Alceu Junior Maciel - Universidade do Contestado

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UNIVERSIDADE DO CONTESTADO – UnC
CURSO MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
ALCEU JUNIOR MACIEL
ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA
FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
CANOINHAS
2016
ALCEU JUNIOR MACIEL
ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA
FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
Dissertação apresentada como exigência
para a obtenção do título de Mestre em
desenvolvimento regional do Curso Mestrado
em
Desenvolvimento
regional
pela
Universidade do Contestado – UnC Campus
Canoinhas, sob a orientação do professor Dr.
Sandro Luiz Bazzanella.
CANOINHAS
2016
ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA
FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
ALCEU JUNIOR MACIEL
Esta Dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora como
requisito parcial para a obtenção do Título de: Mestre em Desenvolvimento Regional. E
aprovado na sua versão final em 22/07 de 2016, atendendo às normas da legislação vigente
da Universidade do Contestado – UnC e Coordenação do Curso do Programa de
Desenvolvimento Regional.
Coordenador do Curso
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Sandro Luiz Bazzanella
(UnC – Canoinhas - SC)
_________________________________________
Membro externo: Prof. Dr. José Ernesto de Fáveri
(UNIDAVI – Rio do Sul - SC)
_________________________________________
Membro externo: Prof. Dr. Antônio Charles Santiago Almeida
(UNESPAR – União da Vitória - PR)
_________________________________________
Membro interno: Alexandre Assis Tomporoski
(UnC – Canoinhas - SC)
_________________________________________
Suplente: Prof. Dr. Prof. Dr. Reinaldo Knorek
(UnC – Canoinhas - SC)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a família pelo apoio e auxílio nos momentos de dificuldade para a
execução deste trabalho em especial ao meu irmão Jonas Fábio Maciel que nos
momentos
de
reflexão
filosófica
propiciou
aprofundamento
reflexivo
e
questionamentos pertinentes pela sua habilidade filosófica.
A Valquíria Batista da Rocha (Teóloga) pelas reflexões teológico/filosóficas
em torno do tema aqui apresentado, assim como, pelo apoio e incentivo no decorrer
deste período de pesquisa.
Ao Professor Doutor Sandro Luiz Bazzanella pela orientação deste trabalho,
dedicação e por acreditar na potencialidade e capacidade de seu orientando. Pelo
incentivo às pesquisas, aprofundamento filosófico e auxílio na busca pela autonomia
de pensamento e aprofundamento reflexivo.
Ao Fundo de Amparo a Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) pela bolsa de
estudos concedida, assim como a Universidade do Contestado (UnC) pelas
contribuições que possibilitaram a conclusão da presente pesquisa.
A todos que de alguma forma ou outra auxiliaram na conformação deste
trabalho dissertativo, em especial aos professores do Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional (PMDR) da Universidade do Contestado. Este trabalho
resulta não apenas do esforço individual, mas, sobretudo, deriva do esforço coletivo,
assim como de ações que permeiam o fazer história a partir da história rumo à
autonomia de pensamento.
“A Investigação filosófica pode e deve começar
o estudo da história apenas onde a Razão
começa a manifestar sua existência no mundo,
onde aparecem a consciência, a vontade e a
ação e não onde tudo isso ainda é uma
potencialidade irrealizada”. (HEGEL)
RESUMO
A ideia do desenvolvimento na contemporaneidade possui suas raízes na história.
Na perspectiva hegeliana, a história é resultado da razão que se imanentiza, ou seja,
a razão se objetiva na história e pela história. Isto possibilita a tomada de
consciência pela consciência. Dito de outra forma, o processo racional de superação
da condição em que o indivíduo se encontra se dá primeiramente pelo
reconhecimento para posterior tomada de consciência e consequentemente a
superação. Perscrutar filosoficamente o desenvolvimento é entender isto a partir do
conceito, ou seja, para que se possa ter acesso ao ser-em-si do desenvolvimento,
se faz necessária reconhecê-lo como conceito, perscrutar a sua essência. Para isto,
convém observar sua conformação histórica. No sentido da superação daquilo que
se apresenta, ou seja, trilhar rumo à conceitualização. A pretensão é ontológica que
acontece na dimensão da consciência individual e como decorrência deste, a
coletividade, já que, para Hegel, a particularidade contém em si a universalidade. A
conformação do espírito de um povo é essencial para o desenvolvimento e, para
compreender este processo, o autor busca na história e doutrina das religiões as
respostas para seus questionamentos, apontando às bases ocidentais como
predecessoras do movimento filosófico/teológico que possibilitaram reconhecer em
alguns povos a primazia da tomada de consciência de si em direção ao Espírito
Absoluto.
Palavras-Chave: Desenvolvimento. História. Conceito. Consciência. Espírito.
ABSTRACT
The idea of development in the contemporary world has its roots in history. In
Hegelian perspective, the history is the result of reason that immanentize, that is, the
reason is objectified in history and by history. This enables the awareness of the
consciousness. In other words, the rational process of overcoming the condition in
which the individual is primarily based on the recognition for further awareness and
consequently to overcome. To inquire philosophically development is to understand
this from the concept, that is, so that it can have access to the being-in-itself of
development, it is necessary to recognize it as a concept, peer into its essence. For
this, it should be noted its historical conformation. In order to overcome what
appears, that is, walk towards the conceptualization, the claim is ontological what
happens in the dimension of individual consciousness and as a result of this, the
community, as for Hegel, the particularity itself contains universality. The
conformation of the spirit of a people is essential for development, and understanding
this process, the author seeks in history and doctrine of religions answers to their
questions, pointing western bases as forerunners of the philosophical / theological
movement that allow recognize the in some people the primacy of awareness of itself
towards Absolute Spirit.
Keywords: Development, History, Concepts, Consciousness, Spirit.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA, O CONCEITO E O DESENVOLVIMENTO ............ 15
2.1 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA .............................................................................. 20
2.2 O CONCEITO...................................................................................................... 31
2.2.1 O Desenvolvimento é um Conceito? ................................................................ 34
3 PRESSUPOSTOS PARA UMA CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO EM
HEGEL ...................................................................................................................... 42
3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA E PELA CONSCIÊNCIA .............. 43
3.2 A CONSCIÊNCIA DE SI ...................................................................................... 48
3.3 A RAZÃO COMO CONSCIÊNCIA-DE-SI EM DIREÇÃO À CONFORMAÇÃO DO
ESPÍRITO.................................................................................................................. 50
3.3.1 A Razão e a Religião na Conformação do Espírito de um Povo ...................... 55
3.4 A HISTÓRIA ........................................................................................................ 67
3.4.1 A Razão na História ......................................................................................... 68
3.5 O DESENVOLVIMENTO: RACIONAL E HISTÓRICO ........................................ 74
3.5.1 O Desenvolvimento como Objetivação da Razão na História .......................... 75
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 84
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 90
9
1 INTRODUÇÃO
O objeto perscrutado nessa pesquisa bibliográfica que compõe essa
dissertação de mestrado é a investigação em torno dos fundamentos filosóficos do
desenvolvimento a partir de Hegel, que implicam na necessidade da rigorosidade
conceitual em torno das discussões referentes ao desenvolvimento de forma
universal e, contido na universalidade, também o particular. Nessa perspectiva a
temática em torno da qual se desenvolveu a pesquisa e a presente dissertação
assim se apresenta: Fundamentos Filosóficos do Desenvolvimento a partir de Hegel.
Sendo assim, se buscou analisar ontologicamente o desenvolvimento e sua
conformação histórica, dito que, Hegel não analisou especificamente essa temática,
porém, tal filósofo possui elementos teóricos e conceituais suficientes e que
influenciaram a história da filosofia, bem como constituíram a filosofia da história
contemporânea. O período histórico desse filósofo é constituído pelo racionalismo e
como consequência se têm as revoluções políticas, ou seja, o tempo de Hegel pode
ser analisado como período de mudanças estruturais presentes na modernidade.
Pensar o desenvolvimento é pensar o presente. Pensar o desenvolvimento a
partir de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é mergulhar sem ter noção da
dimensão e profundeza desta análise. Esta pesquisa objetiva analisar o
desenvolvimento e sua regionalização a partir da ciência filosófica. Considera-se a
história como resultada da ação da razão na conformação do presente. Isso
possibilita perscrutar os fundamentos ontológicos do desenvolvimento. De forma
específica, esse item tem como objetivo analisar o desenvolvimento na perspectiva
de sua conceitualização, observar na história a conformação dos princípios do
desenvolvimento e analisá-lo em sua dimensão particular que perpassa a
consciência individual como pressuposto para a formação da consciência coletiva ou
do espírito de um povo. Esse trabalho dissertativo é composto de dois (2) capítulos,
sendo que o primeiro está circunscrito no desenvolvimento na história. Apresenta a
necessidade de conceituar o desenvolvimento para que se possa analisá-lo com
maior profundidade e segurança teórica, dito que o que se tem na sua maioria
apenas discursos inócuos que não possibilitam entender o desenvolvimento como
conceito.
No segundo capítulo se analisa a conformação do desenvolvimento em
relação à consciência individual com perspectivas à consciência coletiva. Ou seja, o
10
desenvolvimento perpassa a consciência que constitui o espírito de um povo. Para
isso, a razão e a religião são basilares. Esse processo acontece na história a qual é
conduzida pela razão que faz o desenvolvimento ser racional e histórico. Nesse
capítulo se analisa a região do Planalto Norte Catarinense em suas contradições e
negações e se questiona sobre as possiblidades de desenvolvimento. Esse trabalho
se baseia em aspectos teóricos e conceituais do pensamento hegeliano.
Hegel é um marco na história do pensamento ocidental, Pode-se afirmar que
esse filósofo está no limiar da modernidade e inaugura a contemporaneidade, pois
suas reflexões constituem as bases do pensamento contemporâneo. Os pensadores
posteriores o enfrentaram em algum momento do percurso reflexivo, seja para
confrontar ou para corroborar com suas teses. Talvez se possa afirmar que Hegel é
o único filósofo que possibilitou a constituição de uma direita e, de uma esquerda de
pensadores1 a partir da sua filosofia.
Esse pensador é resultado de seu tempo, resultado da visão de mundo
iluminista que auxiliou na conformação da ideia de ciência do progresso,
apresentando-se como possibilidade de solução para todos os problemas. Em suas
reflexões, partiu da análise filosófica da universalidade da história. Perscrutou, em
seu sistema filosófico, nada mais do que a conjunção de toda realidade passível de
ser analisada - a totalidade. Hegel considera que a preocupação filosófica está na
universalidade, e que na universalidade reside a particularidade. Para o filósofo, isso
faz da filosofia a ciência que perscruta na finalidade última das coisas, a coisa em si,
ou seja, a coisa mesma se apresenta como essência nos seus resultados como
totalidade da coisa.
Seu sistema influenciou e influencia a filosofia alemã – e consequentemente a
filosofia ocidental - desde sua constituição e, pela profundidade de suas reflexões,
captou o tempo buscando, a partir da lógica, se efetivar no espírito e, como
consequência, culmina no racionalismo a busca pela absolutidade da realidade.
Essa acontece a partir da busca por superar a imediatez e aquilo que se apresenta
em primeira vista. Isto é parte constituinte da cultura que se expressa na
universalidade como resultado de princípios particulares e individuais.
A cultura resulta da ação de um povo na conformação de seu espírito. Ou
seja, do esforço de constituir-se como povo a partir das particularidades e
1
Movimento dos jovens hegelianos que se dividiram após a morte de Hegel em 1831. A nomenclatura
“direita” e “esquerda” denominada por David Strauss foi herdada do parlamento Francês.
11
individualidades que o conformam na busca pela generalidade da coisa em si. A
conformação cultural de um povo resulta da seriedade com a qual se conduz a vida
pautada na racionalidade e na ordenação do mundo pela, assim como pela busca de
compreensão da totalidade.
A formação cultural de um povo consiste no aprofundamento conceitual de
sua condição. Para Hegel, o conceito é fundamental para o desenvolvimento da
reflexão filosófica, pois, a partir dele é que a ciência filosófica - de forma processual busca a essência pela observação, no qual o observador assume em sua
consciência àquilo que se lhe apresenta, e, posteriormente formula o conceito do
objeto, definindo-o, ou ainda, expressando a verdade do objeto em ideias. Aqui se
apresenta a importância epistemológica do conceito advindo do idealismo. Assim,
para que um povo possa trilhar o caminho rumo ao desenvolvimento, a rigorosidade
conceitual se torna culturalmente necessária.
A cultura é resultado do esforço de superação do imediato e assim, partir
para a busca de conhecimentos universais. Ou seja, a partir da universalidade se
conhecerá conceitualmente o particular que trás em si a universalidade. Perscrutar
conceitualmente a ideia força do desenvolvimento regional consiste em concentrar
esforços na universalidade e, após essa análise rigorosa conceitual, relacioná-lo
com a regionalização, ou seja, do universal para o particular, pois no particular está
presente o universal e o universal tem suas raízes no particular. Logo, a
regionalização do desenvolvimento está contida na universalidade da ideia.
Sob tais pressupostos, surgem indagações em torno do problema central que
articula essa pesquisa: o que é desenvolvimento? Como essa temática é refletida
pela história da filosofia e pela filosofia da história? Como o desenvolvimento se
relaciona com a cultura em Hegel? Se houver relação, como se constitui uma cultura
para o desenvolvimento? Observando a região do Planalto Norte Catarinense, se
percebe a fragilidade teórica, conceitual e intelectual, bem como a ausência da
rigorosidade conceitual em parte significativa dos discursos. Assim como, a
economia regional é norteada pelo extrativismo e a maior parte da população local
ainda não se tomou como objeto, não tomou consciência de sua capacidade de
desenvolvimento, não se assumindo como agente capaz de se reconhecer como
indivíduo racional para superar a condição que se encontra.
Ao longo da pesquisa dissertativa foram analisadas as obras: Fenomenologia
do Espírito (2014) e Filosofia da História (1995) de Hegel, com incursões em outras
12
obras, assim como em alguns comentadores, porém centralizando esforços nessas
obras citadas acima, pois foram consideradas como centrais para a relevância das
discussões que cercam o problema dessa pesquisa.
O movimento é o ponto de partida para a reflexão – a partir de Hegel - em
questão, ou seja, tudo pode ser entendido como um processo existencial/racional,
sendo assim, histórico. Em sua Fenomenologia do Espírito, usando a analogia,
Hegel expressa através do movimento natural à noção de progresso na perspectiva
do movimento e da negação. Ou seja, a negação é parte integrante da coisa em
movimento. A ideia da coisa em si é resultado da sua negação e, essa se torna outra
ideia que a partir da própria negação deixa de ser passada e se torna o presente e,
a partir da negação do presente se tornará futuramente outra coisa a partir da
mesma essência. A própria natureza resulta de ações potenciais presentes nela
mesma, para atingir a sua determinante condição.
Esse esforço natural é condicionado pela força existente na mesma, através
da potência presente em si para tornar-se outra coisa a partir da negação da
anterior. Ao passo que esta negação pode ser entendida também como contradição
dela mesma para posterior conformação daquilo que lhe é pré-disposta. Ou dito de
outra forma, a árvore apenas será ela mesma a partir do momento em que negar-se
a ser semente. No entanto, nas sociedades humanas a determinidade parece
condição primeira presente na sua natureza.
Observando a história da região do Planalto Norte Catarinense com suas
negações e afirmações, vê-se a necessidade de desenvolvimento nas diversas
dimensões sociais, ou seja, coletivas, mas também na dimensão particular ou
individual de progresso da própria consciência. A partir do reconhecimento disto, se
torna necessário a negação que já se encontra no interior da condição para uma
posterior superação da atual conjuntura.
Dito de outra forma, analisar as circunstâncias atuais a partir do processo de
reconhecimento, significa conceituar a ideia de desenvolvimento, para posterior
possibilidade de reconhecimento e consequentemente superação. Sem a primeira
as dificuldades se sobrepõem à segunda. Para a efetivação do processo de
desenvolvimento, talvez se possa afirmar a partir de Hegel, que o Estado deve
assumir papel preponderante, pois nele se objetiva a razão que é a condição para o
reconhecimento e para a superação.
13
Essa dimensão política do desenvolvimento presente na ação da razão em
busca da liberdade efetuada no Estado conforma a subjetividade dos indivíduos a
partir da realidade objetiva que o próprio Estado o é, pois a individualidade se opõe
ao Estado2, dito que este resulta da conjunção de individualidades afins. Ou ainda,
uma nação Estado, com pretensões civilizatórias, deve possuir na sua essência a
razão de ser que constitui a sua história e é conformada por ela a partir da razão na
busca pela liberdade. A relação de oposição entre Estado e indivíduos vai contra a
noção antiga de liberdade numa visão idealista de cidade, no qual Hegel se inspira
para formular seu sistema filosófico.
Analisar os fundamentos filosóficos do desenvolvimento a partir de Hegel
auxiliará no amadurecimento conceitual para as discussões posteriores, assim
como, entender os fundamentos desta discussão, possibilitará aprofundar questões
terminológicas vacantes nos discursos estabelecidos, até o momento, sem a
rigorosidade e o aprofundamento conceitual requerido.
A filosofia possui papel fundamental e fundante na conformação da civilização
ocidental. O processo civilizatório do ocidente, iniciado pelos gregos antigos,
perpassando a medievalidade em seus fundamentos judaico-cristãos e culminando
na modernidade com Hegel, pode ser analisado do ponto de vista da filosofia, pois
essa esteve presente em toda a história e, a história sendo determinada pela razão,
que pode ser entendida como a ferramenta filosófica utilizada para a realização e
conformação do processo histórico ocidental.
2
Nesse trabalho não se aprofundará a ideia de Estado em Hegel, por se considerar trabalho
periférico às questões levantadas, mesmo considerando que esta é uma questão em que Hegel
trabalha com rigor. Segundo Hippolite “o ideal da juventude de Hegel era precisamente a fusão dos
dois mundos na religião de um povo que era a consciência de seu espírito original, a liberdade
objetiva do cidadão que encontrava sua vontade absolutamente realizada em seu Estado”.
(HIPPOLITE 1968, p. 93). Nesse sentido, o Estado se apresenta como resultado da vontade de um
povo, ou seja, acima do indivíduo. Portanto, a realização da vontade individual, que, segundo Hegel,
tem sua origem no século XVI mas suas raízes na conformação da ideia de consciência cristã, que
necessita estar de acordo com a vontade coletiva, e isso, é resultado da realização do espírito
absoluto. A identidade da vontade particular e da vontade geral, do indivíduo e do Estado, não pôde
assim estabelecer-se imediatamente, como no mundo antigo, mas uma mediação se torna
necessária; permanece a verdade de que a liberdade é para o indivíduo o elevar-se à vontade geral,
participar da organização objetiva que o ultrapassa; para Hegel o Estado nada tem de artificial, ele é
a razão na terra, mas essa elevação, essa liberação não é mais imediata, há um conflito latente ou
manifesto, segundo os casos, e o Estado moderno compreende ao mesmo tempo a oposição do
indivíduo e da vontade geral como sua reconciliação.(HIPPÓLITE, 1968, p. 94). Assim, o Estado é
resultado da ação coletiva em nome da coletividade, ou seja, é a expressão máxima da realização do
espírito de um povo e, isto não é religioso nem artificial, mas extremamente racional. Por isso, a
vontade individual não é a que prevalece, mas o espírito de um povo que trilha uma única direção,
possui um norte comum e uma visão de mundo adquirida historicamente, capaz de o unificar apesar
das suas diferenças.
14
Aos interessados nas discussões deste trabalho dissertativo, e que se
propõem a pensar filosoficamente noções de desenvolvimento, este texto permitirá
dar bases ao desenvolvimento regional numa perspectiva conceitual sólida
superando as objetivações possibilitando cientificidade e segurança, superando a
instrumentalização dos discursos, a incompreensão, as ineficiências, e isso, sem a
pretensão de verdade absoluta, mas com o intuito de superar as adjetivações a
partir da razão que se encarna na história.
15
2 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA, O CONCEITO E O DESENVOLVIMENTO
A Filosofia possui uma história, assim como se pode analisar filosoficamente
a história. Hegel3 elabora uma Filosofia da História, apontando a trajetória da
humanidade4 como sendo guiada pela razão. Observa desde o oriente ao ocidente
as particularidades dos povos e o processo5 de evolução do espírito, assim como
analisa a história apresentando-a como sendo conduzida pela razão, ou seja,
apresentando a razão como fio condutor da história.
O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o
conceito simples de Razão, que é lei do mundo e, portanto, na história do
mundo as coisas aconteceram racionalmente. Essa convicção e percepção
é uma pressuposição da história como tal; na própria filosofia a
pressuposição não existe. A filosofia demonstrou através de sua reflexão
especulativa que a Razão – esta palavra poderá ser aceita aqui sem maior
exame da sua relação com Deus – é ao mesmo tempo substância e poder
infinito, que ela é em si o material infinito de toda vida natural e espiritual e
também é a forma infinita, a realização de si como conteúdo. Ela é
substância, ou seja, é através dela e nela que toda a realidade o seu ser e a
sua subsistência. Ela é poder infinito, pois a Razão não é tão impotente
para produzir apenas o ideal, a intenção, permanecendo em uma existência
fora da realidade – sabe-se lá onde – como algo característico na cabeça de
umas poucas pessoas. (HEGEL, 2001, p. 53).
Para Hegel, a história é resultado de acontecimentos permeados pela razão,
sendo ela quem se realiza como conteúdo na realidade. Esse termo – a história –
remete a uma ambiguidade: Por um lado, se apresenta através de conhecimentos
próprios na forma de uma disciplina ou campo de conhecimento científico afirmado
3
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, no mês de agosto do ano 1770. Em 1788
ingressou no seminário de teologia protestante em Tübingen. Em 1790, Hegel recebeu o título de
magister philosophiae e, renunciou ser pastor. Entre os anos 1793 e 1796 residiu em Berna e até
1800 em Frankfurt atuando como preceptor. Em 1799, com a morte de seu pai, Hegel recebe uma
pequena herança. Mudou-se para Jena onde tornou-se livre docente na Universidade de Jena com a
tese: “Sobre a Órbita dos Planetas”. Quatro anos depois é nomeado “professor extraordinário” da
universidade de Jena, sob a recomendação de Goethe (1749 - 1832). Em 1807 publica sua primeira
grande obra: “Fenomenologia do Espírito”. Em 1808, tornou-se professor no Liceu de Nuremberg e
em 1812 – nesta universidade – publicou a primeira parte da obra: “Ciência da Lógica” e em 1816 a
segunda parte. Nessa mesma data é nomeado professor titular de uma cadeira de filosofia na
universidade de Heidelberg. Em 1817 publica a primeira edição da “Enciclopédia das Ciências
Filosóficas”. Em 1818, Hegel atinge o ápice de sua carreira universitária, sendo indicado para uma
cadeira de Filosofia da Universidade de Berlim. Em 1821 Hegel publicou: “Os Princípios da Filosofia
do Direito”. Em 1829 Hegel foi eleito reitor da universidade de Berlim. Em 11 de novembro de 1831
morreu vitimado de cólera.
4
Para Hegel, a humanidade é resultado de um processo racional que perpassa a história. Da razão
em busca da liberdade realizada no Estado. Este processo é resultado da ação de reconhecimento
de si e do outro em-si na conformação do espírito.
5
Termo caro em Hegel. Apresenta-se como movimento lógico e, portanto, racional a partir de análise
de fatos e fenômenos comprovados. Isso com pretensão de comprovação.
16
em fins do século XVIII e XIX, que informa, analisa e interpreta os fatos, com intuito
de apontar o fio condutor, a racionalidade como pressuposto nos acontecimentos.
Nessa direção, a análise historiográfica assume tendências de análise sejam elas
positivistas, marxistas, arqueológicas, genealógicas, de análise dos discursos, dos
fatos da vida cotidiana, entre outras possibilidades. Para a filosofia, a ideia de
mundo histórico assume condição relevante, pois leva a entender a história como
criação da razão humana. A partir da totalidade destes acontecimentos, se tem a
manifestação cultural e, a consequência dos acontecimentos históricos justifica uma
filosofia da história, na perspectiva de Hegel, na busca pela compreensão da
totalidade e do pensamento da coisa em geral:
O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida
substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios
e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para
chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou
refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas
determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada a um juízo sério a
seu respeito. (HEGEL, 2014, p. 25)
A partir da compreensão da história como necessidade ou plano providencial
da história, na perspectiva hegeliana, talvez se possa afirmar que o momento do
acontecimento dos fatos se torna incompreensível, já que estes não poderiam se
apresentar de forma diferente. Ao observar a realidade, percebe-se que a
incompreensibilidade do tempo presente tem relação com os limites do espírito
subjetivo; com os indivíduos que são filhos do tempo em curso; do tempo em que os
acontecimentos ocorrem em sua multiplicidade de manifestações.
Neste sentido, a compreensão filosófica do tempo presente retratada pela
analogia6 da ave de minerva que alça voo ao entardecer, ou seja, apenas após o fim
da batalha, do clamor das massas na praça do mercado, do tumulto das ruas, é que
talvez se possa alcançar a razão da história, o que de fato ocorreu. Nesse caso, os
acontecimentos históricos são fatos necessários para o desenvolvimento e
conformação de uma civilização e estes podem ser entendidos como resultantes da
ação da razão no mundo real, portanto, racional. Para o filósofo, a razão é “forma
infinita”:
6
Realidades distintas, mas com significados comparáveis, análogos, ou seja, plausível de
proporcionalidade discursiva.
17
E ela é forma infinita, pois apenas em sua imagem e por ordem sua os
fenômenos surgem e começam a viver. É a sua própria base de existência e
meta final absoluta e realiza esta meta a partir da potencialidade para a
realidade, da fonte interior para a aparência exterior, não apenas no
universal natural, mas também no espiritual, na história do mundo. Que esta
Ideia ou Razão seja o Verdadeiro Poder Eterno e Absoluto e que apenas ela
e nada mais, sua glória e majestade, manifeste-se no mundo – como já
dissemos, isto já foi provado em Filosofia e aqui está sendo pressuposto e
demonstrado. (HEGEL 2001, p. 53 – 54)
Esse processo de realização da razão na história será aprofundado no
segundo capítulo desse texto dissertativo a partir, sobretudo, das obras
“Fenomenologia do Espírito” (2014) e da “Filosofia da História” (1995). A concepção
de história a partir de um plano providencial encontra justificativa no plano religioso,
sobretudo a partir do cristianismo. Para a religião, o caminho da história é
incompreensível,
porém
sempre
se
justifica
posteriormente
a
partir
de
especificidades designadas pela divindade. Para Hegel, a religião tem “o mesmo
objeto que a arte e a filosofia” (GARAUDY, 1983, p. 181), pois os povos depositaram
na religiosidade a sua visão de mundo e de suas divindades, conformando-a e
expressando-a como exterioridade na arte.
Na perspectiva hegeliana, a história da consciência acompanha o percurso do
amadurecimento do mundo, encarnada na cultura em direção à plenitude. Sendo
assim, a religião se apresenta como uma manifestação cultural da consciência
absoluta, no entanto, apenas no sentido representativo, pois o sentido conceitual é
campo da filosofia.
A história da arte e a história da religião, são, em Hegel, não somente
paralelas, mas estreitamente enredadas. A arte simbólica tinha por tarefa,
assim como a “religião natural”, “ver o infinito no finito”. A desmesura era a
técnica ainda primitiva a permitir exprimi-lo. A lei de desenvolvimento das
religiões da natureza é a mesma da arte simbólica: a infinidade do divino
exprime-se cada vez menos pelo simbolismo das forças da natureza e cada
vez mais pela interioridade subjetiva, propriamente humana, de deuses
cívicos, de que a potência não é mais semelhante à das forças naturais,
mas às forças sociais do homem e de suas instituições. O símbolo recua: há
uma separação entre o poder dos homens e o poder dos elementos, entre
os deuses não podiam se estabelecer senão analogias mais ou menos
ingênuas, em que o signo não era igual à significação. Na nova etapa, há
adequação entre o que o homem quer e o que ele realiza. (GARAUDY,
1983, p. 182).
Hegel elabora sua filosofia da história a partir da observação dos
pressupostos constitutivos da religiosidade de diferentes povos. Nesse sentido, o
filósofo busca distinguir as diferentes etapas fenomenológicas da religião: a primeira
18
possui caráter natural com elementos animalescos e/ou pertencentes ao mundo da
natureza. Noutra perspectiva se apresenta a religiosidade grega, que se caracteriza
pela capacidade de atribuir às divindades qualidades antropomórficas. Numa
terceira perspectiva se apresenta o dogmatismo cristão, com traços do Espírito
Absoluto que se encarna e se justifica pela dialética.
O que interessa ao nosso pensador é descobrir o espírito de uma religião,
ou o espírito de um povo, é forjar conceitos novos aptos para traduzir a vida
histórica do homem, sua existência em um povo ou em uma história. Sobre
este ponto, é incomparável e os trabalhos de juventude nos mostram o
esforço direto e ainda ingênuo para pensar a vida humana. (HIPPOLITE,
1971, p. 05)
No ponto de vista do estudioso e comentador da obra de Hegel Jean
Hippolite, o filósofo analisa a partir da religiosidade a formação do espírito de um
povo, assim como a conformação deste espírito que ocorre na história. Para Hegel,
a mitologia grega representa a dimensão juvenil do espírito, através da articulação
entre o universal e o particular. O processo de encarnação do espírito nos homens
se dá a partir da religião, da cultura e da arte, na objetivação dos deuses em forma
humana, resultando de forma espontânea no nascimento do entendimento, da
razão, do conceito e da filosofia.
Para o intérprete de Hegel Garaudy:
A imaginação Grega não povoou a natureza de deuses. O espírito afirma
seu triunfo sobre a natureza. A verdadeira força não é natural mas política.
Zeus, deus das leis e do poder, alcançou a vitória sobre os Titãs, forças da
terra, do mar e do céu. Certamente, nas artes, estes deuses serão
representados sob uma forma sensível, mas esta obra de arte é o produto
da mão de homens e estes deuses espirituais têm o rosto e o corpo de
homens. Esta religião exprime a relação no homem do finito e do infinito sob
a forma da beleza. (GARAUDY, 1983, p. 183)
Sob tais pressupostos, a base religiosa de uma civilização conforma a
subjetividade de um povo que, posteriormente é exteriorizada pela arte e pela
filosofia. O mundo é a projeção da subjetividade do sujeito. A formação dessa
subjetividade se dá a partir da interiorização pela arte que é resultado da
exteriorização interiorizada de quem a expressa. Isso fez com que os gregos se
projetassem no mundo conformando sua individualidade e autonomia a partir da sua
religiosidade.
19
Portanto, convém considerar que a religiosidade é condição basilar na
conformação do espirito de um povo, pela e na formação da subjetividade dos
indivíduos que a expressam a partir da arte envolvendo outros espectadores no
processo de interiorização, que é postergada para a história a partir de uma
linguagem análoga. A filosofia deve superar essa analogia em busca da verdade a
partir do conhecimento racional.
O Espírito Absoluto se apresenta aqui na forma do conhecimento racional.
Nesse sentido, a razão imanentizada pela história se justifica, possibilitando ao
filósofo reconstruir a trajetória civilizatória logicamente construída na busca pela
liberdade. Nessa perspectiva, a liberdade se apresenta como a plena justificação
racional de todas as etapas cumpridas pelo Espírito e que resulta, ou se materializa
no Estado, nas leis e suas instituições. Esse estado é baseado na religiosidade que
conforma o Espírito do povo.
Neste aspecto, a religião está na associação mais próxima com o princípio
do Estado. A liberdade só pode existir onde a individualidade é reconhecida
como positiva no Ser divino. Existe ainda, mais uma associação entre a
religião e o Estado: A existência secular é temporal se movimenta dentro do
âmbito do interesse privado, sendo assim relativa e injustificada. Sua
justificação só poderá vir da justificação absoluta de sua alma universal, que
é seu princípio – este só é justificado como determinação e existência da
essência de Deus. Por essa razão o Estado se baseia na religião. (HEGEL,
2001, p. 101).
A realidade se apresenta como real e racional em Hegel. O presente é fruto
da história que é resultado da imanentização da razão que acontece como processo.
A história é movimento e, a realidade se justifica a partir da dialética histórica sendo
que essa é constituída de negações e contradições. Ou seja, o Espírito que se
manifesta na humanidade nega a realidade em curso buscando realização, ao passo
que, se constitui a etapa seguinte como superação da realidade anterior
estabelecendo o novo.
O real que se manifesta na razão, ou seja, que também é racional assume-se
como condição histórica na conformação da mesma. Ou dito de outra forma, o que
se perpetua na história a partir do reconhecimento para a superação, se apresenta
como racional e real. Ainda, o que conduz a história é o racional real. Sob tais
pressupostos, cabe à ciência filosófica abranger essa realidade que ao mesmo
tempo é racional e se encarna na história.
20
2.1 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA
A filosofia nasceu na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. Talvez se
possa afirmar que essa ciência se apresenta desde seu inicio como capacidade
racional de buscar compreender a totalidade, assim como o momento histórico, as
circunstâncias sociais, políticas, e religiosas que os gregos estavam inseridos. Esses
pressupostos possibilitaram o surgimento da filosofia7. Ou seja, tais circunstâncias
históricas e religiosas levaram este povo a tomar consciência de si e pensar a si e
por si mesmos. Isso se manifesta na cultura – sobretudo na religião, na arte e na
filosofia - do povo Grego. Para Hegel, a Filosofia possui na sua essência a busca
pela verdade absoluta, pela totalidade, ou seja, supera a religiosidade e a arte.
Para Hegel, a Filosofia, como a religião, nasce do dilaceramento do mundo
e, como ela, sua missão é ultrapassar este dilaceramento. Ele naturalmente
compara a sua época com aquela que nasceu o cristianismo e atribui-se
uma tarefa semelhante àquela que a religião cristã cumpriu. O que
caracteriza uma tal época é ao mesmo tempo uma “ruptura no mundo real”
e, o que é a consequência, o desdobramento do homem, a “ruptura entre a
existência interior e a existência exterior”, o espírito não se sentindo mais
satisfeito pelo presente imediato. (GARAUDY, 1983, p. 193).
Para o filósofo, a não suficiência daquilo que se apresenta na imediatez das
circunstâncias possibilita a abertura à transcendência. Ou seja, o indivíduo se abre
para uma realidade exterior capaz de abarcar além daquilo que se lhe apresenta,
rompendo a imediatez. A íntima relação da filosofia e do filósofo com seu tempo
pressupõem a partir da ciência filosófica a construção da visão de mundo, ou seja, a
superação das rupturas presentes na história.
A história se constitui a partir de possibilidades de ruptura e ao mesmo tempo
de continuidade e a filosofia da história tem como objeto – entre outros –
compreender tal processo. Todavia, é importante salientar, que a história da filosofia
se inicia no século VI a.C. e abarca a história do ocidente e pode ser analisada na
perspectiva do desenvolvimento processual da própria ciência como razão
encarnada na história.
As reflexões presentes nesse período da história é resultado desse processo
reflexivo da Grécia Antiga e, como ver-se-á na sequência, é conformada a partir de
7
É discutível a localização do surgimento da filosofia. Há correntes filosóficas que defendem outras
formas de se pensar o surgimento desta ciência. Neste trabalho dissertativo será utilizada a tradição
filosófica que defende que a filosofia surge na Grécia antiga a partir dos pressupostos estabelecidos
no texto.
21
continuidades, mas também de rupturas, porém como processo ascendente,
progressivo, racional, lógico e dialético. Os Gregos antigos sofreram influências de
outros povos do Oriente Médio.
Sem dúvida, os gregos sofreram a influência de outros povos. Todo povo
desenvolve certas ideias sobre a vida e o mundo, descobre certas
concepções sobre a alma, sobre a origem do mundo a partir do caos, sob a
forma de mitos, estão presentes nas mais antigas religiões. Povos mais
adiantados, como o do Egito e de outros países do Oriente Médio,
chegaram até mesmo a desenvolver uma matemática, uma astronomia,
uma medicina. Que o contato com todos estes povos não poderia deixar os
gregos imunes, é obvio. Muitos dos temas que vão ocupar os filósofos
gregos estão longe de poderem ser considerados originais. Mas a despeito
disto, pode-se dizer que os gregos constituem uma exceção e que nos
legaram uma cultura altamente original. (BORNHEIM, 1998, p. 08).
O diferencial da cultura grega perpetuada na história ocidental está na
capacidade de não permanecer no mito, na religiosidade, mas de assumir uma
postura diferenciada dos outros povos, a da razão que indaga e possibilita a
passagem da religiosidade para o filosófico. Apreciar-se-á nas páginas seguintes
uma rápida apresentação da história da filosofia que se apresenta como processo
histórico contínuo e racional iniciada pelos gregos antigos.
A primeira corrente filosófica é composta pelos denominados filósofos PréSocráticos. Como o próprio nome sugere, os primeiros pensadores são
apresentados num período antes de Sócrates e buscavam entender a origem do
cosmos. Estes filósofos também são conhecidos como Filósofos da physis8 pois
buscavam em suas reflexões e observações da natureza o princípio, a origem
(arché), ou seja, o elemento primordial ainda conservado em todas as coisas.
Conhecido como sendo o primeiro filósofo do ocidente, Tales de Mileto (624 –
562 a. C) afirmava que o elemento primordial era a água, pois isso pode ser
concluído a partir das aparências sensíveis; “aquilo que é quente necessita de
umidade para viver e o que é morto seca, todos os germes são úmidos, todo
alimento é cheio de suco” (BORNHEIM, 1998 p. 23).
Esse pensador também se destaca em outras áreas como: Matemática,
engenharia e astronomia. O filósofo observou que todas as coisas possuíam água,
8
Para os filósofos Pré-Socráticos, “a physis compreende a totalidade daquilo que é; além dela nada
há que possa merecer a investigação humana. Por isso, pensar o todo do real a partir da physis não
implica em “naturalizar” todos os entes ou restringir-se a este ou aquele ente natural. Pensar o todo
do real a partir da physis é pensar a partir daquilo que determina a realidade e a totalidade do ente”.
(BORNHEIM, 1998, p. 14)
22
em maior ou menor grau. Nesse mesmo sentido, água é vida, tudo que não possui
água, não possui vida. Pertencente à escola Jônica de pensamento, assim como
Anaximandro e Anaxímenes (Século IV antes de Cristo), são considerados os
primeiros filósofos.
Nessa mesma busca do elemento primordial se apresentam, outros filósofos
como Anaximandro (610 – 547 a.C.) que sugere o ápeirom: uma espécie de
elemento infinito e indeterminado que proporciona a existência da matéria finita e
determinada.
O seu fragmento refere-se a uma unidade primordial, da qual nascem todas
as coisas e à qual se retornam todas as coisas. Anaximandro recusa-se a
ver a origem do real em um elemento particular, todas as coisas são
limitadas e o limitado não pode ser, sem injustiça, a origem das coisas deve
haver, por isto, um princípio que lhe seja anterior e que permita
compreender tudo o que seja limitado. Do ilimitado surgem inúmeros
mundos, e estabelece-se a multiplicidade, a gênese das coisas a partir do
ilimitado é explicado através da separação dos contrários (como quente e
frio, seco e úmido) em consequência do movimento eterno, o que está
separado volta a integrar-se à unidade primordial, restabelecendo-se a
justiça. (BORNHEIM, 1998, p. 24).
Esse pensador caracteriza-se pela complexidade de suas reflexões.
Importante destacar o conflito dos contrários que produzem a existência como se
apresenta. Outro filósofo Pré-Socrático relevante na história da filosofia antiga é
Heráclito de Éfeso (535 – 475 a. C), também conhecido como o pai da dialética,
desenvolveu reflexões que indicam o fogo como sendo o elemento natural e
primordial que daria origem a todas as coisas.
Para o filósofo, o fogo representa a transformação na qual todos os seres
estão submetidos. Partindo do princípio de que tudo flui e tudo se transforma, o
pensador se destaca por formular reflexões em torno da pluralidade e mutabilidade
dos seres que estão em constante movimento. Esse movimento contínuo é
representado por Heráclito de forma metafórica, através da impossibilidade de
banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois tudo está em contínuo movimento.
Como oposição ao pensamento de Heráclito se tem as ideias de Parmênides
de Eléia (530 – 460 a.C.). Este filósofo é conhecido como o Pré-Socrático que mais
influenciou Platão. Seu pensamento destaca a existência do ser como produto
imutável e eterno da mente, como contrário do ser, o não-ser, se apresenta como as
falsas percepções dos sentidos. Talvez se possa afirmar que é este pensador que
inicia as discussões em torno da metafísica como busca pela verdade do ser. A
23
convergência de pensamento entre Heráclito e Parmênides, está no uso da razão na
conformação de suas teorias filosófica.
Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C) também merece reconhecimento como
um dos mais importantes pensadores dentre os pré-socráticos. Se opondo
teoricamente a Heráclito e Parmênides, no entanto, em consonância com a forma de
fazer filosofia e ao uso da razão para observação da realidade, desenvolveu a teoria
dos átomos como sendo a arché. Ou dito de outra forma, sendo os átomos
indivisíveis, infinitos, eternos e presentes em todos os elementos da natureza, os
átomos se agrupam das mais diferentes maneiras para formar os corpos. Constatase a conotação materialista da teoria de Demócrito que ainda na contemporaneidade
é reconhecida.
Sob tais perspectivas, vale destacar que os Pré-Socráticos tinham como
objeto de estudo o cosmos e os elementos da physis. Buscavam explicações
racionais e, por isso, diferenciam-se das explicações oferecidas pelos mitos. Além
de representarem as primeiras explicações advindas de um certo uso da razão
conhecidas no ocidente, contribuíram para a formulação de pensamentos
posteriores. Nesse sentido, representam a origem dos debates que permanecem no
ocidente até a contemporaneidade.
Conhecido como o período clássico da Filosofia, o século V e VI a.C. se
destaca com avanços na arte, cultura e conhecimento, em Atenas. Esse período deu
origem ao movimento filosófico dos “Sofistas”. Entre eles, Protágoras, Giorgias e
Hermógenes se tornaram grandes conhecedores da retórica e sustentavam o
relativismo, teoria que também permanece até os tempos hodiernos. Nesse período,
a democracia, na sua forma grega antiga que se diferencia da contemporânea em
vários aspectos, estava em curso em Atenas.
Nesse aspecto político, os sofistas tinham como profissão ensinar o uso da
retórica e da oratória aos cidadãos. A célebre afirmação de Protágoras, “o homem é
a medida de todas as coisas”, contribui para a constituição da atribuição ao homem
da centralidade da busca pela verdade. Por isso, para estes pensadores, a verdade
não estaria na natureza, como diriam os Pré-Socráticos, mas no homem, sendo que
aquele que melhor dispusesse da retórica seria capaz de demonstrá-la.
Os sofistas desencadearam o debate em torno do que pode ser considerado
como verdade. No entanto, o fato de cobrarem pelos seus ensinamentos, tornou os
sofistas filósofos menosprezados e alvo de críticas. Certamente o que também
24
contribuiu para a imagem negativa dos sofistas, foram os ataques feitos por
Sócrates (469 – 399 a. C) e Platão (427 – 447 a. C.).
A partir de um método próprio, motivado pelos afazeres de sua mãe
Phaenarete, conhecido como Maiêutica ou arte da parteira, Sócrates se
autodenominou parteiro de almas. Se utilizando da ironia, o pensador caminhava
pelas ruas de Atenas fazendo os cidadãos gregos pensar a partir de provocações
em forma de perguntas, promovendo o diálogo. Para o filósofo, a verdadeira
sabedoria era saber que nada se sabe, pois o ato de pensar saber era condição
para a ignorância, a não ser assumir através do pensamento que nada sabe.
A visão de mundo perscrutada na antiga Grécia e atribuído a Sócrates
permaneceu na história e foi cristianizada pelos Santos Padres da Igreja.
Certamente o centro de seus questionamentos era a natureza da alma humana, não
ainda no sentido cristão. Formulou profundas críticas à pólis grega, à inteligência e a
oratória. Por um lado despertou ódio por parte da aristocracia da época, e por outro,
muitos jovens seguidores. Sócrates nada escreveu, suas reflexões são escritas por
Platão.
Com profundas críticas à democracia, Platão escreveu a sombra de seu
mestre Sócrates que possivelmente, segundo a bibliografia postergada no tempo e
na história, já estava morto. Para o filósofo a democracia grega foi à responsável
pela morte de Sócrates – isto descrito na obra platônica intitulada: “Apologia a
Sócrates”, onde o filósofo descreve o julgamento e morte de Sócrates por dois
supostos crimes: o de ter dito que os deuses não existem e acusado de corrupção
dos jovens.
Platão cria a Academia como espaço de formação do Filósofo- Rei, que
deveria governar a cidade idealizada na obra: “A República”. Apesar da tentativa em
Siracusa de colocar em prática sua teoria política não obteve êxito, no entanto, sua
visão de mundo, sobretudo das teorias políticas, permanecem no ideário político
ocidental. Na relação entre idealismo e dualismo, a teoria das formas de Platão
sugere a existência do Mundo das Ideias como oposição ao mundo sensível.
Para ele a Filosofia e a Matemática seriam capazes de elevar a alma humana
para o verdadeiro conhecimento, válido e imutável. Nessa mesma condição, todo o
conhecimento seria inato, pois a alma advinda do mundo das ideias já traz em sua
essência o conhecimento que só atingirá a plenitude no pós-morte. Importante
25
considerar o fato de que o corpo se apresenta como sendo o cárcere da alma, sendo
que as paixões são obstáculos para o acesso ao conhecimento verdadeiro.
Nessa perspectiva, o pensamento platônico deve ser analisado na ótica da
sua relevância na fundamentação da doutrina cristã. Aqui se deve levar em
consideração principalmente o moralismo ocidental que se projeta posteriormente
nas diversas dimensões sociais. Outros conceitos cunhados por Platão que
permanecem até a contemporaneidade são: Bem, alma, beleza, dentre outros
possíveis que se apresentam como condutores da metafísica ocidental.
Outro filósofo antigo que influenciou na história da filosofia foi Aristóteles (384
– 322 a.C.). Discípulo de Platão e mestre de Alexandre Magno, Aristóteles ainda é
referência para estudos em torno da Política, da Lógica, da Biologia e da Metafísica.
Afastando-se de certa forma dos ensinamentos de seu mestre, o filósofo defende o
princípio de que os sentidos podem observar a essência das coisas. Dessa maneira,
seu pensamento irá se constituir como um sistema filosófico apresentando
categorias pelas quais a razão humana pode conhecer a realidade.
No campo da Política, Aristóteles observa que o homem é um animal político9
e, isso o diferencia dos outros animais que, de uma forma geral possuem voz, sendo
que essa se caracteriza pela expressão de dor ou prazer. Já os humanos,
detentores da fala, são capazes de expressar e fazer política. Portanto, a pólis é o
lócus por excelência da política, sendo esse, o único lugar onde o homem pode
cumprir sua finalidade: o de ser cidadão.
Com a morte de Aristóteles e a difusão da cultura grega por meio das
expedições de Alexandre Magno, o movimento denominado Helenismo se tornou a
porta de entrada para a fusão cultural do pensamento grego com o mundo
mediterrâneo, euroasiático e oriental. Devido ao momento político e econômico do
período em questão, o problema filosófico que permeia as discussões é a busca da
vida feliz.
No centro das discussões, os Estoicos encontraram no uso da razão a
possibilidade da atarixia (condição da imperturbabilidade). Essa doutrina filosófica se
caracteriza pela busca da vida ética, assim como pela eliminação das paixões,
sendo que a aceitação dos problemas se torna virtude para o verdadeiro sábio. Por
9
Esta definição aristotélica representa uma tradição filosófica que influenciará a filosofia política no
decorrer da história.
26
outro lado, o epicurismo encontrou na filosofia o remédio para as principais
patologias do espírito (medo dos deuses, da dor e da morte).
Epicuro de Samos criou o Képos (jardim dos filósofos), longe dos problemas
e barulhos da cidade. Nesse jardim, promovia ensinamentos para pessoas
atormentadas por seus problemas. Para o filósofo, a filosofia promove o verdadeiro
“calculo do prazer”. Tendo em vista que todos buscavam a felicidade (hedonismo), a
vida feliz seria o prazer moderado para evitar problemas futuros.
Nessa mesma perspectiva, os céticos partem do princípio de que o espírito
humano não pode encontrar nenhuma certeza. Para tanto, resta à dúvida (epoché)
como procedimento racional do indivíduo cético, negando radicalmente qualquer
verdade. Essa corrente filosófica foi criada por Pirro (318 – 272 a. C.) que
apresentou oposição ao dogmatismo e ao estoicismo. De um modo geral, o
ceticismo nega profundamente qualquer tese tomada como verdadeira, levando em
consideração o caráter relativo de opiniões, a impossibilidade de sustentar uma tese
pela necessidade de uma regressão infinita de premissas, o relativismo das
percepções, a aceitação de verdades por convenção e por fim, a impossibilidade de
relacionar a capacidade de demonstração com a validade da demonstração.
Por fim, a corrente filosófica que ficou conhecida como cinismo, fundada por
Antístenes de Atenas (444 – 365 a. C.). Entendia que a felicidade é o completo
desprezo pela riqueza, comodidade, pudor e convenções sociais. O principal
expoente dessa corrente filosófica se chamava Diógenes, que vivia a vida da
maneira mais natural possível.
Sob os pressupostos históricos e sociais presentes no Helenismo, é comum
relacioná-lo com os ensinamentos de Jesus Cristo. Dentre as razões dessas
aproximações teóricas e conceituais, destaca-se o fato D’Ele mesmo nada escrever,
viver com discípulos e de ensinar o desapego aos bens materiais. Em sentido
estrito, é possível observar que seus ensinamentos aconselhavam a busca pela
tranquilidade e paz de espírito que, como consequência, corresponde à busca da
vida feliz.
Os ensinamentos cristãos na busca pela vida feliz adentram ao mundo
ocidental com maior força e eficácia a partir da promulgação do Edito de Milão no
ano de 313 da era cristã. Isso tornou o cristianismo a religião Oficial do Império
Romano, possibilitando fazer parte das organizações políticas, além da religiosa que
até esta promulgação era perseguida. Sob a benção do imperador de Roma, a Igreja
27
torna-se Romana e assume papel importante na conformação do pensamento
ocidental,
sobretudo
na
definição
de
conceitos
teológico/filosóficos
que
permaneceram para a posteridade na história, nos conceitos, nas percepções, no
pensamento e até na forma de instituições ocidentais.
A tradição judaico-cristã se fundamenta a partir da doutrina do Deus único.
Nesse sentido, se tornou necessário o enfrentamento ao paganismo e às heresias
que surgiram no início do processo de institucionalização do cristianismo em
contradição
aos
ensinamentos
que
predominaram
as
interpretações
dos
ensinamentos apostólicos. As doutrinas de combate foram fundamentadas no
pensamento grego, sobretudo Platão e Aristóteles. O primeiro foi analisado com
maior profundidade por Santo Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.), já o segundo
por Santo Tomás de Aquino (1225 - 1274).
O movimento filosófico que conformou a doutrina do pensamento cristão é
conhecido como Patrística. Teve como principal expoente Agostinho de Hipona. Este
movimento filosófico cristão é o responsável pela fundamentação filosófica do
cristianismo. Ou seja, no início, o movimento cristão não possuía consolidação
doutrinária de forma lógica e conceitual e a patrística possibilitou a sistematização
lógica obtida pela razão. Esse esforço dos Santos Padres da Igreja se
institucionalizou e perpetuou a doutrina cristã na história.
Como um dos principais teólogos do pensamento cristão, Santo Agostinho de
Hipona contribuiu significativamente com reflexões em torno de questões como bem
e mal, livre-arbítrio, a trindade e a questão do Tempo. Tais problemas filosóficos
desenvolvidos por esse pensador conformam em determinada perspectiva a visão
de mundo da acidentalidade. Ou seja, constitui parte integrante da forma de pensar
a realidade até a contemporaneidade.
Hegel sistematiza sua filosofia sob a ótica do tempo de Agostinho elaborado
na obra: “Confissões”, onde a partir do Livro XI da citada obra, o autor apresenta a
sua teoria do tempo com relação à eternidade, sendo essa a teoria que configura e
conforma a doutrina cristã na posterioridade. Na referida obra Agostinho escreve:
Esforça-se para saborear as coisas eternas, mas o seu pensamento ainda
volita ao redor das ideias de sucessão dos tempos passados e futuros, e,
por isso, tudo o que excogita é vão. A esse, quem o poderá prender e fixar,
para que para um momento e arrebate um pouco do esplendor da
eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é
incomparável, se a confronta com o tempo, que nunca pára? Compreenderá
28
então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de
muitos movimentos passageiros. Ora, estes não podem alongar-se
simultaneamente.
Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o
tempo nunca é todo presente. Esse tal verá que o passado é impelido pelo
futuro e que o futuro está precedido de um passado, e todo o passado e
futuro são ainda criados e dimanam d’Aquele que sempre é presente. Quem
poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a
eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo ela nem
passado nem futuro? Poderá, porventura, a minha língua conseguir pela
palavra realizar empresa tão grandiosa? (CONFISSÕES 2004, p. 319-320)
Agostinho, um dos principais expoentes da Patrística, trava uma batalha
intelectual na defesa do cristianismo. A relação entre eternidade e tempo
perpassada na sua reflexão teológico/filosófica, determina, até certo ponto, a visão
de mundo, que na modernidade, Hegel assumirá para elaboração e sistematização
da sua Filosofia da História. Esse período agostiniano também é conhecido como
primeira escolástica.
O segundo momento do pensamento judaico-cristão ficou conhecido como
Escolástica. Esse momento histórico filosófico é marcado pelo surgimento das
primeiras universidades. No interior do pensamento cristão, esse período é marcado
pela incorporação do pensamento aristotélico ao cristianismo. Tomás de Aquino
desenvolveu um complexo e profundo estudo relacionando ciência e fé apresentado
na sua monumental obra denominada “Suma Teológica”.
Constata-se a influência de Aristóteles no pensamento de Tomás de Aquino
ao observar que, para o pensador cristão não é possível uma ideia clara de Deus,
pois tudo o que pertence à razão precisa antes passar pelos sentidos. No entanto, o
pensamento tomasiano apresenta cinco vias (motor imóvel, Primeira causa eficiente,
seres necessários e seres possíveis, graus de perfeição e governo supremo) que
buscam demonstrar a existência de Deus. Isso é, as cinco vias da existência de
Deus fundam-se nas teorias aristotélicas.
A visão de mundo presente no pensamento judaico-cristão e pertencente a
este período filosófico teológico sofrerá alterações apenas no Renascimento. Além
de mudanças significativas na arte, na política e na religião, também se destaca a
ciência com caráter técnico e racional. Nesse período há uma crescente aposta na
razão como condutora para o conhecimento. Sobretudo o pensamento cartesiano,
neste período, privilegia a razão como base para o conhecimento humano, tomando
o pensamento como característica que possibilita a tomada de consciência da
29
própria existência, tornando a habilidade do pensamento como critério para o
Método Científico Moderno.
Nessa mesma perspectiva, no século XVII, Francis Bacon (1561 – 1626)
René Descartes (1596-1651) estabelecem critérios para inserção do método
científico, baseado na experiência. Ambos os filósofos são marcos iniciais para a
modernidade, na medida em que estabelecem as linhas do debate moderno de
fundo epistemológico, ontológico e político.
A partir destes pensadores a modernidade colocará em debate teses
empiristas, racionalistas e, também com David Hume (1711-1776) surge o empírico
ceticismo, ou empirismo crítico. Sob tais pressupostos se constitui o século das
luzes que apresenta a razão como forma de atingir o conhecimento. O Iluminismo do
século XVIII apresenta no centro das discussões filosóficas a ciência e a
racionalidade crítica. Como formas de conhecimentos, os critérios racionais se
tornam os únicos válidos e que acabam por interferir radicalmente no modo de vida
da sociedade.
A ciência filosófica se apresenta na modernidade como resultado de um
processo histórico e em construção e, é entendida a partir dos pressupostos da
razão que a conduziu ao longo desse percurso. Não é possível pensar a filosofia
fora da história, mas seu constructo resulta da relação consigo mesma e, com o
meio em que o pensador está inserido. Ou seja, é impensável um filósofo
descontextualizado de seu tempo, ou ainda, o que constitui o pensador em sua
originalidade e intensidade é a sua relação com a realidade que o cerca e sua
capacidade de observá-la, tendo como ponto de partida o passado que constitui e
conforma o presente, assim como, estabelece os parâmetros para a análise da
contemporaneidade à luz dos fenômenos determinados pela história.
Hegel elaborou sua filosofia de forma genial, a ponto de muitos analistas de
suas obras apontarem seu pensamento como o auge da sistematização filosófica.
Em Hegel encontra-se um sistema lógico e, portanto, racional, capaz de abarcar a
totalidade. Ou ainda, a universalidade sistematizada perscrutada por Hegel e seus
contemporâneos e antecessores, pode ser encontrada no autor em questão, dado
sua genialidade e capacidade interpretativa dos fatos e fenômenos históricos.
Hegel é dos pensadores mais importantes da história da humanidade.
Como já dissemos, todo o pensamento anterior conflui nele, e todos os seus
sucessores, em medida diversa, ou derivam dele, ou elaboram suas
30
filosofias em diálogo com o hegelianismo, ainda que fosse para refutá-lo.
Em plena filosofia moderna, depois das “desconstruções” empiristas e
kantianas, quis restabelecer o reinado da razão. Só que a razão que Hegel
propugna é uma razão ampliada, em que cabem todas as obras e criações
do espírito humano na história: artes, religiões, sistemas políticos, cujo
sentido específico Hegel procura discernir. (MENESES, 2006, p. 19).
Sob tais pressupostos, a originalidade, profundidade e perspicácia da
filosofia hegeliana adentra a contemporaneidade como um divisor de águas da
modernidade para a posteridade. A intensidade de suas reflexões influenciaram
fortemente o século XX. Isso possibilitou teorias positivistas consideradas de direita
e também ideias de esquerda, ou seja, o marxismo.
A originalidade de Hegel, que faz sua grandeza, mas que também é fonte
de mal-entendidos, é seu pensamento dialético. Acha que a realidade é tão
fluida como queria Heráclito: um fluxo constante, como o rio, como o fogo. O
pensamento, para captá-la, tem de ser também dialético, lidar com a
contradição e assimilá-la, aderir a seus contornos e a seu movimento. Toda
a filosofia de Hegel é a exposição disso: seu método e seu sistema são
“dialéticos”, e assim, a cada passo, as contradições vêm corroer por dentro
as afirmações obtidas e as elevam a um novo patamarde realidade e de
compreensão, em que são “suprassumidas”, ou seja, ao mesmo tempo
‘negadas’ na sua figura original e ‘conservadas’ na sua essência profunda,
num nível superior”. (MENESES, 2006. p. 20)
Sob tais pressupostos, percebe-se que a filosofia pré-socrática constitui as
bases para a filosofia da história de Hegel, assim como a história como resultado da
ação racional que se conforma a partir de contradições, afirmações e negações.
Assim, “a dialética é o supremo esforço da razão especulativa e é o único método
capaz de obter a compreensão do todo”. (MENESES, 2006, p. 20)
A filosofia tem origem grega, indubitavelmente é a ciência mais antiga,
sistematizada pelos gregos, traz consigo no decorrer da história uma inestimável
bagagem intelectual, analítica, interpretativa e conceitual, que influenciou na
conformação do pensamento do Ocidente através de incursões de pensadores e, de
suas obras nas mais diversas áreas do conhecimento. A filosofia influenciou desde a
religiosidade do período histórico medieval, conformada a partir das escolas gregas
de pensamento, até a sistematização da ciência moderna que possui a mesma
origem. Dito de outra forma, o conhecimento filosófico é condição sine qua nom para
entender o presente e sua conformação na história e pela história.
As diversas visões de mundos e as diferentes formas de compreensão dos
fatos e fenômenos possibilitam diversas explicações com relação ao ser da filosofia.
Ou ainda, a relação da filosofia consigo mesma, possibilita uma gama de saberes
31
que conduzem a caminhos diferentes, mesmo possuindo uma origem filosófica
comum. Nesse sentido, conceituar para a filosofia, se torna importante, pois a
essência do saber filosófico se constitui a partir da segurança das definições e da
rigorosidade conceitual.
A experiência filosófica conduz ao questionamento e à indagação, ou seja,
uma visão filosófica do mundo possibilita ao indivíduo pensar a realidade que o
cerca e buscar respostas a tais questionamentos e indagações que, na maioria das
vezes produzem novas dúvidas. Pensar filosoficamente é não acostumar-se com
respostas definitivas, pois as verdades absolutas são dogmas e tais certezas não se
projetam como processo de construção do mundo e do conhecimento como
progresso, mas, estabiliza, instrumentaliza e adjetiva o processo.
A história se constitui a partir da razão, sobretudo na visão hegeliana de
história e de filosofia. Assim, pensar o desenvolvimento é perscrutar analiticamente
as bases daquilo que o conforma. Para obter sua significação conceitual,
necessariamente deve-se adentrar na história para encontrar ontologicamente como
a razão a constitui a partir da dialética que possibilita consistência filosófica,
aprofundamento de significado e realização conceitual como resultado de um
processo de construção da cientificidade.
2.2 O CONCEITO
A universalidade e a generalidade do conceito expressam sua significância e
importância. O conceito apresenta a essência da coisa em si. Para Hegel, o conceito
é parte estruturante do conhecimento científico, apresentada em três momentos na
sua obra: “Ciência da Lógica”: o fenômeno, a essência e o conceito. Expõe de forma
detalhada a doutrina destes momentos, que são parte integrante da ciência.
Hegel analisa a partir dos fenômenos culminando no conceito. O
conhecimento filosófico parte do mundo concreto e físico para o universal, assim
como da ciência para a filosofia e, esta relação se apresenta na estruturação do
conhecimento filosófico como ciência em si, a partir da conceitualização dos seus
objetos.
Em Hegel a ideia de processo faz parte da história e, isso acontece
também com a conceitualização, ou seja, parte do fenômeno em si que é observado
32
e conhecido pelo observador perpassando a consciência para a formulação
conceitual do objeto que é a essência do observado, àquilo que define e explica o
objeto em si. A importância epistemológica do conceito advém do idealismo, já que
para esta linha de pensamento filosófico a verdade do objeto se encontra na ideia
que se tem do mesmo, dito de outra forma, a ideia como resultado do processo
epistemológico do ser em si, resulta na apreensão do objeto observado como
conceito.
Nesse sentido, o conceito adquire função fundamental para as discussões
filosóficas
acerca
do
desenvolvimento.
Sem
conceituá-lo
não
há
epistemologicamente possibilidade de observá-lo filosoficamente, pois na discussão
da relação do que é o desenvolvimento com o conhecimento filosófico, permanece
uma lacuna incomensurável possibilitando o vazio de sentido e a insegurança
conceitual entre os agentes discursivos.
Sendo assim, para Hegel, o conceito é o resultado da ação criadora da razão
na busca pela verdade, é a forma de organização do real, assim como é capaz de
criar a própria realidade, apresentando a essência das coisas, sendo que esta – o
ser em si - encontra-se na ideia. Na introdução à Filosofia do Direito, Hegel
expressa:
1 – A ciência filosófica do Direito tem por objeto a Ideia do Direito, ou seja, o
conceito de Direito sua realização. Nota - A filosofia se ocupa de ideias, e
não do conceito em sentido estrito; mostra ao contrário que este é parcial e
inadequado, revelando que o verdadeiro conceito (e não o que se chama
com freqüência por esse nome, que consiste apenas em uma determinação
abstrata do entendimento) é o único que possui realidade, precisamente, no
modo de proporcionar-se tal realidade. Toda realidade que não é imposta
pelo próprio conceito tem existência passageira, contingência exterior,
opinião, aparência superficial, erro, ilusão etc. A forma concreta que o
conceito se dá ao realizar-se é, para o conhecimento do próprio conceito, o
segundo momento distinto de sua forma de puro conceito. (HEGEL, 1997,
pg. 39)
Percebe-se que, como plano de fundo da filosofia hegeliana se tem a filosofia
platônica10. Ao afirmar que a filosofia se ocupa de ideias, Hegel abre a discussão em
direção ao mundo inteligível das teorias de Platão, lugar da perfeição e da verdade,
enquanto que o mundo sensível é o ambiente das imperfeições e das sombras, o
10
Platão (428 a.C 347 a.C) Discípulo de Sócrates e continuador de suas obras. Sistematizou o
pensamento filosófico. Suas obras são escritas em forma de diálogos e Sócrates quase sempre é
posto como personagem central. Na obra Timeu, Platão faz a relação entre mundo sensível e mundo
das ideias, relação essa que influenciará o pensamento ocidental, da religiosidade à filosofia.
33
conceito é uma relação da ideia com o ser em si e se apresenta como sendo a
realidade do ser. Sob tais pressupostos, o conceito possui realidade e define o
objeto perscrutado. Possui em si a universalidade: em si e para si, assim como,
relaciona-se para a universalidade a partir da sua singularidade e sua definição é
universal.
Na “Enciclopédia de las Ciencias Filosóficas” (2005), Hegel analisa o conceito
a partir de três doutrinas: 1. Do conceito subjetivo ou formal; 2. Do conceito
enquanto objetividade e; 3. Doutrina da ideia, do sujeito e objeto, da unidade do
conceito e da objetividade ou da verdade absoluta. Essa descrição se apresenta
como resultado de um processo advindo da doutrina do ser e da doutrina da
essência, também descrita na obra acima citada.
O primeiro ponto descrito pelo autor retrata a relação do conceito consigo
mesmo e momentos em que este é interposto a partir da sua negatividade. Nas
palavras do autor:
El concepto en cuanto tal contiene los momentos de La universalidad, en
tanto igualdad libre consigo mismo en su determinnidad; de la
particularidad, de la determinidad en la cual lo universal permanece sin
entubiar-se, igual a si mismo; y de la singularidade en cuanto momento de
la reflexión hacia si de las determinidades de la universalidade y
particularidad, unidade negativa consigo que es lo determinado en sí y para
11
si ES, la vez, lo idêntico consigo o universal. (HEGEL, 2005, p.248)
Sendo assim, ao passo que o conceito contém em si o universal também
possui o particular, ou ainda, o seu em si é composto tanto da universalidade quanto
da particularidade perfazendo a unidade, ou dito de outra forma, o todo do conceito
é sua parte e em sua parte contém o seu todo.
Para o filósofo, o singular conceitual é real - que é resultado da existência e
da essência -, no entanto a singularidade deriva da conceitualização. Ou seja, surge
do conceito que universalizando-o, possui em si a particularidade como ação da sua
negatividade. O conceito possui força de verdade e realidade que se encontra na
ideia. A sua singularidade está presente na universalidade como unidade negativa
da particularidade, sendo essa uma unidade da essência e da existência que efetiva
o real.
11
O conceito enquanto tal contém em si mesmo momentos de universalidade, assim como igualdade
livre consigo mesmo em sua determinidade, na particularidade, determinidade, no qual o universal
permanece igual a si mesmo e, na singularidade enquanto momento de reflexão das determinidades
da universalidade e da particularidade, unidade negativa de si que o determina em si e para si,
idênticos ou universal. (tradução própria) (HEGEL, 2005, p. 248)
34
El concepto es lo simplesmente concreto, porque la unidad negativa
consigo, en cuando estar-determinado-en-y-para-sí que es la singularidad,
constituye ella misma su referencia a si, o sea, la universalidad. Los
momentos del concepto, por consiguiente, no pueden ser separados; las
determinaciones de la reflexión deben ser aprehendidas y valer cada uma
por si, separadas de las opuestas, pero en el concepto, estando asentada la
identidad de sus momentos, cada uno de ellos solo puede ser
inmediatamente aprehendido desde los otros y juntamente com ellos.
12
(HEGEL, 2005, p. 249).
A universalidade do conceito é a negação da sua singularidade e, isso
apenas pode ser compreendido a partir da análise em conjunto. Dito de outra forma,
o conceito, que é a essência do real, possui em si uma universalidade que pode ser
entendido como ideia, sendo essa compreendida apenas na análise em conjunto
com sua singularidade. O conceito pode ser observado como a ideia que se
estabelece a partir do concreto, ou ainda, o pensamento conjuntamente com aquilo
que lhe é apresentado.
A ideia como conceito é a tese do idealismo, sendo essa a forma de
organização da realidade, ou seja, o conceito é um princípio racional que possibilita
a existência da própria realidade, ou ainda, o conceito representa o em -si do ser, a
sua natureza, é a verdade absoluta. Sendo assim, o conceito possui força de
absolutidade e de verdade, pois é a realidade que se apresenta ao sujeito. Portanto,
sem definição conceitual não há ciência. Nesse caso, a filosofia se apresenta como
ciência do conceito, trabalha a partir de definições rigorosas de termos superando a
instrumentalidade e o vazio de sentido, sendo essa, característica de discursos a
partir de ideias forças e não conceitualizadas.
2.2.1 O desenvolvimento é um conceito?
Após a análise da importância conceitual para o trabalho filosófico, convém
trabalhar questões relacionadas ao desenvolvimento em suas condições e
possibilidade de se apresentar como conceito. Ao observar os diversos discursos
relacionados ao desenvolvimento, constata-se que carecem de consistência
conceitual no que se refere a questões do desenvolvimento e por extensão, tais
12
O conceito é simplesmente o concreto, porque a unidade negativa consigo, por estar determinado
em si e para si que é sua singularidade, constitui ela mesma sua referência, ou seja, a universalidade.
Os momentos do conceito, por conseguinte, não podem ser separados; as determinações da reflexão
devem ser apreendidas e possuir validade própria, separadas das opostas, mas o conceito, por sua
identidade essa estruturada em seus momentos, cada um apenas podem ser apreendido
conjuntamente com os outros e os outros juntamente com o próprio conceito. (Tradução nossa)
35
discussões apresentam fragilidades em seus fundamentos e, em certa medida
aproximam-se significativamente de discursos derivados de uma razão instrumental
ocupada, ou pré-ocupada com o fazer, com a apresentação de resolução para
questões vinculadas a níveis e acesso a renda, a capacidade de consumo, de
qualidade de vida.
Analisar-se-á em seguida, duas tentativas de definições referentes a
aproximações
de
desenvolvimento
um
como
possível
conceito
crescimento,
de
desenvolvimento.
primeiramente
se
discute
Ao
definir
noções
de
crescimento que se tornam centrais e, desenvolvimento não é crescimento. O que
está se discutido é o crescimento, seja ele geográfico, econômico, territorial,
consciência política, ou outras formas de crescimentos possíveis de serem
analisadas. Percebe-se que nessa tentativa de definição de desenvolvimento, a
noção universal, assim como a singular permanece no vazio e obscurecida pela
noção de crescimento.
Sob tais pressupostos, se torna necessário definir crescimento. Isso seria
provocado através de meios que o instiguem ou determinem, grosso modo, é parte
do processo natural. Se partirmos da constatação de que o conceito de crescimento
tem um forte vínculo com a vida biológica em sua totalidade é possível considerar
seu vínculo de origem natural, biológico. Sob tais pressupostos quando se analisa os
fenômenos sociais em seus desafios de melhoria das condições de vida de
indivíduos e populações, a perspectiva do desenvolvimento assume sua herança
biológica e, como tal vinculada às leis da natureza.
Se considerar que o desenvolvimento é resultado do processo natural,
biológico das sociedades, convém ressaltar que as discussões em torno do
desenvolvimento regional não são necessárias, dito que é um estágio possível de
todas as sociedades, ou seja, é natural, biológico e atingível por si de forma
determinista. Nessa direção, a partir de sua biologicidade, o conceito de
crescimento, quando aplicado à interpretação dos fatos e acontecimentos sociais
pode se apresentar como lei necessária. Ou seja, basta que determinadas
sociedades ajam de determinada forma que necessariamente se alcançam as
condições do desenvolvimento.
Sob a prerrogativa da conceitualização do desenvolvimento, se faz necessário
a universalidade da ideia de desenvolvimento analisada na perspectiva do
crescimento. Nesse sentido, o crescimento com relação ao desenvolvimento – seja
36
qual for à percepção do observador - deveria necessariamente conter na sua
singularidade a determinidade da universalidade. Porém, ao analisar nessa
perspectiva, pode-se afirmar que há variações de percepção de crescimento, ou
seja, apresenta-se nessa perspectiva, apenas na singularidade e nessa, não está
contida a universalidade.
Há variações de noção de crescimento entre comunidades e regiões
compostas por variedades culturais e, até mesmo por percepção das diferenciações
causantes deste processo de crescimento. Para uma comunidade, ou região que
atingiu determinado ponto de industrialização, o crescimento econômico, pode estar
em segundo plano. Porém, ainda pode ser considerada uma região ou comunidade
em processo de desenvolvimento pela sua distribuição desigual de renda, falta de
acesso de parte da população a determinadas políticas públicas, entre outras
necessidades, nesse caso, devido suas particularidades. Isso no campo das
probabilidades.
Sob essa perspectiva, o crescimento como desenvolvimento apresenta
dificuldades para sua sustentabilidade. Não há prerrogativa de universalidade e
generalidade. Não constitui a essência do ser em si do desenvolvimento, não
apreende o objeto observado – o desenvolvimento -, não apresenta o
desenvolvimento como conformação racional da realidade e, se apresenta como
realidade passível de equívocos e distorções ao comprometer a universalidade da
racionalidade do conceito.
Ao aproximar desenvolvimento, aliando esse a questões como melhoria e
qualidade de vida, observa-se que tal visão também ultrapassa o ser-em-si do
desenvolvimento, capaz de apontá-lo apenas como um instrumento para atingir tal
objetivo, instrumento para propiciar qualidade de vida à população de determinada
região ou comunidade. Essa tentativa de definição não define desenvolvimento,
porém instrumentaliza-o e adjetiva-o, assim como, se torna falácia à definição de
que desenvolvimento é crescimento.
A busca pela resposta ou mesmo por conceituar o que é desenvolvimento
aproxima-se da busca filosófica da felicidade. O fim último do desenvolvimento,
nesse caso, seria propiciar mais felicidade para a população através de situações
criadas para atingir tal objetivo, seja ele de inserção na produção e no consumo,
pontos de lazer na cidade e sociedade segura para o bem viver. Dito de outra forma,
37
o fim último é a felicidade, ou melhoria da vida dos indivíduos e não o
desenvolvimento em si, que se apresenta como meio.
Todavia se pode indagar: A inserção na lógica da produção e do consumo
propicia felicidade? Nesse caso, há que se considerar que a felicidade está além das
condições financeiras. Essa questão é um problema recorrente na tradição filosófica.
Tales de Mileto (624 a C. 548 a C.) em seus Diálogos, afirma que é feliz “quem tem
corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada” (DIALOGOS. L., I, 1, 37). É
possível pensar que a visão de desenvolvimento como crescimento econômico e
inserção na produção e no consumo pode, em últimos casos, oferecer corpo forte.
Porém, boa sorte e alma bem formada vão além das possibilidades econômicas,
mesmo assumindo que a condição econômica pode ser pressuposto para atingir os
objetivos propostos.
Muitos problemas surgem, quando se analisa o desenvolvimento na dimensão
da qualidade de vida populacional, que na modernidade é assumida como recurso a
partir do ponto de vista do Estado moderno. Esse recurso plausível de
administrabilidade e potencialização em função do fortalecimento do Estado e, das
exigências econômicas de plena produção e consumo. Ao aproximar tal afirmação
da felicidade, observa-se, como acima descrito, que muitos teóricos apresentam
diversas definições de felicidade.
Em Cada momento histórico prevaleceu uma afirmação, como já observado
anteriormente. Neste caso, qual definição de felicidade se admite como objetivo para
o desenvolvimento? Importante ressaltar mais uma vez que o desenvolvimento não
se apresenta como centro da discussão, porém a questão da felicidade. Então, não
se está discutindo questões relacionadas ao desenvolvimento, mas à felicidade em
si.
Outro problema que surge nesta definição é a definição de vida. Para os
gregos antigos, a vida era entendida de duas formas: Zoé que compreendia a vida
desqualificada, animalesca, vida de seres que pertenciam ao mundo das
necessidades e: Bios: vida qualificada de cidadãos, que pertenciam ao mundo dos
embates políticos e desprendidos do mundo das necessidades13.
Desde os gregos, a vida qualificada é aquela que se constitui na esfera
pública, a vida privada é capturada pelo Estado moderno, pela economia e pelo
13
Definições trabalhadas por Hannah Arentd ( 1906 – 1975) na obra “A Condição Humana”.
38
ordenamento jurídico tornando-se apenas um meio para a plenitude da produção e
do consumo como fins econômicos em si mesmos. No caso de se entender o
desenvolvimento como melhoria da vida, se faz necessário definir qual vida, o que é
vida e se, a inclusão na lógica da produção e do consumo, poderiam melhorar a vida
da população.
Isso se apresenta de forma ainda mais problemática ao analisar determinadas
sociedades14 que não pertencem à lógica de mercado, de plena produção e de pleno
consumo e constatar que pode haver qualidade de vida, sem que determinados
povos e culturas estejam inseridos na lógica de mercado, de plena produção e
consumo. A visão míope de que o desenvolvimento só pode ser entendido a partir
das populações na lógica da produção e do consumo, requer revisão conceitual por
não estar definindo, mas apenas caracterizando desenvolvimento e de forma
equivocada.
Nesse caso, o objetivo pode ser atingido, se considerarmos que o
desenvolvimento possui uma dimensão de consciência individual, particular e
singular e não apenas universalizante e passível de responder de forma universal às
situações emblemáticas da sociedade. Convém ressaltar, que o problema da
felicidade perpassa toda a história da filosofia15. Tales foi citado acima, apenas por
apresentar uma possível análise do ser feliz, por ser um grego antigo pertencente à
matriz civilizatória ocidental, que apresenta uma das primeiras tentativas de
definição sobre a temática e que, nesse caso, pode ser apresentada para contrapor
a ideia de desenvolvimento como propiciador de felicidade de forma indireta.
A dificuldade de conciliar as diversas formas de se compreender o
desenvolvimento pode estar relacionado ao fato do desenvolvimento regional ser
uma área do conhecimento que procura se constituir a partir de uma estratégia
multidisciplinar com desafio epistemológico interdisciplinar, numa visão acadêmica
sobretudo brasileira, onde se valoriza excessivamente a formação disciplinar. Isso
possibilita aos investigadores advindos de diversas ciências, adotarem discursos
14
Sociedades indígenas e africanas salvaguardando suas especificidades culturais e territoriais.
Sociedades como estas permanecem na periferia do dito desenvolvimento da lógica de mercado,
porém não é possível negar que podem ser consideradas sociedades desenvolvidas a seu modo de
ser e estar.
15
A maioria dos filósofos se preocuparam com a questão da felicidade. Platão (347 aC.) apresenta a
visão de felicidade que influenciará na conformação das ideias cristãs, de temperança, virtude e
justiça. Assim como Aristóteles ( 384 – 322 aC.) que apresenta além dos bens exteriores bens
espirituais que fazem parte do contexto de felicidade. (id)
39
próprios de sua formação, nesse caso, geógrafos apresentam definições ligadas à
geografia, economistas à economia, sociólogos a partir da sociologia. No caso desse
trabalho dissertativo, busca-se em Hegel uma definição filosófica e conceitual para
colaborar na elaboração teórica e conceitual dessa nova ciência.
A filosofia trabalha com conceito e, esse, por sua vez, é a expressão da
universalidade na particularidade e se imanentiza na singularidade. Ou ainda, a
partir de Hegel, se entende o conceito como sendo a essência do ser-em-si, pois é a
expressão da coisa em si que se apresenta como ideia. Nesse sentido, o
desenvolvimento regional não se apresenta como conceito e/ou ideia num sentido
platônico do conceito de ideia como verdade, mas apenas com adjetivações e
caracterizações, apresentando-se frágeis em seus fundamentos e definições.
O desenvolvimento não se apresenta como determinante, ou seja, há
sociedades desenvolvidas e outras que não atingiram tal objetivo. Porém, falar em
desenvolvimento requer melhores definições e para que o desenvolvimento regional
possa atingir grau adequado de cientificidade, se torna necessárias revisões
discursivas em torno do objeto. A interdisciplinaridade a partir da acepção teórica e
conceitual, pode ser considerada contribuição significativa na construção científica e,
nos debates em que se propõem pesquisadores de diversas áreas em torno do
objeto.
Sob tais pressupostos, ao assumir as análises interdisciplinares do ser em si
do desenvolvimento como estratégia prática de fazer coisas, não tornam o
desenvolvimento conceito, mas apenas adjetivam-no, caracterizam-no e o
contingenciam. Isto não possibilita de forma consistente a estruturação do
conhecimento científico, pois é necessário estabelecer bases conceituais sólidas
para atingir tal objetivo e fortalecer cientificamente as discussões em torno do
desenvolvimento regional.
Assim, possibilitando a superação da contingência, da mera opinião, da
superficialidade das discussões, da ilusão, do erro e possibilitando a força de
absolutidade e de verdade que o conceito contém em si como ideia.
Mas noutra
perspectiva, ao assumir a interdisciplinaridade como questão de fundamento
ontológico, de epistemologia, talvez haja possibilidade de avançar significativamente
na constituição do conceito, da totalidade do desenvolvimento do ser em si.
Numa perspectiva naturalista, o desenvolvimento percorre sua trajetória
natural, ou seja, decorre de fatores próprios da natureza no sentido evolutivo sem
40
intermediação da razão. Ou ainda, a natureza possui em si o fator decisivo de
crescimento. O Desenvolvimento de uma determinada região não ocorre de forma
natural, condicionante e determinante, mas resulta da razão que se projeta na
história como resultado da ação do espírito de um povo. Nesse sentido, o espírito é
o princípio interior que impele à realização da história no mundo por meio da razão.
O princípio do desenvolvimento implica ainda que isso esteja baseado em
um princípio interior, uma potencialidade pressuposta, que se esforça por
existir. Essa determinação formal é essencialmente o Espírito – cujo
cenário, cuja propriedade e cuja esfera de realização são a história do
mundo. Ela não se debate na ação externa dos acidentes, pelo contrário, é
absolutamente determinada e firme contra eles. Utiliza-os para seus
objetivos e domina-os. Mas o desenvolvimento também é uma característica
dos objetos naturais orgânicos. Sua existência não é apenas dependente,
sujeita às influências externas, mas vem de um princípio imutável, uma
simples essência, que primeiro existe como germe. A partir desta existência
simples, ele produz diferenciações que a ligam às outras coisas. Assim, ele
tem uma vida de transformação contínua. Por outro lado, podemos observálo do ponto de vista oposto, vendo nisso a preservação do princípio
orgânico e de sua forma. (HEGEL, 2001, p. 106).
Sob tais pressupostos, o desenvolvimento na natureza, ou seja, orgânico, é
apenas um desdobramento da coisa em si, irracional, irreflexível e apenas
consequência da ação do devir natural da organicidade da vida. Ao germinar, a
semente possui em si a potencialidade natural de ser àquilo que a natureza a
predestinou. Por outro lado, o desenvolvimento como ação intencional resulta da
ação da razão, ou seja, do processo de imanentização da razão na história, como
ação dialética e, portanto, lógica.
É diferente com o Espírito. A transição de sua potencialidade para a
realidade é mediada pela consciência e a vontade. Estas são mergulhadas
primeiro na vida orgânica imediata, seu primeiro objetivo é a sua existência
natural como tal. Mas esta última, sendo animada pelo Espírito, torna-se
infinitamente exigente, rica (de uma riqueza moral) e forte. Assim o Espírito
está em guerra consigo mesmo, deve superar-se como inimigo e como seu
mais formidável obstáculo. O desenvolvimento, que na natureza é um
tranquilo desdobramento, no Espírito é uma dura luta interminável contra si
mesmo. O Espírito realmente se esforça por atingir seu próprio ideal, mas o
esconde de si mesmo e se orgulha e tem prazer nesta alienação de si
mesmo. (HEGEL, 2001, p. 106).
Na perspectiva do espírito, o desenvolvimento resulta de um processo
trabalhado e encarado como consequência da ação da razão, sendo essa,
permeada de intencionalidade e de vontade. Nesse sentido, o desenvolvimento não
resulta do comportamento passivo diante da realidade que cerca o indivíduo,
41
todavia, o espírito o impele a algo além da natureza. O Espírito é o impulsionador ao
superar a si próprio, do não acomodar-se diante do que está exposto. Impulsiona ao
novo, à superação a partir do reconhecimento, à ação racional, dialética e lógica de
crescimento, progresso que acontece na história.
O desenvolvimento histórico portanto não é o simples crescimento
inofensivo e sem oposição da vida orgânica, mas um duro trabalho feito de
má vontade contra si mesmo. Alem do mais, não é um simples
desenvolvimento em geral, mas a obtenção de um resultado de conteúdo
inequívoco. Esta finalidade já afirmamos desde o início: é o Espírito em sua
essência, o conceito de liberdade. Este é o objetivo fundamental e, por
conseguinte, o princípio orientador do desenvolvimento. Através dele o
desenvolvimento recebe um sentido e um significado - exatamente como na
história romana, Roma é o objetivo e, assim, o princípio orientador da
investigação de acontecimentos passados. Ao mesmo tempo, os
acontecimentos se originam desse objetivo e têm um significado e um
conteúdo apenas com referência a ele. (HEGEL, 2001, p. 106-107).
A partir do que se refletiu até o momento, percebe-se que para pensar o
desenvolvimento requer conhecimento filosófico e histórico. O desenvolvimento é
resultado da ação racional e da vontade de um povo que se constitui na história.
Essa por sua vez necessita de superação das suas fases num sentido processual e
contínuo do progresso, ou seja, sem ruptura, para que haja o desenvolvimento do
próprio espírito, superando as possibilidades intrínsecas à sua potencialidade.
Nesse trabalho dissertativo, não se pretende esgotar tais discussões.
Também não se objetiva a pretensão de verdade absoluta. Porém, há uma tentativa
de definir o desenvolvimento a partir de Hegel. No capítulo que segue, há a tentativa
de superar a instrumentalidade discursiva relacionada ao desenvolvimento, assim
como, se toma o desenvolvimento como objeto expondo ontologicamente suas
estruturas conceituais e históricas, sobretudo, a partir da “Fenomenologia do
Espírito” e da “Filosofia da História” de Hegel, tidas como referências para essa
análise.
42
3 PRESSUPOSTOS PARA UMA CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO EM
HEGEL
A realização da história se apresenta em Hegel como sendo racional. Nessa
perspectiva, a razão é o fio que conduz a história no seu curso, essa se realiza na
história como processo de efetivação em direção ao reconhecimento e superação,
ao passo que o movimento do tempo que constitui a história a aprisiona, limitando-a.
Dito de outra forma, a história possui um fim que está presente no fim do seu tempo
e continua em movimento, na medida em que o tempo acontece, o espírito se
imanentiza e, a história ocorre.
Sendo assim, o progresso é parte integrante do tempo presente no
movimento e do movimento presente no tempo, pois, a realização de um determina
a existência do outro, que mutuamente acontece desenrolando o fio que a conduz –
a razão, - que se concretiza de forma lógica, histórica, dialética, constituindo a
realidade dentro da dinâmica do tempo em constante reconhecimento e superação,
materializando-se na percepção e no conceito de progresso e desenvolvimento. Isso
ocorre de forma a negar a condição em que se encontra para assumir uma outra,
que possui a mesma natureza, porém superando a primeira.
O conceito de progresso, que se apresenta aqui é pressuposto para
fundamentar o desenvolvimento a partir de Hegel, se apresenta no bojo de certa
tendência do iluminismo do século XIX, advinda dos avanços da biologia evolutiva,
bem como, do positivismo e do materialismo histórico-dialético, cujo pressuposto
reside no fato de que é possível reconhecer tanto na história natural, como na
história humana uma inexorável evolução a níveis sempre maiores e melhores.
Esse argumento se encontra no evolucionismo darwiniano, nas fases da
história da humanidade de Augusto Comte e, mesmo no materialismo histórico
dialético de Engels. Por seu turno, talvez se possa dizer que a ideia de
desenvolvimento traz consigo marcas do conceito de progresso, mesmo
reconhecendo que certas condições podem potencializar ou limitar as condições de
possibilidade do desenvolvimento. Ou seja, há certo reconhecimento de que o
desenvolvimento tem limites, ou mesmo que depende de inúmeras variáveis naturais
e humanas, cuja efetividade nem sempre é previsível e alcançável na forma de sua
projeção histórica.
43
O espírito se constitui na história e a partir da história. É resultado da
conformação de um povo que possui individualidade constituída em conformidade
com a coletividade, ou seja, ao passo que esta individualidade possui características
de autonomia, essa é concomitante com a coletividade que se conforma a partir das
individualidades. O universal (coletivo) se apresenta no particular (indivíduo) e o
particular está presente na universalidade.
Nesse segundo capítulo, serão apresentados alguns aspectos teóricos do
pensamento de Hegel presentes na sua “Filosofia da História”, a partir da
conformação do povo grego que se constitui como matriz civilizatória do ocidente. O
objetivo deste capítulo é alocar no debate alguns aspectos conceituais da filosofia
hegeliana que podem nos permitir aproximações, percepções e entendimentos em
torno da ideia de desenvolvimento.
Ou seja, pretende-se a partir da filosofia hegeliana apresentar contribuições à
compreensão da ideia de desenvolvimento, na medida em que o desenvolvimento
se apresenta no bojo dos discursos governamentais em âmbito nacional e regional,
bem como, de parte da sociedade civil organizada expressando anseio em seu
alcance, ou mesmo como forma de justificar a situação de comunidades e regiões
responsáveis (moralmente) por sua condição de atraso ou de desenvolvimento e,
portanto inserida nos padrões de exigência de um certo modelo de sociedade em
curso.
O conceito de espírito é o ponto de partida para as discussões, assim como
o processo de sua realização na história, perpassadas pela razão como fio que
conduz a história culminando na ideia de que o desenvolvimento pode ser entendido
como a objetivação da razão na história na busca por reconhecimento e superação,
de modo que a concretização do desenvolvimento é resultado de um processo
racional, pois esse não é resultado da sorte, do acaso, ou de qualquer outro
fenômeno transcendente, mas resultado de intenso trabalho da razão em sua
efetivação na história.
3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA E PELA CONSCIÊNCIA
Hegel trabalha as questões da consciência na sua “Fenomenologia do
Espírito”. A consciência constitui a etapa inicial das discussões fenomenológicas e é
44
entendida a partir da sua percepção da realidade como algo diferente de si, mas que
pertence a si. Percebe-se que na obra hegeliana, a consciência pode ser analisada
em quatro momentos: 1. Da “certeza sensível ou: o Isto ou o ‘Visar’”; 2. Da
“percepção ou: a coisa e a ilusão”; 3. “Força e entendimento; fenômeno e mundo
suprassensível”; e, 4. “A verdade da certeza de si mesmo”;
Cada etapa é constituída a partir do processo de reconhecimento e
superação, inclusive a Fenomenologia é desenvolvida num sentido de superação de
ideias e conceitos, na direção do absoluto que se torna história, e, pode-se dizer
também, ao fim da história, dito de outra forma, a própria obra reflete e se concretiza
de forma sistemática conceitual e processual de reconhecimento e superação, que
se inicia com a consciência, torna-se auto-consciência, passa à razão, tornando-se
espírito, perpassando a religião e se tornando saber absoluto. Para Hegel, a razão é
resultado do descobrir-se da consciência como auto-consciência que se descobre
razão e, essa por sua vez, se apresenta como espírito em direção do absoluto.
O conceito de consciência é central nas discussões hegelianas. A sua função
é conhecer a partir de si mesma superando-se, a partir do relacionamento consigo
mesma e com o outro, que pode ser analisado, em Hegel, como o conhecimento de
si e de si própria, ou seja, auto-consciência. O outro está em si, ao passo que o em
si se abre ao outro como reconhecimento e retorna ao em si, como superação.
178 – [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si é em si e para si quando
e por que é em si e para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo
reconhecido. O conceito dessa sua unidade em sua duplicação, [ou] da
infinitude que se realiza na consciência-de-si, é um entrelaçamento
multilateral e polissêmico. Assim seus momentos devem, de uma parte, ser
mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença,
devem ser tomados ao mesmo tempo como não diferentes, ou seja, devem
sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação oposta. O duplo
sentido do diferente reside na [própria] essência da consciência-de-si: [pois
tem a essência] de ser infinita, ou de ser imediatamente o contrário da
determinidade na qual foi posta. O desdobramento do conceito dessa
unidade espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do
reconhecimento. (HEGEL, 2014, p.142)
Sendo assim, a consciência em si e para si se apresenta como possuidora da
mesma essência, porém se realiza nessa alteridade como processo de
reconhecimento do em si ao para si. Ou seja, esse processo é essente de si mesma
e na sua dimensão de alteridade constitui o reconhecimento. Seu contrário possui a
essência do seu oposto. Esse desdobramento se dá no espírito e é parte do
processo de reconhecimento e superação.
45
Segundo Hegel, a “consciência tem primeiro na consciência-de-si, como no
conceito de espírito, seu ponto-de-inflexão”. (HEGEL, 2014, p. 142). Ou seja, esse
processo de reconhecimento é parte integrante e integradora do espírito e nele se
dá o movimento contrário da consciência que se reconhece como em-si e para-si.
Ainda no espírito ocorre o movimento de “uma consciência-de-si para uma
consciência-de-si” (HEGEL, 2014, p. 142)
E somente assim ela é, de fato: pois só assim vem-a-ser para ela unidade
de si mesma em seu ser-outro. O Eu, que é objeto de seu conceito, não é
de fato objeto. Porém, o objeto do desejo é só independente por ser a
substância universal indestrutível, a fluida essência igual-a-si-mesma.
Quando a consciência-de-si é o objeto, é tanto Eu quanto objeto. (HEGEL,
2014, p. 142)
Essa relação da consciência consigo mesma, se apresenta como movimento
dialético, sendo “a dialética o supremo esforço da razão especulativa e é o único
método capaz de obter a compreensão do todo” (MENEZES, 2006 pg. 20). Esse
momento da consciência-de-si é decorrência de outros momentos trabalhados por
Hegel. Isso é resultado de um processo que se desdobra a partir da certeza
sensível, ou seja, do primeiro momento da consciência que entra em contato com o
mundo que a cerca e toma para si como verdade àquilo que se lhe apresenta o
imediato. É a relação do em si com a realidade sem reflexão, carente de sentido, de
compreensão, de reconhecimento.
A partir desse momento, desenvolver-se-á os passos de amadurecimento da
consciência à auto-consciência que se desdobrará na razão e se realiza em sua
plenitude no espírito. Esse é um sistema fechado, lógico e extremamente racional.
Uma parte não substitui a outra e são dependentes entre si para existir.
Para Menezes, o sistema Hegeliano é:
Um sistema que vive em estreita unidade com o método que o constrói,
uma lógica que é uma metafísica, um discurso que pensa por verbos e não
por substantivos, um resultado que só tem sentido junto ao processo que a
ele conduziu, a conclusão é o fundamento de tudo (...) (MENEZES, 2006
pg. 21).
O ponto de partida do sistema hegeliano é a observação. A consciência que
sente e percebe o mundo a sua volta. Esse é o início de qualquer situação de
tomada de consciência. Importante salientar que este ainda não é o momento da
consciência que se percebe, porém, toma consciência do que é fora de si.
132 – [Dem Bewusstsein] Para a consciência, na dialética da certeza
sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver etc. Como percepção chegou a
46
pensamentos que primeiro reúne o Universal incondicionado. Se esse
incondicionado fosse agora tomado por essência inerte e simples, nesse
caso não seria outra coisa que o extremo do ser-para-si, posto de um lado;
em confronto com ele se colocaria a inessência; mas nessa relação à
inessência seria também ele inessencial. No entanto, surgiu como algo que
a si retornou a partir de um tal ser para si condicionado. Esse Universal
incondicionado, que de agora em diante é o objeto verdadeiro da
consciência, ainda está como objeto dessa consciência – a qual ainda não
apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial
entre as duas coisas: para a consciência, o objeto retornou a si mesmo a
partir da relação para com um outro, e com isso tornou-se em-si conceito.
Porém, a consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa
disso não se reconhece naquele objeto refletido. Para nós, esse objeto,
mediante o movimento da consciência, passou por um vir-a-ser em que a
consciência está de tal modo implicada que a reflexão é a mesma dos dois
lados, ou seja, é uma reflexão só. No entanto, a consciência nesse
movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a
consciência como tal, de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto
numa significação objetiva e a consciência deve retirar-se do [resultado] que
veio-a-ser – o qual, como algo objetivo, é para ela a essência. (HEGEL,
2014, p.106).
Sendo assim, a consciência que se depara com o seu meio, toma para si
apenas a realidade que se apresenta e, diante disso, abstrai dessa, a verdade do
objeto, sem que haja um voltar-se da consciência sobre si mesma, ou seja, está
apenas voltada para o objeto em si, sem que isso seja um conceito, pois “ainda está
privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro que o entendimento, sem
saber que está ali dentro, deixa mover-se à vontade” (HEGEL, 2014, p. 107). A não
tomada de consciência da própria consciência possibilita plena liberdade ao objeto
em si, ou seja, se realiza de forma livre, pois o conceito ainda não define. O que se
apresenta é apenas a realidade sensível, despojada em sua universalidade
sensorial, ainda não determinada conceitualmente.
Nesse primeiro momento da consciência sensível, essa percebe os objetos
como são em si. Internamente ocorre um jogo de forças que os constituem em
realidade racional conceitual. Tem-se aqui o jogo do contrário que conforma o ser, a
consciência percebe, capta o sensível e o distingue da reflexão sobre si mesma,
conceituando o sensível, as coisas pelo movimento negativo. Nas palavras de
Hegel:
Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de
maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se
transmutam imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o
Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no
inessencial, e vice-versa. Esse jogo de forças é, pois, o Negativo
desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber, o universal, ou o
objeto em-si-essente. Para a consciência, o ser deste [objeto] é medido pelo
movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção e o
Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação negativa; e
47
assim, a consciência a partir dele se reflete em si como no verdadeiro. Mas
como é consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo:
distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das coisas; como
também , para ela, o movimento mediador é ainda um movimento objetivo.
Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto.
Mas é também, para ela, o verdadeiro, porque nele tem como no Em-si, ao
mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser-para-si;
embora não esteja ainda consciente desse fundamento, pois o ser-para-si,
que o interior deveria ter nele, não seria outra coisa que o movimento
negativo. Para a consciência, porem, esse movimento negativo ainda é o
fenômeno objetivo evanescente – não ainda seu próprio ser-para-si. O
interior, portanto, é para ela o conceito, mas a consciência ainda não
conhece a natureza do conceito. (HEGEL 2014, p. 114)
Nessa etapa de observação, percebem-se gnosiologicamente as observações
hegelianas, ou seja, a preocupação com o conhecimento do ser que se apresenta
e/ou do ser refletido, ou seja, do interior do ser, que a essa altura não pode ser
conhecido o interior ou o “suprassensível” do objeto que advém do fenômeno que,
para Hegel, é a essência do suprassensível: “O suprassensível é o sensível e o
percebido postos tais como são em verdade; pois a verdade do sensível e do
percebido é serem fenômeno.
O suprassensível é, pois, o fenômeno como fenômeno”. (HEGEL 2014, p.
116). Todavia, o suprassensível é aqui apresentado como o interior do objeto
tomado pela consciência e suprassumido por essa como percepção fenomênica do
ser além do mundo sensível e essente, ou seja, do interior que se observa, reflete
sobre si mesma, ou ainda, manifestação da consciência-de-si.
A tomada de consciência da própria consciência é resultado de um processo
que se inicia com a observação do particular e possui propriedades universais. O
universal é constituído de particulares que e si contém o universal, ou seja, é
possuidor de contrários. Ao submeter ao intelecto, esse particular é visto como
fenômeno que em si contém leis e forças. Dessa forma, as forças internas
constitutivas do objeto, permitem à consciência perceber que no interior deste
particular, coexistem particulares que conformam o universal a partir do particular. É
esse movimento presente de reconhecimento do particular no universal e, do
universal no particular que possibilita à consciência a tomada de consciência de si.
48
3.2 A CONSCIÊNCIA DE SI
O processo de reconhecimento da consciência de si é um passo em direção à
liberdade. Num primeiro momento, para que a consciência se reconheça como
consciência, há a necessidade de deixar de lado a alteridade, ou seja, o outro fica
em segundo plano para que a consciência possa ter conhecimento da própria
existência e, se assuma como objeto de reconhecimento. A consciência ao assumirse como objeto, torna-se outro para si mesma e, nesse movimento dialético consigo
mesma se assume como verdade. Nas palavras de Hegel:
166 – [In den] Nos modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a
consciência algo outro que ela mesma. Mas o conceito desse verdadeiro
desvanece na experiência [que a consciência faz] dele. O objeto se mostra,
antes, não ser em verdade como era imediatamente em si: o essente da
certeza sensível, a coisa concreta da percepção, a força do entendimento,
pois esse Em - si se revela uma maneira como o objeto é somente para um
Outro. O conceito do objeto se suprassume no objeto efetivo; a primeira
representação imediata se suprassume na experiência, e a certeza vem a
perder-se na verdade. Surgiu porém agora o que não emergia nas relações
anteriores, a saber: uma certeza igual à sua verdade, já que a certeza é
para si mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro.
Sem dúvida, a consciência é também nisso um ser-outro, isto é: a
consciência distingue, mas distingue algo tal que para ela é ao mesmo
tempo um não diferente. Chamemos conceito o movimento do saber, e
objeto, o saber como unidade tranqüila ou como Eu; então vemos que o
objeto corresponde ao conceito, não só para nós, mas para o próprio saber.
Ou, de outra maneira: chamemos conceito o que o objeto é em-si, e objeto
o que é como objeto ou para-um Outro; então fica patente que o ser-em-si e
o ser-para-um-Outro são o mesmo. Com efeito, o Em-si é a consciência,
mas ela é igualmente aquilo para o qual é um Outro [o Em-si]: é para a
consciência que o Em-si do objeto e seu ser-para-um-Outro são o mesmo.
O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta um Outro e ao
mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio.
(HEGEL, 2014, p. 135)
Essa relação dialética do ser consigo mesmo, remonta ontológicamente à
perspectiva da auto-afirmação do próprio ser na conformação do seu derivado que é
resultado da relação interna e se defronta com o outro em si mesmo. Esse
movimento dialético, lógico e racional constitui o movimento de conformação do ser
que se projeta. Ou seja, o reconhecimento de si possibilita a conformação do outro a
partir de si mesmo. Ou ainda, da própria essência deriva o novo como superação do
ser que o precede em íntima relação da própria consciência do ser que se
reconhece e se supera a partir de si mesmo tornando-se consciência-de-si.
49
A consciência de si é resultado do movimento anterior da consciência
sensível que se projeta a partir de si mesma em direção da liberdade a partir do seu
reconhecimento em si, ou ainda:
[...] “é o substituir simples e independente para a consciência. Mas de fato,
porém, a consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e
percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser-Outro. Como
consciência-de-si é movimento; mas quando diferencia de si apenas si
mesma enquanto si mesma, então para ela a diferença é imediatamente
suprassumida, como um ser-outro. A diferença não é; e a consciência-de-si
é apenas a tautologia sem movimento do “Eu sou Eu”. Enquanto para ela a
diferença não tem também a figura do ser, não é consciência-de-si. Para a
consciência-de-si, portanto, o ser-Outro é como um ser, ou como momento
diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa
diferença, como segundo momento diferente. Com aquele primeiro
momento, a consciência-de-si é como a consciência e para ela é mantida
toda a extensão do mundo sensível; mas ao mesmo tempo, só como
referida ao segundo momento, a unidade da consciência-de-si consigo
mesma. Por isso, o mundo sensível é para ela um subsistir, mas que é
apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em si nenhum ser. Porém
essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, tem por sua essência
somente a verdade, isto é, a unidade da consciência-de-si consigo mesma.
Essa unidade deve vir-a-ser essencial a ela, o que significa: a consciênciade-si é desejo, em geral. (HEGEL, 2014, p. 136).
Esse movimento interno da consciência possibilita a conformação da
consciência-em-si. A partir do interior da própria consciência, essa se assume como
objeto e se debruça sobre si mesma e “a satisfação do desejo é a reflexão da
consciência-de-si sobre si mesma, ou a certeza que veio-a-ser verdade” (HEGEL,
2014, p. 141). Esse movimento de reconhecimento de si permite a superação da
percepção e da consciência sensível. Mas isso apenas ocorrerá, segundo Hegel,
quando a consciência-de-si se assume como ser, ou seja, ao mesmo tempo é um
ser que superado da consciência sensível, torna-se consciência-de-si e, uma
consciência para ser superada, requer um movimento em si mesmo em direção ao
vir-a-ser a partir da negação de si.
No entanto, enquanto a consciência permanece em-si apenas, não há
progresso. Hegel, na “Fenomenologia do Espírito” analisa o processo de
dependência e independência da consciência-de-si a partir da dialética do senhor e
do escravo e, posteriormente a analise filosófica do agir no mundo da consciência a
partir do estoicismo, do ceticismo e, como resultado da cisão dessas duas formas de
entendimento da consciência se tem a consciência infeliz que é resultado da
abertura da consciência-de-si para o transcendente – Deus. Ou seja, quando a
consciência-de-si se percebe nula, pois há algo superior a ela, não sendo possível a
50
própria negação para a conformação de um novo ser, ela se percebe inativa e se
abre ao Outro, externo a si mesma, mas que também é consciência-de-si.
A consciência-de-si não pode assim suprassumir o objeto através de sua
relação negativa para com ele; pois essa relação antes reproduz o objeto,
assim como o desejo. De fato, a essência do desejo é um Outro que a
consciência-de-si, e através de tal experiência essa verdade veio-a-ser para
a consciência. Porém, ao mesmo tempo, a consciência-de-si é também
absolutamente para si, e é isso somente através do suprassumir do objeto;
suprassumir que deve tornar-se para a consciência-de-si sua satisfação,
pois ela é sua verdade. Em razão da independência do objeto, a
consciência-de-si só pode alcançar satisfação quando esse objeto leva a
cabo a negação de si mesmo, nela; e deve levar a cabo em si tal negação
de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para o Outro o que ele é.
Mas, quando o objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao mesmo tempo
independente, ele é consciência. Na vida, que é o objeto do desejo, a
negação ou está em um Outro, a saber, no desejo, ou está como
determinidade em contraste com uma outra figura independente; ou então
com sua natureza inorgânica universal. Mas uma tal natureza universal
independente, na qual a negação está como negação absoluta, é o gênero
como tal, ou como consciência-de-si. A consciência-de-si só alcança sua
satisfação em uma outra consciência-de-si.(HEGEL, 2014, p. 141)
A verdade da consciência resulta da própria consciência, ou ainda, “a
satisfação do desejo é a reflexão da consciência-de-si sobre si mesma, ou a certeza
que veio a ser verdade”. (HEGEL, 2014, p. 141). A partir disso se tem a razão como
transcendência (espírito) na busca pela verdade, que se encarna na história,
direcionando-a a sua meta em absoluto, seu fim-em-si, objetivando o espírito
absoluto que é o pleno saber, imanentizando o transcendente e fazendo na história
a realização da plena liberdade no Estado.
3.3 A RAZÃO COMO CONSCIÊNCIA-DE-SI EM DIREÇÃO À CONFORMAÇÃO DO
ESPÍRITO
A filosofia do espírito de Hegel assume três variáveis, sendo elas: O espírito
subjetivo que caracteriza a fase da consciência individual, o espírito objetivo da
tomada de consciência e, sua realização social através das instituições
materializadas na história e: o Espírito Absoluto sendo esse argumento que estará
em jogo e; que reside a condição da liberdade e do desenvolvimento, ou ainda, a
tomada de consciência pela própria consciência no processo de conformação da
absolutidade do espírito.
A ideia de espírito assume, sob certo aspecto, a centralidade do pensamento
hegeliano. Segundo Hegel, “a natureza do Espírito é conhecida por meio de sua
51
perfeita oposição” e a sua essência é a liberdade. Sendo assim, a realização do
Espírito tem lugar e tempo para acontecer, então, na história há o processo de
tornar-se real, consistindo em existir apenas “mediante a liberdade”. (HEGEL, 1995,
p. 23).
Segundo o estudioso e intérprete do pensamento de Hegel Bernard
Bourgeois, em sua obra “Os Ato do Espírito” (2004)
Para Hegel, o espírito não é uma determinação entre outras, mas a
determinação, verdadeira, absoluta, do ser: o hegelianismo é a filosofia do
ser como espírito. E esta filosofia apresenta-se ela mesma como a
racionalização ou conceitualização da teologia cristã. Convém, no entanto,
observar que esta não se representa a trindade divina como a concebe
aquela, a saber, como realizando-se em seu terceiro momento, o momento
do espírito (santo) propriamente dito:a seqüência trinitária é, para o
cristianismo, uma descida do Pai, pelo Filho, que deixa seu Espírito,
enquanto, para o hegelianismo, é uma ascensão do Pai, pelo Filho, ao
Espírito. (BOURGEOIS, 2004 p. 253)
Sendo assim, o que está em jogo no pensamento teológico hegeliano é a
liberdade e, essa advém do absoluto. Enquanto a teologia católica apresenta o
processo de encarnação advindo do Pai, que se encarna no Filho, num processo de
imanentização que, faz permanecer seu Espírito como dom de amor, para o
pensamento hegeliano o espírito é – nas palavras de Bourgeois – “naturalizado”, e o
espírito “é a afirmação espiritual do espírito nele. Ou seja, há uma inversão teológica
em relação à teologia cristã, uma afirmação natural do Espírito que conduz ao Pai
através do Filho. O espírito se apresenta em Hegel como uma categoria absoluta do
ser.
Em sua obra já supracitada, - “Fenomenologia do Espírito”-, Hegel apresenta
a razão como espírito. Nas palavras do filósofo:
A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à
verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do
mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito, mostrou-o o movimento
imediato anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se
elevou ao conceito da razão. HEGEL, 2014, p. 298).
Sendo assim, o espírito como essência da consciência reconhecida em si
também possui uma essência e, essa é, em relação ao seu oposto e o movimento
que direciona a verdade, fazendo com que a consciência constitua a realidade a
partir da efetivação da sua própria efetivação.
De fato, essa consciência difere ainda da substância com o algo singular;
ora estatui leis arbitrarias, ora acredita ter em seu saber as leis tais como
são em si e para si; e se tem como potência que as julga. Ou então,
52
considerada do lado da substância é a essência espiritual em-si e para-siessente que ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a essência
em-si-e-para-si-essente, que ao mesmo tempo é para si efetiva como
consciência, e que se representa a si mesma para si, é o espírito. (HEGEL,
2014,p. 298).
Essa passagem da consciência ao espírito é um processo de saída do em-si
ao para-si e seu retorno, num sentido dialético, ou ainda, uma relação interna do
espírito com o próprio espírito em movimento, ascensão e superação a partir da
negação de si para a conformação de outrem. A efetivação do para-si resulta na
consciência que se projeta resultando no espírito que, segundo Hegel é “efetividade
ética”. Sendo assim:
O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e
permanente: o inabalavel e irredutível fundamento e ponto de partida do agir
de todos, seu fim e sua meta, como [também] o Em-si pensado de toda a
consciência-de-si. Essa substância igualmente a obra universal que,
mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade e
igualdade, pois ela é o ser-para-si, o Si, o agir. Como substância, o espírito
é igualdade-consigo-mesmo, justa e imutável; mas como ser-para-si, é a
essência que se dissolveu, a essência bondosa que se sacrifica. Nela cada
um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e dele toma para si
sua parte. Tal dissolução e singularização da essência é precisamente o
momento do agir e do Si de tons. E o movimento e a alma da substância, e
a essência universal efetuada. Ora, justamente por isso – porque é o ser
dissolvido no Si – não é a essência morta, mas a essência efetiva e viva.
(HEGEL, 2014, p. 299)
Todavia, o espírito é a essência do ser, “é a essência absoluta real que a si
mesma sustém” (HEGEL, 2014, p. 299). Nele se constitui a verdade e faz do ser
àquilo que é em relação a si mesmo, ou seja, a “completa e, garante o ser como ser
na sua plena diferença em relação a si: ele é a contradição resolvida.” (BOUGEOIS,
1995, p. 256). A absolutidade do espírito só pode ser alcançada quando esse for
além da sua objetividade, ou seja, quando a partir da sua negação em relação ao
outro, assume a condição de saída de si ao para si e retorna.
O espírito não é, mas se faz ser, nega todo ser ou todo imediato dentro dele
ao afirmar, isto, é, ao mediatizar todo ser, inclusive o seu; assim ele se
revela totalmente livre, livre de tudo, mesmo de si mesmo ou de um si
mesmo que sofreria como um ser. Uma tal auto-afirmação absoluta da
liberdade onstitui a atividade ou a potência que Hegel designa também, ao
dar um sentido conceitual ao termo tomado da teologia revelada do
cristianismo, como criação. O espírito em sua liberdade é o que cria ao
criar-se, que se cria criando, que se cria livre e cria um ser livre, seres livres.
Para Hegel, espírito, liberdade e criação são uma coisa só. (BOUGEOIS,
1995, p. 258)
Essa passagem de Bougeois contribui na compreensão da conformação da
absolutidade do espírito que se dá a partir de uma relação íntima de si consigo
53
mesmo. Ou dito de outra forma, a partir da negação de si enquanto espírito objetivo,
transcendendo a si mesmo, cria-se a partir de seu interior no sentido de superação
de si. Isso possibilita refletir com o autor sobre sua atividade, ou seja, sobre a
atividade espiritual do espírito como tal:
A atividade que é o espírito é, enquanto atividade, negação (modificação de
um estado de coisas), e, enquanto atividade espiritual, negação que não é,
mas se nega, negação de si, sacrifício de si. Este sacrifício de si só pode
ser como outro que ele mesmo, portanto como sacrifício de si afirmado e
assim limitado em sua origem, finito; em suma, como existência criada de
um espírito finito. A criação é afirmação de um espírito por um espírito, de
uma liberdade por uma liberdade, de um sujeito capaz de fazer-se outro que
si por um sujeito que se faz outro que si, uma afirmação ela própria livre de
uma liberdade por uma liberdade, na medida em que se relaciona
negativamente a si. (BOUGEOIS, 1995, p. 258-259)
Essa relação criadora do espírito é livre, pois essa relação dialética é
resultado da íntima relação do espírito consigo mesmo que se cria criando-se.
Assim, para Hegel, o espírito é livre e criador, na medida em que se defronta com
outros espíritos autofundados, autoreferenciados em si mesmos. Segundo
Bourgeois, o espírito não está sozinho neste processo, mas em-si pode ser
relacional. Nas palavras do autor:
Somente o espírito testemunha verdadeiramente o espírito. Para Hegel, ser
um espírito é ser para um espírito, e esta relação constitutiva do espírito é
uma relação criadora: o espírito é efetivamente o que se cria ele próprio ao
criar, ao fazer ser, assim como o que poder negar seu próprio ser, um outro
espírito. Tornemos a dizer: ser livre é libertar; não se é livre sozinho; um
espírito sozinho não pode ser um espírito: o espírito só pode existir como
uma comunidade de espíritos. Desse modo, o espírito que é, enquanto
negatividade, poder, só é poder absoluto em seu poder sobre si mesmo ou
sua autonegação sacrificial, a qual só é real na e como a afirmação de uma
outra autonegação ou de um outro espírito. Ora, uma tal afirmação definese a bondade. A criação manifesta o poder de um ser bom. (BOUGEOIS,
1995, p. 259).
Essa relação de alteridade do espírito é necessário em Hegel para seu
processo de criação e superação de si, pois isso apenas é possível num processo
relacional dialético e, isso se constitui a partir da negação de si. Para que haja esta
relação de espíritos, necessariamente um deve se deparar com o outro que é sua
negação. Nesse sentido, o ‘outro’ é aquilo que o ‘eu’ não é, dito de outra forma, o eu
é a negação do outro, assim como o outro é a negação do eu criador e, o outro
também é um eu criador na sua essência, enquanto ser que se constitui e se cria a
partir do eu em contraposição ao outro. Por essa linhagem:
54
Aqui, onde se põe o espírito – ou a reflexão dos momentos sobre si
mesmos -, pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente que,
por esse lado, eram eles: consciência, consciência-de-si e razão. [1] O
espírito é, pois, consciência em geral – que em si compreende certeza
sensível, percepção e o entendimento -, quando na análise de si mesmo
retém o momento segundo o qual é, para ele, a efetividade essente objetiva,
e abstrai de que essa efetividade seja seu próprio ser-para-si. [2] Ao
contrário, quando fixa o outro momento da análise, segundo o qual seu
objeto é seu ser-para-si, então o espírito é consciência-de-si. [3] Mas, como
consciência imediata do ser-em-si-e-para-si – como unidade da consciência
e da consciência-de-si -, o espírito é a consciência que tem razão; que,
como o ter indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente,
ou seja, pelo valor da categoria; porém, de tal modo que o objeto ainda não
tem para a consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal
como acabamos de considerar. [4] Essa razão, que o espírito tem, é enfim
intuída por ele como razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva,
e que é seu mundo, assim o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a
essência ética efetiva. (HEGEL, 2014, p. 299-300).
Essa argumentação extremamente racional e lógica de Hegel, estabelece as
diretrizes para uma reflexão que determina o espírito como resultado de um
processo que tem como pressupostos basilares a consciência, consciência-de-si e a
razão. O filósofo apresenta o espírito como sendo “consciência em geral”, isso, de
um povo diante de si que toma a si mesmo como objeto, reflete sua condição e, ao
fazê-lo, estabelece a consciência de si em relação aos outros povos e culturas.
Sendo assim, para Hegel o espírito assume a condição de “vida ética de um
povo, enquanto é a verdade imediata”. Isso se materializa e se realiza na história por
meio de um processo de imanentização no constructo da sua absolutidade
encarnada e, de forma lógica essa absolutidade do espírito, que tem em si a
eticidade. Acontece na cultura e se imanentiza na ideia de um estado forte, que para
Hegel é a monarquia constitucional16. Na sua “Introdução à Filosofia da História”,
Hegel trata sobre a natureza do espírito:
A natureza do espírito é conhecida por meio de sua perfeita oposição.
Como a substância da matéria é o peso, assim devemos dizer que a
substância é a essência do espírito, é a liberdade. É fácil acreditar que ele
possua, entre outras propriedades, a liberdade. A filosofia, no entanto,
ensina-nos que todas as propriedades do espírito só existem mediante a
liberdade, são todas apenas meios para a liberdade, todas a procuram e a
criam. Isso é um conhecimento da filosofia especulativa, ou seja, a
liberdade é a única verdade do espírito. (HEGEL, 1995, p.24)
16
Não será discutido com profundidade nesse trabalho dissertativo as noções de política advindas
das perspectivas hegelianas, dito que o objetivo é a conformação do espírito de um povo e, isso em
relação ao desenvolvimento. Importante salientar a importância da política para o desenvolvimento,
porém esse trabalho se limita nas dimensões históricas e ontológicas.
55
Sendo assim, o espírito possui sua essência em si mesmo, enquanto que a
matéria a possui fora de si. A liberdade constitui o interior do espírito que se projeta
na história de forma racional e, através do estado, que é apresentado em Hegel
como o todo moral. Para o filósofo, no Estado o indivíduo desfruta da sua liberdade,
como resultado da vontade particular, que se projeta a partir da vontade universal e
constitui o espírito de um povo.
Esse espírito é resultante de um processo de conformação do povo, que se
projeta a partir do movimento de ter-se tomado como objeto e, compreendido a si
mesmo em relação a outros povos. É um ente abstrato e subjetivo que se concretiza
e objetiva na história pela razão. Essa é responsável por conduzir a história no
tempo e no espaço e é a condição da realização da mesma, pois nada de racional
está fora do real e, tudo o que se projeta na realidade é constituído de racionalidade.
A conformação do espírito de um povo é determinante para o
desenvolvimento, pois para que este ocorra é necessário que a realização lógica da
história propicie ao seu tempo o progresso como resultado da efetivação da razão
que se encarna. Ou seja, o desenvolvimento deve ser construído, é resultado e ao
mesmo tempo consequência da realização da vontade livre de um povo em
consonância com a vontade individual.
Ou seja, a constituição do espírito subjetivo requer que o indivíduo deve
projetar-se como pertencente a um povo e, ademais constituir-se como realidade
possuidora de vontade, mas sem contradizer o todo que permeia e é permeado de
particulares. Isso resulta a partir da conformação da consciência que toma
consciência de si e se assume como condição de superação, ou seja, a partir da
vontade na liberdade.
3.3.1 A Razão e a Religião na conformação do Espírito de um povo
O pensamento de Hegel é resultado de um processo racionalista que se
inicia no mundo Grego, perpassa o período medieval e acontece na modernidade.
Assim, apresentar-se-á como se desenvolve o conceito de razão e como o mesmo
se desdobra na antiguidade, na idade média e na modernidade, tendo como ponto
de partida a visão grega como matriz filosófica do mundo ocidental. Essa é
assumida por Hegel no seu sistema filosófico. Talvez seja possível afirmar,
reconhecendo os riscos dessa argumentação, que os gregos inventaram a razão.
Ou ainda, sistematizaram filosoficamente a razão como forma de vida. Assim, o
56
conceito de razão deriva do grego logos e possui pelo menos três significados que o
fundamentam.
O primeiro significado pode ser entendido a partir do ponto de vista de
referência para a investigação, ou seja, a razão orienta à indagação e é própria do
humano. Dito de outra forma, apenas o humano é capaz de questionar o mundo que
o cerca e/ou relacionar sua faculdade racional ao meio, para extrair símbolos e
significados elaborados conceitualmente num processo de interiorização do exterior
e exteriorização do interiorizado, utilizando-se da linguagem para tal.
312- [ Dies Äussere macht] Em primeiro lugar, esse exterior só torna o
interior visível como órgão ou – em geral – faz do interior um ser para um
outro, uma vez que o interior, enquanto está no órgão, é a atividade mesma.
A boca fala, a mão trabalha – e também as pernas, se quiserem – são
órgãos que efetivam e implementam, que têm neles o agir como agir ou o
interior como tal. Todavia, a exterioridade que o exterior ganha mediante os
órgãos é o ato, como uma efetividade separada do indivíduo. Linguagem e
trabalho são exteriorizações nas quais o indivíduo não se conserva nem se
possui mais em si mesmo; senão que nessas exteriorizações faz o interior
sair totalmente de si, e o abandona a Outro.
Assim, tanto se pode dizer que essas exteriorizações exprimem demasiado
o interior, como dizer que o exprimem demasiado pouco. Demasiado –
porque o interior mesmo nelas irrompe, e não resta nenhuma oposição
entre ele e suas exteriorizações, que não só fornecem uma expressão do
interior, mas são imediatamente o interior mesmo. Demasiado pouco –
porque o interior na linguagem e na ação se faz um Outro, abandona-se ao
elemento da transmutação, que, subvertendo a palavra falada e o ato
consumado, faz deles algo diverso do que são em si e para si, enquanto
ações de um indivíduo determinado. (HEGEL, 2014, p. 221).
Na perspectiva hegeliana, a linguagem se apresenta como sendo a
mediação e realização da razão, ou ainda, como possibilidade de objetivação da
razão a partir do processo de negação. Ou seja, a exteriorização é a negação da
interiorização e conforma o outro. Esse é um processo de realização a partir da
negação. Para o filósofo, a relação interior e exterior “é uma relação de nexo causal,
pois a relação de um em-si-essente com outro em-si-essente enquanto relação é
necessária, é essa relação [de nexo causal].” (HEGEL, 2014, p. 229)
Um segundo significado pode-se encontrar em Aristóletes (384 – 322 aC.)
que apresenta a razão do ser de algo como essência que se expressa no conceito,
ou seja, a definição do ser é um processo de fazer o ‘ser’, ser.
Ainda, para
Aristóteles e correntes filosóficas que derivam de sua filosofia, a razão é parte
integrante do ser a partir de sua conceitualização. Na obra Política (2004) O filósofo
analisa as estruturas ontológicas da ação política do homem:
57
A natureza, como se afirma frequentemente, não faz nada em vão, e o
homem é o único animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera
voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e seja
encontrada em outros animais (uma vez que a natureza deles inclui apenas
a percepção de prazer e de dor, a relação entre elas e não mais que isso), o
poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim
como o justo e o injusto. Essa é uma característica do ser humano, o único
a ter a noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação
de seres que têm uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma
família ou uma cidade. (ARISTÓTELES, 2004 p. 146)
A diferenciação entre homens e animais expressada por Aristóteles está no
domínio da linguagem e, isso possibilita a dinâmica política como resultado do
processo da ação racional. Outra definição de razão possível é o da racionalidade
que se apresenta ao longo desta argumentação. Ou seja, diante de um argumento
há a necessidade de um contra-argumento que pode ser justificado racionalmente e,
nesse se encontra um processo de racionalidade capaz de ser considerado como
prova de verdade.
Ou seja, no argumento se encontra a razão de ser de uma possível verdade,
seja no argumento ou no contra-argumento que contraposta ao contra-argumento
pode se afirmar como argumento primeiro, ou derivar na efetividade do contraargumento, bem como apresentar como superação dos dois momentos anteriores,
constituindo no reconhecimento das potencialidades do argumento em si.
A razão também pode ser analisada a partir da sua potencialidade de
superar outras vias de compreensão do mundo sensível, diferenciando-se das
percepções e explicações advindas dos mitos, dos preconceitos, das opiniões e dos
silogismos. Esse processo se dá a partir de uma argumentação e contraargumentação, no embate filosófico, portanto, filosófico se entenderia como
expressão de uma certa forma e uso da razão em relação aos esforços humanos de
compreensão do seu mundo em sua totalidade.
Assim, os resultados obtidos por meio da razão são considerados próximos
da verdade, não no sentido religioso, de verdade revelada, mas no sentido filosófico,
onde a verdade é resultado da observação e de procedimentos cognitivos mediados
pela linguagem comprometida com a exatidão do conceito. Nesse sentido, a razão é
àquela manifestação humana de pretensão universal que permite ao ser humano
superar a menoridade, a dependência de forças transcendentes na explicação do
ser, do vir-a-ser constitutivo do mundo em que se encontra. Assim, a razão tem a
pretensão de apresentar o mundo tal como é a partir de pressupostos universais.
58
Isso possibilita que se pense em todos os continentes e nações, no qual, o
ser humano é visto como possuidor dessa dimensão racional, mesmo que em
algumas situações a faculdade racional, ou o uso da razão ainda conviva com outras
formas de compreensão e explicação do mundo, sejam elas de ordem mitológica,
religiosa, ou mesmo supersticiosa, é essa capacidade que o diferencia dos outros
animais. A conduta humana mediada pela racionalidade se torna condição para
entender o processo de desenvolvimento, pois haverá desenvolvimento a partir da
tomada de consciência da própria consciência. Sendo assim, o desenvolvimento é
uma construção racional e, enquanto a razão permanecer inerte na história de um
povo, ou, esse povo não se tomar como objeto, o desenvolvimento não se efetiva.
Somente quando a razão surge como reflexão a partir dessa certeza oposta
é que surge sua afirmação de si, não apenas como certeza e asserção, mas
como verdade, e não ao lado de outras verdades, mas como a única
verdade. O imediato surgir [da verdade] é a abstração de seu ser-presente,
cuja essência e ser-em-si é o conceito absoluto – quer dizer o movimento
de seu ser-que-veio-a-ser.
A consciência vai determinar sua relação ao ser-outro ou a seu objeto, de
maneiras diversas, conforme a etapa, em que ela se encontre, do espíritodo-mundo que-se-torna-consciênte de si. O modo como o espírito do mundo
em cada caso imediatamente encontra e determina a si mesmo e a seu
objeto – ou como ele é para si –isso depende do que já veio-a-ser, ou do
que já é em-si. (HEGEL 2014, p. 174)
Essa característica talvez unicamente humana – a racional – possibilita o
controle senão a repressão dos instintos constitutivos da natureza humana. Ao
mesmo tempo possibilita pensar o meio em que se está inserido, também humaniza
e torna suas ações pensadas, diferenciando-se da animalidade. Afinal, o fato de ter
sido apreendido pelo dispositivo da linguagem desenvolvendo um modo muito
específico do uso da razão trouxe aos seres humanos a condição da percepção da
negatividade de sua condição lançada no mundo. Assim, o ser humano é o único
animal que sabe que morre, o que lhe exige esforços de constituição de
perspectivas teleológicas, de sentido e finalidade para o mundo que construiu a
partir de seus esforços cognitivos de nomeação e conceituação do que lhe é
externo.
Sob tais pressupostos, pode-se considerar a busca e o anseio do
desenvolvimento como decorrência dessa necessidade humana de sentir e justificar
sua existência no mundo num grau superior, ou diferenciado em relação ao conjunto
dos seres e da natureza que o cerca. Os mundos, animal e vegetal, não morrem
59
porque não possuem um mundo, apenas interagem com as forças da natureza na
luta pela sobrevivência, a busca do equilíbrio entre prazer e dor. O que está em jogo
é a sobrevivência da espécie na medida em que a vida dos indivíduos apenas se
justifica no seio da espécie.
Sendo assim, ao tempo que a razão domina o animal, ela pode a qualquer
momento abandonar esse controle e o indivíduo passa a agir na pura forma de uma
vida nua, desprovida dos imperativos humanos que o inseriram na comunidade dos
humanos, mas também não mais na forma animal. Àquilo que foi capturado pelo
dispositivo da linguagem e inserido no mundo humanos, está desprovido de retorno
à condição da animalidade, torna-se uma mera vida. Essa é a tensão entre o
humano e o animal.
O indivíduo toma consciência de si, se assume como objeto e ocupa seu
lugar no mundo, projetando-o e condicionando-o às suas necessidades efetivando
racionalmente sua vontade. Somente o indivíduo que toma consciência de sua
condição de humano racional livre se torna capaz de conduzir o processo
civilizatório, ou seja, o processo de desenvolvimento e de superação da condição
em que o indivíduo se encontra. Isso pode acontecer a partir da tomada de
consciência e da abertura ao transcendente.
Hegel é amante da filosofia de Heráclito, que pensou primeiramente a
dialética a partir da qual o filósofo alemão sistematiza sua filosofia. Heráclito, ao
retratar a razão afirma que essa deve ser o único critério orientador de todos os
homens. No Fragmento 2, descreve a necessidade de seguir o que é universal
afirmando que apenas o logos o é. Essa referência de Heráclito apresenta-se como
resposta a Parmênides, haja vista, que esse estudioso apresentava o critério do
sensível para definições filosóficas.
Heráclito é o filósofo pré-socrático que pensa o devir, ou seja, tudo está em
movimento, em constante transformação e isso segue uma lei natural. Para esse
autor, nada é para sempre, tudo flui. O logos possibilita ao homem constatar e
conhecer a verdade e, essa se encontra no cosmos como possibilidade de ser
alcançada pela capacidade do homem. Em Heráclito também se encontra o
pensamento da potencialidade dos contrários que Hegel analisará na lógica de sua
dialética. As ideias de Heráclito influenciaram, sobretudo, a filosofia de Platão com
relação ao dualismo e da realidade em movimento, ambas presentes tanto na
filosofia Platônica quanto na de Heráclito.
60
Retomando a história da filosofia, ao se tratar da razão, Platão e Aristóteles
opõem a razão à sensibilidade, aproximando a idéia do sensível às paixões e ao que
o humano tem em comum aos animais em Aristóteles e, no caso em Platão a razão
se apresenta como sendo parte integrante do mundo inteligível e o sensível ao
mundo das sombras. Aqui se percebe que a razão se torna referência para a visão
de mundo que se inicia com os gregos e dá origem à civilização ocidental.
Na Patrística17 a razão é apresentada como sendo expressão da revelação
de Deus para a salvação da humanidade. Essa ideia de revelação é marcada por
uma proposta evangélica institucionalizada por Paulo de Tarso, sendo esse
responsável pela separação entre judaísmo e cristianismo ocorrido no I Concílio da
Igreja Católica, o de Jerusalém no século V depois de Cristo. Retomando os
filósofos gregos, principalmente Aristóteles e Platão, os padres da Igreja cristianizam
a filosofia na busca de explicar a fé. Surgem grandes nomes como Agostinho de
Hipona, Tertuliano, entre outros.
Santo Agostinho apresenta a razão como um princípio que institui a busca
pelo absoluto e torna fecunda tal busca. Através da razão, entendida como
faculdade dada por Deus para o encontro com Ele, o humano traça seu trajeto na
busca pelo infinito. Isso se dá na relação entre movimento e tempo. O movimento
pode ser entendido a partir da história. No sentido teleológico isso implica na busca
pelo absoluto, voltada a pretensão escatológica de tempo.
Em De Ordine Agostinho faz o elogio da razão e afirma, nos últimos
capítulos de sua magnífica obra, que “a razão é o movimento da mente que pode
distinguir e correlacionar tudo o que se aprende” (De ordine., II, 11,30), e em De
ordine 19, 50 afirma que a razão é a força criadora do mundo humano. Ela que deu
origem à linguagem, à escrita, ao cálculo, às artes, à ciência e a tudo o que é imortal
no homem. O movimento acontece - que é apresentado na primeira citação de De
Ordine - no tempo e no espaço, portanto na história, que possui, na visão cristã de
mundo, um início e um fim, no qual tudo está submetido e, isso consiste na base da
definição de tempo que se insere na visão de mundo ocidental. A história acontece
17
Período filosófico constituído pelos padres da igreja católica. Esse período faz referência ao
momento em que a filosofia cristã elaborava sua doutrina e se defendia dos ataques pagãos, ou seja,
as chamadas heresias: questionamentos dirigidos à fé e que, utilizando a filosofia, a teologia
procurava responder. Nesse período da história da filosofia, a razão (logos) é entendida como sendo
o Cristo que se revela aos homens para a salvação. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”. (Jo,
1. 1).
61
no tempo e no espaço que a limita, determina a finalidade, sendo assim, racional e
real.
Na modernidade mais precisamente com Descartes, a razão reassume sua
conceitualização de origem. No “Discurso do Método”, o autor afirma que “a
capacidade de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que recebe o nome
de senso ou razão, é por natureza igual a todos os homens [...]”. Essa afirmação de
Descartes claramente retoma a definição de razão do mundo clássico e introduz na
modernidade a definição de razão pensada no mundo antigo.
No Iluminismo18, a razão é vista como sendo norte para as ações humanas,
ou seja, na tentativa de superar a religiosidade predominante no período medievo,
apresentado como período de trevas19, o século das luzes se reconhece como
iluminado pela razão e esta oriunda do mundo grego antigo. Kant - autor que divide
a razão em três momentos em Pura, Prática e do Juízo - o Iluminismo é à saída da
menoridade para a maioridade, no sentido do uso indevido da razão diante do
desafio dos homens em fazerem uso da plenitude e das exigências de suas
capacidades intelectuais como princípio e norte de suas ações.
Isso implica, até mesmo na avaliação racional da própria razão ou, como
diria Kant no prefácio da Crítica da Razão Pura, de “levar a razão ao tribunal da
razão”. Para esse autor, a razão é uma faculdade humana que produz conceitos por
si, ou seja, nas palavras do autor é a “faculdade dos princípios”.Como consequência
desse período em que a razão põe tudo à prova e se apresenta como instrumento
de apreensão da realidade, se tem às revoluções modernas, entre elas a Revolução
Francesa. Esse é momento histórico em que Hegel presencia e faz referência em
suas obras.
Nesse período também é cunhada a visão de progresso que culminará no
positivismo e do qual o desenvolvimento das ciências naturais conduzirá a teoria da
evolução das espécies cunhada pelo darwinismo20 e todas as suas ações como
propulsora de técnicas e instrumentos para captar os meios e elevá-las, de forma
racional, a transformações sejam elas sociais, filosóficas e/ou dos meios de
18
O Iluminismo foi um movimento cultural e filosófico do século XVIII. Este movimento defende a
liberdade e a igualdade com aposta na razão como forma de administrar a realidade.
19
Este período da história da filosofia denominado “período das trevas” é marcado por grande
produção histórica e filosófica, ou seja, é um tempo que se está descobrindo e supera a denominação
de trevas cunhada na modernidade.
20
Teoria fundada a partir dos fundamentos de Darwin que afirma que a evolução dos seres
acontecem a partir de variações naturais e seleção natural sob a influência do ambiente que os seres
estão submetidos.
62
produção. Se tem também aqui a origem da Sociologia em sua pretensão reformista
presente em Augusto Comte com sua filosofia da história da metafísica ocidental e,
em Karl Marx, mas sobretudo em Engels, com sua filosofia da história a partir do
materialismo histórico-dialético e a pretensão de transformação das estruturas
sociais e políticas.
Para Hegel, a razão está determinada ao que é real, ou seja, nada que seja
racional pode não ser racional. Segundo Bourgeois:
Hegel, mais do que qualquer outro, buscou entender o poder da razão
[Vernunft], fazendo-a dominar de maneira determinada, isto é, real, o
próprio campo onde parecia reinar, mais do que em qualquer outra parte, o
irracional, sob a dupla forma do acaso objetivo e da arbitrariedade subjetiva,
ou seja, o campo da contingência histórica. A célebre equação do racional e
do real afirma-se claramente, no prefácio dos Princípios da Filosofia do
Direito, como marcando o devir histórico do espírito objetivo e marcando
com mais intensidade ainda do que o faz na natureza, cujas regularidades
foram descobertas de maneira precoce. (BOURGEOIS, 2004, p. 287).
Sendo assim, a história se apresenta de forma diferente da natureza, ou seja,
a partir da ordem dos acontecimentos históricos, se percebe que tais fatos e
fenômenos estão marcados por algo que o direciona, ou seja, a história se
apresenta no tempo e no espaço, sendo assim, real e, portanto, racional. O Ocidente
é marcado pela tradição religiosa judaico cristã. Como visto anteriormente, a junção
do mundo Grego e do mundo judaico-cristão conformaram as bases culturais,
religiosas e filosóficas ocidentais, assim como, influenciaram o pensamento
hegeliano, devido suas bases religiosas e filosóficas.
Na idade média, Deus se torna objeto de dissecação filosófica, o que
permitiu com que se desenvolvessem ideias e conceitos relacionados a Deus como
razão última de tudo o que existe. Hegel se defronta com esta noção de Deus em
Leibniz (1646-1716), pois esse autor defende a Ideia de Deus como razão suficiente.
Segundo Bougeois, Hegel analisa a visão leibniziana de razão suficiente,
observando que tal conceito é contraditório. Na obra “Princípios da Natureza e da
Graça fundados na Razão” o filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716),
desenvolve o conceito de razão suficiente a partir da observação tendo como eixo
central o racionalismo clássico.
Para o autor, tudo possui uma razão de ser, ou seja, toda matéria em
movimento está determinada por uma razão a priori e, essa a outra anterior a si
mesma e assim ad infinitum. Porém, é necessário que haja um ser que seja auto-
63
suficiente e, sua razão de ser esteja em si mesmo, ou seja, que esse ser seja a
razão de si e de todas as outras coisas. Esse ser é chamado de Deus.
Para Hegel, a ideia de razão suficiente é no mínimo contraditória ou se não
tautológico e redundante, no qual Bougeois corrobora:
Se podemos apenas saber em geral que há em Deus a razão suficiente de
tudo, sem de modo algum saber uma razão suficiente determinada de tal
coisa determinada, o que condena a um puro formalismo a afirmação do
princípio de razão suficiente, é que, precisamente não podemos nos
identificar por nosso pensamento finito à produção divina do mundo, que
compreende este porque a unidade produz a multiplicidade em vez de
simplesmente ser pressuposta, suposta a partir dela. Justamente por não
podermos compreender aquilo que nós, espíritos finitos, mas racionais,
dizemos necessário, é que reservamos isto a Deus. “O que é necessário,
mas não é compreendido é colocado nele”. Assim, Deus tem o privilégio de
lhe fazerem assumir o que não pode ser compreendido”, de tal modo que “a
palavra Deus é então o expediente que apenas conduz à unidade, uma
unidade simplesmente dita”, sem que “a proveniência do múltiplo a partir
desta unidade seja mostrada”. Mas, se a afirmação em Deus da razão
suficiente do mundo não pode atribuir-se um conteúdo real, portanto,
verifica-se absolutamente no homem, é que ela tem por sentido efetivo
aquilo que, para Hegel, eleva-a muito acima dela mesma. (BOUGEOIS,
2004, p. 291).
Sob tais pressupostos, a visão de Deus como razão suficiente não se
sustenta, pois Leibniz absolutiza o entendimento e não apenas apresenta como
sendo suficiente à noção de racionalidade para Deus, tornando insuficiente o
fundamento dessa noção.
E porque o fundamento exprime a determinação sintética pura da essência,
ele afeta com sua limitação todas as realizações cada vez mais concretas
dessa essência, nas quais ela penetra sempre mais intimamente em seu
Outro, o ser oriundo dela como existência fenomênica e depois efetiva (por
exemplo, sua realização como causalidade). Seguramente, já que as
determinações do ser enquanto essência não são exteriores umas às
outras, mas refletidas em sua alteridade umas nas outras – não há
identidade senão na diferença, diferença senão na identidade, e
fundamento, identidade da identidade e diferença senão na reflexão
recíproca da identidade diferenciada, fundante, e da diferença identificada,
fundada -, essas determinações, incapazes assim de ser desmentidas pela
afirmação do Outro delas, podem perfeitamente ser erigidas como
princípios, Mas, já que elas, nem mesmo em seu ápice essencial, refletemse umas nas ouras ainda como outras, elas não podem formar o conteúdo
de princípios absolutos: com efeito, um princípio absoluto deve primeiro
identificar-se completamente a si mesmo em sua diferença interna, ser
inteiramente transparente a si mesmo em sua determinação, em suma,
autodeterminar-se verdadeiramente nela. O que exige a superação da
essência. (BOUGEOIS, 2004, p. 294).
O que se pode perceber entre Leibniz e Hegel são caminhos opostos no que
concerne à conformação da noção de Espírito Absoluto – Hegel – e de Razão
Suficiente – Leibniz. A busca por aproximar ontologicamente o infinito ao finito, ou
64
Deus e homem através do uso da razão, fez com que Hegel observasse a realidade
invertendo a visão leibniziana, pois ao passo que Leibniz apresenta uma ideia de
que Deus se apresenta como razão de todas as razões, de cima para baixo, ou seja,
busca a partir de Deus fundamentar existência histórica. Todavia, Hegel procura
analisar a partir da ótica da historicização de Deus, pelo sacrifício humanizante do
Deus criador da natureza e da história. Leibniz humaniza Deus ao salvar o homem,
Hegel salva o homem ao humanizar Deus”. (BOUGEOIS, 2004, p. 298/299).
Hegel pode ser considerado um filósofo racionalista que analisa a história
tendo como ponto de partida a religiosidade, mais especificamente o cristianismo.
Na sua obra Fenomenologia do Espírito, utiliza conceitos de fundamento cristão e
teológico para elevar de forma idealista sua visão de homem que se projeta na
história com consciência de si em direção ao Absoluto. Nesse enfrentamento de
Hegel e Leibniz também convém afirmar que a ideia de negação presente na
dialética hegeliana, pode ser vista como argumento que refuta a noção de razão
suficiente de Leibniz.
Sendo assim, o que se percebe em Hegel é a ideia de existência de apenas
uma razão, ou seja, não há a possibilidade de afirmar a existência de duas ou mais
razões, mas sim num sistema dialético da razão consigo mesma que possibilita o
desenvolvimento. Num primeiro momento, Hegel apresenta na sua filosofia da
religião a noção de consciência religiosa, que não é a ideia de consciência-de-si,
porém enquanto fé está interligada com a noção de sentimento. O conhecimento
religioso se dá a partir da reflexão sobre a religiosidade, constituindo-se em Hegel
numa Filosofia da religião.
Hegel confere uma importância fundamental à religiosidade por auxiliar na
conformação do espírito de um povo, pois a religião possibilita abertura ao outro e
isso dá sentido ao contexto de formação de uma nação. A religião cristã também
possui em sua doutrina a história da salvação, ou a salvação na história resultante
de um processo de historicização do salvador. Ou seja, há um fim da história e na
história que se concretiza na ideia de salvação, de encarnação do espírito no mundo
como forma de realização desse plano de salvação.
Para Hegel, o indivíduo – reduzido a si mesmo – é uma abstração. Eis
porque a unidade organiza verdadeira, o universal concreto, serão para ele
o povo. Ao passo que Schelling vê na produção da obra de arte a intuição
absoluta, a que concilia subjetivo e objetivo, o consciente e o inconsciente,
Hegel, escrevendo em Iena o System der Sittlichkeit, substitui a obra de
65
arte, como expressão do absoluto, pelo organismo concreto da vida de um
povo. Sua primeira filosofia do espírito será a descrição da organização
social desde suas bases nas necessidades concretas do homem até o sei
pináculo no Estado e na religião do povo, na grandeza espiritual original a
um tempo subjetiva e objetiva. (HYPPOLITE, 1971 p. 13)
Aqui se percebe a influência da religião na conformação do espírito de um
povo, pois a visão de mundo projeta o humano e o meio o conforma, haja vista que a
vida espiritual é pensada por Hegel como vida de um povo, ou seja, há a
encarnação do espírito na história num processo de imanentização da razão que é
espírito. A religiosidade também tem função específica na conformação do ponto de
vista da consciência do indivíduo para a coletividade.
Na obra “A Razão na História” (2001) Hegel analisa especificamente “o
fundamento religioso do Estado”. Nesse momento, esse argumento possibilita
entender a influência da religiosidade na formação da subjetividade dos indivíduos
pertencentes a um determinado povo.
Ao discutir a religião é importante perguntar se ela reconhece a verdade, ou
Ideia, apenas em sua forma isolada ou em sua verdadeira unidade. Em sua
forma isolada: quando Deus é concebido como o Ser abstrato mais elevado,
Senhor dos Céus e da Terra, transcendendo o mundo, além e distante da
realidade humana – ou em sua unidade: Deus como a união do universal
com o individual, em Quem mesmo o individual é visto de maneira positiva,
na Ideia da encarnação. A religião é a esfera onde um povo se dá a
definição daquilo que encara como sendo o Verdadeiro. Uma definição
contém tudo o que pertence à essência de um objeto, reduzindo sua
natureza a uma característica fundamental simples como fo o para todas as
outras características – a alma universal de todos os particulares. Assim, a
concepção de Deus é fundamentação geral de um povo. (HEGEL, 2001, p.
101).
O cristianismo foi fundamental no processo civilizatório do Ocidente, pois com
pretensões universalizantes da sua teologia, interferiu diretamente na conformação
da civilização ocidental. Essa religião também possui uma teologia, que se
fundamentou filosoficamente em determinado momento histórico, ou seja, há
fundamentos racionais na doutrina cristã, com influências filosóficas gregas, e
políticas romanas, influenciando diretamente na unificação do espírito, pois na
religião natural se pressupõe a totalidade, ou seja, o espírito é a representação da
universalidade presente na religiosidade - que ao mesmo tempo é particularidade,
ou seja, cada religião possui suas verdades - no qual, ainda precisa tomar
consciência de si para que se torne absoluto.
684 – [Der den Geist] O espírito, que-sabe o espírito, é consciência de si
mesmo, e é para si na forma de [algo] objetivo; ele é – e ao mesmo tempo,
é o ser-para-si. O espírito é para si, é o lado da consciência, ou com o lado
66
do referir-se a si como objeto. Está na sua consciência a oposição e, por
isso, a determinidade da figura em que o espírito se manifesta e se sabe.
Nessa consideração da religião só se trata dessa determinação, pois já se
produziu sua essência não figurada ou seu conceito puro. Porém, a
diferença entre a consciência e consciência-de-si recai, ao mesmo tempo,
no interior dessa última: a figura da religião não contem o ser-aí do espírito,
nem enquanto é pensamento, livre do ser aí, mas essa figura é o ser aí
mantido no pensar, assim como é um Pensado que para si “é aí”. (HEGEL,
2014, p. 454).
Hegel impõe ao espírito a mesma dinâmica da consciência, ou seja, o
processo dialético. Esse processo se dá no mundo da transcendência, vale lembrar
que, na medida que a consciência toma consciência-de-si se percebe insuficiente se
abre para a transcendência. Tal processo de abertura se dá no campo da dialética
que pressupõe a própria negação para a conformação do novo ser, ou seja, do
espírito que ao mesmo tempo é razão e, espírito que alcança a consciência-de-si na
religião revelada:
Mas embora o espírito certamente alcance na religião revelada sua figura
verdadeira, justamente sua figura mesma e a representação ainda são o
lado não superado, do qual o espírito deve passar ao conceito, para nele
dissolver totalmente a forma da objetividade: - nele que inclui dentro de si
igualmente esse seu contrário. É então que o espírito abarcou o conceito de
si mesmo, como nós somente o tínhamos inicialmente captado; e sua figura
– ou o elemento de seu ser-aí – enquanto é o conceito, é o espírito mesmo.
(HEGEL 2014, p. 454).
Todavia, o espírito consciente de si é razão que se conforma a partir da
individualidade, sustenta a coletividade e compõe o espírito de um povo. Esse se dá
a partir da história, assim como cria a história a partir da sucessão de fatos
realizados por cidadãos que se tomaram como objeto e permacem na memória.
O Estado, suas leis, e suas instituições são os direitos dos cidadãos; sua
natureza, seu solo, suas montanhas, ar e águas são a sua terra, o seu país,
a sua propriedade exterior. A história do estado são os seus feitos e o que
seus ancestrais realizaram pertence aos cidadãos e vive em sua memória.
Tudo é possessão deles, da mesma forma como por tudo isso eles são
possuídos, pois constitui sua substancia e o seu ser.
As mentes dos cidadãos estão cheias disso e suas vontades são o querer
estas leis e o seu país. É esta totalidade amadurecida que faz Um Ser, o
espírito de Um Povo. A ela pertencem os indivíduos; cada indivíduo é o filho
de seu povo e, o mesmo tempo, enquanto o seu estado está em
desenvolvimento, é o filho de sua época. Ninguém fica atrás, ninguém pode
passar à frente dela. Este ser espiritual (o espírito de seu tempo) é dela –
ele é um de seus representantes – e é de onde ele vem e onde ele
permanece. Para os atenienses, Atenas tinha um duplo significado, o da
totalidade de suas instituições e o nome da deusa que representava o
espírito e a unidade do povo. (HEGEL, 2001, p. 103)
67
Neste sentido, é possível afirmar que a razão como espírito pertence à
história e, ao mesmo tempo, faz a história acontecer num processo de
imanentização da transcendência, torna-se objetiva sem deixar de ser subjetiva. O
espírito é um individual que em conjunto com outras individualidades espirituais
conformam a vontade de um povo, ou o Espírito de um povo.
Além do mais, o próprio espírito nacional definido é apenas um indivíduo no
curso da história do mundo. A história do mundo é a manifestação do
Divino, o absoluto desenvolvimento do Espírito em suas formas mais
elevadas. É este desenvolvimento que faz com que ela atinja a sua verdade
e a consciência de si.. Os resultados das fases desse processos são os
espírito nacionais da história do mundo, a definição de sua vida moral, de
sua constituição, arte, religião e ciência. Compreender tais fases é o
impulso infinito do espírito do Mundo, seu ímpeto irresistível, pois esta
diferenciação e sua compreensão constituem o seu conceito. A história do
mundo apenas mostra como o Espírito do Mundo aos poucos chega à
consciência e ao desejo da verdade. Surge no Espírito o alvorecer do
conhecimento, ele descobre pontos de enfoque e, finalmente, atinge a
consciência plena. (HEGEL, 2001, p. 103-104).
Assim, a ideia de desenvolvimento pertence ao mundo do espírito
imanentizado, ou seja, é resultado de um longo processo histórico que determina o
ser e fazer história, assim como, é razão objetivada quando, se historifica a partir de
condições criadas na história para que isso aconteça.
3.4 A HISTÓRIA
A pretensão hegeliana de totalidade o leva a constituir a sua magnífica
filosofia da história que pretende “apresentar o próprio conteúdo da história
universal” (HEGEL, 1995, p.11). Ou seja, procura analisar a história universal
buscando compreender os movimentos constitutivos de sua universalidade e como
ela acontece ou se imanentiza no processo de sua realização.
Segundo Hegel, há três formas de encarar a história: a (1) história original que
é apresentada no contexto em que ocorre, a (2) história refletida que ultrapassa o
contexto dos acontecimentos e a (3) filosófica que é resultado de uma observação
refletida da história.
O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história; é a
simples ideia de que a razão governa o mundo, e que, portanto, a história
universal é também um processo racional. Essa convicção, essa ideia, é
68
uma “pressuposição” em relação à história como tal; na filosofia, isso não é
um pressuposto. Mediante o conhecimento especulativo, comprova-se que
a razão – ficamos com essa expressão sem discutir a relação e a ligação
com Deus -, a substância como força infinita, é em si mesma a matéria
infinita de toda forma de vida natural e espiritual, e também a forma infinita a
realização do seu próprio conteúdo. (HEGEL, 1995, p. 17)
Na perspectiva da filosofia da história, o que está em jogo é a reflexão dos
fatos e fenômenos ocorridos no tempo e no espaço. A partir da observação se dá a
captação da matéria-prima para a ciência filosófica e, isso permite a reflexão. Isso se
dá de forma racional, pois a razão alcança o que é real, ou seja, tudo aquilo que se
apresenta como constructo da própria razão, já que tudo o que escapa a razão não
pode ser observado como real. Dito de outra forma, a razão é responsável pelo fazer
história e a história pode ser analisada racionalmente por ser constructo racional.
3.4.1 A Razão na História
Para Hegel, a razão está na história e a faz acontecer num dinâmico
processo de superação do real como objetivação da transcendência racional. A
história é resultado da razão que acontece, ou seja, na história está a razão fazendo
história e constituindo-a.
É que quando não se traz para a história universal o pensamento, o
conhecimento da razão, então dever-se-ia, pelo menos, ter a crença real e
insuperável de que a razão está na história e que o mundo da inteligência e
da vontade consciente não está entregue ao acaso, porém deve-se mostrar
à luz da ideia que se conhece. Na verdade, não tenho a pretensão
antecipada de uma tal fé. O que disse previamente, e o que ainda direi, não
é que se considere nossa ciência como presunção, mas como visão geral,
conseqüência de futuras reflexões, resultado que é do meu conhecimento,
porque já conheço a totalidade. Portanto o estudo da história universal
resultou e deve resultar em que nela tudo aconteceu racionalmente, que ela
foi a marcha racional e necessária do espírito universal, espírito cuja
natureza é sempre idêntica e que a explicita na existência universal.
(HEGEL, 1995, p. 18)
Sendo assim, a razão que é subjetiva busca um meio de se objetivar, ou seja,
há uma transcendência que precisa se imanentizar para que a história seja
elaborada racionalmente, ou seja, para que a razão a constitua. A teologia cristã
apresenta Deus que se encarna na história para a salvação da humanidade sem
deixar sua essência divina e, ao mesmo tempo, se torna homem. Hegel analisa a
realidade a partir da mesma perspectiva, ou seja, o processo de encarnação do
69
espírito que é a universalidade da racionalidade que se particulariza e, se concretiza
na história possuindo uma meta final que se encontra na materialização do Estado e
esse com natureza ética por ser meta histórica da realização do espírito absoluto.
Sob tais perspectivas, o sistema filosófico hegeliano possibilita pensar a
realidade histórica com relação a fins advinda do espírito absoluto como condição
para a eticidade e para a liberdade.
Hegel, do mesmo modo, reconhece ao pensamento humano o poder de
captar e definir a meta final da história, e este poder desdobra-se na
monumental filosofia hegeliana da história. Mas o conteúdo e a forma da
afirmação absoluta da meta absoluta da história recebem, no contexto
especulativo do hegelianismo, uma significação que convém esclarecer.
A história constitui, para Hegel, a manifestação objetiva acabada do espírito
que é o absoluto. Ora, em seu ser não-natural ou não imediato, o espírito
deve fazer-se o que é por meio de um agir que só pode estar presente
como tal a si mesmo negando seu Outro, que ele deve, portanto, primeiro
pressupor, essa relação negativa a si, pressuposta pela auto-afirmação do
espírito, consiste assim, para este, em assumir-se em sua própria alienação
natural, isto é, em sua dispersão espaço temporal geográfico-histórica,
numa pluralidade de nações ou de povos. Cada vez mais presente a si
mesmo como idêntico a si ou universal no seio dessa diferenciação em
“espírito dos povos” particulares, o “espírito do mundo” conduz
progressivamente essa diferenciação natural de si mesmo, sua realização
como natureza ética efetuada no Estado, no sentido da reconciliação
objetiva de sua identidade a si, ou universalidade substancialmente
triunfante, e de sua diferenciação ou particularização em sujeitos cuja
própria libertação faz valer tal triunfo. (BOURGEOIS, 2004, p. 163, 164)
A relação entre sujeitos na coletividade propicia a superação da condição
social e a individualidade possibilita o reconhecimento do sujeito que se projeta para
a efetivação da realidade social. Neste sentido, o espírito de um povo se conforma a
partir de particularidades que buscam a coletividade na realização absoluta da
vontade coletiva. Ou seja, o Estado pensado por Hegel é a realização da vontade de
um povo que possui na individualidade a vontade coletiva e essa também está
presente nas ações particulares.
O regime que reconcilia politicamente a substancia e a subjetividade, a
cidade e o cidadão, na submissão dos indivíduos à autoridade concreta de
um Estado forte, Estado que pode então liberar socialmente esses
indivíduos para si mesmos, é, para Hegel, não a república abstrata que ele
denuncia no Kantianismo, mas a monarquia constitucional dinamizada
economicamente pelo desenvolvimento da sociedade civil.
Porque o Estado forte (que faz triunfar sua identidade a si ou
universalidade) e socialmente liberal (que faz realizar-se a diferença das
particularidades) objetiva assim o absoluto enquanto autodiferenciação
espiritual de si, manifestação de si, retorno a si, ele recebe, em seu meio ou
elemento – o “espírito objetivo” ou o “direito” no sentido hegeliano do termo -
70
, um valor absoluto, o de uma meta final da história. (BOURGEOIS, 2004, p.
164)
Sendo assim, a meta do fim da história em Hegel, está na imanentização do
espírito pelo Estado, ou seja, supera a visão kantiana de fundamento apenas no uso
prático da razão, mas, segundo Bourgeois (2004), “se revela no coroamento
especulativo do pensamento de si, ao mesmo tempo teórico e prático, do absoluto”.
Nesse sentido, a meta final da história é atingida a partir de realização do espírito na
história, na dimensão política e social, sendo a realização do espírito apenas no
Estado:
Deve-se observar, porém, que a meta final da história só tem a absolutidade
da realização histórico política do espírito, absolutidade de que este é capaz
no elemento da objetividade ou exterioridade, isto é, num elemento que não
permite, na diferença que o constitui, a reconciliação consigo, o retorno a si
total do espírito: sabemos que o espírito só se realiza, certamente no
Estado, mais além deste, no meio espiritual absoluto da arte, da religião e
da filosofia. Portanto, o fim da história não é, em seu sentido, um bem
absoluto: ele é ainda atravessado pela negatividade, e por uma
negatividade insuperável em seu próprio nível. Assim, a sociedade civil,
completamente realizada como pressuposição adequada do Estado
politicamente consumado, só libera os indivíduos mantendo-os sob um
destino insuperável. (BOURGEOIS, 2004, p. 164).
A realização do espírito no Estado está relacionada ao fim da história, no
sentido de realização constante da efetivação do espírito. Não representa, nesse
sentido, uma definição de tempo escatológico, mas, um fim que está em constante
superação, ou seja, ao mesmo tempo que chega é ultrapassado pelo movimento
temporal. A história está por vir, ao mesmo tempo que passou e está acontecendo –
o “vir-a-ser”, caso contrário seria esoterismo.21
Mas, se Hegel pensa realmente que o fim, como término, da história está
ainda por vir, mesmo que a atualidade sociopolítica pareça combinar com o
Estado hegeliano – combinar bem demais, aos olhos dos que denunciam
neste o reflexo “quietista” da burocracia prussiana” -, não justifica isto que,
no fundo, para ele, a meta final da história 1) ultrapassa em seu conteúdo a
determinação racional do Estado característica da letra da filosofia históricopolítica hegeliana – só sendo assim, portanto, se consiste numa
indeterminação que permite todos os desenvolvimentos – e 2) impede
desse modo qualquer realização definitiva desse estado, abrindo assim a
história a um progresso infinito? O fim (término) da história estaria então
sempre por vir, ou, para dizer de outro modo, não haveria, nesse sentido,
fim da história.
21
Aqui se expressa a fidelidade hegeliana ao argumento agostiniano de tempo. Os argumentos aqui
expostos relados ao tempo em Santo Agostinho estão elencados no primeiro capítulo deste trabalho
dissertativo.
71
Mas uma tese como esta só poderia ser dita hegeliana, seguramente, na
medida em que negligenciássemos ou considerássemos como
simplesmente esotérica a apresentação por Hegel do verdadeiro e do bem,
do absoluto, como totalidade da determinação, o infinito verdadeiro estando
nos antípodas do indefinido. O que, como se admitirá, seria pagar muito
caro a vontade, louvável, de salvar o hegelianismo da contradição,
privilegiando nele uma afirmação que exprime o lamento de não ver a
história acabar com os conflitos, afirmação que estaria mais de acordo, por
seu conteúdo objetivo, com o tema da onipresença da dialética no ser. Pois
isto equivaleria a nada menos que absolutizar esse momento do negativo, o
“negativamente-racional” que, embora onipresente, ainda assim é
relativizado por sua subordinação concreta ao momento absoluto do
absoluto, o momento “positivamente-racional” do retorno a si, da identidade
a si triunfante da diferença completamente desenvolvida, da totalidade
determinada do ser; em suma, equivaleria a suprimir, em seu próprio
núcleo, o hegelianismo. (BOURGEOIS, 2004, p. 166, 167)
Se analisar o pensamento de Hegel na perspectiva escatológica, o sentido
de sua Filosofia da História ultrapassaria o realizar-se do movimento como parte
integrante do tempo na realização do espírito. Dito de outra forma, a história está no
tempo e no espaço, com isso, pertence à realidade que está em constante
superação, ou seja, está sempre acontecendo como processo racional. O tempo não
pode ser ultrapassado em sua presentidade - não existe a possibilidade de afirmar a
história do amanhã, pois essa ainda não aconteceu, não existe, pois o tempo não
permitiu que ela se fizesse, ou seja, o futuro não se apresenta como categoria
temporal, a não ser como mera projeção da vontade de verdade afirmação humana
– assim, o fim da história é o agora, “a história possui uma meta final e esta meta é
realizada efetivamente, ou seja, de que a história é acabada na própria atualidade
do discurso hegeliano” (BOURGEOIS, 2004, p. 167)
Assim, o fim da história é, para Hegel, seu presente, no qual o espírito
“chegou [sublinhamos] ao conhecimento do que ele é”, a se manifestar
objetivamente em sua liberdade absoluta:” Com esse princípio formalmente
absoluto da liberdade, chegamos ao estágio último da história, ao nosso
mundo, aos nossos dias”. (BOURGEOIS, 2004, p. 169).
Ou seja, para Hegel o fim da história é afirmação de que nesse momento
alcançou-se o desenvolvimento possível da razão em seu movimento dialético em
direção a liberdade, o que significa reconhecer dois problemas: 1) A condição de
necessidade na filosofia da história hegeliana que em fundo último levaria todos os
povos os desenvolvimento do espírito absoluto, materializando na eticidade e
liberdade garantida pelo Estado; 2) Mas, de reconhecer que no reino da
necessidade reside a contingência, que explica as diferenças entre povos e culturas
72
de efetividade do espírito absoluto. Sob tais pressupostos hegelianos pode-se
compreender as diferenças de desenvolvimentos entre povos, países e regiões.
Segundo Bourgeois (2004) Hegel observa o país do futuro como sendo os
Estados Unidos. País se origina de imigrantes europeus com desejo de novidade,
desenvolvendo a própria história a partir de mecanismos europeus. Nas palavras do
autor:
[...] em particular, a primeira (Estados Unidos) deve substituir a história
européia da América por uma história propriamente americana, esta história
americana não pode ser, quanto ao que lhe dará seu sentido essencial,
senão uma história americana da Europa, isto é, ainda um desdobramento
do espírito do mundo tal como se completou no continente europeu. O
futuro dos estados Unidos é, de certo modo, se não o passado, pelo menos
o presente da Europa: a organização de um Estado forte, único capaz de
assegurar o liberalismo dinâmico da sociedade civil no momento em que,
tendo todo espaço americano sido conquistado, esta será obrigada a
refletir-se nela mesma e a substituir a abstração republicana por uma
constituição verdadeiramente orgânica. (BOURGEOIS, 2004, p. 170).
A conformação dos Estados norte americanos acontece a partir da conquista
territorial, marcada pela descentralização possibilitando autonomia às regiões. Após
a conquista territorial, a auto-reflexão possibilitou conformar a própria história,
resultado de um contexto histórico maior e mais antigo, o europeu. Segundo o autor,
isso possibilitará a constituição de um Estado racional. Outra situação a ser levada
em consideração é o fato deste povo ter-se assumido como objeto de sua própria
história, ou seja, assumiram sua condição e projetaram seu desenvolvimento. Isso é
resultado também de sua religiosidade puritana que exerceu significativa
importância.
O Estado se afirma em Hegel como resultado da razão e do espírito de um
povo. Isso para salvaguardar a liberdade como realização efetiva, no, e a partir da
efetivação deste na realização da relação histórica dialética de superação,
reconhecimento e progresso. Nas palavras do autor, “o Estado é o que existe, é a
vida real e ética, pois ele é a unidade do querer universal, essencial, e do querer
subjetivo – e isso é a moralidade objetiva”. (HEGEL 1995, p. 39).
A consolidação do espírito de um povo passa pela concretização da
historicidade deste, que, através da superação da sua condição histórica, ou seja, da
sua historicidade, se concretiza – objetivando na história e como história – a
potência em ser deste determinado grupo. Dito de outra forma se há a possibilidade
73
de superação, essa deve acontecer no contexto da própria história num processo
histórico tornando real o espírito e, isso na história.
Hegel observa nos franceses esta superação (aufheben). A Revolução
Francesa é resultado de um processo histórico de superação da própria história de
forma lenta e gradativa. Segundo Hippolite (1907- 1968):
As grandes revoluções, as que saltam aos olhos de todos, disse-nos Hegel,
devem ser precedidas de revoluções silenciosas “que não são visíveis a
todos os olhos, que não são observáveis para os contemporâneos e que
são tão difíceis de apresentar como de compreender”. É o desconhecimento
de tais transformações internas, no corpo social na vida e nos costumes,
que torna surpreendentes estas revoluções que em, aparência, explodem
subitamente na cena do mundo. (HIPPOLITE, 1971, p. 25)
Sendo assim, pensar o desenvolvimento é pensar o presente, ou seja, é
buscar na história a conformação do presente que possui suas raízes no passado. O
agora é precedido de um longo percurso histórico que possui em seu bojo a razão
como precedente e determinante. E repita-se uma vez mais, razão que se toma por
objeto no esforço de compreensão e superação de suas inconsistências como forma
de reconhecimento de si e objetivação do espírito absoluto na história e, que se
materializa nos indivíduos através de suas instituições na garantia do exercício da
liberdade, da autonomia.
438 – [Die Vernunft ist] A razão é espírito quando a certeza de ser toda a
realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como
de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito,
mostrou-o o movimento imediatamente anterior, no qual o objeto da
consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão (HEGEL,
1807, p. 298).
O movimento que pertence ao espírito e ocorre no contexto histórico, se
apresenta numa relação de progresso histórico a partir da categoria da consciência,
num processo contínuo de progresso e de desenvolvimento. Sob tais perspectivas,
pode-se anunciar que as concepções de desenvolvimento presentes nos debates e
agendas contemporâneas de países, povos e regiões apresentam-se, a partir do
pensamento de Hegel, na noção de progresso e, que traz inerente a sua condição à
noção de superação e reconhecimento. Estes conceitos se desenvolvem a partir de
um contexto silencioso do seu processo interno de gestação racional e, portanto,
74
histórico e real. Ou seja, a trajetória processual da consciência na história acontece
como realização histórica na efetivação do espírito:
Na razão observadora, a pura unidade do Eu e do ser, do ser-para-si e do
ser-em-si, é determinada como Em-si ou como ser, e a consciência da
razão se encontra. Mas a verdade do observar é antes o suprassumir desse
instinto que encontra imediatamente, desse ser-aí carente-de-consciência.
[Na razão ativa], a categoria intuída, a coisa encontrada, entram na
consciência como o ser-para-si do Eu, que agora se sabe como Si na
essência objetiva. Contudo, a determinação da categoria como ser-para-si –
o oposto ao ser-em-si – é também unilateral, e é um momento que
suprassume a si mesmo. Por isso [na individualidade para si real], a
categoria é determinada, para a consciência, tal como é na sua verdade
universal: como essência em si e para si essente.(HEGEL, 2014, p. 298).
Esse processo de saída do ser-em-si ao ser-para-si é dialético, pois propicia a
formação de um outro ser que possui a mesma natureza ao retornar para o em-si.
Esse processo sistemático pertence à razão que se projeta na conformação do outro
ser consciente de si. Isso é, ao mesmo tempo universal que se particulariza, ou seja,
faz do particular parte que integra o universal, pois o ser-em-si constitui o ser-para-si
e retorna ao em-si. Tal processo é racional e pode acontecer apenas na história,
sendo racional e histórico é real.
Essa relação dialética pode ser posta em conformidade com a ação em
relação
ao
desenvolvimento.
Nessa
perspectiva,
se
entende
aqui
por
desenvolvimento a relação entre a razão que se manifesta na história em movimento
dialético, lógico, temporal presente no espaço e, em constante progresso de fazer-se
a partir do que já é, ou seja, num processo dialético de saída do em-si ao para-si e o
retornar ao em-si criando novo ser que se projeta na determinação do vir-a-ser.
3.5 O DESENVOLVIMENTO: RACIONAL E HISTÓRICO
A história é vista por Hegel de forma teleológica, ou seja, há uma finalidade e
ao mesmo tempo um fim no processo de realização que se objetiva no tempo
presente. Ela esta permeada de metas. Segundo Hegel:
“a história universal, situa-se no campo espiritual. O mundo compreende a
natureza física e a psíquica”. A natureza física intervém, igualmente, na
75
história universal, e desde o início vamos atentar para esses
relacionamentos básicos de determinação da natureza. Porém o espírito e o
percurso de seu desenvolvimento são o substancial. Não temos aqui que
considerar a natureza como ela é em si, um sistema da razão, realizado
num elemento especial e singular, mas somente em relação ao espírito.
(HEGEL, 1995, p. 23)
Para o filósofo, a história é o lócus da realização da razão e esta se
estabelece a partir da universalidade que compreende a particularidade em si
mesma. Assim, a história possui um fio condutor que permeia a realidade a partir do
tempo em direção ao seu fim, ou seja, o agora, sendo que o passado conforma o
presente.
Ora, ninguém pode contestar que ele afirma que ela tem uma meta e, o que
é mais, uma meta terminal, neste sentido: final-finita, isto é, primeiramente
definida, determinada, meta para além da qual não se pode ir, num
progresso ao infinito que faz de toda meta estabelecida o simples meio de
uma meta ulterior; uma tal meta é, portanto, não relativamente meta, mas
absolutamente meta, é uma meta ou um fim em si, para empregar uma
expressão Kantiana. (BOURGEOIS, 2004, p. 163)
Bourgeois apresenta, a partir da noção Kantiana, a relação de condução da
história na relação com sua finalidade e finitude. Aqui se pode entender que em
Hegel a relação entre o ser-em-si compreendido a partir do para-si, se estabelece na
condição de transcendência, ou seja, de superação do próprio ser a partir dele
mesmo, ou ainda, a negação de si possibilita a saída de si ao para-si que estabelece
uma nova forma de ser.
Essa conformação ontológica também pode ser percebida na relação da
história consigo mesma, assim como da meta que a história possui rumo ao seu fim
e sua finalidade, expressando a não possibilidade de “progresso ao infinito”
apresentando os limites da própria história, assim como de sua meta que também
possui limitações. No entanto, a história é resultado de um processo de
imanentização do espírito que é razão que se realiza no tempo e no espaço, num
processo de construção a partir do reconhecimento e da superação.
3.5.1 O desenvolvimento como objetivação da razão na história
A relação processual do ser acontece no tempo e na história. A razão se
objetiva no contexto histórico como processo dialético e como movimento em
76
direção da imanentização do espírito absoluto. Dito de outra forma, a superação do
ser no processo dialético se dá a partir da própria história numa relação ascendente,
processual de movimento contínuo, ou seja, de progresso, de desenvolvimento. A
formação cultural de um povo entra nesse processo relacional, lógico, histórico,
racional. Dialético, ascendente e necessariamente e contingentemente real.
Ao observar o contexto cultural do povo alemão e compará-lo com os
franceses e ingleses, Hegel salienta a falta do que ele chama de mestres, isto após
fazer uma longa apreciação histórica de fatos históricos gregos, romanos e da forma
com que se apresentava a literatura desses povos em personagens como Tucídides,
Xenofonte, Cézar, Heródoto, entre outros e, afirma que “na Alemanha, raramente se
encontram tais mestres: Frederico, o Grande (Histoire de mon temps) é aqui uma
gloriosa exceção”. (Hegel, 1995, p. 13).
Hegel toma esses personagens históricos e reclama sua ausência na
Alemanhã, sobretudo a partir da conformação do espírito absoluto que demarca as
civilizações que alcançaram o desenvolvimento de uma racionalidade afirmativa da
liberdade e, esse “desenvolvimento civilizatório” tem suas origens em espíritos
subjetivos que pela sua genialidade e ação conformam instituições, objetivam o
espírito de um povo, confrontando e conformando o espírito absoluto que demarca
povos e culturas que alçaram a condição civilizatória por excelência.
Ao analisar a história, Hegel chama a atenção do povo alemão e se insere
em tal contexto:
Entre nós, alemães, a reflexão e a inteligência são muito diversificadas, e
cada historiador construiu para si mesmo a sua própria metodologia. Os
ingleses e os franceses, geralmente, sabem como se deve escrever a
história, colocando-se em nível mais genérico e nacional; em nosso país,
cada um inventa uma particularidade, e, em vez de escrever história,
esforçamo-nos sempre em descobrir como a história deveria ser escrita.
(HEGEL, 1995, p.13)
Essa relação refletida da história dos alemães retratada por Hegel, e
comparada aos franceses e ingleses, parece familiar no Brasil. No aspecto histórico
e também na história da filosofia, senão no próprio desenvolvimento de um
pensamento nacional. Ressentimo-nos da ausência de um pensamento (espírito)
filosófico, sociológico e, mesmo histórico que demarque um pensamento
genuinamente brasileiro. Ou seja, pensamos o Brasil, ou mesmo o desenvolvimento
regional a partir de categorias conceituais advindas de outros contextos civilizatórios.
77
Isso não implica em afirmar uma crítica ao eurocentrismo, ou a conspirações
teóricas conceituais norte americanas, mas de reconhecer que talvez não tenhamos
nos tomado suficientemente como objeto e, conformado categorias conceituais que
nos permitam um maior entendimento de nossas condições de possibilidade de
desenvolvimento consistente de um espírito objetivo, que se concretize em sua
absolutidade consistente de um espírito objetivo, que se materialize em sua
absolutidade na consistência de nossa razão de Estado.
Sob tais pressupostos, a condição da filosofia neste contexto de objetivação
da história, não se constitui a partir do seu sentido etimológico, ou seja, observar a
filosofia na forma de ciência, [...] “em que deixe de chamar-se amor ao saber para
ser saber efetivo” (HEGEL, 2002, p. 25). Aqui se percebe a partir da própria noção
da filosofia como meta de efetivação do espírito como saber – racional – efetivo, a
noção de superação e intrínseco a isso, a ideia de progresso e desenvolvimento
como resultado do movimento dialético, que indivíduos, que um povo, que uma
região ou comunidade necessitam colocar em curso como condição do
desenvolvimento. Talvez essa seja a contribuição e provocação marcante de Hegel,
entre outras, para a constituição de uma filosofia do desenvolvimento.
[...] quando a história refletida consegue alcançar pontos de vista gerais,
deve-se observar que, se os mesmos são realmente autênticos, eles não
constituem apenas o fio condutor externo, um ordenamento externo, mas a
alma interior que dirige os acontecimentos e às ações. Como Mercúrio é o
guia das almas, a idéia, na verdade, é que conduz os povos e o mundo, e é
o espírito, sua vontade mais racional e mais necessária, que dirigiu e dirige
os acontecimentos mundiais. Nosso objetivo aqui é conhecê-lo nessa
função [...] (HEGEL, 1995, p. 16)
Sendo assim, o desenvolvimento é resultante da elevação da vontade de
indivíduos e de um povo para a efetivação dessa na ação racional. Assim, como os
franceses e ingleses, que pensaram e refletiram sua própria história, é importante
refletir a atual conjuntura do planalto norte catarinense, sua trajetória política,
econômica, cultural, seu ethos, como forma de pautar as ações no presente sob o
crivo de uma razão em curso na busca e afirmação da liberdade de um povo, de
uma comunidade. Tal movimento dialético de reconhecimento de uma consciência
individual e coletiva de si requer a capacidade de reconhecer paradoxos,
contradições e possibilidades ao longo da dinâmica civilizatória empreendida até o
presente momento.
78
Também é necessário entender as condições históricas e antropológicas
que conformaram a aglomeração populacional do Brasil, já que - na visão de Hegel não há a possibilidade de afirmar a existência do espírito de povo nesse país, ou
seja, unificado, assim como na região onde esse Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional se encontra, devido à inconsistência teórica e conceitual,
da não unidade de pensamento e ações, assim como está presente nesta realidade
histórica, fatos e fenômenos que não permitiram a constituição de um povo nessa
região22.
O mundo moderno pode ser caracterizado pelos traços iluministas e
permeado pelo cientificismo oriundo do século das luzes impregnado nos
movimentos filosóficos deste período, em que a ciência e o progresso se
apresentam como solução para todos os problemas. A técnica, que é a arte de
fabricar instrumentos e, que na modernidade tem sua condição potencializada pelos
avanços da ciência, absolutizada em seu fazer, em seu modus operandi de trazer ao
mundo novos objetos e materiais desprovida da reflexão sobre os impactos
humanos, sociais e ambientais de seu fazer, apresenta-se na sua condição
meramente instrumental, possibilita a Revolução Industrial.
Nesse momento histórico, a França atinge seu auge político com a
monarquia constitucional e Napoleão Bonaparte lidera o processo de dominação e
revolução na França. Enquanto isso, a Alemannha unificada ainda é um sonho,
também no mundo das ideias hegelianas, que observa nos franceses o auge da
razão que lidera o mundo europeu e aniquila àqueles que ainda não se constituem
como civilização. Para Hegel, o princípio do desenvolvimento é racional e se
constitui na história como resultado da busca de superação. Nas palavras do autor:
De modo geral, há muito que as mudanças que ocorrem na história são
caracterizadas igualmente como um progresso para o melhor, o mais
perfeito. As transformações na natureza, apesar da diversidade infinita que
oferecem, mostram apenas um ciclo que sempre se repete. Na natureza,
“nada de novo sob o sol” é produzido, e o jogo polimórfico de suas
estruturas acarreta certa monotonia. HEGEL, 1995, p. 53).
Assim, Hegel se refere nos textos da “Filosofia da História”, que
naturalmente as ações se repetem e se apresentam monótonas até certo ponto, pois
22
Este argumento é desenvolvido com maior profundidade na parte final desse trabalho.
79
tais estruturas são constituídas por ciclos que se aperfeiçoam e se superam, ao
passo que o espiritual assume a condição de dar origem ao novo:
Apenas nas transformações que acontecem no campo espiritual surge o
novo. Esse fenômeno do espiritual mostra, de maneira geral, no caso do
homem, uma determinação diferente da dos objetos naturais, nos quais
sempre se manifesta um caráter único e estável, para o qual reverte toda a
mudança, vale dizer, uma capacidade real de transformações, e para
melhor – um impulso de perfectibilidade. (HEGEL, 1995, p. 53).
Como já tratado nesse capítulo, o espírito se manifesta na história e a
constitui racionalmente possibilitando impulsioná-la ao novo, isso através de
oposições em direção à perfeição. As transformações apenas acontecem a partir e
no espírito, isso condiz com a definição hegeliana de que, o espírito se encarna na
história e, sendo assim, as transformações ocorridas na história tem origem no
espírito. Isso faz com que esta dimensão – do espírito – seja central na filosofia da
história do autor.
Nos textos da “Filosofia da História” Hegel analisa o mundo oriental: China,
Índia perpassando o Budismo, assim como analisa o império Persa. Para o filósofo,
se inicia na Pérsia o princípio do livre espírito como oposição à naturalidade
presente nos povos supracitados.
O princípio da divisão da natureza está no império Persa; por isso, ele é
mais elevado que aqueles mundos mergulhados na natureza. A
necessidade do progresso assim se concretizou, o espírito abriu-se e
precisa realizar-se. O chinês só tem valor quando morto; o hindu se suicida,
mergulha em Brama, é um morto-vivo, em estado de completa
inconsciência ou é uma manifestação de Deus, tornado presente pelo
nascimento. Lá não existe nenhuma mudança, nenhum progresso, pois o
progresso só é possível pelo reconhecimento da independência do espírito.
Com a luz dos persas começa a intuição espiritual, e aqui o espírito
despede-se da natureza. Por isso, só aqui percebemos que a objetividade
permanece livre, ou seja, que os povos não são subjugados, mas entregues
à riqueza, à sua constituição, à sua religião. Na verdade, esse é o aspecto
no qual a Pérsia se mostra enfraquecida perante a Grécia. Vemos que nos
Persas não puderam constituir um império com uma organização completa,
que eles não estabeleceram o seu princípio nas terras conquistadas, e com
isso não formaram um todo, só um agregado das mais diversas
individualidades. Os persas não obtiveram nenhum reconhecimento da
legitimidade de sua dominação sobre esses povos; eles não fizeram valer
os seus direitos e leis; mesmo quando fizeram um ordenamento para si, não
abrangeram o tamanho do seu império, mas viram apenas a si próprios. Já
que, desse modo, a Pérsia não chegou a constituir politicamente um
espírito, perante a Grécia ela já se mostrava fraca. Não foi a lassidão dos
persas (apesar da Babilônia ter sido um fator de enfraquecimento) que os
fez sucumbir, mas a imensidão, a desorganização de seu exército diante da
organização grega, isto é, o princípio superior sobrepôs-se ao inferior. O
princípio abstrato dos persas revelou suas deficiências como uma unidade
80
desorganizada e não-concreta de oposições disparatadas, nas quais a
intuição da luz persa existia ao lado da vida de luxúria e voluptuosidade dos
sírios; ao lado da diligência e da coragem dos fenícios – que desafiaram os
perigos do oceano para seguir em seus negócios -; ao lado da abstração do
pensamento puro da religião judaica e do ímpeto interior dos egípcios – um
agregado de elementos aguardando a sua idealidade, que só puderam
conseguir na livre individualidade. Os gregos devem ser considerados o
povo onde esses elementos obtiveram a sua sublimação, de modo que o
espírito se aprofundou em si mesmo, venceu as particularidades e com isso
se libertou. (HEGEL, 1995, pg. 185)
É na Grécia que é o berço da civilização ocidental, que o autor encontra a
região do espírito: “só podemos encontrar a verdadeira ascensão e o real
renascimento do espírito na Grécia” (HEGEL, 1995, p. 189). Essa reflexão
hegeliana, permite analisar as circunstâncias atuais do Planalto Norte Catarinense.
Enquanto não houver reconhecimento não haverá tomada de consciência e
consequentemente o desenvolvimento, pois o povo em questão não conquistou suas
terras, porém, são os derrotados.
A Grécia apresenta-nos uma alegre visão do vigor juvenil da vida espiritual.
É aqui que o espírito amadurece e torna-se o conteúdo de sua vontade e do
seu saber, de tal forma que o Estado, a família, o direito e a religião são
todos fins da individualidade – que só existe por meio daqueles fins. O
homem, ao contrário, vive na busca de um fim objetivo, que persegue de
forma conseqüente, mesmo que contra a sua individualidade. A mais nobre
figura que paira na imaginação grega é Aquiles, o filho do poeta, o jovem
homérico da Guerra de Tróia. Homero é o elemento no qual vive o mundo
grego, como é a atmosfera para o homem. A vida grega é a verdadeira
realização jovem. Aquiles, o jovem ideal poético, iniciou essa vida, e
Alexandre, o Grande, o ideal jovem da realidade, a concluiu. Ambos
aparecem na luta contra a Ásia. Aquiles como o principal personagem da
investida nacional dos gregos contra Tróia, não está à frente dela, mas
subordinado ao chefe dos chefes; ele não pode ser feito líder sem se tornar
uma concepção fantástica irrealizável. Já o segundo, o jovem Alexandre, a
individualidade meias livre e mais bela que a realidade já produziu, surge no
auge da juventude, em si plena, e realiza a vingança contra a Ásia.
(HEGEL, 1995, p. 189)
O período de formação da própria individualidade remonta a observação e
apreciação de outras culturas. Ou seja, o contado exterior possibilita ao povo
observar a si próprio ao passo que assume de outros povos características que
posteriormente poderão se tornar centrais na constituição da consciência de si.
Figuras que permeiam o imaginário e o ideal da juventude grega como; Homero,
Aquiles e Alexandre, o grande, apresentado pelo autor como o jovem ideal, ou
ainda, personagens que os jovens deveriam ter como ideais para formação de sua
individualidade (espírito subjetivo) são centrais na constituição do imaginário juvenis,
81
pois é na juventude que o espírito amadurece, constituindo-se como condição de
possibilidade
de
conformação
do
espírito
absoluto
que
distingue
povos,
comunidades e regiões.
Outra influência que permite a superação da monotonia, segundo Hegel, é a
geografia da região onde a Grécia se encontra. Segundo o autor, a Grécia está
geograficamente localizada em uma série de ilhas, tendo apenas o canal do
Peloponeso, sendo que o território “é todo retalhado e ao mesmo tempo interligado
pelo mar” (HEGEL, 1995, p. 191). Isto, de certa forma, obrigou os gregos a irem em
busca de novas terras, pois não possuem em seu território grandes rios e planícies
que poderiam acomodá-los em seu ambiente e, poderiam custear-lhes a
subsistência, comparando com o Oriente que possuem em seu território os rios
Ganges e o Indo. Estes garantem a produção e a manutenção da vida dos povos ao
seu redor. Nos períodos de vazão, o rio permite a produção de alimentos suficientes
para a manutenção da vida das populações ao seu entorno, enquanto que na Grécia
o território é cercado de montanhas e pequenas Planícies. Isto não possibilita aos
Gregos a subsistência obrigando-os ir além de seu território para o alcance das
condições materiais necessárias a garantia de sua existência civilizatória. Esta
busca por superar as limitações produtivas permitiu ao povo grego mudança de
ambiente, domínio de outros territórios e contato com outros povos, o que
proporcionou novos conhecimentos que souberam aproveitar para conformação de
seu espírito de forma individual, ou seja, nas palavras do autor:
Este é o caráter elementar do espírito dos gregos que dá a entender a
origem da cultura deles a partir de individualidades independentes; uma
situação na qual cada um se mantém por conta própria, não estando unido
desde o início por laços naturais, patriarcais; uma condição segundo a qual
eles se associam por outro meio – pela lei e pelo costume, com a sanção do
espírito, pois a nação grega é o resultado de um processo de crescimento.
Na origem de sua unidade nacional está a própria divisão, o estranhamento
interno, o elemento principal que deve ser considerado. A primeira fase da
superação disso determina o primeiro período da cultura grega, e só por
meio de tal estranhamento e de tal superação é que surgiu o belo e livre
espírito grego. Precisamos ter consciência deste princípio. Seria um
disparate imaginar que uma vida tão bela e realmente livre pudesse resultar
do simples desenvolvimento de um povo dentro dos limites de seus
relacionamentos de parentesco e de amizade. Mesmo a planta, que
representa a imagem mais semelhante de um tal desenvolvimento calmo e
homogêneo, só vive por meio da atividade antitética da luz, do ar e da água.
A verdadeira oposição que o espírito pode ter é espiritual; é em sua
heterogeneidade inerente que ele encontra a força para realizar-se como
espírito. (HEGEL, 1995, p. 191).
82
Sendo assim, o desenvolvimento do espírito do povo grego é resultado de
um processo histórico com diversas influências. Mas, é preciso reconhecer uma vez
mais a genialidade dos gregos que alcançam a síntese destas influências e
conformam um certo uso da razão que tem na liberdade sua condição primeira.
Analisando na perspectiva hegeliana, o que se pode afirmar é que o
desenvolvimento não surge do nada, mas resulta de um processo de constante
superação. O pacifismo, o patriarcalismo, a acomodação não possibilitam
suficientemente o crescimento, a superação, o progresso e o desenvolvimento.
O desenvolvimento na perspectiva hegeliana apresentada até aqui, implica
em aspectos antropológicos, culturais, políticos, geográficos e econômicos. Some-se
a tudo isso a necessária condição de reconhecimento de si, como consciência que
sai de si e no confronto com o outro é desafiado a situar-se no mundo com distinção
civilizatória. Isso é possibilitado pela geografia da região ou até mesmo pela
formação cultural coletiva e individual da população em questão. Nesse sentido, o
povo grego resultou de um processo de conformação cultural coletiva e da
individualidade que propiciou ambiente adequado para que se desenvolvessem na
medida em que foram sendo obrigados pelos contextos em que estavam inseridos e
de sua capacidade de síntese que lhes permitiram uma razão suficiente.
Portanto,
sob
tais
perspectivas,
talvez
se
possa
afirmar
que
o
desenvolvimento é a realização da razão na história, assim como, reconhecimento
da condição em que o meio se encontra para que haja superação desta, não de
forma esotérica ou ao sabor dos ventos da sorte,ou ainda do acaso, mas de ordem
racional, ou seja, objetivo e projetado a partir de análises do passado e executado
no presente . O reconhecimento (1) se apresenta como a primeira condição para a
superação (2).
A análise histórica do passado deve ser parte integrante do processo de
reconhecimento, mas ao mesmo tempo se apresenta como passo posterior para a
elaboração de projetos (1 e 3) para a implementação (4) a curto e longo prazo. A
realização destes projetos acontecerá num futuro que deve ser contemplado no
projeto, ou seja, isso é a razão posta na realidade na busca por resultados.
Nessa perspectiva, caso haja a necessidade de alterar o curso da história de
um povo ou território para que esse se desenvolva,que assim se faça, pois apenas
haverá desenvolvimento a partir de cultura para o desenvolvimento, da superação
consciente e da própria consciência, como consciência-de-si que se abre à
83
transcendência da razão para que se objetive na história. Uma consciência que não
tem consciência-de-si não se torna objeto de reflexão e, não se abre ao absoluto,
um povo que não se reconhece como povo não se supera. Um povo que vive na
espera do messias que irá trazer o desenvolvimento não cresce, assim como um
povo que vive a espera dos ventos da sorte e não pela razão não terá seus pedidos
atendidos, aliás, nem deve haver pedidos, pois isto implica em esperar que alguém
os realize e na confiança de que outros irão realizá-lo e, isto não seria resultado do
próprio esforço.
Sob tais prerrogativas o desenvolvimento é resultado da busca efetiva de
reconhecimento e superação na realização do espírito de um povo que persegue os
rastros da razão na história e realiza a história de modo a projetar seu futuro
consciente dos resultados a serem obtidos e das etapas a serem realizadas e
superadas como condição para que o projeto seja efetivado. Desenvolvimento é
lógico, então é racional, dialético, objetivo, real, de reconhecimento e superação,
crescimento e progresso, atingível ao povo que possui condições para tal, que
acontece na história tornando-se real a partir do movimento que é determinado pelo
tempo que se realiza a partir do vir-a-ser do ser que se faz.
84
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância de Hegel para conformação do pensamento contemporâneo
na sua originalidade, potencialidade e capacidade em sistematizar filosoficamente a
realidade, possibilita pensar a contemporaneidade e, mais especificamente, a noção
de desenvolvimento a partir de seus pressupostos filosóficos. A história assume
condição central para entender as perspectivas filosóficas hegelianas.
A filosofia possui uma história e está na história. Sendo assim, o presente é
resultado da construção histórica proveniente do tempo e das ações racionais
perpetradas no desenrolar deste tempo. Observar o presente de forma isolada é
uma observação incompleta, (ir) racional e extemporânea. Mas, observar o presente
como construção iniciada no passado é olhar a realidade de forma universal que
contém o particular e, a particularidade contemporânea como resultado da
universalidade histórica.
O intuito dessa pesquisa dissertativa foi propor o debate histórico e
ontológico em torno dos desafios de conceituação do desenvolvimento e, como
pressuposto básico, parte da filosofia de Hegel. Considere-se aqui parte da
construção da ideia de desenvolvimento no que condiz a fatores determinantes do
processo e da conceituação do desenvolvimento.
Porém, é importante salientar que permanece em aberto aspectos da
dimensão política, econômica e social, mesmo que se considere que ao investigar
os fundamentos ontológicos do desenvolvimento, as opções políticas se apresentam
inerentes a essa condição intrínseca ao desenvolvimento de comunidades e regiões,
dito que este processo pode acontecer não apenas de forma determinante como que
natural em sua organicidade biológica, mas a partir da ação política dos atores
sociais dessas determinadas comunidades e regiões. Essa pode ser considerada
uma segunda etapa do trabalho deixada para outro momento de pesquisa e/ou
pensadores contemporâneos que possuem interesse nas discussões que a partir
daqui se desenrolarão.
Sendo assim, a pesquisa aqui apresentada se empenhou em analisar os
pressupostos históricos e ontológicos que estruturam a noção de desenvolvimento,
ou ainda, entender como essa noção de desenvolvimento se integra nas discussões
contemporâneas, e como pressuposto, a importância a partir da qual o filósofo
85
observa a história e dela constitui a sua filosofia. Hegel é um filósofo que se
empenhou em analisar o seu tempo e influenciou a história posterior há seu tempo.
Desafiar-se a compreender o desenvolvimento e, sobretudo, em sua
dimensão regionalizada, é entender e constituir de forma sólida e eficaz o processo
de afirmação e de conformação dessa que se apresenta com a pretensão de um
novo campo científico na contemporaneidade. Para entender a viabilidade desta
nova ciência e conformá-la como tal se torna importante o questionamento em torno
das bases conceituais que a mesma pretende colocar em jogo em sua proposta
científica. Ou seja, a conformação conceitual adequada poderá possibilitar a esse
novo campo científico a verificabilidade de suas teorias e proposições científicas.
Dito de outra forma, a partir dos pressupostos hegelianos a solidificação conceitual
possibilita força de verdade e de absolutidade em torno das pretensões desse
campo científico.
O conceito é a apreensão da essência da coisa em si, ou ainda, a ideia do
objeto como verdade absoluta no conceito. Até o presente trabalho dissertativo, esse
pesquisador percebeu a falta de acuidade conceitual no que concerne ao objeto
desenvolvimento. Percebeu-se necessária a construção e conformação clara e
evidente do ser em si do desenvolvimento, ou seja, de uma análise ontológica e
histórica na constituição da ideia de desenvolvimento.
Historicamente, a razão se apresenta em Hegel como fio condutor e norteador
das ações de povos e nações que obtiveram êxito no processo de se tornar autor da
própria história e assumiram a condição civilizatória. Os gregos antigos na condição
de criadores da razão tornaram-se referência no processo civilizatório por suas
particularidades geográficas, culturais e singularidade presente no seu espírito de
povo.
O espírito como razão que observa a realidade e busca o reconhecimento e a
superação da própria condição torna o indivíduo norteador e autor da própria
história, a partir do momento em que se torna consciente de si mesmo. Talvez se
possa afirmar, que nações e povos que se assumiram como tais, alcançaram
determinada condição. Ou seja, a consciência da razão, que pode ser aqui analisada
como consciência de ser da própria história e conseqüentemente da comunidade ou
região, é resultado do espírito de povo, que se encarna na história e possibilita que
essa chegue a seu fim – o momento em que a razão atingiu seu auge, o agora – em
constante reconhecimento e superação.
86
Se reconhece que esse trabalho dissertativo não atinge a totalidade do ser
em si do desenvolvimento, ou dito de outra forma, ainda é necessário desenvolver a
dimensão política, para que talvez se possa atingir ontologicamente a conformação
conceitual do desenvolvimento. Ou seja, esse trabalho ainda necessita de
complemento teórico. A razão que conduz o processo de conformação histórica e
teórica do desenvolvimento, talvez possa ter se encarnado nesse trabalho
dissertativo e atingido seu auge como fim na história e pela história, mesmo
reconhecendo os limites dessa afirmação.
O espírito se imanentiza na história e a história é o terreno preparado para a
ação da razão na constituição do presente com raízes no passado. A concretização
do espírito como razão acontece de forma lógica e dialética buscando o
reconhecimento e a superação que se materializa. Ou seja, a partir da
materialização do espírito, ou da sua encarnação na história, o espírito se torna
história e essa é conduzida pela ação norteadora da razão que permeia o espírito na
condição de constituinte da história.
A condição subjetiva do espírito atinge seu processo de objetividade a partir
do momento de seu encontro com a história tornando-se história. O espírito é o
resultado da conformação de um povo que possui individualidade constituída em
conformidade com a coletividade. Sob tais pressupostos, o espírito se conforma na
realidade histórica como realidade subjetiva que se objetiva, ou se encarna na
história como razão que possibilita o reconhecimento e a superação.
A razão é a responsável pelo fazer história e a história pode ser analisada
racionalmente por ser construção real da ação do espírito de um povo. Nela está a
razão que se apresenta num processo de superação da realidade a partir da
objetivação da transcendência, da razão, do espírito. A meta final do processo de
encarnação deste espírito na história é a sua materialização no Estado forte - na
visão de Hegel, seria a monarquia constitucional – como ente objetivo da ação
racional de natureza ética e garantidor da liberdade.
Talvez esteja na visão de conformação do Estado o ponto de partida para a
continuação
dessa
pesquisa
na
conformação
da
dimensão
política
do
desenvolvimento que poderá ser denominada como a segunda etapa do
desenvolvimento deste trabalho. Porém, esse apontamento não passa de mera
sugestão sem aprofundamento teórico.
87
Esse processo de encarnação do espírito na história o torna real, pois para
Hegel, apenas é real àquilo que pode ser analisado pela razão e esta se objetiva na
história para ser real. Ou dito de outra forma, na perspectiva hegeliana apenas o real
é racional e o racional pode ser tido como real. Sendo assim, o espírito que se
constitui a partir da ação histórica e é construção advinda do ser em si de um povo,
é subjetivo até o momento de sua encarnação na história, então se objetiva para
conformar a realidade consciente desse povo.
O desenvolvimento é a consolidação do espírito absoluto na história que se
materializa nos indivíduos através de suas instituições como garantia de liberdade e
realização. Isso se dá a partir da tomada de consciência pela consciência, a partir do
momento que determinada região ou comunidade se assume como autor da própria
existência e se torna autônoma realizando ações que propiciam o reconhecimento, a
superação e o progresso.
Nessa perspectiva, talvez seja possível anunciar que o Planalto Norte
Catarinense apenas se constituirá como povo a partir do momento em que seu
espírito de unidade for conformado como subjetividade e, esta se tornar consciente
de sua própria existência para posterior encarnação histórica, para se realizar nas
ações conscientes e racionais, na tomada de atitudes para a constituição de povo
com desejo de novidade, de reconhecimento e superação da própria realidade.
Hegel, analisando a conformação dos Estados Norte americanos, observa
que esse seria o país do futuro, pois é originado de imigrantes europeus que
conquistam seu território. Isso possibilitou a tomada de si como objeto de
conformação da própria história. Relacionando esta análise hegeliana com a região
do Planalto Norte Catarinense, convém salientar que sua história é conformada por
populações remanescentes da guerra do contestado.
A condição de derrotados do conflito não propicia liberdade de ação, no
entanto, restringe sua ligação com a região e sua capacidade criativa, pois a ação
do Estado, naquele momento histórico do conflito, foi de silenciar a população local
e, isso permanece no inconsciente populacional como limitadora de ações criativas e
da tomada de consciência na constituição do espírito de povo. Assim como o
isolamento logístico com relação a outras regiões mais desenvolvidas do Estado
catarinense, a falta de lideranças locais capazes de fomentar a conformação do
ideal de desenvolvimento local, a geografia da região que se apresenta própria para
a produção de subsistência, entre outras situações que poderiam ser elencadas.
88
Na perspectiva aqui desenvolvida a partir de Hegel, o desenvolvimento é algo
intrínseco a natureza das sociedades contemporâneas. Ou seja, assim como toda a
natureza nasce, cresce, reproduz e morre também a sociedade humana pode ser
analisada da mesma forma. Ou ainda, se essa análise estiver suficientemente
adequada, o desenvolvimento é uma ação racional, histórica e de sobreposição de
um povo sobre o outro, ou, do mais forte que se impõe sobre outros num processo
civilizatório de reconhecimento de si conformado pela constituição do espírito
absoluto que se historifica em direção à liberdade e da autonomia.
Essa relação de historificação e conformação do espírito absoluto não poderá
acontecer entre as culturas minoritárias, as quais não alcançarão a condição
civilizatória de concretização e realização/objetivação da sua subjetividade como
povo em um Estado forte capaz de conquistar territórios e conformar-se como povo.
As
consequências
dessa
forma
de
pensar
pode
ser
percebida
na
contemporaneidade a partir de determinadas ações e imposições dos Estados fortes
economicamente sobre as sociedades menos abastadas e/ou culturas diversas
minoritárias ou de cunho diferenciado da civilização ocidental.
Porém, na condição de pensador, Hegel analisa a sociedade de seu tempo a
partir das estruturas históricas do processo civilizatório. Não é o caso de condená-lo
pelos resultados de sua filosofia, mas de observá-lo na potencialidade de seu
pensamento que influencia ainda nos tempos hodiernos. As consequências do
processo civilizatório são tentativas presenciadas, sobretudo do século XX a partir
das guerras mundiais e de sistemas políticos totalitários, como o Nazismo e o
Stalinismo com perspectivas universalizantes entre outros totalitarismos possíveis a
serem analisados sob tais perspectivas.
Sob tais pressupostos, convém analisar a partir do limiar que o processo de
progresso atingiu. Ou seja, diante do colapso ecológico, da sobreposição econômica
de determinadas nações em detrimento da maioria desassistida, entre outros fatores
de risco para a vida, talvez a saída a partir da dialética hegeliana, da lógica e,
portanto, da razão, seria a proposição de forma de desenvolvimento capaz de
abarcar as potencialidades oferecidas pelo processo histórico na superação dessa
visão do desenvolvimento predador.
Portanto, finalizando tais considerações, se torna importante salientar a
profundidade do pensamento de Hegel, suas consequências e sua importância para
a contemporaneidade. O fim último desse processo de desenvolvimento pode ser
89
instrumentalizador da vida e tornar o desenvolvimento como finalidade em si
mesmo, abandonando a vida como finalidade e tornando-o senhor da história de
forma absoluta. Esses últimos parágrafos dessas considerações finais poderão ser
aprofundados na segunda etapa proposta neste trabalho, como condição de
superação da instrumentalidade do desenvolvimento e de sua finalidade para o
humano e não do humano para o desenvolvimento.
90
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