UNIVERSIDADE DO CONTESTADO – UnC CURSO MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL ALCEU JUNIOR MACIEL ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO CANOINHAS 2016 ALCEU JUNIOR MACIEL ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO Dissertação apresentada como exigência para a obtenção do título de Mestre em desenvolvimento regional do Curso Mestrado em Desenvolvimento regional pela Universidade do Contestado – UnC Campus Canoinhas, sob a orientação do professor Dr. Sandro Luiz Bazzanella. CANOINHAS 2016 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS HEGELIANOS PARA UMA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO ALCEU JUNIOR MACIEL Esta Dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora como requisito parcial para a obtenção do Título de: Mestre em Desenvolvimento Regional. E aprovado na sua versão final em 22/07 de 2016, atendendo às normas da legislação vigente da Universidade do Contestado – UnC e Coordenação do Curso do Programa de Desenvolvimento Regional. Coordenador do Curso BANCA EXAMINADORA: __________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Sandro Luiz Bazzanella (UnC – Canoinhas - SC) _________________________________________ Membro externo: Prof. Dr. José Ernesto de Fáveri (UNIDAVI – Rio do Sul - SC) _________________________________________ Membro externo: Prof. Dr. Antônio Charles Santiago Almeida (UNESPAR – União da Vitória - PR) _________________________________________ Membro interno: Alexandre Assis Tomporoski (UnC – Canoinhas - SC) _________________________________________ Suplente: Prof. Dr. Prof. Dr. Reinaldo Knorek (UnC – Canoinhas - SC) AGRADECIMENTOS Agradeço a família pelo apoio e auxílio nos momentos de dificuldade para a execução deste trabalho em especial ao meu irmão Jonas Fábio Maciel que nos momentos de reflexão filosófica propiciou aprofundamento reflexivo e questionamentos pertinentes pela sua habilidade filosófica. A Valquíria Batista da Rocha (Teóloga) pelas reflexões teológico/filosóficas em torno do tema aqui apresentado, assim como, pelo apoio e incentivo no decorrer deste período de pesquisa. Ao Professor Doutor Sandro Luiz Bazzanella pela orientação deste trabalho, dedicação e por acreditar na potencialidade e capacidade de seu orientando. Pelo incentivo às pesquisas, aprofundamento filosófico e auxílio na busca pela autonomia de pensamento e aprofundamento reflexivo. Ao Fundo de Amparo a Pesquisa de Santa Catarina (FAPESC) pela bolsa de estudos concedida, assim como a Universidade do Contestado (UnC) pelas contribuições que possibilitaram a conclusão da presente pesquisa. A todos que de alguma forma ou outra auxiliaram na conformação deste trabalho dissertativo, em especial aos professores do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional (PMDR) da Universidade do Contestado. Este trabalho resulta não apenas do esforço individual, mas, sobretudo, deriva do esforço coletivo, assim como de ações que permeiam o fazer história a partir da história rumo à autonomia de pensamento. “A Investigação filosófica pode e deve começar o estudo da história apenas onde a Razão começa a manifestar sua existência no mundo, onde aparecem a consciência, a vontade e a ação e não onde tudo isso ainda é uma potencialidade irrealizada”. (HEGEL) RESUMO A ideia do desenvolvimento na contemporaneidade possui suas raízes na história. Na perspectiva hegeliana, a história é resultado da razão que se imanentiza, ou seja, a razão se objetiva na história e pela história. Isto possibilita a tomada de consciência pela consciência. Dito de outra forma, o processo racional de superação da condição em que o indivíduo se encontra se dá primeiramente pelo reconhecimento para posterior tomada de consciência e consequentemente a superação. Perscrutar filosoficamente o desenvolvimento é entender isto a partir do conceito, ou seja, para que se possa ter acesso ao ser-em-si do desenvolvimento, se faz necessária reconhecê-lo como conceito, perscrutar a sua essência. Para isto, convém observar sua conformação histórica. No sentido da superação daquilo que se apresenta, ou seja, trilhar rumo à conceitualização. A pretensão é ontológica que acontece na dimensão da consciência individual e como decorrência deste, a coletividade, já que, para Hegel, a particularidade contém em si a universalidade. A conformação do espírito de um povo é essencial para o desenvolvimento e, para compreender este processo, o autor busca na história e doutrina das religiões as respostas para seus questionamentos, apontando às bases ocidentais como predecessoras do movimento filosófico/teológico que possibilitaram reconhecer em alguns povos a primazia da tomada de consciência de si em direção ao Espírito Absoluto. Palavras-Chave: Desenvolvimento. História. Conceito. Consciência. Espírito. ABSTRACT The idea of development in the contemporary world has its roots in history. In Hegelian perspective, the history is the result of reason that immanentize, that is, the reason is objectified in history and by history. This enables the awareness of the consciousness. In other words, the rational process of overcoming the condition in which the individual is primarily based on the recognition for further awareness and consequently to overcome. To inquire philosophically development is to understand this from the concept, that is, so that it can have access to the being-in-itself of development, it is necessary to recognize it as a concept, peer into its essence. For this, it should be noted its historical conformation. In order to overcome what appears, that is, walk towards the conceptualization, the claim is ontological what happens in the dimension of individual consciousness and as a result of this, the community, as for Hegel, the particularity itself contains universality. The conformation of the spirit of a people is essential for development, and understanding this process, the author seeks in history and doctrine of religions answers to their questions, pointing western bases as forerunners of the philosophical / theological movement that allow recognize the in some people the primacy of awareness of itself towards Absolute Spirit. Keywords: Development, History, Concepts, Consciousness, Spirit. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA, O CONCEITO E O DESENVOLVIMENTO ............ 15 2.1 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA .............................................................................. 20 2.2 O CONCEITO...................................................................................................... 31 2.2.1 O Desenvolvimento é um Conceito? ................................................................ 34 3 PRESSUPOSTOS PARA UMA CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO EM HEGEL ...................................................................................................................... 42 3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA E PELA CONSCIÊNCIA .............. 43 3.2 A CONSCIÊNCIA DE SI ...................................................................................... 48 3.3 A RAZÃO COMO CONSCIÊNCIA-DE-SI EM DIREÇÃO À CONFORMAÇÃO DO ESPÍRITO.................................................................................................................. 50 3.3.1 A Razão e a Religião na Conformação do Espírito de um Povo ...................... 55 3.4 A HISTÓRIA ........................................................................................................ 67 3.4.1 A Razão na História ......................................................................................... 68 3.5 O DESENVOLVIMENTO: RACIONAL E HISTÓRICO ........................................ 74 3.5.1 O Desenvolvimento como Objetivação da Razão na História .......................... 75 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 84 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 90 9 1 INTRODUÇÃO O objeto perscrutado nessa pesquisa bibliográfica que compõe essa dissertação de mestrado é a investigação em torno dos fundamentos filosóficos do desenvolvimento a partir de Hegel, que implicam na necessidade da rigorosidade conceitual em torno das discussões referentes ao desenvolvimento de forma universal e, contido na universalidade, também o particular. Nessa perspectiva a temática em torno da qual se desenvolveu a pesquisa e a presente dissertação assim se apresenta: Fundamentos Filosóficos do Desenvolvimento a partir de Hegel. Sendo assim, se buscou analisar ontologicamente o desenvolvimento e sua conformação histórica, dito que, Hegel não analisou especificamente essa temática, porém, tal filósofo possui elementos teóricos e conceituais suficientes e que influenciaram a história da filosofia, bem como constituíram a filosofia da história contemporânea. O período histórico desse filósofo é constituído pelo racionalismo e como consequência se têm as revoluções políticas, ou seja, o tempo de Hegel pode ser analisado como período de mudanças estruturais presentes na modernidade. Pensar o desenvolvimento é pensar o presente. Pensar o desenvolvimento a partir de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é mergulhar sem ter noção da dimensão e profundeza desta análise. Esta pesquisa objetiva analisar o desenvolvimento e sua regionalização a partir da ciência filosófica. Considera-se a história como resultada da ação da razão na conformação do presente. Isso possibilita perscrutar os fundamentos ontológicos do desenvolvimento. De forma específica, esse item tem como objetivo analisar o desenvolvimento na perspectiva de sua conceitualização, observar na história a conformação dos princípios do desenvolvimento e analisá-lo em sua dimensão particular que perpassa a consciência individual como pressuposto para a formação da consciência coletiva ou do espírito de um povo. Esse trabalho dissertativo é composto de dois (2) capítulos, sendo que o primeiro está circunscrito no desenvolvimento na história. Apresenta a necessidade de conceituar o desenvolvimento para que se possa analisá-lo com maior profundidade e segurança teórica, dito que o que se tem na sua maioria apenas discursos inócuos que não possibilitam entender o desenvolvimento como conceito. No segundo capítulo se analisa a conformação do desenvolvimento em relação à consciência individual com perspectivas à consciência coletiva. Ou seja, o 10 desenvolvimento perpassa a consciência que constitui o espírito de um povo. Para isso, a razão e a religião são basilares. Esse processo acontece na história a qual é conduzida pela razão que faz o desenvolvimento ser racional e histórico. Nesse capítulo se analisa a região do Planalto Norte Catarinense em suas contradições e negações e se questiona sobre as possiblidades de desenvolvimento. Esse trabalho se baseia em aspectos teóricos e conceituais do pensamento hegeliano. Hegel é um marco na história do pensamento ocidental, Pode-se afirmar que esse filósofo está no limiar da modernidade e inaugura a contemporaneidade, pois suas reflexões constituem as bases do pensamento contemporâneo. Os pensadores posteriores o enfrentaram em algum momento do percurso reflexivo, seja para confrontar ou para corroborar com suas teses. Talvez se possa afirmar que Hegel é o único filósofo que possibilitou a constituição de uma direita e, de uma esquerda de pensadores1 a partir da sua filosofia. Esse pensador é resultado de seu tempo, resultado da visão de mundo iluminista que auxiliou na conformação da ideia de ciência do progresso, apresentando-se como possibilidade de solução para todos os problemas. Em suas reflexões, partiu da análise filosófica da universalidade da história. Perscrutou, em seu sistema filosófico, nada mais do que a conjunção de toda realidade passível de ser analisada - a totalidade. Hegel considera que a preocupação filosófica está na universalidade, e que na universalidade reside a particularidade. Para o filósofo, isso faz da filosofia a ciência que perscruta na finalidade última das coisas, a coisa em si, ou seja, a coisa mesma se apresenta como essência nos seus resultados como totalidade da coisa. Seu sistema influenciou e influencia a filosofia alemã – e consequentemente a filosofia ocidental - desde sua constituição e, pela profundidade de suas reflexões, captou o tempo buscando, a partir da lógica, se efetivar no espírito e, como consequência, culmina no racionalismo a busca pela absolutidade da realidade. Essa acontece a partir da busca por superar a imediatez e aquilo que se apresenta em primeira vista. Isto é parte constituinte da cultura que se expressa na universalidade como resultado de princípios particulares e individuais. A cultura resulta da ação de um povo na conformação de seu espírito. Ou seja, do esforço de constituir-se como povo a partir das particularidades e 1 Movimento dos jovens hegelianos que se dividiram após a morte de Hegel em 1831. A nomenclatura “direita” e “esquerda” denominada por David Strauss foi herdada do parlamento Francês. 11 individualidades que o conformam na busca pela generalidade da coisa em si. A conformação cultural de um povo resulta da seriedade com a qual se conduz a vida pautada na racionalidade e na ordenação do mundo pela, assim como pela busca de compreensão da totalidade. A formação cultural de um povo consiste no aprofundamento conceitual de sua condição. Para Hegel, o conceito é fundamental para o desenvolvimento da reflexão filosófica, pois, a partir dele é que a ciência filosófica - de forma processual busca a essência pela observação, no qual o observador assume em sua consciência àquilo que se lhe apresenta, e, posteriormente formula o conceito do objeto, definindo-o, ou ainda, expressando a verdade do objeto em ideias. Aqui se apresenta a importância epistemológica do conceito advindo do idealismo. Assim, para que um povo possa trilhar o caminho rumo ao desenvolvimento, a rigorosidade conceitual se torna culturalmente necessária. A cultura é resultado do esforço de superação do imediato e assim, partir para a busca de conhecimentos universais. Ou seja, a partir da universalidade se conhecerá conceitualmente o particular que trás em si a universalidade. Perscrutar conceitualmente a ideia força do desenvolvimento regional consiste em concentrar esforços na universalidade e, após essa análise rigorosa conceitual, relacioná-lo com a regionalização, ou seja, do universal para o particular, pois no particular está presente o universal e o universal tem suas raízes no particular. Logo, a regionalização do desenvolvimento está contida na universalidade da ideia. Sob tais pressupostos, surgem indagações em torno do problema central que articula essa pesquisa: o que é desenvolvimento? Como essa temática é refletida pela história da filosofia e pela filosofia da história? Como o desenvolvimento se relaciona com a cultura em Hegel? Se houver relação, como se constitui uma cultura para o desenvolvimento? Observando a região do Planalto Norte Catarinense, se percebe a fragilidade teórica, conceitual e intelectual, bem como a ausência da rigorosidade conceitual em parte significativa dos discursos. Assim como, a economia regional é norteada pelo extrativismo e a maior parte da população local ainda não se tomou como objeto, não tomou consciência de sua capacidade de desenvolvimento, não se assumindo como agente capaz de se reconhecer como indivíduo racional para superar a condição que se encontra. Ao longo da pesquisa dissertativa foram analisadas as obras: Fenomenologia do Espírito (2014) e Filosofia da História (1995) de Hegel, com incursões em outras 12 obras, assim como em alguns comentadores, porém centralizando esforços nessas obras citadas acima, pois foram consideradas como centrais para a relevância das discussões que cercam o problema dessa pesquisa. O movimento é o ponto de partida para a reflexão – a partir de Hegel - em questão, ou seja, tudo pode ser entendido como um processo existencial/racional, sendo assim, histórico. Em sua Fenomenologia do Espírito, usando a analogia, Hegel expressa através do movimento natural à noção de progresso na perspectiva do movimento e da negação. Ou seja, a negação é parte integrante da coisa em movimento. A ideia da coisa em si é resultado da sua negação e, essa se torna outra ideia que a partir da própria negação deixa de ser passada e se torna o presente e, a partir da negação do presente se tornará futuramente outra coisa a partir da mesma essência. A própria natureza resulta de ações potenciais presentes nela mesma, para atingir a sua determinante condição. Esse esforço natural é condicionado pela força existente na mesma, através da potência presente em si para tornar-se outra coisa a partir da negação da anterior. Ao passo que esta negação pode ser entendida também como contradição dela mesma para posterior conformação daquilo que lhe é pré-disposta. Ou dito de outra forma, a árvore apenas será ela mesma a partir do momento em que negar-se a ser semente. No entanto, nas sociedades humanas a determinidade parece condição primeira presente na sua natureza. Observando a história da região do Planalto Norte Catarinense com suas negações e afirmações, vê-se a necessidade de desenvolvimento nas diversas dimensões sociais, ou seja, coletivas, mas também na dimensão particular ou individual de progresso da própria consciência. A partir do reconhecimento disto, se torna necessário a negação que já se encontra no interior da condição para uma posterior superação da atual conjuntura. Dito de outra forma, analisar as circunstâncias atuais a partir do processo de reconhecimento, significa conceituar a ideia de desenvolvimento, para posterior possibilidade de reconhecimento e consequentemente superação. Sem a primeira as dificuldades se sobrepõem à segunda. Para a efetivação do processo de desenvolvimento, talvez se possa afirmar a partir de Hegel, que o Estado deve assumir papel preponderante, pois nele se objetiva a razão que é a condição para o reconhecimento e para a superação. 13 Essa dimensão política do desenvolvimento presente na ação da razão em busca da liberdade efetuada no Estado conforma a subjetividade dos indivíduos a partir da realidade objetiva que o próprio Estado o é, pois a individualidade se opõe ao Estado2, dito que este resulta da conjunção de individualidades afins. Ou ainda, uma nação Estado, com pretensões civilizatórias, deve possuir na sua essência a razão de ser que constitui a sua história e é conformada por ela a partir da razão na busca pela liberdade. A relação de oposição entre Estado e indivíduos vai contra a noção antiga de liberdade numa visão idealista de cidade, no qual Hegel se inspira para formular seu sistema filosófico. Analisar os fundamentos filosóficos do desenvolvimento a partir de Hegel auxiliará no amadurecimento conceitual para as discussões posteriores, assim como, entender os fundamentos desta discussão, possibilitará aprofundar questões terminológicas vacantes nos discursos estabelecidos, até o momento, sem a rigorosidade e o aprofundamento conceitual requerido. A filosofia possui papel fundamental e fundante na conformação da civilização ocidental. O processo civilizatório do ocidente, iniciado pelos gregos antigos, perpassando a medievalidade em seus fundamentos judaico-cristãos e culminando na modernidade com Hegel, pode ser analisado do ponto de vista da filosofia, pois essa esteve presente em toda a história e, a história sendo determinada pela razão, que pode ser entendida como a ferramenta filosófica utilizada para a realização e conformação do processo histórico ocidental. 2 Nesse trabalho não se aprofundará a ideia de Estado em Hegel, por se considerar trabalho periférico às questões levantadas, mesmo considerando que esta é uma questão em que Hegel trabalha com rigor. Segundo Hippolite “o ideal da juventude de Hegel era precisamente a fusão dos dois mundos na religião de um povo que era a consciência de seu espírito original, a liberdade objetiva do cidadão que encontrava sua vontade absolutamente realizada em seu Estado”. (HIPPOLITE 1968, p. 93). Nesse sentido, o Estado se apresenta como resultado da vontade de um povo, ou seja, acima do indivíduo. Portanto, a realização da vontade individual, que, segundo Hegel, tem sua origem no século XVI mas suas raízes na conformação da ideia de consciência cristã, que necessita estar de acordo com a vontade coletiva, e isso, é resultado da realização do espírito absoluto. A identidade da vontade particular e da vontade geral, do indivíduo e do Estado, não pôde assim estabelecer-se imediatamente, como no mundo antigo, mas uma mediação se torna necessária; permanece a verdade de que a liberdade é para o indivíduo o elevar-se à vontade geral, participar da organização objetiva que o ultrapassa; para Hegel o Estado nada tem de artificial, ele é a razão na terra, mas essa elevação, essa liberação não é mais imediata, há um conflito latente ou manifesto, segundo os casos, e o Estado moderno compreende ao mesmo tempo a oposição do indivíduo e da vontade geral como sua reconciliação.(HIPPÓLITE, 1968, p. 94). Assim, o Estado é resultado da ação coletiva em nome da coletividade, ou seja, é a expressão máxima da realização do espírito de um povo e, isto não é religioso nem artificial, mas extremamente racional. Por isso, a vontade individual não é a que prevalece, mas o espírito de um povo que trilha uma única direção, possui um norte comum e uma visão de mundo adquirida historicamente, capaz de o unificar apesar das suas diferenças. 14 Aos interessados nas discussões deste trabalho dissertativo, e que se propõem a pensar filosoficamente noções de desenvolvimento, este texto permitirá dar bases ao desenvolvimento regional numa perspectiva conceitual sólida superando as objetivações possibilitando cientificidade e segurança, superando a instrumentalização dos discursos, a incompreensão, as ineficiências, e isso, sem a pretensão de verdade absoluta, mas com o intuito de superar as adjetivações a partir da razão que se encarna na história. 15 2 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA, O CONCEITO E O DESENVOLVIMENTO A Filosofia possui uma história, assim como se pode analisar filosoficamente a história. Hegel3 elabora uma Filosofia da História, apontando a trajetória da humanidade4 como sendo guiada pela razão. Observa desde o oriente ao ocidente as particularidades dos povos e o processo5 de evolução do espírito, assim como analisa a história apresentando-a como sendo conduzida pela razão, ou seja, apresentando a razão como fio condutor da história. O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o conceito simples de Razão, que é lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas aconteceram racionalmente. Essa convicção e percepção é uma pressuposição da história como tal; na própria filosofia a pressuposição não existe. A filosofia demonstrou através de sua reflexão especulativa que a Razão – esta palavra poderá ser aceita aqui sem maior exame da sua relação com Deus – é ao mesmo tempo substância e poder infinito, que ela é em si o material infinito de toda vida natural e espiritual e também é a forma infinita, a realização de si como conteúdo. Ela é substância, ou seja, é através dela e nela que toda a realidade o seu ser e a sua subsistência. Ela é poder infinito, pois a Razão não é tão impotente para produzir apenas o ideal, a intenção, permanecendo em uma existência fora da realidade – sabe-se lá onde – como algo característico na cabeça de umas poucas pessoas. (HEGEL, 2001, p. 53). Para Hegel, a história é resultado de acontecimentos permeados pela razão, sendo ela quem se realiza como conteúdo na realidade. Esse termo – a história – remete a uma ambiguidade: Por um lado, se apresenta através de conhecimentos próprios na forma de uma disciplina ou campo de conhecimento científico afirmado 3 Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, no mês de agosto do ano 1770. Em 1788 ingressou no seminário de teologia protestante em Tübingen. Em 1790, Hegel recebeu o título de magister philosophiae e, renunciou ser pastor. Entre os anos 1793 e 1796 residiu em Berna e até 1800 em Frankfurt atuando como preceptor. Em 1799, com a morte de seu pai, Hegel recebe uma pequena herança. Mudou-se para Jena onde tornou-se livre docente na Universidade de Jena com a tese: “Sobre a Órbita dos Planetas”. Quatro anos depois é nomeado “professor extraordinário” da universidade de Jena, sob a recomendação de Goethe (1749 - 1832). Em 1807 publica sua primeira grande obra: “Fenomenologia do Espírito”. Em 1808, tornou-se professor no Liceu de Nuremberg e em 1812 – nesta universidade – publicou a primeira parte da obra: “Ciência da Lógica” e em 1816 a segunda parte. Nessa mesma data é nomeado professor titular de uma cadeira de filosofia na universidade de Heidelberg. Em 1817 publica a primeira edição da “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”. Em 1818, Hegel atinge o ápice de sua carreira universitária, sendo indicado para uma cadeira de Filosofia da Universidade de Berlim. Em 1821 Hegel publicou: “Os Princípios da Filosofia do Direito”. Em 1829 Hegel foi eleito reitor da universidade de Berlim. Em 11 de novembro de 1831 morreu vitimado de cólera. 4 Para Hegel, a humanidade é resultado de um processo racional que perpassa a história. Da razão em busca da liberdade realizada no Estado. Este processo é resultado da ação de reconhecimento de si e do outro em-si na conformação do espírito. 5 Termo caro em Hegel. Apresenta-se como movimento lógico e, portanto, racional a partir de análise de fatos e fenômenos comprovados. Isso com pretensão de comprovação. 16 em fins do século XVIII e XIX, que informa, analisa e interpreta os fatos, com intuito de apontar o fio condutor, a racionalidade como pressuposto nos acontecimentos. Nessa direção, a análise historiográfica assume tendências de análise sejam elas positivistas, marxistas, arqueológicas, genealógicas, de análise dos discursos, dos fatos da vida cotidiana, entre outras possibilidades. Para a filosofia, a ideia de mundo histórico assume condição relevante, pois leva a entender a história como criação da razão humana. A partir da totalidade destes acontecimentos, se tem a manifestação cultural e, a consequência dos acontecimentos históricos justifica uma filosofia da história, na perspectiva de Hegel, na busca pela compreensão da totalidade e do pensamento da coisa em geral: O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada a um juízo sério a seu respeito. (HEGEL, 2014, p. 25) A partir da compreensão da história como necessidade ou plano providencial da história, na perspectiva hegeliana, talvez se possa afirmar que o momento do acontecimento dos fatos se torna incompreensível, já que estes não poderiam se apresentar de forma diferente. Ao observar a realidade, percebe-se que a incompreensibilidade do tempo presente tem relação com os limites do espírito subjetivo; com os indivíduos que são filhos do tempo em curso; do tempo em que os acontecimentos ocorrem em sua multiplicidade de manifestações. Neste sentido, a compreensão filosófica do tempo presente retratada pela analogia6 da ave de minerva que alça voo ao entardecer, ou seja, apenas após o fim da batalha, do clamor das massas na praça do mercado, do tumulto das ruas, é que talvez se possa alcançar a razão da história, o que de fato ocorreu. Nesse caso, os acontecimentos históricos são fatos necessários para o desenvolvimento e conformação de uma civilização e estes podem ser entendidos como resultantes da ação da razão no mundo real, portanto, racional. Para o filósofo, a razão é “forma infinita”: 6 Realidades distintas, mas com significados comparáveis, análogos, ou seja, plausível de proporcionalidade discursiva. 17 E ela é forma infinita, pois apenas em sua imagem e por ordem sua os fenômenos surgem e começam a viver. É a sua própria base de existência e meta final absoluta e realiza esta meta a partir da potencialidade para a realidade, da fonte interior para a aparência exterior, não apenas no universal natural, mas também no espiritual, na história do mundo. Que esta Ideia ou Razão seja o Verdadeiro Poder Eterno e Absoluto e que apenas ela e nada mais, sua glória e majestade, manifeste-se no mundo – como já dissemos, isto já foi provado em Filosofia e aqui está sendo pressuposto e demonstrado. (HEGEL 2001, p. 53 – 54) Esse processo de realização da razão na história será aprofundado no segundo capítulo desse texto dissertativo a partir, sobretudo, das obras “Fenomenologia do Espírito” (2014) e da “Filosofia da História” (1995). A concepção de história a partir de um plano providencial encontra justificativa no plano religioso, sobretudo a partir do cristianismo. Para a religião, o caminho da história é incompreensível, porém sempre se justifica posteriormente a partir de especificidades designadas pela divindade. Para Hegel, a religião tem “o mesmo objeto que a arte e a filosofia” (GARAUDY, 1983, p. 181), pois os povos depositaram na religiosidade a sua visão de mundo e de suas divindades, conformando-a e expressando-a como exterioridade na arte. Na perspectiva hegeliana, a história da consciência acompanha o percurso do amadurecimento do mundo, encarnada na cultura em direção à plenitude. Sendo assim, a religião se apresenta como uma manifestação cultural da consciência absoluta, no entanto, apenas no sentido representativo, pois o sentido conceitual é campo da filosofia. A história da arte e a história da religião, são, em Hegel, não somente paralelas, mas estreitamente enredadas. A arte simbólica tinha por tarefa, assim como a “religião natural”, “ver o infinito no finito”. A desmesura era a técnica ainda primitiva a permitir exprimi-lo. A lei de desenvolvimento das religiões da natureza é a mesma da arte simbólica: a infinidade do divino exprime-se cada vez menos pelo simbolismo das forças da natureza e cada vez mais pela interioridade subjetiva, propriamente humana, de deuses cívicos, de que a potência não é mais semelhante à das forças naturais, mas às forças sociais do homem e de suas instituições. O símbolo recua: há uma separação entre o poder dos homens e o poder dos elementos, entre os deuses não podiam se estabelecer senão analogias mais ou menos ingênuas, em que o signo não era igual à significação. Na nova etapa, há adequação entre o que o homem quer e o que ele realiza. (GARAUDY, 1983, p. 182). Hegel elabora sua filosofia da história a partir da observação dos pressupostos constitutivos da religiosidade de diferentes povos. Nesse sentido, o filósofo busca distinguir as diferentes etapas fenomenológicas da religião: a primeira 18 possui caráter natural com elementos animalescos e/ou pertencentes ao mundo da natureza. Noutra perspectiva se apresenta a religiosidade grega, que se caracteriza pela capacidade de atribuir às divindades qualidades antropomórficas. Numa terceira perspectiva se apresenta o dogmatismo cristão, com traços do Espírito Absoluto que se encarna e se justifica pela dialética. O que interessa ao nosso pensador é descobrir o espírito de uma religião, ou o espírito de um povo, é forjar conceitos novos aptos para traduzir a vida histórica do homem, sua existência em um povo ou em uma história. Sobre este ponto, é incomparável e os trabalhos de juventude nos mostram o esforço direto e ainda ingênuo para pensar a vida humana. (HIPPOLITE, 1971, p. 05) No ponto de vista do estudioso e comentador da obra de Hegel Jean Hippolite, o filósofo analisa a partir da religiosidade a formação do espírito de um povo, assim como a conformação deste espírito que ocorre na história. Para Hegel, a mitologia grega representa a dimensão juvenil do espírito, através da articulação entre o universal e o particular. O processo de encarnação do espírito nos homens se dá a partir da religião, da cultura e da arte, na objetivação dos deuses em forma humana, resultando de forma espontânea no nascimento do entendimento, da razão, do conceito e da filosofia. Para o intérprete de Hegel Garaudy: A imaginação Grega não povoou a natureza de deuses. O espírito afirma seu triunfo sobre a natureza. A verdadeira força não é natural mas política. Zeus, deus das leis e do poder, alcançou a vitória sobre os Titãs, forças da terra, do mar e do céu. Certamente, nas artes, estes deuses serão representados sob uma forma sensível, mas esta obra de arte é o produto da mão de homens e estes deuses espirituais têm o rosto e o corpo de homens. Esta religião exprime a relação no homem do finito e do infinito sob a forma da beleza. (GARAUDY, 1983, p. 183) Sob tais pressupostos, a base religiosa de uma civilização conforma a subjetividade de um povo que, posteriormente é exteriorizada pela arte e pela filosofia. O mundo é a projeção da subjetividade do sujeito. A formação dessa subjetividade se dá a partir da interiorização pela arte que é resultado da exteriorização interiorizada de quem a expressa. Isso fez com que os gregos se projetassem no mundo conformando sua individualidade e autonomia a partir da sua religiosidade. 19 Portanto, convém considerar que a religiosidade é condição basilar na conformação do espirito de um povo, pela e na formação da subjetividade dos indivíduos que a expressam a partir da arte envolvendo outros espectadores no processo de interiorização, que é postergada para a história a partir de uma linguagem análoga. A filosofia deve superar essa analogia em busca da verdade a partir do conhecimento racional. O Espírito Absoluto se apresenta aqui na forma do conhecimento racional. Nesse sentido, a razão imanentizada pela história se justifica, possibilitando ao filósofo reconstruir a trajetória civilizatória logicamente construída na busca pela liberdade. Nessa perspectiva, a liberdade se apresenta como a plena justificação racional de todas as etapas cumpridas pelo Espírito e que resulta, ou se materializa no Estado, nas leis e suas instituições. Esse estado é baseado na religiosidade que conforma o Espírito do povo. Neste aspecto, a religião está na associação mais próxima com o princípio do Estado. A liberdade só pode existir onde a individualidade é reconhecida como positiva no Ser divino. Existe ainda, mais uma associação entre a religião e o Estado: A existência secular é temporal se movimenta dentro do âmbito do interesse privado, sendo assim relativa e injustificada. Sua justificação só poderá vir da justificação absoluta de sua alma universal, que é seu princípio – este só é justificado como determinação e existência da essência de Deus. Por essa razão o Estado se baseia na religião. (HEGEL, 2001, p. 101). A realidade se apresenta como real e racional em Hegel. O presente é fruto da história que é resultado da imanentização da razão que acontece como processo. A história é movimento e, a realidade se justifica a partir da dialética histórica sendo que essa é constituída de negações e contradições. Ou seja, o Espírito que se manifesta na humanidade nega a realidade em curso buscando realização, ao passo que, se constitui a etapa seguinte como superação da realidade anterior estabelecendo o novo. O real que se manifesta na razão, ou seja, que também é racional assume-se como condição histórica na conformação da mesma. Ou dito de outra forma, o que se perpetua na história a partir do reconhecimento para a superação, se apresenta como racional e real. Ainda, o que conduz a história é o racional real. Sob tais pressupostos, cabe à ciência filosófica abranger essa realidade que ao mesmo tempo é racional e se encarna na história. 20 2.1 A FILOSOFIA NA HISTÓRIA A filosofia nasceu na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. Talvez se possa afirmar que essa ciência se apresenta desde seu inicio como capacidade racional de buscar compreender a totalidade, assim como o momento histórico, as circunstâncias sociais, políticas, e religiosas que os gregos estavam inseridos. Esses pressupostos possibilitaram o surgimento da filosofia7. Ou seja, tais circunstâncias históricas e religiosas levaram este povo a tomar consciência de si e pensar a si e por si mesmos. Isso se manifesta na cultura – sobretudo na religião, na arte e na filosofia - do povo Grego. Para Hegel, a Filosofia possui na sua essência a busca pela verdade absoluta, pela totalidade, ou seja, supera a religiosidade e a arte. Para Hegel, a Filosofia, como a religião, nasce do dilaceramento do mundo e, como ela, sua missão é ultrapassar este dilaceramento. Ele naturalmente compara a sua época com aquela que nasceu o cristianismo e atribui-se uma tarefa semelhante àquela que a religião cristã cumpriu. O que caracteriza uma tal época é ao mesmo tempo uma “ruptura no mundo real” e, o que é a consequência, o desdobramento do homem, a “ruptura entre a existência interior e a existência exterior”, o espírito não se sentindo mais satisfeito pelo presente imediato. (GARAUDY, 1983, p. 193). Para o filósofo, a não suficiência daquilo que se apresenta na imediatez das circunstâncias possibilita a abertura à transcendência. Ou seja, o indivíduo se abre para uma realidade exterior capaz de abarcar além daquilo que se lhe apresenta, rompendo a imediatez. A íntima relação da filosofia e do filósofo com seu tempo pressupõem a partir da ciência filosófica a construção da visão de mundo, ou seja, a superação das rupturas presentes na história. A história se constitui a partir de possibilidades de ruptura e ao mesmo tempo de continuidade e a filosofia da história tem como objeto – entre outros – compreender tal processo. Todavia, é importante salientar, que a história da filosofia se inicia no século VI a.C. e abarca a história do ocidente e pode ser analisada na perspectiva do desenvolvimento processual da própria ciência como razão encarnada na história. As reflexões presentes nesse período da história é resultado desse processo reflexivo da Grécia Antiga e, como ver-se-á na sequência, é conformada a partir de 7 É discutível a localização do surgimento da filosofia. Há correntes filosóficas que defendem outras formas de se pensar o surgimento desta ciência. Neste trabalho dissertativo será utilizada a tradição filosófica que defende que a filosofia surge na Grécia antiga a partir dos pressupostos estabelecidos no texto. 21 continuidades, mas também de rupturas, porém como processo ascendente, progressivo, racional, lógico e dialético. Os Gregos antigos sofreram influências de outros povos do Oriente Médio. Sem dúvida, os gregos sofreram a influência de outros povos. Todo povo desenvolve certas ideias sobre a vida e o mundo, descobre certas concepções sobre a alma, sobre a origem do mundo a partir do caos, sob a forma de mitos, estão presentes nas mais antigas religiões. Povos mais adiantados, como o do Egito e de outros países do Oriente Médio, chegaram até mesmo a desenvolver uma matemática, uma astronomia, uma medicina. Que o contato com todos estes povos não poderia deixar os gregos imunes, é obvio. Muitos dos temas que vão ocupar os filósofos gregos estão longe de poderem ser considerados originais. Mas a despeito disto, pode-se dizer que os gregos constituem uma exceção e que nos legaram uma cultura altamente original. (BORNHEIM, 1998, p. 08). O diferencial da cultura grega perpetuada na história ocidental está na capacidade de não permanecer no mito, na religiosidade, mas de assumir uma postura diferenciada dos outros povos, a da razão que indaga e possibilita a passagem da religiosidade para o filosófico. Apreciar-se-á nas páginas seguintes uma rápida apresentação da história da filosofia que se apresenta como processo histórico contínuo e racional iniciada pelos gregos antigos. A primeira corrente filosófica é composta pelos denominados filósofos PréSocráticos. Como o próprio nome sugere, os primeiros pensadores são apresentados num período antes de Sócrates e buscavam entender a origem do cosmos. Estes filósofos também são conhecidos como Filósofos da physis8 pois buscavam em suas reflexões e observações da natureza o princípio, a origem (arché), ou seja, o elemento primordial ainda conservado em todas as coisas. Conhecido como sendo o primeiro filósofo do ocidente, Tales de Mileto (624 – 562 a. C) afirmava que o elemento primordial era a água, pois isso pode ser concluído a partir das aparências sensíveis; “aquilo que é quente necessita de umidade para viver e o que é morto seca, todos os germes são úmidos, todo alimento é cheio de suco” (BORNHEIM, 1998 p. 23). Esse pensador também se destaca em outras áreas como: Matemática, engenharia e astronomia. O filósofo observou que todas as coisas possuíam água, 8 Para os filósofos Pré-Socráticos, “a physis compreende a totalidade daquilo que é; além dela nada há que possa merecer a investigação humana. Por isso, pensar o todo do real a partir da physis não implica em “naturalizar” todos os entes ou restringir-se a este ou aquele ente natural. Pensar o todo do real a partir da physis é pensar a partir daquilo que determina a realidade e a totalidade do ente”. (BORNHEIM, 1998, p. 14) 22 em maior ou menor grau. Nesse mesmo sentido, água é vida, tudo que não possui água, não possui vida. Pertencente à escola Jônica de pensamento, assim como Anaximandro e Anaxímenes (Século IV antes de Cristo), são considerados os primeiros filósofos. Nessa mesma busca do elemento primordial se apresentam, outros filósofos como Anaximandro (610 – 547 a.C.) que sugere o ápeirom: uma espécie de elemento infinito e indeterminado que proporciona a existência da matéria finita e determinada. O seu fragmento refere-se a uma unidade primordial, da qual nascem todas as coisas e à qual se retornam todas as coisas. Anaximandro recusa-se a ver a origem do real em um elemento particular, todas as coisas são limitadas e o limitado não pode ser, sem injustiça, a origem das coisas deve haver, por isto, um princípio que lhe seja anterior e que permita compreender tudo o que seja limitado. Do ilimitado surgem inúmeros mundos, e estabelece-se a multiplicidade, a gênese das coisas a partir do ilimitado é explicado através da separação dos contrários (como quente e frio, seco e úmido) em consequência do movimento eterno, o que está separado volta a integrar-se à unidade primordial, restabelecendo-se a justiça. (BORNHEIM, 1998, p. 24). Esse pensador caracteriza-se pela complexidade de suas reflexões. Importante destacar o conflito dos contrários que produzem a existência como se apresenta. Outro filósofo Pré-Socrático relevante na história da filosofia antiga é Heráclito de Éfeso (535 – 475 a. C), também conhecido como o pai da dialética, desenvolveu reflexões que indicam o fogo como sendo o elemento natural e primordial que daria origem a todas as coisas. Para o filósofo, o fogo representa a transformação na qual todos os seres estão submetidos. Partindo do princípio de que tudo flui e tudo se transforma, o pensador se destaca por formular reflexões em torno da pluralidade e mutabilidade dos seres que estão em constante movimento. Esse movimento contínuo é representado por Heráclito de forma metafórica, através da impossibilidade de banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois tudo está em contínuo movimento. Como oposição ao pensamento de Heráclito se tem as ideias de Parmênides de Eléia (530 – 460 a.C.). Este filósofo é conhecido como o Pré-Socrático que mais influenciou Platão. Seu pensamento destaca a existência do ser como produto imutável e eterno da mente, como contrário do ser, o não-ser, se apresenta como as falsas percepções dos sentidos. Talvez se possa afirmar que é este pensador que inicia as discussões em torno da metafísica como busca pela verdade do ser. A 23 convergência de pensamento entre Heráclito e Parmênides, está no uso da razão na conformação de suas teorias filosófica. Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C) também merece reconhecimento como um dos mais importantes pensadores dentre os pré-socráticos. Se opondo teoricamente a Heráclito e Parmênides, no entanto, em consonância com a forma de fazer filosofia e ao uso da razão para observação da realidade, desenvolveu a teoria dos átomos como sendo a arché. Ou dito de outra forma, sendo os átomos indivisíveis, infinitos, eternos e presentes em todos os elementos da natureza, os átomos se agrupam das mais diferentes maneiras para formar os corpos. Constatase a conotação materialista da teoria de Demócrito que ainda na contemporaneidade é reconhecida. Sob tais perspectivas, vale destacar que os Pré-Socráticos tinham como objeto de estudo o cosmos e os elementos da physis. Buscavam explicações racionais e, por isso, diferenciam-se das explicações oferecidas pelos mitos. Além de representarem as primeiras explicações advindas de um certo uso da razão conhecidas no ocidente, contribuíram para a formulação de pensamentos posteriores. Nesse sentido, representam a origem dos debates que permanecem no ocidente até a contemporaneidade. Conhecido como o período clássico da Filosofia, o século V e VI a.C. se destaca com avanços na arte, cultura e conhecimento, em Atenas. Esse período deu origem ao movimento filosófico dos “Sofistas”. Entre eles, Protágoras, Giorgias e Hermógenes se tornaram grandes conhecedores da retórica e sustentavam o relativismo, teoria que também permanece até os tempos hodiernos. Nesse período, a democracia, na sua forma grega antiga que se diferencia da contemporânea em vários aspectos, estava em curso em Atenas. Nesse aspecto político, os sofistas tinham como profissão ensinar o uso da retórica e da oratória aos cidadãos. A célebre afirmação de Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas”, contribui para a constituição da atribuição ao homem da centralidade da busca pela verdade. Por isso, para estes pensadores, a verdade não estaria na natureza, como diriam os Pré-Socráticos, mas no homem, sendo que aquele que melhor dispusesse da retórica seria capaz de demonstrá-la. Os sofistas desencadearam o debate em torno do que pode ser considerado como verdade. No entanto, o fato de cobrarem pelos seus ensinamentos, tornou os sofistas filósofos menosprezados e alvo de críticas. Certamente o que também 24 contribuiu para a imagem negativa dos sofistas, foram os ataques feitos por Sócrates (469 – 399 a. C) e Platão (427 – 447 a. C.). A partir de um método próprio, motivado pelos afazeres de sua mãe Phaenarete, conhecido como Maiêutica ou arte da parteira, Sócrates se autodenominou parteiro de almas. Se utilizando da ironia, o pensador caminhava pelas ruas de Atenas fazendo os cidadãos gregos pensar a partir de provocações em forma de perguntas, promovendo o diálogo. Para o filósofo, a verdadeira sabedoria era saber que nada se sabe, pois o ato de pensar saber era condição para a ignorância, a não ser assumir através do pensamento que nada sabe. A visão de mundo perscrutada na antiga Grécia e atribuído a Sócrates permaneceu na história e foi cristianizada pelos Santos Padres da Igreja. Certamente o centro de seus questionamentos era a natureza da alma humana, não ainda no sentido cristão. Formulou profundas críticas à pólis grega, à inteligência e a oratória. Por um lado despertou ódio por parte da aristocracia da época, e por outro, muitos jovens seguidores. Sócrates nada escreveu, suas reflexões são escritas por Platão. Com profundas críticas à democracia, Platão escreveu a sombra de seu mestre Sócrates que possivelmente, segundo a bibliografia postergada no tempo e na história, já estava morto. Para o filósofo a democracia grega foi à responsável pela morte de Sócrates – isto descrito na obra platônica intitulada: “Apologia a Sócrates”, onde o filósofo descreve o julgamento e morte de Sócrates por dois supostos crimes: o de ter dito que os deuses não existem e acusado de corrupção dos jovens. Platão cria a Academia como espaço de formação do Filósofo- Rei, que deveria governar a cidade idealizada na obra: “A República”. Apesar da tentativa em Siracusa de colocar em prática sua teoria política não obteve êxito, no entanto, sua visão de mundo, sobretudo das teorias políticas, permanecem no ideário político ocidental. Na relação entre idealismo e dualismo, a teoria das formas de Platão sugere a existência do Mundo das Ideias como oposição ao mundo sensível. Para ele a Filosofia e a Matemática seriam capazes de elevar a alma humana para o verdadeiro conhecimento, válido e imutável. Nessa mesma condição, todo o conhecimento seria inato, pois a alma advinda do mundo das ideias já traz em sua essência o conhecimento que só atingirá a plenitude no pós-morte. Importante 25 considerar o fato de que o corpo se apresenta como sendo o cárcere da alma, sendo que as paixões são obstáculos para o acesso ao conhecimento verdadeiro. Nessa perspectiva, o pensamento platônico deve ser analisado na ótica da sua relevância na fundamentação da doutrina cristã. Aqui se deve levar em consideração principalmente o moralismo ocidental que se projeta posteriormente nas diversas dimensões sociais. Outros conceitos cunhados por Platão que permanecem até a contemporaneidade são: Bem, alma, beleza, dentre outros possíveis que se apresentam como condutores da metafísica ocidental. Outro filósofo antigo que influenciou na história da filosofia foi Aristóteles (384 – 322 a.C.). Discípulo de Platão e mestre de Alexandre Magno, Aristóteles ainda é referência para estudos em torno da Política, da Lógica, da Biologia e da Metafísica. Afastando-se de certa forma dos ensinamentos de seu mestre, o filósofo defende o princípio de que os sentidos podem observar a essência das coisas. Dessa maneira, seu pensamento irá se constituir como um sistema filosófico apresentando categorias pelas quais a razão humana pode conhecer a realidade. No campo da Política, Aristóteles observa que o homem é um animal político9 e, isso o diferencia dos outros animais que, de uma forma geral possuem voz, sendo que essa se caracteriza pela expressão de dor ou prazer. Já os humanos, detentores da fala, são capazes de expressar e fazer política. Portanto, a pólis é o lócus por excelência da política, sendo esse, o único lugar onde o homem pode cumprir sua finalidade: o de ser cidadão. Com a morte de Aristóteles e a difusão da cultura grega por meio das expedições de Alexandre Magno, o movimento denominado Helenismo se tornou a porta de entrada para a fusão cultural do pensamento grego com o mundo mediterrâneo, euroasiático e oriental. Devido ao momento político e econômico do período em questão, o problema filosófico que permeia as discussões é a busca da vida feliz. No centro das discussões, os Estoicos encontraram no uso da razão a possibilidade da atarixia (condição da imperturbabilidade). Essa doutrina filosófica se caracteriza pela busca da vida ética, assim como pela eliminação das paixões, sendo que a aceitação dos problemas se torna virtude para o verdadeiro sábio. Por 9 Esta definição aristotélica representa uma tradição filosófica que influenciará a filosofia política no decorrer da história. 26 outro lado, o epicurismo encontrou na filosofia o remédio para as principais patologias do espírito (medo dos deuses, da dor e da morte). Epicuro de Samos criou o Képos (jardim dos filósofos), longe dos problemas e barulhos da cidade. Nesse jardim, promovia ensinamentos para pessoas atormentadas por seus problemas. Para o filósofo, a filosofia promove o verdadeiro “calculo do prazer”. Tendo em vista que todos buscavam a felicidade (hedonismo), a vida feliz seria o prazer moderado para evitar problemas futuros. Nessa mesma perspectiva, os céticos partem do princípio de que o espírito humano não pode encontrar nenhuma certeza. Para tanto, resta à dúvida (epoché) como procedimento racional do indivíduo cético, negando radicalmente qualquer verdade. Essa corrente filosófica foi criada por Pirro (318 – 272 a. C.) que apresentou oposição ao dogmatismo e ao estoicismo. De um modo geral, o ceticismo nega profundamente qualquer tese tomada como verdadeira, levando em consideração o caráter relativo de opiniões, a impossibilidade de sustentar uma tese pela necessidade de uma regressão infinita de premissas, o relativismo das percepções, a aceitação de verdades por convenção e por fim, a impossibilidade de relacionar a capacidade de demonstração com a validade da demonstração. Por fim, a corrente filosófica que ficou conhecida como cinismo, fundada por Antístenes de Atenas (444 – 365 a. C.). Entendia que a felicidade é o completo desprezo pela riqueza, comodidade, pudor e convenções sociais. O principal expoente dessa corrente filosófica se chamava Diógenes, que vivia a vida da maneira mais natural possível. Sob os pressupostos históricos e sociais presentes no Helenismo, é comum relacioná-lo com os ensinamentos de Jesus Cristo. Dentre as razões dessas aproximações teóricas e conceituais, destaca-se o fato D’Ele mesmo nada escrever, viver com discípulos e de ensinar o desapego aos bens materiais. Em sentido estrito, é possível observar que seus ensinamentos aconselhavam a busca pela tranquilidade e paz de espírito que, como consequência, corresponde à busca da vida feliz. Os ensinamentos cristãos na busca pela vida feliz adentram ao mundo ocidental com maior força e eficácia a partir da promulgação do Edito de Milão no ano de 313 da era cristã. Isso tornou o cristianismo a religião Oficial do Império Romano, possibilitando fazer parte das organizações políticas, além da religiosa que até esta promulgação era perseguida. Sob a benção do imperador de Roma, a Igreja 27 torna-se Romana e assume papel importante na conformação do pensamento ocidental, sobretudo na definição de conceitos teológico/filosóficos que permaneceram para a posteridade na história, nos conceitos, nas percepções, no pensamento e até na forma de instituições ocidentais. A tradição judaico-cristã se fundamenta a partir da doutrina do Deus único. Nesse sentido, se tornou necessário o enfrentamento ao paganismo e às heresias que surgiram no início do processo de institucionalização do cristianismo em contradição aos ensinamentos que predominaram as interpretações dos ensinamentos apostólicos. As doutrinas de combate foram fundamentadas no pensamento grego, sobretudo Platão e Aristóteles. O primeiro foi analisado com maior profundidade por Santo Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.), já o segundo por Santo Tomás de Aquino (1225 - 1274). O movimento filosófico que conformou a doutrina do pensamento cristão é conhecido como Patrística. Teve como principal expoente Agostinho de Hipona. Este movimento filosófico cristão é o responsável pela fundamentação filosófica do cristianismo. Ou seja, no início, o movimento cristão não possuía consolidação doutrinária de forma lógica e conceitual e a patrística possibilitou a sistematização lógica obtida pela razão. Esse esforço dos Santos Padres da Igreja se institucionalizou e perpetuou a doutrina cristã na história. Como um dos principais teólogos do pensamento cristão, Santo Agostinho de Hipona contribuiu significativamente com reflexões em torno de questões como bem e mal, livre-arbítrio, a trindade e a questão do Tempo. Tais problemas filosóficos desenvolvidos por esse pensador conformam em determinada perspectiva a visão de mundo da acidentalidade. Ou seja, constitui parte integrante da forma de pensar a realidade até a contemporaneidade. Hegel sistematiza sua filosofia sob a ótica do tempo de Agostinho elaborado na obra: “Confissões”, onde a partir do Livro XI da citada obra, o autor apresenta a sua teoria do tempo com relação à eternidade, sendo essa a teoria que configura e conforma a doutrina cristã na posterioridade. Na referida obra Agostinho escreve: Esforça-se para saborear as coisas eternas, mas o seu pensamento ainda volita ao redor das ideias de sucessão dos tempos passados e futuros, e, por isso, tudo o que excogita é vão. A esse, quem o poderá prender e fixar, para que para um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com o tempo, que nunca pára? Compreenderá 28 então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. Ora, estes não podem alongar-se simultaneamente. Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente. Esse tal verá que o passado é impelido pelo futuro e que o futuro está precedido de um passado, e todo o passado e futuro são ainda criados e dimanam d’Aquele que sempre é presente. Quem poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo ela nem passado nem futuro? Poderá, porventura, a minha língua conseguir pela palavra realizar empresa tão grandiosa? (CONFISSÕES 2004, p. 319-320) Agostinho, um dos principais expoentes da Patrística, trava uma batalha intelectual na defesa do cristianismo. A relação entre eternidade e tempo perpassada na sua reflexão teológico/filosófica, determina, até certo ponto, a visão de mundo, que na modernidade, Hegel assumirá para elaboração e sistematização da sua Filosofia da História. Esse período agostiniano também é conhecido como primeira escolástica. O segundo momento do pensamento judaico-cristão ficou conhecido como Escolástica. Esse momento histórico filosófico é marcado pelo surgimento das primeiras universidades. No interior do pensamento cristão, esse período é marcado pela incorporação do pensamento aristotélico ao cristianismo. Tomás de Aquino desenvolveu um complexo e profundo estudo relacionando ciência e fé apresentado na sua monumental obra denominada “Suma Teológica”. Constata-se a influência de Aristóteles no pensamento de Tomás de Aquino ao observar que, para o pensador cristão não é possível uma ideia clara de Deus, pois tudo o que pertence à razão precisa antes passar pelos sentidos. No entanto, o pensamento tomasiano apresenta cinco vias (motor imóvel, Primeira causa eficiente, seres necessários e seres possíveis, graus de perfeição e governo supremo) que buscam demonstrar a existência de Deus. Isso é, as cinco vias da existência de Deus fundam-se nas teorias aristotélicas. A visão de mundo presente no pensamento judaico-cristão e pertencente a este período filosófico teológico sofrerá alterações apenas no Renascimento. Além de mudanças significativas na arte, na política e na religião, também se destaca a ciência com caráter técnico e racional. Nesse período há uma crescente aposta na razão como condutora para o conhecimento. Sobretudo o pensamento cartesiano, neste período, privilegia a razão como base para o conhecimento humano, tomando o pensamento como característica que possibilita a tomada de consciência da 29 própria existência, tornando a habilidade do pensamento como critério para o Método Científico Moderno. Nessa mesma perspectiva, no século XVII, Francis Bacon (1561 – 1626) René Descartes (1596-1651) estabelecem critérios para inserção do método científico, baseado na experiência. Ambos os filósofos são marcos iniciais para a modernidade, na medida em que estabelecem as linhas do debate moderno de fundo epistemológico, ontológico e político. A partir destes pensadores a modernidade colocará em debate teses empiristas, racionalistas e, também com David Hume (1711-1776) surge o empírico ceticismo, ou empirismo crítico. Sob tais pressupostos se constitui o século das luzes que apresenta a razão como forma de atingir o conhecimento. O Iluminismo do século XVIII apresenta no centro das discussões filosóficas a ciência e a racionalidade crítica. Como formas de conhecimentos, os critérios racionais se tornam os únicos válidos e que acabam por interferir radicalmente no modo de vida da sociedade. A ciência filosófica se apresenta na modernidade como resultado de um processo histórico e em construção e, é entendida a partir dos pressupostos da razão que a conduziu ao longo desse percurso. Não é possível pensar a filosofia fora da história, mas seu constructo resulta da relação consigo mesma e, com o meio em que o pensador está inserido. Ou seja, é impensável um filósofo descontextualizado de seu tempo, ou ainda, o que constitui o pensador em sua originalidade e intensidade é a sua relação com a realidade que o cerca e sua capacidade de observá-la, tendo como ponto de partida o passado que constitui e conforma o presente, assim como, estabelece os parâmetros para a análise da contemporaneidade à luz dos fenômenos determinados pela história. Hegel elaborou sua filosofia de forma genial, a ponto de muitos analistas de suas obras apontarem seu pensamento como o auge da sistematização filosófica. Em Hegel encontra-se um sistema lógico e, portanto, racional, capaz de abarcar a totalidade. Ou ainda, a universalidade sistematizada perscrutada por Hegel e seus contemporâneos e antecessores, pode ser encontrada no autor em questão, dado sua genialidade e capacidade interpretativa dos fatos e fenômenos históricos. Hegel é dos pensadores mais importantes da história da humanidade. Como já dissemos, todo o pensamento anterior conflui nele, e todos os seus sucessores, em medida diversa, ou derivam dele, ou elaboram suas 30 filosofias em diálogo com o hegelianismo, ainda que fosse para refutá-lo. Em plena filosofia moderna, depois das “desconstruções” empiristas e kantianas, quis restabelecer o reinado da razão. Só que a razão que Hegel propugna é uma razão ampliada, em que cabem todas as obras e criações do espírito humano na história: artes, religiões, sistemas políticos, cujo sentido específico Hegel procura discernir. (MENESES, 2006, p. 19). Sob tais pressupostos, a originalidade, profundidade e perspicácia da filosofia hegeliana adentra a contemporaneidade como um divisor de águas da modernidade para a posteridade. A intensidade de suas reflexões influenciaram fortemente o século XX. Isso possibilitou teorias positivistas consideradas de direita e também ideias de esquerda, ou seja, o marxismo. A originalidade de Hegel, que faz sua grandeza, mas que também é fonte de mal-entendidos, é seu pensamento dialético. Acha que a realidade é tão fluida como queria Heráclito: um fluxo constante, como o rio, como o fogo. O pensamento, para captá-la, tem de ser também dialético, lidar com a contradição e assimilá-la, aderir a seus contornos e a seu movimento. Toda a filosofia de Hegel é a exposição disso: seu método e seu sistema são “dialéticos”, e assim, a cada passo, as contradições vêm corroer por dentro as afirmações obtidas e as elevam a um novo patamarde realidade e de compreensão, em que são “suprassumidas”, ou seja, ao mesmo tempo ‘negadas’ na sua figura original e ‘conservadas’ na sua essência profunda, num nível superior”. (MENESES, 2006. p. 20) Sob tais pressupostos, percebe-se que a filosofia pré-socrática constitui as bases para a filosofia da história de Hegel, assim como a história como resultado da ação racional que se conforma a partir de contradições, afirmações e negações. Assim, “a dialética é o supremo esforço da razão especulativa e é o único método capaz de obter a compreensão do todo”. (MENESES, 2006, p. 20) A filosofia tem origem grega, indubitavelmente é a ciência mais antiga, sistematizada pelos gregos, traz consigo no decorrer da história uma inestimável bagagem intelectual, analítica, interpretativa e conceitual, que influenciou na conformação do pensamento do Ocidente através de incursões de pensadores e, de suas obras nas mais diversas áreas do conhecimento. A filosofia influenciou desde a religiosidade do período histórico medieval, conformada a partir das escolas gregas de pensamento, até a sistematização da ciência moderna que possui a mesma origem. Dito de outra forma, o conhecimento filosófico é condição sine qua nom para entender o presente e sua conformação na história e pela história. As diversas visões de mundos e as diferentes formas de compreensão dos fatos e fenômenos possibilitam diversas explicações com relação ao ser da filosofia. Ou ainda, a relação da filosofia consigo mesma, possibilita uma gama de saberes 31 que conduzem a caminhos diferentes, mesmo possuindo uma origem filosófica comum. Nesse sentido, conceituar para a filosofia, se torna importante, pois a essência do saber filosófico se constitui a partir da segurança das definições e da rigorosidade conceitual. A experiência filosófica conduz ao questionamento e à indagação, ou seja, uma visão filosófica do mundo possibilita ao indivíduo pensar a realidade que o cerca e buscar respostas a tais questionamentos e indagações que, na maioria das vezes produzem novas dúvidas. Pensar filosoficamente é não acostumar-se com respostas definitivas, pois as verdades absolutas são dogmas e tais certezas não se projetam como processo de construção do mundo e do conhecimento como progresso, mas, estabiliza, instrumentaliza e adjetiva o processo. A história se constitui a partir da razão, sobretudo na visão hegeliana de história e de filosofia. Assim, pensar o desenvolvimento é perscrutar analiticamente as bases daquilo que o conforma. Para obter sua significação conceitual, necessariamente deve-se adentrar na história para encontrar ontologicamente como a razão a constitui a partir da dialética que possibilita consistência filosófica, aprofundamento de significado e realização conceitual como resultado de um processo de construção da cientificidade. 2.2 O CONCEITO A universalidade e a generalidade do conceito expressam sua significância e importância. O conceito apresenta a essência da coisa em si. Para Hegel, o conceito é parte estruturante do conhecimento científico, apresentada em três momentos na sua obra: “Ciência da Lógica”: o fenômeno, a essência e o conceito. Expõe de forma detalhada a doutrina destes momentos, que são parte integrante da ciência. Hegel analisa a partir dos fenômenos culminando no conceito. O conhecimento filosófico parte do mundo concreto e físico para o universal, assim como da ciência para a filosofia e, esta relação se apresenta na estruturação do conhecimento filosófico como ciência em si, a partir da conceitualização dos seus objetos. Em Hegel a ideia de processo faz parte da história e, isso acontece também com a conceitualização, ou seja, parte do fenômeno em si que é observado 32 e conhecido pelo observador perpassando a consciência para a formulação conceitual do objeto que é a essência do observado, àquilo que define e explica o objeto em si. A importância epistemológica do conceito advém do idealismo, já que para esta linha de pensamento filosófico a verdade do objeto se encontra na ideia que se tem do mesmo, dito de outra forma, a ideia como resultado do processo epistemológico do ser em si, resulta na apreensão do objeto observado como conceito. Nesse sentido, o conceito adquire função fundamental para as discussões filosóficas acerca do desenvolvimento. Sem conceituá-lo não há epistemologicamente possibilidade de observá-lo filosoficamente, pois na discussão da relação do que é o desenvolvimento com o conhecimento filosófico, permanece uma lacuna incomensurável possibilitando o vazio de sentido e a insegurança conceitual entre os agentes discursivos. Sendo assim, para Hegel, o conceito é o resultado da ação criadora da razão na busca pela verdade, é a forma de organização do real, assim como é capaz de criar a própria realidade, apresentando a essência das coisas, sendo que esta – o ser em si - encontra-se na ideia. Na introdução à Filosofia do Direito, Hegel expressa: 1 – A ciência filosófica do Direito tem por objeto a Ideia do Direito, ou seja, o conceito de Direito sua realização. Nota - A filosofia se ocupa de ideias, e não do conceito em sentido estrito; mostra ao contrário que este é parcial e inadequado, revelando que o verdadeiro conceito (e não o que se chama com freqüência por esse nome, que consiste apenas em uma determinação abstrata do entendimento) é o único que possui realidade, precisamente, no modo de proporcionar-se tal realidade. Toda realidade que não é imposta pelo próprio conceito tem existência passageira, contingência exterior, opinião, aparência superficial, erro, ilusão etc. A forma concreta que o conceito se dá ao realizar-se é, para o conhecimento do próprio conceito, o segundo momento distinto de sua forma de puro conceito. (HEGEL, 1997, pg. 39) Percebe-se que, como plano de fundo da filosofia hegeliana se tem a filosofia platônica10. Ao afirmar que a filosofia se ocupa de ideias, Hegel abre a discussão em direção ao mundo inteligível das teorias de Platão, lugar da perfeição e da verdade, enquanto que o mundo sensível é o ambiente das imperfeições e das sombras, o 10 Platão (428 a.C 347 a.C) Discípulo de Sócrates e continuador de suas obras. Sistematizou o pensamento filosófico. Suas obras são escritas em forma de diálogos e Sócrates quase sempre é posto como personagem central. Na obra Timeu, Platão faz a relação entre mundo sensível e mundo das ideias, relação essa que influenciará o pensamento ocidental, da religiosidade à filosofia. 33 conceito é uma relação da ideia com o ser em si e se apresenta como sendo a realidade do ser. Sob tais pressupostos, o conceito possui realidade e define o objeto perscrutado. Possui em si a universalidade: em si e para si, assim como, relaciona-se para a universalidade a partir da sua singularidade e sua definição é universal. Na “Enciclopédia de las Ciencias Filosóficas” (2005), Hegel analisa o conceito a partir de três doutrinas: 1. Do conceito subjetivo ou formal; 2. Do conceito enquanto objetividade e; 3. Doutrina da ideia, do sujeito e objeto, da unidade do conceito e da objetividade ou da verdade absoluta. Essa descrição se apresenta como resultado de um processo advindo da doutrina do ser e da doutrina da essência, também descrita na obra acima citada. O primeiro ponto descrito pelo autor retrata a relação do conceito consigo mesmo e momentos em que este é interposto a partir da sua negatividade. Nas palavras do autor: El concepto en cuanto tal contiene los momentos de La universalidad, en tanto igualdad libre consigo mismo en su determinnidad; de la particularidad, de la determinidad en la cual lo universal permanece sin entubiar-se, igual a si mismo; y de la singularidade en cuanto momento de la reflexión hacia si de las determinidades de la universalidade y particularidad, unidade negativa consigo que es lo determinado en sí y para 11 si ES, la vez, lo idêntico consigo o universal. (HEGEL, 2005, p.248) Sendo assim, ao passo que o conceito contém em si o universal também possui o particular, ou ainda, o seu em si é composto tanto da universalidade quanto da particularidade perfazendo a unidade, ou dito de outra forma, o todo do conceito é sua parte e em sua parte contém o seu todo. Para o filósofo, o singular conceitual é real - que é resultado da existência e da essência -, no entanto a singularidade deriva da conceitualização. Ou seja, surge do conceito que universalizando-o, possui em si a particularidade como ação da sua negatividade. O conceito possui força de verdade e realidade que se encontra na ideia. A sua singularidade está presente na universalidade como unidade negativa da particularidade, sendo essa uma unidade da essência e da existência que efetiva o real. 11 O conceito enquanto tal contém em si mesmo momentos de universalidade, assim como igualdade livre consigo mesmo em sua determinidade, na particularidade, determinidade, no qual o universal permanece igual a si mesmo e, na singularidade enquanto momento de reflexão das determinidades da universalidade e da particularidade, unidade negativa de si que o determina em si e para si, idênticos ou universal. (tradução própria) (HEGEL, 2005, p. 248) 34 El concepto es lo simplesmente concreto, porque la unidad negativa consigo, en cuando estar-determinado-en-y-para-sí que es la singularidad, constituye ella misma su referencia a si, o sea, la universalidad. Los momentos del concepto, por consiguiente, no pueden ser separados; las determinaciones de la reflexión deben ser aprehendidas y valer cada uma por si, separadas de las opuestas, pero en el concepto, estando asentada la identidad de sus momentos, cada uno de ellos solo puede ser inmediatamente aprehendido desde los otros y juntamente com ellos. 12 (HEGEL, 2005, p. 249). A universalidade do conceito é a negação da sua singularidade e, isso apenas pode ser compreendido a partir da análise em conjunto. Dito de outra forma, o conceito, que é a essência do real, possui em si uma universalidade que pode ser entendido como ideia, sendo essa compreendida apenas na análise em conjunto com sua singularidade. O conceito pode ser observado como a ideia que se estabelece a partir do concreto, ou ainda, o pensamento conjuntamente com aquilo que lhe é apresentado. A ideia como conceito é a tese do idealismo, sendo essa a forma de organização da realidade, ou seja, o conceito é um princípio racional que possibilita a existência da própria realidade, ou ainda, o conceito representa o em -si do ser, a sua natureza, é a verdade absoluta. Sendo assim, o conceito possui força de absolutidade e de verdade, pois é a realidade que se apresenta ao sujeito. Portanto, sem definição conceitual não há ciência. Nesse caso, a filosofia se apresenta como ciência do conceito, trabalha a partir de definições rigorosas de termos superando a instrumentalidade e o vazio de sentido, sendo essa, característica de discursos a partir de ideias forças e não conceitualizadas. 2.2.1 O desenvolvimento é um conceito? Após a análise da importância conceitual para o trabalho filosófico, convém trabalhar questões relacionadas ao desenvolvimento em suas condições e possibilidade de se apresentar como conceito. Ao observar os diversos discursos relacionados ao desenvolvimento, constata-se que carecem de consistência conceitual no que se refere a questões do desenvolvimento e por extensão, tais 12 O conceito é simplesmente o concreto, porque a unidade negativa consigo, por estar determinado em si e para si que é sua singularidade, constitui ela mesma sua referência, ou seja, a universalidade. Os momentos do conceito, por conseguinte, não podem ser separados; as determinações da reflexão devem ser apreendidas e possuir validade própria, separadas das opostas, mas o conceito, por sua identidade essa estruturada em seus momentos, cada um apenas podem ser apreendido conjuntamente com os outros e os outros juntamente com o próprio conceito. (Tradução nossa) 35 discussões apresentam fragilidades em seus fundamentos e, em certa medida aproximam-se significativamente de discursos derivados de uma razão instrumental ocupada, ou pré-ocupada com o fazer, com a apresentação de resolução para questões vinculadas a níveis e acesso a renda, a capacidade de consumo, de qualidade de vida. Analisar-se-á em seguida, duas tentativas de definições referentes a aproximações de desenvolvimento um como possível conceito crescimento, de desenvolvimento. primeiramente se discute Ao definir noções de crescimento que se tornam centrais e, desenvolvimento não é crescimento. O que está se discutido é o crescimento, seja ele geográfico, econômico, territorial, consciência política, ou outras formas de crescimentos possíveis de serem analisadas. Percebe-se que nessa tentativa de definição de desenvolvimento, a noção universal, assim como a singular permanece no vazio e obscurecida pela noção de crescimento. Sob tais pressupostos, se torna necessário definir crescimento. Isso seria provocado através de meios que o instiguem ou determinem, grosso modo, é parte do processo natural. Se partirmos da constatação de que o conceito de crescimento tem um forte vínculo com a vida biológica em sua totalidade é possível considerar seu vínculo de origem natural, biológico. Sob tais pressupostos quando se analisa os fenômenos sociais em seus desafios de melhoria das condições de vida de indivíduos e populações, a perspectiva do desenvolvimento assume sua herança biológica e, como tal vinculada às leis da natureza. Se considerar que o desenvolvimento é resultado do processo natural, biológico das sociedades, convém ressaltar que as discussões em torno do desenvolvimento regional não são necessárias, dito que é um estágio possível de todas as sociedades, ou seja, é natural, biológico e atingível por si de forma determinista. Nessa direção, a partir de sua biologicidade, o conceito de crescimento, quando aplicado à interpretação dos fatos e acontecimentos sociais pode se apresentar como lei necessária. Ou seja, basta que determinadas sociedades ajam de determinada forma que necessariamente se alcançam as condições do desenvolvimento. Sob a prerrogativa da conceitualização do desenvolvimento, se faz necessário a universalidade da ideia de desenvolvimento analisada na perspectiva do crescimento. Nesse sentido, o crescimento com relação ao desenvolvimento – seja 36 qual for à percepção do observador - deveria necessariamente conter na sua singularidade a determinidade da universalidade. Porém, ao analisar nessa perspectiva, pode-se afirmar que há variações de percepção de crescimento, ou seja, apresenta-se nessa perspectiva, apenas na singularidade e nessa, não está contida a universalidade. Há variações de noção de crescimento entre comunidades e regiões compostas por variedades culturais e, até mesmo por percepção das diferenciações causantes deste processo de crescimento. Para uma comunidade, ou região que atingiu determinado ponto de industrialização, o crescimento econômico, pode estar em segundo plano. Porém, ainda pode ser considerada uma região ou comunidade em processo de desenvolvimento pela sua distribuição desigual de renda, falta de acesso de parte da população a determinadas políticas públicas, entre outras necessidades, nesse caso, devido suas particularidades. Isso no campo das probabilidades. Sob essa perspectiva, o crescimento como desenvolvimento apresenta dificuldades para sua sustentabilidade. Não há prerrogativa de universalidade e generalidade. Não constitui a essência do ser em si do desenvolvimento, não apreende o objeto observado – o desenvolvimento -, não apresenta o desenvolvimento como conformação racional da realidade e, se apresenta como realidade passível de equívocos e distorções ao comprometer a universalidade da racionalidade do conceito. Ao aproximar desenvolvimento, aliando esse a questões como melhoria e qualidade de vida, observa-se que tal visão também ultrapassa o ser-em-si do desenvolvimento, capaz de apontá-lo apenas como um instrumento para atingir tal objetivo, instrumento para propiciar qualidade de vida à população de determinada região ou comunidade. Essa tentativa de definição não define desenvolvimento, porém instrumentaliza-o e adjetiva-o, assim como, se torna falácia à definição de que desenvolvimento é crescimento. A busca pela resposta ou mesmo por conceituar o que é desenvolvimento aproxima-se da busca filosófica da felicidade. O fim último do desenvolvimento, nesse caso, seria propiciar mais felicidade para a população através de situações criadas para atingir tal objetivo, seja ele de inserção na produção e no consumo, pontos de lazer na cidade e sociedade segura para o bem viver. Dito de outra forma, 37 o fim último é a felicidade, ou melhoria da vida dos indivíduos e não o desenvolvimento em si, que se apresenta como meio. Todavia se pode indagar: A inserção na lógica da produção e do consumo propicia felicidade? Nesse caso, há que se considerar que a felicidade está além das condições financeiras. Essa questão é um problema recorrente na tradição filosófica. Tales de Mileto (624 a C. 548 a C.) em seus Diálogos, afirma que é feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada” (DIALOGOS. L., I, 1, 37). É possível pensar que a visão de desenvolvimento como crescimento econômico e inserção na produção e no consumo pode, em últimos casos, oferecer corpo forte. Porém, boa sorte e alma bem formada vão além das possibilidades econômicas, mesmo assumindo que a condição econômica pode ser pressuposto para atingir os objetivos propostos. Muitos problemas surgem, quando se analisa o desenvolvimento na dimensão da qualidade de vida populacional, que na modernidade é assumida como recurso a partir do ponto de vista do Estado moderno. Esse recurso plausível de administrabilidade e potencialização em função do fortalecimento do Estado e, das exigências econômicas de plena produção e consumo. Ao aproximar tal afirmação da felicidade, observa-se, como acima descrito, que muitos teóricos apresentam diversas definições de felicidade. Em Cada momento histórico prevaleceu uma afirmação, como já observado anteriormente. Neste caso, qual definição de felicidade se admite como objetivo para o desenvolvimento? Importante ressaltar mais uma vez que o desenvolvimento não se apresenta como centro da discussão, porém a questão da felicidade. Então, não se está discutindo questões relacionadas ao desenvolvimento, mas à felicidade em si. Outro problema que surge nesta definição é a definição de vida. Para os gregos antigos, a vida era entendida de duas formas: Zoé que compreendia a vida desqualificada, animalesca, vida de seres que pertenciam ao mundo das necessidades e: Bios: vida qualificada de cidadãos, que pertenciam ao mundo dos embates políticos e desprendidos do mundo das necessidades13. Desde os gregos, a vida qualificada é aquela que se constitui na esfera pública, a vida privada é capturada pelo Estado moderno, pela economia e pelo 13 Definições trabalhadas por Hannah Arentd ( 1906 – 1975) na obra “A Condição Humana”. 38 ordenamento jurídico tornando-se apenas um meio para a plenitude da produção e do consumo como fins econômicos em si mesmos. No caso de se entender o desenvolvimento como melhoria da vida, se faz necessário definir qual vida, o que é vida e se, a inclusão na lógica da produção e do consumo, poderiam melhorar a vida da população. Isso se apresenta de forma ainda mais problemática ao analisar determinadas sociedades14 que não pertencem à lógica de mercado, de plena produção e de pleno consumo e constatar que pode haver qualidade de vida, sem que determinados povos e culturas estejam inseridos na lógica de mercado, de plena produção e consumo. A visão míope de que o desenvolvimento só pode ser entendido a partir das populações na lógica da produção e do consumo, requer revisão conceitual por não estar definindo, mas apenas caracterizando desenvolvimento e de forma equivocada. Nesse caso, o objetivo pode ser atingido, se considerarmos que o desenvolvimento possui uma dimensão de consciência individual, particular e singular e não apenas universalizante e passível de responder de forma universal às situações emblemáticas da sociedade. Convém ressaltar, que o problema da felicidade perpassa toda a história da filosofia15. Tales foi citado acima, apenas por apresentar uma possível análise do ser feliz, por ser um grego antigo pertencente à matriz civilizatória ocidental, que apresenta uma das primeiras tentativas de definição sobre a temática e que, nesse caso, pode ser apresentada para contrapor a ideia de desenvolvimento como propiciador de felicidade de forma indireta. A dificuldade de conciliar as diversas formas de se compreender o desenvolvimento pode estar relacionado ao fato do desenvolvimento regional ser uma área do conhecimento que procura se constituir a partir de uma estratégia multidisciplinar com desafio epistemológico interdisciplinar, numa visão acadêmica sobretudo brasileira, onde se valoriza excessivamente a formação disciplinar. Isso possibilita aos investigadores advindos de diversas ciências, adotarem discursos 14 Sociedades indígenas e africanas salvaguardando suas especificidades culturais e territoriais. Sociedades como estas permanecem na periferia do dito desenvolvimento da lógica de mercado, porém não é possível negar que podem ser consideradas sociedades desenvolvidas a seu modo de ser e estar. 15 A maioria dos filósofos se preocuparam com a questão da felicidade. Platão (347 aC.) apresenta a visão de felicidade que influenciará na conformação das ideias cristãs, de temperança, virtude e justiça. Assim como Aristóteles ( 384 – 322 aC.) que apresenta além dos bens exteriores bens espirituais que fazem parte do contexto de felicidade. (id) 39 próprios de sua formação, nesse caso, geógrafos apresentam definições ligadas à geografia, economistas à economia, sociólogos a partir da sociologia. No caso desse trabalho dissertativo, busca-se em Hegel uma definição filosófica e conceitual para colaborar na elaboração teórica e conceitual dessa nova ciência. A filosofia trabalha com conceito e, esse, por sua vez, é a expressão da universalidade na particularidade e se imanentiza na singularidade. Ou ainda, a partir de Hegel, se entende o conceito como sendo a essência do ser-em-si, pois é a expressão da coisa em si que se apresenta como ideia. Nesse sentido, o desenvolvimento regional não se apresenta como conceito e/ou ideia num sentido platônico do conceito de ideia como verdade, mas apenas com adjetivações e caracterizações, apresentando-se frágeis em seus fundamentos e definições. O desenvolvimento não se apresenta como determinante, ou seja, há sociedades desenvolvidas e outras que não atingiram tal objetivo. Porém, falar em desenvolvimento requer melhores definições e para que o desenvolvimento regional possa atingir grau adequado de cientificidade, se torna necessárias revisões discursivas em torno do objeto. A interdisciplinaridade a partir da acepção teórica e conceitual, pode ser considerada contribuição significativa na construção científica e, nos debates em que se propõem pesquisadores de diversas áreas em torno do objeto. Sob tais pressupostos, ao assumir as análises interdisciplinares do ser em si do desenvolvimento como estratégia prática de fazer coisas, não tornam o desenvolvimento conceito, mas apenas adjetivam-no, caracterizam-no e o contingenciam. Isto não possibilita de forma consistente a estruturação do conhecimento científico, pois é necessário estabelecer bases conceituais sólidas para atingir tal objetivo e fortalecer cientificamente as discussões em torno do desenvolvimento regional. Assim, possibilitando a superação da contingência, da mera opinião, da superficialidade das discussões, da ilusão, do erro e possibilitando a força de absolutidade e de verdade que o conceito contém em si como ideia. Mas noutra perspectiva, ao assumir a interdisciplinaridade como questão de fundamento ontológico, de epistemologia, talvez haja possibilidade de avançar significativamente na constituição do conceito, da totalidade do desenvolvimento do ser em si. Numa perspectiva naturalista, o desenvolvimento percorre sua trajetória natural, ou seja, decorre de fatores próprios da natureza no sentido evolutivo sem 40 intermediação da razão. Ou ainda, a natureza possui em si o fator decisivo de crescimento. O Desenvolvimento de uma determinada região não ocorre de forma natural, condicionante e determinante, mas resulta da razão que se projeta na história como resultado da ação do espírito de um povo. Nesse sentido, o espírito é o princípio interior que impele à realização da história no mundo por meio da razão. O princípio do desenvolvimento implica ainda que isso esteja baseado em um princípio interior, uma potencialidade pressuposta, que se esforça por existir. Essa determinação formal é essencialmente o Espírito – cujo cenário, cuja propriedade e cuja esfera de realização são a história do mundo. Ela não se debate na ação externa dos acidentes, pelo contrário, é absolutamente determinada e firme contra eles. Utiliza-os para seus objetivos e domina-os. Mas o desenvolvimento também é uma característica dos objetos naturais orgânicos. Sua existência não é apenas dependente, sujeita às influências externas, mas vem de um princípio imutável, uma simples essência, que primeiro existe como germe. A partir desta existência simples, ele produz diferenciações que a ligam às outras coisas. Assim, ele tem uma vida de transformação contínua. Por outro lado, podemos observálo do ponto de vista oposto, vendo nisso a preservação do princípio orgânico e de sua forma. (HEGEL, 2001, p. 106). Sob tais pressupostos, o desenvolvimento na natureza, ou seja, orgânico, é apenas um desdobramento da coisa em si, irracional, irreflexível e apenas consequência da ação do devir natural da organicidade da vida. Ao germinar, a semente possui em si a potencialidade natural de ser àquilo que a natureza a predestinou. Por outro lado, o desenvolvimento como ação intencional resulta da ação da razão, ou seja, do processo de imanentização da razão na história, como ação dialética e, portanto, lógica. É diferente com o Espírito. A transição de sua potencialidade para a realidade é mediada pela consciência e a vontade. Estas são mergulhadas primeiro na vida orgânica imediata, seu primeiro objetivo é a sua existência natural como tal. Mas esta última, sendo animada pelo Espírito, torna-se infinitamente exigente, rica (de uma riqueza moral) e forte. Assim o Espírito está em guerra consigo mesmo, deve superar-se como inimigo e como seu mais formidável obstáculo. O desenvolvimento, que na natureza é um tranquilo desdobramento, no Espírito é uma dura luta interminável contra si mesmo. O Espírito realmente se esforça por atingir seu próprio ideal, mas o esconde de si mesmo e se orgulha e tem prazer nesta alienação de si mesmo. (HEGEL, 2001, p. 106). Na perspectiva do espírito, o desenvolvimento resulta de um processo trabalhado e encarado como consequência da ação da razão, sendo essa, permeada de intencionalidade e de vontade. Nesse sentido, o desenvolvimento não resulta do comportamento passivo diante da realidade que cerca o indivíduo, 41 todavia, o espírito o impele a algo além da natureza. O Espírito é o impulsionador ao superar a si próprio, do não acomodar-se diante do que está exposto. Impulsiona ao novo, à superação a partir do reconhecimento, à ação racional, dialética e lógica de crescimento, progresso que acontece na história. O desenvolvimento histórico portanto não é o simples crescimento inofensivo e sem oposição da vida orgânica, mas um duro trabalho feito de má vontade contra si mesmo. Alem do mais, não é um simples desenvolvimento em geral, mas a obtenção de um resultado de conteúdo inequívoco. Esta finalidade já afirmamos desde o início: é o Espírito em sua essência, o conceito de liberdade. Este é o objetivo fundamental e, por conseguinte, o princípio orientador do desenvolvimento. Através dele o desenvolvimento recebe um sentido e um significado - exatamente como na história romana, Roma é o objetivo e, assim, o princípio orientador da investigação de acontecimentos passados. Ao mesmo tempo, os acontecimentos se originam desse objetivo e têm um significado e um conteúdo apenas com referência a ele. (HEGEL, 2001, p. 106-107). A partir do que se refletiu até o momento, percebe-se que para pensar o desenvolvimento requer conhecimento filosófico e histórico. O desenvolvimento é resultado da ação racional e da vontade de um povo que se constitui na história. Essa por sua vez necessita de superação das suas fases num sentido processual e contínuo do progresso, ou seja, sem ruptura, para que haja o desenvolvimento do próprio espírito, superando as possibilidades intrínsecas à sua potencialidade. Nesse trabalho dissertativo, não se pretende esgotar tais discussões. Também não se objetiva a pretensão de verdade absoluta. Porém, há uma tentativa de definir o desenvolvimento a partir de Hegel. No capítulo que segue, há a tentativa de superar a instrumentalidade discursiva relacionada ao desenvolvimento, assim como, se toma o desenvolvimento como objeto expondo ontologicamente suas estruturas conceituais e históricas, sobretudo, a partir da “Fenomenologia do Espírito” e da “Filosofia da História” de Hegel, tidas como referências para essa análise. 42 3 PRESSUPOSTOS PARA UMA CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO EM HEGEL A realização da história se apresenta em Hegel como sendo racional. Nessa perspectiva, a razão é o fio que conduz a história no seu curso, essa se realiza na história como processo de efetivação em direção ao reconhecimento e superação, ao passo que o movimento do tempo que constitui a história a aprisiona, limitando-a. Dito de outra forma, a história possui um fim que está presente no fim do seu tempo e continua em movimento, na medida em que o tempo acontece, o espírito se imanentiza e, a história ocorre. Sendo assim, o progresso é parte integrante do tempo presente no movimento e do movimento presente no tempo, pois, a realização de um determina a existência do outro, que mutuamente acontece desenrolando o fio que a conduz – a razão, - que se concretiza de forma lógica, histórica, dialética, constituindo a realidade dentro da dinâmica do tempo em constante reconhecimento e superação, materializando-se na percepção e no conceito de progresso e desenvolvimento. Isso ocorre de forma a negar a condição em que se encontra para assumir uma outra, que possui a mesma natureza, porém superando a primeira. O conceito de progresso, que se apresenta aqui é pressuposto para fundamentar o desenvolvimento a partir de Hegel, se apresenta no bojo de certa tendência do iluminismo do século XIX, advinda dos avanços da biologia evolutiva, bem como, do positivismo e do materialismo histórico-dialético, cujo pressuposto reside no fato de que é possível reconhecer tanto na história natural, como na história humana uma inexorável evolução a níveis sempre maiores e melhores. Esse argumento se encontra no evolucionismo darwiniano, nas fases da história da humanidade de Augusto Comte e, mesmo no materialismo histórico dialético de Engels. Por seu turno, talvez se possa dizer que a ideia de desenvolvimento traz consigo marcas do conceito de progresso, mesmo reconhecendo que certas condições podem potencializar ou limitar as condições de possibilidade do desenvolvimento. Ou seja, há certo reconhecimento de que o desenvolvimento tem limites, ou mesmo que depende de inúmeras variáveis naturais e humanas, cuja efetividade nem sempre é previsível e alcançável na forma de sua projeção histórica. 43 O espírito se constitui na história e a partir da história. É resultado da conformação de um povo que possui individualidade constituída em conformidade com a coletividade, ou seja, ao passo que esta individualidade possui características de autonomia, essa é concomitante com a coletividade que se conforma a partir das individualidades. O universal (coletivo) se apresenta no particular (indivíduo) e o particular está presente na universalidade. Nesse segundo capítulo, serão apresentados alguns aspectos teóricos do pensamento de Hegel presentes na sua “Filosofia da História”, a partir da conformação do povo grego que se constitui como matriz civilizatória do ocidente. O objetivo deste capítulo é alocar no debate alguns aspectos conceituais da filosofia hegeliana que podem nos permitir aproximações, percepções e entendimentos em torno da ideia de desenvolvimento. Ou seja, pretende-se a partir da filosofia hegeliana apresentar contribuições à compreensão da ideia de desenvolvimento, na medida em que o desenvolvimento se apresenta no bojo dos discursos governamentais em âmbito nacional e regional, bem como, de parte da sociedade civil organizada expressando anseio em seu alcance, ou mesmo como forma de justificar a situação de comunidades e regiões responsáveis (moralmente) por sua condição de atraso ou de desenvolvimento e, portanto inserida nos padrões de exigência de um certo modelo de sociedade em curso. O conceito de espírito é o ponto de partida para as discussões, assim como o processo de sua realização na história, perpassadas pela razão como fio que conduz a história culminando na ideia de que o desenvolvimento pode ser entendido como a objetivação da razão na história na busca por reconhecimento e superação, de modo que a concretização do desenvolvimento é resultado de um processo racional, pois esse não é resultado da sorte, do acaso, ou de qualquer outro fenômeno transcendente, mas resultado de intenso trabalho da razão em sua efetivação na história. 3.1 O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA E PELA CONSCIÊNCIA Hegel trabalha as questões da consciência na sua “Fenomenologia do Espírito”. A consciência constitui a etapa inicial das discussões fenomenológicas e é 44 entendida a partir da sua percepção da realidade como algo diferente de si, mas que pertence a si. Percebe-se que na obra hegeliana, a consciência pode ser analisada em quatro momentos: 1. Da “certeza sensível ou: o Isto ou o ‘Visar’”; 2. Da “percepção ou: a coisa e a ilusão”; 3. “Força e entendimento; fenômeno e mundo suprassensível”; e, 4. “A verdade da certeza de si mesmo”; Cada etapa é constituída a partir do processo de reconhecimento e superação, inclusive a Fenomenologia é desenvolvida num sentido de superação de ideias e conceitos, na direção do absoluto que se torna história, e, pode-se dizer também, ao fim da história, dito de outra forma, a própria obra reflete e se concretiza de forma sistemática conceitual e processual de reconhecimento e superação, que se inicia com a consciência, torna-se auto-consciência, passa à razão, tornando-se espírito, perpassando a religião e se tornando saber absoluto. Para Hegel, a razão é resultado do descobrir-se da consciência como auto-consciência que se descobre razão e, essa por sua vez, se apresenta como espírito em direção do absoluto. O conceito de consciência é central nas discussões hegelianas. A sua função é conhecer a partir de si mesma superando-se, a partir do relacionamento consigo mesma e com o outro, que pode ser analisado, em Hegel, como o conhecimento de si e de si própria, ou seja, auto-consciência. O outro está em si, ao passo que o em si se abre ao outro como reconhecimento e retorna ao em si, como superação. 178 – [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si é em si e para si quando e por que é em si e para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. O conceito dessa sua unidade em sua duplicação, [ou] da infinitude que se realiza na consciência-de-si, é um entrelaçamento multilateral e polissêmico. Assim seus momentos devem, de uma parte, ser mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença, devem ser tomados ao mesmo tempo como não diferentes, ou seja, devem sempre ser tomados e reconhecidos em sua significação oposta. O duplo sentido do diferente reside na [própria] essência da consciência-de-si: [pois tem a essência] de ser infinita, ou de ser imediatamente o contrário da determinidade na qual foi posta. O desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento. (HEGEL, 2014, p.142) Sendo assim, a consciência em si e para si se apresenta como possuidora da mesma essência, porém se realiza nessa alteridade como processo de reconhecimento do em si ao para si. Ou seja, esse processo é essente de si mesma e na sua dimensão de alteridade constitui o reconhecimento. Seu contrário possui a essência do seu oposto. Esse desdobramento se dá no espírito e é parte do processo de reconhecimento e superação. 45 Segundo Hegel, a “consciência tem primeiro na consciência-de-si, como no conceito de espírito, seu ponto-de-inflexão”. (HEGEL, 2014, p. 142). Ou seja, esse processo de reconhecimento é parte integrante e integradora do espírito e nele se dá o movimento contrário da consciência que se reconhece como em-si e para-si. Ainda no espírito ocorre o movimento de “uma consciência-de-si para uma consciência-de-si” (HEGEL, 2014, p. 142) E somente assim ela é, de fato: pois só assim vem-a-ser para ela unidade de si mesma em seu ser-outro. O Eu, que é objeto de seu conceito, não é de fato objeto. Porém, o objeto do desejo é só independente por ser a substância universal indestrutível, a fluida essência igual-a-si-mesma. Quando a consciência-de-si é o objeto, é tanto Eu quanto objeto. (HEGEL, 2014, p. 142) Essa relação da consciência consigo mesma, se apresenta como movimento dialético, sendo “a dialética o supremo esforço da razão especulativa e é o único método capaz de obter a compreensão do todo” (MENEZES, 2006 pg. 20). Esse momento da consciência-de-si é decorrência de outros momentos trabalhados por Hegel. Isso é resultado de um processo que se desdobra a partir da certeza sensível, ou seja, do primeiro momento da consciência que entra em contato com o mundo que a cerca e toma para si como verdade àquilo que se lhe apresenta o imediato. É a relação do em si com a realidade sem reflexão, carente de sentido, de compreensão, de reconhecimento. A partir desse momento, desenvolver-se-á os passos de amadurecimento da consciência à auto-consciência que se desdobrará na razão e se realiza em sua plenitude no espírito. Esse é um sistema fechado, lógico e extremamente racional. Uma parte não substitui a outra e são dependentes entre si para existir. Para Menezes, o sistema Hegeliano é: Um sistema que vive em estreita unidade com o método que o constrói, uma lógica que é uma metafísica, um discurso que pensa por verbos e não por substantivos, um resultado que só tem sentido junto ao processo que a ele conduziu, a conclusão é o fundamento de tudo (...) (MENEZES, 2006 pg. 21). O ponto de partida do sistema hegeliano é a observação. A consciência que sente e percebe o mundo a sua volta. Esse é o início de qualquer situação de tomada de consciência. Importante salientar que este ainda não é o momento da consciência que se percebe, porém, toma consciência do que é fora de si. 132 – [Dem Bewusstsein] Para a consciência, na dialética da certeza sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver etc. Como percepção chegou a 46 pensamentos que primeiro reúne o Universal incondicionado. Se esse incondicionado fosse agora tomado por essência inerte e simples, nesse caso não seria outra coisa que o extremo do ser-para-si, posto de um lado; em confronto com ele se colocaria a inessência; mas nessa relação à inessência seria também ele inessencial. No entanto, surgiu como algo que a si retornou a partir de um tal ser para si condicionado. Esse Universal incondicionado, que de agora em diante é o objeto verdadeiro da consciência, ainda está como objeto dessa consciência – a qual ainda não apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial entre as duas coisas: para a consciência, o objeto retornou a si mesmo a partir da relação para com um outro, e com isso tornou-se em-si conceito. Porém, a consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa disso não se reconhece naquele objeto refletido. Para nós, esse objeto, mediante o movimento da consciência, passou por um vir-a-ser em que a consciência está de tal modo implicada que a reflexão é a mesma dos dois lados, ou seja, é uma reflexão só. No entanto, a consciência nesse movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a consciência como tal, de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto numa significação objetiva e a consciência deve retirar-se do [resultado] que veio-a-ser – o qual, como algo objetivo, é para ela a essência. (HEGEL, 2014, p.106). Sendo assim, a consciência que se depara com o seu meio, toma para si apenas a realidade que se apresenta e, diante disso, abstrai dessa, a verdade do objeto, sem que haja um voltar-se da consciência sobre si mesma, ou seja, está apenas voltada para o objeto em si, sem que isso seja um conceito, pois “ainda está privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro que o entendimento, sem saber que está ali dentro, deixa mover-se à vontade” (HEGEL, 2014, p. 107). A não tomada de consciência da própria consciência possibilita plena liberdade ao objeto em si, ou seja, se realiza de forma livre, pois o conceito ainda não define. O que se apresenta é apenas a realidade sensível, despojada em sua universalidade sensorial, ainda não determinada conceitualmente. Nesse primeiro momento da consciência sensível, essa percebe os objetos como são em si. Internamente ocorre um jogo de forças que os constituem em realidade racional conceitual. Tem-se aqui o jogo do contrário que conforma o ser, a consciência percebe, capta o sensível e o distingue da reflexão sobre si mesma, conceituando o sensível, as coisas pelo movimento negativo. Nas palavras de Hegel: Para a consciência, as essências da percepção estão nele postas de maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como momentos que se transmutam imediatamente em seu contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa. Esse jogo de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade é o positivo, a saber, o universal, ou o objeto em-si-essente. Para a consciência, o ser deste [objeto] é medido pelo movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação negativa; e 47 assim, a consciência a partir dele se reflete em si como no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão sobre si mesma, a reflexão das coisas; como também , para ela, o movimento mediador é ainda um movimento objetivo. Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo a ela oposto. Mas é também, para ela, o verdadeiro, porque nele tem como no Em-si, ao mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o momento do ser-para-si; embora não esteja ainda consciente desse fundamento, pois o ser-para-si, que o interior deveria ter nele, não seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência, porem, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo evanescente – não ainda seu próprio ser-para-si. O interior, portanto, é para ela o conceito, mas a consciência ainda não conhece a natureza do conceito. (HEGEL 2014, p. 114) Nessa etapa de observação, percebem-se gnosiologicamente as observações hegelianas, ou seja, a preocupação com o conhecimento do ser que se apresenta e/ou do ser refletido, ou seja, do interior do ser, que a essa altura não pode ser conhecido o interior ou o “suprassensível” do objeto que advém do fenômeno que, para Hegel, é a essência do suprassensível: “O suprassensível é o sensível e o percebido postos tais como são em verdade; pois a verdade do sensível e do percebido é serem fenômeno. O suprassensível é, pois, o fenômeno como fenômeno”. (HEGEL 2014, p. 116). Todavia, o suprassensível é aqui apresentado como o interior do objeto tomado pela consciência e suprassumido por essa como percepção fenomênica do ser além do mundo sensível e essente, ou seja, do interior que se observa, reflete sobre si mesma, ou ainda, manifestação da consciência-de-si. A tomada de consciência da própria consciência é resultado de um processo que se inicia com a observação do particular e possui propriedades universais. O universal é constituído de particulares que e si contém o universal, ou seja, é possuidor de contrários. Ao submeter ao intelecto, esse particular é visto como fenômeno que em si contém leis e forças. Dessa forma, as forças internas constitutivas do objeto, permitem à consciência perceber que no interior deste particular, coexistem particulares que conformam o universal a partir do particular. É esse movimento presente de reconhecimento do particular no universal e, do universal no particular que possibilita à consciência a tomada de consciência de si. 48 3.2 A CONSCIÊNCIA DE SI O processo de reconhecimento da consciência de si é um passo em direção à liberdade. Num primeiro momento, para que a consciência se reconheça como consciência, há a necessidade de deixar de lado a alteridade, ou seja, o outro fica em segundo plano para que a consciência possa ter conhecimento da própria existência e, se assuma como objeto de reconhecimento. A consciência ao assumirse como objeto, torna-se outro para si mesma e, nesse movimento dialético consigo mesma se assume como verdade. Nas palavras de Hegel: 166 – [In den] Nos modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a consciência algo outro que ela mesma. Mas o conceito desse verdadeiro desvanece na experiência [que a consciência faz] dele. O objeto se mostra, antes, não ser em verdade como era imediatamente em si: o essente da certeza sensível, a coisa concreta da percepção, a força do entendimento, pois esse Em - si se revela uma maneira como o objeto é somente para um Outro. O conceito do objeto se suprassume no objeto efetivo; a primeira representação imediata se suprassume na experiência, e a certeza vem a perder-se na verdade. Surgiu porém agora o que não emergia nas relações anteriores, a saber: uma certeza igual à sua verdade, já que a certeza é para si mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro. Sem dúvida, a consciência é também nisso um ser-outro, isto é: a consciência distingue, mas distingue algo tal que para ela é ao mesmo tempo um não diferente. Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade tranqüila ou como Eu; então vemos que o objeto corresponde ao conceito, não só para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o que o objeto é em-si, e objeto o que é como objeto ou para-um Outro; então fica patente que o ser-em-si e o ser-para-um-Outro são o mesmo. Com efeito, o Em-si é a consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é um Outro [o Em-si]: é para a consciência que o Em-si do objeto e seu ser-para-um-Outro são o mesmo. O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta um Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio. (HEGEL, 2014, p. 135) Essa relação dialética do ser consigo mesmo, remonta ontológicamente à perspectiva da auto-afirmação do próprio ser na conformação do seu derivado que é resultado da relação interna e se defronta com o outro em si mesmo. Esse movimento dialético, lógico e racional constitui o movimento de conformação do ser que se projeta. Ou seja, o reconhecimento de si possibilita a conformação do outro a partir de si mesmo. Ou ainda, da própria essência deriva o novo como superação do ser que o precede em íntima relação da própria consciência do ser que se reconhece e se supera a partir de si mesmo tornando-se consciência-de-si. 49 A consciência de si é resultado do movimento anterior da consciência sensível que se projeta a partir de si mesma em direção da liberdade a partir do seu reconhecimento em si, ou ainda: [...] “é o substituir simples e independente para a consciência. Mas de fato, porém, a consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser-Outro. Como consciência-de-si é movimento; mas quando diferencia de si apenas si mesma enquanto si mesma, então para ela a diferença é imediatamente suprassumida, como um ser-outro. A diferença não é; e a consciência-de-si é apenas a tautologia sem movimento do “Eu sou Eu”. Enquanto para ela a diferença não tem também a figura do ser, não é consciência-de-si. Para a consciência-de-si, portanto, o ser-Outro é como um ser, ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente. Com aquele primeiro momento, a consciência-de-si é como a consciência e para ela é mantida toda a extensão do mundo sensível; mas ao mesmo tempo, só como referida ao segundo momento, a unidade da consciência-de-si consigo mesma. Por isso, o mundo sensível é para ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em si nenhum ser. Porém essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, tem por sua essência somente a verdade, isto é, a unidade da consciência-de-si consigo mesma. Essa unidade deve vir-a-ser essencial a ela, o que significa: a consciênciade-si é desejo, em geral. (HEGEL, 2014, p. 136). Esse movimento interno da consciência possibilita a conformação da consciência-em-si. A partir do interior da própria consciência, essa se assume como objeto e se debruça sobre si mesma e “a satisfação do desejo é a reflexão da consciência-de-si sobre si mesma, ou a certeza que veio-a-ser verdade” (HEGEL, 2014, p. 141). Esse movimento de reconhecimento de si permite a superação da percepção e da consciência sensível. Mas isso apenas ocorrerá, segundo Hegel, quando a consciência-de-si se assume como ser, ou seja, ao mesmo tempo é um ser que superado da consciência sensível, torna-se consciência-de-si e, uma consciência para ser superada, requer um movimento em si mesmo em direção ao vir-a-ser a partir da negação de si. No entanto, enquanto a consciência permanece em-si apenas, não há progresso. Hegel, na “Fenomenologia do Espírito” analisa o processo de dependência e independência da consciência-de-si a partir da dialética do senhor e do escravo e, posteriormente a analise filosófica do agir no mundo da consciência a partir do estoicismo, do ceticismo e, como resultado da cisão dessas duas formas de entendimento da consciência se tem a consciência infeliz que é resultado da abertura da consciência-de-si para o transcendente – Deus. Ou seja, quando a consciência-de-si se percebe nula, pois há algo superior a ela, não sendo possível a 50 própria negação para a conformação de um novo ser, ela se percebe inativa e se abre ao Outro, externo a si mesma, mas que também é consciência-de-si. A consciência-de-si não pode assim suprassumir o objeto através de sua relação negativa para com ele; pois essa relação antes reproduz o objeto, assim como o desejo. De fato, a essência do desejo é um Outro que a consciência-de-si, e através de tal experiência essa verdade veio-a-ser para a consciência. Porém, ao mesmo tempo, a consciência-de-si é também absolutamente para si, e é isso somente através do suprassumir do objeto; suprassumir que deve tornar-se para a consciência-de-si sua satisfação, pois ela é sua verdade. Em razão da independência do objeto, a consciência-de-si só pode alcançar satisfação quando esse objeto leva a cabo a negação de si mesmo, nela; e deve levar a cabo em si tal negação de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para o Outro o que ele é. Mas, quando o objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao mesmo tempo independente, ele é consciência. Na vida, que é o objeto do desejo, a negação ou está em um Outro, a saber, no desejo, ou está como determinidade em contraste com uma outra figura independente; ou então com sua natureza inorgânica universal. Mas uma tal natureza universal independente, na qual a negação está como negação absoluta, é o gênero como tal, ou como consciência-de-si. A consciência-de-si só alcança sua satisfação em uma outra consciência-de-si.(HEGEL, 2014, p. 141) A verdade da consciência resulta da própria consciência, ou ainda, “a satisfação do desejo é a reflexão da consciência-de-si sobre si mesma, ou a certeza que veio a ser verdade”. (HEGEL, 2014, p. 141). A partir disso se tem a razão como transcendência (espírito) na busca pela verdade, que se encarna na história, direcionando-a a sua meta em absoluto, seu fim-em-si, objetivando o espírito absoluto que é o pleno saber, imanentizando o transcendente e fazendo na história a realização da plena liberdade no Estado. 3.3 A RAZÃO COMO CONSCIÊNCIA-DE-SI EM DIREÇÃO À CONFORMAÇÃO DO ESPÍRITO A filosofia do espírito de Hegel assume três variáveis, sendo elas: O espírito subjetivo que caracteriza a fase da consciência individual, o espírito objetivo da tomada de consciência e, sua realização social através das instituições materializadas na história e: o Espírito Absoluto sendo esse argumento que estará em jogo e; que reside a condição da liberdade e do desenvolvimento, ou ainda, a tomada de consciência pela própria consciência no processo de conformação da absolutidade do espírito. A ideia de espírito assume, sob certo aspecto, a centralidade do pensamento hegeliano. Segundo Hegel, “a natureza do Espírito é conhecida por meio de sua 51 perfeita oposição” e a sua essência é a liberdade. Sendo assim, a realização do Espírito tem lugar e tempo para acontecer, então, na história há o processo de tornar-se real, consistindo em existir apenas “mediante a liberdade”. (HEGEL, 1995, p. 23). Segundo o estudioso e intérprete do pensamento de Hegel Bernard Bourgeois, em sua obra “Os Ato do Espírito” (2004) Para Hegel, o espírito não é uma determinação entre outras, mas a determinação, verdadeira, absoluta, do ser: o hegelianismo é a filosofia do ser como espírito. E esta filosofia apresenta-se ela mesma como a racionalização ou conceitualização da teologia cristã. Convém, no entanto, observar que esta não se representa a trindade divina como a concebe aquela, a saber, como realizando-se em seu terceiro momento, o momento do espírito (santo) propriamente dito:a seqüência trinitária é, para o cristianismo, uma descida do Pai, pelo Filho, que deixa seu Espírito, enquanto, para o hegelianismo, é uma ascensão do Pai, pelo Filho, ao Espírito. (BOURGEOIS, 2004 p. 253) Sendo assim, o que está em jogo no pensamento teológico hegeliano é a liberdade e, essa advém do absoluto. Enquanto a teologia católica apresenta o processo de encarnação advindo do Pai, que se encarna no Filho, num processo de imanentização que, faz permanecer seu Espírito como dom de amor, para o pensamento hegeliano o espírito é – nas palavras de Bourgeois – “naturalizado”, e o espírito “é a afirmação espiritual do espírito nele. Ou seja, há uma inversão teológica em relação à teologia cristã, uma afirmação natural do Espírito que conduz ao Pai através do Filho. O espírito se apresenta em Hegel como uma categoria absoluta do ser. Em sua obra já supracitada, - “Fenomenologia do Espírito”-, Hegel apresenta a razão como espírito. Nas palavras do filósofo: A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito, mostrou-o o movimento imediato anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão. HEGEL, 2014, p. 298). Sendo assim, o espírito como essência da consciência reconhecida em si também possui uma essência e, essa é, em relação ao seu oposto e o movimento que direciona a verdade, fazendo com que a consciência constitua a realidade a partir da efetivação da sua própria efetivação. De fato, essa consciência difere ainda da substância com o algo singular; ora estatui leis arbitrarias, ora acredita ter em seu saber as leis tais como são em si e para si; e se tem como potência que as julga. Ou então, 52 considerada do lado da substância é a essência espiritual em-si e para-siessente que ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a essência em-si-e-para-si-essente, que ao mesmo tempo é para si efetiva como consciência, e que se representa a si mesma para si, é o espírito. (HEGEL, 2014,p. 298). Essa passagem da consciência ao espírito é um processo de saída do em-si ao para-si e seu retorno, num sentido dialético, ou ainda, uma relação interna do espírito com o próprio espírito em movimento, ascensão e superação a partir da negação de si para a conformação de outrem. A efetivação do para-si resulta na consciência que se projeta resultando no espírito que, segundo Hegel é “efetividade ética”. Sendo assim: O espírito é a substância e a essência universal, igual a si mesma e permanente: o inabalavel e irredutível fundamento e ponto de partida do agir de todos, seu fim e sua meta, como [também] o Em-si pensado de toda a consciência-de-si. Essa substância igualmente a obra universal que, mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade e igualdade, pois ela é o ser-para-si, o Si, o agir. Como substância, o espírito é igualdade-consigo-mesmo, justa e imutável; mas como ser-para-si, é a essência que se dissolveu, a essência bondosa que se sacrifica. Nela cada um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e dele toma para si sua parte. Tal dissolução e singularização da essência é precisamente o momento do agir e do Si de tons. E o movimento e a alma da substância, e a essência universal efetuada. Ora, justamente por isso – porque é o ser dissolvido no Si – não é a essência morta, mas a essência efetiva e viva. (HEGEL, 2014, p. 299) Todavia, o espírito é a essência do ser, “é a essência absoluta real que a si mesma sustém” (HEGEL, 2014, p. 299). Nele se constitui a verdade e faz do ser àquilo que é em relação a si mesmo, ou seja, a “completa e, garante o ser como ser na sua plena diferença em relação a si: ele é a contradição resolvida.” (BOUGEOIS, 1995, p. 256). A absolutidade do espírito só pode ser alcançada quando esse for além da sua objetividade, ou seja, quando a partir da sua negação em relação ao outro, assume a condição de saída de si ao para si e retorna. O espírito não é, mas se faz ser, nega todo ser ou todo imediato dentro dele ao afirmar, isto, é, ao mediatizar todo ser, inclusive o seu; assim ele se revela totalmente livre, livre de tudo, mesmo de si mesmo ou de um si mesmo que sofreria como um ser. Uma tal auto-afirmação absoluta da liberdade onstitui a atividade ou a potência que Hegel designa também, ao dar um sentido conceitual ao termo tomado da teologia revelada do cristianismo, como criação. O espírito em sua liberdade é o que cria ao criar-se, que se cria criando, que se cria livre e cria um ser livre, seres livres. Para Hegel, espírito, liberdade e criação são uma coisa só. (BOUGEOIS, 1995, p. 258) Essa passagem de Bougeois contribui na compreensão da conformação da absolutidade do espírito que se dá a partir de uma relação íntima de si consigo 53 mesmo. Ou dito de outra forma, a partir da negação de si enquanto espírito objetivo, transcendendo a si mesmo, cria-se a partir de seu interior no sentido de superação de si. Isso possibilita refletir com o autor sobre sua atividade, ou seja, sobre a atividade espiritual do espírito como tal: A atividade que é o espírito é, enquanto atividade, negação (modificação de um estado de coisas), e, enquanto atividade espiritual, negação que não é, mas se nega, negação de si, sacrifício de si. Este sacrifício de si só pode ser como outro que ele mesmo, portanto como sacrifício de si afirmado e assim limitado em sua origem, finito; em suma, como existência criada de um espírito finito. A criação é afirmação de um espírito por um espírito, de uma liberdade por uma liberdade, de um sujeito capaz de fazer-se outro que si por um sujeito que se faz outro que si, uma afirmação ela própria livre de uma liberdade por uma liberdade, na medida em que se relaciona negativamente a si. (BOUGEOIS, 1995, p. 258-259) Essa relação criadora do espírito é livre, pois essa relação dialética é resultado da íntima relação do espírito consigo mesmo que se cria criando-se. Assim, para Hegel, o espírito é livre e criador, na medida em que se defronta com outros espíritos autofundados, autoreferenciados em si mesmos. Segundo Bourgeois, o espírito não está sozinho neste processo, mas em-si pode ser relacional. Nas palavras do autor: Somente o espírito testemunha verdadeiramente o espírito. Para Hegel, ser um espírito é ser para um espírito, e esta relação constitutiva do espírito é uma relação criadora: o espírito é efetivamente o que se cria ele próprio ao criar, ao fazer ser, assim como o que poder negar seu próprio ser, um outro espírito. Tornemos a dizer: ser livre é libertar; não se é livre sozinho; um espírito sozinho não pode ser um espírito: o espírito só pode existir como uma comunidade de espíritos. Desse modo, o espírito que é, enquanto negatividade, poder, só é poder absoluto em seu poder sobre si mesmo ou sua autonegação sacrificial, a qual só é real na e como a afirmação de uma outra autonegação ou de um outro espírito. Ora, uma tal afirmação definese a bondade. A criação manifesta o poder de um ser bom. (BOUGEOIS, 1995, p. 259). Essa relação de alteridade do espírito é necessário em Hegel para seu processo de criação e superação de si, pois isso apenas é possível num processo relacional dialético e, isso se constitui a partir da negação de si. Para que haja esta relação de espíritos, necessariamente um deve se deparar com o outro que é sua negação. Nesse sentido, o ‘outro’ é aquilo que o ‘eu’ não é, dito de outra forma, o eu é a negação do outro, assim como o outro é a negação do eu criador e, o outro também é um eu criador na sua essência, enquanto ser que se constitui e se cria a partir do eu em contraposição ao outro. Por essa linhagem: 54 Aqui, onde se põe o espírito – ou a reflexão dos momentos sobre si mesmos -, pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente que, por esse lado, eram eles: consciência, consciência-de-si e razão. [1] O espírito é, pois, consciência em geral – que em si compreende certeza sensível, percepção e o entendimento -, quando na análise de si mesmo retém o momento segundo o qual é, para ele, a efetividade essente objetiva, e abstrai de que essa efetividade seja seu próprio ser-para-si. [2] Ao contrário, quando fixa o outro momento da análise, segundo o qual seu objeto é seu ser-para-si, então o espírito é consciência-de-si. [3] Mas, como consciência imediata do ser-em-si-e-para-si – como unidade da consciência e da consciência-de-si -, o espírito é a consciência que tem razão; que, como o ter indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente, ou seja, pelo valor da categoria; porém, de tal modo que o objeto ainda não tem para a consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal como acabamos de considerar. [4] Essa razão, que o espírito tem, é enfim intuída por ele como razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva, e que é seu mundo, assim o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a essência ética efetiva. (HEGEL, 2014, p. 299-300). Essa argumentação extremamente racional e lógica de Hegel, estabelece as diretrizes para uma reflexão que determina o espírito como resultado de um processo que tem como pressupostos basilares a consciência, consciência-de-si e a razão. O filósofo apresenta o espírito como sendo “consciência em geral”, isso, de um povo diante de si que toma a si mesmo como objeto, reflete sua condição e, ao fazê-lo, estabelece a consciência de si em relação aos outros povos e culturas. Sendo assim, para Hegel o espírito assume a condição de “vida ética de um povo, enquanto é a verdade imediata”. Isso se materializa e se realiza na história por meio de um processo de imanentização no constructo da sua absolutidade encarnada e, de forma lógica essa absolutidade do espírito, que tem em si a eticidade. Acontece na cultura e se imanentiza na ideia de um estado forte, que para Hegel é a monarquia constitucional16. Na sua “Introdução à Filosofia da História”, Hegel trata sobre a natureza do espírito: A natureza do espírito é conhecida por meio de sua perfeita oposição. Como a substância da matéria é o peso, assim devemos dizer que a substância é a essência do espírito, é a liberdade. É fácil acreditar que ele possua, entre outras propriedades, a liberdade. A filosofia, no entanto, ensina-nos que todas as propriedades do espírito só existem mediante a liberdade, são todas apenas meios para a liberdade, todas a procuram e a criam. Isso é um conhecimento da filosofia especulativa, ou seja, a liberdade é a única verdade do espírito. (HEGEL, 1995, p.24) 16 Não será discutido com profundidade nesse trabalho dissertativo as noções de política advindas das perspectivas hegelianas, dito que o objetivo é a conformação do espírito de um povo e, isso em relação ao desenvolvimento. Importante salientar a importância da política para o desenvolvimento, porém esse trabalho se limita nas dimensões históricas e ontológicas. 55 Sendo assim, o espírito possui sua essência em si mesmo, enquanto que a matéria a possui fora de si. A liberdade constitui o interior do espírito que se projeta na história de forma racional e, através do estado, que é apresentado em Hegel como o todo moral. Para o filósofo, no Estado o indivíduo desfruta da sua liberdade, como resultado da vontade particular, que se projeta a partir da vontade universal e constitui o espírito de um povo. Esse espírito é resultante de um processo de conformação do povo, que se projeta a partir do movimento de ter-se tomado como objeto e, compreendido a si mesmo em relação a outros povos. É um ente abstrato e subjetivo que se concretiza e objetiva na história pela razão. Essa é responsável por conduzir a história no tempo e no espaço e é a condição da realização da mesma, pois nada de racional está fora do real e, tudo o que se projeta na realidade é constituído de racionalidade. A conformação do espírito de um povo é determinante para o desenvolvimento, pois para que este ocorra é necessário que a realização lógica da história propicie ao seu tempo o progresso como resultado da efetivação da razão que se encarna. Ou seja, o desenvolvimento deve ser construído, é resultado e ao mesmo tempo consequência da realização da vontade livre de um povo em consonância com a vontade individual. Ou seja, a constituição do espírito subjetivo requer que o indivíduo deve projetar-se como pertencente a um povo e, ademais constituir-se como realidade possuidora de vontade, mas sem contradizer o todo que permeia e é permeado de particulares. Isso resulta a partir da conformação da consciência que toma consciência de si e se assume como condição de superação, ou seja, a partir da vontade na liberdade. 3.3.1 A Razão e a Religião na conformação do Espírito de um povo O pensamento de Hegel é resultado de um processo racionalista que se inicia no mundo Grego, perpassa o período medieval e acontece na modernidade. Assim, apresentar-se-á como se desenvolve o conceito de razão e como o mesmo se desdobra na antiguidade, na idade média e na modernidade, tendo como ponto de partida a visão grega como matriz filosófica do mundo ocidental. Essa é assumida por Hegel no seu sistema filosófico. Talvez seja possível afirmar, reconhecendo os riscos dessa argumentação, que os gregos inventaram a razão. Ou ainda, sistematizaram filosoficamente a razão como forma de vida. Assim, o 56 conceito de razão deriva do grego logos e possui pelo menos três significados que o fundamentam. O primeiro significado pode ser entendido a partir do ponto de vista de referência para a investigação, ou seja, a razão orienta à indagação e é própria do humano. Dito de outra forma, apenas o humano é capaz de questionar o mundo que o cerca e/ou relacionar sua faculdade racional ao meio, para extrair símbolos e significados elaborados conceitualmente num processo de interiorização do exterior e exteriorização do interiorizado, utilizando-se da linguagem para tal. 312- [ Dies Äussere macht] Em primeiro lugar, esse exterior só torna o interior visível como órgão ou – em geral – faz do interior um ser para um outro, uma vez que o interior, enquanto está no órgão, é a atividade mesma. A boca fala, a mão trabalha – e também as pernas, se quiserem – são órgãos que efetivam e implementam, que têm neles o agir como agir ou o interior como tal. Todavia, a exterioridade que o exterior ganha mediante os órgãos é o ato, como uma efetividade separada do indivíduo. Linguagem e trabalho são exteriorizações nas quais o indivíduo não se conserva nem se possui mais em si mesmo; senão que nessas exteriorizações faz o interior sair totalmente de si, e o abandona a Outro. Assim, tanto se pode dizer que essas exteriorizações exprimem demasiado o interior, como dizer que o exprimem demasiado pouco. Demasiado – porque o interior mesmo nelas irrompe, e não resta nenhuma oposição entre ele e suas exteriorizações, que não só fornecem uma expressão do interior, mas são imediatamente o interior mesmo. Demasiado pouco – porque o interior na linguagem e na ação se faz um Outro, abandona-se ao elemento da transmutação, que, subvertendo a palavra falada e o ato consumado, faz deles algo diverso do que são em si e para si, enquanto ações de um indivíduo determinado. (HEGEL, 2014, p. 221). Na perspectiva hegeliana, a linguagem se apresenta como sendo a mediação e realização da razão, ou ainda, como possibilidade de objetivação da razão a partir do processo de negação. Ou seja, a exteriorização é a negação da interiorização e conforma o outro. Esse é um processo de realização a partir da negação. Para o filósofo, a relação interior e exterior “é uma relação de nexo causal, pois a relação de um em-si-essente com outro em-si-essente enquanto relação é necessária, é essa relação [de nexo causal].” (HEGEL, 2014, p. 229) Um segundo significado pode-se encontrar em Aristóletes (384 – 322 aC.) que apresenta a razão do ser de algo como essência que se expressa no conceito, ou seja, a definição do ser é um processo de fazer o ‘ser’, ser. Ainda, para Aristóteles e correntes filosóficas que derivam de sua filosofia, a razão é parte integrante do ser a partir de sua conceitualização. Na obra Política (2004) O filósofo analisa as estruturas ontológicas da ação política do homem: 57 A natureza, como se afirma frequentemente, não faz nada em vão, e o homem é o único animal que tem o dom da palavra. E mesmo que a mera voz sirva para nada mais do que uma indicação de prazer ou de dor, e seja encontrada em outros animais (uma vez que a natureza deles inclui apenas a percepção de prazer e de dor, a relação entre elas e não mais que isso), o poder da palavra tende a expor o conveniente e o inconveniente, assim como o justo e o injusto. Essa é uma característica do ser humano, o único a ter a noção do bem e do mal, da justiça e da injustiça. E é a associação de seres que têm uma opinião comum acerca desses assuntos que faz uma família ou uma cidade. (ARISTÓTELES, 2004 p. 146) A diferenciação entre homens e animais expressada por Aristóteles está no domínio da linguagem e, isso possibilita a dinâmica política como resultado do processo da ação racional. Outra definição de razão possível é o da racionalidade que se apresenta ao longo desta argumentação. Ou seja, diante de um argumento há a necessidade de um contra-argumento que pode ser justificado racionalmente e, nesse se encontra um processo de racionalidade capaz de ser considerado como prova de verdade. Ou seja, no argumento se encontra a razão de ser de uma possível verdade, seja no argumento ou no contra-argumento que contraposta ao contra-argumento pode se afirmar como argumento primeiro, ou derivar na efetividade do contraargumento, bem como apresentar como superação dos dois momentos anteriores, constituindo no reconhecimento das potencialidades do argumento em si. A razão também pode ser analisada a partir da sua potencialidade de superar outras vias de compreensão do mundo sensível, diferenciando-se das percepções e explicações advindas dos mitos, dos preconceitos, das opiniões e dos silogismos. Esse processo se dá a partir de uma argumentação e contraargumentação, no embate filosófico, portanto, filosófico se entenderia como expressão de uma certa forma e uso da razão em relação aos esforços humanos de compreensão do seu mundo em sua totalidade. Assim, os resultados obtidos por meio da razão são considerados próximos da verdade, não no sentido religioso, de verdade revelada, mas no sentido filosófico, onde a verdade é resultado da observação e de procedimentos cognitivos mediados pela linguagem comprometida com a exatidão do conceito. Nesse sentido, a razão é àquela manifestação humana de pretensão universal que permite ao ser humano superar a menoridade, a dependência de forças transcendentes na explicação do ser, do vir-a-ser constitutivo do mundo em que se encontra. Assim, a razão tem a pretensão de apresentar o mundo tal como é a partir de pressupostos universais. 58 Isso possibilita que se pense em todos os continentes e nações, no qual, o ser humano é visto como possuidor dessa dimensão racional, mesmo que em algumas situações a faculdade racional, ou o uso da razão ainda conviva com outras formas de compreensão e explicação do mundo, sejam elas de ordem mitológica, religiosa, ou mesmo supersticiosa, é essa capacidade que o diferencia dos outros animais. A conduta humana mediada pela racionalidade se torna condição para entender o processo de desenvolvimento, pois haverá desenvolvimento a partir da tomada de consciência da própria consciência. Sendo assim, o desenvolvimento é uma construção racional e, enquanto a razão permanecer inerte na história de um povo, ou, esse povo não se tomar como objeto, o desenvolvimento não se efetiva. Somente quando a razão surge como reflexão a partir dessa certeza oposta é que surge sua afirmação de si, não apenas como certeza e asserção, mas como verdade, e não ao lado de outras verdades, mas como a única verdade. O imediato surgir [da verdade] é a abstração de seu ser-presente, cuja essência e ser-em-si é o conceito absoluto – quer dizer o movimento de seu ser-que-veio-a-ser. A consciência vai determinar sua relação ao ser-outro ou a seu objeto, de maneiras diversas, conforme a etapa, em que ela se encontre, do espíritodo-mundo que-se-torna-consciênte de si. O modo como o espírito do mundo em cada caso imediatamente encontra e determina a si mesmo e a seu objeto – ou como ele é para si –isso depende do que já veio-a-ser, ou do que já é em-si. (HEGEL 2014, p. 174) Essa característica talvez unicamente humana – a racional – possibilita o controle senão a repressão dos instintos constitutivos da natureza humana. Ao mesmo tempo possibilita pensar o meio em que se está inserido, também humaniza e torna suas ações pensadas, diferenciando-se da animalidade. Afinal, o fato de ter sido apreendido pelo dispositivo da linguagem desenvolvendo um modo muito específico do uso da razão trouxe aos seres humanos a condição da percepção da negatividade de sua condição lançada no mundo. Assim, o ser humano é o único animal que sabe que morre, o que lhe exige esforços de constituição de perspectivas teleológicas, de sentido e finalidade para o mundo que construiu a partir de seus esforços cognitivos de nomeação e conceituação do que lhe é externo. Sob tais pressupostos, pode-se considerar a busca e o anseio do desenvolvimento como decorrência dessa necessidade humana de sentir e justificar sua existência no mundo num grau superior, ou diferenciado em relação ao conjunto dos seres e da natureza que o cerca. Os mundos, animal e vegetal, não morrem 59 porque não possuem um mundo, apenas interagem com as forças da natureza na luta pela sobrevivência, a busca do equilíbrio entre prazer e dor. O que está em jogo é a sobrevivência da espécie na medida em que a vida dos indivíduos apenas se justifica no seio da espécie. Sendo assim, ao tempo que a razão domina o animal, ela pode a qualquer momento abandonar esse controle e o indivíduo passa a agir na pura forma de uma vida nua, desprovida dos imperativos humanos que o inseriram na comunidade dos humanos, mas também não mais na forma animal. Àquilo que foi capturado pelo dispositivo da linguagem e inserido no mundo humanos, está desprovido de retorno à condição da animalidade, torna-se uma mera vida. Essa é a tensão entre o humano e o animal. O indivíduo toma consciência de si, se assume como objeto e ocupa seu lugar no mundo, projetando-o e condicionando-o às suas necessidades efetivando racionalmente sua vontade. Somente o indivíduo que toma consciência de sua condição de humano racional livre se torna capaz de conduzir o processo civilizatório, ou seja, o processo de desenvolvimento e de superação da condição em que o indivíduo se encontra. Isso pode acontecer a partir da tomada de consciência e da abertura ao transcendente. Hegel é amante da filosofia de Heráclito, que pensou primeiramente a dialética a partir da qual o filósofo alemão sistematiza sua filosofia. Heráclito, ao retratar a razão afirma que essa deve ser o único critério orientador de todos os homens. No Fragmento 2, descreve a necessidade de seguir o que é universal afirmando que apenas o logos o é. Essa referência de Heráclito apresenta-se como resposta a Parmênides, haja vista, que esse estudioso apresentava o critério do sensível para definições filosóficas. Heráclito é o filósofo pré-socrático que pensa o devir, ou seja, tudo está em movimento, em constante transformação e isso segue uma lei natural. Para esse autor, nada é para sempre, tudo flui. O logos possibilita ao homem constatar e conhecer a verdade e, essa se encontra no cosmos como possibilidade de ser alcançada pela capacidade do homem. Em Heráclito também se encontra o pensamento da potencialidade dos contrários que Hegel analisará na lógica de sua dialética. As ideias de Heráclito influenciaram, sobretudo, a filosofia de Platão com relação ao dualismo e da realidade em movimento, ambas presentes tanto na filosofia Platônica quanto na de Heráclito. 60 Retomando a história da filosofia, ao se tratar da razão, Platão e Aristóteles opõem a razão à sensibilidade, aproximando a idéia do sensível às paixões e ao que o humano tem em comum aos animais em Aristóteles e, no caso em Platão a razão se apresenta como sendo parte integrante do mundo inteligível e o sensível ao mundo das sombras. Aqui se percebe que a razão se torna referência para a visão de mundo que se inicia com os gregos e dá origem à civilização ocidental. Na Patrística17 a razão é apresentada como sendo expressão da revelação de Deus para a salvação da humanidade. Essa ideia de revelação é marcada por uma proposta evangélica institucionalizada por Paulo de Tarso, sendo esse responsável pela separação entre judaísmo e cristianismo ocorrido no I Concílio da Igreja Católica, o de Jerusalém no século V depois de Cristo. Retomando os filósofos gregos, principalmente Aristóteles e Platão, os padres da Igreja cristianizam a filosofia na busca de explicar a fé. Surgem grandes nomes como Agostinho de Hipona, Tertuliano, entre outros. Santo Agostinho apresenta a razão como um princípio que institui a busca pelo absoluto e torna fecunda tal busca. Através da razão, entendida como faculdade dada por Deus para o encontro com Ele, o humano traça seu trajeto na busca pelo infinito. Isso se dá na relação entre movimento e tempo. O movimento pode ser entendido a partir da história. No sentido teleológico isso implica na busca pelo absoluto, voltada a pretensão escatológica de tempo. Em De Ordine Agostinho faz o elogio da razão e afirma, nos últimos capítulos de sua magnífica obra, que “a razão é o movimento da mente que pode distinguir e correlacionar tudo o que se aprende” (De ordine., II, 11,30), e em De ordine 19, 50 afirma que a razão é a força criadora do mundo humano. Ela que deu origem à linguagem, à escrita, ao cálculo, às artes, à ciência e a tudo o que é imortal no homem. O movimento acontece - que é apresentado na primeira citação de De Ordine - no tempo e no espaço, portanto na história, que possui, na visão cristã de mundo, um início e um fim, no qual tudo está submetido e, isso consiste na base da definição de tempo que se insere na visão de mundo ocidental. A história acontece 17 Período filosófico constituído pelos padres da igreja católica. Esse período faz referência ao momento em que a filosofia cristã elaborava sua doutrina e se defendia dos ataques pagãos, ou seja, as chamadas heresias: questionamentos dirigidos à fé e que, utilizando a filosofia, a teologia procurava responder. Nesse período da história da filosofia, a razão (logos) é entendida como sendo o Cristo que se revela aos homens para a salvação. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”. (Jo, 1. 1). 61 no tempo e no espaço que a limita, determina a finalidade, sendo assim, racional e real. Na modernidade mais precisamente com Descartes, a razão reassume sua conceitualização de origem. No “Discurso do Método”, o autor afirma que “a capacidade de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que recebe o nome de senso ou razão, é por natureza igual a todos os homens [...]”. Essa afirmação de Descartes claramente retoma a definição de razão do mundo clássico e introduz na modernidade a definição de razão pensada no mundo antigo. No Iluminismo18, a razão é vista como sendo norte para as ações humanas, ou seja, na tentativa de superar a religiosidade predominante no período medievo, apresentado como período de trevas19, o século das luzes se reconhece como iluminado pela razão e esta oriunda do mundo grego antigo. Kant - autor que divide a razão em três momentos em Pura, Prática e do Juízo - o Iluminismo é à saída da menoridade para a maioridade, no sentido do uso indevido da razão diante do desafio dos homens em fazerem uso da plenitude e das exigências de suas capacidades intelectuais como princípio e norte de suas ações. Isso implica, até mesmo na avaliação racional da própria razão ou, como diria Kant no prefácio da Crítica da Razão Pura, de “levar a razão ao tribunal da razão”. Para esse autor, a razão é uma faculdade humana que produz conceitos por si, ou seja, nas palavras do autor é a “faculdade dos princípios”.Como consequência desse período em que a razão põe tudo à prova e se apresenta como instrumento de apreensão da realidade, se tem às revoluções modernas, entre elas a Revolução Francesa. Esse é momento histórico em que Hegel presencia e faz referência em suas obras. Nesse período também é cunhada a visão de progresso que culminará no positivismo e do qual o desenvolvimento das ciências naturais conduzirá a teoria da evolução das espécies cunhada pelo darwinismo20 e todas as suas ações como propulsora de técnicas e instrumentos para captar os meios e elevá-las, de forma racional, a transformações sejam elas sociais, filosóficas e/ou dos meios de 18 O Iluminismo foi um movimento cultural e filosófico do século XVIII. Este movimento defende a liberdade e a igualdade com aposta na razão como forma de administrar a realidade. 19 Este período da história da filosofia denominado “período das trevas” é marcado por grande produção histórica e filosófica, ou seja, é um tempo que se está descobrindo e supera a denominação de trevas cunhada na modernidade. 20 Teoria fundada a partir dos fundamentos de Darwin que afirma que a evolução dos seres acontecem a partir de variações naturais e seleção natural sob a influência do ambiente que os seres estão submetidos. 62 produção. Se tem também aqui a origem da Sociologia em sua pretensão reformista presente em Augusto Comte com sua filosofia da história da metafísica ocidental e, em Karl Marx, mas sobretudo em Engels, com sua filosofia da história a partir do materialismo histórico-dialético e a pretensão de transformação das estruturas sociais e políticas. Para Hegel, a razão está determinada ao que é real, ou seja, nada que seja racional pode não ser racional. Segundo Bourgeois: Hegel, mais do que qualquer outro, buscou entender o poder da razão [Vernunft], fazendo-a dominar de maneira determinada, isto é, real, o próprio campo onde parecia reinar, mais do que em qualquer outra parte, o irracional, sob a dupla forma do acaso objetivo e da arbitrariedade subjetiva, ou seja, o campo da contingência histórica. A célebre equação do racional e do real afirma-se claramente, no prefácio dos Princípios da Filosofia do Direito, como marcando o devir histórico do espírito objetivo e marcando com mais intensidade ainda do que o faz na natureza, cujas regularidades foram descobertas de maneira precoce. (BOURGEOIS, 2004, p. 287). Sendo assim, a história se apresenta de forma diferente da natureza, ou seja, a partir da ordem dos acontecimentos históricos, se percebe que tais fatos e fenômenos estão marcados por algo que o direciona, ou seja, a história se apresenta no tempo e no espaço, sendo assim, real e, portanto, racional. O Ocidente é marcado pela tradição religiosa judaico cristã. Como visto anteriormente, a junção do mundo Grego e do mundo judaico-cristão conformaram as bases culturais, religiosas e filosóficas ocidentais, assim como, influenciaram o pensamento hegeliano, devido suas bases religiosas e filosóficas. Na idade média, Deus se torna objeto de dissecação filosófica, o que permitiu com que se desenvolvessem ideias e conceitos relacionados a Deus como razão última de tudo o que existe. Hegel se defronta com esta noção de Deus em Leibniz (1646-1716), pois esse autor defende a Ideia de Deus como razão suficiente. Segundo Bougeois, Hegel analisa a visão leibniziana de razão suficiente, observando que tal conceito é contraditório. Na obra “Princípios da Natureza e da Graça fundados na Razão” o filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), desenvolve o conceito de razão suficiente a partir da observação tendo como eixo central o racionalismo clássico. Para o autor, tudo possui uma razão de ser, ou seja, toda matéria em movimento está determinada por uma razão a priori e, essa a outra anterior a si mesma e assim ad infinitum. Porém, é necessário que haja um ser que seja auto- 63 suficiente e, sua razão de ser esteja em si mesmo, ou seja, que esse ser seja a razão de si e de todas as outras coisas. Esse ser é chamado de Deus. Para Hegel, a ideia de razão suficiente é no mínimo contraditória ou se não tautológico e redundante, no qual Bougeois corrobora: Se podemos apenas saber em geral que há em Deus a razão suficiente de tudo, sem de modo algum saber uma razão suficiente determinada de tal coisa determinada, o que condena a um puro formalismo a afirmação do princípio de razão suficiente, é que, precisamente não podemos nos identificar por nosso pensamento finito à produção divina do mundo, que compreende este porque a unidade produz a multiplicidade em vez de simplesmente ser pressuposta, suposta a partir dela. Justamente por não podermos compreender aquilo que nós, espíritos finitos, mas racionais, dizemos necessário, é que reservamos isto a Deus. “O que é necessário, mas não é compreendido é colocado nele”. Assim, Deus tem o privilégio de lhe fazerem assumir o que não pode ser compreendido”, de tal modo que “a palavra Deus é então o expediente que apenas conduz à unidade, uma unidade simplesmente dita”, sem que “a proveniência do múltiplo a partir desta unidade seja mostrada”. Mas, se a afirmação em Deus da razão suficiente do mundo não pode atribuir-se um conteúdo real, portanto, verifica-se absolutamente no homem, é que ela tem por sentido efetivo aquilo que, para Hegel, eleva-a muito acima dela mesma. (BOUGEOIS, 2004, p. 291). Sob tais pressupostos, a visão de Deus como razão suficiente não se sustenta, pois Leibniz absolutiza o entendimento e não apenas apresenta como sendo suficiente à noção de racionalidade para Deus, tornando insuficiente o fundamento dessa noção. E porque o fundamento exprime a determinação sintética pura da essência, ele afeta com sua limitação todas as realizações cada vez mais concretas dessa essência, nas quais ela penetra sempre mais intimamente em seu Outro, o ser oriundo dela como existência fenomênica e depois efetiva (por exemplo, sua realização como causalidade). Seguramente, já que as determinações do ser enquanto essência não são exteriores umas às outras, mas refletidas em sua alteridade umas nas outras – não há identidade senão na diferença, diferença senão na identidade, e fundamento, identidade da identidade e diferença senão na reflexão recíproca da identidade diferenciada, fundante, e da diferença identificada, fundada -, essas determinações, incapazes assim de ser desmentidas pela afirmação do Outro delas, podem perfeitamente ser erigidas como princípios, Mas, já que elas, nem mesmo em seu ápice essencial, refletemse umas nas ouras ainda como outras, elas não podem formar o conteúdo de princípios absolutos: com efeito, um princípio absoluto deve primeiro identificar-se completamente a si mesmo em sua diferença interna, ser inteiramente transparente a si mesmo em sua determinação, em suma, autodeterminar-se verdadeiramente nela. O que exige a superação da essência. (BOUGEOIS, 2004, p. 294). O que se pode perceber entre Leibniz e Hegel são caminhos opostos no que concerne à conformação da noção de Espírito Absoluto – Hegel – e de Razão Suficiente – Leibniz. A busca por aproximar ontologicamente o infinito ao finito, ou 64 Deus e homem através do uso da razão, fez com que Hegel observasse a realidade invertendo a visão leibniziana, pois ao passo que Leibniz apresenta uma ideia de que Deus se apresenta como razão de todas as razões, de cima para baixo, ou seja, busca a partir de Deus fundamentar existência histórica. Todavia, Hegel procura analisar a partir da ótica da historicização de Deus, pelo sacrifício humanizante do Deus criador da natureza e da história. Leibniz humaniza Deus ao salvar o homem, Hegel salva o homem ao humanizar Deus”. (BOUGEOIS, 2004, p. 298/299). Hegel pode ser considerado um filósofo racionalista que analisa a história tendo como ponto de partida a religiosidade, mais especificamente o cristianismo. Na sua obra Fenomenologia do Espírito, utiliza conceitos de fundamento cristão e teológico para elevar de forma idealista sua visão de homem que se projeta na história com consciência de si em direção ao Absoluto. Nesse enfrentamento de Hegel e Leibniz também convém afirmar que a ideia de negação presente na dialética hegeliana, pode ser vista como argumento que refuta a noção de razão suficiente de Leibniz. Sendo assim, o que se percebe em Hegel é a ideia de existência de apenas uma razão, ou seja, não há a possibilidade de afirmar a existência de duas ou mais razões, mas sim num sistema dialético da razão consigo mesma que possibilita o desenvolvimento. Num primeiro momento, Hegel apresenta na sua filosofia da religião a noção de consciência religiosa, que não é a ideia de consciência-de-si, porém enquanto fé está interligada com a noção de sentimento. O conhecimento religioso se dá a partir da reflexão sobre a religiosidade, constituindo-se em Hegel numa Filosofia da religião. Hegel confere uma importância fundamental à religiosidade por auxiliar na conformação do espírito de um povo, pois a religião possibilita abertura ao outro e isso dá sentido ao contexto de formação de uma nação. A religião cristã também possui em sua doutrina a história da salvação, ou a salvação na história resultante de um processo de historicização do salvador. Ou seja, há um fim da história e na história que se concretiza na ideia de salvação, de encarnação do espírito no mundo como forma de realização desse plano de salvação. Para Hegel, o indivíduo – reduzido a si mesmo – é uma abstração. Eis porque a unidade organiza verdadeira, o universal concreto, serão para ele o povo. Ao passo que Schelling vê na produção da obra de arte a intuição absoluta, a que concilia subjetivo e objetivo, o consciente e o inconsciente, Hegel, escrevendo em Iena o System der Sittlichkeit, substitui a obra de 65 arte, como expressão do absoluto, pelo organismo concreto da vida de um povo. Sua primeira filosofia do espírito será a descrição da organização social desde suas bases nas necessidades concretas do homem até o sei pináculo no Estado e na religião do povo, na grandeza espiritual original a um tempo subjetiva e objetiva. (HYPPOLITE, 1971 p. 13) Aqui se percebe a influência da religião na conformação do espírito de um povo, pois a visão de mundo projeta o humano e o meio o conforma, haja vista que a vida espiritual é pensada por Hegel como vida de um povo, ou seja, há a encarnação do espírito na história num processo de imanentização da razão que é espírito. A religiosidade também tem função específica na conformação do ponto de vista da consciência do indivíduo para a coletividade. Na obra “A Razão na História” (2001) Hegel analisa especificamente “o fundamento religioso do Estado”. Nesse momento, esse argumento possibilita entender a influência da religiosidade na formação da subjetividade dos indivíduos pertencentes a um determinado povo. Ao discutir a religião é importante perguntar se ela reconhece a verdade, ou Ideia, apenas em sua forma isolada ou em sua verdadeira unidade. Em sua forma isolada: quando Deus é concebido como o Ser abstrato mais elevado, Senhor dos Céus e da Terra, transcendendo o mundo, além e distante da realidade humana – ou em sua unidade: Deus como a união do universal com o individual, em Quem mesmo o individual é visto de maneira positiva, na Ideia da encarnação. A religião é a esfera onde um povo se dá a definição daquilo que encara como sendo o Verdadeiro. Uma definição contém tudo o que pertence à essência de um objeto, reduzindo sua natureza a uma característica fundamental simples como fo o para todas as outras características – a alma universal de todos os particulares. Assim, a concepção de Deus é fundamentação geral de um povo. (HEGEL, 2001, p. 101). O cristianismo foi fundamental no processo civilizatório do Ocidente, pois com pretensões universalizantes da sua teologia, interferiu diretamente na conformação da civilização ocidental. Essa religião também possui uma teologia, que se fundamentou filosoficamente em determinado momento histórico, ou seja, há fundamentos racionais na doutrina cristã, com influências filosóficas gregas, e políticas romanas, influenciando diretamente na unificação do espírito, pois na religião natural se pressupõe a totalidade, ou seja, o espírito é a representação da universalidade presente na religiosidade - que ao mesmo tempo é particularidade, ou seja, cada religião possui suas verdades - no qual, ainda precisa tomar consciência de si para que se torne absoluto. 684 – [Der den Geist] O espírito, que-sabe o espírito, é consciência de si mesmo, e é para si na forma de [algo] objetivo; ele é – e ao mesmo tempo, é o ser-para-si. O espírito é para si, é o lado da consciência, ou com o lado 66 do referir-se a si como objeto. Está na sua consciência a oposição e, por isso, a determinidade da figura em que o espírito se manifesta e se sabe. Nessa consideração da religião só se trata dessa determinação, pois já se produziu sua essência não figurada ou seu conceito puro. Porém, a diferença entre a consciência e consciência-de-si recai, ao mesmo tempo, no interior dessa última: a figura da religião não contem o ser-aí do espírito, nem enquanto é pensamento, livre do ser aí, mas essa figura é o ser aí mantido no pensar, assim como é um Pensado que para si “é aí”. (HEGEL, 2014, p. 454). Hegel impõe ao espírito a mesma dinâmica da consciência, ou seja, o processo dialético. Esse processo se dá no mundo da transcendência, vale lembrar que, na medida que a consciência toma consciência-de-si se percebe insuficiente se abre para a transcendência. Tal processo de abertura se dá no campo da dialética que pressupõe a própria negação para a conformação do novo ser, ou seja, do espírito que ao mesmo tempo é razão e, espírito que alcança a consciência-de-si na religião revelada: Mas embora o espírito certamente alcance na religião revelada sua figura verdadeira, justamente sua figura mesma e a representação ainda são o lado não superado, do qual o espírito deve passar ao conceito, para nele dissolver totalmente a forma da objetividade: - nele que inclui dentro de si igualmente esse seu contrário. É então que o espírito abarcou o conceito de si mesmo, como nós somente o tínhamos inicialmente captado; e sua figura – ou o elemento de seu ser-aí – enquanto é o conceito, é o espírito mesmo. (HEGEL 2014, p. 454). Todavia, o espírito consciente de si é razão que se conforma a partir da individualidade, sustenta a coletividade e compõe o espírito de um povo. Esse se dá a partir da história, assim como cria a história a partir da sucessão de fatos realizados por cidadãos que se tomaram como objeto e permacem na memória. O Estado, suas leis, e suas instituições são os direitos dos cidadãos; sua natureza, seu solo, suas montanhas, ar e águas são a sua terra, o seu país, a sua propriedade exterior. A história do estado são os seus feitos e o que seus ancestrais realizaram pertence aos cidadãos e vive em sua memória. Tudo é possessão deles, da mesma forma como por tudo isso eles são possuídos, pois constitui sua substancia e o seu ser. As mentes dos cidadãos estão cheias disso e suas vontades são o querer estas leis e o seu país. É esta totalidade amadurecida que faz Um Ser, o espírito de Um Povo. A ela pertencem os indivíduos; cada indivíduo é o filho de seu povo e, o mesmo tempo, enquanto o seu estado está em desenvolvimento, é o filho de sua época. Ninguém fica atrás, ninguém pode passar à frente dela. Este ser espiritual (o espírito de seu tempo) é dela – ele é um de seus representantes – e é de onde ele vem e onde ele permanece. Para os atenienses, Atenas tinha um duplo significado, o da totalidade de suas instituições e o nome da deusa que representava o espírito e a unidade do povo. (HEGEL, 2001, p. 103) 67 Neste sentido, é possível afirmar que a razão como espírito pertence à história e, ao mesmo tempo, faz a história acontecer num processo de imanentização da transcendência, torna-se objetiva sem deixar de ser subjetiva. O espírito é um individual que em conjunto com outras individualidades espirituais conformam a vontade de um povo, ou o Espírito de um povo. Além do mais, o próprio espírito nacional definido é apenas um indivíduo no curso da história do mundo. A história do mundo é a manifestação do Divino, o absoluto desenvolvimento do Espírito em suas formas mais elevadas. É este desenvolvimento que faz com que ela atinja a sua verdade e a consciência de si.. Os resultados das fases desse processos são os espírito nacionais da história do mundo, a definição de sua vida moral, de sua constituição, arte, religião e ciência. Compreender tais fases é o impulso infinito do espírito do Mundo, seu ímpeto irresistível, pois esta diferenciação e sua compreensão constituem o seu conceito. A história do mundo apenas mostra como o Espírito do Mundo aos poucos chega à consciência e ao desejo da verdade. Surge no Espírito o alvorecer do conhecimento, ele descobre pontos de enfoque e, finalmente, atinge a consciência plena. (HEGEL, 2001, p. 103-104). Assim, a ideia de desenvolvimento pertence ao mundo do espírito imanentizado, ou seja, é resultado de um longo processo histórico que determina o ser e fazer história, assim como, é razão objetivada quando, se historifica a partir de condições criadas na história para que isso aconteça. 3.4 A HISTÓRIA A pretensão hegeliana de totalidade o leva a constituir a sua magnífica filosofia da história que pretende “apresentar o próprio conteúdo da história universal” (HEGEL, 1995, p.11). Ou seja, procura analisar a história universal buscando compreender os movimentos constitutivos de sua universalidade e como ela acontece ou se imanentiza no processo de sua realização. Segundo Hegel, há três formas de encarar a história: a (1) história original que é apresentada no contexto em que ocorre, a (2) história refletida que ultrapassa o contexto dos acontecimentos e a (3) filosófica que é resultado de uma observação refletida da história. O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história; é a simples ideia de que a razão governa o mundo, e que, portanto, a história universal é também um processo racional. Essa convicção, essa ideia, é 68 uma “pressuposição” em relação à história como tal; na filosofia, isso não é um pressuposto. Mediante o conhecimento especulativo, comprova-se que a razão – ficamos com essa expressão sem discutir a relação e a ligação com Deus -, a substância como força infinita, é em si mesma a matéria infinita de toda forma de vida natural e espiritual, e também a forma infinita a realização do seu próprio conteúdo. (HEGEL, 1995, p. 17) Na perspectiva da filosofia da história, o que está em jogo é a reflexão dos fatos e fenômenos ocorridos no tempo e no espaço. A partir da observação se dá a captação da matéria-prima para a ciência filosófica e, isso permite a reflexão. Isso se dá de forma racional, pois a razão alcança o que é real, ou seja, tudo aquilo que se apresenta como constructo da própria razão, já que tudo o que escapa a razão não pode ser observado como real. Dito de outra forma, a razão é responsável pelo fazer história e a história pode ser analisada racionalmente por ser constructo racional. 3.4.1 A Razão na História Para Hegel, a razão está na história e a faz acontecer num dinâmico processo de superação do real como objetivação da transcendência racional. A história é resultado da razão que acontece, ou seja, na história está a razão fazendo história e constituindo-a. É que quando não se traz para a história universal o pensamento, o conhecimento da razão, então dever-se-ia, pelo menos, ter a crença real e insuperável de que a razão está na história e que o mundo da inteligência e da vontade consciente não está entregue ao acaso, porém deve-se mostrar à luz da ideia que se conhece. Na verdade, não tenho a pretensão antecipada de uma tal fé. O que disse previamente, e o que ainda direi, não é que se considere nossa ciência como presunção, mas como visão geral, conseqüência de futuras reflexões, resultado que é do meu conhecimento, porque já conheço a totalidade. Portanto o estudo da história universal resultou e deve resultar em que nela tudo aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha racional e necessária do espírito universal, espírito cuja natureza é sempre idêntica e que a explicita na existência universal. (HEGEL, 1995, p. 18) Sendo assim, a razão que é subjetiva busca um meio de se objetivar, ou seja, há uma transcendência que precisa se imanentizar para que a história seja elaborada racionalmente, ou seja, para que a razão a constitua. A teologia cristã apresenta Deus que se encarna na história para a salvação da humanidade sem deixar sua essência divina e, ao mesmo tempo, se torna homem. Hegel analisa a realidade a partir da mesma perspectiva, ou seja, o processo de encarnação do 69 espírito que é a universalidade da racionalidade que se particulariza e, se concretiza na história possuindo uma meta final que se encontra na materialização do Estado e esse com natureza ética por ser meta histórica da realização do espírito absoluto. Sob tais perspectivas, o sistema filosófico hegeliano possibilita pensar a realidade histórica com relação a fins advinda do espírito absoluto como condição para a eticidade e para a liberdade. Hegel, do mesmo modo, reconhece ao pensamento humano o poder de captar e definir a meta final da história, e este poder desdobra-se na monumental filosofia hegeliana da história. Mas o conteúdo e a forma da afirmação absoluta da meta absoluta da história recebem, no contexto especulativo do hegelianismo, uma significação que convém esclarecer. A história constitui, para Hegel, a manifestação objetiva acabada do espírito que é o absoluto. Ora, em seu ser não-natural ou não imediato, o espírito deve fazer-se o que é por meio de um agir que só pode estar presente como tal a si mesmo negando seu Outro, que ele deve, portanto, primeiro pressupor, essa relação negativa a si, pressuposta pela auto-afirmação do espírito, consiste assim, para este, em assumir-se em sua própria alienação natural, isto é, em sua dispersão espaço temporal geográfico-histórica, numa pluralidade de nações ou de povos. Cada vez mais presente a si mesmo como idêntico a si ou universal no seio dessa diferenciação em “espírito dos povos” particulares, o “espírito do mundo” conduz progressivamente essa diferenciação natural de si mesmo, sua realização como natureza ética efetuada no Estado, no sentido da reconciliação objetiva de sua identidade a si, ou universalidade substancialmente triunfante, e de sua diferenciação ou particularização em sujeitos cuja própria libertação faz valer tal triunfo. (BOURGEOIS, 2004, p. 163, 164) A relação entre sujeitos na coletividade propicia a superação da condição social e a individualidade possibilita o reconhecimento do sujeito que se projeta para a efetivação da realidade social. Neste sentido, o espírito de um povo se conforma a partir de particularidades que buscam a coletividade na realização absoluta da vontade coletiva. Ou seja, o Estado pensado por Hegel é a realização da vontade de um povo que possui na individualidade a vontade coletiva e essa também está presente nas ações particulares. O regime que reconcilia politicamente a substancia e a subjetividade, a cidade e o cidadão, na submissão dos indivíduos à autoridade concreta de um Estado forte, Estado que pode então liberar socialmente esses indivíduos para si mesmos, é, para Hegel, não a república abstrata que ele denuncia no Kantianismo, mas a monarquia constitucional dinamizada economicamente pelo desenvolvimento da sociedade civil. Porque o Estado forte (que faz triunfar sua identidade a si ou universalidade) e socialmente liberal (que faz realizar-se a diferença das particularidades) objetiva assim o absoluto enquanto autodiferenciação espiritual de si, manifestação de si, retorno a si, ele recebe, em seu meio ou elemento – o “espírito objetivo” ou o “direito” no sentido hegeliano do termo - 70 , um valor absoluto, o de uma meta final da história. (BOURGEOIS, 2004, p. 164) Sendo assim, a meta do fim da história em Hegel, está na imanentização do espírito pelo Estado, ou seja, supera a visão kantiana de fundamento apenas no uso prático da razão, mas, segundo Bourgeois (2004), “se revela no coroamento especulativo do pensamento de si, ao mesmo tempo teórico e prático, do absoluto”. Nesse sentido, a meta final da história é atingida a partir de realização do espírito na história, na dimensão política e social, sendo a realização do espírito apenas no Estado: Deve-se observar, porém, que a meta final da história só tem a absolutidade da realização histórico política do espírito, absolutidade de que este é capaz no elemento da objetividade ou exterioridade, isto é, num elemento que não permite, na diferença que o constitui, a reconciliação consigo, o retorno a si total do espírito: sabemos que o espírito só se realiza, certamente no Estado, mais além deste, no meio espiritual absoluto da arte, da religião e da filosofia. Portanto, o fim da história não é, em seu sentido, um bem absoluto: ele é ainda atravessado pela negatividade, e por uma negatividade insuperável em seu próprio nível. Assim, a sociedade civil, completamente realizada como pressuposição adequada do Estado politicamente consumado, só libera os indivíduos mantendo-os sob um destino insuperável. (BOURGEOIS, 2004, p. 164). A realização do espírito no Estado está relacionada ao fim da história, no sentido de realização constante da efetivação do espírito. Não representa, nesse sentido, uma definição de tempo escatológico, mas, um fim que está em constante superação, ou seja, ao mesmo tempo que chega é ultrapassado pelo movimento temporal. A história está por vir, ao mesmo tempo que passou e está acontecendo – o “vir-a-ser”, caso contrário seria esoterismo.21 Mas, se Hegel pensa realmente que o fim, como término, da história está ainda por vir, mesmo que a atualidade sociopolítica pareça combinar com o Estado hegeliano – combinar bem demais, aos olhos dos que denunciam neste o reflexo “quietista” da burocracia prussiana” -, não justifica isto que, no fundo, para ele, a meta final da história 1) ultrapassa em seu conteúdo a determinação racional do Estado característica da letra da filosofia históricopolítica hegeliana – só sendo assim, portanto, se consiste numa indeterminação que permite todos os desenvolvimentos – e 2) impede desse modo qualquer realização definitiva desse estado, abrindo assim a história a um progresso infinito? O fim (término) da história estaria então sempre por vir, ou, para dizer de outro modo, não haveria, nesse sentido, fim da história. 21 Aqui se expressa a fidelidade hegeliana ao argumento agostiniano de tempo. Os argumentos aqui expostos relados ao tempo em Santo Agostinho estão elencados no primeiro capítulo deste trabalho dissertativo. 71 Mas uma tese como esta só poderia ser dita hegeliana, seguramente, na medida em que negligenciássemos ou considerássemos como simplesmente esotérica a apresentação por Hegel do verdadeiro e do bem, do absoluto, como totalidade da determinação, o infinito verdadeiro estando nos antípodas do indefinido. O que, como se admitirá, seria pagar muito caro a vontade, louvável, de salvar o hegelianismo da contradição, privilegiando nele uma afirmação que exprime o lamento de não ver a história acabar com os conflitos, afirmação que estaria mais de acordo, por seu conteúdo objetivo, com o tema da onipresença da dialética no ser. Pois isto equivaleria a nada menos que absolutizar esse momento do negativo, o “negativamente-racional” que, embora onipresente, ainda assim é relativizado por sua subordinação concreta ao momento absoluto do absoluto, o momento “positivamente-racional” do retorno a si, da identidade a si triunfante da diferença completamente desenvolvida, da totalidade determinada do ser; em suma, equivaleria a suprimir, em seu próprio núcleo, o hegelianismo. (BOURGEOIS, 2004, p. 166, 167) Se analisar o pensamento de Hegel na perspectiva escatológica, o sentido de sua Filosofia da História ultrapassaria o realizar-se do movimento como parte integrante do tempo na realização do espírito. Dito de outra forma, a história está no tempo e no espaço, com isso, pertence à realidade que está em constante superação, ou seja, está sempre acontecendo como processo racional. O tempo não pode ser ultrapassado em sua presentidade - não existe a possibilidade de afirmar a história do amanhã, pois essa ainda não aconteceu, não existe, pois o tempo não permitiu que ela se fizesse, ou seja, o futuro não se apresenta como categoria temporal, a não ser como mera projeção da vontade de verdade afirmação humana – assim, o fim da história é o agora, “a história possui uma meta final e esta meta é realizada efetivamente, ou seja, de que a história é acabada na própria atualidade do discurso hegeliano” (BOURGEOIS, 2004, p. 167) Assim, o fim da história é, para Hegel, seu presente, no qual o espírito “chegou [sublinhamos] ao conhecimento do que ele é”, a se manifestar objetivamente em sua liberdade absoluta:” Com esse princípio formalmente absoluto da liberdade, chegamos ao estágio último da história, ao nosso mundo, aos nossos dias”. (BOURGEOIS, 2004, p. 169). Ou seja, para Hegel o fim da história é afirmação de que nesse momento alcançou-se o desenvolvimento possível da razão em seu movimento dialético em direção a liberdade, o que significa reconhecer dois problemas: 1) A condição de necessidade na filosofia da história hegeliana que em fundo último levaria todos os povos os desenvolvimento do espírito absoluto, materializando na eticidade e liberdade garantida pelo Estado; 2) Mas, de reconhecer que no reino da necessidade reside a contingência, que explica as diferenças entre povos e culturas 72 de efetividade do espírito absoluto. Sob tais pressupostos hegelianos pode-se compreender as diferenças de desenvolvimentos entre povos, países e regiões. Segundo Bourgeois (2004) Hegel observa o país do futuro como sendo os Estados Unidos. País se origina de imigrantes europeus com desejo de novidade, desenvolvendo a própria história a partir de mecanismos europeus. Nas palavras do autor: [...] em particular, a primeira (Estados Unidos) deve substituir a história européia da América por uma história propriamente americana, esta história americana não pode ser, quanto ao que lhe dará seu sentido essencial, senão uma história americana da Europa, isto é, ainda um desdobramento do espírito do mundo tal como se completou no continente europeu. O futuro dos estados Unidos é, de certo modo, se não o passado, pelo menos o presente da Europa: a organização de um Estado forte, único capaz de assegurar o liberalismo dinâmico da sociedade civil no momento em que, tendo todo espaço americano sido conquistado, esta será obrigada a refletir-se nela mesma e a substituir a abstração republicana por uma constituição verdadeiramente orgânica. (BOURGEOIS, 2004, p. 170). A conformação dos Estados norte americanos acontece a partir da conquista territorial, marcada pela descentralização possibilitando autonomia às regiões. Após a conquista territorial, a auto-reflexão possibilitou conformar a própria história, resultado de um contexto histórico maior e mais antigo, o europeu. Segundo o autor, isso possibilitará a constituição de um Estado racional. Outra situação a ser levada em consideração é o fato deste povo ter-se assumido como objeto de sua própria história, ou seja, assumiram sua condição e projetaram seu desenvolvimento. Isso é resultado também de sua religiosidade puritana que exerceu significativa importância. O Estado se afirma em Hegel como resultado da razão e do espírito de um povo. Isso para salvaguardar a liberdade como realização efetiva, no, e a partir da efetivação deste na realização da relação histórica dialética de superação, reconhecimento e progresso. Nas palavras do autor, “o Estado é o que existe, é a vida real e ética, pois ele é a unidade do querer universal, essencial, e do querer subjetivo – e isso é a moralidade objetiva”. (HEGEL 1995, p. 39). A consolidação do espírito de um povo passa pela concretização da historicidade deste, que, através da superação da sua condição histórica, ou seja, da sua historicidade, se concretiza – objetivando na história e como história – a potência em ser deste determinado grupo. Dito de outra forma se há a possibilidade 73 de superação, essa deve acontecer no contexto da própria história num processo histórico tornando real o espírito e, isso na história. Hegel observa nos franceses esta superação (aufheben). A Revolução Francesa é resultado de um processo histórico de superação da própria história de forma lenta e gradativa. Segundo Hippolite (1907- 1968): As grandes revoluções, as que saltam aos olhos de todos, disse-nos Hegel, devem ser precedidas de revoluções silenciosas “que não são visíveis a todos os olhos, que não são observáveis para os contemporâneos e que são tão difíceis de apresentar como de compreender”. É o desconhecimento de tais transformações internas, no corpo social na vida e nos costumes, que torna surpreendentes estas revoluções que em, aparência, explodem subitamente na cena do mundo. (HIPPOLITE, 1971, p. 25) Sendo assim, pensar o desenvolvimento é pensar o presente, ou seja, é buscar na história a conformação do presente que possui suas raízes no passado. O agora é precedido de um longo percurso histórico que possui em seu bojo a razão como precedente e determinante. E repita-se uma vez mais, razão que se toma por objeto no esforço de compreensão e superação de suas inconsistências como forma de reconhecimento de si e objetivação do espírito absoluto na história e, que se materializa nos indivíduos através de suas instituições na garantia do exercício da liberdade, da autonomia. 438 – [Die Vernunft ist] A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito, mostrou-o o movimento imediatamente anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão (HEGEL, 1807, p. 298). O movimento que pertence ao espírito e ocorre no contexto histórico, se apresenta numa relação de progresso histórico a partir da categoria da consciência, num processo contínuo de progresso e de desenvolvimento. Sob tais perspectivas, pode-se anunciar que as concepções de desenvolvimento presentes nos debates e agendas contemporâneas de países, povos e regiões apresentam-se, a partir do pensamento de Hegel, na noção de progresso e, que traz inerente a sua condição à noção de superação e reconhecimento. Estes conceitos se desenvolvem a partir de um contexto silencioso do seu processo interno de gestação racional e, portanto, 74 histórico e real. Ou seja, a trajetória processual da consciência na história acontece como realização histórica na efetivação do espírito: Na razão observadora, a pura unidade do Eu e do ser, do ser-para-si e do ser-em-si, é determinada como Em-si ou como ser, e a consciência da razão se encontra. Mas a verdade do observar é antes o suprassumir desse instinto que encontra imediatamente, desse ser-aí carente-de-consciência. [Na razão ativa], a categoria intuída, a coisa encontrada, entram na consciência como o ser-para-si do Eu, que agora se sabe como Si na essência objetiva. Contudo, a determinação da categoria como ser-para-si – o oposto ao ser-em-si – é também unilateral, e é um momento que suprassume a si mesmo. Por isso [na individualidade para si real], a categoria é determinada, para a consciência, tal como é na sua verdade universal: como essência em si e para si essente.(HEGEL, 2014, p. 298). Esse processo de saída do ser-em-si ao ser-para-si é dialético, pois propicia a formação de um outro ser que possui a mesma natureza ao retornar para o em-si. Esse processo sistemático pertence à razão que se projeta na conformação do outro ser consciente de si. Isso é, ao mesmo tempo universal que se particulariza, ou seja, faz do particular parte que integra o universal, pois o ser-em-si constitui o ser-para-si e retorna ao em-si. Tal processo é racional e pode acontecer apenas na história, sendo racional e histórico é real. Essa relação dialética pode ser posta em conformidade com a ação em relação ao desenvolvimento. Nessa perspectiva, se entende aqui por desenvolvimento a relação entre a razão que se manifesta na história em movimento dialético, lógico, temporal presente no espaço e, em constante progresso de fazer-se a partir do que já é, ou seja, num processo dialético de saída do em-si ao para-si e o retornar ao em-si criando novo ser que se projeta na determinação do vir-a-ser. 3.5 O DESENVOLVIMENTO: RACIONAL E HISTÓRICO A história é vista por Hegel de forma teleológica, ou seja, há uma finalidade e ao mesmo tempo um fim no processo de realização que se objetiva no tempo presente. Ela esta permeada de metas. Segundo Hegel: “a história universal, situa-se no campo espiritual. O mundo compreende a natureza física e a psíquica”. A natureza física intervém, igualmente, na 75 história universal, e desde o início vamos atentar para esses relacionamentos básicos de determinação da natureza. Porém o espírito e o percurso de seu desenvolvimento são o substancial. Não temos aqui que considerar a natureza como ela é em si, um sistema da razão, realizado num elemento especial e singular, mas somente em relação ao espírito. (HEGEL, 1995, p. 23) Para o filósofo, a história é o lócus da realização da razão e esta se estabelece a partir da universalidade que compreende a particularidade em si mesma. Assim, a história possui um fio condutor que permeia a realidade a partir do tempo em direção ao seu fim, ou seja, o agora, sendo que o passado conforma o presente. Ora, ninguém pode contestar que ele afirma que ela tem uma meta e, o que é mais, uma meta terminal, neste sentido: final-finita, isto é, primeiramente definida, determinada, meta para além da qual não se pode ir, num progresso ao infinito que faz de toda meta estabelecida o simples meio de uma meta ulterior; uma tal meta é, portanto, não relativamente meta, mas absolutamente meta, é uma meta ou um fim em si, para empregar uma expressão Kantiana. (BOURGEOIS, 2004, p. 163) Bourgeois apresenta, a partir da noção Kantiana, a relação de condução da história na relação com sua finalidade e finitude. Aqui se pode entender que em Hegel a relação entre o ser-em-si compreendido a partir do para-si, se estabelece na condição de transcendência, ou seja, de superação do próprio ser a partir dele mesmo, ou ainda, a negação de si possibilita a saída de si ao para-si que estabelece uma nova forma de ser. Essa conformação ontológica também pode ser percebida na relação da história consigo mesma, assim como da meta que a história possui rumo ao seu fim e sua finalidade, expressando a não possibilidade de “progresso ao infinito” apresentando os limites da própria história, assim como de sua meta que também possui limitações. No entanto, a história é resultado de um processo de imanentização do espírito que é razão que se realiza no tempo e no espaço, num processo de construção a partir do reconhecimento e da superação. 3.5.1 O desenvolvimento como objetivação da razão na história A relação processual do ser acontece no tempo e na história. A razão se objetiva no contexto histórico como processo dialético e como movimento em 76 direção da imanentização do espírito absoluto. Dito de outra forma, a superação do ser no processo dialético se dá a partir da própria história numa relação ascendente, processual de movimento contínuo, ou seja, de progresso, de desenvolvimento. A formação cultural de um povo entra nesse processo relacional, lógico, histórico, racional. Dialético, ascendente e necessariamente e contingentemente real. Ao observar o contexto cultural do povo alemão e compará-lo com os franceses e ingleses, Hegel salienta a falta do que ele chama de mestres, isto após fazer uma longa apreciação histórica de fatos históricos gregos, romanos e da forma com que se apresentava a literatura desses povos em personagens como Tucídides, Xenofonte, Cézar, Heródoto, entre outros e, afirma que “na Alemanha, raramente se encontram tais mestres: Frederico, o Grande (Histoire de mon temps) é aqui uma gloriosa exceção”. (Hegel, 1995, p. 13). Hegel toma esses personagens históricos e reclama sua ausência na Alemanhã, sobretudo a partir da conformação do espírito absoluto que demarca as civilizações que alcançaram o desenvolvimento de uma racionalidade afirmativa da liberdade e, esse “desenvolvimento civilizatório” tem suas origens em espíritos subjetivos que pela sua genialidade e ação conformam instituições, objetivam o espírito de um povo, confrontando e conformando o espírito absoluto que demarca povos e culturas que alçaram a condição civilizatória por excelência. Ao analisar a história, Hegel chama a atenção do povo alemão e se insere em tal contexto: Entre nós, alemães, a reflexão e a inteligência são muito diversificadas, e cada historiador construiu para si mesmo a sua própria metodologia. Os ingleses e os franceses, geralmente, sabem como se deve escrever a história, colocando-se em nível mais genérico e nacional; em nosso país, cada um inventa uma particularidade, e, em vez de escrever história, esforçamo-nos sempre em descobrir como a história deveria ser escrita. (HEGEL, 1995, p.13) Essa relação refletida da história dos alemães retratada por Hegel, e comparada aos franceses e ingleses, parece familiar no Brasil. No aspecto histórico e também na história da filosofia, senão no próprio desenvolvimento de um pensamento nacional. Ressentimo-nos da ausência de um pensamento (espírito) filosófico, sociológico e, mesmo histórico que demarque um pensamento genuinamente brasileiro. Ou seja, pensamos o Brasil, ou mesmo o desenvolvimento regional a partir de categorias conceituais advindas de outros contextos civilizatórios. 77 Isso não implica em afirmar uma crítica ao eurocentrismo, ou a conspirações teóricas conceituais norte americanas, mas de reconhecer que talvez não tenhamos nos tomado suficientemente como objeto e, conformado categorias conceituais que nos permitam um maior entendimento de nossas condições de possibilidade de desenvolvimento consistente de um espírito objetivo, que se concretize em sua absolutidade consistente de um espírito objetivo, que se materialize em sua absolutidade na consistência de nossa razão de Estado. Sob tais pressupostos, a condição da filosofia neste contexto de objetivação da história, não se constitui a partir do seu sentido etimológico, ou seja, observar a filosofia na forma de ciência, [...] “em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo” (HEGEL, 2002, p. 25). Aqui se percebe a partir da própria noção da filosofia como meta de efetivação do espírito como saber – racional – efetivo, a noção de superação e intrínseco a isso, a ideia de progresso e desenvolvimento como resultado do movimento dialético, que indivíduos, que um povo, que uma região ou comunidade necessitam colocar em curso como condição do desenvolvimento. Talvez essa seja a contribuição e provocação marcante de Hegel, entre outras, para a constituição de uma filosofia do desenvolvimento. [...] quando a história refletida consegue alcançar pontos de vista gerais, deve-se observar que, se os mesmos são realmente autênticos, eles não constituem apenas o fio condutor externo, um ordenamento externo, mas a alma interior que dirige os acontecimentos e às ações. Como Mercúrio é o guia das almas, a idéia, na verdade, é que conduz os povos e o mundo, e é o espírito, sua vontade mais racional e mais necessária, que dirigiu e dirige os acontecimentos mundiais. Nosso objetivo aqui é conhecê-lo nessa função [...] (HEGEL, 1995, p. 16) Sendo assim, o desenvolvimento é resultante da elevação da vontade de indivíduos e de um povo para a efetivação dessa na ação racional. Assim, como os franceses e ingleses, que pensaram e refletiram sua própria história, é importante refletir a atual conjuntura do planalto norte catarinense, sua trajetória política, econômica, cultural, seu ethos, como forma de pautar as ações no presente sob o crivo de uma razão em curso na busca e afirmação da liberdade de um povo, de uma comunidade. Tal movimento dialético de reconhecimento de uma consciência individual e coletiva de si requer a capacidade de reconhecer paradoxos, contradições e possibilidades ao longo da dinâmica civilizatória empreendida até o presente momento. 78 Também é necessário entender as condições históricas e antropológicas que conformaram a aglomeração populacional do Brasil, já que - na visão de Hegel não há a possibilidade de afirmar a existência do espírito de povo nesse país, ou seja, unificado, assim como na região onde esse Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional se encontra, devido à inconsistência teórica e conceitual, da não unidade de pensamento e ações, assim como está presente nesta realidade histórica, fatos e fenômenos que não permitiram a constituição de um povo nessa região22. O mundo moderno pode ser caracterizado pelos traços iluministas e permeado pelo cientificismo oriundo do século das luzes impregnado nos movimentos filosóficos deste período, em que a ciência e o progresso se apresentam como solução para todos os problemas. A técnica, que é a arte de fabricar instrumentos e, que na modernidade tem sua condição potencializada pelos avanços da ciência, absolutizada em seu fazer, em seu modus operandi de trazer ao mundo novos objetos e materiais desprovida da reflexão sobre os impactos humanos, sociais e ambientais de seu fazer, apresenta-se na sua condição meramente instrumental, possibilita a Revolução Industrial. Nesse momento histórico, a França atinge seu auge político com a monarquia constitucional e Napoleão Bonaparte lidera o processo de dominação e revolução na França. Enquanto isso, a Alemannha unificada ainda é um sonho, também no mundo das ideias hegelianas, que observa nos franceses o auge da razão que lidera o mundo europeu e aniquila àqueles que ainda não se constituem como civilização. Para Hegel, o princípio do desenvolvimento é racional e se constitui na história como resultado da busca de superação. Nas palavras do autor: De modo geral, há muito que as mudanças que ocorrem na história são caracterizadas igualmente como um progresso para o melhor, o mais perfeito. As transformações na natureza, apesar da diversidade infinita que oferecem, mostram apenas um ciclo que sempre se repete. Na natureza, “nada de novo sob o sol” é produzido, e o jogo polimórfico de suas estruturas acarreta certa monotonia. HEGEL, 1995, p. 53). Assim, Hegel se refere nos textos da “Filosofia da História”, que naturalmente as ações se repetem e se apresentam monótonas até certo ponto, pois 22 Este argumento é desenvolvido com maior profundidade na parte final desse trabalho. 79 tais estruturas são constituídas por ciclos que se aperfeiçoam e se superam, ao passo que o espiritual assume a condição de dar origem ao novo: Apenas nas transformações que acontecem no campo espiritual surge o novo. Esse fenômeno do espiritual mostra, de maneira geral, no caso do homem, uma determinação diferente da dos objetos naturais, nos quais sempre se manifesta um caráter único e estável, para o qual reverte toda a mudança, vale dizer, uma capacidade real de transformações, e para melhor – um impulso de perfectibilidade. (HEGEL, 1995, p. 53). Como já tratado nesse capítulo, o espírito se manifesta na história e a constitui racionalmente possibilitando impulsioná-la ao novo, isso através de oposições em direção à perfeição. As transformações apenas acontecem a partir e no espírito, isso condiz com a definição hegeliana de que, o espírito se encarna na história e, sendo assim, as transformações ocorridas na história tem origem no espírito. Isso faz com que esta dimensão – do espírito – seja central na filosofia da história do autor. Nos textos da “Filosofia da História” Hegel analisa o mundo oriental: China, Índia perpassando o Budismo, assim como analisa o império Persa. Para o filósofo, se inicia na Pérsia o princípio do livre espírito como oposição à naturalidade presente nos povos supracitados. O princípio da divisão da natureza está no império Persa; por isso, ele é mais elevado que aqueles mundos mergulhados na natureza. A necessidade do progresso assim se concretizou, o espírito abriu-se e precisa realizar-se. O chinês só tem valor quando morto; o hindu se suicida, mergulha em Brama, é um morto-vivo, em estado de completa inconsciência ou é uma manifestação de Deus, tornado presente pelo nascimento. Lá não existe nenhuma mudança, nenhum progresso, pois o progresso só é possível pelo reconhecimento da independência do espírito. Com a luz dos persas começa a intuição espiritual, e aqui o espírito despede-se da natureza. Por isso, só aqui percebemos que a objetividade permanece livre, ou seja, que os povos não são subjugados, mas entregues à riqueza, à sua constituição, à sua religião. Na verdade, esse é o aspecto no qual a Pérsia se mostra enfraquecida perante a Grécia. Vemos que nos Persas não puderam constituir um império com uma organização completa, que eles não estabeleceram o seu princípio nas terras conquistadas, e com isso não formaram um todo, só um agregado das mais diversas individualidades. Os persas não obtiveram nenhum reconhecimento da legitimidade de sua dominação sobre esses povos; eles não fizeram valer os seus direitos e leis; mesmo quando fizeram um ordenamento para si, não abrangeram o tamanho do seu império, mas viram apenas a si próprios. Já que, desse modo, a Pérsia não chegou a constituir politicamente um espírito, perante a Grécia ela já se mostrava fraca. Não foi a lassidão dos persas (apesar da Babilônia ter sido um fator de enfraquecimento) que os fez sucumbir, mas a imensidão, a desorganização de seu exército diante da organização grega, isto é, o princípio superior sobrepôs-se ao inferior. O princípio abstrato dos persas revelou suas deficiências como uma unidade 80 desorganizada e não-concreta de oposições disparatadas, nas quais a intuição da luz persa existia ao lado da vida de luxúria e voluptuosidade dos sírios; ao lado da diligência e da coragem dos fenícios – que desafiaram os perigos do oceano para seguir em seus negócios -; ao lado da abstração do pensamento puro da religião judaica e do ímpeto interior dos egípcios – um agregado de elementos aguardando a sua idealidade, que só puderam conseguir na livre individualidade. Os gregos devem ser considerados o povo onde esses elementos obtiveram a sua sublimação, de modo que o espírito se aprofundou em si mesmo, venceu as particularidades e com isso se libertou. (HEGEL, 1995, pg. 185) É na Grécia que é o berço da civilização ocidental, que o autor encontra a região do espírito: “só podemos encontrar a verdadeira ascensão e o real renascimento do espírito na Grécia” (HEGEL, 1995, p. 189). Essa reflexão hegeliana, permite analisar as circunstâncias atuais do Planalto Norte Catarinense. Enquanto não houver reconhecimento não haverá tomada de consciência e consequentemente o desenvolvimento, pois o povo em questão não conquistou suas terras, porém, são os derrotados. A Grécia apresenta-nos uma alegre visão do vigor juvenil da vida espiritual. É aqui que o espírito amadurece e torna-se o conteúdo de sua vontade e do seu saber, de tal forma que o Estado, a família, o direito e a religião são todos fins da individualidade – que só existe por meio daqueles fins. O homem, ao contrário, vive na busca de um fim objetivo, que persegue de forma conseqüente, mesmo que contra a sua individualidade. A mais nobre figura que paira na imaginação grega é Aquiles, o filho do poeta, o jovem homérico da Guerra de Tróia. Homero é o elemento no qual vive o mundo grego, como é a atmosfera para o homem. A vida grega é a verdadeira realização jovem. Aquiles, o jovem ideal poético, iniciou essa vida, e Alexandre, o Grande, o ideal jovem da realidade, a concluiu. Ambos aparecem na luta contra a Ásia. Aquiles como o principal personagem da investida nacional dos gregos contra Tróia, não está à frente dela, mas subordinado ao chefe dos chefes; ele não pode ser feito líder sem se tornar uma concepção fantástica irrealizável. Já o segundo, o jovem Alexandre, a individualidade meias livre e mais bela que a realidade já produziu, surge no auge da juventude, em si plena, e realiza a vingança contra a Ásia. (HEGEL, 1995, p. 189) O período de formação da própria individualidade remonta a observação e apreciação de outras culturas. Ou seja, o contado exterior possibilita ao povo observar a si próprio ao passo que assume de outros povos características que posteriormente poderão se tornar centrais na constituição da consciência de si. Figuras que permeiam o imaginário e o ideal da juventude grega como; Homero, Aquiles e Alexandre, o grande, apresentado pelo autor como o jovem ideal, ou ainda, personagens que os jovens deveriam ter como ideais para formação de sua individualidade (espírito subjetivo) são centrais na constituição do imaginário juvenis, 81 pois é na juventude que o espírito amadurece, constituindo-se como condição de possibilidade de conformação do espírito absoluto que distingue povos, comunidades e regiões. Outra influência que permite a superação da monotonia, segundo Hegel, é a geografia da região onde a Grécia se encontra. Segundo o autor, a Grécia está geograficamente localizada em uma série de ilhas, tendo apenas o canal do Peloponeso, sendo que o território “é todo retalhado e ao mesmo tempo interligado pelo mar” (HEGEL, 1995, p. 191). Isto, de certa forma, obrigou os gregos a irem em busca de novas terras, pois não possuem em seu território grandes rios e planícies que poderiam acomodá-los em seu ambiente e, poderiam custear-lhes a subsistência, comparando com o Oriente que possuem em seu território os rios Ganges e o Indo. Estes garantem a produção e a manutenção da vida dos povos ao seu redor. Nos períodos de vazão, o rio permite a produção de alimentos suficientes para a manutenção da vida das populações ao seu entorno, enquanto que na Grécia o território é cercado de montanhas e pequenas Planícies. Isto não possibilita aos Gregos a subsistência obrigando-os ir além de seu território para o alcance das condições materiais necessárias a garantia de sua existência civilizatória. Esta busca por superar as limitações produtivas permitiu ao povo grego mudança de ambiente, domínio de outros territórios e contato com outros povos, o que proporcionou novos conhecimentos que souberam aproveitar para conformação de seu espírito de forma individual, ou seja, nas palavras do autor: Este é o caráter elementar do espírito dos gregos que dá a entender a origem da cultura deles a partir de individualidades independentes; uma situação na qual cada um se mantém por conta própria, não estando unido desde o início por laços naturais, patriarcais; uma condição segundo a qual eles se associam por outro meio – pela lei e pelo costume, com a sanção do espírito, pois a nação grega é o resultado de um processo de crescimento. Na origem de sua unidade nacional está a própria divisão, o estranhamento interno, o elemento principal que deve ser considerado. A primeira fase da superação disso determina o primeiro período da cultura grega, e só por meio de tal estranhamento e de tal superação é que surgiu o belo e livre espírito grego. Precisamos ter consciência deste princípio. Seria um disparate imaginar que uma vida tão bela e realmente livre pudesse resultar do simples desenvolvimento de um povo dentro dos limites de seus relacionamentos de parentesco e de amizade. Mesmo a planta, que representa a imagem mais semelhante de um tal desenvolvimento calmo e homogêneo, só vive por meio da atividade antitética da luz, do ar e da água. A verdadeira oposição que o espírito pode ter é espiritual; é em sua heterogeneidade inerente que ele encontra a força para realizar-se como espírito. (HEGEL, 1995, p. 191). 82 Sendo assim, o desenvolvimento do espírito do povo grego é resultado de um processo histórico com diversas influências. Mas, é preciso reconhecer uma vez mais a genialidade dos gregos que alcançam a síntese destas influências e conformam um certo uso da razão que tem na liberdade sua condição primeira. Analisando na perspectiva hegeliana, o que se pode afirmar é que o desenvolvimento não surge do nada, mas resulta de um processo de constante superação. O pacifismo, o patriarcalismo, a acomodação não possibilitam suficientemente o crescimento, a superação, o progresso e o desenvolvimento. O desenvolvimento na perspectiva hegeliana apresentada até aqui, implica em aspectos antropológicos, culturais, políticos, geográficos e econômicos. Some-se a tudo isso a necessária condição de reconhecimento de si, como consciência que sai de si e no confronto com o outro é desafiado a situar-se no mundo com distinção civilizatória. Isso é possibilitado pela geografia da região ou até mesmo pela formação cultural coletiva e individual da população em questão. Nesse sentido, o povo grego resultou de um processo de conformação cultural coletiva e da individualidade que propiciou ambiente adequado para que se desenvolvessem na medida em que foram sendo obrigados pelos contextos em que estavam inseridos e de sua capacidade de síntese que lhes permitiram uma razão suficiente. Portanto, sob tais perspectivas, talvez se possa afirmar que o desenvolvimento é a realização da razão na história, assim como, reconhecimento da condição em que o meio se encontra para que haja superação desta, não de forma esotérica ou ao sabor dos ventos da sorte,ou ainda do acaso, mas de ordem racional, ou seja, objetivo e projetado a partir de análises do passado e executado no presente . O reconhecimento (1) se apresenta como a primeira condição para a superação (2). A análise histórica do passado deve ser parte integrante do processo de reconhecimento, mas ao mesmo tempo se apresenta como passo posterior para a elaboração de projetos (1 e 3) para a implementação (4) a curto e longo prazo. A realização destes projetos acontecerá num futuro que deve ser contemplado no projeto, ou seja, isso é a razão posta na realidade na busca por resultados. Nessa perspectiva, caso haja a necessidade de alterar o curso da história de um povo ou território para que esse se desenvolva,que assim se faça, pois apenas haverá desenvolvimento a partir de cultura para o desenvolvimento, da superação consciente e da própria consciência, como consciência-de-si que se abre à 83 transcendência da razão para que se objetive na história. Uma consciência que não tem consciência-de-si não se torna objeto de reflexão e, não se abre ao absoluto, um povo que não se reconhece como povo não se supera. Um povo que vive na espera do messias que irá trazer o desenvolvimento não cresce, assim como um povo que vive a espera dos ventos da sorte e não pela razão não terá seus pedidos atendidos, aliás, nem deve haver pedidos, pois isto implica em esperar que alguém os realize e na confiança de que outros irão realizá-lo e, isto não seria resultado do próprio esforço. Sob tais prerrogativas o desenvolvimento é resultado da busca efetiva de reconhecimento e superação na realização do espírito de um povo que persegue os rastros da razão na história e realiza a história de modo a projetar seu futuro consciente dos resultados a serem obtidos e das etapas a serem realizadas e superadas como condição para que o projeto seja efetivado. Desenvolvimento é lógico, então é racional, dialético, objetivo, real, de reconhecimento e superação, crescimento e progresso, atingível ao povo que possui condições para tal, que acontece na história tornando-se real a partir do movimento que é determinado pelo tempo que se realiza a partir do vir-a-ser do ser que se faz. 84 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância de Hegel para conformação do pensamento contemporâneo na sua originalidade, potencialidade e capacidade em sistematizar filosoficamente a realidade, possibilita pensar a contemporaneidade e, mais especificamente, a noção de desenvolvimento a partir de seus pressupostos filosóficos. A história assume condição central para entender as perspectivas filosóficas hegelianas. A filosofia possui uma história e está na história. Sendo assim, o presente é resultado da construção histórica proveniente do tempo e das ações racionais perpetradas no desenrolar deste tempo. Observar o presente de forma isolada é uma observação incompleta, (ir) racional e extemporânea. Mas, observar o presente como construção iniciada no passado é olhar a realidade de forma universal que contém o particular e, a particularidade contemporânea como resultado da universalidade histórica. O intuito dessa pesquisa dissertativa foi propor o debate histórico e ontológico em torno dos desafios de conceituação do desenvolvimento e, como pressuposto básico, parte da filosofia de Hegel. Considere-se aqui parte da construção da ideia de desenvolvimento no que condiz a fatores determinantes do processo e da conceituação do desenvolvimento. Porém, é importante salientar que permanece em aberto aspectos da dimensão política, econômica e social, mesmo que se considere que ao investigar os fundamentos ontológicos do desenvolvimento, as opções políticas se apresentam inerentes a essa condição intrínseca ao desenvolvimento de comunidades e regiões, dito que este processo pode acontecer não apenas de forma determinante como que natural em sua organicidade biológica, mas a partir da ação política dos atores sociais dessas determinadas comunidades e regiões. Essa pode ser considerada uma segunda etapa do trabalho deixada para outro momento de pesquisa e/ou pensadores contemporâneos que possuem interesse nas discussões que a partir daqui se desenrolarão. Sendo assim, a pesquisa aqui apresentada se empenhou em analisar os pressupostos históricos e ontológicos que estruturam a noção de desenvolvimento, ou ainda, entender como essa noção de desenvolvimento se integra nas discussões contemporâneas, e como pressuposto, a importância a partir da qual o filósofo 85 observa a história e dela constitui a sua filosofia. Hegel é um filósofo que se empenhou em analisar o seu tempo e influenciou a história posterior há seu tempo. Desafiar-se a compreender o desenvolvimento e, sobretudo, em sua dimensão regionalizada, é entender e constituir de forma sólida e eficaz o processo de afirmação e de conformação dessa que se apresenta com a pretensão de um novo campo científico na contemporaneidade. Para entender a viabilidade desta nova ciência e conformá-la como tal se torna importante o questionamento em torno das bases conceituais que a mesma pretende colocar em jogo em sua proposta científica. Ou seja, a conformação conceitual adequada poderá possibilitar a esse novo campo científico a verificabilidade de suas teorias e proposições científicas. Dito de outra forma, a partir dos pressupostos hegelianos a solidificação conceitual possibilita força de verdade e de absolutidade em torno das pretensões desse campo científico. O conceito é a apreensão da essência da coisa em si, ou ainda, a ideia do objeto como verdade absoluta no conceito. Até o presente trabalho dissertativo, esse pesquisador percebeu a falta de acuidade conceitual no que concerne ao objeto desenvolvimento. Percebeu-se necessária a construção e conformação clara e evidente do ser em si do desenvolvimento, ou seja, de uma análise ontológica e histórica na constituição da ideia de desenvolvimento. Historicamente, a razão se apresenta em Hegel como fio condutor e norteador das ações de povos e nações que obtiveram êxito no processo de se tornar autor da própria história e assumiram a condição civilizatória. Os gregos antigos na condição de criadores da razão tornaram-se referência no processo civilizatório por suas particularidades geográficas, culturais e singularidade presente no seu espírito de povo. O espírito como razão que observa a realidade e busca o reconhecimento e a superação da própria condição torna o indivíduo norteador e autor da própria história, a partir do momento em que se torna consciente de si mesmo. Talvez se possa afirmar, que nações e povos que se assumiram como tais, alcançaram determinada condição. Ou seja, a consciência da razão, que pode ser aqui analisada como consciência de ser da própria história e conseqüentemente da comunidade ou região, é resultado do espírito de povo, que se encarna na história e possibilita que essa chegue a seu fim – o momento em que a razão atingiu seu auge, o agora – em constante reconhecimento e superação. 86 Se reconhece que esse trabalho dissertativo não atinge a totalidade do ser em si do desenvolvimento, ou dito de outra forma, ainda é necessário desenvolver a dimensão política, para que talvez se possa atingir ontologicamente a conformação conceitual do desenvolvimento. Ou seja, esse trabalho ainda necessita de complemento teórico. A razão que conduz o processo de conformação histórica e teórica do desenvolvimento, talvez possa ter se encarnado nesse trabalho dissertativo e atingido seu auge como fim na história e pela história, mesmo reconhecendo os limites dessa afirmação. O espírito se imanentiza na história e a história é o terreno preparado para a ação da razão na constituição do presente com raízes no passado. A concretização do espírito como razão acontece de forma lógica e dialética buscando o reconhecimento e a superação que se materializa. Ou seja, a partir da materialização do espírito, ou da sua encarnação na história, o espírito se torna história e essa é conduzida pela ação norteadora da razão que permeia o espírito na condição de constituinte da história. A condição subjetiva do espírito atinge seu processo de objetividade a partir do momento de seu encontro com a história tornando-se história. O espírito é o resultado da conformação de um povo que possui individualidade constituída em conformidade com a coletividade. Sob tais pressupostos, o espírito se conforma na realidade histórica como realidade subjetiva que se objetiva, ou se encarna na história como razão que possibilita o reconhecimento e a superação. A razão é a responsável pelo fazer história e a história pode ser analisada racionalmente por ser construção real da ação do espírito de um povo. Nela está a razão que se apresenta num processo de superação da realidade a partir da objetivação da transcendência, da razão, do espírito. A meta final do processo de encarnação deste espírito na história é a sua materialização no Estado forte - na visão de Hegel, seria a monarquia constitucional – como ente objetivo da ação racional de natureza ética e garantidor da liberdade. Talvez esteja na visão de conformação do Estado o ponto de partida para a continuação dessa pesquisa na conformação da dimensão política do desenvolvimento que poderá ser denominada como a segunda etapa do desenvolvimento deste trabalho. Porém, esse apontamento não passa de mera sugestão sem aprofundamento teórico. 87 Esse processo de encarnação do espírito na história o torna real, pois para Hegel, apenas é real àquilo que pode ser analisado pela razão e esta se objetiva na história para ser real. Ou dito de outra forma, na perspectiva hegeliana apenas o real é racional e o racional pode ser tido como real. Sendo assim, o espírito que se constitui a partir da ação histórica e é construção advinda do ser em si de um povo, é subjetivo até o momento de sua encarnação na história, então se objetiva para conformar a realidade consciente desse povo. O desenvolvimento é a consolidação do espírito absoluto na história que se materializa nos indivíduos através de suas instituições como garantia de liberdade e realização. Isso se dá a partir da tomada de consciência pela consciência, a partir do momento que determinada região ou comunidade se assume como autor da própria existência e se torna autônoma realizando ações que propiciam o reconhecimento, a superação e o progresso. Nessa perspectiva, talvez seja possível anunciar que o Planalto Norte Catarinense apenas se constituirá como povo a partir do momento em que seu espírito de unidade for conformado como subjetividade e, esta se tornar consciente de sua própria existência para posterior encarnação histórica, para se realizar nas ações conscientes e racionais, na tomada de atitudes para a constituição de povo com desejo de novidade, de reconhecimento e superação da própria realidade. Hegel, analisando a conformação dos Estados Norte americanos, observa que esse seria o país do futuro, pois é originado de imigrantes europeus que conquistam seu território. Isso possibilitou a tomada de si como objeto de conformação da própria história. Relacionando esta análise hegeliana com a região do Planalto Norte Catarinense, convém salientar que sua história é conformada por populações remanescentes da guerra do contestado. A condição de derrotados do conflito não propicia liberdade de ação, no entanto, restringe sua ligação com a região e sua capacidade criativa, pois a ação do Estado, naquele momento histórico do conflito, foi de silenciar a população local e, isso permanece no inconsciente populacional como limitadora de ações criativas e da tomada de consciência na constituição do espírito de povo. Assim como o isolamento logístico com relação a outras regiões mais desenvolvidas do Estado catarinense, a falta de lideranças locais capazes de fomentar a conformação do ideal de desenvolvimento local, a geografia da região que se apresenta própria para a produção de subsistência, entre outras situações que poderiam ser elencadas. 88 Na perspectiva aqui desenvolvida a partir de Hegel, o desenvolvimento é algo intrínseco a natureza das sociedades contemporâneas. Ou seja, assim como toda a natureza nasce, cresce, reproduz e morre também a sociedade humana pode ser analisada da mesma forma. Ou ainda, se essa análise estiver suficientemente adequada, o desenvolvimento é uma ação racional, histórica e de sobreposição de um povo sobre o outro, ou, do mais forte que se impõe sobre outros num processo civilizatório de reconhecimento de si conformado pela constituição do espírito absoluto que se historifica em direção à liberdade e da autonomia. Essa relação de historificação e conformação do espírito absoluto não poderá acontecer entre as culturas minoritárias, as quais não alcançarão a condição civilizatória de concretização e realização/objetivação da sua subjetividade como povo em um Estado forte capaz de conquistar territórios e conformar-se como povo. As consequências dessa forma de pensar pode ser percebida na contemporaneidade a partir de determinadas ações e imposições dos Estados fortes economicamente sobre as sociedades menos abastadas e/ou culturas diversas minoritárias ou de cunho diferenciado da civilização ocidental. Porém, na condição de pensador, Hegel analisa a sociedade de seu tempo a partir das estruturas históricas do processo civilizatório. Não é o caso de condená-lo pelos resultados de sua filosofia, mas de observá-lo na potencialidade de seu pensamento que influencia ainda nos tempos hodiernos. As consequências do processo civilizatório são tentativas presenciadas, sobretudo do século XX a partir das guerras mundiais e de sistemas políticos totalitários, como o Nazismo e o Stalinismo com perspectivas universalizantes entre outros totalitarismos possíveis a serem analisados sob tais perspectivas. Sob tais pressupostos, convém analisar a partir do limiar que o processo de progresso atingiu. Ou seja, diante do colapso ecológico, da sobreposição econômica de determinadas nações em detrimento da maioria desassistida, entre outros fatores de risco para a vida, talvez a saída a partir da dialética hegeliana, da lógica e, portanto, da razão, seria a proposição de forma de desenvolvimento capaz de abarcar as potencialidades oferecidas pelo processo histórico na superação dessa visão do desenvolvimento predador. Portanto, finalizando tais considerações, se torna importante salientar a profundidade do pensamento de Hegel, suas consequências e sua importância para a contemporaneidade. O fim último desse processo de desenvolvimento pode ser 89 instrumentalizador da vida e tornar o desenvolvimento como finalidade em si mesmo, abandonando a vida como finalidade e tornando-o senhor da história de forma absoluta. Esses últimos parágrafos dessas considerações finais poderão ser aprofundados na segunda etapa proposta neste trabalho, como condição de superação da instrumentalidade do desenvolvimento e de sua finalidade para o humano e não do humano para o desenvolvimento. 90 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bosi; revisão de tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 4ª ed. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2000. AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J. São Paulo. Editora Nova Cultural Ltda, 2004. ARISTÓTELES. Poética, Organon, Política, Constituição de Atenas. São Paulo. Editora Nova Cultural Ltda, 2004. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: Os Atos do Espírito. 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