Protected cultivation in the tropics: a technical and economic approach. Rumy Goto UNESP - FCA, Depto. de Horticultura, C. Postal 237, 18.603-970 Botucatu - SP. Palavras-chave: histórico, problemas, pesquisa, perspectivas. Keywords: historic, problems, research, perspectives. INTRODUÇÃO A utilização do plástico na olericultura é bastante anti ga, tendo sido empregada pela primeira vez em grande escala no Brasil, no início da década de 70, como ‘mulching” na cultura do morango. Como primeira consideração a fazer, depois de pouco mais de quinze anos de uso de plástico na agricultura e horticultura no Brasil, dentro do contexto de cobertura de estruturas para produção de hortaliças, o termo “Plasticultura”, apesar de internacional deveria ser modificado, pelo menos a nível nacional, pelo termo “Ambiente Protegido”, tendo em vista as suas várias finalidades de uso tais como: “Guarda-chuva”, “Abrigo” ou então como “Estufa” dependendo da região. Todas essas finalidades visam a produção de hortaliças com alta qualidade, produtividade e frequência de oferta. RETROSPECTIVA As primeiras citações da utilização do plástico no cultivo de hortaliças no Brasil são referentes aos trabalhos pioneiros realizados por Kimoto & Conceição (1967), onde os autores demonstraram a eficiência do plástico na cultura do morango, cobrindo os canteiros (mulching). Nos anos posteriores, de 1969 a 1970, essa técnica já estava sendo utilizado pelos agricultores da região de Atibaia (SP), a nível de teste, ou seja, com 50% da área coberta com plástico e, o restante, coberto com palha. Logo após esta experiência, o domínio do plástico foi total. Com relação à utilização do plástiHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. co em estruturas, com finalidade de proteção contra as adversidades climáticas, há os trabalhos de Martins (1983), realizados em Manaus (AM), no final da década de 70, que provaram a eficiência da utilização desse material na produção de hortaliças. Na época foram feitas muitas críticas. No entanto, ficou comprovado que para a região de Manaus, a técnica se mostrou muito eficiente. Outra iniciativa de grande proporções ou de melhor divulgação foi o Projeto São Tomé, apoiado pela indústria de filmes plásticos, no Rio Grande do Sul, em meados da década de 80. Depois de uma grande explosão, aos poucos os produtores foram abandonando essa tecnologia, pois não houve um acompanhamento técnico capaz de mantê-los na atividade. Concomitantemente no estado de São Paulo, a Cooperativa Agrícola de Cotia, preocupada com os problemas de baixa produtividade e qualidade das hortaliças, colocou alguns agrônomos e técnicos agrícolas em uma visita técnica e treinamento em algumas regiões do Japão. O técnico agrícola Paulo Kumagaia, voltando desse treinamento, inovou e incentivou os produtores da região do cinturão verde da grande São Paulo a utilizarem estruturas de proteção, em princípio contra o frio e utilizando conjuntamente grandes quantidades de adubos orgânicos, no caso, compostos. Este técnico divulgou intensivamente a tecnologia de cultivo de hortaliças em ambiente protegido e despertou os produtores para a importância de preservar a vida no solo. No mesmo período também observava-se uma migração para o Japão dos descendentes de japoneses, principalmente filhos de produtores, que frustra- dos com a política agrícola do país, sem muita perspectiva de melhora, desistiram totalmente da atividade de produção de hortaliças e se tornaram então “os dekasseguis”. Estes, como eram ligados à produção de hortaliças, mesmo não trabalhando diretamente com a atividade agrícola no Japão, estavam sempre atentos às novidades na área, buscando, conversando, visitando produtores. Alguns retornaram e continuaram na atividade olerícola, implantando as tecnologias de cultivo protegido em suas áreas, enquanto outros mandavam notícias sobre as novidades em termos de tecnologias que poderiam ser utilizadas no Brasil. Dessa forma houve uma ampliação na área de cultivo protegido, principalmente nas regiões tradicionais de cultivo do cinturão verde da grande São Paulo. Com a repercussão de ganhos extraordinários e retorno rápido de capital aplicado, a nova tecnologia foi se espalhando pelo interior do estado de São Paulo e por outros estados. O Paraná, principalmente a região norte, também foi um estado pioneiro na utilização do plástico na horticultura, a princípio na viticultura e, posteriormente, na olericultura, culminando com a produção de pepino e melão rendilhado, pimentão amarelo e tomate-cereja. As estruturas inicialmente empregadas foram as mais simples, com utilização de mourões de eucaliptos, altura baixa de pé direito (no máximo com 1,5 m), ou ainda, utilizando túneis altos e baixos e estruturas de uma água, tipo “Londrina”. Esses modelos se espelhavam em países do hemisfério norte, de latitude superior a 35o N e condições climáticas totalmente diferente das nossas, tropicais, que apresentam épocas de excesso de luminosidade e 163 GOTO, R. Plasticultura nos trópicos: uma avaliação técnico-econômica. invernos não tão rigorosos. Surgiu então a necessidade de desenvolver um manejo específico, já que além das condições mesológicas distintas, havia também diferenças relacionadas às condições ou tipos de solo. SITUAÇÃO ATUAL Após quase quinze anos de exploração desse novo sistema na produção de hortaliças, o que se pode notar é a evolução da tecnologia, impulsionada por informações e por iniciativa dos próprios agricultores, pois até hoje a pesquisa foi incapaz de acompanhar seus passos. Em Almeria, na Espanha, o processo aconteceu de forma diferente: em 1963 os produtores também iniciaram por conta própria o cultivo de hortaliças sob plástico, utilizando, com baixo custo, as estruturas existentes em parreirais falidos. O objetivo era procurar uma alternativa para aquela atividade e para sua situação econômica. Aos poucos porém, o cultivo de hortaliças foi se expandindo e muitos problemas foram surgindo. Diante disso, o governo instalou estações experimentais para tentar solucionar esses problemas. Atualmente podese dizer que as estações experimentais não só alcançaram, como superaram a tecnologia utilizada pelos produtores, dando soluções a problema relacionados desde às estruturas até ao manejo das culturas, estudando detalhadamente a fisiologia das plantas que são cultivadas. No Brasil, o cultivo em “ambiente protegido” ainda é muito pouco pesquisado, existindo resultados isolados. Este fato, aliado à grande extensão do país e à variedade de climas e solos, dificulta e aumenta as dificuldades. Alguns problemas são resolvidos, pois vários técnicos acompanham produtores e pesquisam em parceria com eles, contando também sempre com o auxílio de muitos produtores-agrônomos. No início da atividade observou-se uma explosão e uma procura por estruturas mais baratas, com retorno fácil. Havia interesse tanto por parte de produtores experientes em cultivo de hortaliças como também de outros, sem nenhuma experiência agrícola. Esses últimos entravam na atividade após observarem, através da mídia, em propa164 gandas enganosas sobre a não utilização de defensivos agrícolas e sistemas naturais de cultivo, um retorno líquido aparentemente fácil. Em seguida a essa explosão inicial, houve uma estabilidade na ampliação de áreas, ou seja, muitos dos pioneiros “quebraram” por diversos motivos: o solo se contaminara, o manejo de doenças e pragas ficara impossível de se executar pela complexidade que tomava, houve muita concorrência entre produtores e a política econômica não foi favorável. Houve por si só uma seleção dos produtores, permanecendo realmente os mais profissionais na área. Com a evolução e com a não existência de grandes entressafras como no passado, os produtores tiveram que se organizar procurando o seu mercado específico e acompanhando a transformação iniciada pelos grandes supermercados (hipermercados), que enxergaram em produtos diferenciados como as hortaliças e frutas, uma fonte de atração de consumidores. Aqueles produtores que se tornaram competentes nesta atividade, procurando novos mercados, novas opções, aumentaram a sua área de produção e diversificaram ou se especializaram em alguma espécie, para se tornarem ainda mais profissionais. Contudo, é nesta fase que os produtores necessitam de informações básicas da pesquisa, as quais infelizmente ainda não possuímos. Será que poderemos chegar lá? Ou será que vamos continuar trabalhando em temas não tão emergenciais. O que acontece com a pesquisa? Faltam pesquisadores em olericultura? Os pesquisadores não estão sensíveis aos problemas ou estão fora da realidade, preocupados somente as suas dissertações e teses e com suas carreiras na pesquisa/docência? Atualmente existe um cenário onde as empresas privadas ocupam esta lacuna e, com o pretexto de solucionar os problemas, vendem tudo que se possa imaginar, especialmente “kits” e fórmulas importadas de outras realidades, de condições desérticas, de locais onde não existe solo propriamente dito, que nem ao menos sabemos de que forma irão reagir aqui, em nossas condições tropicais. Não seremos nós que condenaremos essa atitude. Contudo, devemos tes- tar, experimentar antes de colocar o produto no mercado e avaliar a resposta fisiológica da planta quando da utilização destes produtos ou tecnologias. Avançamos muito, aprendemos muito, e hoje em algumas regiões a enxertia é uma tecnologia totalmente absorvida na rotina de alguns que viram nesta prática, a única saída para poder continuar atuando e produzindo com qualidade, a curto prazo. As pesquisas na área de melhoramento são relativamente lentas e mesmo para testar e aprovar genótipos estrangeiros leva-se tempo. Os portaenxertos também devem ser pesquisados, para que possamos testar a sua qualidade como tal. PERSPECTIVA Existe grande perspectiva para os cultivos protegidos, pois esta é uma tecnologia bastante utilizada em algumas regiões e os produtores que estão desde o início ou que estão há pelo menos cinco anos na atividade não vão retroceder e tão pouco pretendem voltar a cultivar somente em campo aberto. É mais fácil reduzir o cultivo em campo aberto do que reduzir o cultivo em ambiente protegido. Para tanto é necessário resolver alguns problemas como salinização e fertirrigação, além de incorporar mais tecnologias e abandonar a teoria do “achismo”. Em cada região, em cada microclima existente neste imenso Brasil tropical, com diferentes níveis de exigência e de consumidores, existe grande perspectiva de expansão desta tecnologia, que é capaz de utilizar pequenas áreas e produzir pelo menos uma vez e meia ou o dobro do que se consegue produzir em campo aberto, desde que se saiba manejar a estrutura e o ambiente em questão, respeitando a espécie a ser instalada. Para este tipo de cultivo, estudar o ambiente, dando condições de melhor aeração e ventilação, estudar as estruturas que são adaptadas à cada região e utilizar equipamentos não tão sofisticados, significará oferta constante de hortaliças neste imenso país, sem necessitarmos dos passeios que muitas fazem durante o processo de comercialização. Os consumidores só tem a ganhar, pois a curva de variação estacional de Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. GOTO, R. Plasticultura nos trópicos: uma avaliação técnico-econômica. preços em alguns períodos está se amenizando, deixando de existir picos altos e baixos de oferta de produto no mercado. A hidroponia está atraindo alguns produtores que após salinizarem o solo e o contaminarem com nematóides e fungos, aprenderam esta tecnologia que lhes aproveita a estrutura e, assim, se mantêm nesta área, o que não deixa de estar errado. É preciso estudar e tentar alongar o período de utilização dos solos sob proteção, incorporando adubos orgânicos que enriqueçam a flora microbiana e mantenham o equilíbrio desta riqueza que é o solo brasileiro. FAÇO AQUI UMA REFLEXÃO... Neste imenso Brasil tropical, onde os solos tem boa fertilidade, seria o momento de utilizar a técnica de hidroponia para se produzir espécies hortícolas, que são a base da alimentação da população? Acredito que esta tecnologia seja bastante válida para a região de Almeria e Motril, na Espanha, onde os solos, além de bastante arenosos, apresentam muitos pedregulhos, ou ainda, têm que ser “construídos” ou, como é denominado em espanhol “enarenados”, com uma composição de camada de subsolo, solo, esterco ovino e areia. AGRADECIMENTOS Aos professores Dr. Tosiaki Kimoto (UNESP-FCA), Prof. Mário César Lopes (FULM), Prof. Marco Antônio da Silva Vasconcellos (UFRRJ) e ao Eng. Agro. Paulo Costa, pelas sugestões e revisão do texto. SASSAKI, O.K. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 165-169000, 1997. Palestra. Suplemento. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. Preliminary results of soil-less vegetable production in the state of Amazonas. Osvaldo K. Sassaki Universidade Federal do Amazonas - Faculdade de Ciências Agrárias Palavras-chave: cultivo protegido, hidroponia, sistemas de cultivo, alface (Lactuca sativa), pepino (Cucumis sativus), perspectivas futuras. Keywords: protected cultivation, hydroponics, cultivation systems, letucce (Lactuca sativa), cucumber (Cucumis sativus), future perspectives. M anaus, capital de um es tado subcontinente, é uma cidade localizada às margens do Rio Negro, em uma região tropical próxima à linha do Equador, o que proporciona um clima quente durante o ano todo (médias das temperaturas máximas e mínimas respectivamente de 32 e 23 0C) com duas estações: uma com precipitação pluviométrica extremamente elevada, popularmente conhecida como período de inverno, e outra denominada período de verão, quando as chuvas diminuem significativamente. As pesadas chuvas e as altas temperaturas tornam-se os maiores fatores limitantes para a produção de hortaliças na região de Manaus, provocando uma oferta de produtos imprevisível e uma flutuação peculiar nos preços de Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. mercado, o que estimula a importação de hortaliças de outros estados como Ceará, Goiás e São Paulo. Como resultado das mudanças na economia promovida pela Zona Franca, nos últimos vinte anos houve um aumento considerável no número de estabelecimentos comerciais voltados para agricultura, como também um aumento brutal no consumo quantitativo e qualitativo de hortaliças, influenciado certamente pelos imigrantes e também pelos migrantes, formando uma população manauense de 1,6 milhão de habitantes. As mudanças no perfil do consumidor e os preços de mercado sempre convidativos têm promovido os olericultores a produzir hortaliças a qualquer custo, podendo correr o risco de um desequilíbrio ecológico na relação culturas/sanidade devido à utilização maximizada, tanto em número de aplicações como dosagem de defensivos agrícolas. Com o objetivo de tentar contribuir para reduzir as influências das adversidades climáticas no período chuvoso, diminuir o uso inadequado de defensivos agrícolas e também devido ao aumento considerável na incidência de nematóides nas hortaliças cultivadas no Setor de Olericultura do Curso de Agronomia da Universidade Federal do Amazonas, iniciamos no ano de 1989 as atividades de pesquisa em cultivo protegido, com recursos oriundos do convênio no23/89 entre a Fundação Universidade do Amazonas e a Superintendência da Zona Franca de Manaus, que possibilitaram a construção do primeiro túnel plástico com 240 m2 e permitiram que fossem dados os primeiros passos na atividade de cultivo sem o uso do solo. Essa prática é definida por Jensen como uma tecnologia de crescimento de plantas em solução nutritiva, com ou sem uso de um meio artificial para proporcionar um suporte mecânico das raízes. O cultivo sem solo tem sido didatica165 SASSAKI, O.K. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. mente classificada em: 1 - Hidrocultivo · Sistema NFT - fluxo laminar de nutrientes · Sistema DFT- técnica com raízes flutuantes (hidrocultivo) · Sistema CUT- técnica da capilaridade ascendente · Sistema CDT- técnica da capilaridade descendente 2 - Cultivo Aeropônico · suporte inorgânico: areia, pedra britada, carvão, vermiculita, lã de rocha · suporte orgânico: serragem, piaçava, casca de coco triturada, palha/ casca de arroz Todos esses sistemas de cultivo tem adotado o termo Hidropônico sugerido por Gericke, que o definiu como o cultivo de plantas com e em água, estabelecendo um sistema em que todos os nutrientes minerais compatíveis estão solubilizados e disponíveis para a planta. Um método de produção de vegetais de alta tecnologia, alta produtividade e, em geral, uso intenso de capital, podendo ser considerado literalmente uma indústria de verduras, flores ou de plantas medicinais. O sistema NFT- Nutrient Film Technique, que significa Fluxo Laminar de Nutrientes, foi desenvolvido no final da década de 60 pelo Dr. Allen Cooper, no Instituto de Pesquisas em Cultivo Protegido em Littlehampton, Inglaterra. Neste sistema, segundo o autor, as plantas crescem e desenvolvem suas raízes em uma fina lâmina de água em circulação onde todos os nutrientes necessários são dissolvidos. Já o cultivo hidropônico, um dos primeiros métodos a merecer atenção do Dr. W.F. Gericke, que posteriormente o introduziu de forma comercial, iniciouse a céu aberto, durante a segunda guerra mundial, nas ilhas do pacífico, utilizando pedra britada como suporte, já que na região a disponibilidade de pedras britadas oriundas de rochas vulcânicas era abundante. Nos dias atuais, esse sistema é amplamente utilizado nos EUA e em diversas partes do mundo, tanto por pequenos como por grande produtores de hortaliças e de flores. Outra opção de suporte para raízes é a lã de rocha, cuja utilização se iniciou a céu aberto, na Dinamarca, em l969, época 166 em que a utilização de areia começou a ser também pesquisada na Universidade do Arizona, inicialmente emprego em regiões desérticas ou nas orlas marítimas (costeiras) do Oriente Médio, Norte da África e México, onde a areia é fartamente disponível, não havendo portanto necessidade de se importar material de suporte de outras regiões. O sistema aeropônico, criado por Jensen e Collins em l972, procurou um maior aproveitamento da radiação solar, da solução nutritiva e da área vertical da casa-de-vegetação, e consiste em um ‘box spray’, em armação “A”, com placas de isopor com orifícios onde as hortaliças são plantadas, ficando as raízes suspensas na parte interior, onde são pulverizadas ou atomizadas com solução nutritiva, em turnos periódicos de dois a três minutos, mantendo sempre a umidade saturada no interior do ‘box’. Baseado nessas e outras referências, as atividades olerícolas sem o uso do solo tiveram início na Universidade do Amazonas em canteiros construídos em concreto, contendo seixo. Entretanto, este sistema foi pouco utilizado no Setor de Olericultura da Agronomia, uma vez que a temperatura dentro do túnel chegava a 47oC. Além disto, a solução nutritiva se aquecia rapidamente como resultado do equilíbrio com a temperatura ambiente, já que o seixo é um excelente receptor e difusor de energia, assim como a própria solução nutritiva fisicamente também é uma considerável receptora de energia. Dessa forma, os resultados foram desanimadores, observando-se pendoamento excessivamente precoce e redução na altura das plantas e na área foliar, obtendo-se por fim um produto praticamente sem valor comercial. Além do exposto, outro fator também físico proporcionou-nos incontáveis momentos de preocupação: as inesperadas interrupções no fornecimento de energia que, na ausência de um no-break, causavam danos irreparáveis à cultura, além de problemas mecânicos na eletrobomba ocasionados pelas constantes quedas de voltagem da corrente elétrica, impossibilitando-nos que ao menos pudéssemos terminar a avaliação da utilização do sistema NFT para cultivo de alface em Manaus. Esses fatos, somados às limi- tações climáticas, colocavam diante de nós vários problemas, dos grandes: 1 - aumentar o volume de solução nutritiva para se evitar o ressecamento do sistema radicular na falta de energia, durante os reparos nas eletrobombas; 2 - evitar o aumento da temperatura na solução nutritiva fornecida; 3 - identificar a cultivar adequada às condições climáticas da região e; 4 - como trabalhar com energia solar, caríssima, e, por isso, capaz de inviabilizar qualquer empreendimento de produção de alface. Na tentativa de amenizar a influência negativa da temperatura ambiente na solução nutritiva, inicialmente utilizamos, como recipiente, caixas de isopor doadas pelas Indústrias Tupy de Isolamento Térmico e assim implantamos o sistema desenvolvido por Yamasaki em l976: DFT-CUT (Deep Floating Technique - Capillary-Up Technique). As dimensões das caixas de isopor foram: 0,40 x 0,40 x 0,20 m de profundidade, correspondendo a um volume de 32 litros. Como suporte para o sistema radicular foram utilizadas placas de isopor de 0,30 x 0,10 x 0,025 m, sob uma tira de tecido para absorção capilar Bidin XT, semelhante aos tecidos utilizados para filtros de aparelhos condicionadores de ar, tendo as duas pontas mergulhadas na solução nutritiva. O equipamento utilizado para oxigenação da solução nutritiva foi composto por bombas de oxigenação de aquários. A placa de isopor permitiria o estabelecimento e desenvolvimento das raízes acima da solução nutritiva, proporcionando uma bolsa de ar de 3 a 5 cm abaixo do colo das plantas. O fluxo de ar propelido pela bomba de aquário favoreceria a evaporação da solução nutritiva e consequentemente promoveria uma diminuição significativa da temperatura na parte inferior da planta, favorecendo o seu desempenho. Esse sistema misto nos capacitou a dar inicio à produção comercial de alface cultivar Vitória de Verão, identificada como a mais adequada após alguns ensaios de competição, utilizando as cultivares Black-Seed Simpson, Glória, Vanessa, Regina, Vitória de Santo Antão e Grand Rapids, entre outras. O mesmo aconteceu com a cultivar Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SASSAKI, O.K. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. de pepino Hokkushin, após avaliação das cultivares Aodai, Sprint 440-S, Midori, Tsubasa, Tsukuba, Nanshin e Hokkoshin, entre outros. No início, diante da inexistência de insetos polinizadores, a fecundação das flores femininas era feita manualmente. Já para cebolinha, uma hortaliça muito solicitada pelos manauenses, a cultivar Todoano teve o seu desempenho muito favorecido quando cultivada no sistema misto DFT-CUT, uma vez que colhia-se o produto com folhas de 80 a 90 cm de comprimento em média, sendo necessário inclusive a colocação de uma tela de fios de nylon para a manutenção da posição ereta das folhas. A concentração molar da solução estoque foi baseada em Hoagland & Arnon, sugerida pelo Dr. Júlio Nakagawa, quando proferiu a palestra “Perspectivas para produção hidropônica de hortaliças na região de Manaus”, no início da década de 90. Entretanto, diante da dificuldade dos funcionários para elaboração da solução nutritiva pela retirada das alíquotas da solução-estoque, modificamos a sistemática nessa questão uniformizando essa retirada para 5 ml em todos os macronutrientes, facilitando dessa forma o manuseio na elaboração e fornecimento da solução nutritiva para o sistema de produção (Tabela 1). O uso do sistema misto DFT-CUT na produção de hortaliças no Setor de Olericultura do Curso de Agronomia da Universidade do Amazonas pode ser considerado como temporário, uma vez que deixou de ser utilizado por volta de l994, quando passamos a preencher os recipientes com serragem de madeira, proveniente de uma serraria distante 3 km do Campus, fornecido gratuitamente, inclusive com transporte, por ser considerado como material indesejável no pátio da indústria madeireira. O cultivo de hortaliças em serragem mereceu a atenção de Mass & Adanson (l972), na Estação experimental de Saanichton na Columbia Britânica, Canadá, como tentativa de eliminar a incidência de nematóides, doenças do solo e solos pobres em estrutura e em nutrientes. A utilização de serragem como ancoragem em hidroponia tem como uma das grandes vantagens a péssima condutividade de energia do material, o que assegura a manutenção da temperatura, além de permitir uma aeração e uma retenção de umidade mais adequada na zona de crescimento do sistema radicular das plantas, reduzindo consideravelmente os estresses provocados por esses fatores físicos. Entretanto para que sejam obtidos bons resultados com a sua utilização, a serragem deve sofrer tratamentos como lavagem em água corrente e cozimento ou uso de hidróxido de potássio para eliminação de compostos indesejáveis da madeira que podem causar fitotoxidez. Esse sistema possibilitou-nos dar início em l994 ao desenvolvimento de pesquisas com recursos do PIBICCNPq, trabalhos em cultivo de hortaliças sem o uso do solo, tanto a céu aberto como em cultivo protegido, com especial ênfase no aproveitamento de resíduos das indústrias madeireiras e das indústrias eletro-eletrônicas da Zona Franca de Manaus, respectivamente a serragem e as caixas de isopor, embalagem utilizada para proteção de componentes eletrônicos. Utilizando-se caixas de isopor de Tabela 1. Alíquotas necessárias à preparação de solução nutritiva para cultivo hidropônico partindo de solução-estoque de Hoagland & Arnon. Soluçãoestoque (g/L) Alíquotas Soluçãoestoque (ml/L) Alíquotas Ca(NO3)2 1 Molar 5 1 Molar 5 KNO3 1 Molar 5 1 Molar 5 K H2PO4 1 Molar 1 1/5 Molar 5 MgSO4 1 Molar 2 1/2.5 Molar 5 Sais Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 0,46 m de comprimento por 0,28 m de largura e 0,23 m de altura e serragem de madeira de lei, em geral Angelim e Louro, avaliamos as cultivares de pepino Aodai melhorado, Sprint 440S, Midori, Tsukuba, Tsubasa, Hokkushin e Nanshin, a céu aberto, com fornecimento de solução nutritiva manual. Entre as cultivares do tipo Aodai, a cultivar Sprint 440-S foi superior às demais. Entre os híbridos japoneses, ‘Hokkushin’ apresentou melhor produtividade que todas as demais cultivares, tanto em kg/ha, como em número de frutos por planta e precocidade, antecedendo em cerca de dez dias a emissão de flores femininas, formadas em maior quantidade, tanto no início como ao longo da cultura, com uma freqüência de três colheitas semanais. Avaliando-se as possibilidades de algumas hortaliças em hidroponia, tendo a serragem como suporte, foram obtidos os seguintes resultados promissores: · com o quiabo, cultivar Santa Cruz 47, foi observada maior produção quando foi feita poda 45 dias após o transplantio definitivo, além de uma vida produtiva superior a 18 meses com uma segunda poda; · com couve-manteiga, cultivar Georgia, com duas podas, observou-se excelente desempenho, com uma longevidade superior a três anos. Houve boa produção de folhas comercializáveis e emissão de grande quantidade de brotações, uma raridade quando a couve-manteiga é cultivada em no solo na região de Manaus; · entre os coentros a cultivar Verdão sempre apresentou superioridade em relação às cultivares Português, Palmeirão e Francês; · com alface, as cultivares Marisa e Vitória de Verão apresentaram os melhores resultados, embora a cultivar Marisa apresente um desempenho modesto nos primeiros dez dias após o transplantio definitivo. Não temos utilizado a repicagem no cultivo da alface. Nosso método consiste em umedecer a semente em papel germinador ou jornal durante 24 a 36 horas na parte inferior da geladeira, semeando-se em seguida. As mudas ficam cerca de dez dias na sementeira para posterior transplantio para o canteiro definitivo, onde são co167 SASSAKI, O.K. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. lhidas após cerca de 23 a 25 dias. Com o objetivo de minimizar os custos com nutrientes, estudou-se o uso do calcário dolomítico e do superfosfato simples pré-misturados com o suporte orgânico - serragem - e a solução nutritiva, conforme sugerido por Mass & Adanson (1979). O experimento foi realizado a céu aberto, na cultura do pepino, utilizando-se cobertura morta, sendo desenvolvido também para avaliar a reutilização do plástico 150 micra antiUV, após l8 meses em túneis ou em casade-vegetação, com o objetivo de aumentar a sua vida útil na produção olerícola. O plástico se constitui em um material de grande utilidade para a horticultura. Porém, após seu uso, se não for reciclado, pode tornar-se, ao contrário, material indesejável na propriedade rural, já que apresenta difícil degradação e não deve ser queimado, pois os gases gerados durante a combustão são altamente tóxicos e contaminam o ambiente. Os resultados, apesar de ainda serem parciais e longe de serem conclusivos, têm demonstrado a versatilidade do sistema hidropônico na região quente e úmida de Manaus, onde várias hortaliças podem ser cultivadas com sucesso durante os 365 dias do ano, dentre elas destacamos: a alface, cultivares Marisa e Vitória de Verão; o almeirão, cultivar Folha Larga; o pepino, cultivares Sprint 440-S e Hokkushin; o agrião; o espinafre da Nova Zelândia; o quiabo, cultivar Santa Cruz 47; a berinjela, cultivar Piracicaba Super F-100; o tomate, cultivar C-38; a salsa, cultivar Lisa Portuguesa; o coentro, cultivares Verdão, Palmeirão e Português; a cebolinha, cultivar Todo-ano; o pimentão, cultivares California Wonder, All Big e Yolo Wonder; a couve-manteiga, cultivar Georgia; a pimenta malagueta; a pimenta-de-cheiro; a pimenta Murupí; a cenoura, cultivar Brasília e; o rabanete, cultivar Akamaru Hatsuka. Segundo Raffar (l990), sempre é bom lembrar que o principal propósito da hidroponia é superar as limitações para o crescimento da planta e das raízes devido a deficiência de nutrientes e a fatores físicos do solo no sistema convencional de cultivo olerícola. A água é utilizada como veículo para proporcionar o suprimento mineral adequado e 168 necessário as raízes das plantas. Todo sistema hidropônico basicamente é composto por: 1 - casa-de-vegetação coberta por plástico resistente a raios ultra-violeta; 2 - canteiros ou unidades para crescimento das plantas; 3 - sistema de fornecimento da solução nutritiva: tanques, eletrobomba e tubulações; 4 - sistema de coleta ou drenagem da solução nutritiva e; 5 - sistema elétrico: ‘timer’ ou bóias de nível superior/inferior e disjuntores. Toda essa estrutura e equipamentos devem atender a certos requisitos básicos e comuns: · permitir a respiração das raízes, já as raízes das plantas absorvem oxigênio e liberam dióxido de carbono durante o ciclo de respiração e, sem uma adequada quantidade de oxigênio disponível ao sistema radicular, a planta não cresce e ocorre a sua morte prematura. Nos sistemas circulantes, o oxigênio é suprido parcialmente pela simples movimentação da solução nutritiva. Entretanto, é conveniente uma complementação com uma bomba de ar. Em sistemas que utilizam substratos orgânicos ou inorgânicos, a quantidade de oxigênio contido entre os espaços dos grãos de areia, pedra britada, serragem ou seixo é suficiente para atender às necessidades da planta. Uma das peculiaridades da hidroponia é a possibilidade de uma renovação periódica do ar para o sistema radicular. · prover cerca de 16 elementos básicos para operacionalizar eficientemente o sistema, proporcionando o completo desenvolvimento da planta que se alimenta desses elementos básicos em limitadas combinações e somente quanto estes elementos ou combinações estiverem dissolvidos na água. · Deve ser programado para ser utilizado em ambiente onde luz, ar e temperatura estão disponíveis em níveis satisfatórios para as plantas. · A formulação de nutrientes deve ser feita com base nas necessidades da planta. · As plantas são organismos vivos que, quando dispõem de nutrientes balanceados, desenvolvem-se rapidamen- te e apresentam alta produtividade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados obtidos nestes trabalhos preliminares têm demonstrado claramente a versatilidade do cultivo sem solo, com uma grande diversidade de plantas olerícolas, condimentares e medicinais sendo produzidas com sucesso na região de Manaus. Alguns empresários da hidroponia já alcançam a marca de 1.000 pés de alface/semana, individualmente. Um maior desenvolvimento de sistemas hidropônicos poderá ser favorecido pelos seguintes aspectos: · como o clima da região é quente durante todo o ano, a procura por hortaliças frescas se torna uma necessidade biológica como fonte natural de vitaminas e sais minerais; · uso mais eficiente da terra; · as culturas poderão ser exploradas onde o solo é um fator limitante; · o uso de esterco é completamente dispensado e isto é deveras importante considerando-se que este insumo está cada vez mais caro e escasso, tornandose um fator limitante na produção de hortaliças na região; · a rotação de culturas é uma prática dispensada. Os cultivos poderão ser sucessivos no mesmo local onde foi colhida a cultura anterior, bastando apenas uma limpeza mecânica e desinfecção com hipoclorito de sódio; · com cultivares adequadas à região, é possível elaborar uma programação de cultivo sem riscos das adversidades climáticas, eliminando a sazonalidade e efetuando-se colheitas ao longo de todo o ano; · poderão ser obtidos produtos comercialmente uniformes, com melhores retornos financeiros; · criação de condições para obtenção de produtos com alto grau de sanidade, livres de impurezas químicas ou biológicas; · geração de expectativa de se obter maiores produtividades como resultado de : a) melhores condições para o desenvolvimento do sistema radicular das plantas; b) formação de raízes mais eficienHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SASSAKI, O.K. Resultados preliminares da produção de hortaliças sem o uso de solo no Amazonas. tes na absorção de água e nutrientes; c) maior número de plantas por unidade de área e maior número de colheitas por unidade de tempo, ambos importantes componentes na avaliação do retorno do capital investido e na rentabilidade econômica do empreendimento hidropônico; d) o ciclo das culturas e as colheitas tendem a ser pelo menos 10% menores ou mais precoces, uma vez que as raízes não utilizam energia perfurando o solo à procura de nutrientes e, esta energia não utilizada é possivelmente aproveitada pela planta no desenvolvimento qualitativo da parte aérea e de frutos; e) facilidade no controle do pH e condutividade elétrica da solução nutritiva. · redução no número de trabalhadores, já que o uso de mão de obra é menos intenso que na produção convencional, bastando apenas uma orientação complementar ao trabalhador. Além disso, como a atividade hidropônica não necessita de esforços físicos consideráveis, as mulheres também poderão estar envolvidas na atividade; · redução no uso de defensivos agrícolas; · eliminação das doenças do solo Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. com consequente aumento da vida póscolheita do produto; NECESSIDADES FUTURAS 1. Estudo para a diminuição do custo das estruturas para construção de casas-de-vegetação; 2. Viabilizar fontes alternativas de energia para ventilação e diminuição da temperatura no interior da casa-de-vegetação e resfriamento da solução nutritiva; 3. Desenvolvimento de material para cobertura com maior durabilidade e menor custo, de fácil reciclagem e com transparência seletiva e reflexiva dos raios solares; 4. Estudos para o controle de doenças provocadas por patógenos aquáticos; 5. Aprofundar estudos em sistemas integrados de controle de pragas em casas-de-vegetação para racionalizar e minimizar o uso de defensivos agrícolas; 6. Desenvolver defensivos agrícolas específicos para o controle de pragas e doenças em casas-de-vegetação; 7. Desenvolver novos substratos de baixo custo, facilidade de uso, longa durabilidade e recicláveis, ou ainda, desenvolver métodos para reaproveitálos no cultivo convencional, na melhoria das condições químicas e físicas do solo; 8. Desenvolver cultivares resistentes ao calor e específicas para o cultivo em hidroponia. LITERATURA CITADA COOPER, A.J. The ABC of NFT. London: Grower Books, 1988. 181p. HOAGLAND, D.R.; ARNON D.I. The waterculture method for growing plants without soil. California Agriculture Experimental Station, 1950 (Circular 347). JENSEN, M.H.; COLLINS W.L. Hydroponic vegetable production. Horticulture Review, v. 7, p. 438-485, 1985. JENSEN, M. H. Hydroponic culture for the tropics: opportunities and alternatives. In: INTERNATIONAL SEMINAR ON HYDROPONIC CULTURE OF HIGH VALUE CROPS IN THE TROPICS. Serdang, Selangor Darul Ehsan, Malaysia, 1990. JONES, B.J. 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Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 170-177, 1997. Palestra. Suplemento. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. Bacterial wilt in vegetables: scientific advances and perspectives of control. Armando Takatsu1; Carlos A. Lopes2 1 UnB - Depto. de Fitopatologia; 2 Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70.359-970 Brasília - DF. Palavras-chave: Ralstonia solanacearum, Pseudomonas solanacearum, doença, bactéria, taxonomia, epidemiologia, disseminação, temperatura, resistência. Keywords: Ralstonia solanacearum, Pseudomonas solanacearum, disease, bacteria, taxonomy, epidemics, dissemination, temperature, resistance. INTRODUÇÃO A murcha-bacteriana (MB), ou “moko” quando ataca a bananeira, é causada por Ralstonia solanacearum (Rs), nova nomenclatura para Pseudomonas solanacearum, sendo a principal doença vascular de plantas de origem bacteriana. Por atacar um grande número de espécies de plantas causando sintomas visíveis e devastadores, tem sido a doença bacteriana mais estudada em todo o mundo, desde a sua primeira constatação por Erwin F. Smith há um século. Por ser vascular e “habitante” de solo, associada a um grande número de plantas cultivadas e daninhas, é uma doença de controle extremamente difícil. As culturas de importância econômica mais afetadas são as Solanáceas como batata, tomateiro, pimentão, berinjela, fumo e outras, mas várias espécies importantes afetadas severamente são de outras famílias como a bananeira, amendoim e gengibre. No Brasil, a murcha-bacteriana é um grande fator de risco para a produção da batata em todas as áreas onde ela é cultivada. Já nas demais Solanáceas, a doença tem grande incidência e severidade nas regiões tropicais de baixa altitude do Nordeste e em toda a Região Amazônica. O “moko” da bananeira é um fator limitante nos cultivos de várzeas dos rios Madeira, Solimões e Amazonas desde o Atlântico até à divisa com Peru e Bolívia. Recentemente foi encontrado também nos estados do Sergipe e de Alagoas, sendo um motivo de grande 170 preocupação para toda a bananicultura nordestina Rs é uma bactéria cosmopolita, extremamente variável, adaptada a grande número de plantas hospedeiras sob as mais variadas condições edafoclimáticas. A dificuldade em desenvolver estratégias eficientes de controle da MB é devida, em grande parte, à falta de conhecimentos básicos sobre a ecologia e evolução deste fitopatógeno (Kelman, 1953; Cook & Sequeira, 1994; Lopes, 1994). Centenas de espécies de plantas estão relatadas como hospedeiras suscetíveis (Buddenhagen & Kelman, 1964; Hayward, 1994) e novas espécies continuam sendo relatadas. Entretanto, não é possível definir a qual estirpe ou variante essas plantas são suscetíveis. Sem esta informação, muito pouco se pode contribuir para a compreensão ou resolução do problema pois as variantes apresentam preferências por hospedeiras e, assim sendo, uma planta pode ser hospedeira suscetível de uma ou de algumas variantes e não das demais. Além disso, essa informação é também essencial para definir as espécies de plantas a serem utilizadas no programa de rotação para o controle da murcha e qual estirpe ou raça (no sentido correto do termo) do patógeno deve ser utilizado para seleção de genótipos resistentes no programa de melhoramento. Esta dificuldade pode ser traduzida pela frase de Buddenhagen (1986) que afirma: “as pesquisas (sobre a murchabacteriana) precisam ser baseadas em agrupamentos naturais (do patógeno)...(porque) existem muitas ‘murchas bacterianas’ e muitas ‘pseudomonas solanacearums’ e a tentativa para generalizar a murchabacteriana como uma única entidade tende a obscurecer a realidade local”. O objetivo do presente trabalho é rever alguns aspectos fundamentais do patógeno, especialmente os relacionados à sua variabilidade, interação com suas hospedeiras e condições edafoclimáticas, e as estratégias atualmente consideradas para o controle da doença. CLASSIFICAÇÃO E VARIABILIDADE DO PATÓGENO O agente causal da murchabacteriana foi descrito pela primeira vez por Smith em 1896 como Bacillus solanacearum e desde então tem sofrido algumas modificações, recebendo diferentes denominações. Porém, a nomenclatura dada em 1914 pelo próprio Smith, como Pseudomonas solanacearum (Smith) Smith, prevaleceu por quase 80 anos. Em 1992, a bactéria foi reclassificada por Yabuuchi et al. (1992) dentro do grupo II de homologia de rRNA de Palleroni et al. (1973) como Burkholderia solanacearum (Smith). Entretanto, menos de três anos depois, essa classificação foi revista com base nos dados de análise filogenética da sequência de nucleotídeos de rDNA de 16S, hibridação de rRNA-DNA, análise de lipídios celulares e de ácidos graxos e também das caracterizações fenotípicas. A bactéria foi então reclassificada dentro do mesmo grupo, porém como um Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. novo gênero, Ralstonia, criado para abrigar o grupo de homologia de DNA distinto do grupo da espécie tipo Burkholderia cepacia (Yabuuchi et al., 1995). Tradicionalmente, RS tem sido classificada em nível infra-subespecífico em três raças, baseadas primariamente em gama de hospedeiras (Buddenhagen et al., 1962), ou em quatro biovares, baseadas na utilização de certos açucares e álcoois (Hayward, 1964). Estas classificações foram complementadas por He et al. (1983), com a inclusão da raça 4 e biovar 5. Estas classificações têm sido úteis em alguns casos, como da raça 2, que inclui apenas as estirpes que afetam as bananeira triplóides, biovares 2 e 3, sendo a biovar 2 limitada às regiões de clima ameno das regiões Centro a Sul do país enquanto a biovar 3 é prevalente em regiões quentes como a Amazônia e Nordeste (Takatsu et al., 1984; Reifschneider & Takatsu, 1985). Apesar deste tipo de análise ser útil como meio de catalogar a diversidade das estirpes, fornecem pouca base para a compreensão da origem e do significado desta diversidade (Cook & Sequeira, 1994). Os avanços obtidos nas técnicas de identificação e caracterização de Rs nos últimos anos especialmente através de métodos moleculares (Cook & Sequeira, 1994; Gillings & Fahy, 1994; Seal & Elphinstone, 1994), veio possibilitar uma visualização evolutiva bastante significativa deste patógeno, trazendo grandes esperanças na identificação das estirpes no contexto epidemiológico e possibilitando a orientação das estratégias de controle e dos trabalhos de melhoramento genético para a obtenção de cultivares resistentes à MB. Gillings & Fahy (1993) descrevem que os avanços alcançados na tecnologia do DNA significam que agora é possível identificar estirpes da bactéria para definir esquemas taxonômicos que refletem acuradamente as relações filogenéticas e para conduzir investigações epidemiológicas significativas baseadas somente em manipulações de DNA. Segundo esses autores, a melhor técnica atualmente empregada é a que usa as endonucleases de restrição do tipo II, em que, quando é feita a digestão do DNA, a enzima reconhece e fende as sequências de DNA específicas, resultando em uma complexa mistura de Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. fragmentos. Este processo é altamente reproduzível, isto é, a digestão do mesmo DNA com a mesma enzima resulta exatamente nos mesmos fragmentos. A partir deste ponto, os fragmentos com genes específicos podem ser detectados através da hibridação com sondas de DNA marcadas (análise de RFLP) ou esta mistura de fragmentos de DNA pode ser separada de acordo com o tamanho, em eletroforese, com os fragmentos migrando para posições determinadas do gel. Os fragmentos são então visualizados por coloração direta, obtendo-se assim, um padrão de bandas (‘genomic fingerprinting’ ou impressão digital genômica) que pode ser classificado em comparação com o padrão de isolados conhecidos. Cook & Sequeira (1994) identificara, até aquela data, 33 genótipos multiloculados ou grupos de RFLP, com sondas que especificam a virulência ou a reação de hipersensibilidade. Estes grupos refletem os agrupamentos baseados em gama de hospedeiras e características fisiológicas, podendo predizer a raça ou a biovar do isolado em questão. Entretanto, a característica que está mais correlacionada aos dados da análise de RFLP é a de origem geográfica da estirpe, podendo visualizar duas divisões geneticamente distintas, uma da Australásia, compreendendo as biovares 3, 4 e 5, e outra das Américas, compreendendo as biovares 1, 2 e 2T. Gillings & Fahy (1994) utilizaram as técnicas de impressão digital e de PCR (‘polimerase chain reaction’) que permitem a identificação em subgrupos ou clones dentro dos genótipos multiloculados (grupos de RFLP) e consideram estas técnicas mais fáceis, rápidas e econômicas. Um dos aspectos mais interessantes esclarecidos com a identificação dos grupos genéticos de RFLP e seus clones é em relação à biovar 2 (biovar 3) de batata. Foram identificadas dentro desta biovar apenas 2 grupos, 26 e 27, ambos geneticamente muito próximos, e o grupo encontrado em muitas áreas de produção de batata em diferentes países foi o 26, originário da região oriental dos Andes, onde os primeiros colonizadores espanhóis tiveram acesso à batata. Os grupos identificados dentro da biovar N2 ou 2-T (fenótipo tropical de baixa altitude, Hayward et al., 1992) foram os grupos 29, 30 e 32, sendo eles geneticamente muito mais variáveis, diferentes de 26 e 27 e, muito provavelmente, originários de diferentes espécies hospedeiras naturais que não a batata. Entre 23 isolados brasileiros da biovar 2 examinados por French et al. (1993), nove (quatro de Brasília, um de Minas Gerais e quatro do estado de São Paulo) eram da Biovar 2-T. Como a ocorrência de biovar 2 nas culturas em terras recém-desmatadas (infecções de primeiro contato) são frequentes tanto em regiões de matas, cerrados ou campos, em toda a região Centro e Sul do Brasil, é provável que a diversidade da biovar 2-T seja muito maior, com muitas hospedeiras nativas. Segundo Eden-Green (1994), os estudos de RFLP forneceram bases racionais para a divisão em estirpes asiáticas e americanas, sendo a biovar 3 considerada como asiática por ser a mais encontrada em todo o Sudeste Asiático, Austrália e muitas partes da África e enquadrada dentro da divisão I, junto com as biovares 4 e 5. Entretanto, como estirpes da biovar 3 são também as mais prevalentes em todas as regiões extensas da Amazônia e do Nordeste e são encontradas naturalmente em florestas, matas e campos virgens, será necessário avaliar maior número de isolados americanos desta biovar, especialmente do Brasil, para definir melhor seus prováveis centros de diversidade. As características da variabilidade da biovar 1 tão pouco estão esclarecidas por causa da magnitude da diversidade genética, já que esta biovar é encontrada no Brasil desde o Rio Grande do Sul até à Amazônia. A definição das estirpes ou grupos das biovares 1 e 3 depende ainda da coleta, isolamento e exame detalhado de grande número de isolados, preferivelmente de hospedeiras naturais distribuídas nas diferentes e imensas regiões do país. A preservação dos isolados obtidos tem sido um dos fatores limitantes para o estudo e caracterização dos isolados de Rs devido à sua instabilidade e perda da virulência em culturas preservadas em água ou liofilizadas. Preservação segura tem sido obtida somente em congeladores a 80oC negativos ou em nitrogênio líquido. 171 TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Dentro da epidemiologia da MB, a sobrevivência do patógeno nas áreas infestadas, as formas de disseminação e o efeito da temperatura podem ser considerados como os aspectos mais importantes. Será feita aqui uma abordagem sucinta de cada um destes aspectos. Sobrevivência nas áreas infestadas Rs parece ser adaptada a colonizar raízes de plantas como rizobactérias, sendo a patogenicidade uma exceção à regra, que acontece em condições edafoclimáticas especiais (Crosse, 1967; Melo, 1995). Assim sendo, a maioria das plantas hospedeiras podem ser assintomáticas ou não suscetíveis. O grande desafio até agora vem sendo a identificação de plantas cultivadas ou invasoras que podem ser ou não hospedeiras das estirpes presentes na área ou região para poder estabelecer um programa adequado de rotação de cultura e para eliminar as hospedeiras intermediárias. A identificação das plantas hospedeiras preferenciais das variantes de Rs definidas em níveis de grupos, clones ou estirpes é de fundamental importância para aperfeiçoar a visão epidemiológica da MB. Segundo Granada & Sequeira (1983), Rs tem baixa capacidade de sobrevivência no solo e as altas populações do patógeno estão associadas a infecções sistêmicas ou localizadas em raízes de plantas hospedeiras resistentes ou assintomáticas. Viana (1995) encontrou população elevada de Rs biovar 1 em raízes de repolho e cenoura sem causar infecção interna, em ensaio em vasos inoculados sob condições de casade-vegetação. Quando nestes solos foram plantados tomateiros como iscas, depois de 90 dias de cultivo com aquelas plantas, os índices de murcha foram bem mais elevados que em parcelas testemunhas cultivadas com tomateiros suscetíveis que morreram no início do ensaio, deixando a bactéria sem sítio adequado de sobrevivência, indicando que plantas hospedeiras não suscetíveis devem atuar como melhores mantenedores do patógeno do que as plantas suscetíveis. Resultados bastante promissores têm sido obtidos no desenvolvimento de 172 métodos em vasos e in vitro para a avaliação da população de diferentes isolados de Rs no sistema radicular de diferentes plantas (Melo, 1995; Bringel, 1997). Nesses trabalhos tem sido demonstrado que muitas espécies de plantas cultivadas, como abobrinha, beterraba, caupi, feijoeiro, repolho e ervilha, que são consideradas normalmente como plantas não hospedeiras, podem manter populações elevadas de muitas estirpes das biovares 1 e 3 de Rs. Com os métodos de avaliação da população radicular de Rs, auxiliados com as técnicas moleculares de identificação de grupos genéticos (grupos RFLP) e de clones, poderá ser tecnicamente possível fazer a identificação segura das estirpes presentes na área ou região e identificar e definir as espécies cultivadas e silvestres hospedeiras e não hospedeiras daquelas estirpes. Disseminação através de materiais de propagação vegetativa Materiais de propagação vegetativa como tubérculos, rizomas e mudas são os veículos mais eficientes de disseminação de Rs a longas distâncias e para novas plantações. Dentre estes materiais, a batata-semente ocupa de longe lugar de destaque, fato este evidenciado pela distribuição da raça 3 (biovar 2A, grupo RFLP 26), originária da região Andina Ocidental, em praticamente todas as regiões do globo terrestre onde a batata é cultivada. As estirpes das raças 1, 2 e 4 (biovares 1, 3, 4 e 5) e também as da biovar 2T ou N2 têm sua distribuição mais ou menos restrita às suas regiões de origem (Gillings & Fahy, 1994). No caso do moko, mudas de bananeira infectadas vem sendo o principal meio de disseminação novas plantações e também para longas distâncias (Cares, 1988). Mudas de helicônia também podem servir de veículo eficiente de transporte do agente causal do moko da bananeira, conforme detectado na Austrália em mudas importadas, contaminadas com a biovar 1, grupo de RFLP 28, encontrado somente na América do Sul (Gillings & Fahy, 1994). Há ainda o caso do gengibre, em que a utilização sem controle fitossanitário de rizomas como material de plantio tem expandido o problema da MB nesta cultura na China, Indonésia e Malásia e, provavelmente, disseminado também para outros países (Hayward, 1991). A introdução de qualquer material de propagação vegetativa de regiões onde a MB é endêmica apresenta sempre certo risco de introdução de alguma estirpe de Rs, já que muitas espécies podem ser hospedeiras não suscetíveis do patógeno. Disseminação através de sementes botânicas A disseminação através de sementes botânicas foi comprovada em tomate (Devi, 1980; Shakya, 1993) e em amendoim (Machmud, 1991; Zhang, 1993). No Brasil não há ainda nenhum dado sobre a disseminação através de sementes, mas, aparentemente, elas não são veículos importantes de disseminação de Rs. Entretanto, a efetividade da disseminação por este meio em Solanáceas como tomateiro, pimentão, berinjela e jiló merece ser investigada nas condições da Amazônia e do Nordeste, onde a MB é fortemente endêmica e se manifesta de maneira muito severa. É muito provável que a não comprovação até agora se deva em parte ao fato de as sementes dessas Solanáceas que são comercializadas no Brasil serem produzidas em regiões onde a MB não ocorre ou a sua incidência é pouco significativa. Outras formas de disseminação A disseminação planta-a-planta do moko da bananeira pode se dar através do contato das raízes, por insetos que visitam a inflorescência e através de ferramentas de corte. No Brasil, o moko da Amazônia, causado pela estirpe A de Rs, encontrada nas lavouras de várzeas ao longo dos principais rios, se dissemina planta-a-planta através de contato entre as raízes, sendo a taxa de disseminação maior na estação de maior precipitação pluviométrica e também nas lavouras onde é feita capina, em que as raízes são feridas, em comparação às lavouras apenas roçadas (Pereira, 1990). As plantas morrem em reboleiras que aumentam lenta e constantemente até atingir toda a plantação e podem ser localizadas à distância. Em terras firmes, quando uma muda infectada é plantada no meio da lavoura, não ocorre, praticamente, a transmissão para plantas vizinhas sadias e a doença tende a desaHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. parecer com a morte daquela touceira. Por outro lado, o moko de Sergipe, encontrado também no estado de Alagoas, em áreas irrigadas nas margens do rio São Francisco, se dissemina rapidamente através de insetos (vespas) que visitam a inflorescência. Os sintomas só podem ser visualizados de perto nos cachos que apresentam maturações irregulares e necroses internas, frutos mumificados e morte da inflorescência masculina. As ferramentas de corte utilizadas para desbaste das mudas e colheita de cachos constituem um meio eficiente e rápido de disseminação planta-a-planta do moko. Efeito da temperatura A MB é uma doença que apresenta maior incidência e severidade nas regiões tropicais e, mesmo nas regiões de clima subtropical ou temperado, a doença se manifesta mais e com maior severidade nos períodos mais quentes. De um modo geral, nos testes de patogenicidade de rotina, a quase totalidade dos isolados da biovar 3 e a maioria dos isolados da biovar 1 não reproduzem sintomas de murcha se a temperatura nos horários mais quentes do dia não estiver entre 30 a 35oC ou mais ou quando a temperatura noturna abaixar para menos de 20oC. Isto ocorre também para muitos isolados da biovar 2T. Haiward (1991) descreve que a temperatura é o fator mais importante entre os que afetam a interação patógeno hospedeiro e que o aumento da temperatura ambiente para 30-35oC durante o dia aumenta também a incidência e a severidade da MB, mas não para todas as estirpes do patógeno. Neste contexto, plantas que eram resistentes ou moderadamente resistentes podem tornar-se suscetíveis em temperaturas mais altas, sendo a resistência, portanto, sensível à temperatura e estirpe-específica. Descreve ainda que não está claro se esta mudança na resistência se deve ao fator de virulência do patógeno que é expresso somente a temperaturas elevadas ou se é efeito da ausência de expressão de genes de resistência da hospedeira em temperaturas elevadas. Identificar as características de comportamento das diferentes estirpes do patógeno em relação às hospedeiras, em Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. função das diferentes condições de temperatura, é um aspecto extremamente importante para os conhecimentos epidemiológicos e para as estratégias de controle da MB. Estas características envolvem não só os fenômenos da manifestação e de recuperação da doença que ocorrem nas variações de temperatura, como também a sobrevivência ou flutuação populacional do patógeno em raízes de diferentes plantas assintomáticas ou não suscetíveis. PERSPECTIVAS DE CONTROLE Diante da grande complexidade da MB, é impossível se falar em seu controle sem se mencionar o manejo integrado, independente da espécie vegetal infectada. Uma estratégia de controle da doença para a batata foi elaborada por French (1994) e considerou uma série de fatores de diferentes pesos de acordo com a eficiência no controle das raças 1 e 3 da bactéria. Será feito aqui um breve comentário sobre alguns destes fatores que melhor se relacionam à situação do Brasil, sendo a maioria deles aplicados não só para a batata, mas também para outras espécies cultivadas que são afetadas pela doença. Plantio em solo livre do patógeno É um dos principais fatores a serem considerados no controle. Entretanto, Rs é nativa em muitos solos brasileiros, havendo sido introduzida em outros através de material propagativo contaminado, como a batata-semente, permanecendo aí associada à rizosfera de plantas daninhas ou mesmo à soqueira de batata. Até há bem pouco tempo, este fator era o mais levado a sério por produtores, pois a batata-semente em Santa Catarina só era produzida em terrenos recém desmatados, teoricamente isentos da bactéria. Algumas vezes, porém, plantas murchas apareciam nestas situações, talvez por estar o patógeno associado à vegetação nativa. O principal problema deste tipo de controle é o alto preço de arrendamento de terras virgens, além das consequências ambientais provocadas pelo desmatamento descontrolado. Solos mais arenosos, que retêm menos água e, portanto, menores condições de abrigarem a bactéria, têm sido preferidos por produtores de tomate em regi- ões onde a MB é limitante, como no Norte e Nordeste do Brasil. Rotação de culturas Enquanto não existirem cultivares resistentes de boa aceitação comercial, a rotação de culturas e eliminação de plantas capazes de manter a população de Rs por longo tempo nas áreas infestadas são as medidas mais importantes, dentro de um conjunto de medidas integradas de controle, por ser Rs um patógeno que tem baixa capacidade de sobrevivência no solo (Granada & Sequeira, 1983) e que consegue persistir na área infestada apenas através da associação com raízes de plantas na forma de infecção sistêmica (Granada & Sequeira, 1983) ou epifítica (Viana, 1995 ; Melo, 1995). Os melhores resultados têm sido obtidos com gramíneas como milho, arroz e pastagens (de gramíneas). A rotação com gramíneas tem se mostrado a alternativa mais viável para o desmatamento de vegetação nativa. Cada vez mais áreas cultivadas com Solanáceas, principalmente na região Sul do país, voltam a ser utilizadas para o plantio com espécies desta família após alguns anos de cultivo de gramíneas. A associação de pastagens com batata tem dado excelentes resultados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Após batata, o solo é cultivado por três a cinco anos com capim, de preferência com pisoteio de gado bovino, que previne o aparecimento de soqueira que poderia perpetuar a doença no solo. A prática mais frequente, no entanto, é fazer a rotação com outras hortaliças não pertencentes à família das Solanáceas porque as gramíneas não são opções viáveis para a maioria dos pequenos horticultores. Entretanto, é frequente observar nestas condições, a manifestação da murcha mesmo depois de vários anos de rotação. Esta situação se deve à permanência de R. solanacearum em associação com plantas hospedeiras não suscetíveis ou assintomáticas ainda não identificadas. Viana (1995), Melo (1995) e Bringel (1997) estudaram uma metodologia de identificação de plantas hospedeiras ou não-hospedeiras de diferentes estirpes de Rs. Para tanto, foi avaliada a coloni- 173 TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. zação de raízes de plantas cultivadas em condições de casa-de-vegetação, utilizando variantes de Rs com resistência múltipla a antibióticos. Bringel (1997) adaptou a metodologia de cultivo in vitro a partir de sementes para esta finalidade, o que possibilitou uma avaliação preliminar rápida de grande número de isolados em grande número de espécies de plantas. Estes resultados constituem avanços muito significativos na metodologia de avaliação da colonização de raízes por Rs e muito promissores para os trabalhos de identificação de plantas hospedeiras e não-hospedeiras em função das estirpes existentes na área de cultivo. Estes trabalhos de identificação de hospedeiras, complementados com métodos moleculares de caracterização de estirpes permitirá a identificação de grupos e ou clones dentro do contexto epidemiológico, como patogenicidade, preferência por hospedeira ou grupo de hospedeiras e origem geográfica. À medida que novas estirpes caracterizadas forem sendo catalogadas, será mais fácil o trabalho de identificação das estirpes presentes nas áreas infestadas e será mais eficiente o controle da doença. RESISTÊNCIA Genética Mesmo que vários autores indiquem a resistência genética como o único método efetivo e prático para o controle da MB, Buddenhagen (1986) exemplifica que, embora progressos tenham sido feitos com fumo, tomate, batata, pimentão, berinjela e amendoim, a doença continua sendo importante nestas culturas, indicando que muito ainda necessita ser feito. Estamos cada vez mais conscientes de que a biotecnologia moderna (Young & Danesh, 1994) pode complementar as técnicas convencionais de melhoramento, dando novo impulso ao desenvolvimento de cultivares, principalmente por oferecer uma maior amplitude de genes de resistência, de diferentes origens. No Brasil, apenas a cultivar de batata Achat tem mostrado resistência de campo à doença. Entretanto, acredita-se que genótipos resistentes oferecem o risco de aumentarem a disseminação da doença através de infecção latente, i.e., tubérculos-sementes que tenham passa174 do nas inspeções de campo e tubérculo podem não apresentar sintomas, mesmo estando infectados. Este fato aparentemente não tem sido constatado no caso da cultivar Achat, que provavelmente apresenta também resistência à infecção latente, o que necessita ser melhor avaliado. O Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças da EMBRAPA, com a colaboração do IAPAR - Curitiba e do Centro Internacional de la Papa - CIP, no Peru, tem buscado fontes de resistência igual ou melhor àquela da cultivar Achat, que não pode ser utilizada em melhoramento tradicional por não florescer. Atualmente, a Embrapa Hortaliças conta com quinze clones promissores, selecionados por apresentarem boas características de tubérculo e resistência à MB. Estes clones estão sendo utilizados na Embrapa Hortaliças em cruzamentos com cultivares, estando também disponíveis a outros programas de melhoramento. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA - vem desenvolvendo trabalhos de peso no melhoramento genético de hortaliças (Noda, 1996; Noda & Machado, 1996), sendo um dos seus produtos a cultivar de tomate com alto nível de resistência à MB e adaptada às condições de Trópico Úmido, denominada Yoshimatsu (Noda et al., 1988). Entretanto, nenhuma cultivar de tomate possui resistência suficiente à MB em clima quente e úmido, em condições de alta infestação do solo, como ocorre após plantios sucessivos de Solanáceas na mesma área. A resistência em tomate também é poligênica, portanto sujeita a efeitos ambientais, necessitando de testes locais para averiguar sua estabilidade. O mesmo ocorre em pimentão e berinjela. Nestes casos, a Embrapa Hortaliças conta com boas fontes de resistência que deverão resultar em breve em cultivares com um razoável grau de resistência. Dentre estas fontes de resistência destacam-se CNPH 171, CNPH 175, CNPH 407 e CNPH 408 (berinjela), CNPH 143 (pimentão), e Hawaii 7996, Hawaii 7997, Hawaii 7998, CRA 66 e Yoshimatsu 411 (tomate). Em banana não foi encontrada ainda nenhuma cultivar resistente ao moko. Entretanto, a cultivar Pelipita, de brácteas persistentes, tem mostrado baixa incidência da doença causada por estirpes do patógeno disseminadas por insetos (Cares, 1988). FUMIGAÇÃO É bastante utilizada e eficaz em cultivos protegidos, onde normalmente ocorre aumento sucessivo do potencial de inóculo pela dificuldade de se fazer rotação de culturas. Tem sido utilizada principalmente para as culturas de tomate, pimentão e pepino em estufas, não sendo economicamente viável em cultivos em campo aberto. Neste processo, o produto utilizado na quase totalidade dos casos é o brometo de metila que, no entanto, deverá ter sua produção interrompida no início do próximo século. Assim, há que se buscar alternativas, em especial para o manejo da doença em cultivos protegidos. Outras formas de controle químico como o uso de antibióticos, fungicidas cúpricos e desinfestantes, pulverizados na parte aérea ou aplicados ao solo, têm se mostrado ineficazes, além de economicamente inviáveis. Solarização Embora pouco estudada, é uma alternativa que deverá ser melhor explorada, principalmente em cultivos protegidos, conforme indicado no item anterior. A questão maior fica por conta da sobrevivência de células bacterianas protegidas em bolsões de solo, que poderão reiniciar a infecção. Sabe-se que Rs pode ser encontrada a uma profundidade de até 1 metro, onde a temperatura dificilmente atingirá um valor capaz de eliminar a bactéria, que é nativa de regiões de solos quentes. Manejo da Água A alta umidade do solo afeta positivamente a disseminação, a multiplicação e a colonização de Rs, com consequente aumento da taxa de progressão da doença no campo. Solos bem drenados e irrigados de forma adequada certamente resultarão em menor ataque da MB. Culturas como tomate e batata frequentemente recebem exces- Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. so de água, muitas vezes com irrigações diárias. Além de favorecer a doença diretamente, alguns nutrientes fornecidos pela adubação são lixiviados, tornando as plantas carentes de um balanço nutricional adequado e, portanto, menos resistentes ao ataque de doenças. Época de Plantio e Exploração de Microclimas Tem efeito bastante significativo nas perdas provocadas pela MB, especialmente em cultivos de ciclo curto, como as hortaliças. Em batata, este fator foi evidenciado em São Paulo (Miranda Filho et al., 1988), onde foi constatada a viabilidade de se produzir batata-semente em plantios de inverno. A época desejável de plantio é aquela em que não ocorra temperatura alta associada a alta pluviosidade. Em Brasília, os plantios feitos em abril - maio são os mais bem sucedidos, pois permitem coincidir o período mais sensível da cultura (início da tuberização da batata e frutificação do tomate) com o período mais frio do ano, que desfavorece a multiplicação e infecção pelo patógeno. Na região Nordeste do Brasil, a grande maioria das culturas de tomate para consumo in natura e de pimentão estão em áreas de microclima de temperatura amena, como o Planalto da Borborema, Serra do Ibiapaba e Serra do Baturité. Há também vários pontos de produção de batata no Nordeste, como Paripiranga, na Bahia, Simão Dias, em Sergipe, e Lagoa Seca, na Paraíba. O cultivo nestes microclimas se deve não só ao fato de estas Solanáceas serem melhor adaptadas às condições de temperaturas mais amenas, mas principalmente devido à alta incidência, de forma devastadora e persistente, da murchabacteriana nas zonas de baixa altitude. Solos Supressivos É um fator muito pouco explorado devido à sua complexidade, relacionada à própria complexidade física, química e biológica do solo. Embora não devidamente explicado ou mesmo publicado, o fenômeno da supressividade tem sido frequentemente observado, Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. principalmente em solos sob vegetação nativa das regiões Sul, Centro Oeste e Nordeste. O tipo mais comum tem sido chamado “Campo-biô”, termo cunhado por produtores japoneses para caracterizar a MB que desaparecia do solo após plantios sucessivos com batata. Neste caso, o patógeno parece existir no solo em populações bastante altas, capazes de provocar perdas de até 80%. Entretanto, diferentemente da MB “comum”, em plantios sucessivos com batata ou com várias outras culturas de ciclo curto, a doença regride até permanecer em níveis de dano desprezível ou mesmo desaparecer. Acredita-se que o cultivo intensivo do solo aumenta a população de microrganismos antagônicos a Rs, que pode existir em formas mais ou menos competitivas no solo, face a sua grande variabilidade genética. Semente Certificada Uma das culturas mais afetadas pela MB no mundo é a batata. Neste caso, o fator mais importante no manejo da doença é a utilização de batata-semente certificada, ou seja, aquela que passou por inspeções de campo e de tubérculo, não sendo constatada a doença em nenhuma desta fases. Responsável pela maioria das condenações de campos de certificação, a MB era a principal causa da preferência de produtores pela batata-semente importada. Hoje isto não acontece, em virtude do bom controle de qualidade da batata-semente nacional e devido à constatação da doença em países onde ela era considerada inexistente, como Suécia, Holanda e Chile. A não tolerância da MB em batatasemente tem sido frequentemente questionada, em virtude principalmente da presença endêmica da doença na maioria das regiões produtoras do país. Entretanto, devido à rápida disseminação da doença via batata-semente e via solo (escorrimento e aderido a máquinas), à dificuldade de amostragem para análise em tubérculo e em campo, à ausência de testes confiáveis para a diagnose precisa e rápida da doença e à forma latente como a doença se apresenta sob condições sub-ótimas ao seu desenvolvimento, a tolerância nas inspeções de certificação e de importações deve permanecer “zero”. Ressalta-se aqui a grande responsabilidade dos técnicos nas inspeções de lotes de batata-semente importados, principalmente com o advento do Mercosul. Plantios informais de batata, que muitas vezes são feitos com batata-consumo desviadas para “semente”, podem estar contaminados por patógenos diversos, inclusive variantes exóticas de Rs. Controle Biológico A literatura tem se tornado bastante rica em trabalhos sobre o controle biológico da MB em virtude da baixa eficiência do controle da doença através das técnicas chamadas convencionais. Entretanto, a grande maioria dos relatos tem se restringido a testes in vitro ou com plantas cultivadas em solo esterilizado, quase todos sugerindo que não passarão de eternos métodos “potenciais” de controle. Dentre os mais promissores citados, encontram-se as bactérias dos gêneros Bacillus, os actinomicetos e isolados avirulentos do próprio patógeno. A existência de solos supressivos é forte indicação de que o controle biológico existe na natureza e que merece atenção da pesquisa, mas necessita, muito mais do que simples isolamentos de antagonistas promissores, testes in vitro e em plantas envasadas. Há que se buscar maneiras de avaliar a competitividade dos agentes antagonistas no solo, isoladamente ou em mistura com outros microrganismos. Isto porque a ação supressiva em condições de campo é obtida por uma composição de vários antagonistas e outros microrganismos. Esta composição pode variar em função das condições físico-químicas de cada solo e da sua flora microbiana. A eficiência de uma composição mista de microrganismos no controle da doença depende portanto da sua capacidade em adaptar-se à condição físico-química do solo em questão e de competir com a sua microflora, além da sua atividade antagônica. Resultados obtidos com microrganismos antagônicos testados individualmente, em condições de vasos, representam apenas um pequeno passo em uma grande distância a ser percorrida até a sua aplicação em diferentes condições de campo. 175 TAKATSU, A.; LOPES, C.A. Murcha-bacteriana em hortaliças: avanços científicos e perspectivas de controle. Exclusão Ralstonia solanacearum é uma espécie cosmopolita que apresenta grande variabilidade, não só quanto à preferência por hospedeiras, como também quanto à adaptação edafoclimática. Dentro deste quadro, existem variantes que não ocorrem no Brasil e, portanto, a sua introdução deve ser impedida através de medidas de exclusão. Como exemplos, podem ser citadas a variante que causa a MB do amendoim, que ocorre no Sudeste Asiático, Oceania e EUA; a que causa a MB do gengibre, que ocorre no Sudeste Asiático e Oceania; e a estirpe SFR, que causa o “moko” da bananeira em regiões de temperatura amena da Colômbia. A importação de materiais de propagação de plantas sem as medidas adequadas de defesa fitossanitária pode resultar na introdução de estirpes exóticas, ampliando a sua variabilidade no país e, consequentemente, agravando o quadro das “murchas” existentes. Adicionalmente, pode-se ampliar ainda mais o número de espécies afetadas pela doença. Erradicação Para culturas de ciclo curto, como a maioria das hortaliças, esta medida é pouco significativa no cultivo atual, embora reduza a multiplicação do inóculo inicial para a próxima safra. Neste caso, é recomendável cobrir o local da planta arrancada com cal e retirar a planta inteira do campo em saco de plástico, para não espalhar solo infestado para outras partes do campo. No caso da bananeira, entretanto, a erradicação é bastante eficiente para as estirpes que se disseminam lentamente através de contato das raízes (estirpe A), como acontece nas várzeas da região Amazônica (Pereira, 1990). Para as estirpes que se disseminam através de insetos que visitam a inflorescência, como acontece em Sergipe, é importante se fazer a erradicação precoce de focos, com inspeções de duas a quatro semanas de intervalo, além da remoção do coração ou umbigo logo após a floração da última penca (Cares, 1988). Erradicação precoce dos focos é também uma medida 176 importante para impedir a disseminação da doença através de ferramentas de corte utilizadas para desbaste de mudas e colheita de cachos, tendo em vista que é praticamente impossível fazer a desinfecção das ferramentas em cada operação de corte. Considerações Finais Técnicas moleculares como as de análise de RFLP, PCR e “genomic fingerprinting”, assim como as técnicas convencionais de avaliação da colonização de raízes in vitro e em condições de casa-de-vegetação continuarão a ser aperfeiçoadas e as estirpes de Rs serão melhor caracterizadas no contexto evolutivo e epidemiológico, possibilitando o desenvolvimento de estratégias adequadas de controle, baseadas principalmente em dados e informações mais precisas de sobrevivência do patógeno na rizosfera de plantas cultivadas e silvestres. Técnicas moleculares deverão também permitir a detecção da bactéria em níveis populacionais muito baixos, possibilitando a identificação de baixas populações do patógeno no solo e infecções latentes em material propagativo, como em batata-semente, resultando em melhor possibilidade de se reduzir o inóculo inicial. Estas técnicas permitirão ainda e relacionar a variabilidade do patógeno com a resistência genética do hospedeiro. A obtenção de plantas transgênicas com resistência à MB é uma realidade cada vez mais próxima, à medida que os genes de resistência das diferentes hospedeiras vêm sendo mapeados e, mesmo que a resistência não seja do tipo vertical, qualquer nível intermediário de resistência será útil, quando associado a outras medidas de controle. Embora o controle biológico tenha mostrado alguns resultados promissores sob condições controladas, a complexidade do patógeno em relação à sua sobrevivência no solo leva a crer que este não será um componente forte no manejo da doença a curto prazo. French (1994) acredita que a MB possa ser erradicada em regiões de produção de batata onde ocorre somente a raça 3 do patógeno, que ataca quase exclusivamente a batata, tem baixa capacidade de sobrevivência no solo e está associada a poucas espécies hospedeiras. Isto dependerá de grande esforço da pesquisa e da extensão rural, além de disponibilidade de batata-semente com garantia de ausência de infecção, inclusive latente. Técnicas pouco convencionais, como a enxertia em cavalo resistente, não deverão ser enfatizadas devido à dificuldade de execução, a não ser para situações especiais como cultivos protegidos. LITERATURA CITADA AKIEW, E. B. Influence of soil moisture and temperature on the persistence of Pseudomonas solanacearum. 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Bolkan Campbell Research and Development, 28605 County Road, 95616 Davis - CA, USA. Palavras-chave: pimentão (Capsicum annuum), tomate (Lycopercison esculentum), batata (Solanum tuberosum), salsão (Apium graveolens), queima-do-salsão (Septoria apiicola), aspectos econômicos, Bacillus thuringiensis, baculovírus, feromônios, plantas transgênicas, previsão do tempo, avaliação de riscos. Keywords: pepper (Capsicum annuum), tomato (Lycopercison esculentum), potato (Solanum tuberosum), celery (Apium graveolens), celery blight (Septoria apiicola), economic aspects, Bacillus thuringiensis, baculoviruses, pheromones, transgenic plants, forecasting, risk assessment. A s hortaliças de forma geral necessitam de cuidado in tensivo devido ao ataque de pragas e doenças. Os agricultores precisam usar estratégias economicamente viáveis para se manterem competitivos no mercado global. Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIPD) é a melhor forma de manter a qualidade do meio ambiente e assegurar a competitividade dos produtores no mercado interno e externo. O MIPD oferece baixo custo de produção sem reduzir a produtividade das culturas, usando um conjunto de diversas técnicas de controle de pragas e doenças. Atualmente uma virtual revolução no desenvolvimento do MIPD certamente aumentará a quantidade de métodos eficientes à disposição dos produtores no controle de pragas e doenças. Por exemplo, entre os pesticidas naturais, significantes melhorias estão surgindo com o auxílio de modificações genéticas. Bacillus thuringiensis (Bt), amplamente utilizado a nível comercial nas últimas décadas, teve sua forma de ação melhorada por meio de técnicas de transconjugação. Outro exemplo são os baculovírus, que estão sendo geneticamente manipulados para aumentar a sua velocidade de ação, o que resultará em extermínio rápido dos seus hospedeiros tornando-os comercialmente viáveis. Melhor entendimento dos mecanismos biológicos das pragas associadas com seus hospedeiros proporcionará ao MIPD desenvolver estratégias mais eficientes no controle das pragas e doenças. O MIPD envolve contínua avaliações e modificações à medida que novos conhecimentos vão surgindo. Um 178 bom exemplo do uso desses conhecimentos são os feromônios. Esses químicos naturais, extraídos dos insetos, podem ser usados para monitorar populações, atrair os insetos em armadilhas e também para alterar o comportamento dos mesmos prevenindo o acasalamento. Essa técnica tem sido utilizada comercialmente e com sucesso para controlar Spodoptera exigua em pimentões e Keiferia lycopersicella em tomates. Plantas modificadas geneticamente também estão contribuindo para o MIPD. Plantas transgênicas contendo os genes responsáveis pela proteína tóxica Bt estão controlando Leptinotarsa decemlineata em batata. Como é de conhecimento geral, fatores climáticos afetam a qualidade e a produtividade das culturas e também a severidade do ataque de pragas e doenças, portanto, dados climáticos para previsão de doenças são importantes fatores para a tomada de decisão dos produtores. Tais tecnologias são significantes constituintes do futuro MIPD que poderão, associadas a outros métodos atualmente utilizados, produzir abundante alimento a um preço razoável. EXEMPLO DE UM MIPD BEM SUCEDIDO - DOENÇAS VIRÓTICAS EM HORTALIÇAS Doenças viróticas têm sido consistentemente um problema para a produção das hortaliças em várias partes do mundo. Produtores têm constantemente aplicado pesticidas para controlar os vetores de vírus ou expandido a área plantada como tentativa de minimizar os prejuízos. Um importante objetivo é, todavia, aprender como manejar as doenças viróticas sem investir em uma grande área de plantio ou na aplicação demasiada de pesticidas. Uma possibilidade será o uso de sistemas de previsão de doenças, associados a várias tecnologias de identificação de fatores epidemiológicos e fatores do ambiente que proporcionam o desenvolvimento de doenças viróticas. Pragas e doenças na agricultura se estendem além de determinada área cultivada e melhores resultados para o controle dessas doenças e pragas são obtidos com atuações de âmbito regional. Inóculos de patógenos que se disseminam por meio de correntes aéreas resultam em doenças que exibem padrões de desenvolvimento baseado na distribuição das fontes de inóculo na região. Todavia, controle baseado na análise da distribuição espacial do patógeno deve ser considerado para as doenças viróticas. Para uma virose causar uma epidemia significante, a fonte de vírus deve estar em uma proximidade de 50 a 150 metros da área de cultivo. A probabilidade de hospedeiros alternativos estarem próximos à área de cultivo depende da região. A avaliação de risco utiliza dados do Sistema de Informação Geográfica (SIG) (coordenadas geográficas da região), do Sistema de Posicionamento Global (SPG) (identificam as coordenadas geográficas) e da geoestatística (análise geográfica) para identificar padrões geográficos de desenvolvimento de epidemias. Usando esse conjunto de avançadas tecnologias, dados podem ser Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. BOLKAN, H. Manejo integrado de pragas e doenças em hortaliças. coletados, armazenados, analisados e comparados anualmente para cada área e conclusões podem ser obtidas sobre os padrões de distribuição das doenças. Modificações nas práticas culturais de uma determinada lavoura podem ser recomendadas para a redução das perdas devido a doenças. Tais informações podem também ser usadas para o estabelecimento a longo prazo de sistemas de produção, visando hortaliças de alta qualidade. A avaliação dos riscos antes do plantio torna-se um ponto crítico no programa de controle de viroses. Risco é produto de dano e exposição (Risco = dano x exposição). Dano é a medida de suscetibilidade de uma planta ao vírus que varia entre 0 (resistente) e 1 (suscetível). Considerando o fato de que não se tem conhecimento de quais vírus ocorrerão na lavoura e muito menos a tolerância da mesma à infecção por esses vírus, os danos no plantio de, por exemplo, tomate, são sempre considerados. Da mesma forma, exposição é a parte do ciclo de vida da planta na qual a mesma é suscetível ao vírus. Plantas que estejam próximas à fonte de inóculo têm alto risco de serem expostas aos vírus e devem ser evitadas ou tais fontes devem ser removidas antes do plantio. Um sistema numérico de avaliação tem sido desenvolvido para ajudar a quantificar o risco relativo do plantio de determinada área. Se duas áreas com características semelhantes estão disponíveis para o cultivo, a área com menor risco de doença deve ser usada para o plantio. SISTEMA DE PREVISÃO DE FATORES CLIMÁTICOS E MANEJO DA QUEIMA-DOSALSÃO doze aplicações de fungicidas. Essas pulverizações eram baseadas somente nos estágios de desenvolvimento da planta e não na presença do patógeno, o que resultava em aplicações desnecessárias de fungicidas. Uma vez que não se dispõe de cultivares resistentes, aplicações regulares de fungicidas são essenciais para o controle efetivo da doença. Atualmente, essas aplicações tem sido possíveis com o uso de um sistema de previsão de doenças que utiliza fatores climáticos, tais como temperatura e período de molhamento foliar favoráveis a infecções de S. apiicola. Com a implementação do sistema de previsão TOM-CAST e o uso de uma escala de severidade da doença, produtores de salsão estão economizando de quatro a seis aplicações por estação de cultivo, dependendo da localização da área. No passado, o controle da queima do salsão (Septoria apiicola) incluía TOKESHI, H.; HARADA, D.Y. Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 179-182, 1997. Palestra. Suplemento. Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. Integrated disease control in vegetable species. Hasime Tokeshi1; Douglas Y. Harada2 1 USP-ESALQ, Depto. de Fitotecnia, 13.416-130 Piracicaba - SP; 2 Fundação Mokiti Okada (MOA), C. Postal 33, 13.506-000 Ipeúna - SP. Palavras-chave: doenças de solo, agricultura sustentável, agricultura orgânica, alface (Lactuca sativa), Sclerotinia sclerotiorum, batata (Solanum tuberosum), requeima (Phytophthora infestans), murcha-bacteriana (Ralstonia solanacearum). Keywords: soil-borne diseases, sustainable agriculture, organic agriculture, lettuce (Lactuca sativa), Sclerotinia sclerotiorum, potato (Solanum tuberosum), late blight (Phytophthora infestans), bacterial wilt (Ralstonia solanacearum). INTRODUÇÃO O constante desaparecimen to dos cinturões verdes de produção de hortaliças nas regiões canavieiras do estado de São Paulo tem sido atribuído a causas diversas. Isto no entretanto está intimamente relacionado à poluição ambiental dos canaviais por herbicidas, que atingem as hortaliças diretamente pela deriva pelo ar ou indiretamente pelas águas de irrigação. Fatos como estes estão ocorrendo em vários locais e nos mostram que a poluição ambiental nos atinge constantemente via alimentos contaminados. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. A crescente concientização sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde do homem, animais e plantas, na contaminação da água, na degradação do solo e na perda dos inimigos naturais, nos obriga a refletir e cogitar sobre uma postura que a sociedade como um todo tem o dever de assumir, assim como o dever de buscar soluções. Deixar para as gerações futuras o meio ambiente como herdamos dos antepassados é a nossa obrigação. Avanços tecnológicos dos agroquímicos biológicos, sem dúvida, uma conquista valiosa que devemos respeitar e adotar na medida em que não agridam a natureza. Buscar soluções alternativas e formar pesquisadores conscientes é uma meta para aqueles que tem como ideal um futuro saudável para as gerações futuras. MÉTODOS DE CONTROLE INTEGRADO DE DOENÇAS DO SOLO No controle integrado das doenças das espécies olerícolas a maior dificuldade está relacionada ao cultivo intensivo do solo, área limitada, proximidade das culturas, falta de cultivares resistentes às doenças e dificuldade e inviabilidade do uso de rotação de cul179 TOKESHI, H.; HARADA, D.Y. Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. tura. O problema é agravado nas doenças do solo onde o patógeno se mantém viável por anos sem que se possa aplicar medidas eficientes de controle. Entre os patógenos do solo destacamos Fusarium, Rhizoctonia, Pythium, Sclerotinia, Sclerotium, P. solanascearum e nematóides que são agressivos em solos desestruturados, mal drenados, compactados, com baixo teor de matéria orgânica e com o mínimo de atividade biológica. Todos eles tem como ponto comum a necessidade de solos degradados, elevada umidade superficial e baixa atividade biológica. Para controle das doenças do solo necessitamos de conhecimentos das atividades fisico-químicas e biológicas do solo, pois é neste ambiente integrado, complexo e multidisciplinar que as medidas de controle irão atuar. Os avanços das pesquisas na área de agricultura orgânica, biodinâmica e sustentável estão cada vez mais enfatizando a importância da estruturação do solo e da atividade microbiológica no controle destes organismos. Dezenas de produtores do cinturão verde do estado de S. Paulo solucionaram os problemas mencionados, aumentaram a rentabilidade, reduziram a poluição ambiental, controlaram erosão, diminuíram a irrigação e mostraram novos paradigmas a serem adotados. Entre os pioneiros da técnica selecionou-se como modelo um produtor enquadrado dentro do sistema de agricultura sustentável usando microorganismos eficientes (EM). Segundo depoimento do produtor, o preparo do solo foi sempre feito com enxada rotativa, de oito a doze vezes ao ano, e o solo foi cultivado com espécies olerícolas com o emprego de todos os adubos solúveis, corretivos, inseticidas, fungicidas, bactericidas e nematicidas do mercado. Com o aumento na utilização de insumos agrícolas, as doenças murchadeira-da-batata, podridão-deesclerotínia, esclerócio, fusário, tombamento e nematóides passaram a infestar todas as áreas cultivadas, causando perdas irreparáveis. Devido à degradação do solo, erosão, doenças do solo, pragas, baixa produtividade e problemas financeiros a empresa foi à falência. Na impossibilidade de comprar insumos 180 agrícolas e na falta de crédito, o produtor foi obrigado a buscar soluções alternativas e passou a empregar o EM em associação com adubações verdes, feitas com plantas invasoras e restos de cultura. Durante todo o período manteve a enxada rotativa no preparo do solo, de oito a doze vezes ao ano, como sempre fez. Dois a três anos após a mudança do sistema observou que o solo ficou fofo e a frequência da irrigação mudou de duas a três vezes por semana para uma irrigação a cada sete a dez dias. A erosão não era mais problema e a produtividade voltou a ser alta, precoce e de ótima qualidade, desaparecendo também os problemas de pragas e doenças do solo. Diante dos fatos relatados, procurando averiguar a sua veracidade, avaliouse nestas áreas a estruturação do solo pela sua compactação, velocidade de infiltração básica de água, infiltração de tinta e porosidade como possíveis fatores responsáveis pela supressividade das doenças do solo (Tokeshi et al., 1993). Neste trabalho avaliou-se estatisticamente, com penetrômetro de impacto, a compactação do solo abaixo da camada arável de duas áreas, com e sem aplicação do sistema EM. Os resultados (Tabela 1) mostraram que o solo com EM está sem pé-de-grade de 0 a 41 cm de profundidade e este solo superou o controle quanto à compactação em até 317%. Já a velocidade de infiltração da Tabela 1 - Média de compactação de solo no subsolo de áreas com (EM) e sem (pomar) aplicação de microorganismos eficazes (EM). Profundidade Tratame nto 21- 23 Pomar 2 1- 2 3 EM 23- 25 Pomar 23- 25 EM 25- 27 Pomar 25- 27 EM 27- 29 Pomar 27- 29 EM 29- 31 Pomar 29- 31 EM 31- 33 Pomar 31- 33 EM 33- 35 Pomar 33- 35 EM 35- 37 Pomar 35- 37 EM 37- 39 Pomar 37- 39 EM 39- 41 Pomar 39- 41 EM Pancadas por de címe tro1 3,67 b 0,88 a 3,84 b 1,46 a 3,78 b Aume nto da compactação % 317 0 159 0 111 1,79 a 0 3,42 b 93 1,77 a 0 3,39 b 118 1,55 a 0 3,14 b 85 1,69 a 0 3,12 b 79 1,74 a 0 2,89 b 64 1,76 a 0 2,62 b 33 1,96 a 0 2,67 b 42 1,88 a 0 Médias seguidas de mesma letra não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. TOKESHI, H.; HARADA, D.Y. Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. Tabela 2 - Número de apotécios de Sclerotinia sclerotiorum em solos com umidade diferentes. Núme ro mé dio de apoté cios nos s olos Pé de Arado (cm) Oito Re pe tiçõe s Natural EM 1,6 a 15 4,5 b 10 2,6 ab 5 0,6 ab D e z Re pe tiçõe s 45,0 a 138,0 b 101,0 b 93,0 b Médias seguidas de mesma letra não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade. água de chuvas em duas áreas com EM foi de 26,72 e 49,15 cm/h, contra 8,90 e 2,65 cm/h nos respectivos controles. Os aumentos de infiltração foram de 232 e 1.762% respectivamente e explicam claramente o controle de erosão observado pelo produtor. As medidas de infiltração de tinta e porosidade dos solos confirmaram os dados apresentados. Devido à similaridade das condições de umidade requerida por Sclerotinia sclerotiorum e os outros patógenos do solo controlados pelo sistema, escolheuse este fungo como modelo de estudo pela facilidade de avaliação, tamanho do inóculo, importância econômica e possibilidade de repetir a experimentação, porque a doença ocorre anualmente de abril a setembro naquele local. Testouse a hipótese de que o pé-de-grade mudava a umidade do solo e estimulava assim a produção de apotécios (corpos de frutificação) de S. sclerotiorum, este fato estando relacionado à supressividade do solo sem pé-de-grade. Assim Tokeshi et al. (1995) avaliaram em dois experimentos o número de escleródios férteis e abortados, número de apotécios por escleródios e umidade do solo. Determinou-se que a umidade superficial do solo é um dos principais fatores que controlam a produção e abortamento de apotécios. Dos resultados e análises destacamos os seguintes mecanismos de controle: a) redução do número de apotécios; b) abortamento de escleródios germinados; c) redução do número de apotécios do solo; d)competição por nutrientes na superfície da planta; e) efeito dos camalhões e f) evasão (Tokeshi, 1991ab). Na tabela Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 2 são apresentados os resultados médios do número do apotécios em dois anos de experimentação em solo cultivado com EM. Em ambos os experimentos o solo supressivo reduziu o número de apotécios produzidos e diferiu estatisticamente dos demais tratamentos a 5% de probabilidade. No solo supressivo a esporulação não coincide com o período suscetível e a planta evade do patógeno ao mesmo tempo que destrói o inóculo do solo. MÉTODO DE CONTROLE INTEGRADO DE DOENÇAS DA PARTE AÉREA Dentre as plantas cultivadas nos solos supressivos destacamos a cultura da batata (Solanum tuberosum) que vem sendo cultivada por quatro anos no mesmo solo, com a mesma semente. Estas práticas deveriam causar epidemias de viroses, doenças foliares, nematóides e murchadeira-da-batata. No entanto, mesmo sem as aplicações de inseticidas, nematicidas e fungicidas, todos os agentes mencionados estão presentes, mas os danos são desprezíveis. No caso específico da requeima (Phytophthora infestans), o controle é feito com a calda bordalesa, aplicada de três a cinco vezes no ciclo da cultura. O controle é sempre associado ao uso de cultivares resistentes ao fungo. Para verificar se a resistência genética faz parte do sistema, foram instalados, em 1996, dois testes de cultivares. No primeiro usou-se as cultivares Bintje (suscetível), Aracy (de resistência intermediária) e Itararé (resistente). Verificou-se que as cultiva- res com resistência alta e intermediária produziram adequadamente, pois a doença só ocorreu tardiamente, após a fase de formação dos tubérculos. Cultivares suscetíveis, como a Bintje, são impróprias para o sistema e não são utilizadas pelo produtor, pois morrem antes de formar tubérculos. No segundo teste, feito de agosto a outubro, com as cultivares Baraka (resistência intermediária) e Itararé (resistente), os resultados foram semelhantes Durante os quatro anos de cultivo da batata na mesma área, foram observados focos isolados da murchadeira-da batata, que não aumentaram de tamanho, indicando a falta de dispersão da bactéria para as áreas e plantas vizinhas. Os dados obtidos contrastam com outros cultivos da região que usualmente recebem de quinze a vinte aplicações de agroquímicos para o controle de doenças e pragas. CONCLUSÕES Os métodos alternativos de controle de doenças apresentados atuam basicamente no ambiente do solo, fitoplano e rizoplano das plantas. Os microorganismos responsáveis pelas mudanças agem indiretamente mudando as propriedades fisico-químicas do solo, a fisiologia da planta, a competição por nutrientes, o antagonismo, a antiniose e o parasitismo nos patógenos. Procurar manter o equilíbrio energético do ecossistema; a biodiversidade das plantas; conservar o solo biologicamente ativo (vivo) e respeitar as interligações dos seres vivos da natureza são a chave do controle integrado de doenças e pragas. A redução da frequência de irrigação, maior infiltração de água, aumento de capacidade de retenção de água e ausência de compactação aparentemente foram as causas da transformação do solo conducente em solo supressivo a S. sclerotiorum e possivelmente também a outros patógenos do solo. A redução de 50% de tempo necessário para transformar o solo de agricultura tradicional a sustentável é um dos grandes benefícios do sistema estudado. O sistema de agricultura sustentável com EM requer sempre o uso de cultivares resistentes 181 TOKESHI, H.; HARADA, D.Y. Controle integrado de doenças de espécies olerícolas. associado à biodiversidade de plantas e à manutenção do equilíbrio biológico dos agentes de controle das pragas e doenças. LITERATURA CITADA TOKESHI, H. Manejo da microflora epífita no controle de doenças de plantas. In: REUNIÃO BRASILEIRA SOBRE CONTROLE BIOLÓGICO DE DOENÇAS DE PLANTAS, 6., 1991, Campinas, SP. Anais... Campinas: 182 EMBRAPA-CNPDA, 1991a. p. 32-62. TOKESHI, H. Cana de açúcar. In: FERREIRA; CRUZ, ed. Micronutrientes na agricultura. Piracicaba: POTAFÓS, 1991b. p 485-499, 335-352. TOKESHI, H.; LIMA, M.A.T.; JORGE, M.J.A. Effect of EM and green manure on soil productivity in Brazil. In: CONFERENCE ON NATURE FARMING FOR A SUSTAINABLE AGRICULTURE, 1993, Santa Barbara, CA. Proceedings... Santa Barbara, 1993. p.193-202. TOKESHI, H.; ALVES, M.C.; SANCHES, A.B.; HARADA, D.Y. Sustainable agriculture with effective microorganisms: control of Sclerotinia sclerotiorum. In: INTERNATIONAL KYUSEI NATURE FARMING CONFERENCE, 6., 1995, Paris, France. (in press). Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. BOVI, M.L.A. Expansão do cultivo da pupunheira para palmito no Brasil. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 183-185, 1997. Palestra. Suplemento. Expansão do cultivo da pupunheira para palmito no Brasil. Expansion of pejibaye cultivation for palm-core production in Brazil. Marilene L.A. Bovi Instituto Agronômico de Campinas, C. Postal 28, 13001-970 Campinas - SP. [email protected] Palavras-chave: Bactris gasipaes, aspectos históricos, estatísticas de produção, sementes, mudas, técnicas de cultivo. Keywords: Bactris gasipaes, historical aspects, production figures, seed, plantlet, cultivation techniques. INTRODUÇÃO O cultivo da pupunheira vem despertando, nos últimos anos, o interesse de agricultores de todo o país. Esse interesse é devido, principalmente, à busca de novas opções de cultivo em substituição aos tradicionais, em virtude dos baixos preços alcançados por esses últimos no mercado. É preciso ser dito que o palmito é extraído de um grande número de gêneros e espécies de palmeiras. Os fatores que fazem com que uma espécie seja preferida a outra, são principalmente: abundância, palatabilidade, cor, formato, ausência de princípios tóxicos, rendimento e facilidade de extração. Considerando esses atributos, palmeiras do gênero Euterpe vem sendo as preferidas. No entanto, devido à alta taxa de exploração de palmeiras desse gênero e o relativamente baixo poder de regeneração presente em espécies de Euterpe, há atualmente, falta de produto de boa qualidade. Palmeiras mais precoces e que produzam bom palmito têm sido buscadas. Dentre estas tem merecido destaque a pupunheira (Bactris gasipaes). Nativa da América Latina, há grande variedade de raças e ecótipos de pupunheira (Mora-Urpí et al., 1993). No entanto, o tipo inerme é o que tem chamado mais atenção de pesquisadores e interessados no seu cultivo para palmito. Isso porque, quando se busca substituir uma exploração por um cultivo, deve-se procurar no substituto as mesmas qualidades do produto antigo e de preferência, algumas qualidades ausentes naquele. A pupunha, especialmente e sem espinhos, possui quase todas as Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. características desejáveis de palmeiras do gênero Euterpe, acrescidas ainda de algumas vantagens adicionais, quais sejam: crescimento acelerado (precocidade), perfilhamento, rusticidade e alta sobrevivência em campo. Com relação ao palmito propriamente dito, difere em relação ao sabor (mais doce) e à coloração (mais amarelada) (Ferreira et al., 1988). INTERESSE NO CULTIVO O interesse no cultivo da palmeira pupunha para palmito no Brasil surgiu a partir da divulgação do trabalho de Camacho e Sória, na Costa Rica, feito em congresso em 1970 (Camacho & Sória, 1970). Dessa data em diante, algumas instituições brasileiras de pesquisa, tais como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) começaram a realizar pesquisas nessa área. Sementes foram importadas daquele país e coleta e preservação do material genético foram efetuadas, com o patrocínio de entidades internacionais (Clement, 1983; Clement & Coradin, 1985). Os primeiros resultados de pesquisa com a pupunheira para a produção de palmito no Brasil começaram a ser divulgados a partir de 1978 (Germek, 1978; Germek et al., 1981; Gomes, 1983; Bovi et al., 1988; Clement et al., 1988). INÍCIO DO CULTIVO Embora houvesse sementes disponíveis em pequena escala a partir de 1976, o cultivo da palmeira pupunha não teve grande avanço na década de 70. Ape- nas alguns plantios pioneiros, pequenos e destinados principalmente à produção de frutos foram implantados no Acre, Rondônia, Pará e Bahia. O interesse pelo seu cultivo para a produção de palmito era muito pequeno, devido principalmente a ocorrência de espinhos. Acostumados com palmeiras inermes e em abundância na natureza, os palmiteiros recusavam-se a pensar no cultivo de palmeiras com espinhos, nas quais a região do corte para palmito não se mostrava tão claramente. Germoplasma com alta taxa de plantas sem espinhos foi identificado no Brasil, Peru e Costa Rica e coletado no início da década de 80 (Clement et al., 1982; Mora-Urpí, 1984). Os dados documentados são escassos em relação aos primeiros cultivos comerciais da pupunheira para palmito no Brasil. Considera-se que o primeiro plantio visando especificamente a produção de palmito foi feito no Acre, pela BONAL, em meados da década de 80. Antes disso já havia relatos de uso da pupunheira para a produção de palmito, mais especificamente extração de palmeiras nativas, com espinhos, originárias do Pará. Foi dessa forma que o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) conseguiu material para a primeira caracterização do palmito da pupunheira em relação às espécies até então mais utilizadas (Ferreira et al., 1982). Em decorrência dos bons resultados obtidos pela pesquisa com o material inerme na década de 80 e da escassez da matéria prima usual (Euterpe spp.), devido a extração indiscriminada e predatória, alguns empresários iniciaram estudos visando o cultivo em larga escala da pupunheira. Os interessados esbarraram, logo de início, na ausência de sementes em quantidade suficiente para 183 BOVI, M.L.A. Expansão do cultivo da pupunheira para palmito no Brasil. iniciar os seus plantios. Embora o INCA, o IAC e a CEPLAC já dispusessem de material genético inerme com certo nível de seleção, não o possuíam em larga escala. Vale aqui mencionar que as instituições de pesquisa vem sendo muito cobradas a esse respeito. Do ponto de vista de agricultores e empresários, caberia a essas instituições a produção em escala comercial de material selecionado. No entanto, sabemos da falta de recursos que essas instituições enfrentam até mesmo para a condução de um número limitado de experimentos. Dessa forma, pode-se dizer que, embora a partir de 1980 tenha aumentado o interesse no cultivo da pupunha para palmito, esse interesse foi cerceado pela falta de sementes de material inerme em quantidade. EXPANSÃO DO CULTIVO O cultivo da pupunheira para palmito no Brasil teve expansão considerável e caráter mais empresarial a partir de 1988. Dessa data em diante alertados pela notícia da existência de populações nas diversas regiões onde foram testadas (Clement et al., 1988; Bovi et al., 1988), empresários começaram a enviar pessoas para adquirir sementes diretamente da região de origem do material sem espinho (Yurimaguas, Peru). Sementes em grande quantidade foram transportadas para diversas regiões no Brasil, sem nenhum controle e com pouco tratamento fitossanitário. Vendedores de sementes começaram a anunciar nos principais dos estados e estas foram postas à disposição de grandes e pequenos agricultores. Devido à grande demanda, o preço das sementes atingiu seu máximo em 1994-95, variando entre 30 e 35 dólares o quilo para pedidos de grande quantidade e de 40 a 120 dólares o quilo para material vendido a granel (1 a 5 quilos). Os primeiros viveiros particulares, destinados exclusivamente à venda de mudas, foram implantados a partir de 1991, em vários estados e utilizando tecnologias diversas. O preço das mudas alcançou seu máximo em 1994-95, com valores em torno de R$ 2,50 a 3,20 a unidade. Plântulas recém-germinadas (uma a duas folhas - 8 a 10 cm de altu184 ra) foram vendidas como mudas, atingindo preços de R$ 0,60 a R$ 1,20 a unidade. Atualmente, devido à grande oferta, o preço da semente peruana está entre R$ 8 a 15,00 o quilo. Mudas bem formadas são comercializadas entre R$ 0,40 a 1,20 a unidade. ESTIMATIVAS DA ÁREA ATUAL DE PLANTIO DE PUPUNHEIRA NO BRASIL Devido ao fato de mais de 70% da possível área plantada com pupunheira possuir menos de dois anos de idade, ainda não existe informação segura acerca dos cultivos realmente consolidados. Na falta de estatística de produção obtidas nas fábricas ou nos órgãos oficiais (IBAMA, CACEX, órgãos de extensão, etc) é possível fazermos uma projeção aproximada baseada na importação de sementes. Sabe-se que pelo menos 90% dos plantios são feitos com sementes de origem peruana. Embora de registro impreciso, dado o caráter não oficial dessa importação de sementes, estima-se que entre 1990 e 1997 entraram no país pelo menos 120 toneladas de sementes originárias do Peru. Estima-se ainda que cerca de mais 20 toneladas tenham sido produzidas no período, no Brasil (Amazonas, Pará, Rondônia, Acre e Bahia) e comercializadas em vários estados brasileiros. O processo de importação e distribuição de sementes foi tão intenso nesse período que ultrapassou fronteiras. Material vindo do Peru chegou até o Brasil e daqui para o Paraguai, Uruguai e Argentina. Nos últimos três anos, uma rota alternativa (Peru, Costa Rica, Brasil) também tem sido utilizada. Devido ao comércio intenso, com a presença de inúmeros intermediários no processo, é difícil traçar o destino final dessa semente. Seguindo apenas os passos do primeiros e segundo repasse, supõe-se que o estado de Espírito Santo tenha recebido 39,3% desse total, sendo seguido pelos estados de São Paulo (24,1%), Rondônia (10,8%), Pará (10,6%), Bahia e Rio Grande do Norte (3,2% cada), Mato Grosso (2,4%), Goiás (2,0%), Rio de Janeiro (1,3%), Acre (1,2%), Paraná (0,9%), Santa Catarina (0,6%) e Minas Gerais (0,4%). Deve ser lembrado que, do total de sementes introduzidas no Espírito Santo, apenas 53,8% ficou no estado. O restante foi enviado em forma de mudas, para vários outros estados, especialmente Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Alagoas e Rio de Janeiro. É preciso mencionar ainda que é difícil quantificar sementes introduzidas no Estado do Amazonas. Cremos que aí os plantios foram feitos com material de origem peruana mas já produzido no próprio estado. Partindo da hipótese de que todo o material introduzido tenha sido transformado em mudas e que estas tenham sido de fato plantadas, pode-se estimar que o Brasil possua cerca de 28.000.000 de pés de pupunha ou uma área aproximada de 5.600 hectares (5.000 plantas/ha) cultivados com material de origem peruana, visando especialmente a produção de palmito. No entanto, em nossa opinião, essa estimativa é maior que o total realmente implantado. Vários fatores têm contribuído para isso. Relataremos abaixo aqueles que consideramos mais importantes. PRINCIPAIS PROBLEMAS NA FORMAÇÃO DE MUDAS Grande parte das perdas ocorre ainda no viveiro. É nessa fase que muitos projetos de implantação do cultivo da pupunheira para palmito terminam. Já observamos perdas de mais de 80% das mudas causadas por um conjunto de fatores. As decisões tomadas nesta etapa são muito importantes e diretamente responsáveis pelo sucesso futuro do empreendimento. Mudas bem formadas apresentam baixa mortalidade a campo e maior precocidade, alcançando idade de corte significativamente mais cedo do que as de formação mediana. Vários são os fatores que levam ao insucesso nesta fase. Merecem destaque: sementes e/ou mudas de má qualidade e sem tratamento fitossanitário adequado; falta de experiência em agricultura, que leva a escolha inadequada do local do viveiro, falta de infra-estrutura básica e ausência de cronograma; economia de mão-de-obra em viveiro e; informações agronômicas incompletas, incorretas ou inadequadas para a situação local. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. BOVI, M.L.A. Expansão do cultivo da pupunheira para palmito no Brasil. PRINCIPAIS PROBLEMAS NO PLANTIO E CONDUÇÃO Como discutido acima, a maior parte dos problemas aparecem já na formação ou obtenção de mudas. Alguns outros, muito decorrentes daqueles apontados acima, ocorrem na fase de campo. A falta de experiência em agricultura, associada ao excesso de otimismo e às promessa de vendedores de sementes e viveiristas leva, com frequência, à escolha inadequada de área para plantio. Áreas com condições climáticas completamente inadequadas têm sido usadas. A falta de experiência em agricultura faz com que, ainda nesta fase, não seja estabelecido um cronograma de tarefas. Outro problema que surge é a economia tardia. Gastou-se muito com a semente, com a formação ou aquisição de mudas. Começa-se então a economizar, visando diminuir os custos de implantação. Elimina-se preparo do solo e adubação de fundação, diminui-se irrigação e adubação de manutenção. Depois disso tudo, espera-se que a planta tenha o desenvolvimento e a produtividade descrita em boletins informativos dos principais institutos de pesquisa que trabalham com a cultura. RECOMENDAÇÕES AOS INTERESSADOS Não resta dúvida de que, entre as palmeiras utilizadas para palmito de boa qualidade, a pupunheira é precoce e relativamente rústica. No entanto, é uma espécie exigente em características físicas do solo, especialmente compactação e drenagem, necessita de adubação pesada para máxima produ- Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. tividade e correção de solo a cada quatro anos. A exigência em água também é elevada, sendo necessária irrigação quando cultivada em áreas com déficit hídrico. A pupunheira é sensível a algumas doenças importantes do ponto de vista de disseminação e controle, tais como as causadas por Fusarium e Erwinia. Recomenda-se aos interessados no cultivo dessa palmeira que visitem as instituições de pesquisa que trabalham com a espécie, procurando conhecer a realidade do cultivo (vantagens, desvantagens, solo e clima recomendado, principais problemas) e se assegurem da idoneidade de vendedores de sementes e viveiristas. Se possível, fazer visitas aos plantios existentes em regiões edafoclimáticas semelhantes às do local onde se pretende iniciar o cultivo. Em seguida, fazer uma boa escolha da área onde será feito o plantio, iniciando com pequenos lotes de sementes e formando suas próprias mudas. Posteriormente, expandir o cultivo de acordo com o desempenho da planta na região e com os objetivos aos quais se propuseram inicialmente. LITERATURA CITADA BOVI, M.L.A.; GODOY JUNIOR, G.; SAES, L.A. Pesquisas com os gêneros Euterpe e Bactris no Instituto Agronômico de Campinas. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES DE PALMITO, 1., Anais... Curitiba: EMBRAPA-CNPF, 1988. p. 1 43. (Documentos 19). CAMACHO, V.E.; SORIA, J.V. Pejibaye palmcore. Proceedings of the American Society for Horticultural Science, v. 14, p. 122 132, 1970. CLEMENT, C.R.; CORADIN, L. Final report: peach palm (Bactris gasipaes H.B.K.) germplasm bank. San Jose, 1985. (US AID project report). CLEMENT, C.R. Report on the first international peach palm germplasm expedition. Manaus, 1983. (US AID project report). CLEMENT, C.R.; CHAVEZ FLORES, W.B.; GOMES, J.B.M. Considerações sobre a pupunha (Bactris gasipaes H.B.K.) como produtora de palmito. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES DE PALMITO, 1., Anais... Curitiba: EMBRAPA-CNPF, 1988. p. 225 247. (Documentos 19). CLEMENT, C.R.; MULLER, C.H.; CHAVEZ FLORES, W.B. Recursos genéticos de frutíferas nativas da Amazônia. Acta Amazônica, Manaus, v. 12, p. 677 695, 1982. FERREIRA, V.L.P.; GRANER, M.; BOVI, M.L.A.; DRAETTA, I.S.; PASCHOALINO, J.E.; SHIROSE, I. Comparação entre os palmitos de Guilielma gasipaes Bailey (pupunha) e Euterpe edulis Mart. (juçara). I. 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No caso da pupunha (Bactris gasipaes Kunth), os povos nativos de Amazônia a América Central nos deixaram recursos genéticos extremamente variáveis e bem adaptados aos agroecossistemas do trópico úmido. Embora estes povos tenham domesticado a pupunha por seu fruto, seu palmito é hoje uma agroindústria altamente rentável e que está se expandindo rapidamente na América tropical. Felizmente, os povos nativos também deixaram muitos recursos genéticos excelentes para a produção de palmito, mesmo que este uso fosse pouco importante para eles. No presente trabalho, farei um levantamento do estado atual de conhecimento sobre (1) o ideotipo de pupunha para palmito, (2) a genética e a importância de espinhos, (3) as populações de pupunha com menor frequência de espinhos, (4) as coleções de germoplasma disponíveis no Brasil e (5) as dificuldades enfrentadas pelas instituições de pesquisa para utilizar esse germoplasma. A informação disponível sobre os recursos genéticos da pupunha para a produção de palmito é apreciável; no entanto, não basta para garantir a continuidade de um programa de melhoramento e a entrega de germoplasma de elite aos produtores. Políticas agrícolas nacional e regional, com apoio financeiro para pesquisa e desenvolvimento, são as pedras fundamentais que estão faltando no Brasil. UM IDEOTIPO DE PUPUNHA PARA PALMITO Mora Urpí & Weber (1997) aprimoraram o ideotipo apresentado por 186 Clement et al. (1988), propondo 19 caracteres (Tabela 1). Este ideotipo é muito específico para um mercado (de exportação = dos supermercados), embora tenha um caráter que se refere ao mercado in natura. O mercado in natura, no entanto, exigirá atenção à presença de oxalato de cálcio, pois, na presença de uma enzima ativadora, os cristais causam irritação na boca e na garganta e podem até causar reações alérgicas com complicações médicas importantes (N.Y. Nagai, Univ. Hawaii, com. pess., 1995). Também não está claro se o mercado in natura exigirá palmitos pequenos. O mercado criado no Havaí por Clement et al. (1996) prefere palmitos maiores que os do supermercado. O mercado das churrascarias não foi considerado por Mora Urpí & Weber (1997), pois não há churrascarias na maior parte da América tropical. Embora o ideotipo proposto defina muito bem o ideal para o mercado de exportação, todos os caracteres provavelmente tem herdabilidades baixas a médias (Clement, 1995), com a possível exceção da folha ereta (Mora Urpí & Weber, 1997). Qualquer programa de melhoramento que utilize este conjunto de caracteres para fazer um índice de seleção terá ganhos genéticos inexpressivos, pois quanto maior o número de caracteres menor o ganho (Simmonds, 1979). Clement (1995) propôs um ideotipo muito mais simples: pecíolo/ráquis sem espinhos, alta taxa de crescimento relativo (TCR), perfilhamento contínuo, baixa presença da enzima que combina com o oxalato de cálcio e palmito de bom tamanho (que tem uma relação geral de ~1:2 p:p com a estipe comestível). Com a possível exceção da enzima, todos estes caracteres têm herdabilidade baixa (Clement, 1995). Este ideotipo utiliza a TCR porque é mais flexível que a TAL, pois um fenótipo pode ter uma TCR alta como resultado de uma TAL alta ou por ter uma alta razão de área foliar (RAF) (Causton & Venus, 1981). Em termos práticos, todas as tentativas de melhorar geneticamente a TAL fracassaram, enquanto modificações da RAF já foram conseguidas em diversos cultivos (Gupta, 1992), elevando assim a TCR. A produção sustentável de um plantio de pupunha para palmito depende da TCR, do perfilhamento contínuo, do tamanho dos palmitos, da densidade do plantio, da adubação e dos outros tratos culturais. A ausência de espinhos no pecíolo/ráquis facilita o manejo do plantio e o processamento dos palmitos, mas facilita também o ataque de pragas, tanto insetos como mamíferos. Os parâmetros agronômicos são controlados pelo agricultor e serão discutidos nesta mesa redonda por Kaoru Yuyama. O ideotipo de Clement (1995) é dirigido à produção sustentável de palmito para qualquer dos mercados de interesse no Brasil. Por ter um número de caracteres reduzido, poderá permitir um ganho genético mais rápido. No entanto, a médio e longo prazo outros caracteres do ideotipo de Mora Urpí & Weber (1997) terão de ser incluídos, conforme os programas de melhoramento alcancem suas metas preliminares e se especializem para diferentes mercados. A GENÉTICA E A IMPORTÂNCIA DE ESPINHOS O plantio de pupunha para palmito no Brasil começou a expandir-se após a introdução de germoplasma inerme de Yurimaguas, Loreto, Peru (raça Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. CLEMENT, C.R. Pupunha: recursos genéticos para a produção de palmito. Tabela 1. Ideotipo de pupunha para a produção de palmito para os mercados de exportação (processado; em vidro ou lata) e in natura. Manaus, INPA, 1997. Es tipe s entrenós sem espinhos tecidos suaves, sem muita lignificação estipe comestível > 300 g Folhas pecíolo/raquis sem espinhos bainha suave e comprida lâmina curta e ereta taxa de assimilação líquida (TAL) alta Pe rfilhos diferenciação precoce, < 6 meses produção numerosa, > 4/estipe/ano crescimento rápido Palmito primeiro corte com < doze meses, com 9 cm de diâmetro de estipe produção anual > quatro touceiras/ano, começando aos 24 meses palmito de primeira qualidade > 150 g cor branco sabor excelente cheiro natural para consumo in natura, sem cheiro para processamento Re s is te nte ao ácaro-da-folha e à broca-da-e s tipe Tole rante à compe tição intrae s pe cífica Ampla adaptação agronômica Modificado de Mora Urpí & Weber (1997). “mesocarpa” Pampa Hermosa), no início do anos 80s, pelo M.Sc. Wanders Chávez-Flores, então do INPA. No entanto, na Costa Rica e outros países de América tropical é comum ouvir que pupunha armada é superior a pupunha inerme. Recentemente esta opinião também está ganhando adeptos na Amazônia. Villachica (1996) afirma que plantas armadas produzem 7% mais palmito que plantas inermes. Clement (1996) examinou esta questão em detalhe, pois Villachica (1996) não apresentou dados e Bovi et al. (1992) encontraram que a pupunha da Costa Rica (raça desconhecida) apresentou uma correlação negativa (r = -0,22) entre número de espinhos e peso do palmito, sugerindo a superioridade de pupunha inerme. A presença de espinhos é primitiva em Bactris (Uhl & Dransfield, 1987) e Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. sua presença parece ser um caráter dominante (Mora Urpí, 1984), mas isto não tem sido confirmado experimentalmente. A pupunha é potencialmente armada com espinhos na estipe, no pecíolo/ ráquis, na nervura central dos folíolos (raramente nas nervuras laterais), nas bordas dos folíolos e na espata. A primeira hipótese sobre a estrutura genética da armação da estipe era que a presença ou ausência fosse um caráter Mendeliano simples, com poucos genes que modificam sua expressão em termos de densidade (Mora Urpí, com. pess., em Kerr & Clement, 1980). Morera Monge (1981) encontrou três classes de comprimento dos espinhos da estipe, bem como variação contínua na densidade de cada classe. Clement (1986) encontrou variação no formato dos espinhos, com formatos de espada e agu- lha e intermediários. Existe uma classe de tamanho de espinhos no pecíolo, a mesma variação de formatos como encontrada na estipe, e diferentes arranjos ao longo do pecíolo: em três fileiras ou uniformemente (Clement, 1986). Chávez Flores (1987) estudou a estrutura genética dos espinhos da folha em uma amostra da população de Yurimaguas, em Manaus. Além da variação observada antes, observou-se que a densidade de espinhos no pecíolo diminuiu com a idade em algumas plantas, ou seja, cada folha mais nova teve menos espinhos e até em plantas maduras os pecíolos foram inermes. A densidade de espinhos no pecíolo apresentou uma herdabilidade sensu stricto de 0,35, enquanto espinhos na borda dos folíolos e no nervo do folíolo apresentaram 0,25 e 0,04, respectivamente. Clement (1995) estudou a estrutura genética do caráter espinhos no pecíolo em uma amostra da população de Benjamin Constant (AM) (raça “macrocarpa” Putumayo), no Havaí. A densidade de espinhos apresentou herdabilidade sensu stricto de 0 a 0,40, dependendo das progênies e localidades incluídas na análise. Observou-se que ambientes mais secos e variáveis aumentaram a densidade de espinhos. A densidade de espinhos diminuiu com idade e apresentou diferença, diminuindo mais ou menos rapidamente, de planta para planta. Esta variação em expressão apresentou herdabilidade de 0 a 0,22. As plantas em ambientes mais secos e variáveis foram mais lentas a tornar-se inermes. A existência deste complexo de genes regulando a expressão durante a maduração fisiológica da planta complica seriamente a caracterização de espinhos em pupunha. Estas observações sugerem que espinhos na estipe e na folha são caracteres quantitativos com muita influência do ambiente na sua expressão fenotípica. No entanto, estas observações não questionam se a ausência é recessiva, o que, por sua vez, sugere que plantas inermes são menos heterozigotas que plantas armadas e podem apresentar depressão endogâmica como conseqüência. Isto é a base genética da suposição que plantas inermes são menos produtivas que plantas armadas. Existem diversas comparações possíveis que avaliam a importância de 187 CLEMENT, C.R. Pupunha: recursos genéticos para a produção de palmito. espinhos: comparações entre populações mais e menos armadas, entre indivíduos armados e inermes em uma população e entre indivíduos armados e inermes em uma progênie. Todas são importantes para produtores e melhoristas, mas é importante distinguir entres estas comparações pois não são equivalentes. Comparações entre populações são principalmente sobre a adaptação de um conjunto de genótipos ao agroecossistema em que se encontram. A armação é apenas uma pequena parte do genótipo, de forma que influi pouco na adaptação da população ao local. No entanto, esta comparação é importante, pois a maioria das sementes disponíveis no mercado hoje são de populações. Clement (1996) mostrou que a população de Yurimaguas (93% inerme) era 10% superior em peso de palmito em uma localidade e a população de Benjamin Constant (79% inerme) era 5% superior em outra localidade no Havaí, mostrando a importância das interações genótipo x ambiente nesta comparação. A comparação entre indivíduos armados e inermes em uma população também é principalmente sobre a adaptação de um conjunto de genótipos (com alguns genes para armação) a uma localidade. Esta comparação é importante porque pode identificar plantas promissoras para programas de melhoramento. Bovi et al. (1992) encontraram uma correlação de r = -0,22 entre número de espinhos e peso do palmito. O coeficiente de determinação resultante é apenas r2 = 0,05, ou seja, 5% da variação no peso do palmito pode ser explicada pela densidade de espinhos nas plantas. Clement (1996) encontrou um r2 = 0,005* em favor de plantas inermes em uma localidade e r2 = 0,002ns em favor de plantas armadas em outra localidade, mais uma vez mostrando a importância de interações genótipo x ambiente e a pouca importância da armação como componente da produtividade. A comparação de indivíduos armados e inermes numa progênie permite avaliar a importância de espinhos, pois esta importância está sendo avaliada em um genótipo comum e o efeito do ambiente pode ser identificado. Clement (1996) apresentou dados sobre a importância de espinhos em seis progênies de 188 Benjamin Constant, em duas localidades no Havaí, para quatro características de produção sustentável. A única característica que mostrou a importância de espinhos de forma clara foi o número de perfilhos (Tabela 2), enquanto a TCR, o peso do palmito exportável (Tabela 3) e o peso comestível total mostraram muita variação em importância dos espinhos entre as localidades e as progênies. Se uma progênie qualquer apresenta tanta variação na superioridade das plantas armadas e inermes em resposta ao ambiente, é de supor que exista variação fenotípica que poderá ser selecionada. Clement (1996) mostrou esta variação claramente em termos dos parâmetros de produção sustentável. Clement (1996) concluiu que não existe evidência clara para a superioridade dos genes para espinhos; a superioridade depende do germoplasma, da localidade e da magnitude da interação genótipo x ambiente. No entanto, existem razões para preferir um Tabela 2. Porcentagem de diferença1 entre as médias (± o desvio-padrão) de plantas inermes (0) e armadas (+) para o número de perfilhos, no momento do primeiro corte, em seis progênies de pupunha de Benjamin Constant (raça Putumayo) plantadas nas estações experimentais de Ninole e Poamoho, Havaí, de 1992 a 1995. Manaus, INPA, 1997. Progê nie s 1 2 3 5 8 9 M é dia Ninole 0 10,0±2,5 9,0±2,8 7,0±2,2 9,9±3,1 6,8±2,8 7,7±2,4 8,4±1,3 + 9,5±3,1 7,7±2,3 6,9±2,2 8,6±3,1 6,1±2,2 6,4±2,6 7,5±1,2 % dif. 5 ,1 16,5 0 ,7 15,4 12,9 19,5 11,4 0 8,6±2,1 8,6±2,7 8,5±2,2 10,1±2,6 7,9±1,7 8,7±3,5 8,7±0,7 + 9,3±3,1 9,0±1,4 7,3±1,7 8,7±3,8 7,1±1,7 7,4±2,1 8,1±0,9 % dif. - 7,4 - 4 ,9 17,2 16,8 9 ,9 17,4 7,3 Poamoho 1 % diferença = [(inerme - armada) ¸ armada] * 100; então, as diferenças a favor de inerme apresentam um sinal positivo e as a favor de armada apresentam um negativo. Tabela 3. Porcentagem de diferença1 entre as médias (± o desvio-padrão) de plantas inermes (0) e armadas (+) para o peso do palmito exportável em 6 progênies de pupunha de Benjamin Constant (raça Putumayo) plantadas em Ninole e Poamoho Exp. Station, Havaí, entre 1992 e 1995, com as médias por localidade. Progê nie s 1 2 3 5 8 9 M é dia 0 179±52 168±54 189±52 201±63 177±62 179±44 182±11 + 148±63 156±49 176±50 160±55 178±66 182±49 167±13 % dif. 21,2 7 ,9 7 ,6 2 6 ,2 - 1,0 - 1,7 9 ,4 Ninole Poamoho 0 197±66 160±49 215±67 213±64 203±61 169±83 193±21 + 205±81 213±69 205±32 222±68 231±42 192±52 211±13 % dif. - 3 ,8 - 2 5 ,0 4 ,9 - 4 ,3 - 12,1 - 11,8 - 8 ,7 1 % diferença = [(inerme - armada) ¸ armada] * 100; então, as diferenças a favor de inerme apresentam um sinal positivo e as a favor de armada apresentam um negativo. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. CLEMENT, C.R. Pupunha: recursos genéticos para a produção de palmito. ou outro tipo de planta. As plantas armadas são mais resistentes (fisicamente) ao ataque de pragas (insetos e mamíferos) e existem algumas anedotas que são mais frutíferas (menos suscetíveis a queda precoce de frutos). As plantas inermes são mais fáceis de manejar, tanto no campo como durante o processamento, não se tornam “cabeludas” quando seus palmitos são preparados in natura (o efeito cabeludo aparece quando se esfrega o palmito no sentido contrário ao acostamento dos espinhos tenros e estes se levantam), e, onde a segurança dos empregados é levada a sério, como no Havaí, o preço de seguro de saúde é muito inferior (com plantas armadas no campo, o preço do seguro de saúde é proibitivo no Havaí, tornando todo o empreendimento inviável; J. Mood, com. pess., 1995). AS POPULAÇÕES DE PUPUNHA INERME Os povos nativos de América tropical eram excelentes observadores e melhoristas de plantas. Quando encontravam uma planta inerme, começavam a selecionar para este caráter em diversos lugares. Como resultado, na Amazônia existem plantas inermes em todas as populações da parte ocidental, especialmente nas raças Solimões, Pampa Hermosa, Putumayo e Vaupés. Na América Central, somente existe uma raça de pupunha inerme, a Guatuso, no norte de Costa Rica, perto da cidade de San Carlos. No noroeste da América do Sul e no sul da América Central as plantas inermes são muito mais raras, sugerindo que as mutações que deram origem às plantas inermes na Amazônia ocidental e na Costa Rica foram distintas. Na década de 80 três populações de pupunha com frequências interessantes de plantas inermes foram identificadas (Clement et al., 1988): Yurimaguas (6080% inerme), Benjamin Constant (1525% inerme) e San Carlos (15-30% inerme) [os intervalos representam variações entre sub-populações]. Além deste caráter, estas populações apresentam outros caracteres de interesse para programas de melhoramento, tais como diâmetro da estipe, comprimento dos entrenós, número de folhas, comprimento Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Tabela 4. Características de interesse para a produção de palmito observadas in situ em pupunheiras de Benjamin Constant, AM, Brasil (raça Putumayo - BC), San Carlos, Alajuela, Costa Rica (raça Guatuso - SC) e Yurimaguas, Loreto, Peru (raça Pampa Hermosa - Yu). Manaus, INPA, 1997. População Diâme tro da Comprime nto do e s tipe (cm) e ntre nós (cm) BC 19 , 0 SC Yu Nº de folhas Comprime nto da Áre a foliar ráquis foliar (cm) (m2) 182,7 17 , 2 288 3 ,9 17,8 119,6 16 , 4 298 4,3 18,0 173,3 14,6 3 18 3,3 Fonte: Clement et al.(1988). da ráquis foliar e área foliar (Tabela 4). O diâmetro da estipe é positivamente correlacionado com o peso do palmito (Bovi et al., 1992, Clement et al., 1988), enquanto o comprimento de nove entrenós, o número de folhas e a área foliar são relacionados com vigor (uma estimativa subjetiva da TCR). O comprimento da ráquis foliar é relacionado com o comprimento do pecíolo, que influencia o comprimento do palmito, embora esta relação varie continuamente durante o crescimento de cada folha (Clement et al., 1988). As três populações apresentam muita variação fenotípica para cada um destes caracteres (Clement & Mora Urpí, 1988; Clement, 1986), mas somente no Brasil existem amostras razoáveis do germoplasma de Benjamin Constant e Yurimaguas. O mercado brasileiro é abastecido principalmente com sementes da população de Yurimaguas, tanto quando as sementes são importadas como quando são produzidas no país, pois o principal produtor de Manaus (e do Brasil) possui principalmente germoplasma de Yurimaguas. Até agora, a importação de sementes do Peru não tem trazido nenhum problema fitossanitário, mas o resultado é preocupante porque a base genética é restrita. Além disto, a heterozigosidade deste material é reduzida (0,14 com base em 16 loci de nove enzimas; Clement et al., 1997) e pode contribuir para os problemas de frutificação observados em Manaus. AS COLEÇÕES DE GERMOPLASMA Três instituições brasileiras possuem coleções de germoplasma formais: o IAC (estabelecida em 1974), com 43 acessos do Brasil, Costa Rica e Peru; o INPA (estabelecida em 1979), com 450 acessos do Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Panamá e Peru; e a CEPLAC (estabelecida em 1993), com 27 acessos da Bolívia, Brasil, Colômbia e Costa Rica (Mora Urpí & Weber, 1997). Nenhuma dessas coleções é representativa da diversidade genética da espécie. Diversas instituições também possuem coleções de trabalho: INPA, IAC, Embrapa - CPATSA, Embrapa CPAF (AC) e Embrapa - CPAA e talvez outras que não estejam em contato com o INPA. A Embrapa - CPATU teve uma coleção, estabelecida nos anos 60, mas os dados de passaporte foram perdidos nos anos de estagnação do IPEAN e a coleção foi destruída na década de 70 porque não se justificava sem o passaporte (Clement & Coradin, 1995). A estagnação de instituições de pesquisa é um fator importante na história da pupunha. Durante a década de 80, a coleção principal do INPA foi designada como Banco Ativo de Germoplasma de Pupunha pela Embrapa - CENARGEN. Com a criação da Embrapa - CPAA, após a fusão da Embrapa - CNPSD e da UEPAE-AM, a Embrapa - CPAA começou a colaborar com o INPA para a manutenção da coleção principal e das coleções de trabalho. A coleção principal do INPA possui muito germoplasma das três principais raças brasileiras de pupunha, mas pouco das outras raças amazônicas e muito pouco da América Central. Possui ainda muito germoplasma da população híbrida de Yurimaguas (50 acessos) e outros acessos inermes. A representatividade das raças não-amazônicas é baixa. Além da coleção principal, o INPA mantém duas coleções de 189 CLEMENT, C.R. Pupunha: recursos genéticos para a produção de palmito. trabalho, ambas de germoplasma de Yurimaguas. A primeira é a coleção original feita em 1980 por Chávez, que contém 360 plantas, quatro de cada um dos 80 acessos coletados, plantadas em espaçamento para frutos. Uma parte deste germoplasma formou a base genética do primeiro produtor brasileiro de sementes de pupunha inerme, o Sr. Imar C. Araújo. A segunda é uma coleção financiada pelo CNPq em 1990, também feita por Chávez, que contém 319 acessos plantadas em um ensaio de progênies em espaçamento para palmito. Esta coleção está duplicada no IAC. A coleção principal do INPA está parcialmente caraterizada, mas estava semi-abandonada durante o período 1990-95 por falta absoluta de recursos. Por esta razão, precisa ser totalmente renovada, o que significa a derrubada das estipes principais e a recondução das touceiras com base em um perfilho. Até este momento, esta renovação não foi iniciada, pois será feita em parceria com a Embrapa - CPAA e com a Universidade do Amazonas, para que a caraterização molecular possa ser feita na hora da derrubada. Dado a ausência de garantias de financiamento de longo prazo, a coleção principal não está sendo ampliada. As coleções principais do IAC e da CEPLAC estão em melhores condições que a do INPA. A coleção de trabalho de Yurimaguas, do IAC, está sendo avaliada e será possível fazer algumas comparações interessantes com os resultados do INPA no futuro próximo. AS DIFICULDADES PARA USAR AS COLEÇÕES Se existem três coleções de germoplasma e várias coleções de trabalho, parece lógico perguntar porque não foram lançadas populações melhoradas ou cultivares de pupunha para o mercado nacional de sementes? A resposta é muito simples: os programas de melhoramento genético das três instituições têm sofrido discontinuidades de recursos financeiros e humanos ao longo dos anos. Qualquer programa de melhoramento genético com uma espécie perene, como a pupunha, requer estabilidade e apoio financeiro. Dado a falta de políticas agrícolas 190 nacional e regional e a baixa prioridade de pesquisa e desenvolvimento nos níveis nacional, regional e estadual no Brasil, é pouco provável que o setor público tenha condições de executar programas de melhoramento genético nos moldes tradicionais para cultivos de importância reduzida como a pupunha. Portanto, se as instituições esperam apoiar a expansão da pupunha, precisarão transformar seus programas em parcerias com o setor privado, tanto empresarial como de pequenos e médios produtores. Mais importante ainda, os programas deveriam ser feitos fora das estações experimentais. Desta forma poderão esperar melhor apoio da sociedade (ou seja, dos produtores) e serão melhor protegidos das discontinuidades institucionais. Esta recomendação requer uma nova atitude dos pesquisadores e, especialmente, de seus chefes, pois os melhores recursos genéticos não estarão mais nas mãos dos institutos mas sim da sociedade, a quem pertencem. As prioridades dos programas de melhoramento deveriam ser traçadas em comum acordo com os produtores e comerciantes, pois de outra forma apenas representam uma esperança dos pesquisadores e seus chefes. Na Amazônia, este acordo está começando tomar forma, embora a falta de infra-estrutura mínima na parte de institutos como o INPA dificulte a parceria já que, por exemplo, não há sequer veículos suficientes para os pesquisadores possam ir ao campo. Assim, não se justifica o aumento das coleções de pupunha na Amazônia, pois não existem programas de melhoramento que possam usá-las adequadamente. Neste momento existe muita variabilidade das raças Pampa Hermosa, Putumayo e Solimões nas coleções e esta variabilidade não está sendo bem utilizada. Já na raça Guatuso há pouca variabilidade, mas, ainda assim, aumentar a coleção somente será justificável quando a variabilidade das outras raças estiver sendo bem explorada. Qualquer trabalho de melhoramento com os recursos genéticos de pupunha precisa ser feito como um componente de um programa completo que vise levar a pupunha aos mercados locais, regionais, nacionais e internacionais. Portanto, será apenas um componente, com prioridade intermediária, em lugar de um programa em si só. AGRADECIMENTOS Agradeço aos Drs. Hiroshi Noda e Kaoru Yuyama pela revisão crítica deste manuscrito. LITERATURA CONSULTADA BOVI, M.L.A.; SAES, L.A.; GODOY JUNIOR, G. Correlações fenotípicas entre caracteres não destrutíveis e palmito em pupunheiras. Turrialba, v. 42, p. 382 390, 1992. CAUSTON, D.R.; VENUS, J.C. The biometry of plant growth. London: Edward Arnold, 1981. CHÁVEZ FLORES, W.B. 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Turrialba: Universidad de Costa Rica/Centro Agronómico Tropical de Investigación y Enseñanza, 1981. (Tese mestrado). SIMMONDS, N.W. Principles of crop improvement. London: Longman, 1979. UHL, N.W.; DRANSFIELD, J. Genera palmarum. Lawrence: Allan Press, 1987. VILLACHICA L., H. Cultivo del pijuayo (Bactris gasipaes Kunth) para palmito en la Amazonia. Lima: Tratado de Cooperación Amazonica, 1996. YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 191-1980, 1997. Palestra. Suplemento. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. Cropping system for palm-core production from the peach-palm. Kaoru Yuyama INPA - CPCA, C. Postal 478, 69.083-000 Manaus -AM. Palavras-chave: Bactris gasipaes, origem, extrativismo, germoplasma, consorciação, adubação, densidade de plantio, plantas daninhas, colheita. Keywords: Bactris gasipaes, origin, exploitation, germplasm, combined cropping, fertilization, plant density, weeds, harvest.. INTRODUÇÃO A pupunheira (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) foi domesticada pelos índios da Amazônia, sendo utilizada principalmente na alimentação como fonte de energia (amido e lipídios), nutrientes (proteína e vitaminas A com alta biodisponibilidade, Yuyama et al.,1991), e matéria-prima para agroindústria (Clement & Mora Urpi, 1987). Em alguns lugares da Amazônia e do noroeste de América do Sul a pupunheira já foi um cultivo principal, dada a sua produtividade e a preferência pelos povos nativos. Após a chegada dos europeus, a pupunheira foi esquecida e somente na década de 70 voltou a atrair a atenção dos pesquisadores e, subsequentemente, dos agricultores e agroindústrias da América Latina. Hoje a pupunheira é uma importante agroindústria na Costa Rica para a extração de palmito e sua importância vem crescendo rapidamente no Brasil, Colômbia, Equador e Peru. O Brasil é o maior produtor mundial de palmito, com aproximadamente 200.000 t extraídas em 1989 (IBGE, 1990). É também o maior exHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. portador de palmito, com 10.000 t exportadas em 1990, a um valor de US$ 40 milhões. No Brasil, diversas palmeiras produzem palmito comestível, porém apenas as do gênero Euterpe foram explorados comercialmente em larga escala até recentemente. A grande maioria desta produção é obtida da exploração extrativista de florestas naturais, tanto na reduzida Mata Atlântica, como na floresta do estuário do Rio Amazonas. Essa exploração tem sido indiscriminada e destrutiva, empobrecendo as florestas e os povos que nelas habitam. Dada esta destruição indiscriminada, o governo, por meio do Ministério do Meio-Ambiente, tem regulamentado a exploração extrativista, tornando mais interessante a plantação técnica. Uma vez que as espécies de Euterpe são de crescimento lento e necessitam de sombreamento, os produtores começaram a seguir o modelo de Costa Rica, onde a pupunheira é plantada em larga escala. Nos últimos cinco anos, os agricultores brasileiros vem plantando em ritmo acelerado, apesar de dispor de poucas técnicas de cultivo comprovadas. A médio prazo (5 - 10 anos), a produção de palmito será obtida principalmente de cultivos técnicos de pupunheira, substituindo a exploração extrativista das espécies de Euterpe. Infelizmente, a maioria desta nova plantação tem sido realizada em outras regiões do Brasil. Na região Amazônica, calcula-se que existem hoje ao redor de 2000 ha em exploração, enquanto para outras regiões do Brasil foram enviadas ao redor de 10 t de sementes ao ano (informação em Tabatinga, AM). Quanto a quantidade que foi plantada no Sul ou Sudeste, a Dra. Bovi deve mencionar em sua palestra. Desta maneira, pode-se dizer que os Amazônidas não tem sido beneficiado quanto ao uso de sua planta nativa. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) trabalha com a pupunheira desde 1975 (ano de criação do Departamento de Ciências Agronômicas). Atualmente, possui um banco de germoplasma com mais de 450 acessos, duas coleções de trabalho com mais de 300 acessos de germoplasma inerme, ou seja, sem espinhos no pecíolo (>95%), proveniente de Yurimaguas, Peru (Yuyama & Chávez, 1996) para o programa de melhoramento para a produção de palmito e conta com uma equipe multidisciplinar e interinstitucional (Embrapa - CPAA, Embrapa 191 YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. CENARGEN e Universidade do Amazonas - UA) e o apoio de cooperativas, associações de produtores e empresários privados, para desenvolver técnicas de cultivo para a região Amazônica. Os agricultores necessitam de um pacote tecnológico que deve incluir técnicas de manejo de plantas e de agroecossistemas para tornar este cultivo sustentável a longo prazo e contribuir para evitar a degradação do meioambiente. Ressalta-se ainda a inclusão de estudos ecológicos (modificação do solo e sua biologia), agronômicos (manejo de sementes, produção de mudas, densidade de plantio, manejo de plantas, fertilização do solo, consorciação com cultivos anuais), e técnicas pós-colheita. Este pacote tecnológico está sendo repassado aos agricultores diretamente ou por meio do órgão estadual de assistência técnica e extensão rural, promovendo demonstrações diretamente no campo, nas comunidades, cooperativas e agroindústrias. A metodologia utilizada nesta pesquisa proporciona a interação de pesquisadores com os pequenos e médio produtores rurais e suas famílias e empresários, o que implica numa intensa troca de informações entre ambos permitindo uma significativa participação dos produtores rurais nos ajustes necessários às ações de pesquisa. Dessa forma, os conhecimentos e os produtos já produzidos ou os que vierem a ser gerados pelas ações de pesquisa poderão ser utilizados imediatamente pelos produtores rurais. Neste sentido, o INPA juntamente com as cooperativas, associações de produtores e empresas privadas, tem instalado alguns ensaios de adubação, consorciação e espaçamento para produção de palmito. Quanto à disseminação ou divulgação dos resultados, o meio mais eficiente e rápido é comprovação visual de plantio e sucesso de cultivo dos vizinhos. RESULTADOS ALCANÇADOS Consorciação com culturas anuais Silva & Yuyama (1997) avaliaram o desenvolvimento da pupunheira para produção de palmito em sistema de monocultivo (com e sem capina) e de consórcio com as seguintes espécies de ciclo curto: amendoim, arroz, sorgo e 192 Tabela 1. Produção e valor econômico de quatro espécies utilizadas em consorciação com pupunheiras. Es pé cie s Produção (t/ha) Valor e conômico (R$/ha) Amendoim 2.09 b 671.40 a Arroz 2.48 b 522.50 a Sorgo 2.06 b 227.50 b Macaxeira 7.23 a 578.40 a F 22.4 ** 9.2 * * CV (%) 30.60 2 5 . 30 Fonte: Silva, 1997. Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade pelo teste Tukey. ** Significativo a 1% de probabilidade. macaxeira (Tabela 1). Estes autores ainda verificaram a produção de culturas anuais, observando que a macaxeira foi a lavoura mais produtiva, diferenciando-se das demais, apesar de ser a única espécie que produziu menos do que a média nacional (IBGE, 1993). Quando analisado o valor econômico, amendoim, arroz e macaxeira não diferiram estatisticamente entre si, porém superaram o sorgo. Considerando que os custos de implantação tenham sido iguais em todos os tratamentos, a melhor renda foi obtida no cultivo do amendoim, embora não tenha diferido estatisticamente do cultivo do arroz e macaxeira. Este resultado é variável em função dos valores do mercado. O sistema de consórcio de pupunheira com gramíneas (arroz e sorgo) demonstrou um amarelecimento das folhas e aparentemente menor desenvolvimento da pupunheira, principalmente com sorgo, estando de acordo com Mora Urpi et al. (1982), que mencionam que a pupunheira não tolera a presença de gramíneas, pois seu sistema radicular é superficial e é muito afetado pela competição, particularmente por nitrogênio disponível. Ferreira et al. (1980) relataram que a grande maioria dosistema radicular da pupunheira fica na camada dos 20 cm superficiais. Os dados médios de diâmetro do caule, altura da planta e número de folhas verdes são apresentados nas Tabela 2, 3 e 4. A taxa de crescimento relativo (TCR) do diâmetro do caule, altura da planta e número de folhas verdes apresentou um decréscimo ao longo do pe- ríodo, porém mais acentuado nas 3a. e 4a. coletas em todos tratamentos. Isto provavelmente se deveu à diminuição da precipitação pluviométrica, provocando um estresse fisiológico que resultou em redução do metabolismo. A reduzida TCR deveu-se ao número de folhas verdes, que, diminuindo acentuadamente, reduziu a atividade fotossintética com consequente diminuição da taxa de crescimento. Com a chegada das chuvas em setembro e outubro, as plantas voltaram a crescer (Silva, 1997). A TCR normalmente decresce com a idade da planta, durante o período de crescimento vegetativo (Yuyama, 1991). O tratamento que apresentou melhor TCR do diâmetro do caule foi o consórcio entre pupunha e amendoim, enquanto que o tratamento pupunha e arroz apresentou os resultados mais fracos. A associação de pupunha com sorgo teve um comportamento particular, pois observou-se um aumento no diâmetro das pupunheiras entre a 1a. e a 2a. coletas e entre a 2a. e 3a. coletas, não acontecendo o mesmo nos outros tratamentos. Isto pode estar relacionado ao fato do sorgo ter apresentado a fase de maturação durante a 1a. e a 2a. coletas, competindo com a pupunheira, enquanto entre a 2a. e 3a. coletas, o sorgo já havia sido colhido, não havendo a competição. A pupunheira, desta forma, teve pleno desenvolvimento, aumentando a TCR. A TCR da pupunheira consorciada com a macaxeira, teve uma redução bastante acentuada entre a entre a 2a. e 3a. coletas, provavelmente porque a macaxeira Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. estava competindo com a pupunheira nesta fase de enchimento das raízes, apesar de Moreira Gomes (1993) afirmar que a mandioca não afeta a produção de frutos da pupunheira consorciada. O tratamento pupunha isolada, mas sem capina, foi o que mais reduziu a TCR do diâmetro das pupunheiras em comparação aos demais tratamentos (Silva, 1997). Os resultados econômicos mostraram ser possível consorciar a pupunheira para produção de palmito com outras espécies anuais no estágio inicial de desenvolvimento. A melhor combinação se deu no consórcio de pupunheira com o amendoim, pois, além do crescimento satisfatório (diâmetro da planta = 6 cm e altura da planta = 65,5 cm, onze meses após o plantio no campo) e melhor TCR média (diâmetro do caule = 0,225 e altura da planta = 0,25), verificou-se um bom estado nutricional da pupunheira e um melhor retorno econômico (2,09 t/ha de amendoim casca). Contudo, na consorciação com arroz, sorgo ou macaxeira são necessários estudos de adubação para diminuir a competição por nutrientes e não afetar o desenvolvimento da pupunheira plantas (Silva, 1997; Silva & Yuyama, 1997). Espaçamento e adubação Um ensaio para produção de palmito com diferentes níveis de adubação NPK, uso de micronutrientes, calcário, gesso e esterco, conduzido no Sítio Rieda, BR-174, km 8, no município de Manaus (AM), tem mostrado até no momento, seis meses após a adubação, que o tratamento utilizando a fórmula N-P2O5-K2O 90-90-120 está proporcionando melhor crescimento das plantas que os demais tratamentos, com pupunheiras de 3,55 cm de diâmetro médio; 30 cm de altura; 7,1 folhas verdes 7,1 e, 0,99 perfilhos (Tabela 8). Outro ensaio, conduzido na Granja Miyamoto, na rodovia AM-10, km 37, município de Manaus, com níveis crescentes de NPK, não apresentou nenhuma diferença no crescimento das plantas (diâmetro, altura da planta, número de folhas verdes e número de perfilhos), dez meses após o plantio (Tabela 9). Porém, os blocos que receberam 5 kg de esterco/cova apresentaram diâmetro significativamente maior (5,4 e 4,5 cm), Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Tabela 2. Diâmetro do caule de pupunheiras em monocultivo e consorciadas com cultivos anuais, coletados de fevereiro a outubro de 1996, em intervalos de dois meses. Tratame ntos 1a.Cole ta 2a.Cole ta 3a.Cole ta 4a.Cole ta 5a.Cole ta Pupunha sem capina 2.21 3.2 5 4.15 ab 4.16 ab 4.7 ab Pupunha com capina 1.90 2.6 9 3.38 b 3.53 b 3.9 b Pupunha com amendoim 2.41 3.5 6 5.00 a 5.24 a 6.0 a Pupunha com arroz 2.06 2.7 7 3.30 b 3.18 b 3.7 b Pupunha com sorgo 1.93 2.3 0 2.82 b 2.74 b 3.9 b Pupunha com macaxeira 2.03 2.8 9 3.20 b 3.38 b 4.1 b DMS ns ns 1.58 1.47 1.90 Fonte: Silva, 1997. Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade pelo teste Tukey. Tabela 3. Altura de planta de pupunheiras em monocultivo e consorciada com cultivos anuais, coletados de fevereiro a outubro de 1996, em intervalos de dois meses. Tratame ntos 1a.Cole ta 2a.Cole ta 3a.Cole ta 4a.Cole ta 5a.Cole ta Pupunha sem capina 19.04 31.15 38.3 0 44.2 ab 55.1 ab Pupunha com capina 17.72 25.7 8 3 2 . 15 35.9 ab 47.4 abc Pupunha com amendoim 19.16 31.18 41.48 50.2 a 65.5 a Pupunha com arroz 18.49 2 7 . 15 31.00 33.8 b 38.5 bc Pupunha com sorgo 17.20 24.9 3 28.2 8 29.9 b 34.4 Pupunha com macaxeira 17.68 28.4 0 35.8 5 39.0 ab 45.5 abc c DMS ns ns ns 15.43 2 0 . 15 Fonte: Silva, 1997. Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade pelo teste Tukey. Tabela 4. Número de folhas verdes de pupunheiras em monocultivo e consorciadas com cultivos anuais, coletados de fevereiro a outubro de 1996, em intervalos de dois meses. Tratame ntos 1a.Cole ta 2a.Cole ta 3a.Cole ta 4a.Cole ta 5a.Cole ta Pupunha sem capina 5 . 10 5.9 0 6.2 2 4.8 ab 4. 9 Pupunha com capina 4.45 5.6 8 6.4 8 4.5 ab 5. 2 Pupunha com amendoim 5.22 6.0 8 7. 0 5.1 a 5. 1 Pupunha com arroz 4.65 5.4 5 6. 0 4.3 ab 4. 7 Pupunha com sorgo 4 . 15 4.6 0 5.9 3 4.0 b 4. 6 Pupunha com macaxeira 4.50 5.2 8 5.8 2 4.8 ab 5. 4 DMS ns ns ns 0.9 1 ns Fonte: Silva, 1997. Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem estatisticamente entre si a 5% de probabilidade pelo teste Tukey. 193 YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. assim como altura de planta (49 e 39 cm) e número de perfilhos (2,96 e 1,9). Em um ensaio de adubação e espaçamento de pupunheira na Fazenda Yuricam, situada na rodovia AM-10, km 100, município de Rio Preto da Eva, inicialmente estabeleceu-se como adubação básica NPK a fórmula (225-25180), baseada na adubação utilizada por Herrera (1989), que recomendou de 200 a 250 kg de N, 20 kg de P2O5 e de 160 a 200 kg de K2O por hectare x ano e Cantarella & Bovi (1995) que recomendaram 222 de N, 32 de P e 172 de K por hectare. Os outros tratamentos foram 50% (112,5-12,5-90) e 150% (337,5-38270) da adubação básica, além da testemunha sem adubação. Utilizou-se ainda um último tratamento baseado na análise do solo da região, paupérrimo em fósforo, constituído de 4,5 vezes a quantidade de P 2O5 recomendada na adubação básica. Através da análise de variância observou-se diferenças significativas (p<0,01) em altura, diâmetro de planta, número de folhas e número de perfilhos em resposta às diferentes adubações NPK. Observou-se ainda resposta significativa (p<0,01) para altura, diâmetro de planta e número de folhas em função de espaçamentos e interação significativa entre espaçamento e adubação apenas para diâmetro de planta (Yuyama et al., 1997). A altura de planta diferiu significativamente entre os espaçamentos de 2 x 1,5 m (51 cm) e 2 x 1 m (42 cm), apresentando resultado estatisticamente neutro em relação aos dois anteriores para o espaçamento de 1 x 1 m (45 cm). Na maior densidade de plantio observou-se estiolamento das plantas (Tabela 10). Quanto ao diâmetro de planta, o valor observado para o espaçamento de 2 x 1,5 m (5,9 cm) diferiu estatisticamente dos valores observados nos tratamentos 1 x 1 e 2 x 1 m, respectivamente 5,15 cm e 5,12 cm. O número de folhas por planta foi maior no espaçamento 2 x 1,5 m (9,21) diferindo estatisticamente de 2 x 1m (7,99) e 1 x 1 m (9,91). A utilização da fórmula NPK 22590-180 foi o tratamento que proporcionou melhor desenvolvimento às plantas (Tabela 11), diferindo estatisticamente dos demais em altura (62,7 cm), diâmetro da planta (6,84 cm) e número de 194 Tabela 5. Taxa de crescimento relativo do diâmetro do caule de pupunheiras. Tratame ntos Taxa de cre s cime nto re lativo 2a.- 1a.Col. 3a.- 2a.Col. 4a.- 3a.Col. 5a.- 4a.Col. Pupunha sem capina 0.38 0.2 4 0.01 0 . 12 Pupunha com capina 0.35 0.2 3 0.0 4 0.10 Pupunha com amendoim 0.39 0.3 3 0.0 5 0.13 Pupunha com arroz 0.30 0.18 0.08 0.0 3 Pupunha com sorgo 0.18 0.20 0.01 0.3 1 Pupunha com macaxeira 0.35 0.10 0.05 0.19 Fonte: Silva, 1997. Tabela 6. Taxa de crescimento relativo da altura de pupunheiras. Tratame ntos Taxa de cre s cime nto re lativo a Pupunha sem capina a 2 .- 1 .Col. 3a.- 2a.Col. 4a.- 3a.Col. 5a.- 4a.Col. 0.49 0.2 0 0.14 0.22 Pupunha com capina 0.37 0.2 2 0.11 0.28 Pupunha com amendoim 0.49 0.2 8 0.19 0.26 Pupunha com arroz 0.38 0.13 0.09 0.13 Pupunha com sorgo 0.37 0.12 0.05 0.14 Pupunha com macaxeira 0.47 0.2 3 0.0 8 0.15 Fonte: Silva, 1997. Tabela 7. Taxa de crescimento relativo do número de folhas verdes de pupunheiras. Tratame ntos Taxa de cre s cime nto re lativo 2a.- 1a.Col. 3a.- 2a.Col. 4a.- 3a.Col. 5a.- 4a.Col. Pupunha sem capina 0.15 0.05 - 0.2 6 - 0.0 2 Pupunha com capina 0.24 0.13 - 0.36 0.14 Pupunha com amendoim 0.15 0 . 14 - 0.32 0.0 0 Pupunha com arroz 0.16 0 . 10 - 0.33 0.0 9 Pupunha com sorgo 0.10 0.25 - 0.3 9 0.15 Pupunha com macaxeira 0.16 0 . 10 - 0 . 19 0 . 13 Fonte: Silva, 1997. perfilhos (3,25). O número de folhas foi maior quando se utilizou as fórmulas 225-90-180 e 225-25-180, diferindo estatisticamente da testemunhas sem adubação e da utilização da fórmula 112,512,5-90). A testemunha sem adubação foi o tratamento que, como esperado, proporcionou menor desenvolvimento às plantas, diferindo estatisticamente dos demais (altura = 30,9 cm; diâmetro da planta = 3,75 cm; número de folhas = 6,65 e número de perfilhos = 0,2). Houve efeitos significativos da interação entre espaçamento e adubação para diâmetro da planta (Tabela 12). No espaçamento de 1 x 1 m, a única diferença significativa foi observada entre a testemunha (4 cm) e os tratamentos que utilizaram 225-90-180 (5,8 cm) e 225-25-180 (6 cm). No espaçamento de 2 x 1 m, o tratamento com 225-90-180 (6,4 cm) diferiu significativamente da testemunha 0-0-0 (3,5 cm) e dos tratamentos que utilizaram 112,5-12,5-90 (5,1 cm) e 337,5-38-270 (5,1 cm), porém sem diferir significativamente do Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. tratamento que utilizou 225-25-180 (5,4 cm). No espaçamento de 2 x 1,5 m, o tratamento com adubação 225-90-180 (8,4 cm) diferiu dos demais tratamentos. Para efeitos de espaçamento dentro de adubação, observou-se que para os tratamentos com 337,5-38-270 e 22590-180 o espaçamento de 2 x 1,5 m apresentou resultados superiores (6,4 e 8,5 cm de diâmetro da planta) que os observados no espaçamento 2 x 1 m (5,1 e 6,4 cm) e 1 x 1 m (5,1 e 5,8 cm. O tratamento de adubação NPK (225-90-180) mostrou maior crescimento em relação a diâmetro e altura da planta, número de folhas verdes e perfilhos, superando os níveis de adubação básica (225-25-180). Os níveis de P2O5 utilizados por Herrera (1989) e Cantarella & Bovi (1995) são similares e foram determinados tidas em solo com teores de fósforo superiores aos utilizados nestes experimentos. Na Amazônia, os solos de terra firme, tipicamente Latossolos Amarelos, possuem um teor de fósforo baixíssimo, com média de 1 a 2 ppm. Desta forma, para cultura da pupunheira, o acréscimo na dose de P2O5 de 25 (Herrera, 1989; Cantarella & Bovi, 1995) para 90 kg/ha x ano, mostrou ser vantajoso, constituindo-se em uma dose mais adequada e balanceada para os solos predominantes na região Amazônica. Espera-se obter no ocasião da colheita de palmito uma resposta mais concreta (Yuyama et al., 1997). O espaçamento de 2 x 1,5 m apresentou maior desenvolvimento em termos de número de folhas verdes, diâmetro e altura da planta. O trabalho apresentado por Chalá C. (1993) mostrou que plantios em densidades mais elevadas (16.666 plantas/ha) produziram maior número e peso de palmito por hectare que densidades de 14.183, 10.000 e 2.500 plantas/ha, esta última responsável pela menor produtividade no primeiro e segundo ano de corte. Mora Urpi & Weber (1997) apresentaram o quinto ano de corte do experimento iniciado por Chalá C. (1993) e demonstraram que a produtividade estabilizou-se no patamar de 1,65 a 2,25 t/ ha de palmito para todas as densidades. Este resultado deixa algumas dúvidas, pois não se sabe os tratos culturais (houve ou não controle de perfilhos, corte de palmito na época certa, e a adubação Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Tabela 8. Diferentes níveis de adubação NPK, uso de micronutrientes, calcário, gesso e esterco na cultura da pupunheira para produção de palmito - Sítio Rieda. Tratame ntos Diam. da planta (cm) Altura da planta (cm) No. folhas ve rde s No. de pe rfilho 1 Testemunha 2.12 15.3 6.1 0.4 5 2 Calcário (1 t/ha) 1.77 14.4 5.1 0.0 0 3 Gesso (1 t/ha) 2 . 01 16.3 6. 0 0 . 19 4 Esterco (12.5 t/ha) 2 . 81 24.5 6.6 0.65 5 90- 45- 120 2.72 24. 3 6.2 0.29 6 90- 45- 240 2 . 51 22.0 6.3 0.42 7 90- 90- 120 3.55 30. 0 7.1 0.99 8 90- 90- 140 2.24 20.1 5. 8 0 . 13 9 180- 45- 120 2.03 18.5 5. 2 0.04 10 180- 45- 240 2.53 22. 8 6. 1 0.0 9 11 180- 90- 120 2.64 23. 3 6.2 0.2 1 12 180- 90- 240 2 . 41 21.3 5. 8 0 . 15 13 270- 45- 120 2.56 22. 0 6.0 0 . 16 14 270- 45- 240 2.47 21.5 5. 7 0.3 1 15 270- 90- 120 2.93 25. 0 6.6 0.32 16 270- 90- 240 2.63 23. 6 6.9 0.38 17 G + Micro 2.33 20. 9 6.3 0.25 18 C + Micro 1.99 16.6 7.2 0.0 4 19 T + Micro 2.18 20.0 6.2 0 . 13 20 180- 45- 240 + Micro 2.72 24. 6 6.5 0.46 D.M.S. 1. 8 3 15.72 3.0 8 1.12 C.V. (%) 28.31 28.03 18.94 12.33 Tabela 9. Diferentes níveis de adubação NPK na cultura de pupunheira para produção de palmito - Granja Miyamoto. Altura da Diâme tro da planta (cm) planta (cm) Tratame ntos Elem. No. folhas ve rde s No. de pe rfilhos kg/ha 75 47 4. 9 7.2 1.65 150 50 5. 3 7. 3 1.79 225 46 4. 9 7. 1 1.75 30 48 4. 9 7.2 1.70 60 49 5. 1 7.2 1.71 90 46 5.0 7. 2 1.79 60 46 4. 9 7. 1 1.86 120 46 4. 8 7. 1 1.67 180 51 5.3 7. 4 1.86 D.M.S. 6. 7 6.9 0.5 5 0.22 C.V.(%) 17.06 16.66 9.25 15.60 N P 2O 5 K 2O de reposição). Como foi verificado que os tratamentos com maior densidade produziram mais palmito por hectare nos primeiros dois anos de corte, evi- dentemente estes necessitaram de maior quantidade de nutrientes para reposição. Caso não tivessem sido adubados de maneira diferenciada, a tendên195 YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. cia esperada seria de uniformização ou até mesmo redução da produtividade de tratamentos muito demandantes em nutrientes nos primeiros anos. Por outro lado, os tratamentos de menor densidade apresentariam aumento de produtividade possivelmente devido à maior emissão de perfilhos/planta (maior luminosidade) e maior reserva de nutrientes (menor produtividade nos primeiros anos). Yuyama & Costa (1994) relataram que touceiras com o maior número de perfilhos por planta (três perfilhos) produziram maior número e peso do palmito em relação a touceiras de um ou dois perfilhos. Porém, no presente experimento, o efeito de espaçamento so- bre o crescimento da planta foi maior no tratamento 2 x 1,5 m, onde provavelmente será observado o maior peso de palmito por planta em menor espaço de tempo, o que não significa obrigatoriamente maior rendimento de palmito por hectare, ao longo do tempo, considerando cinco anos de corte. As características densidade de plantas e número de perfilhos estão ligadas diretamente ao rendimento de palmito por hectare, mas ainda faltam dados para confirmar qual a densidade ideal para produção do palmito. A densidade ideal variará conforme o mercado pretendido, com menor densidade para mercado interno (churrascaria e restaurante) e maior densidade para mercado de ex- Tabela 10. Espaçamento na cultura da pupunheira para produção de palmito F a z e n d a Es paçame nto Altura da planta (cm) Diâme tro da planta (cm) No. de folhas ve rde s No. de pe rfilhos 1x1m 44,9 ab 5,15 b 7,9 b 0,87 2x1m 42,3 b 5 , 12 b 8,0 b 0,98 2 x 1,5 m 5 1, 2 a 5,95 a 9,2 a 1, 2 0 0,45 0,6 n.s m acY iu.r D.M.S. 6 ,3 Tabela 11. Adubação NPK na cultura da pupunheira para produção de palmito Fazenda Yuricam. Adubação NPK Altura da planta (cm) Diâme tro da planta (cm) c 3,75 c No. de folhas ve rde s 6,65 c No. de pe rfilhos 0- 0- 0 30,9 0,20 c 112,5- 13,5- 90 43,5 b 5,22 b 8,06 b 0,72 b 337,5- 38- 270 44,2 b 5,52 b 8,66 ab 1,05 b 225- 90- 180 62,7 a 6,84 a 9,46 a 3,25 a 2 2 5 - 2 5 - 18 0 49,3 b 5,71 b 9,04 a 1,15 b D.M.S. 9, 5 0 , 71 0 , 84 0 , 40 Tabela 12. Interação entre espaçamento e adubação NPK sobre o diâmetro do caule na cultura da pupunheira para produção de palmito - Fazenda Yuricam. Adubação Es paçame nto N PK 1x1m 2x1m 2 x 1,5 m 0- 0- 0 49,7 A b 35,37 A 112,5- 13,5- 90 49,4 A ab 51,44 A b 55,71 A b 337,5- 38- 270 50,7 Bab 51,01 B b 64,00 A b 2 2 5 - 9 0 - 18 0 57,8 Ba 63,84 Ba 83,54 Aa 225- 25- 180 60,1 A a 54,42 A ab 56,64 A b c 37,38 A DMS = 12,33 entre adubação dentro de cada espaçamento (a,b,c) DMS = 10,48 entre espaçamento dentro de cada adubação (A,B) 196 c portação do produto envasado. USO DE HERBICIDAS NO CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS Quando se pensa em utilizar herbicidas ou outros agrotóxicos necessita-se inicialmente saber quais os produtos existentes no mercado local, pois muitos produtos eficientes não se encontram na praça de Manaus. De Frank & Clement (1995) testaram em pupunha os herbicidas Oryzarin (Surflan), Oxyfluorfen (Goal), Paraquat (Gramoxone) e Polypropilene mat (PAK), em condições de cultivo no Havaí. Os resultados, baseados na precocidade e rendimento de palmito e eficiência de controle indicaram que PAK foi semelhante a Goal e superior a Surflan e Paraquat, considerando que as plantas invasoras predominantes eram Eleusine indica (Capim-pé-de-galinha), Euphorbia hirta (Erva-de-Santa-Luzia) e Siegesbackia orientalis (Botão-deouro). Para a região Amazônica, além da limitação herbicidas existentes no mercado de Manaus, necessita-se ainda aprofundar as pesquisas e selecionar os herbicidas eficientes para as espécies de plantas daninhas predominantes da região. GRAMOXONE - um dos produtos mais comuns no mercado, de preço mais baixo. Seu inconveniente é ser um herbicida de contato e não possuir ação sistêmica. As plantas adultas queimam as folhas verdes mas geralmente não chegam a morrer e as gramíneas adultas rapidamente se re-estabelecem. Nas folhas da pupunha, o produto causa queima seguida de necrose. O produto é utilizado no plantio da Indústria Sharp em Barcelos (AM), com pulverizador de mangueira, com protetor na ponta (chapéu de Napoleão) motorizado, tracionado na tomada de força do trator. O produto é de classe toxicológica I, oferecendo perigo para o aplicador da região. ROUNDUP - eficiente no controle de gramíneas como Brachiaria humidicola, uma das principais plantas daninhas nas áreas de cultivo da pupunheira anteriormente ocupadas com pastagem. Apresenta baixa Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. fitotoxidade às pupunheiras. É utilizado pela Tapiré Indústria e Comércio Ltda., em Iranduba (AM), com bons resultados. É de classe toxicológica IV e apresenta preço elevado. Além do controle eficiente, o herbicida deixa uma densa camada de matéria orgânica protegendo o solo e mantendo-o úmido por tempo prolongado. IDENTIFICAÇÃO DA ÉPOCA DO CORTE DE PALMITO Sabe se que o peso do palmito é diretamente proporcional ao tempo (tamanho da planta) de corte, pois as pupunheiras maiores geralmente possuem peso de palmito (maior diâmetro do palmito) maiores em relação às pupunheiras jovens (Moreira Gomes & Arkcoll, 1988). Uma das práticas que é importante para o produtor de palmito de pupunha é a identificação do ponto exato de corte, isto é, o ponto em que o crescimento do palmito (diâmetro e comprimento) torna-se mais lento e deixa de ser compensador atrasar a época de corte. O ponto ideal pode também ser determinado pelo mercado pretendido, em combinação com densidade de plantas e adubação. O corte tardio não só prejudica o crescimento dos perfilhos (tempo de recuperação) como também altera seu desenvolvimento por falta de luminosidade. Quando atrasa-se demasiadamente o corte, os perfilhos definham, ficam estiolados, apresentam folhas que se quebram facilmente (por seres estioladas) e sofrem queimadura, o que retarda o seu desenvolvimento. Já existe alguma indicação da altura de corte. Yuyama & Costa (1993) avaliaram a altura de corte em 44 plantas com diferentes alturas de inserção da última folha verde (folha verde mais próxima do solo, de 0,28 a 2,48m), que foram subdivididas em oito classes de 25 cm, compondo tratamentos. Verificou-se que não houve diferença significativa entre peso e diâmetro do palmito e peso da coração (parte comestível) para nenhuma das classes, o que indica que, se a inserção da última folha verde estiver acima de 25 cm, os palmitos podem ser extraídos ocasionar perda na produção. Alguns autores (Villachica, 1996; Mora Urpi & Weber, 1997) recoHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. mendam que quando o diâmetro da região do colo da planta estiver com 9 cm, já foi atingido o ponto de colheita. Entretanto, em plantios adensados muitas plantas não atingem este diâmetro. No Havaí, a época da corte é baseada na altura da planta, procedendo-se à colheita quando a planta atinge 1,3 m de altura (Clement, comunicação pessoal). Porém em plantio adensado em Manaus, esta altura parece ser muito baixa, pois a maioria das plantas ainda não apresentou o primeiro nó (local da inserção da folha) acima de 25 cm. Este fato é importante porque corte de palmito pode afetar os perfilhos existentes. Na região de Manaus, o aparecimento do primeiro nó ocorre quando a planta tem ao redor de 1,8 m, em densidade de 4000 plantas/ha. Portanto, a época de corte de palmito pode ser baseada inicialmente no aparecimento do primeiro nó e, posteriormente, na altura da planta. PRÁTICAS CULTURAIS APÓS O CORTE DE PALMITO Considerando os solos da região Amazônica, pobres em nutrientes e matéria orgânica, é recomendável deixar o máximo de restos vegetais (folhas e colmos) no campo, o que favorece o solo química e fisicamente, além de auxiliarem no controle de plantas daninhas, que tornam-se mais agressivas após o corte das plantas, devido ao aumento de luminosidade no solo. Em geral, a biomassa da pupunheira apodrece em um mês, deixando uma camada de cobertura morta. AGRADECIMENTOS Eu gostaria de agradecer principalmente algumas empresas privadas que não mediram esforços para me apoiar, cedendo áreas, insumos, transportes, infra-estrutura e pessoal de apoio, para concretizar as pesquisas: ao Sr. Jean Dupui e ao M.Sc. Wanders Benjamin Chávez-Flores da Fink & Cia Ltda.; ao Sr. Miyamoto, da Granja Miyamoto; ao Sr. Alcy Hagge Cavalcante, da Amazonav; aos Sr. Jaime, “Galego” e Euclides, da Tapiré Indústria e Comércio Ltda., e também aos colegas Dr. Newton Bueno e Dr. Manuel Cravo, da Embrapa - CPAA; M.Sc. Oswaldo Sassaki, da Universidade do Amazonas , e meus companheiros do INPA CPCA, pois sem a colaboração dos senhores estes resultados não teriam sido obtidos e não seria possível prosseguir com as minhas pesquisas de pupunheira no Amazonas. Muito obrigado. LITERATURA CONSULTADA CANTARELLA; BOVI, M. Extração e reciclagem de nutrientes em plantas de pupunha. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO, 25., 1995, Viçosa. Anais... Viçosa: SBCS, 1995. p.788 789. CHALÁ C., V.H. Evaluación de ocho densidades de siembra de Bactris gasipaes H.B.K. para la producción de palmito em la Region Amazonica Ecuatoriana. In: MORA-URPÍ, J.; SZOTT, L.T.; MURILLO, M.; PATIÑO, V.M. ed. Congresso Internacional sobre Biologia, Agronomia y Industrializacion del Pijuayo, 4. San Jose: Universidad de Costa Rica, 1993. p. 255 266. CLEMENT, C.R.;MORA URPI, J. The pejibaye (Bactris gasipaes H.B.K., Arecaceae): multiuse potential for the lowland humid tropics. Journal of Economic Botany, v. 41, n. 2, p. 302 311, 1987. DEFRANK, J. ; CLEMENT, C.R. Weed control in pejibaye heart of palm plantations in Hawaii. HortScience, v. 30, n. 6, p. 1215 1216, 1995. HERRERA B., W. Fertilización del pejibaye para palmito. Boletim Informativo Pejibaye (Guilielma), v. 1, n. 2, p. 4 10, 1989. FERREIRA, S.A.N.; CLEMENTE, C. R. E.; RANZANI, G. Contribuição para o conhecimento do sistema radicular da pupunheira (Bactris gasipaes H.B.K.- Guilielma gasipaes H.B.K. Bailey). Acta Amazonica, v. 10, n. 2, p. 245 249, 1980. GOMES, J.B.M. Crescimento e produção de pupunha (Bactris gasipaes Kunth) consorciada com mandioca (Manihot sculenta Crantz), urucu (Bixa orellana L.), banana pacovão (Musa paradisiaca) e abacaxi (Ananas comosus L.). Manaus: UFAM, 1993. 91 p. (Tese mestrado). GOMES, J.B.M.; ARKCOOL, D. Estudos iniciais sobre a produção de pupunha (Bactris gasipaes) em plantações. In: ENCONTRO DE PESQUISADORES DO PALMITO, 1., 1988, Curitiba. Anais... Curitiba: Embrapa CNPF, 1988. p.271 277. IBGE. ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. Rio de Janeiro, IBGE, 1993. IBGE. ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. Rio de Janeiro, IBGE, 1990. MORA URPI, J.; VARGAS, E.; LÓPEZ, C.A.; VILLAPLANA, M.; ALLON, G.; BLANCO, C. El pejibaye (Bactris gasipaes H.B.K.). San Jose: Banco Nacional de Costa Rica, 1982. 15 p. MORA URPÍ, J.; WEBER, J.C. Peach palm, Bactris gasipaes Kunth: promoting the conservation and use of underutilized and 197 YUYAMA, K. Sistemas de cultivo para produção de palmito da pupunheira. neglected crops. Rome: International Plant Genetic Resources Institute (no prelo). SILVA, F.M.S. Efeitos no crescimento da pupunheira (Bactris gasipaes Kunth) para produção de palmito, em monocultivo e consorciada com culturas de ciclo curto. Manaus: UFAM, 1997. 35 p. (Monografia graduação). SILVA, F.M.S.; YUYAMA, K. Desenvolvimento da pupunheira (Bactris gasipaes Kunth) para produção de palmito, em sistemas de monocultivo e consorciação com outras culturas de ciclo curto. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE OLERICULTURA, 37.. 1997, Manaus. Resumos...Brasília: SOB, 1997. VILLACHICA, H. Pijuayo (Bactris gasipaes H.B.K.) In: VILLACHICA, H. ed. Frutales y hortalizas promisorios de la Amazonia. Lima: TCA, 1996. p. 216 226. YUYAMA, K. Avaliação de algumas características agronômicas e morfofisiológicas de cinco cultivares de soja (Glycine max (L.) Merrill), cultivados em solo de várzea e de terra firme da Amazônia Central. Jaboticabal: UNESP, 1991. 130 p. (Tese doutorado). YUYAMA, K.; COSTA, S.S. Estudo de altura do corte de pupunheira para extração de palmito. REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 35., 1993, Recife. Anais... Recife: SBPC, 1993. p.89. YUYAMA, K.; COSTA, S.S. Estudo de altura do corte de pupunheira para extração de palmito. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 16, n. 2, p. 77 82, 1994. YUYAMA, K.; CHÁVEZ FLORES, W.B. Comportamento de progênies de meios-irmãos de pupunheira (Bactris gasipaes Kunth). Revista Brasileira de Fruticultura, v. 18, n. 1, p. 93-98, 1996. YUYAMA, L.K.O.; FAVARO, R.M.P.; YUYAMA, K.; VANNUCHI, H. Bioavailability of vitamin A from peachpalm (Bactris gasipaes, H.B.K.) and from mango (Mangifera indica) in rats. Nutrition Research, v. 11, p. 1167 1175, 1991. SOARES, A.G. Palmito de pupunha - alternativas de processamento. Horticultura Brasileira, v. 15, p. 198-199, 1997. Palestra. Suplemento. Palmito de pupunha - alternativas de processamento. Pejibaye palm-core: options for processing. Antônio G. Soares Embrapa Agroindústria de Alimentos, Av. das Américas 29.501, Bairro Guaratiba, 23.020-070 Rio de Janeiro - RJ. Palavras-chave: Bactris gasipaes tecnologia de alimentos, extrativismo, qualidade de alimentos, soluções salinas, atmosfera controlada. Keywords: Bactris gasipaes food technology, exploitation, food quality, saline solutions, controlled atmosphere. O Brasil é o maior produtor e exportador de palmito do mundo, suprindo mais de 70% da demanda mundial. A comercialização de palmito em conserva alcança cerca de 30 milhões de dólares anuais. Na Europa, o principal país importador é a França; na América do Norte, os Estados Unidos; na América Latina, a Argentina e; na Ásia, o Japão. Entretanto, como esta atividade é essencialmente baseada na extração dos recursos naturais, a produção de palmito tem variado de modo substancial, estando em declínio (Tabela 1). Além disso, como é grande o número de palmeiras capazes de fornecer palmito comestível, são poucas ainda as culturas racionais de palmito para comercialização. O palmito de pupunha, por suas características agronômicas, químicas e comerciais, vem despertando grande interesse nos últimos anos. No entanto, a falta de uniformidade da matéria-prima, o baixo nível tecnológico empregado e a baixa produção racional deste produto, são fatores que impedem o avanço de sua comercialização e, por consequência, a conquista de novos mercados. 198 Agronomicamente, a espécie apresenta uma grande adaptação ecológica, excelente produtividade e rusticidade, sendo considerada perene pela sua capacidade de rebrotar. No processamento, a pupunha é uma espécie de palmito que apresenta algumas características próprias e muitos distintas, tais como: ausência de escurecimento enzimático, textura macia e sabor característico ligeiramente adocicado. Por isso faz-se necessário pesquisar o desenvolvimento de técnicas alternativas e específicas para o seu processamento. Do ponto de vista tecnológico, a produção de palmito de pupunha em conserva é bastante utilizada. No entanto, existem outras alternativas como: uso de soluções salinas com imersão do palmito de pupunha e o uso de atmosfera controlada. Obtenção de Palmito de Pupunha in natura através do uso de solução salina Soluções salinas, adicionadas de alguns aditivos químicos, podem ser utilizadas com sucesso. O palmito é imerso nesta solução por aproximadamente quinze minutos, retirado, escorre-se o excesso de água, embala-se em PVC e armazena-se à temperatura de 10°C, conforme indicado no fluxograma apresentado a seguir. Análises de cor, textura e sabor do produto evidenciaram que, dez dias após o início do armazenamento, as características iniciais do palmito permaneciam quase inalteradas. Recepção de Matéria-prima Descascamento Classificação Pré-lavagem e Lavagem Corte em Toletes Imersão em Solução Embalagem Armazenamento Outra tecnologia que pode ser empregada é o uso de atmosfera controlada (AC). Esta tecnologia significa o controle dos níveis de CO2, O2, e etileno do Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. SOARES, A.G. Palmito de pupunha - alternativas de processamento. produto durante o armazenamento. O uso adequado desta tecnologia pode reduzir a taxa respiratória em até 50%, quando comparada à taxa respiratória do produto armazenado ao ar ambiente, nas mesmas condições de temperatura. Os níveis adequados destes gases são capazes de manter a qualidade do produto e minimizar as perdas, com consequente aumento da vida útil. Para compensar os custos do sistema de AC, o palmito deve ser submetido a uma criteriosa classificação, devendo apresentar uma excelente aparência. Estudos preliminares indicaram que o uso desta tecnologia poderá aumentar substancialmente o tempo de vida útil do palmito, desde que armazenado à temperatura correta. Es- Tabela 1. Quantidade de palmito obtido no Brasil. Ano Produção (1) 1986 2 0 3 . 9 48 1987 35.123 1988 189.269 1989 201.687 1991 23.68 7 1992 21.003 Fonte: IBGE, 1994. tão sendo iniciados no momento estudos sobre a fisiologia do palmito de pupunha (taxa de respiração do produto), que darão subsídio para a identifi- cação da melhor mistura de gases a ser utilizada na própria embalagem. KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 199-205, 1997. Palestra. Suplemento. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. Sustainability and vegetable cropping. C.A. Khatounian Instituto Agronômico do Paraná, C. Postal 481, 86.001-970 Londrina - PR. Palavras-chave: origem, enfoque histórico, estrutura de produção, enfoque social, recursos naturais, impacto ambiental, degradação ambiental, produção orgânica. Keywords: origins, historical approach, production structure, social approach, natural resources, environmental impact, environmental degradation, organic production. SUSTENTABILIDADE A preocupação com a sustentabilidade não é sim plesmente o tema da moda. É antes o fruto das reflexões da relação do homem com o ambiente ao longo da história e levou quase três décadas para se cristalizar num conceito. Um conceito simples, mas de profundas conseqüências. Apenas na década de 60 a humanidade começou a se dar conta de que o potencial de transformação desenvolvido pelo progresso tecnológico estava gerando problemas numa escala mais ampla do que a natureza podia corrigilos. Subitamente, o mundo se tornou pequeno para o homem e ainda menor nas décadas seguintes. Os indícios dessa pequenez: a poluição generalizada, a escassez da água e o comprometimento dos recursos dos oceanos, os buracos na camada de ozônio, o efeito estufa, o DDT até no leite das mulheres e nos pingüins, a desertificação. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Essa percepção da degradação das condições essenciais à vida no planeta conduziu à busca de um novo paradigma de desenvolvimento, cristalizado no conceito de sustentabilidade, na Eco-92, no Rio de Janeiro. O modelo de desenvolvimento predominante no planeta traz em si o princípio da sua exaustão, uma vez que compromete os recursos naturais essenciais ao seu funcionamento. Em outras palavras, o modelo não é reprodutível ad infinitum. Fundamentalmente, a sustentabilidade agrega a dimensão de tempo à busca de desenvolvimento. Apenas como exemplo, estima-se que para cada quilo de soja colhido no cerrado se perdem 10 kg de solo. Esse solo perdido, além do empobrecimento da terra agrícola, vai comprometer a riqueza piscícola dos rios, a produção de energia das hidrelétricas e assim por diante, determinando um decaimento da capacidade de produção do ambiente no seu todo. Porém, o conceito de sustentabilidade cristalizado na Eco-92 vai mais além. Ele engloba também os fatores econômicos e sociais, cujas necessidades também precisam ser atendidas para que uma situação seja efetivamente sustentável. Assim, o conceito de sustentabilidade pode ser entendido como um tripé, envolvendo os fatores de natureza econômica, social e ambiental. Naturalmente, o que não é economicamente competitivo, não será sustentável, seja uma pequena exploração olerícola ou todo um país. Uma vez alcançada a economicidade, ela só se mantém se as condições sociais forem aceitáveis para os agentes envolvidos na produção. A insatisfação social põe em risco tanto os aspectos econômicos quanto os ambientais. E, ainda que seja lucrativa e socialmente aceitável, nenhuma situação será sustentável se a base natural em que se alicerça estiver sendo desgastada. 199 KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. Assim, o desafio da sustentabilidade não se restringe a gerar soluções ambientalmente adequadas, mas também lucrativas e socialmente desejáveis. À luz desse tripé da sustentabilidade podem ser estudadas as diferentes modalidades de produção de olerícolas no Brasil. O CULTIVO DE HORTALIÇAS ATRAVÉS DOS TEMPOS O estudo da sustentabilidade da produção de hortaliças no país pode ser melhor enquadrado sob uma perspectiva histórica. Essa perspectiva permite entender o contexto em que se inserem os diferentes sistemas de produção em uso no Brasil, focalizando suas limitações e potencialidades ambientais, econômicas e sociais. Embora consumidas desde a mais remota antiguidade, o cultivo de hortaliças em sistemas fortemente intensivos como o conhecemos hoje é relativamente recente. Nos sistemas agrícolas mais antigos, com longos períodos de pousio, as hortaliças eram simplesmente colhidas dentre as ervas que cresciam espontaneamente nas áreas de cultivo ou circunvizinhas à habitação. Durante os séculos de supremacia romana no mundo ocidental, as áreas agrícolas estavam divididas em duas categorias: ager, o campo, e hortus, sem equivalente exato no português moderno. O termo ager se referia à área de produção de grãos, geralmente mais ampla e de cultivo extensivo, em contraposição ao hortus, referente à circunvizinhança da casa e ao cultivo mais intensivo. Nessa circunvizinhança se incluíam plantas ornamentais, frutíferas, medicinais, hortaliças e até mesmo árvores para madeira. Desses dois conceitos derivaram respectivamente os termos agricultura e horticultura. Nas línguas do tronco germânico, a mesma distinção se observa ainda hoje entre os termos acker, em alemão, ou field, em inglês, equivalentes ao conceito latino de ager, e garten ou garden, equivalentes ao hortus latino. Também os árabes no seu apogeu durante a Idade Média conservavam essa distinção em apenas duas áreas de produção agrícola. 200 A separação de uma parte do hortus para o cultivo exclusivo do que hoje chamamos hortaliças é muito mais recente, tendo ocorrido apenas, e a princípio de maneira muito tênue, no final da Idade Média. Essa separação representou uma intensificação ainda maior da produção em relação ao hortus, em termos de utilização de material fertilizante e de mão-de-obra. Tal separação se deu como conseqüência do florescimento das cidades, definindo gradualmente uma nova posição geográfica da produção de hortaliças (os chamados cinturões verdes), um novo tipo de atividade agrícola (a olericultura) e uma nova especialização dos agricultores (os hortelãos). Nas civilizações do arroz, o processo histórico foi um tanto diferente, uma vez que a própria produção do cereal básico só se fixou sob técnicas muito intensivas, comparáveis às utilizadas para a produção especializada de hortaliças. Esse sistema de produção agrícola é às vezes muito propriamente chamado de jardinagem oriental. Daí a familiaridade das civilizações do arroz com a produção de hortaliças e sua mais longa tradição na olericultura. Em japonês, o mesmo termo hatake é utilizado para a horta diversificada ou um campo de qualquer outra cultura. Nas culturas agrícolas que se desenvolveram nos trópicos, em áreas de sequeiro, marcadas pela derrubada, queima e pousio, os conceitos ligados à agricultura são ainda mais diferentes dos conceitos dos latinos. Na agricultura itinerante, seja na África ou no Brasil, há o conceito de roça, área onde se cultivam todos os tipos de produtos, de cereais e tuberosas, a hortaliças e frutas. O cultivo de hortaliças no Brasil atual Atualmente, cultivam-se no Brasil hortaliças nesses três diferentes contextos culturais: o do hortus de origem européia, o da jardinagem oriental, sobretudo pela colônia nipo-brasileira e o das roças dos agricultores de ascendência cultural africana ou ameríndia. Há ainda uma quarta modalidade de cultivo de origem muito recente, fruto do crescimento do mercado das grandes metró- poles brasileiras: o cultivo intensivo em amplas áreas, bem descrito como monoculturas olerícolas. Cada uma dessas quatro modalidades de produção se insere em contextos socioeconômicos e de organização da produção diferentes, resultando em diferentes problemas face ao ideal de sustentabilidade. Roças O cultivo em roças é de extrema importância social no suprimento da população rural pobre de vilarejos, sobretudo do Nordeste e do Norte do Brasil. Dentre seus produtos típicos se destacam, no Nordeste, abóboras, batatadoce, quiabo, maxixe, feijão-verde, melancias, coentro; no Maranhão, além desses, a vinagreira e o monjongome (Talinum); na Amazônia, além destes, o jambu, o caruru (Talinum) e a chicória (Eryngium). Na Amazônia ocidental, registram-se ainda alguns produtos do cultivo indígena, como ariá, cubiu e jacatupé. Em Minas, nesse mesmo padrão de cultivo, registram-se ainda a taioba, a serralha, a capiçoba e o orapró-nobis. O elenco das plantas espontâneas que crescem nas roças novas e que servem como hortaliças é relativamente grande, incluindo amarantáceas, quenopodiáceas, brassicáceas, asteráceas, portulacáceas e outras. Historicamente, a manutenção da fertilidade das roças é feita pela alternância entre períodos curtos de cultivos e períodos longos de pousio. O comprimento desses períodos dependia das condições locais. Não havia uma estratégia de recuperação das condições favoráveis especificamente para as hortaliças. Atualmente, esse sistema de recuperação da fertilidade está em crise, devido ao encurtamento do pousio pela pouca terra disponível. Já o controle de pragas e doenças nos sistemas de roça depende dos mecanismos da natureza, não se utilizando produtos químicos. Assim, o impacto que esses sistemas causam ao ambiente se refere apenas ao empobrecimento biológico que sobrevem ao encurtamento do pousio. Do ponto de vista econômico, estes sistemas são relativamente estáveis, mas em um nível de existência material muito baixo. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. Hortas A produção em sistema de horta é praticada sobretudo nas áreas de predominância de agricultores de ascendência européia, no Centro-Sul e Sul do país. Visa o abastecimento dos próprios agricultores e de cidades pequenas e médias. Seus produtos típicos são o repolho, a alface, a cebola, a cenoura, o tomate, a batata-doce. O manejo da fertilidade das hortas se baseia no aporte de adubos orgânicos e minerais e se utilizam agrotóxicos para o controle de pragas e doenças. Quanto aos adubos orgânicos, tem crescido a utilização do esterco de galinha, em detrimento do de ruminantes, devido à disponibilidade e custos. Nas proximidades das cidades maiores, é crescente o uso de herbicidas. O impacto desses sistemas sobre o ambiente depende da quantidade de insumos industriais utilizada. Nos sistemas mais próximos das cidades e com maior área, pode haver comprometimento do solo e das águas, devido aos fertilizantes nitrogenados e aos agrotóxicos. Economicamente, esses sistemas apresentam uma capacidade relativamente elevada de adaptação às flutuações do mercado. Em ambiente mais favorável podem se abrir mais ao mercado e, em situação inversa, reforçar a produção para autoconsumo. Sua estrutura biológica também lhes dá relativa flexibilidade quanto ao uso de agroquímicos, podendo-se ampliá-lo ou restringi-lo. Além disso, costuma haver outras atividades de renda, o que também contribui para sua estabilidade. Em seu conjunto, tais características dotam esses sistemas de relativa estabilidade econômica, sustentando um nível de existência material sóbrio. Os produtos desse tipo de hortas se caracterizam por uma qualidade visual variável de acordo com as exigências do mercado. Do ponto de vista de resíduos de agrotóxicos, o risco se concentra sobre alguns produtos, especialmente o tomate, a batata e o morango. Também cenoura, no verão, e pepino, no inverno, são produtos de risco. Contudo, a maior parte das hortaliças apresenta baixo risco devido à baixa utilização de agrotóxicos. Um capítulo à parte se refere à qualidade da água de irrigação. Com elevada freqüência, as águas estão contaminadas com esgotos e/ou excrementos de animais, tornando as hortaliças um meio de disseminação de doenças, especialmente verminoses1 . Jardinagem oriental A jardinagem oriental típica se concentra sobretudo nos cinturões verdes das cidades maiores e hoje não está ligada apenas à colônia nipo-brasileira. Responde pela maior parte do abastecimento da população urbana do país. As estruturas de comercialização estão organizadas para levar seus produtos para consumidores a grande distância do local de produção. Seus produtos típicos são o tomate, a cenoura e as folhosas, especialmente alface e repolho. Cultiva-se ainda um grande número de outras hortaliças, para o atendimento da demanda cosmopolita das metrópoles. Para a manutenção da fertilidade e da sanidade das lavouras, esses sistemas dependem fortemente da indústria química. Contudo, é forte a tradição de adubação orgânica, embora sua utilização esteja em declínio. Entre as causas desse declínio, destaca-se a escassez de materiais a preços competitivos no comércio de insumos, além das restrições ideológicas desenvolvidas pela propaganda industrial. Essas restrições ideológicas estão se atenuando em algumas regiões, mas ainda são muito fortes em outras. A produção de hortaliças em jardinagem oriental causa um grande impacto ao meio ambiente em termos de resíduos de agrotóxicos. Provavelmente também em termos de contaminação da água do subsolo com nitratos. Os danos de erosão do solo são relativamente menores, posto que as áreas de lavoura raramente ultrapassam alguns hectares, e que os agricultores são usualmente proprietários. A economicidade dessas explorações se baseia na diversificação de culturas, com elevada geração de renda e de emprego por unidade de área em comparação com outras atividades agrícolas. Contudo, os ganhos dos agricultores são fortemente pressionados, de um lado, pelo custo dos insumos, e de outro, pelo sistema de comercialização. A produção desses sistemas é direcionada a mercados exigentes, de modo que sua classificação visual é rigorosa. A parte da produção que não alcança o padrão exigido é orientada para os mercados menos exigentes e/ou mais pobres. Os riscos de resíduos nesses produtos são maiores do que no caso das hortas, devido à maior utilização de agrotóxicos. A utilização liberal de uréia e de outros nitrogenados faz crer que os níveis de nitratos nas folhosas sejam elevados, representando riscos para a saúde humana. Freqüentemente a qualidade das águas de irrigação é insatisfatória. Contudo, a contaminação nesse caso pode ser também química. Isso porque, nas imediações das médias e grandes cidades do Brasil, os cursos d’água recebem o despejo de efluentes industriais, além dos domésticos. Considerada a possibilidade de contaminação por resíduos de agrotóxicos, esgoto domiciliar, esgoto industrial e nitratos, é muito difícil convencer o consumidor bem informado das grandes cidades de que o consumo de hortaliças não comporta riscos. Aí está uma das causas de o mercado de produtos orgânicos estar crescendo a taxas de 10% ao ano2 . Monoculturas olerícolas As monoculturas de olerícolas foram se implantando em função da concentração do consumo atual em uns poucos produtos, da melhoria dos transportes e 1 No meio urbano, o veículo mais importante de disseminação da cisticercose não é a carne de porco, mas as verduras. A recente epidemia de cólera não foi potente o suficiente para chamar a atenção para a gravidade do problema de contaminação da água de irrigação. 2 Agroanalysis, p. 8 - 11, dez 1996. Outras fontes estimam o crescimento do consumo em 30% ao ano. No Ceagesp, comercializam-se presentemente até dez toneladas por dia de produtos orgânicos, mas a quantidade de produtos vendida diretamente pelos agricultores no atacado e no va rejo é bem maior. Ver também Revista Veja, p. 35, 21 de maio de 1997. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 201 KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. do desenvolvimento da agroquímica. Essas monoculturas atendem mercados consumidores muito distantes das regiões de produção e dentre seus produtos típicos se incluem o tomate e a batata, mas a lista cresce rapidamente: cenoura, cebola. A lógica da monocultura de olerícolas se baseia na economia de escala e na especialização do produtor, que passa a dominar melhor tanto as técnicas de cultivo quanto o mercado de umas poucas culturas, não raro uma única. É uma estratégia de, através da escala, fugir da pressão dos custos de produção e dos preços baixos. Freqüentemente, a monocultura se instala sobre terras arrendadas, uma vez que a simplificação dos sistemas agrícolas torna mais difícil o controle fitossanitário, levando ao constante deslocamento. Embora a produção das monoculturas olerícolas seja orientada para os grandes centros consumidores, os meios de transporte e as relações comerciais lhe permitem alcançar inclusive as pequenas povoações do interior, desde que bem servidas de estradas. A fertilidade desses sistemas depende ainda mais dos fertilizantes minerais do que a jardinagem oriental, havendo casos de nenhuma utilização de adubos orgânicos. Para o controle fitossanitário utilizam-se agrotóxicos abundantemente, tendo como limite apenas a relação entre seu preço e o do produto colhido. As medidas de controle da erosão freqüentemente se restringem àquelas que podem por em risco o rendimento da cultura naquele ano. Preocupações de longo prazo estão fora de cogitação. A monocultura de hortaliças causa um impacto importante no ambiente tanto devido à dimensão das áreas cultivadas, da ordem de dezenas de hectares, quanto pela quantidade de agrotóxicos e fertilizantes minerais utilizados. Do ponto de vista econômico, a monocultura é um empreendimento de alto risco. Esse risco tem um componente biológico e um componente de mercado. O biológico se deve à fragilidade da monocultura frente às pragas, doenças e adversidades climáticas. O com- ponente de mercado se deve à dependência de um único produto, cujo preço desfavorável pode arruinar o agricultor. Comparativamente aos outros sistemas de cultivo de hortaliças, a monocultura de olerícolas é um verdadeiro jogo de azar, podendo os agricultores ganharem muito dinheiro numa safra, para o perderem na seguinte. Os produtos das monoculturas de hortaliças sofrem pela mesma pressão de mercado que os da jardinagem oriental. A fração mais bonita da colheita vai para os mercados mais ricos e exigentes, mas os preços a nível do consumidor das grandes cidades não são refletidos proporcionalmente a nível do produtor. A qualidade desses produtos em termos de resíduos de agrotóxicos tem os mesmos senões que no caso da jardinagem oriental. Possivelmente, muitos consumidores evitariam esses produtos de soubessem dos riscos de muitos dos agrotóxicos utilizados, por exemplo, nas monoculturas de tomate, melancia, cenoura e cebola. O problema da baixa qualidade da água de irrigação tende a ser menos importante nas monoculturas de hortaliças, devido à maior distância das fontes poluidoras. OS PONTOS FRACOS DA MODERNA PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS Considerado o volume da produção, a tendência predominante é de crescimento das monoculturas de olerícolas, supostamente com uma importante produção complementar dos sistemas de jardinagem oriental. Focalizando essa tendência, alguns pontos podem ser destacados quanto à sustentabilidade. Sumidouro de energia, de nutrientes e de biomassa A eficiência energética passou a ser um critério de avaliação do desempenho das culturas a partir da crise do petróleo do início dos anos 70. Subitamen- te, os países desenvolvidos se deram conta de como sua agricultura estava dependente do petróleo, e ainda está. Iniciaram-se então estudos visando a quantificar a eficiência energética dos diferentes sistemas de cultivo, pioneiramente por Pimentel e Lockeretz3 . Esses estudos revelaram que, do ponto de vista energético, os sistemas de agricultura considerados atrasados, tipo roça, eram mais eficientes que os sistemas modernos, baseados no uso intensivo de insumos industriais. Os dois itens que mais oneram os sistemas modernos são os fertilizantes, especialmente os nitrogenados, e os agrotóxicos. Contudo, antes mesmo da industrialização da agricultura, a produção de hortaliças já era a atividade energeticamente menos eficiente no âmbito da produção vegetal. Com o uso de insumos industriais, seu balanço energético ficou ainda mais desfavorável. Há quem considere esse problema irrelevante, posto que a função das hortaliças é fornecer preponderantemente vitaminas e minerais, não energia. Assim, a necessidade de melhores balanços energéticos ficaria para os cereais e tuberosas. Não obstante, esse parece ser um raciocínio de visão estreita, face à prevista exaustão das reservas de minerais para a produção de fertilizantes potássicos e fosfatados e de combustível fóssil para a produção de nitrogenados e de agrotóxicos. Pode se discutir se estão corretos os prazos previstos para a exaustão das reservas de exploração econômica, mas não há dúvidas quanto à sua futura exaustão. Do ponto de vista do aproveitamento dos fertilizantes minerais aplicados, as taxas são sensivelmente baixas. É de conhecimento geral que, para as culturas de campo, o aproveitamento do nitrogênio é da ordem de apenas 50%4 , um pouco mais para o potássio e 6% a 10% para o fósforo. Em muitas situações de horta, o aproveitamento pode ser ainda mais baixo, uma vez que a irrigação, mais a precipitação natural, somam facilmente 3000 mm ou mais de água. Essa quantidade de água intensifica a 3 Sobre esse assunto, uma síntese interessante da discussão que se seguiu à crise do petróleo pode ser encontrada em LOCKERETZ, W. (ed.) Agriculture and Energy. New York: Academic Press, 1977. 4 A parte lixiviada do nitrogênio, vai causar a já clássica contaminação do lençol freático com nitratos, comprometendo sua potabilidade. 202 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. lixiviação de nutrientes e leva a alterações na estrutura dos solos. A produção de hortaliças é também altamente concentradora de biomassa. Mesmo com o crescimento da fertilização mineral, os olericultores sempre relutaram em abandonar os adubos orgânicos, em face de seus visíveis efeitos na produção. Assim, a maioria dos sistemas em jardinagem oriental e mesmo as monoculturas de olerícolas continuam fazendo uso da adubação orgânica. Nesses sistemas, a utilização de estercos animais resulta na transferência de fertilidade das áreas onde se produzem as forragens (ou grãos) para as áreas cultivadas com olerícolas. No Norte do Paraná, para cada hectare de hortaliças, o esterco utilizado corresponde a uma área de coleta pelos animais entre 10 e 20 hectares. Isso representa uma elevada concentração de biomassa a favor das hortaliças, às expensas das áreas de pasto e/ou de lavouras anuais. Uma observação interessante é que, nessa mesma região, as melhores hortas orgânicas consomem a mesma quantidade de esterco que as convencionais, para uma produção aparentemente equivalente, mas sem a utilização de adubos minerais. Isso pode ser conseguido graças ao manejo da rotação de culturas, do solo e da irrigação. Não reproducibilidade do sistema de cultivo Na escola de agronomia francesa, fala-se em condições de reprodução dos sistemas de cultivo. Por reprodução do sistema se entende a possibilidade de obter os mesmos rendimentos, com as mesmas técnicas, ao longo dos anos. Para isso, as condições de produção não podem se degradar ao longo do tempo. Enfocando sob esse prisma o conjunto da agricultura brasileira, somos forçados a concluir que ela não reuniu historicamente as condições para sua reprodução e tão pouco as reúne no presente. De fato, a história da nossa agricultura, na grande maioria das situações, pode ser contada como o caminho da floresta para o pasto ralo. Com o advento da moto-mecanização, dos fertilizantes minerais e biocidas, observou-se, em um primeiro momento, uma recuperação da capacidade de produção dos terrenos antigos. Contudo, esses recursos também se revelaram insuficientes e/ou inadequados, sendo necessário aumentar crescentemente as doses e a potência dos meios utilizados. Assim, após um breve fôlego, esses recursos tecnológicos também se mostraram limitados. Sob esse prisma, a moderna produção de hortaliças, especialmente as monoculturas olerícolas, pode ser entendida como um sistema baseado nesse breve fôlego. À semelhança dos sistemas de roça, em que o campo era abandonado após poucos anos de exploração, as monoculturas olerícolas abandonam a área quando os recursos químicos já não resolvem os problemas. Convém ressaltar, porém, que essa semelhança é acompanhada de uma grande diferença. O impacto das roças sobre o ambiente se restringia a pouco mais que a área da clareira, enquanto o impacto das monoculturas olerícolas é muito mais amplo, devido à natureza e à potência dos seus recursos químicos e mecânicos. Na nossa compreensão, o que fundamentalmente ainda não assimilamos é que a agricultura é a arte de manejar o ciclo do carbono na natureza e que a maior parte do decaimento das condições de produção, tanto para a roça quanto para a monocultura de olerícolas, está na baixa produção de biomassa dos sistemas implantados. A superação da não reproducibilidade da agricultura brasileira exige um grande esforço de reformulação da nossa mentalidade agronômica. Em importante medida, de agricultores do extrato herbáceo, precisamos nos converter em agricultores de árvores. Precisamos reconceituar a fertilidade do ambiente, entendendo que ela não está no solo mas no ecossistema. Nesse sentido, a assim chamada agricultura orgânica é um primeiro passo, não sem tropeços, num longo caminho. Comprometimento do meio ambiente e da saúde Já se comentou ao longo do texto sobre algumas das formas de comprometimento do ambiente pela moderna produção de hortaliças. Esse impacto é bastante visível sobre o solo (contaminação com agrotóxicos e erosão) e a água (contaminação com nutrientes minerais e agrotóxicos, turbidez) e já foi comentado nesse texto. Deve-se considerar ainda, além dessas, a contaminação dos agricultores com agrotóxicos, comum no país, embora não haja estatísticas específicas para a olericultura. Os dados publicados em 1996, referentes a 1994, registram 3740 ocorrências, que representaram 8,34% do total de intoxicações5 . Contudo, essas estatísticas estão abaixo da realidade por três razões: apenas os casos mais graves chegam ao serviço de saúde, a notificação não é obrigatória e muitas vezes os sintomas são genéricos, não sendo correlacionados pelo médico com o uso de agrotóxicos. O impacto menos visível porém se dá sobre a biodiversidade. Tal impacto resulta por um lado da supressão dos organismos devido aos biocidas e, por outro, da uniformização genética das plantas cultivadas. De fato, a moderna produção se alicerça sobre uma estreita base genética, tanto em termos de culturas como de cultivares. A redução no número de culturas é muitas vezes contestada, com base no maior número de espécies que se encontra nos mercados cosmopolitas das grandes cidades, relativamente às cidades menores. Nesse caso, a falha de percepção reside em que, apesar dessa aparente diversidade, o número de espécies que responde pela quase totalidade do consumo é reduzidíssimo, não ocupando todos os dedos de uma mão. Em termos de cultivares dentro de cada espécie, o número às vezes parece razoável. Contudo, a análise dos tipos parentais revela uns poucos grupos genéticos para a maioria dos produtos da moderna produção de hortaliças. OS PONTOS FRACOS DA COMERCIALIZAÇÃO Ao se indagar os agricultores sobre 5 Somadas às intoxicações com inseticidas para uso doméstico, em 1993 e 1994, os agrotóxicos foram responsáveis por 11 - 12% das intoxicações no Brasil. Ver BORTOLETTO, M. E. et al. Estatística anual de casos de intoxicação e envenenamento: Brasil, 1994. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/SINITOX, 1996. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 203 KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. os problemas que enfrentam na produção, a maioria usualmente coloca os baixos preços como primeira queixa. Como não há sustentabilidade sem lucratividade, essa queixa precisa ser seriamente considerada. Em passado não muito distante, os intermediários foram considerados os responsáveis pelos baixos preços pagos aos agricultores e altos preços cobrados dos consumidores, sendo pejorativamente chamados de atravessadores. De fato, observa-se na atividade de intermediação uma capacidade de acumulação sem paralelo com a da produção. A nível mundial, é muito grande o número de iniciativas tentando alterar essa situação a favor dos agricultores. Em alguns casos, a venda direta pode ser uma solução, mas pode exigir um tempo considerável do agricultor, em prejuízo da produção. A comercialização em grupos informais ou formais, como cooperativas, é outra possibilidade, mas, quando a escala cresce, pode se transformar num tipo velado de intermediação. Há, finalmente, em especial para os mercados maiores, a possibilidade de se trabalhar com leilões, nos moldes dos operados na Holanda. Caso o produto não alcance a cotação esperada, ele será sumariamente destruído ou convertido em ração. Naturalmente, destruir sumariamente o produto exige um elevado nível de organização dos agricultores. OS PONTOS FRACOS DO CONSUMO Pelo lado do consumo, os pontos fracos mais evidentes são seu descompasso com a sazonalidade, os preços a nível do consumidor e a concentração em poucos produtos. A natureza funciona por ciclos: as estações do ano, os dias e as noites, os ciclos biológicos das espécies. Até há poucas décadas, quase toda a humanidade se acoplava ao ritmo das estações pelo consumo dos produtos da época. Naturalmente, a lei da oferta e da procura valorizava os produtos fora de época, tornando-os atrativos para os agricultores. Contudo, as forças do ambiente limitavam a extensão dos cultivos fora de época. Com o surgimento dos artifícios químicos, essas forças do 204 ambiente foram sendo contornadas: a excessiva umidade relativa do ar se contornava com fungicidas, o fraco enraizamento com fertilizantes em quantidade, os artrópodos pragas com inseticidas e acaricidas e, mais recentemente, o frio ou as chuvas torrenciais têm sido contornados com estufas plásticas. Com esse arsenal tem sido possível produzir diversas hortaliças todo o ano, embora com grande impacto sobre o ambiente, riscos para o agricultor, resíduos de agrotóxicos e perda de valor nutritivo e sabor dos produtos. Para contornar esses inconvenientes, é preciso por um lado informar e reeducar o consumidor e por outro lado, garantir renda para os agricultores com os produtos da época. Ainda que difícil, esse problema tem de ser enfrentado, posto que não há sustentabilidade quando se desrespeitam ciclos fundamentais da natureza, como são as estações do ano. De um modo um tanto poético, as mangas e abacaxis são parte do verão, da mesma forma que os pinhões e pecans são partes do inverno. Outro ponto fraco do consumo são os altos preços das hortaliças a nível dos consumidores. Relativamente a outros produtos das dietas correntes no Brasil, como o arroz, o feijão ou a carne, os preços das hortaliças chegam a ser exorbitantes. Um pé de alface custa pelo menos meio quilo de arroz, um maço de brócolos, um quilo de carne. Isso limita a expansão do consumo, que no conjunto da população ainda é bastante baixo. O terceiro limitante no âmbito do consumo está em sua excessiva concentração em um reduzido número de produtos. Tomate, alface e batata são as hortaliças mais consumidas no país, apesar de não serem as melhores opções nem em termos nutritivos nem de produção agrícola. Há ainda uma tremenda lacuna na educação da população, especialmente quanto ao valor nutritivo dos alimentos e ao risco de contaminação com agrotóxicos e agentes biológicos. Nesse caminho, há um espaço ainda muito pouco explorado de valorização dos produtos regionais. A sobrevivência em um mundo globalizado dependerá em importante medida da capacidade das populações de bem aproveitarem seus recursos locais, em oposição a uma dieta uniformizada e sem colorido, baseada em trigo, tomate e frango. Na era da globalização, valem mais as soluções regionais. PARA SUPERAR OS PONTOS FRACOS A superação desses pontos fracos na busca de maior sustentabilidade passa por diversas esferas. Dentre elas, destacam-se a necessidade de um novo padrão tecnológico de produção e comercialização, novos padrões de qualidade e um novo corpo conceitual e técnico. Novo padrão tecnológico da produção e comercialização Face aos vários aspectos de insustentabilidade já mencionados nesse texto, urge o desenvolvimento de modelos alternativos, capazes de garantir produção em qualidade e quantidade adequadas, conservando os recursos naturais e propiciando padrões aceitáveis de existência material para os agricultores. Uma primeira aproximação a esse ideal é a produção dita orgânica. Embora não perfeita, essa modalidade de produção tem se expandido e aprimorado, oferecendo produtos de boa qualidade e a preços finais competitivos. Contudo, é tamanho o interesse dos consumidores que esse mercado ainda é fortemente comprador. A produção orgânica tem garantido melhor renda aos agricultores através de dois mecanismos: a redução nos custos de produção e a redução da intermediação. Qual o fôlego desses mecanismos para enfrentar uma grande ampliação da produção ainda é uma interrogação. Novos padrões de qualidade É urgente que os agentes envolvidos no setor olerícola percebam a mudança nos critérios para a avaliação da qualidade dos produtos. Além da qualidade visual, o mercado pede hoje produtos isentos de resíduos e dá preferência à produção adequada aos aspectos sociais e ambientais. No mundo da informação, não é mais realista contar-se com a ignorância do consumidor como fator de consumo. Possivelmente muitos agricultores e técnicos estão perdendo a dianteira não porque esses novos Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. KHATOUNIAN, C.A. A sustentabilidade e o cultivo de hortaliças. padrões sejam inatingíveis, mas porque não se estão dando conta da direção das mudanças6 . Novo corpo conceitual e técnico Há também que se adotar um novo corpo conceitual e técnico na formação dos profissionais das ciências agrárias. Há quase um século, mas especialmente nas quatro ou cinco últimas décadas, a formação agronômica se concentrou em conceitos e práticas da mecânica e da química, minimizando as contribuições da biologia. Na atividade de treinamento do pessoal técnico que o IAPAR tem levado a cabo, nota-se a necessidade de reforçar os conhecimen- tos de biologia, sobretudo no campo da ecologia. Em geral, os profissionais declaram uma grande modificação na sua maneira de interpretar os problemas agrícolas ao enfocá-los sob o prisma da biologia. Até há pouco, a agronomia podia ser entendida como combinação de química e mecânica aplicadas. As exigências da sociedade atual forçam uma modificação dessa visão, transformando-se a agronomia na ecologia aplicada à produção agrícola. 6 Um interessante caso de agricultores que sofreram perdas econômicas porque seu produto estava contaminado e resolveram melhorar seu produto é focalizado no suplemento agrícola de O Estado de São Paulo, de 02 de julho de 1997, na reportagem sobre os produtores de batata de Itapetininga. MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 205-210, 1997. Palestra. Suplemento. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. Production and commercialization of organic vegetables. Laércio Meirelles CAE (Centro de Agricultura Ecológica), Ipê - RS Palavras-chave: aspectos sociais, capitalização, qualidade dos alimentos, agricultura ecológica, certificação, sustentabilidade, biotecnologia, comercialização. keywords: social aspects, capitalization, ecological agriculture, regulation, sustainability, food quality, biotechnology, trade. “Cansei de ser moderno. De agora em diante serei eterno.” Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) INTRODUÇÃO O presente texto se propõe a traçar comentários sobre a produção e comercialização de produtos orgânicos em geral e de olerícolas em particular. Parte de um breve diagnóstico da realidade, passando por diferentes percepções e argumentos a favor da produção orgânica de alimentos e chega a situação que hoje nos encontramos em relação a certificação e comercialização deste produtos no Brasil, com as dificuldades que uma complexa realidade de um país continental impõe a qualquer análise ou diagnóstico. Acabamos por concluir que há duas percepções distintas envolvidas na produção orgânica de alimentos e que é importante que tenhamos informações sobre elas para que possamos nos posicionar com maior clareza. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. A REALIDADE Crises ambientais não são propriamente uma novidade na história da humanidade. O que sobressai aos olhos, no momento atual, é a dimensão desta crise, planetária e duradoura. A agricultura tem desempenhado um importante papel na crise ecológica que hora atravessamos. Na famosa “Declaração de Den Bosch”, de 1991, a agricultura foi apontada como a grande vilã da contaminação ambiental. E, para resgatar os seus pecados, deveria consumir, a partir daí, insumos de tecnologia de ponta, que garantissem uma alta produtividade mas não contaminassem o meio-ambiente. Na realidade, tanto o diagnóstico quanto a penitência sugerida são apresentados através de um viés equivocado. Afinal, se a agricultura tem sua parcela de culpa na contaminação do planeta, essa culpa está muito mais relacionada ao fato de que a agricultura consume produtos contaminantes, do que ao fato de que os produz. E a solução proposta traz, novamente, uma saída que não permite à agricultura independizar-se do complexo industrial, que se coloca tanto à montante quanto à jusante da atividade agrícola. Este papel da agricultura, de consumidora de produtos industrializados e mera produtora de matéria-prima para a indústria, ou de alimentos a baixo custo para as populações urbanas é, na verdade, a força motriz da moderna sociedade urbano-industrial. O PROBLEMA NA ÓTICA DO AGRICULTOR A crise por que passa a agricultura mundial, nos dias de hoje, só nos apon205 MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. ta como solução a preocupação em gerar e resgatar tecnologias que permitam ao agricultor ter uma produção que, ao mesmo tempo, mantenha a sua segurança alimentar e a do planeta e que não seja, obrigatoriamente, consumidora de produtos industrializados. Este é um dos princípios básicos em que se apoia a agricultura ecológica - resgatar e gerar tecnologias que tenham, como motivação básica, a agricultura. Por mais óbvia e lógica que possa parecer uma afirmação como essa, na verdade, ela sugere uma mudança considerável no eixo que, nas últimas décadas, tem orientado a ciência agronômica. Além desta preocupação central, o agricultor tem se deparado com outros problemas, na maioria das vezes, decorrente do acima mencionado: descapitalização crescente, empobrecimento dos solos, intoxicações, mortes. Os agricultores sentem, dia a dia, a necessidade de recuperar seu papel de destaque como um dos eixos importantes para o desenvolvimento da sociedade. E esta recuperação passa, necessariamente, por um questionamento sobre as tecnologias hoje empregadas na agricultura. De onde surgiram? A quem interessam? Para onde têm nos levado? A PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR Aliada às preocupações do agricultor, uma outra perspectiva tem motivado o crescimento da proposta da agricultura orgânica. É a crescente demanda dos consumidores por produtos saudáveis, isentos de agrotóxicos. Ao longo das últimas décadas temos colecionado constantes denúncias de contaminação dos alimentos. Morango no Rio Grande do Sul, maçã no Paraná, batata em Minas Gerais, tomate na Espanha... A busca de uma vida mais saudável, para se contrapor ao estresse provocado pela modernidade, também tem levado a um aumento constante no nível de exigência do consumidor em relação à qualidade de sua alimentação. Há na sociedade uma relação cada vez mais forte e mais frequente entre alimentação e saúde. Mas essa busca de alimentos mais saudáveis não é, como poderíamos supor, uma peculiaridade dos países do 206 hemisfério Norte ou de classes abastadas nos países do Sul. É verdade que nas sociedades ou classes sociais chamadas de pós-materialistas há uma nítida percepção dos problemas ambientais contemporâneos. Mas também é verdade que países ou grupos sociais menos favorecidos possuem uma história de demandas por melhor qualidade de vida, que muitas vezes se mescla com lutas por um meio-ambiente mais limpo. A década de setenta foi marcada por uma famosa frase: “Melhor morrer de câncer aos 50 anos do que de fome aos 20”. A costumeira visão, de que quem tem fome não pode se preocupar se o alimento está ou não contaminado, vem caindo em descrédito. Afinal, a população deve ter acesso à comida para satisfazer suas necessidades, mas estes alimentos devem trazer saúde e não carências nutricionais ou doenças. E, esta percepção está cada vez mais presente na população como um todo, na medida em que se tem acesso a informações. Aqui, reside o motivo dos alimentos orgânicos ainda serem uma demanda mais consistente na classes média e alta. São elas quem têm tido mais acesso a informações e, consequentemente, tem mais elementos para decidir sobre qual alimento consumir. Urge, então, buscar formas de se socializar as informações sobre o que é a qualidade dos alimentos. Não só apresentar problemas óbvios, como a contaminação por agrotóxicos, mas, também, sobre a qualidade nutricional propriamente dita. Há relativamente poucas pesquisas sobre este tema, destacando-se trabalhos realizados por Schuphan, além de citações feitas por Claude Aubert e Francis Chaboussou. A seguir, são apresentados alguns exemplos que dizem respeito à qualidade de alimentos orgânicos, conforme a adubação empregada. Teor de Matéria Seca “Os aportes elevados de N levam a uma redução da matéria seca, especialmente em frutos e legumes ricos em águas”. Assim, “alguns fabricantes de espinafre em conserva, do Oeste da França, constataram que, para fabricar uma lata de conserva de 1 kg, com teor de matéria seca constante, necessitavam duas vezes mais espinafres frescos que vinte anos antes”. (Claude Aubert). Pesquisas feitas por Schuphan mostram que o teor de matéria seca de batata e espinafre aumenta 23% quando adubados com matéria orgânica se comparados à produção com NPK. A ciência médica atual já estabeleceu uma clara correlação entre dieta pobre em fibras e o aumento significativo de câncer de cólon, especialmente na população ocidental. Teor de Glicídios Estudos feitos na Alemanha e Polônia mostram um decréscimo na redução de amido, na maioria das cultivares de batata testadas. Quanto às verduras, há redução no teor de açúcar, mesmo com doses muito baixas de N sintético (Claude Aubert). Teor de Nitratos Como todos sabemos, o nitrato se transforma em nitrito, na saliva e no estômago. E os nitritos, combinadas com as aminas, formam as nitrosaminas, cancerígenas. Schuphan estudou a variação do teor de nitrato em cultivares de alface (Tabela 1) e há trabalhos de pesquisa relatando resultados semelhantes em espinafre e cenoura. PRODUÇÃO Como consequência dos problemas expostos, tanto consumidores quanto produtores têm se preocupado em buscar alternativas que viabilizem uma produção que resgate os objetivos principais da atividade agrícola - a produção de alimentos. De tal forma que não só a nossa, mas também as gerações futuras possam satisfazer as suas necessidades. Até o momento, esta busca de alternativas têm se dado no seio de organizações da sociedade civil. São organizaçõesnão-governamentais, organizações dos próprios agricultores, como associações e pequenas cooperativas, organizações de consumidores e algumas entidades de caráter representativo, tanto de agricultores quanto de técnicos. O Estado não tem, em nenhum momento, se preocuHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. Tabela 1. Teor de Nitrato existente em alface, segundo a adubação e a cultivar. Cultivare s e Te or de Nitrato (M gNO3/100 g de pe s o fre s co) Adubação Tipo Benita Hilde Mona Neckarriese Viktoria 0 111 66 58 68 86 Composto 100 137 108 78 47 90 Composto 2 40 143 202 133 80 161 N PK 100 582 5 45 5 86 495 624 N PK 2 40 1.666 1.435 1.201 1.214 1.262 Controle Teor (kg/ha) Fonte: Schuphan pado em apoiar estas iniciativas, salvo algumas honrosas exceções, que partem muito mais da boa vontade pessoal de alguns, que de uma decisão política do aparelho de Estado. É dentro deste quadro, de premente necessidade e total falta de apoio, que a agricultura orgânica vem se desenvolvendo. Se esta forma de entendimento dos processos agrícolas atingiu a dimensão que hoje tem, é muito mais por seu mérito intrínseco que por interesses comerciais distantes da agricultura. Ainda que estes interesses também já se façam presentes hoje, particularmente no que diz respeito à divulgação dos produtos oriundos da engenharia genética como solução para conferir à agricultura o caráter de sustentabilidade hoje exigido pela sociedade. O mérito intrínseco da agricultura ecológica ao qual nos referimos é, fundamentalmente, o fato de trazer em seu bojo um componente de resgate da autonomia da sociedade como um todo e na produção agropecuária, além de universalizar os benefícios desta produção, não os limitando a pequenos e poderosos grupos de interessados. É imperioso esclarecer que a perspectiva da produção orgânica de hortaliças é trabalhar com níveis de produtividade e apresentação do produto compatíveis com as necessidades da população atual e o nível de exigência do consumidor. A produção orgânica de hortaliças é hoje uma realidade que, se ainda não atingiu um volume que possa ser contabilizado com números estatísticos expressivos, ao menos aponta um caminho seguro para a olericultura. Esta produção se baseia em alguns postulados: Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. I) Geração/utilização de tecnologias que privilegiem o agricultor: há uma necessidade, cada vez mais premente de que resgatemos ou geremos tecnologias que tornem o agricultor menos dependente do complexo industrial, que hoje comprime a agricultura. II) Geração/utilização de tecnologias que possam ser socializadas em seus princípios, adaptadas às diferentes realidades e apropriadas pelos agricultores. III) Balanço energético positivo: é imperioso que a agricultura possa gerar mais energia do que aquela que consome. A petroquímica fez com que agricultura passasse de produtora a consumidora de energia, o que a inviabiliza do ponto de vista da sustentabilidade ou mesmo do ponto de vista econômico a médio/largo prazo. IV) Sustentabilidade: é necessário garantir às gerações futuras o direito ao mesmo acesso aos recursos naturais que estamos tendo e, também, permitir um acesso igualitário a atual geração. AS DUAS PERSPECTIVAS Duas perspectivas diferentes podem, na conjuntura atual, servir de incentivo para uma tomada de decisão em relação ao incremento da produção e da comercialização de olerícolas orgânicas. A primeira destas perspectivas tem emergido mais das nações do Norte, com um conceito bastante questionável de sustentabilidade. As próprias agências internacionais de desenvolvimento têm buscado disseminar as informações relativas aos problemas decorrentes da Revolução Verde e propõem, como alternativa, a utilização de produtos oriun- dos da biotecnologia, para que a agricultura produza o alimento necessário para saciar a fome do mundo, sem a contaminação e/ou esgotamento dos recursos naturais. Os argumentos e instrumentos, a partir desta perspectiva, são os mesmos conhecidos de há muito: 1) O aumento da demanda por produtos orgânicos e a necessidade de que uma parcela dos agricultores ocupem este nicho; 2) O preço diferenciado pago por uma parcela elitizada de consumidores, dispostos a preservar sua saúde, independente do custo; 3) O incentivo e subsídio freqüente à agricultura orgânica, nas suas muitas variações, por parte dos governos dos países do Norte. Em razão disto é comum ouvir-se afirmações do tipo “é a agricultura do futuro”; 4) A necessidade de compatibilizar a produção agropecuária com as demandas sociais por um meio ambiente sadio e preservado. A revista Agroanalysis, v. 16, n. 12, dez. de 1996, traz uma matéria especial sobre o “Mercado de produtos orgânicos”. Nesta matéria podemos encontrar, de uma maneira suscinta, os argumentos desta linha de raciocínio. Foi a partir desta perspectiva que se desenvolveu e segue se desenvolvendo a agricultura orgânica nos países do norte. Nos EUA, por exemplo, no estado da Califórnia, onde a olericultura é bastante “desenvolvida” tem acontecido alguns fatos curiosos. A agricultura orgânica, que nasceu como uma forma de privilegiar a pequena produção e seus métodos de cultivos menos intensivos tornou-se, hoje, um grande negócio que 207 MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. lembra muito pouco as preocupações sócio-ambientais que a motivaram. Atualmente, é um negócio de grandes empresas, que fazem com que as hortaliças cheguem a vários pontos dos EUA, acondicionadas em sofisticadas embalagens e transportes refrigerados. Os preços ao consumidor têm se mantido elevados, enquanto os preços pagos aos agricultores vêm caindo sistematicamente. As lojas comerciais de produtos agropecuários possuem uma gama cada vez maior de insumos orgânicos que são elaborados em fábricas e transportados por grandes distâncias. São produtos diferenciados, enriquecidos com N, com microrganismos, com oligoelementos, etc... Empresas de certificação especializaram-se em avalizar a seriedade do trabalho feito pelos agricultores e se tornaram um negócio mais rentável que a produção em si. As agroindústrias de produtos orgânicos são concentradas na mãos de poucos empresários, o que acaba por repetir os equívocos que o movimento, de início, pretendia mudar: baixos preços pagos aos agricultores, centralização da industrialização, baixa remuneração da mão-de-obra, etc. Podemos fazer uma reflexão sobre os argumentos expostos acima e as experiências práticas que temos vivenciado. Estas já podem nos mostrar que aqueles são falaciosos ou ocultam o verdadeiro sentido das ações que promovem: 1) Não se trata de nicho de mercado, mas de uma tendência sólida, que depende apenas de uma universalização das informações para que se consolide de uma maneira definitiva e majoritária; 2) O preço diferenciado é apenas uma situação conjuntural e não é sustentável, sequer necessária, a médio/longo prazo; 3) O incentivo dos países do Norte à agricultura orgânica decorre, sobretudo, da sua utilização como um apaziguador das tensões socio-ambientais e não da sua eficiência e eficácia como agricultura. Há uma clara tendência dos países ricos de descartar a agricultura como um dos eixos de sustentação da sociedade; 4) A compatibilização da agricultura com um meio-ambiente preservado está sendo pensada através do crescimento da utilização de produtos biotecnológicos, 208 o que não reverte em absoluto o grau de dependência da agricultura aos produtos industrializados. E há temores, cada vez mais fundamentados, de que os produtos biotecnológicos podem mesmo agravar os problemas ambientais que agora se propõem a resolver. Enfim, hoje muitos daqueles pioneiros que começaram este trabalho têm feito este tipo de questionamento, por sentirem a inutilidade de boa parte de seus esforços e apregoam a necessidade de que outros caminhos sejam buscados. Já existem hoje, dentre estes novos caminhos, grupos de moradores urbanos que se associam a agricultores, compartilhando idéias de vão desde o planejamento da produção até aos riscos da colheita. A outra perspectiva, a que nos referimos acima, surge de um questionamento mais profundo e crítico das origens e motivações da “modernização da agricultura”. Estas críticas provêm do entendimento de que, a partir de importantes descobertas científicas, foram selecionadas exatamente aquelas que traziam mais possibilidades de serem traduzidas, em termos tecnológicos, em produtos industrializados e, consequentemente, de propiciar o acúmulo de capital. Um exemplo pode ser dado com as discussões que se travaram entre Liebig, com sua importante contribuição no campo da química agrícola e Pasteur, que afirmava ser Liebig quimicista e reducionista. Não foi uma evidência científica que fez com que os trabalhos de Liebig tivessem a projeção que conhecemos e os de Pasteur, em relação à agricultura, caíssem no ostracismo. Antes, foi a maior dificuldade em patentear e industrializar complexos organismos e fenômenos oriundos do aspecto biológico do solo e a facilidade de se fazer este processo de patenteamento, industrialização e acúmulo com, por exemplo, os adubos de síntese. Após este momento, que de uma ou outra maneira continha um objetivo de busca de verdades científicas, outras descobertas, muito distantes da agricultura, vieram a se realizar - o descobrimento e utilização de moléculas químicas sintetizadas em laboratório para fins bélicos. Estas moléculas chegaram à agricultura sob o eufemismo de defensivos agrícolas e revestidas de uma cientificidade no mínimo questionável nas suas origens e métodos. São estes alguns dos questionamentos a que nos referíamos, que fazem com que uma nova maneira de se pensar o modelo e as tecnologias agrícolas esteja surgindo. Nesta linha de raciocínio, também são prementes as respostas à grave crise ambiental que assola o planeta, à necessidade de alimentos saudáveis e à busca de uma melhor qualidade de vida por parte da população. Mas, o principal, dentro desta lógica é buscarmos um modelo de desenvolvimento para a agricultura que re-valorize a atividade agrícola e que resgate a importância do papel social e econômico que a produção familiar pode ter em um processo de desenvolvimento mais equilibrado e harmônico. Neste momento podemos parafrasear a citação que se encontra no início do texto e dizer que a ciência agronômica deveria voltar as suas preocupações não mais para a modernidade mas, sim, para a sustentabilidade. Uma sustentabilidade não só ambiental, mas também política e social. CERTIFICAÇÃO Um dos temas que surgem freqüentemente, quando nos referimos à produção e comercialização de produtos orgânicos, é a certificação. A certificação é o processo que garante ao consumidor que o produto que ele consome é de fato o que se propõe a ser. Ou seja, produzido sem insumos químicos de síntese. A certificação, tal como se apresenta hoje, tem sua origem em dois fatos: o primeiro é que a comercialização de produtos orgânicos vende algo que não se enxerga - o alimento puro, livre de resíduos tóxicos. O segundo, é que se entendeu, e muitos entendem até hoje, que era necessário um sobrepreço pelo fato deste alimento ser “limpo”. Na realidade, hoje está longe de ser um consenso a “necessidade” do produto orgânico ser mais caro do que o chamado convencional. E isto por várias razões: as tecnologias desenvolvidas têm permitido que, em vários casos, o custo de produção seja menor quando se produz o alimento “limpo”; há o entendimento de que não se pode Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. produzir o alimento de melhor qualidade apenas para uma parcela privilegiada da população; e, ainda, a visão de que queremos que a produção e o consumo dos alimentos orgânicos aumentem significativamente, sendo, para isso, necessário que o preço seja competitivo. De uma forma ou de outra, quer o preço do alimento orgânico seja ou não mais caro, a formação de instituições que têm como função garantir que a produção do agricultor é aquilo que ele afirma ser é, no mínimo, questionável. Criase mais um elo na já extensa corrente que separa produtores e consumidores. Onera-se o preço final do produto. Não se privilegia formas de organização social que poderiam, por parte do agricultor, ser criadas para conferir maior credibilidade à sua produção e, por parte do consumidor, exigir seriedade no trabalho desenvolvido pelo agricultor. E, principalmente, não é cumprida a função que se propõe cumprir, ou seja, a de garantir que o produto do agricultor foi produzido dentro das normas estabelecidas. Isto, pelo simples fato de que não é possível, para nenhum certificador, acompanhar, diariamente, as atividades de um agricultor. Em nosso entendimento, a certificação de produtos orgânicos, da forma como está sendo pretendida hoje, é uma prática desnecessária e que não atende aos interesses do movimento como um todo. Claro que entendemos que o consumidor deve ser resguardado de possíveis fraudes mas, para isto, temos uma legislação moderna e regulamentada em seus mínimos detalhes - o código de defesa do consumidor. Hoje, este debate está posto na sociedade. Desde novembro de 1994 discute-se, a nível ministerial, uma portaria que deveria regulamentar a certificação e comercialização de produtos orgânicos. Atualmente existe no Congresso Nacional um projeto de lei e um substituvo que tratam sobre esta matéria. Tanto um como outro trazem em seus conteúdos a visão de se entregar a empresas privadas o papel de certificadoras. Até hoje, maio de 1997, de qualquer forma, não temos no País uma legislação específica que regulamente a comercialização de produtos orgânicos. Nos parece, inclusive, que poderia ser o momento oportuno para um debate mais amplo, que tratasse da Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. qualidade dos alimentos colocados à disposição da população. Quem sabe, poderíamos informar não apenas quais produtos não contêm agrotóxicos mas também aqueles que os contêm, fato relativamente comum na Alemanha por exemplo. Para diferenciar a origem dos produtos, poderíamos ter um “selo verde”, indicando boa qualidade, e um “selo vermelho”, mostrando alto risco. Hoje, é uma exigência do Mercado Comum Europeu que os produtos orgânicos a serem importados pelos seus países-membros devam ser certificados. E, esta certificação só será válida com o aval dos governos dos países exportadores. Nesta necessidade, imposta pela CEE, é que se encontra a verdadeira razão de estarmos envolvidos com este tema e não por uma demanda dos consumidores internos. Demanda esta que nunca tivemos a oportunidade de presenciar, em oito anos de experiência de comercialização de produtos orgânicos. COMERCIALIZAÇÃO As estratégias de comercialização de olerícolas orgânicas têm sido as mais diversas. As feiras-livres têm cumprido um papel importante neste contexto. Em inúmeros estados do Brasil existem, hoje, feiras de diversos tamanhos e volumes comercializados. Em alguns estados, como Rio Grande do Sul e São Paulo, para citarmos duas realidades que conhecemos de perto, existem várias feiras não só nas capitais, mas também em pequenas cidades do interior. Algumas das vantagens deste sistema são: 1) O preço é normalmente bastante compensador para o agricultor, por se tratar de uma estratégia de baixo custo logístico e de preço final (sem intermediação); 2) Permite uma ampla e constante divulgação do trabalho, através de diferentes estratégias de ‘marketing’ direto que podem ser utilizadas; 3) Permite um contato direto entre produtor e consumidor, que diminui o anonimato do mercado; 4) Leva a um contato maior com a cidade, que muitas vezes contribui para que o agricultor desmistifique a concepção fantasiosa do modus vivendi urbano. Ainda citando o Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, aos sábados podem ser encontrados mais de dez pontos de venda de produtos orgânicos, em diferentes espaços públicos. Desde bancas isoladas que movimentam R$ 300,00 e viabilizam a comercialização de duas ou três famílias de agricultores, até uma grande feira, organizada pela Cooperativa COOLMÉIA que chega a movimentar R$ 30.000,00 por sábado e viabiliza a comercialização de mais de 200 famílias. E não está contabilizada aqui a comercialização em espaços privados. Mais do que um número, isto significa um exemplo. Há também diversas experiências com entregas diretas ao consumidor. Normalmente cestas de produtos, em sua maioria olerícolas. É um atendimento personalizado que muitas vezes tem evoluído para uma relação mais estreita entre o produtor e o consumidor, como boletins informativos sobre a produção ou visitas as áreas dos agricultores. A limitação das feiras ou das entregas diretas fica por conta da impossibilidade de que, no momento atual, cumpram um papel de escoamento de volumes maiores de produção. Assim, há algum tempo os supermercados são vistos como um grande filão a ser explorado pelos produtores orgânicos. Hoje existem grandes redes de supermercados que têm mostrado um interesse crescente na comercialização destes produtos, seguindo uma tendência mundial. No caso de olerícolas, duas maneiras de se efetuar esta comercialização podem ser observadas: a primeira através de gôndolas específicas para produtos orgânicos e, a segunda, através de mercadorias embaladas individualmente, normalmente de forma sofisticada, que trazem algum tipo de identificação, atestando a origem do produto. Podem ser observadas vantagens e desvantagens nas duas estratégias, e há um certo consenso de que as duas não são excludentes. Aliás, em outros países a tendência tem sido exatamente que os produtos orgânicos estejam tanto em gôndolas isoladas quanto embaladas individualmente junto a produtos similares. No caso dos produtos embalados, o maior problema fica por conta do custo destas embalagens e, principalmente, pelo caráter pouco ecológico que sua maioria possui. 209 MEIRELLES, L. Produção e comercialização de hortaliças orgânicas. CONCLUSÃO A grave crise ambiental que atravessamos tem levado à necessidade de buscarmos alternativas a esta situação. No caso da produção de alimentos orgânicos há inúmeras motivações para buscarmos estas alternativas, partindo tanto do produtor quanto do consumidor. Podemos partir de questionamentos mais superficiais, que se limitariam à qualidade ambiental dos métodos e produtos provenientes da produção agropecuária, ou outros mais profundos que envolveriam também os aspectos energéticos, sociais e políticos. Assim, o que nos cabe neste momento é procurar uma definição sobre quais destas in- terrogações irão nos orientar ao buscarmos novos caminhos. A partir desta definição estaremos optando ou por apenas uma correção de rumos, que não trará mudanças significativas no modelo atual, ou por uma busca de outro modelo de desenvolvimento para a sociedade como um todo e para o setor rural em particular. LITERATURA CONSULTADA AUBERT, C. L’agriculture biologique - pour quoi et comment la pratiquer. Paris: Le Courrier du Livre, 1977. CHABOUSSOU, F. Plantas doentes pelo uso de agrotóxicos - a teoria da trofobiose. Porto Alegre: LP&M, 1987. EHLERS, E. Agricultura sustentável - origens e perspectivas de um novo paradigma. São Paulo: Livros da Terra, 1996. FOSTER, T. Luces y sombras de la comercialización de produtos ecológicos. Tierra Amiga, n. 3. GUIMARÃES, A.P. A Crise Agrária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. MARTINEZ ALIER, J. De la economía ecológica al ecologismo popular. Montevideo: Nordan - Comunidad, 1995. MARTINEZ ALIER, J.; SCHLUEPMANN, K. La ecologia y la economía. México: Fondo de Cultura Económica, 1991. PINHEIRO, S.; GUAZZELLI, M.J.; AURVALLE A.E. Agropecuária sem Veneno. Porto Alegre: LP&M, 1985. VOGTMANN, H.; WAGNER, R. Agricultura ecológica - teoria e prática, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. VIEIRA, M. do C. O papel das universidades no desenvolvimento da olericultura no Brasil. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 210-212, 1997. Palestra. Suplemento. O papel das universidades no desenvolvimento da olericultura no Brasil. The role of university in the development of horticulture in Brazil. Maria do Carmo Vieira UFMS - DCA, C. Postal 533, 79804-970 Dourados - MS Palavras-chave: ensino, diagnose, disciplinas, pesquisa, extensão, hortaliças. Keywords: teaching, diagnosis, contents, research, extension, vegetables. INTRODUÇÃO F oi no âmbito de uma Universidade, a antiga ESAV (Esco la Superior de Agricultura de Viçosa) e atual UFV (Universidade Federal de Viçosa), durante a realização de um curso intensivo de hortaliças, no ano de 1961, que a Olericultura brasileira passou a existir de fato com a criação da Sociedade de Olericultura do Brasil - SOB. Considerando estar a universidade alicerçada no tripé ensino, pesquisa e extensão, é uma de suas funções formar os profissionais que irão trabalhar com hortaliças em diversos aspectos, desde o próprio ensino até a produção e comercialização. Surge daí a grande responsabilidade da universidade e sua necessidade de estar constantemente auto-avaliando o seu papel. 210 Segundo Pereira & Makishima (1993), de modo geral, até a década de 70, as pesquisas com hortaliças foram desenvolvidas pelas universidades e institutos e muitos resultados foram incorporados aos sistemas de produção e são usados até hoje. É preciso refletir, então, sobre como as universidades estão desempenhando esse papel, pois a transmissão de conhecimentos por si só nem sempre é suficiente para a boa formação profissional. É necessário valorizar a integração multidisciplinar e atender também aos anseios dos agricultores, que são os que trabalham com a terra. Além disso, há falta de intercâmbio entre os próprios docentes dos cursos de Agronomia e, com isso, não há uniformidade no comportamento da maioria. Segundo Tanaka (1991), há, na universidade, uma dificuldade cada vez maior de comunicação entre o professor e o aluno, que muitas vezes aceita passivamente tudo o que lhe é imposto, sem se dar conta de seu papel na realização de mudanças. Percebe-se a valorização grande da técnica, sem considerar as diferentes implicações sociais para a boa formação profissional. A conclusão da autora de que há falta de integração multidisciplinar confirma a constatação anterior de Pereira (1990), o que pode levar à formação de profissionais deficientes, com visão parcial da realidade, ou seja, que sentirão grande dificuldade em corresponder aos anseios dos agricultores. MATERIAL E MÉTODOS Com a finalidade de diagnosticar a situação das universidades quanto ao Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. VIEIRA, M. do C. O papel das universidades no desenvolvimento da olericultura no Brasil. ensino de Olericultura nos níveis de graduação e pós-graduação, além do intercâmbio entre a universidade e os que trabalham no meio rural, foi feito um levantamento de dados junto às instituições de ensino superior de Agronomia no País. Utilizou-se um questionário onde foram solicitadas as seguintes informações: 1) disciplinas na área de Olericultura/Plantas Medicinais nos níveis de graduação e pós-graduação, com respectivas cargas horárias e outros; 2) professores que atuam em Olericultura com áreas de formação e qualificação; 3) linhas de pesquisa, 4) orientação de alunos de iniciação científica e pós-graduação; 5) estágio curricular na graduação; 6) disponibilidade de pessoal de apoio; 7) recursos disponíveis na biblioteca e 8) trabalhos de extensão na área de Olericultura. Os dados obtidos foram usados para se ter uma visão geral do que se pretendia, uma vez que nem todos questionários foram devolvidos. RESULTADOS E DISCUSSÃO O número de docentes que atendem disciplinas na área de Olericultura, nos níveis de graduação e pós-graduação, aumentou em relação a levantamentos feitos anteriormente (Pereira, 1984 e 1990). Atualmente, incluindo bolsistas do CNPq na modalidade desenvolvimento regional, há em média três professores na área, variando de um a dez. A qualificação também está melhor, já que a maioria (cerca de 70%) dos docentes possui o título de doutor, ao contrário do que encontrou Pereira (1990), apenas 40% de doutores. A carga horária da disciplina Olericultura, a nível de graduação, está em torno de 60 a 75 horas, mas foi considerada insuficiente por 58% dos agrônomos que atuam na área (Braz, 1995). Quanto aos acadêmicos que cursaram a disciplina, 50% acharam a capacitação em aulas práticas insuficiente, enquanto 35% consideraram as aulas teóricas insuficientes. Tanto os alunos como os agrônomos, em geral, foram unânimes em apontar a necessidade de mais atividades práticas (Braz, 1995). Constatase que em algumas universidades, especialmente naquelas com cursos de agronomia criados mais recentemente, Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. as aulas práticas limitam-se a algumas visitas a propriedades rurais. O estágio curricular para os estudantes de graduação em agronomia já é obrigatório em cerca de 70% das universidades e cerca de 10% dos alunos o cumprem na área de Olericultura. Por ser uma atividade prática, esta pode estar sendo uma maneira de atender aos anseios da comunidade universitária e de agrônomos que apontaram a necessidade de melhoria do ensino de Olericultura (Braz, 1995). Alguns dados apresentados pelos docentes nos questionários, como as linhas de pesquisa e os trabalhos de extensão, mostram que a universidade ainda é uma instituição fechada. Observase que cada docente, ou, no máximo, os docentes de uma mesma instituição, estão trabalhando de forma isolada daqueles de outras instituições. Não há relacionamento interinstitucional, pois os trabalhos de pesquisa que estão sendo conduzidos refletem, muitas vezes, o interesse individual. A própria definição de linhas de pesquisa ainda não está bem clara e o que se observa é que algumas delas são, na verdade, projetos individuais dos professores. Se houvesse melhor entendimento do que são linhas de pesquisa, haveria uma razão concreta para aglutinar os docentes em uma equipe de trabalho, que poderia ser, inclusive, interinstitucional, como já ocorre em algumas universidades ou entre essas e outras instituições. Dentre as linhas de pesquisa citadas encontram-se plasticultura, cultivo protegido, melhoramento de hortaliças (feijão-de-vagem, melão, cebola e outras), avaliação de linhagens e cultivares de alface e pimentão, banco de germoplasma de cucurbitáceas, comportamento de clones de mandioquinha-salsa, nutrição e adubação, avaliação de boro e matéria orgânica em melancia, produção orgânica de tomate e outras, manejo de solo, solarização, fitopatologia, viroses em cucurbitáceas, patologia de plantas olerícolas, sistemas de produção e manejo de hortaliças (inclui taioba, cará, inhame e mandioquinha-salsa), rotação de culturas, hidroponia (alface, morango, tomate, gengibre e outras), fisiologia de crescimento e desenvolvimento em hortali- ças e plantas medicinais, fenologia de couve-manteiga, uso de fitorreguladores em hortícolas, manejo da cultura de morango, vernalização de alho, propagação de hortaliças, produção de mudas de hortaliças, substratos para produção de mudas, produção de sementes de hortaliças, semeadura direta de tomate e cebola, pesquisas com Lentinula edodes (shitakee), irrigação em hortícolas, manejo pós-colheita em hortaliças e plantas medicinais, etnobotânica de plantas medicinais. Também ao verificar essas linhas de pesquisa, observa-se que o número de espécies de hortaliças estudadas é pequeno, sendo contempladas as culturas de exportação e aquelas que demandam uso excessivo de insumos. Também Pereira (1990) constatou que apenas 25 espécies de hortaliças eram estudadas pelos docentes, número esse que achou pequeno, comparado ao número total existente, quase o triplo, o que demonstra a falta de preocupação com a preservação de germoplasma e com a possibilidade de aproveitamento do grande potencial de espécies consideradas não convencionais, de alto valor nutritivo e cujos resíduos podem ser aproveitados na alimentação animal ou ainda com outras finalidades. As linhas de trabalho dos professores parecem ser, de certa forma, transmitidas aos alunos, uma vez que a pretensão de trabalho dos discentes concentra-se, em cerca de 50% dos casos, nas seguintes culturas: tomate, alface, pimentão, cenoura, pepino e cebola (Braz, 1995). Também Lima & Pereira (1995), fazendo análise da produção técnico-científica das instituições de pesquisa com hortaliças, exceto de universidades, constataram que as dez espécies mais contempladas foram: tomate, batata, alho, hortaliças, cenoura, cebola, ervilha, pimentão, batata-doce e pepino. A participação de professores nos resumos de congressos da SOB nos últimos nove anos foi a seguinte: 1989 - 58%, 1990 - 48%, 1991 - 52%, 1992 - 46%, 1993 35%, 1994 - 42% (Braz, 1995), 1995 51%, 1996 - 65% e 1997 - 51%. Um aspecto bastante positivo constatado pelos questionários devolvidos foi a criação, ao nível de graduação, de disciplinas complementares na área de Olericultura, dentre elas: Solanáceas 211 VIEIRA, M. do C. O papel das universidades no desenvolvimento da olericultura no Brasil. Olerícolas; Raízes, Bulbos e Tubérculos; Solanáceas; Olericultura Especial e Plantas Hortícolas. Quanto ao conteúdo de Plantas Medicinais, cerca de 30% das universidades já o incluem em uma disciplina própria, mas a maioria ainda ministra poucas horas junto ao conteúdo de disciplinas como Fitotecnia, Agricultura Especial e Horticultura Aplicada. A nível de pós-graduação, houve um avanço em termos de novas disciplinas criadas. Essa situação tornou-se possível graças à melhoria na qualificação dos docentes e apresenta, como conseqüência, a formação de profissionais com uma gama de conhecimentos mais ampla e profunda nas áreas de Olericultura e Plantas Medicinais. O número médio de disciplinas por instituição é três (variável de um a 17), incluindo tópicos de plantas aromáticomedicinais. Dentre essas disciplinas incluem-se: Hortaliças de Clima Tropical; Olericultura Avançada; Produção de Hortaliças; Melhoramento Genético de Hortaliças; Olericultura Especial; Produção de Sementes de Hortaliças e Plantas Medicinais; Cultura de Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares; Etnobotânica; Tópicos em Pesquisa em Plantas Medicinais e Aromáticas; Cultivo de Plantas Medicinais e Aromáticas; Doenças de Hortaliças; Técnicas Especiais de Propagação de Plantas Hortícolas; Comercialização de Plantas Hortícolas; Ação Fisiológica de Fitorreguladores em Plantas Hortícolas; Bioquímica e Fisiologia de Vegetais 212 Pós-Colheita; Bataticultura; Tecnologia de Frutos e Hortaliças; Nutrição Mineral de Hortaliças e Plasticultura. As disciplinas das áreas de Olericultura e Plantas Medicinais, na pós-graduação, fazem parte, em geral, de cursos de agronomia ou fitotecnia, com áreas de concentrações diversas, como Produção Vegetal, Produção e Tecnologia de Sementes, Melhoramento Genético Vegetal, Fitotecnia e Horticultura, tal como observado por Pereira (1993). A orientação docente se dá nos níveis de graduação, na iniciação científica, e de pós-graduação. O número de alunos orientados por professor nos dois níveis é variável de zero a cinco, sendo que os números maiores ocorrem nas instituições com maior tradição em pesquisa e com pessoal mais qualificado. As atividades de extensão das universidades na área de Olericultura ainda são relativamente poucas e muitas vezes não têm sido dirigidas para o produtor rural, o que poderia funcionar como um dos mecanismos para se identificar suas demandas em termos de pesquisa e de profissionais da Olericultura. Dentre os trabalhos de extensão citados, encontram-se: hortas escolares, comunitárias, domésticas e outras; trabalhos em parceria com o sistema EMATER, Secretarias de Agricultura, PETROBRÁS e outras; dias de campo, cursos para produtores e comunidade em geral; visitas e assessoria técnicas e outros trabalhos sem definição de públi- co. Não se pode deixar de registrar que muitos eventos de caráter científico e de grande porte, como simpósios, congressos, workshops e outros, que constituem atividades de extensão, são organizados por diferentes instituições de ensino. AGRADECIMENTOS A autora agradece a todos os colegas que colaboraram enviando muitas das informações aqui apresentadas. LITERATURA CONSULTADA BRAZ, L.T. Perfil do ensino de Olericultura delineado por olericultores, agrônomos e acadêmicos. 1995. (dados não publicados). LIMA, M.F.B.F.; PEREIRA, W. Diagnóstico da produção técnico-científica sobre hortaliças das instituições de pesquisa no período 19801992. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 13, n. 1, p. 6 10, 1995. PEREIRA, A.L. Avaliação do ensino de Olericultura no Brasil. SOBInforma, Itajaí, v. 3, n. 2, p. 34 36, 1984. PEREIRA, A.L. Avaliação do ensino da Olericultura no Brasil. SOBInforma, Itajaí, v. 9, n. 1, p. 18 19, 1990. PEREIRA, A.L. O ensino e a pesquisa da Olericultura nos cursos de Agronomia. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 11, n. 2, p. 211 212, 1993. PEREIRA, W.; MAKISHIMA, N. Diagnóstico da pesquisa com hortaliças no Brasil - período de 1980 a 1993. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 11, n. 2, p. 112 113, 1993. TANAKA, I. “Educação e extensão - hierarquias, autoritarismos e (des) conhecimentos. Uma análise da relação pedagógica na Universidade e no meio rural”. SOBInforma, v. 10, n. 1, p. 22 23, 1991. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. COUTO, FAD´A. A sociedade de olericultura do Brasil e o desenvolvimento da pesquisa em hortaliça. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 213215. Palestra. Suplemento. A Sociedade de Olericultura do Brasil e o desenvolvimento da pesquisa em hortaliça. The Brazilian Society of Vegetable Science and the development of research in vegetable crops. Flávio Augusto D’A. Couto Sócio Fundador da Sociedade de Olericultura do Brasil, Ex-professor catedrático da UREMG, Pesquisador aposentado da Embrapa Hortaliças. Palavras-chave: origem, importância, comercialização, ensino, histórico, tomate, Lycopersicon esculentum, tipo Santa Cruz, repolho, Brassica oleracea var. capitata, cultivar Louco, couve-flor, Brassica oleracea var. botrytis, grupo Teresópolis, grupo Piracicaba, sementes. Keywords: origin, importance, market, teaching, historical, tomato, Lycopersicon esculentum, ‘Santa Cruz’ group, cabbage, Brassica oleracea var. capitata, ‘Louco’ group, Brassica oleracea var. botrytis, ‘Teresópolis’ group, ‘Piracicaba’ group, seeds. O consumo das diversas espécies de hortaliças está intimamente ligado à alimentação dos povos desde a mais remota antigüidade. À medida que a comunicação entre eles aumentou, verificou-se a troca de experiências e assim, as espécies vegetais foram migrando de sua região de origem e incorporando-se ao hábito alimentar de outros grupos sociais. A palavra latina hortus especificava uma área cercada com muros ou outros tipos de proteção, cultivada dentro dos castelos ou das cidades antigas. Nos hortus eram cultivados, entre outras, as plantas denominadas olus, que o dicionário latim-português traduz como couves (couve, couve-flor, couve-brócolos, couve-de-Bruxelas, couve-rábano e repolho) e legumes. As couves foram classificadas por Lineu como Brassica oleracea por serem provavelmente as mais comuns entre as olus. Do vocábulo latino hortus veio para a língua portuguesa a palavra horto, como sendo o local onde era feito o plantio desse grupo de plantas, e horticultura como sendo a atividade desenvolvida nos hortos. Com a expansão dos Hortos, outras palavras passaram a designar atividades específicas, tais como horta, horto frutícola e horto florestal. Na religião cristã, o Horto das Oliveiras, local onde Cristo se reuniu com os seus discípulos pela última vez, em Jerusalém, entrou para a história. Com o crescimento da horticultura, várias especialidades são Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. hoje bem conhecidas, tais como a olericultura, a jardinocultura, a floricultura, o paisagismo, a viveiricultura, a fruticultura e a silvicultura. No Brasil, a produção comercial de hortaliças foi feita em primeiro lugar nas cercanias de grandes cidades, localizadas a poucas horas do mercado consumidor, dada a perecibilidade da maioria das espécies. As hortaliças menos perecíveis começaram a ser produzidas em locais mais distantes, como foi o caso da cebola, cujos extensos plantios na década de 30 foram feitos pelos imigrantes portugueses ou seus descendentes, nos municípios de Rio Grande e São José do Norte, às margens da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. A cebola produzida era transportada por navios e por estrada de ferro para os mercados do Rio de Janeiro, São Paulo e outros. Na década de 40 as hortas nos cinturões verdes de São Paulo e Rio de Janeiro, cultivadas principalmente por imigrantes de origem italiana, portuguesa e japonesa atingiram importância econômica elevada, sendo criados os primórdios dos mercados atacadistas hoje existentes. A rede de Centrais de Abastecimentos - CEASAs - criadas na década de 70, atestam o desenvolvimento econômico do setor. Notável é também hoje a venda de hortaliças em supermercados sendo já visível a importância que a população está dando às hortaliças já preparadas, prontas para uso. Apesar do desenvolvimento crescente da produção de hortaliças na década de 40, seu ensino nas universidades era muito restrito. A horticultura era lecionada em apenas um ano e na maioria das escolas superiores de agricultura, resumia-se a duas aulas teóricas e uma prática por semana. Como a fruticultura e a silvicultura eram setores de maior importância econômica, a olericultura era lecionada apenas em algumas aulas práticas. Na Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais, em Viçosa, face à sua formação inicial, o ensino da horticultura já era feito na década de 40 em dois anos, sendo três semestres de fruticultura e um de olericultura. No início da década de 50 houve novo desdobramento no ensino deste setor, passando a olericultura a ser lecionada em um ano com a carga horária de duas aulas teóricas e uma prática por semana. Em meados da década de 50, sob a égide do Projeto ETAA 55, a Escola Superior de Agricultura da antiga UREMG, hoje UFV, firmou convênio com o Escritório Técnico de Agricultura - ETA, para desenvolver uma parceria com a Universidade de Purdue, Estados Unidos, em um programa visando a ampliação do ensino, da pesquisa e da extensão. Na área do ensino foi programado um curso intensivo de cinco semanas em hortaliças a nível de pósgraduação, ministrado em janeiro - fevereiro de 1958, com a carga horária de 150 horas. Para este curso foram con213 COUTO, F.A.D´A. A sociedade de olericultura do Brasil e o desenvolvimento da pesquisa em hortaliça. vidados a dar aulas sobre suas especialidades pesquisadores de Piracicaba, Campinas, Pelotas e Domingos Petrolini, além de quatro professores de Viçosa. No decorrer do curso reuniram-se os professores Flávio Augusto D’A. Couto, Marcílio Dias e Flávio F. Rocha com o objetivo de trocarem idéias sobre a necessidade da criação de uma agremiação dos interessados no desenvolvimento da olericultura. O assunto foi levado a consideração dos professores visitantes e dos técnicos que freqüentavam o curso, que abraçaram a idéia, aceitando o convite feito pela Escola Superior de Agricultura da UREMG para realizar o Congresso da Fundação da Sociedade, que recebeu o nome de Sociedade de Olericultura do Brasil - SOB, em julho de 1961, em Viçosa,. O primeiro congresso da SOB, realizado entre os dias 23 e 29 de julho de 1961, reuniu dezoito professores e pesquisadores, tendo sido apresentados e discutidos quinze trabalhos científicos (Tabela 1). Esta foi uma semente lançada em solo fértil. A SOB passou desde então a fazer congressos anuais, fazendo cumprir assim sua finalidade de congregar os interessados no desenvolvimento da pesquisa, do ensino e da extensão em hortaliças. A pesquisa formal em olericultura foi iniciada no Brasil com a criação do Campo Experimental de Horticultura, em 16 de abril de 1938, instalado em Domingos Petrolini, município de Rio Grande (RS), pela então Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Naquela época, além da produção já extensiva de cebola nos municípios Rio Grande e São José do Norte, eram também importantes no Rio Grande do Sul a produção de batata, alho, tomate, ervilha e aspargo. Os projetos de pesquisa realizados sob a coordenação do pesquisador Floriano Fernando Guimarães trouxeram real contribuição ao desenvolvimento tecnológico dos plantios destas espécies, permitindo na década de 1940 a instalação de pequenas indústrias de enlatamento de aspargo em Pelotas e de ervilha em Rosário do Sul. A importância econômica das hortaliças no Rio Grande do Sul, motivou o então Instituto Agronômico do Sul, do 214 Ministério da Agricultura, em Pelotas, a também desenvolver, na década de 50, trabalhos de pesquisa com batata, ervilha, aspargo, tomate, e outros. Em São Paulo a pesquisa foi intensificada a partir dos anos 50, sendo notáveis os trabalhos desenvolvidos no Instituto Agronômico de Campinas, com batata e morango, e na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, com repolho, couve-flor, berinjela e cebola. Foram também importantes os trabalhos de defesa sanitária vegetal realizados no Instituto Biológico de São Paulo principalmente com batata, alface e tomate. Em Minas Gerais a pesquisa em hortaliças foi intensificada no final da década de 50, mais centralizada em alho e tomate, em Viçosa, e na produção de batata-semente, em Maria da Fé. No estado do Rio de Janeiro a pesquisa formal se desenvolveu mais em fitopatologia, no final da década de 50, na Escola Nacional de Agronomia. Contribuição notável veio do trabalho informal em melhoramento de tomate, com a criação da cultivar Santa Cruz, nome da região onde foi desenvolvida, originária de cruzamentos naturais entre as cultivares da época conhecidas como Cereja (de frutos pequenos e quase esféricos) e Lúculus (de formato semelhante à cereja, porém com frutos um pouco maiores), com a cultivar italiana San Marzano, cultivada na Itália para fins industriais. As cultivares Cereja e Lúculos tinham frutos com mesocarpo fino. A cultivar San Marzano era de frutos maiores, com o comprimento bem maior que o diâmetro, de mesocarpo espesso e com boa resistência ao transporte. A cultivar Santa Cruz foi selecionada pelos agricultores para frutos biloculares, mesocarpo espesso, diâmetro pouco menor que o comprimento e de tamanho maior que as cultivares comuns. Esta nova cultivar criou o que se chama hoje de tipo Santa Cruz, com várias cultivares selecionadas para produzirem frutos deste tipo. A pesquisa em olericultura, teve um forte impulso na década de 60 com a criação do Curso de pós-graduação a nível de mestrado pela Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, atual Universidade Federal de Viçosa. A pri- meira turma matriculada em 1961, teve nove engenheiros agrônomos, provenientes de quatro estados brasileiros. Também na década de 60, o Instituto de Pesquisa Agronômicas - IPA, de Pernambuco, decidiu dar um forte apoio à pesquisa em cebola, visto que a área plantada no estado estava em franca expansão às margens do Rio São Francisco e a tecnologia empregada era muito deficiente. A Estação Experimental de Jatinã, na região maior produtora desta hortaliça, passou a trabalhar em cebola, com o apoio de três pesquisadores. Também novo apoio foi dado à Estação Experimental de Vitória de Santo Antão, na região que abastece Recife com hortaliças folhosas. Com a criação da EMBRAPA em 1974, a pesquisa em olericultura teve um novo impulso face à determinação da diretoria da empresa, em 1976, de que a UEPAE de Brasília, se dedicasse exclusivamente à pesquisa de hortaliças. Além de alocar uma equipe multidisciplinar de doze pesquisadores, foi dado início à construção de novos laboratórios e às necessárias mudanças na infra-estrutura do campo experimental de 100 hectares. Em 1981, esta unidade foi elevada a categoria de Centro Nacional, denominado então de Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças, tendo atualmente 50 pesquisadores. A pesquisa em hortaliças recebeu também o forte impacto da Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, quando o bloqueio marítimo do oceano Atlântico pelos submarinos das potências combatentes, cortou o vínculo de abastecimento do Brasil com sementes de hortaliças que na época eram provenientes da França, Holanda e Portugal. Os olericultores, pressionados pela falta de sementes das espécies bienais, passaram a colher as sementes das plantas que aqui floresciam, mesmo sem a vernalização normal do clima europeu, necessária à produção dos hormônios de florescimento deste grupos de hortaliças. Abriu-se assim um novo campo de pesquisa e de melhoramento genético dessas espécies, surgindo, em São Paulo, as cultivares “Louco”, de repolho, e Teresópolis e Piracicaba Precoce, de couve-flor. A produção comercial de sementes Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. COUTO, F.J.D´A. A sociedade de olericultura do Brasil e o desenvolvimento da pesquisa em hortaliça. de hortaliças no Brasil começou então a despertar interesse. A produção de sementes certificada de cebola foi organizada no Rio Grande do Sul em 1950 pela Secretaria da Agricultura daquele Estado. Todavia a criação de empresas de produção de sementes do setor de embalagens específicas para conservação da qualidade das sementes tais como Horticeres, Isla e Agroflora, só veio a acontecer em 1970. A Sociedade de Olericultura do Brasil, através de seus congressos anuais, espelha bem o crescimento da pesquisa em olericultura desde a sua fundação. Os quinze trabalhos apresentados em 1961 (Tabela 1) passaram já a 58 em 1971, sendo 369 em 1996. Com a dificuldade de se discutirem todas estas pesquisas em um só congresso, os trabalhos são atualmente publicados com antecedência em forma de resumos e apresentados em painéis para discussão pormenorizada entre os interessados naquele assunto específico. As espécies de hortaliças cobertas por trabalhos científicos também cresceu de nove em 1961 para 32 em 1996, mostrando claramente o incremento das pesquisas e a importância crescente das espécies (Tabela 1). A espécie mais pesquisada entre 1961 e 1996 foi o tomate, sempre presente de maneira marcante em todos os congressos. A tabela 2 mostra este crescimento, tendo sido apresentados em 1996, 77 trabalhos em tomate. A batata Tabela 1. Número de trabalhos de pesquisa e número de espécies de hortaliças apresentados nos congressos da SOB de 1961, 1971, 1981, 1991 e 1996. Manaus, 1997. Trabalho de Pesquisa (No.) Ano 1961 1971 1981 1991 1996 Espécies de Hortaliças (No.) 15 58 97 200 369 9 19 20 20 32 é a segunda hortaliça mais pesquisada, com muita ênfase em tecnologia de produção de tubérculos para consumo e para produção de batata-semente. A alface vem em terceiro em preferência de pesquisa, predominando trabalhos em novas cultivares, tecnologia de produção e de controle a doenças. Classificadas em grupos, as cucurbitáceas ocupam o quarto lugar em número de trabalhos de pesquisa, sendo pepino, melão e melancia as hortaliças mais trabalhadas. O alho ocupa o quinto lugar entre as hortaliças mais estudadas, com domínio para as áreas de tecnologia de produção, fisiologia vegetal e produção de sementes botânicas. Entre as Brássicas, colocadas em sexto lugar em número de trabalhos apresentados em 1996, destacam-se o repolho e a couve-flor, nas áreas de tecnologia de produção e melhoramento genético visando novos híbridos comerciais. No grupo pimentões e pimentas destacam-se os trabalhos em pimentão visando o melhoramento ge- nético na área de híbridos comerciais e resistência a doenças. A batata-doce é uma raiz que vem despertando a atenção dos pesquisadores nesta década, pelo seu enorme potencial de produção e pelo aumento de consumo in natura e das possibilidades de industrialização e exportação. No grupo composto pela cebola e cebolinha, destacam-se os trabalhos em cebola nas áreas de genética, fitopatologia e tecnologia de produção. A décima hortaliça mais pesquisada é a cenoura, com trabalhos de melhoramento, fitopatologia e tecnologia de produção. Devem ser também ressaltados os trabalhos feito pela Diretoria da SOB no final da década de 70 com agremiações congêneres de países vizinhos, enriquecendo o intercâmbio técnico e recebendo sempre companheiros da Argentina, Uruguai e Paraguai, além de outros países vizinhos, que aqui vem apresentar seus trabalhos e trocar experiências. Tabela 2. Número de trabalhos de pesquisa apresentados nas dez hortaliças mais trabalhadas. Manaus, 1997. Ano do Congre s s o Es pé cie s Tomate Batata Alface Cucurb Alho Brássicas Pimentão Pimenta Batata Doce Cebola 1 1 0 0 0 2 0 0 4 1 1071 8 4 5 6 2 5 7 0 3 2 1981 18 9 2 10 11 8 5 0 4 4 1991 26 15 12 21 16 11 6 7 12 16 1996 77 38 31 26 24 17 11 16 24 10 1961 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. 215 REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 216-223, 1997. Palestra. Suplemento. A SOB e a extensão rural no Brasil. The Brazilian Society of Vegetable Science - SOB - and the rural extension in Brazil. Sérgio Mário Regina EPAMIG/SEAPA - MG, Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Verde, C. Postal 515, 30.180-902 Belo Horizonte - MG. Palavras-chave: aspectos históricos, ensino, pesquisa, assistência técnica, crédito, política agrícola, comercialização, sementes, irrigação, melhoramento, recursos hídricos, ambiente. Keywords: historic aspects, teaching, research, technical assistance, funding, agricultural policies, trade, irrigation, seeds, breeding, water resources, environment. INTRODUÇÃO D esde 1992, após minha aposentadoria na ACAR/ EMATER- MG, mais de 35 anos de dedicação extensionista, 33,5 anos à olericultura, tenho dedicado meus esforços à recuperação e preservação de recursos hídricos. Já em 1985, quando comecei a presidir o primeiro Comitê de Sub-Bacia Hidrográfica criado no Brasil, já começava a dar mais atenção aos problemas de quantidade e qualidade das águas do Rio Verde e a estudar as poluições hídricas industriais e agroindustriais, da falta do saneamento, minerárias e agrossilvopastoris. Muito tranqüilo por ter deixado a horticultura mineira em boas mãos, de sucessores organizados, competentes e generosos, sempre integrados com o ensino, a pesquisa e o abastecimento, acompanho orgulhoso os seus bons resultados, mesmo na conjuntura atual muito ingrata e preocupante às empresas estaduais e federais. As tabelas 1 a 10, elaboradas pelo Engenheiro Agrônomo M.Sc. Luiz Gomes Correia, coordenador estadual de olericultura da EMATER-MG, documentam a formidável evolução da produção mineira de hortaliças. Não tenho no entanto, mesmo tendo solicitado à ASBRAER, informações sobre as empresas associadas de Assistência Técnica e Extensão Rural, conhecimentos sobre seus trabalhos e resultados atuais. Melhor portanto, historiar, elogiar e agradecer desde o meu “start” olerícola no cinturão verde de Belo Horizonte, até 216 as atuais pregações sobre as águas, nas Sub-Bacias Hidrográficas do alto/médio Rio Grande, formador da Bacia Platina, as colaborações cronicamente generosas que a SOB e eu tivemos dos extensionistas rurais mineiros e brasileiros, em nossos eventos, arremetidas e peregrinações. Destacar cronologicamente essas fases, fatos e atores, mesmo incorrendo em riscos de involuntárias omissões, é a minha nobre missão de extensionista e historiador dessas epopéias da SOB. e da extensão rural em muitos estados e territórios do Brasil. Esses são a seguir os marcos de recordações. ESALQ Professor Salim Simão, as primeiras aulas. Instituto de Genética, o saudoso Professor Marcílio Dias, as suas visitas orientadoras ao Barreiro (cebola roxa e macho-esterilidade), as suas constantes remessas de sementes de cultivares de verão para avaliações. O Dr. Hiroshi Ikuta, em Mogi das Cruzes, com remessas e orientações para berinjelas híbridas e brássicas. Com o colega Ciro Paulino da Costa, o prosseguimento regular e amistoso dos lançamentos de cultivares para avaliação, das visitas, das excursões e dos treinamentos de extensionistas de Minas e do Brasil. BARREIRO, A GRANDE ESCOLA A primeira reforma agrária racionalmente programada e assistida, no governo de João Pinheiro, para olericultores austríacos, italianos, portugueses e brasileiros, que durante 60 anos, ocupando áreas irrigadas e de cerrado da ex-fazenda Vargem Grande (Mannesmann), e bancas do Mercado Central, responsabilizaram-se pelo abastecimento das principais olerícolas (mormente as não transportáveis na época) da grande Belo Horizonte e da capital mineira, agora centenária e abrigando a ALCA, o Encontro e Fórum das Américas. Extensionistas como eu, muitos professores e pesquisadores de olericultura, direta e indiretamente muito aprenderam com os produtores dessa “escola” olerícola. Herdeiros dos primeiros proprietários realmente assentados e dos seus empregados, influenciaram como pioneiros a olericultura de outras regiões do estado, levando consigo a simpatia pela extensão rural, que os embalou posteriormente com o Crédito Rural Supervisionado e Orientado e com a objetiva assistência técnica que fluía integrada e sistêmica com o ensino e a pesquisa de Minas e de São Paulo. A Minas-Caixa do Mercado Central e o Banco do Brasil da rua Espírito Santo foram agentes financeiros pioneiros e valiosos no crédito olerícola. Os primeiros orçamentos, posteriormente os sistemas e os manuais de produção olerícola abrangendo de início só o alho, batata, cebola, tomate e “horta”, alcançaram todas as principais olerícolas, frutos, raízes, tubérculos, rizomas, folhosas, herbáceas e condimentares. A extensão rural mineira é sem dúvida pioneira no crédito rural amplo, dirigido as diversas espécies olerícolas, frutícolas e florícolas, quando provou ao Banco do Brasil e à Minas-Caixa as produtividades comerciais e as altas rendas em pequenas áreas olerícolas. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. Tabela 1. Produção e valor, em nível de produtor, dos principais produtos agrícolas do Brasil e de Minas Gerais, 1993. Bras il M inas Ge rais Participação (%) Produtos Valor (US$ M il) Produção (M il t) Valor (US$ M il) Produção (M il t) M G e m re lação ao Bras il (US$) Frutas 9 . 5 6 3 . 5 8 0 , 00 31.878,60 460.200,0 0 1.534,00 10 , 9 1 Soja 4.308.094,59 2 2 . 7 10 , 0 4 2 12 . 5 7 7 , 8 2 1.120,60 4,9 3 Milho 3 . 8 4 8 . 5 5 3 , 36 27.452,41 532.857,98 3.800,97 13,85 Hortaliças 2 . 2 0 0 . 0 0 0 , 00 10.000,00 240.000,00 1. 2 0 0 , 0 0 10,91 Cana- de- açúcar 2.091.448,25 2 4 4 . 6 13 , 8 3 134.600,60 15 . 7 4 2 , 7 6 6,44 Arroz em casca 2 . 0 8 9 . 4 2 5 , 16 9.874,41 149.228,78 705,24 7 , 14 Café em coco 1.079.701,44 2.006,88 621.535,26 1.155,27 57,5 7 Mandioca 8 4 4 . 0 2 8 , 35 14.173,44 60.792,8 1 1. 0 2 0 , 8 7 7,20 Feijão 788.651,85 1. 3 2 2 , 6 2 2 15 . 8 9 5 , 1 0 362,07 27,3 8 Fonte: EMATER-MG. CORREIA, L.G. ELETRIFICAÇÃO RURAL E IRRIGAÇÃO Tabela 2. Importância da olericultura Brasileira, 1990. Área plantada (ha) 514 mil Produção (t) 8,3 milhões Empregos diretos (no.) 2,7 milhões Custo da produção 2,1 bilhões Valor de comercialização no varejo (US$) 4,2 bilhões Total do volume de negócios (US$) 6,3 bilhões Fonte: EMATER-MG. CORREIA, L.G. Tabela 3. Produção de hortaliças por região do Brasil, 1992. Re gião Produção (t) % Sudeste 4 . 0 3 8 . 3 20 3 8 , 90 Sul 2.583.874 24,90 Nordeste 1.998.518 19,30 Centro- Oeste 997.567 9,61 Norte 536.580 5 , 17 Total 10.385.503 100,00 Fonte: Horticultura Brasileira, Brasília, v. 11, n. 2, nov. 1993. FOMENTO E EXTENSÃO RURAL A meu ver não podem estar separados. Os Postos Agropecuários do Ministério da Agricultura foram valiosos Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. parceiros da Extensão Rural na venda financiada de motobombas, tubulações, mangueiras, crivos e aspersores, arados, grades e sulcadores de tração animal, outros equipamentos e ferramentas, de corretivos, fertilizantes e defensivos e na prestação de serviços de mecanização. As equipes extensionistas de dois escritórios locais da ACAR de Minas Gerais (Belo Horizonte e Pedro Leopoldo) prestaram colaboração pioneira à CEMIG (engenheiros Luiz Cláudio Magalhães, Evandro Barbosa e José Leão), na eletrificação rural de Justinópolis, Areias de Cima, Areais de Baixo, Cipriano, Angicos, Várzea dos Lopes e Ignácia de Carvalho, sedes de comunidades rurais, escolas, residências e energia para irrigação, picadeiras, desintegradores e ensiladeiras. A ERMIG valeu-se dessas experiências para expandir-se em Minas Gerais. O colega extensionista da época, engenheiro agrônomo Édimo Soares Martins, também sócio fundador da SOB foi o primeiro profissional de ciências agrárias contratado pela CEMIG. A irrigação olerícola através de motobombas elétricas, a óleo e a gasolina, reservatórios a montante, tubulações, mangueiras, crivos e aspersores foi introdução pioneira da extensão rural. UNIVERSIDADE RURAL (FEDERAL) DE VIÇOSA Antes de 1960, quando foi realizado o Curso Intensivo de Hortaliças, a 217 REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. Tabela 4. Produção brasileira de hortaliças, 1992. Es tados Produção (t) % São Paulo 1.793.810 17,27 Minas Gerais 1.299.276 12,52 Paraná 1.057.201 10,1 Rio Grande do Sul 869.642 8 , 37 Bahia 7 6 5 . 0 77 7 , 37 Rio de Janeiro 7 3 2 . 0 77 7 , 05 Santa Catarina 6 5 7 . 0 31 6,33 Goiás 651.530 6,27 Paraíba 560.056 5 , 39 Acre 4 4 6 . 9 20 4 , 30 Pernambuco 415.506 4,00 Piauí 230.636 2,21 Espírito Santo 213.157 2 , 05 Mato Grosso 198.280 1,91 Rio Grande do Norte 148.176 1,43 Distrito Federal 115.161 1,11 Ceará 73.150 0,70 Pará 6 8 . 0 89 0,66 Sergipe 3 6 . 5 53 0,35 Mato Grosso do Sul 3 2 . 5 96 0 , 31 Amazonas 19.238 0 , 18 Maranhão 1.480 0,02 Amapá 649 0,01 Roraima 215 0,00 10.385.503 100,00 Total Fonte: Horticultura Brasileira, Brasília, v. 11, n. 2, nov. 1993. Tabela 5. Consumo per capita de hortaliças. País e s Cons umo (kg) Coréia 180,0 Itália 152,0 Japão 130,0 Brasil* 68,0 Centro e Sul 80,0 Norte e Nordeste 50,0 *ANDEF 218 extensão rural olerícola só atuava em áreas concentradas de batata no Sul de Minas, cebola na Zona da Mata, alho no Sul de Minas e Metalúrgica e tomate em municípios maiores. Trabalhando intensamente em hortaliças, mas ainda dedicando muito tempo à produção leiteira, dois extensionistas mineiros (sediados em Pedro Leopoldo e em Belo Horizonte) foram indicados para participarem do Curso “Embrião” da SOB. A partir dele, cresce a integração com Viçosa nas Semanas de Fazendeiros e posteriormente de Hortigranjeiros da EMAF, sugeridas pela extensão rural. Em 1964, fui indicado para o Curso de pós-graduação em Fitotecnia Olerícola na UFV. Acredito que tenha sido o primeiro extensionista de Minas e quiçá do Brasil a fazer pós-graduação em fitotecnia. Durante o curso cresce o ritmo dos cursos para extensionistas e horticultores e iniciam-se os “raides” nos ABCT Olerícola, no ABC Frutícola, nas principais concentrações produtoras, em Viçosa e em Florestal. As equipes de professores lideradas pelos professores Flávio A. D’A. Couto e Otto Andersen extravasam a Universidade de Viçosa em todo o Estado de Minas Gerais e em outros estados, com o imprescindível apoio e participação dos extensionistas mineiros. O professor Fernando Filgueira passa a coordenar os eventos integrados de ensino, pesquisa, extensão e abastecimento. Essa integração propicia a elaboração e divulgação de 19 sistemas de produção de hortaliças e frutas legitimados por produtores e lideranças. Os extensionistas e produtores mineiros são muito gratos aos professores Flávio Couto e sua equipe: Akira Misubuti, Joenes Peluzio, Pedro Henrique Monnerat, José Francisco da Silva, Roberto Ferreira da Silva, Vicente W.D. Casali Joaquim Joel do Vale Rodrigues e Sebastião B. Nogueira; Otto Andersen e sua equipe: Rubens Pinheiro, José Maurício Fortes e Ivo Manica. Os Coordenadores Estaduais de Fitossanidade, Salazar Ferreira de Azevedo, de corretivos e fertilizantes José Martins de Oliveira e de irrigação Abílio José Antunes, mesmo antes de ingressarem na EMATER-MG, prestaram suas competentes colaborações a todos os Eventos integrados. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. COORDENADORIAS E LOCAIS EXCLUSIVOS Tabela 6. Oferta de olerícolas nas CEASAs do Brasil, 1990 Re giõe s O crescimento da extensão rural olerícola passou a demandar coordenadores estaduais e regionais. Como primeiro coordenador estadual de horticultura, após conclusão do curso de pós-graduação, preferi ter locais exclusivos de horticultura (hortaliças, frutas e flores), mesmo em municípios onde predominavam monoculturas e criações de gado de leite e corte, para, entre eles, selecionar os futuros coordenadores. Muitos extensionistas locais exclusivos prestam hoje relevantes serviços ao ensino, pesquisa e extensão em Minas e no Brasil. A EMATER-MG modificou sua estrutura para nove superintendências regionais; tem coordenadores específicos para olericultura, fruticultura e floricultura; chegou a ter 38 coordenadores regionais. Hoje conta com dois coordenadores estaduais, quatorze coordenadores regionais e no mínimo um técnico, engenheiro agrônomo ou técnico agrícola, em cada município atendido, com tempo parcial e total em alguns. IPEACO- CNPH - PIPAEMG Nessa época desenvolve-se também profícua integração da extensão rural com o Instituto de Pesquisa Agropecuárias do Centro-Oeste, com os pesquisadores João Alves de Menezes Sobrinho (alho, sobretudo) e Lúcio Roscoe Cardinalli (abacaxi e citros). Com a transferência do IPEACO para o Centro Nacional de Milho e Sorgo e com a criação do CNPH em Brasília, chefiado inicialmente pelo Professor Flávio Couto, a integração da extensão olerícola mineira liga-se também à Brasília desde a inauguração do CNPH, prestigiada por todos os extensionistas e representantes dos produtores das principais concentrações olerícolas do país. Em Minas intensificam-se os intercâmbios com o PIPAEMG atual EPAMIG, assegurados pela pesquisadora e delegada da SOB Maria Helena Tabim Mascarenhas. Também nessa época o dinâmico Luís Jorge da Gama Wanderley traz para Minas Gerais e Brasil, o valor das séries e das equipes Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Volume (mil t) Participação (%) Norte 8 6 . 3 82 1,5 Nordeste 638.744 11,9 Centro- Oeste 4 6 8 . 9 05 8 ,6 3.461.160 6 5 ,0 699.776 13,0 5.354.967 100,0 Sudeste Sul Brasil Fonte: EMATER-MG. Tabela 7. Evolução da olericultura mineira no período 1974-1996. Anos M unicípios (no.) Áre a (ha) 1974 246 38.831 617.890 3 5 . 0 00 1984 350 48.377 886.953 4 7 . 8 74 1990 380 5 5 . 2 60 1.127.011 1991 - 5 4 . 8 26 1.188.395 19 9 2 - 6 0 . 4 68 1.348.847 19 9 3 - 5 9 . 2 24 1. 3 2 0 . 3 9 9 19 9 4 - 6 5 . 6 77 1. 4 6 3 . 7 3 3 19 9 5 - 7 0 . 3 54 1. 6 3 4 . 9 0 8 19 9 6 4 00 71.700 2 . 0 7 8 . 8 93 Produção (t) Produtore s com re pe tição (no.) 75.000 80.000 Fonte: EMATER-MG, CORREIA, L.G. do IPA. A presença do incansável extensionista da CATI, Nozomu Makishima, no CNPH e na presidência da SOB destaca nossa Sociedade nas integrações do CNPH com o Brasil, através da extensão rural olerícola. O escritório da articulação e difusão da EMATER-DF instalado no seio e âmbito do CNPH evidenciava que a integração e a difusão são muito mais eficazes quando toda a empresa, representada por uma de suas unidades, transfere-se para os Centros, Institutos e Fazendas Experimentais. Não basta transferir somente a pessoa física e profissional de um difusor. tecnologia. Os professores Wellington Abranches Viana, Joaquim Joel do Vale Rodrigues, José Lino da Silva e Nelson Marciano integram-se à pesquisa e ao ensino superior, equipes dos Professores Flávio Couto e Otto Andersen, para realização de Seminários e dos “Raides”, cursos práticos ministrados nas regiões produtoras, às vésperas das implantações das lavouras, para melhorar os sistemas de produção e as produtividades comerciais. SEMANAS DOS HORTIGRANJEIROS EM FLORESTAL - RAIDES PLANOS NACIONAIS DE PRODUÇÃO E ABASTECIMENTO DE ALHO, BATATA, CEBOLA, TOMATES E MAÇÃS ( DUAS VERSÕES DE 1978 A 1982) As semanas dos hortigranjeiros solicitadas e estimuladas pelos extensionistas olerícolas mineiros são preciosos eventos de transferências de Iniciaram-se depois das fases de estudos e do PROHORT, 1976-1977, nas alçadas dos escritórios locais de extensão rural para subirem e descerem nos 219 REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. Tabela 8. Produção e área plantada em Minas Gerais com hortaliças, por produto, 1996. Produto Abóbora Japonesa Abóboras Abobrinha menina Áre a (ha) Produção (t) 2 . 9 5 3 ,5 30.229 2 5 6 ,2 2.843 1.087,3 18.416 Alface 4 2 4 ,4 9.711 Alho* 2 . 2 9 7 ,0 10.197 5 5 ,5 833 Almeirão Batata- doce 3 4 9 ,8 6.700 3 6 . 3 0 5 ,0 808.998 Berinjela 112,0 3.110 Beterraba 8 0 3 ,5 16.875 Brócolos 6 0 ,7 1.000 107,6 2.600 Cebola* 1.151,0 18.222 Cenoura Batata* Cará 3 . 4 4 8 ,2 126.625 Chuchu 2 2 8 ,6 16.370 Couve 2 5 ,5 688 4 0 6 ,6 10.015 1.300,0 2.600 2 8 ,1 10 Feijão- de- vagem 712,7 8.537 Inhame 8 6 0 ,2 399.847 Jiló 5 9 6 ,1 19.249 Mandioca (mesa) 1.629,6 23.839 Mandioquinha- salsa 1.263,2 12.599 Couve- flor Ervilha (indústria) Feijão- de- fava Maxixe Melancia Melão Milho- verde 41,5 617 8 4 4 ,2 21.628 3 0 ,0 450 2 . 2 4 4 ,8 34.422 Moranga 6 6 ,0 817 Morango 7 0 9 ,3 19.506 Pepino 4 3 2 ,0 10.355 Pimenta 51,6 323 2 3 ,0 145 Pimentão Pimenta- do- reino 1.664,3 45.505 Quiabo 1.490,5 18.511 Rabanete Repolho Salsa Tomate* Outras Total Fonte: EMATER-MG. CORREIA, L.C.; * FIBE 220 2 ,0 20 1.403,1 64.362 150,5 3.783 6.071,0 306.718 14,3 1.618 7 1 . 7 0 0 ,4 2.078.89 escalões micro e macro regionais, estaduais e federais. Sempre prezaram as integrações de produtores, cooperativas, associações, empresários, comércio, indústria, abastecimento, crédito rural, políticas de preços mínimos, valores básicos de custeio - VBC, de empréstimos e aquisições do governo federal EGF e AGF. Deram ao país os melhores exemplos de políticas agrícolas por e para produtos e não para as “saladas mistas” complexas e medíocres de políticas improvisadas. De 1979 a 1981 os Planos Nacionais e as Comissões Técnicas de Batata-Semente, de Sementes de Cebola e de Sementes de Hortaliças proporcionaram ao Brasil uma economia acumulada de 220 milhões de dólares, reduzindo importações, engrandecendo as produções nacionais e a participação de nossas cultivares e de nossos produtos no mercado interno. COMISSÕES TÉCNICAS DE BATATA-SEMENTE, SEMENTES DE CEBOLA E SEMENTES DE HORTALIÇAS Essas comissões terminaram com a orgia de cultivares importadas e seus reflexos funestos na organização das safras nacionais. Foram básicas na sucessão solidária das safras regionais. Reduziram as importações “incestuosas” de batata, permitindo um maior número de multiplicações de material importado e que só fossem consumidas as gerações avançadas. Os ensaios Nacionais, Regionais e Estaduais, de Primeira Avaliação e de Competição de Cultivares poderiam ainda ter sido melhor aproveitados. A inspeção das produções e a fiscalização do comércio, que muito cresceram na época, são ainda insuficientes no espaço e no tempo. O Coordenador Nacional de Sementes e Mudas, engenheiro agrônomo José Márcio de Moura e Silva e seus assistentes Moacyr Pompeu Memoria e George Augusto de Almeida sempre acolheram e apoiaram as sugestões e colaborações dos extensionistas, pesquisadores, professores e certificadores para as programações nacionais da produção e comercialização de sementes e mudas. Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. ABRASEM, AGROCERES, AGROFLORA E ASGROW. Das cavalheirescas, diplomáticas e valiosas colaborações técnicas e pessoais dos diretores e profissionais dessas associações e empresas, muito se valeram os extensionistas em seus eventos, arremetidas e aprimoramentos. Jean C. Verrier da ABRASEM, José Viggiano Netto, Álvaro Aurélio de Macedo, Yedo Carrijo, Walter Issao Banja, Ruy Medina e Renato Gonçalves, da Agroceres, Paulo Tarcísio Della Vecchia e Nelson Choiti Tagiri, da Agroflora, e Martinho Alencar, Márcio Nascimento e Paulo César Tavares, da Asgrow, são nomes marcados no desenvolvimento e gratidão da olericultura brasileira. Os melhoristas olerícolas são valores proeminentes da SOB. Tabela 9. Incremento da produtividade média de algumas olerícolas em Minas Gerais no período 1970- 1996 Produtos 1970 (kg/ha) 1996 (kg/ha) Incre me nto (%) Alho 2 . 4 17 4.43 9 184 Batata 8.34 9 22.28 3 26 7 Cenoura 19.397 36.72 2 189 Ervilha 1.248 2.00 0 160 Jiló 13.981 32.29 2 231 Pimentão 12.821 27.34 2 213 Repolho 27.90 8 45.87 1 164 Tomate 13.154 50.52 2 38 4 Fonte: EMATER-MG, CORREIA, L.G. Tabela 10. Planejamento estratégico da EMATER-MG para implementar a olericultura. Obje tivos e Açõe s CEPAS - COMISSÕES ESTADUAIS DE PLANEJAMENTO AGRÍCOLA A integração das CEPA, com as cifras das regiões produtoras, bem alcançadas pela extensão rural, são imprescindíveis ao planejamento agrícola da produção. Só assim puderam ser dimensionadas na quantidade, no tempo e no espaço as importações, exclusivamente complementares, sem frustrações aos nossos produtores com as importações hoje suplementares, subsidiadas e “escancaradas”. Só os acompanhamentos conjunturais permitem as conjecturas e os acertos em políticas de produção e de importação, que não lesem a sociedade quando imprimem déficits crônicos e crescentes da balança comercial. ENCONTROS NACIONAIS DE PRODUÇÃO E ABASTECIMENTO. I E II MOBRAN . SAGASP Feiras e festas dos produtos/carroschefes da olericultura nacional precederam a idealização e a realização regular dos Encontros Nacionais de Produção e Abastecimento de alho, batata, cebola e de maçãs. Esses Encontros que sucedem-se com outros nomes, tiveram semHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. Integração entre extensão rural, ensino e pesquisa · Encontros para programação de pesquisa · Encontros para treinamento de técnicos · Convênio de cooperação técnica com o CNPH Produtos com qualidade para o consumidor · Assistência técnica com qualidade · Uso correto de agrotóxicos · Qualidade da água · Difusão de tecnologia / produtividade Redução do custo de produção Incremento da olericultura em regiões de grande potencial · Norte de Minas · Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba Redução de perdas na produção Abastecimento regional e municipal · Feira- livre de produtores hortiranjeiros · Oferta maior ou igual à demana Incentivo ao consumo per capita · Pró- horta · Pró- pomar · Cardápio- escola pre o apoio de extensionistas nas coordenações, atração de público estratégico e ocupação de mídia. Os grandes eventos de alho que sucederam as festas municipais, regionais e estaduais de Gouveia, Francisco Sá, Capim Branco, Ouro Fino, Inconfidentes e Novo Cruzeiro, em Minas Gerais, de Curitibanos, em Santa Catarina, e de Inhumas, Nerópolis e Nova Veneza, em Goiás, foram as Mobran, mostras brasileiras de alhos nacionais realizadas em Gouveia 221 REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. e São Paulo (Bolsa de Cereais), com o apoio dedicado dos atacadistas Algirdas A. Balsevicius, Ítalo Tucci, Vicente La Pastina, José Arnone Filho (cebola) e Telmo Cortês, diretores, associados e técnicos do Sindicato dos Atacadistas de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo. Os extensionistas dos municípios produtores articularam minhas peregrinações e asseguraram a presença de produtores e produções concorrentes de todas as cultivares utilizadas no Brasil. DENAR E DIAST DO BANCO DO BRASIL Foram também importantíssimas as integrações em Brasília e nos estados produtores, dos extensionistas rurais da olericultura com os diretores técnicos e funcionários do Departamento de Normas e Assuntos Rurais e da Divisão de Assessoria Técnica do Banco do Brasil. Os sistemas de produção mais transparentes permitiram planilhas de custos e de produtividades melhor estimadas, imprescindíveis para as publicações oportunas das Políticas de Valores Básicos de Custeio e de Preços Mínimos. Moacyr Montella, engenheiros agrônomos Afonso Avelar, Antônio Moretti e Celso Mello de Azevedo são nomes que merecem gratidão e respeito da agricultura nacional e também de nossa olericultura. INSTITUTO AGRONÔMICO DE CAMPINAS, INSTITUTO BIOLÓGICO DE SÃO PAULO E CATI - COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL Das três ilustres instituições paulistas, grandes contribuições não só à olericultura de dois estados vizinhos e irmãos, soldados por um “esalquiano” mineiro, mas a todos os estados brasileiros. De Santos Costa, Olympio Prado, Olavo J. Book, José Botter Bernardi, Humberto Campos, Hilário Miranda a Hiroshi Nagai, muita gratidão da virologia, abóboras e morangas nacionais, dos ensaios de cebolas, alface e quiabo, das cultivares nacionais de batata, das alfaces, dos pimentões e tomates melhorados. De Conrradi Campacci 222 e Pedro Pigatti a Puga, a dedicação aos ensaios de fungicidas e da detecção de resíduos. Dos colegas de científico e da ESALQ, Carlos Adalberto Carvalho Dias e João Cabrera, a fidalguia, a ética extensionista e o coleguismo sempre solidário, bem representados na CATI, DIRA e Casas de Agricultura do estado de São Paulo. SINAC, COBAL, CEAGESP, CAC - COOPERATIVA AGRÍCOLA DE COTIA, CEASAS E ARTICULADORES DE COMERCIALIZAÇÃO O CEAGESP e a COTIA foram escolas de comercialização e abastecimento hortigranjeiro para os extensionistas rurais olerícolas e para os articuladores de comercialização de CEASAS e Mercados de Produtores de todo o Brasil. De suas atuações e experiências nasceram as melhores diretrizes para o SINAC - Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento - e para CEASAS, Mercados de Produtores, bem aproveitados pelo ilustre extensionista Mário Ramos Vilela. Os produtos hortigranjeiros, sangue arterial das CEASAS e dos Mercados de Produtores, foram canalizados em sua maioria pelos extensionistas rurais, com trânsito e prestígio nos cinturões verdes e nas concentrações produtoras. Os extensionistas e pesquisadores Yoshihico Horino, Nozomu Makishima e o articulador Arcângelo Visconti Brunhara ensejaram a maioria dos eventos de aprimoramento profissional dos extensionistas hortícolas nas áreas de comercialização e abastecimento hortigranjeiro. Em Minas Gerais, nas equipes da CEASA-MG chefiadas pelos técnicos Gilson Neves e Romeu Diniz, são ainda valiosos os trabalhos de assistência técnica e extensão rural na produção e comercialização de produtos hortigranjeiros. HORTIAMA A pesquisa, Dr. Hiroshi Noda, do INPA, Dr. Simon Cheng, da UEPAE de Belém (CPATU), e Dra. Maria Urbana, da UEPAE Rio Branco, o ensino, professores Benito Calzzavara e Álvaro Pantoja, e os extensionistas das EMATER dos estados e territórios do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá permitiram que depois de visitas, cursos e encontros regionais fosse elaborada a primeira versão do Hortiama, primeiro programa de diretrizes e estratégias de horticultura para a Amazônia, apresentado no México, em Vera Cruz, em Seminário de Agricultura do Trópico Úmido, apoiado pela FAO e pelo CRESCIDATH. Como membro da Comissão Técnica de Pesquisas de Hortaliças, Frutas e Mandioca da EMBRAPA, pude perceber com satisfação que o crescimento quantitativo e qualitativo dos projetos e subprojetos de pesquisa da Amazônia resultaram de alguns coerentes embalos do Hortiama. O ilustre sócio da SOB e meu parceiro no gerenciamento de planos nacionais, o engenheiro agrônomo Tarcísio da Silva Siqueira muito colaborou no preparo e elaboração do Hortiama. CURSOS DE PÓS GRADUAÇÃO DA UFV, CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM BORGO A MOZZANO As “bisagitais” de integração com a pesquisa e o ensino são fundamentais para o desempenho de coordenadores estaduais e regionais da extensão rural. O aprimoramento profissional abre portas para quem leva e para quem traz conhecimentos. O Curso de Extensão e Desenvolvimento Rural patrocinado pela OEA e Governo Italiano, em Borgo a Mozzano, para representantes dos países da América Latina, foi de muita utilidade para meu desempenho principalmente nas áreas de comunicação e ocupação de mídia, em prol de minha classe, profissão e de meus públicos na EMATERMG e na EPAMIG, onde atualmente presto serviços na Área Ambiental e dos Recursos Hídricos. RECUPERAÇÃO E PRESERVAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS O apoio capilar que sempre encontrei nas Unidades de Extensão Rural e atualmente nos escalões da EPAMIG e Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. REGINA, S.M. A SOB e a extensão rural no Brasil. nos CODEMAS - Conselhos Municipais de Defesa do Meio-Ambiente de meu estado e de meu país, permitiram que realizasse como Presidente do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Rio Verde (o primeiro criado no país): · Sete Seminários Anuais de Bacia Hidrográfica, realizados em caráter de rodízio nos municípios do Alto, Médio e Baixo Rio Verde (São Lourenço, Varginha, Itanhandu, Cambuquira, Três Corações, Baependi, Elói Mendes), com movimentações municipais e regionais que acontecem de março a outubro em diversos eventos de Ciclagem em Educação Ambiental e Preservação de Recursos Naturais. · O Primeiro Dia Estadual de SubBacias Hidrográficas realizado em Eloi Mendes em 1995. · O primeiro Seminário de Tratamento de Esgotos Urbanos para municípios fluminenses, mineiros e paulistas da Bacia do Rio Grande, em São Lourenço, 1992. · O primeiro Seminário de Coleta, Destinação e Reciclagem de Lixo Urbano Doméstico para os mesmos municípios, em Três Corações , em 1993. · Duas Jornadas Regionais de Direito e Legislação Ambiental, em Cambuquira e Varginha. · Dois Encontros Ecológicos regionais realizados em Cambuquira para todo o Sul de Minas. · 16 treinamentos para ciclagem de profissionais de ciências agrárias do Sistema Operacional de Agricultura, Pecuária e Abastecimento em Recuperação e Preservação de Recursos Hídricos, em municípios pólos do estado de Minas Gerais. · Campanha Estadual de Separação e Reciclagem de Óleos e Graxas. · Campanha Estadual de Criação Oficial de Áreas de Preservação Ambiental às montantes de captação e/ ou aduções de água em mananciais de consumo e desenvolvimento social. SACAP - SISTEMAS ALTERNATIVOS, CONSERVACIONISTAS E AMBIENTAIS DE PRODUÇÃO A integração crônica e fecunda do ensino, pesquisa e extensão rural, legi- timada pelos nossos produtores, poderá ainda ensejar à sociedade brasileira a elaboração, a divulgação e a adoção dos SACAP. Agricultura e ciências agrárias, sempre olhadas como vitimadoras ambientais, devem destacar também as suas posições de vítimas das poluições industriais, da falta do saneamento básico e minerarias e, mais ainda, suas posições de aliadas, quando suas tecnologias de exposição de glebas à radiações ultravioletas, de calagens (elevações de pH) e de adubações orgânicas propiciam degradações e reduções de meias vidas dos ingredientes ativos dos agroquímicos e dos resíduos de metais pesados, nos solos e nas águas. Essas nobres funções e as tecnologias poupadoras de insumos, de serviços violentadores e de energia, e também recuperadoras e preservadoras de recursos naturais, sobretudo da água, engrandecerão as nossas profissões e os nossos clientes. “ O agricultor, além de alimentos, fibras e energia, pode produzir/ reciclar água farta e pura para consumo e desenvolvimento social”. MAKISHIMA, N. Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 223-226, 1997. Palestra. Suplemento. Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. Diffusion of technology for vegetable production technology by the official institutions of scientific research. Nozomu Makishima Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70.359-970 Brasília - DF. Palavras-chave: assistência técnica, extensão rural, histórico, acervo bibliográfico. Keywords: technical assistance, rural extension, historical, bibliographic base. INTRODUÇÃO E m todas as atividades desenvolvidas pelo homem com fins de retorno econômico, quer sejam para a produção e comercialização de bens ou prestação de serviços, a aplicação de tecnologias em Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. diferentes níveis representa a diferença entre alta e baixa produtividade, boa e má qualidade do bem ou serviço refletindo-se, consequentemente, na competitividade e rentabilidade. A produção de hortaliças não foge a esta regra. Um diagnóstico desta atividade no Brasil permite verificar que a grande maioria dos produtores aplicam um bom nível de tecnologias, como uso de sementes selecionadas, cultivares, inclusive híbridos, melhor adaptados às condições locais, uso racional de corretivos, fertilizantes e outros insumos, preparo do produto para comercialização. No entanto, encontramos também produtores utilizando sistemas empíricos de cultivo de um lado e, de outro, aqueles 223 MAKISHIMA, N. Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. que conduzem suas culturas com alto nível tecnológico sob diferentes sistemas de proteção e de hidroponia. Estes desníveis são conseqüências do grau de conhecimentos tecnológicos dos produtores, maior ou menor interesse em ampliar seus conhecimentos, maior ou menor acesso às informações, maior ou menor dificuldades na disponibilidade dos insumos. Também é resultante de maior ou menor eficiência das atividades de difusão das instituições que geram os conhecimentos e tecnologias e das instituições que tem por função prestar assistência técnica aos produtores. GERAÇÃO DOS CONHECIMENTOS E TECNOLOGIAS As diferentes tecnologias hoje largamente empregadas pelos produtores de hortaliças foram geradas por eles mesmos, pelas instituições de ensino e pesquisa, pelas empresas de produção de insumos, máquinas e equipamentos e cooperativas agrícolas. São exemplos de tecnologias geradas pelo agricultor: os marcadores de espaçamentos, sulcadores para semeação, o uso da lata perfurada para semeação, o copinho de jornal para produção de mudas. Até a década de 60 muitas cultivares plantadas tinham sido resultado de trabalhos de seleção conduzidos pelos agricultores que, para sua identificação, denominavam-nas com seus próprios nomes. São exemplos destes materiais o tomate Kadá e o pimentão Ikeda, ainda hoje plantados. As tecnologias geradas pelos agricultores eram difundidas pelas equipes técnicas das cooperativas agrícolas a que pertenciam. A partir da década de 50 verificouse um aumento no número de agricultores que passaram a se dedicar à produção de hortaliças, além da ampliação das áreas cultivadas, expansão das fronteiras agrícolas, implantação de políticas governamentais de incentivo ou fomento à produção de hortaliças (cinturões verdes) e assim, a atividade além de assumir importância econômica, passou a demandar informações técnicas. Estes fatos levaram algumas instituições de ensino, como a Escola Superior de 224 Agricultura “Luiz de Queiroz”, em Piracicaba (SP), a Escola de Agronomia de Viçosa (MG), a Escola de Agricultura “Eliseu Maciel”, em Pelotas (RS), e outras de pesquisa, como Instituto Agronômico de Campinas (SP), Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Sul, em Pelotas (RS), o Instituto de Pesquisas Agropecuárias de Pernambuco, a dedicarem maiores esforços no ensino da olericultura e na execução de pesquisa em hortaliças. Por sua vez, as cooperativas agrícolas, como a Cotia, Sul-Brasil, Bandeirantes, Mogi das Cruzes, atualmente extintas, que congregavam a maioria dos produtores de hortaliças, instalaram as suas próprias estações experimentais e formaram equipes de técnicos para prestarem assistência a seus cooperados. Ao mesmo tempo surgiram empresas de sementes como Agroflora, Agroceres, Isla, Asgrow, Topseed que também montaram suas unidades de pesquisa, objetivando a obtenção de cultivares para comercialização de sementes. Em 1973 foi criada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa - com seus diversos Centros de Pesquisas e Unidades de Pesquisa de Âmbito Estadual, com o objetivo de realizar pesquisa nos diversos produtos agropecuários de importância econômica local, regional ou nacional. Por sua vez diversos estados da federação passaram a transformar seus institutos de pesquisa em empresas estaduais de pesquisa ou a criarem tais empresas. São exemplos a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Goiás - EMGOPA, hoje incorporada à EMATER-GO, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina - EMPASC, atualmente associada à EMATER-SC, com a denominação de EPAGRI e muitas outras. O Mato Grosso do Sul foi o primeiro estado a criar uma empresa com as atividades de pesquisa já unificada com as de assistência técnica e extensão rural, com o nome de Empresa de Pesquisa Agropecuária e Assistência Técnica e Extensão Rural - EMPAER-MS. Em 1981 a Embrapa transformou a UEPAEDF em Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças. Todos estes acontecimentos resultaram em um maior contingente de técnicos envolvidos ou interessados em olericultura, a ponto de possibilitar a formação da Sociedade de Olericultura do Brasil que promove, anualmente, o Congresso Brasileiro de Olericultura CBO, reunindo centenas de participantes de todo o país. Estes fatos também aumentaram significativamente a geração de conhecimentos e tecnologias em olericultura, facilmente comprovável pelos eventos que acontecem anualmente no país, principalmente o CBO onde são apresentados em média 250 resumos de trabalhos de pesquisa com hortaliças. Se considerarmos que cada resumo contém, no mínimo, um conhecimento ou uma tecnologia, são mais de 200 conhecimentos ou tecnologias geradas anualmente. Deve-se lembrar ainda que resultados de pesquisa com hortaliças em número significativo são apresentados em outros eventos científicos como, por exemplo, os congressos de entomologia, fitopatologia e solos. Cada instituição de ensino ou pesquisa dispõe, em sua biblioteca, de um acervo de informações sobre conhecimentos e tecnologias em diversas formas de documentos (teses, revistas científicas, boletins técnicos, materiais de divulgação). Como exemplo citamos os dados relativos à biblioteca da Embrapa Hortaliças, em Brasília que reúne 688 teses de mestrado, 226 de doutorado, 13 de cátedra, 19 de livre docência e 64 trabalhos de graduação, além de 2073 artigos científicos de periódicos na forma de separatas e 373 folhetos. Uma análise rápida de tais documentos mostra que algumas espécies foram objeto de pesquisa com maior freqüência. São os casos do tomate, com 163 publicações, batata, com 144, cebola, com 87 e alho, com 81. Um outro tipo de levantamento bibliográfico relativo à produção científica nas instituições de pesquisa é apresentado nas tabelas de 1 a 5. Isto indica que existe um acervo imenso de informações sobre hortaliças abrangendo os vários segmentos do sistema de produção. No entanto, verifica-se que os produtores continuam enfrentando os mais variados problemas fitotécnicos e fitossanitários no cultivo das hortaliças e os extensionistas também carecem de Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. MAKISHIMA, N. Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. maior disponibilidade de informações para atender às demandas que recebem dos agricultores. Tabela 1. Resumos apresentados em Congressos Brasileiros de Olericultura de 1985 e 1993 a 1996. Brasília, Embrapa Hortaliças, 1997. Anos DIFUSÃO E TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTOS E TECNOLOGIAS Até a criação da Embrapa, em 1973, e empresas estaduais de pesquisa, os conhecimentos e tecnologias gerados nas instituições de pesquisa e ensino eram divulgados em eventos técnicocientíficos e publicados em revistas científicas das instituições ou sociedades científicas específicas de cada área. Como tais revistas e publicações só ficavam disponíveis em bibliotecas da própria instituição, de modo geral o acesso a essas informações por parte da assistência técnica ou dos extensionistas era bastante difícil. Na década de 50 foi introduzido no Brasil, através de Minas Gerais, o serviço de extensão rural que paulatinamente foi estendido aos demais estados com a criação das Associação de Crédito e Assistência Rural - ACAR, posteriormente transformadas em Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER. Tais empresas têm por objetivo levar ao agricultor as tecnologias de produção agropecuária visando o seu desenvolvimento. Assim, criou-se, via extensão rural, o elo de ligação entre a pesquisa e a produção, com o objetivo de promover a difusão e a transferência de tecnologias para o sistema produtivo agropecuário. A Embrapa e as empresas estaduais de pesquisa agropecuária também dispõem de suas respectivas áreas de difusão e transferência de tecnologias para facilitar o acesso aos conhecimentos, tecnologias, produtos e serviços pelos extensionistas, produtores e outros interessados. Vários tipos de publicações, sempre com a finalidade de alcançar os mais diferentes públicos (Tabela 4), são produzidos pelas áreas de difusão e transferência de tecnologia. Além de publicações, outros veículos de divulgação têm sido utilizados, tais como programas de rádio, televisão, fitas de vídeo, jornais e revistas especializadas em agricultura/pecuá-ria, bem como realização de cursos, palestras, dias de Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. No. de Es pé cie s No. de Re s umos 1985 37 2 29 1993 22 2 73 1994 25 2 38 1995 27 2 66 1996 22 3 24 1997 26 2 53 Fonte: Horticultura Brasileira, v. 3, n. 1; v. 10, n. 1; v. 11, n. 1; v. 12, n. 1; v. 13, n. 1; v. 14, n. 1. Tabela 2. Publicações técnico-científicas por espécie no período 1980/92. Brasília, Embrapa Hortaliças, 1997. Es pé cie N o. Es pé cie N o. Es pé cie N o. Tomate 475 Morango 60 Milho- doce 25 Batata 3 96 Abóbora 56 Berinjela 25 Alho 3 15 Repolho 55 Beterraba 18 Hortaliças 271 Outros 43 Aspargo 18 Cenoura 197 Melão 40 Chuchu 18 Cebola 176 Quiabo 36 Inhame 17 Ervilha 140 Feijão- de- vagem 35 Melancia 16 Pimentão 133 Alface 33 Brássicas 14 Batata- doce 101 Couve- flor 32 Lentilhas 14 Pepino 76 Mandioquinha 32 Jiló 13 Fonte: Lima, M.F.B.F.; Pereira, W. Horticultura Brasileira, v.13, n. 1, maio 1995. Tabela 3. Principais instituições de pesquisa envolvidas na produção técnico-científica sobre hortaliças 1980/92. Brasília, Embrapa Hortaliças, 1997. Ins tituição Embrapa Hortaliças EPAGRI PESAGRO Embrapa Clima Temperado EPAMIG EMCAPA IEA Embrapa Semi- Árido EMATER - GO INPA IAC IAPAR Embrapa Tabuleiros Costeiros Embrapa Solos O utras Total N o. de Publicaçõe s 1.459 3 31 244 162 154 134 54 47 42 30 25 24 22 21 164 2 . 9 13 No. de Pe s quis adore s (92/93) 48 25 6 17 24 16 9 11 2 7 9 7 3 5 86 27 5 Fonte: Lima, M.F.B.F.; Pereira, W. Horticultura Brasileira, v.13, n. 1, maio 1995. 225 MAKISHIMA, N. Difusão de tecnologias para a produção de hortaliças pelas instituições oficiais de pesquisa científica. Tabela 4. Principais tipos de publicações produzidas pelas instituições de pesquisa no período 1980/92. Brasília, Embrapa Hortaliças, 1997. Tipo Núme ro Resumo para congressos 1.565 Artigos para periódicos 762 Comunicado Técnico 100 Palestras 68 Anais 59 Capítulo de livro 52 Boletins 49 Informes 42 Artigos para jornais 38 Circular Técnica 37 Relatório 30 Instruções Técnicas 25 Documentos 24 Pesquisa em andamento 23 Folhetos 22 Sistemas de produção 10 Livros 6 Outros 7 Total 2.913 Fonte: Lima, M.F.B.F.; Pereira, W. Horticultura Brasileira, v.13, n. 1, maio 1995. Tabela 5. Acervo dos principais documentos sobre hortaliças da biblioteca da Embrapa Hortaliças. Brasília, Embrapa Hortaliças, 1997. D ocume nto N úme ro Teses de Mestrado 688 Teses de Doutorado 22 6 Teses de Cátedra 12 Teses de Livre Docência 19 Trabalho de graduação 64 Artigos de periódicos (separatas) Folhetos 226 campo e promoção e participação em congressos, seminários, feiras e exposições. ANÁLISE E CONCLUSÕES Existe nas instituições de pesquisa e ensino um grande acervo de conhecimentos, informações e tecnologias, representado por diversos tipos de documentos. A identificação dos mesmos depende do grau de interesse de quem os consulta. Deve ser missão primordial das instituições de pesquisa e ensino promover o desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade como um todo. E esse desenvolvimento é conseqüência da utilização correta, racional e inteligente dos conhecimentos, informações e tecnologias. Assim, o desenvolvimento da produção de hortaliças no Brasil depende do nível de geração de conhecimentos, informações e tecnologias e do grau de utilização dos mesmos. Para tanto é necessário que haja maior interesse por parte das instituições de pesquisa e ensino em divulgarem os resultados obtidos nos trabalhos de investigação científica que realizam. Por outro lado, cabe às instituições de assistência técnica e extensão rural demandarem informações às instituições de ensino e pesquisa e repassarem essas informações aos produtores. Por seu lado, os produtores também precisam e devem demandar às instituições de assistência técnica ou até mesmo às de pesquisa e ensino que melhorem os níveis tecnológicos de suas atividades. 2.07 3 373 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. STEINDORF, R.H. Contribuição da extensão rural para o desenvolvimento da olericultura no Brasil. Horticultura Brasileira, Brasília, v. 15, p. 227-229, 1997. Palestra. Suplemento. Contribuição da extensão rural para o desenvolvimento da olericultura no Brasil. Contributions of the rural extension for the development of horticulture in Brazil. Rodolfo H. Steindorf EMATER - PR. Palavras-chave: aspectos históricos, difusão de tecnologias, comercialização, planejamento de produção, preços, recursos humanos, estatísticas. Keywords: historical aspects, diffusion of technology, trade, supply plans, prices, human resources, figures. I niciamos na extensão rural em 1963, em um período ainda de verdadeira “catequese” dos agricultores para melhorarem tecnologias na agricultura de um modo geral. Olericultura era um termo totalmente desconhecido entre os agricultores, mesmo para aqueles que já se dedicavam ao cultivo de hortaliças na maioria dos estados brasileiros. As exceções provavelmente ficaram com São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul. As hortaliças consumidas no meio urbano limitavamse principalmente a alfaces, couves, repolho, chuchu, tomate, batatinha, alho, cebola, pepino e abóboras. No meio rural incluíram-se a batata-doce e a mandioca, também cultivadas principalmente para a alimentação animal. O conhecimento das vantagens da utilização das hortaliças na alimentação humana, como uma das principais fontes de vitaminas e sais minerais para o normal desempenho do corpo era quase nulo no meio das populações urbanas e rurais. Também nenhuma ênfase se dava ao assunto nos currículos do ensino básico. O hábito de consumo de hortaliças no Brasil foi trazido principalmente pelas famílias de imigrantes de origem européia, inicialmente, e mais tarde nipônica. O serviço de Extensão Rural no país teve seus primórdios na década de 50, mas segundo nossas observações, os primeiros movimentos mais organizados para um apoio decisivo ao desenvolvimento da olericultura nasceu no início da década de 60, com a realizaHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. ção de cursos especializados para profissionais voltados para a olericultura, envolvendo pesquisadores, professores e extensionistas rurais. Resultante dessa aproximação entre os profissionais das diferentes especialidades iniciaram as discussões sobre a importância da olericultura e seu desenvolvimento nas linhas básicas de pesquisa, ensino profissional e difusão das tecnologias recomendadas aos produtores de hortaliças nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Paralelamente a esse trabalho e buscando facilitar o intercâmbio entre os profissionais dedicados à olericultura, fundou-se a Sociedade de Olericultura do Brasil - SOB, em Viçosa (MG), no ano de 1961, com a participação de aproximadamente três dezenas de profissionais do ramo. A participação da Extensão Rural no desenvolvimento da olericultura no Brasil, em nossa opinião, tem seus fundamentos na criação do hábito de consumo de hortaliças, visando equilibrar o cardápio alimentar em suas peculiaridades básicas - proteínas, hidratos de carbono, gorduras, sais minerais e vitaminas, tendo nas hortaliças a fonte natural e sadia para suprir, com maior ênfase, os últimos dois componentes da cadeia alimentar acima referida. Esse mérito, deve ser creditado às economistas domésticas que, no seu trabalho persistente, souberam levar às donas-de-casa as maneiras mais aceitas para o preparo dos alimentos, em suas formas naturais, elaboradas ou transformadas. Na metodologia do extensionista rural visando orientar os agricultores em suas visitas, reuniões técnicas e práticas, nas unidades de observação, demonstrativas ou de resultados são tratadas as tecnologias recomendadas para cada situação e época. No início, com a existência e demanda de poucas espécies e disponibilidade limitada de cultivares, o extensionista tinha seu campo de atuação voltado para os aspectos de melhoria das condições do solo, população desejável e os cuidados com controle de doenças e combate as pragas, sem grandes preocupações com beneficiamento e comercialização da produção. Com a melhoria do conhecimento da população em geral sobre a importância das hortaliças na alimentação, bem como de redução no custo da alimentação, através da utilização de produtos da época, passou-se a maior oferta de produtos, ainda de maneira desorganizada, tanto no aspecto da comercialização como da qualificação dos produtos. A qualificação dos produtos passou então a ser uma necessidade para regularizar a comercialização e atender às necessidades da população, agora já mais exigente. Nesse momento a Extensão Rural participa juntamente com o Ministério da Agricultura, Secretarias de Estado da Agricultura e Organizações de Produtores para implantar uma regulamentação específica para as principais espécies, estabelecendo requisitos mínimos para a qualidade dos produtos a serem ofertados à população. Paralelamente 227 STEINDORF, R.H. Contribuição da extensão rural para o desenvolvimento da olericultura no Brasil. são estudadas e criadas embalagens que se adaptem melhor às exigências de transporte, conservação da qualidade e comercialização. Com a implantação da CEAGESP (SP) e das CEASA’s ou outros mecanismos para regulamentação da comercialização nos demais estados, a extensão rural passou a participar como parceria no processo, orientando os produtores de hortigranjeiros sobre o fornecimento de produtos para essas organizações, bem como, sobre como ter uma participação efetivas nas mesmas. A produção programada de hortaliças tornou-se um aspecto fundamental para a extensão rural com objetivo de regularizar a oferta de produtos à população consumidora e manter o equilíbrio de preços. Infelizmente o desenvolvimento dos indivíduos estava longe do ideal para que se pudesse ter uma produção adequada a atender as necessidades de forma regular durante o ano todo. Persiste o ingresso de aventureiros quando se vislumbram bons preços próxima safra. Lembramos aqui os programas de produção e abastecimento desenvolvidos inicialmente em Minas Gerais e posteriormente levados ao Ministério da Agricultura através do Engenheiro Agrônomo Sérgio Mário Regina, então coordenador estadual de olericultura da EMATER-MG. Esses programas na época buscavam à regularização da produção e da oferta de alho, cebola, batata e tomate, atendendo a demanda dos principais centros consumidores do Brasil, sem desagradáveis congestionamentos de excessos e aviltamento de preços. Aqui também voltamos a lamentar a descontinuidade de apoio do Ministério da Agricultura para manter a coordenação de programas dessa natureza. Na olericultura desenvolvida em ambientes protegidos, comumente chamada de plasticultura, inicialmente com apoio de Poliolefinas, subsidiária da Petrobrás, e posteriormente da Petroquímica Triunfo, a extensão rural dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná desenvolveram significativo trabalho. Essa tecnologia avançou antes mesmo de se terem resultados nacionais ou estaduais de pesquisa, levando sucesso e, também, insucesso aos pioneiros que aderiram à tecnologia e ensinando informalmente 228 a produtores e extensionistas rurais. Muito empirismo ocorreu, principalmente na montagem das estruturas modelo capela de 500 m2, desconsiderando a resistência dos materiais empregados e os efeitos das condições ambientais, principalmente ventos. O engajamento posterior da pesquisa, a nível federal Centro Nacional de Pesquisa de Hortaliças - e estadual, hoje já dá suporte para o treinamento de profissionais e produtores que utilizam a tecnologia, possibilitando o correto emprego do plástico em túneis baixos e altos, estufas de diversas modalidades, cobertura morta, reservatório de água e canais. Tecnologias mais especializadas, como o cultivo de cogumelos, a agricultura orgânica, a biodinâmica, a minhocultura e a hidroponia são frentes de trabalho cobradas por grupos de produtores ou organizações que visam o atendimento de comunidades seletas e para as quais a extensão rural também se preocupa em dar atendimento, em caráter não prioritário, pois sua atenção primeira é dirigida aos produtores de baixa renda. EVENTOS EM OLERICULTURA · A extensão rural participa de modo expressivo na organização dos produtores, visando a comercialização em feiras municipais e regionais de seus produtos, tanto na forma in natura, quanto beneficiados ou transformados, objetivando sempre melhorar sua condição econômico-financeira, para recompensar seus esforços. · Organização de concursos de produtividade, utilizados para motivar os produtores a demonstrarem sua capacidade de aperfeiçoamento tecnológico e obtenção de resultados economicamente viáveis. · Organização e participação em encontros, simpósios e seminários, visando a discussão de tecnologias, a troca de informações e experiências, bem ou mal sucedidas, que venham cooperar com o desenvolvimento das explorações agrícola de cada um. · Organização e participação em excursões técnicas que reunam produtores com objetivos similares para tro- ca de experiências com outros produtores ou com entidades oficiais e particulares que detenham informações de interesse do grupo. PUBLICAÇÕES Em todos os estados onde a extensão rural assiste a produtores de hortaliças, em todos os períodos, foram elaborados folders, folhetos, slides, vídeos educativos e manuais técnicos que auxiliam os extensionistas a realizarem a assistência técnica com a qualidade e a oportunidade recomendadas. A grande maioria das publicações mais antigas se dirigiam a como instalar a horta caseira, uma vez que havia necessidade de criar o hábito de consumir hortaliças. EQUIPE DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA Em todos os estados de expressão econômica em olericultura, a extensão rural já treinou suas assessorias técnicas a nível de mestrado e/ou especialização, a fim de facilitar o treinamento e reciclagem dos profissionais que atuam a nível de produtor. A situação atual da Olericultura no Brasil poder ser vista na Tabela 1, que apresenta a área, produção, valores e a força de trabalho existentes no país. Alguns estados não acolheram nosso pedido de informação e, a título de ilustração, utilizamos dados publicados na revista oficial da SOB, Horticultura Brasileira, v. 11, n. 2, novembro de 1993, em trabalho realizado pelo engenheiro agrônomo Iniberto Hamerschimidt, da EMATER-PR. Para os estados que forneceram a informação, comparando-se os dados atualizados àqueles publicados por Hamerschimidt, verificamos que houve evolução da área plantada e produção variável de 30 a 50 %, o que poderia ser também assumido os demais estados, que deixaram de encaminhar seus dados. AGRADECIMENTOS Foi com satisfação que recebemos o pedido da Comissão Organizadora do 37o. CBO e procuramos traduzir da meHortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. STEINDORF, R.H. Contribuição da extensão rural para o desenvolvimento da olericultura no Brasil. Tabela 1. Área, produção, valor da produção e profissionais envolvidos em extensão rural, em olericultura, no Brasil. Es tado Áre a (ha) Acre Produção (t) Valor (US$) Profis s ionais e nvolvidos 446.920 71.507.200,00 - Amapá - 646 103.360,00 - Amazonas - 19.238 3.078.080,0 0 - Bahia* 35.44 1 7 0 2 . 7 37 112.437.920,00 32 Ceará* 2.116 112.287 17.965.920,00 12 Distrito Federal - 115.161 18.425.760,00 - Espírito Santo* - 176.010 28.161.600,00 10 17.343 237.311 37.969.760,0 0 19 Maranhão* 73 5 3 0 . 5 48 4.887.680,0 0 - Mato Grosso - 198.280 31.724.800,00 - 2.98 9 - - 49 Goiás* Mato Grosso do Sul* Minas Gerais* 71.700 Paraíba - Paraná* 85.64 8 2 . 0 7 8 . 8 93 332.622.880,0 0 140 560.056 89.608.960,0 0 - 1.397.773 223.643.680,0 0 18 Pará - 68.089 10.894.140,00 - Pernambuco - 415.506 66.480.960,0 0 - Piauí - 230.636 36.901.760,00 - Rio de Janeiro - 765.077 122.412.320,00 - Rio Grande do Norte - 148.176 23.708.160,00 - Rio Grande do Sul - 869.642 139.142.720,00 - Roraima - 215 34.400,0 0 - Santa Catarina - 657.031 105.124.960,00 - 3 . 9 0 7 . 4 28 513.797.000,00 40 0 36.553 5.848.480,0 0 São Paulo* 127.385 Sergipe - - * Informações atualizadas para o ano agrícola 1995/1996. lhor forma a contribuição da Extensão Rural para o desenvolvimento da Olericultura Brasileira. Lamentamos, no entanto, que essa contribuição esteja gradativamente se encerrando face à Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento. desestruturação do serviço em todo o país, com a redução das estruturas de trabalho nas Empresas Estaduais e a extinção da Coordenação Nacional no governo Collor de Mello. Infelizmente, nossos agricultores ainda não se concientizaram do seu potencial para lutar pelos seus direitos, expressos na Constituições Nacional e Estaduais. 229 230 Hortic. bras., v. 15, 1997, Suplemento.