Nº 321 Junho / 2007 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS issn 1234-5678 análise de conjuntura Em Nota de Conjuntura, Rodrigo Celoto e Fernando Homem de Melo afirmam que o crescimento acabará forçando o setor público a melhorar a regulação de processos críticos ao setor privado. Rodrigo Rodrigues Celoto realiza um balanço do desempenho das finanças públicas nacionais, durante o primeiro quadrimestre do ano de 2007. Roberto Luis Troster, ante as alterações no cenário econômico internacional, problematiza a eficácia do gradualismo do Banco Central e analisa as possibilidades de mudança na condução da política macroeconômica brasileira. Hélio Nogueira da Cruz analisa a composição e a evolução da pauta comercial brasileira, apontando seus possíveis desdobramentos sobre estrutura produtiva nacional. temas de economia aplicada Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes diagnosticam o equilíbrio externo e as baixas taxas de inflação como condição necessária, porém insuficiente para o crescimento do produto e do emprego nacional. Thomas Palley, a partir das relações econômico-financeiras entre China e EUA, avalia os impactos políticos da divergência entre interesses nacionais, de um lado, e interesses das grandes corporações, de outro. Rafael Henrique Rodrigues Moreira, no primeiro artigo de uma seqüência de dois, discute a questão da autonomia e da regulação aplicadas às agências reguladoras. Daniela Corrêa e Gilberto Tadeu Lima finalizam a série de três artigos descrevendo as experiências de internacionalização da Marcopolo e do Grupo Gerdau que corroboraram as hipóteses teóricas discutidas anteriormente pelos autores. Cristina Reis e Fernanda Cardoso apresentam, neste primeiro artigo, a trajetória do desenvolvimento da Austrália, do Canadá e da Argentina (desde suas independências até a década de 30), enfatizando suas formas de inserção internacional, bem como seus quadros políticos e econômicos. Bruno de Paula Rocha inicia uma série de três artigos, analisando, para os Estados brasileiros, a inter-relação entre mercados financeiros e crescimento econômico. Nº 321 JUNHO DE 2007 ANÁLISE DE CONJUNTURA INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO nota de conjuntura .......................................................................................................... 3 Rodrigo Rodrigues Celoto, Fernando Homem de Melo issn 1234-5678 finanças públicas . ........................................................................................................... 5 Rodrigo Rodrigues Celoto política monetária ........................................................................................................... 7 CONSELHO CURADOR Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) André Franco Montoro Filho Andrea Sandro Calabi Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Maria Cristina Cacciamali Simão Davi Silber Roberto Luis Troster setor externo......................................................................................................................10 Hélio Nogueira da Cruz DIRETORIA DIRETOR PRESIDENTE Carlos Antonio Luque TEMAS DE ECONOMIA APLICADA 12 ............ crescimento e ambiente pró-investimento e oportunidades de trabalho DIRETOR DE PESQUISA Eduardo Haddad Antonio Lanzana, Luiz Martins Lopes 18 ...................................................................................... the profit vs country dilemma Thomas Palley 20 ........................................................ a construção de um novo modelo institucional para as agências reguladoras brasileiras DIRETOR DE CURSOS Marcos Eugênio da Silva PÓS-GRADUAÇÃO Dante Mendes Aldrighi Rafael Henrique Rodrigues Moreira 24 .................. o sucesso de empresas brasileiras na internacionalização produtiva: as experiências da Marcopolo e do Grupo Gerdau SECRETARIA EXECUTIVA Domingos Pimentel Bortoletto Daniela Corrêa, Gilberto Tadeu Lima 31 ....... determinantes da inflexão das trajetórias de desenvolvimento econômico: estudo dos casos de Austrália, Canadá e Argentina – parte I SUPERVISÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO Eny Elza Ceotto Cristina F. B. Reis, Fernanda G. Cardoso 37 ................... testando a causalidade entre sistema financeiro e desenvolvimento econômico em um painel para o Brasil EDITOR CHEFE Gilberto Tadeu Lima Bruno de Paula Rocha CONSELHO EDITORIAL Ivo Torres Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE ASSISTENTE Maria de Jesus Soares PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO Sandra Vilas Boas análise de conjuntura Rodrigo Celoto (*) Fernando Homem de Melo (**) nota de conjuntura: os problemas relativos ao crescimento econômico1 a explosão desse mercado, à medida que a taxa de juros desaba. Outra conseqüência do crescimento econômico é o aumento explosivo dos preços dos ativos. Este fenômeno geralmente reforça o crescimento ao diminuir o custo de capital para as empresas, facilitando muito a captação de recursos para investimento. Muitos analistas ainda criticam o fato de que o setor privado está liderando o processo de crescimento. Ora, essa é a grande vantagem desse novo ciclo de crescimento do Brasil. Nas décadas anteriores (lembremos dos anos setenta), a iniciativa do setor público foi fundamental e geralmente era o pontapé inicial do ciclo de crescimento. Com isso, muitas ineficiências foram geradas e, agora, pouco a pouco, vão aparecendo, principalmente com a apreciação cambial. Neste contexto, é bom que o setor privado lidere o processo de crescimento, pois o setor público não tem o mesmo dinamismo do setor privado. As mudanças espaciais a ocorrer na economia brasileira nos próximos 10-20 Neste contexto, tem-se o aumento dos preços dos imóveis. Isso decorre do aumento da demanda gerada pelo próprio crescimento, como também devido ao aumento da liquidez pela oferta de recursos de financiamento em um cenário otimista. No caso brasileiro, deve-se acrescentar que a inexistência anterior de um mercado de crédito imobiliário relevante implica Neste cenário de crescimento econômico, o câmbio tende a se valorizar, pois os ativos domésticos estão se valorizando, refletindo a boa expectativa de crescimento dos lucros. Ainda no caso brasileiro, essa valorização é acentuada pela enorme valorização dos preços dos bens exportáveis (veja-se os casos do agronegócio e de bioenergia), assim como pela confortável posição devido ao baixo endividamento externo e ao superávit em transações correntes. Isto mudou radicalmente nos últimos anos. junho de 2007 Começam a aparecer no Brasil problemas ausentes por mais de 25 anos. Eles são os problemas relacionados ao crescimento econômico. Isto é um bom sinal! O crescimento econômico geralmente é acompanhado por gargalos de infra-estrutura, que já podem ser vistos nos aeroportos, portos e sistemas de transporte. A oferta de infra-estrutura, por sua vez, geralmente vem a reboque do crescimento (demanda) e não o contrário. O desafio para um país é diminuir esse espaçamento temporal. O recente PNLT – Plano Nacional de Logística e Transportes –, anunciado pelo Ministério dos Transportes, pode ser interpretado como uma tentativa nessa direção. anos exigem que o citado PNLT leve isso em consideração. junho de 2007 O crescimento deverá escancarar vários gargalos institucionais no Brasil e forçará iniciativas do setor público a melhorar a regulação e a eficiência de processos críticos para o setor privado. A adequada regulação dos setores de infra-estrutura se tornará cada dia mais crítica, assim como o aumento da eficiência de processos do setor público relacionados à regulamentação ambiental, societária, tributária, civil, entre outros. Apesar de não evoluir na velocidade desejada, o crescimento aumenta essa velocidade de modernização do setor público. É muito mais fácil corrigir os problemas para se adaptar ao crescimento, do que corrigir os problemas com o objetivo de se alcançar o crescimento. 1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade dos autores, mas também expressam as opiniões apresentadas nas reuniões do Grupo de Conjuntura da FIPE. (*) Economista do Grupo de Conjuntura da FIPE. E-mail: [email protected]. (**) Coordenador do Grupo de Conjuntura da FIPE. E-mail: [email protected]. Rodrigo Rodrigues Celoto (*) finanças públicas – primeiro quadrimestre de 2007 1. Tesouro Nacional tabela 1 – resultado do Tesouro Nacional - R$ milhões A Receita total do Tesouro apresentou um crescimento de 13,4%, saltando de R$ 174.49 bilhões no primeiro quadrimestre de 2006 para R$ 197.87 bilhões no mesmo período deste ano. Somente as receitas do Tesouro foram de R$ 156.4 bilhões no primeiro quadrimestre do corrente ano contra R$ 138 bilhões no mesmo período do ano passado, representando um crescimento de 13,3%. As receitas de previdência cresceram 14,1%, saltando de R$ 36 bilhões para R$ 41 bilhões. As transferências, por seu turno, cresceram de R$ 29 bilhões no primeiro quadrimestre do ano passado para R$ 33.2 bilhões no mesmo período deste ano, um crescimento de 14,1%. O crescimento da receita Despesas da Previd. Social Despesas do Banco Central Result. Primário Governo Central Tesouro Nacional Previdência Social Banco Central líquida foi de 13,3%. O Resultado Primário do Governo Central ficou em R$ 14.5 bilhões, sendo R$ 48.1 bilhões o superávit do Tesouro Nacional, R$ 14 bilhões o déficit da previdência social e R$ 195 milhões o déficit do Banco Central. O resultado primário do governo central foi de 4,34% do PIB, um aumento em relação ao resultado de 4,11% do PIB no mesmo período de 2006. 2006 2007 % 07/06 Receita Total Receitas do Tesouro Receita da Previdência Receita do Banco Central 174.492 197.879 138.022 156.395 35.997 41.070 473 414 13,4% 13,3% 14,1% -12,5% Transferências Receita Líquida Despesa Total Despesas do Tesouro Pessoal e encargos Custeio e Capital Transfer. ao Banco Central 29.130 33.246 145.363 164.633 115.780 130.754 66.797 75.028 33.279 37.216 33.330 37.650 188 161 48.504 55.118 480 609 14,1% 13,3% 12,9% 12,3% 11,8% 13,0% -14,2% 13,6% 26,9% Resultado Primário Governo/PIB 29.582 33.879 14,5% 14,3% 42.096 48.122 (12.507) (14.048) 12,3% (7) (195) 2810,4% 4,11% 4,34% 5,6% Fonte: STN 2. Necessidade de Financiamento do Setor Público – Primeiro Trimestre de 2007 junho de 2007 A despesa total cresceu 12,9% no primeiro quadrimestre contra igual período do ano passado, saltando de R$ 115.8 bilhões para R$ 130.7 bilhões. As despesas com Pessoal e Encargos sociais foram de R$ 37.2 bilhões no período, as com benefícios previdenciários foram de R$ 55.1 bilhões e com custeio e capital foram de R$ 37.6 bilhões. Os três itens de despesa acima apresentaram, respectivamente, uma elevação de 11,8%, 13,6% e 13%. Jan-Abr O superávit primário dos primeiros três meses do ano foi de R$ 27.3 bilhões (4,68% do PIB) contra R$ 21 bilhões (3,89% do PIB) no mesmo período do ano passado. O governo central aumentou seu superávit de R$ 12.2 bilhões (2,26% do PIB) para R$ 18.4 bilhões (3,15% do PIB). As estatais saíram de um superávit primário de R$ 2,9 bilhões (0,53% do PIB) para um déficit de R$ 0.7 bilhões (0,12% do PIB). Os juros nominais nos primeiros três meses do ano totalizaram R$ 38.8 bilhões (6,67% do PIB) contra R$ 44.2 bilhões (8,2% do PIB) no mesmo período de 2006. Os gastos com juros do governo central caíram de 6,9% do PIB no primeiro trimestre do ano passado para 5,28% do PIB no mesmo período do ano em curso. As estatais aumentaram seus gastos com juros de 0,09% do PIB para 0,11% do PIB e os governos regionais aumentaram seus gastos com juros de 1,38% do PIB para 1,49% do PIB. O déficit nominal decorrente foi de R$ 11.5 bilhões (1,99% do PIB) contra um déficit de R$ 23.2 bilhões (4,30 % do PIB) no mesmo período do ano anterior. O governo central fechou esses três primeiros meses do ano com um déficit nominal de 2,13% do PIB, os governos regionais com um superávit de R$ 0,16% do PIB e as empresas estatais com um déficit de 0,1% do PIB. Necessidades de financiamento do setor público R$ milhões Correntes junho de 2007 Discriminação Nominal Governo central Governo federal1/ Bacen Governos regionais Governos estaduais Governos municipais Empresas estatais Empresas estatais federais Empresas estatais estaduais Empresas estatais municipais Juros nominais Governo central Governo federal1/ Bacen Governos regionais Governos estaduais Governos municipais Empresas estatais Empresas estatais federais Empresas estatais estaduais Empresas estatais municipais Primário Governo central Governo federal Bacen INSS Governos regionais Governos estaduais Governos municipais Empresas estatais Empresas estatais federais Empresas estatais estaduais Empresas estatais municipais 2006 Jan-Mar Ano 2007 Jan-Mar 23 194 25 042 21 149 3 893 1 513 1 089 423 -3 361 -2 547 - 874 60 44 175 37 238 33 336 3 903 7 419 6 132 1 286 - 482 - 841 310 50 -20 981 -12 196 -22 084 -9 9 897 -5 906 -5 043 - 863 -2 878 -1 706 -1 183 11 11 577 12 416 10 206 2 210 - 908 - 346 - 562 70 1 037 - 969 1 38 851 30 794 28 694 2 100 8 673 7 691 982 - 616 -1 115 445 54 -27 274 -18 378 -29 671 110 11 183 -9 581 -8 037 -1 544 686 2 152 -1 414 - 52 69 883 74 475 65 760 8 716 16 606 13 740 2 867 -21 199 -17 954 -3 419 174 160 027 125 827 117 283 8 544 36 322 30 110 6 212 -2 121 -4 410 2 060 229 -90 144 -51 352 -93 589 172 42 065 -19 715 -16 370 -3 345 -19 077 -13 544 -5 479 - 55 % PIB 2006 Jan-Mar 4,30 4,64 3,92 0,72 0,28 0,20 0,08 -0,62 -0,47 -0,16 0,01 8,19 6,90 6,18 0,72 1,38 1,14 0,24 -0,09 -0,16 0,06 0,01 -3,89 -2,26 -4,09 0,00 1,84 -1,10 -0,94 -0,16 -0,53 -0,32 -0,22 0,00 Ano 2007 Jan-Mar 3,01 3,21 2,83 0,38 0,71 0,59 0,12 -0,91 -0,77 -0,15 0,01 6,89 5,42 5,05 0,37 1,56 1,30 0,27 -0,09 -0,19 0,09 0,01 -3,88 -2,21 -4,03 0,01 1,81 -0,85 -0,70 -0,14 -0,82 -0,58 -0,24 0,00 1,99 2,13 1,75 0,38 -0,16 -0,06 -0,10 0,01 0,18 -0,17 0,00 6,67 5,28 4,92 0,36 1,49 1,32 0,17 -0,11 -0,19 0,08 0,01 -4,68 -3,15 -5,09 0,02 1,92 -1,64 -1,38 -0,26 0,12 0,37 -0,24 -0,01 Fonte: BCB 1/ Inclui o INSS. * Dados preliminares. (+) déficit (-) superávit. (*) Economista do Grupo de Conjuntura da FIPE. E-mail: [email protected] Roberto Luis Troster (*) política monetária Não existe uma política econômica universal aplicável a qualquer contexto. Uma condução virtuosa, numa determinada situação, pode se tornar defeituosa depois de um tempo, em razão de transformações na realidade. Abundam exemplos de como a demora em ajustes, quando as condições se alteram, tornam contraproducentes políticas econômicas que antes eram virtuosas. O quadro após a crise cambial era de pressões inflacionárias, escassez de capitais, risco externo elevado, volatilidade e depreciação cambial. Uma situação em que a prescrição correta, para conduzir a política monetária, foi de um regime de metas de inflação, taxas de juros altas e gradualismo nas reduções dos juros. A atuação do Banco Central foi consistente com o diagnóstico, e apesar das dificuldades, conseguiu estabilizar os preços e coordenar as expectativas de inflação, criando as condições para a retomada do crescimento. O rigor na condução do atual regime monetário foi um avanço institucional importante, O ponto que este artigo quer ressaltar é que, nos últimos tempos, a realidade macroeconômica mudou rapidamente, e demanda dois ajustes: uma redução contundente de juros e uma fixação das metas mais ambiciosa. É tempo de avançar. A dinâmica de juros e preços é outra e os indicadores mostram que não há necessidade de taxas de juros tão elevadas. O processo de controlar os preços está numa outra fase. A inflação ficou abaixo da meta no ano passado, vai ficar abaixo neste e no próximo ano, o risco Brasil despencou, há um superávit em conta corrente e um afluxo abundante de capitais externos, a dívida pública está controlada, a volatilidade financeira está reduzida e os preços das exportações brasileiras estão em alta. No atual cenário, as estimativas para a taxa neutra de juros estão em centradas em 8,5% ao ano; com este valor, não haveria pressões que comprometessem o cumprimento da meta de inflação. A taxa de juros neutra caiu: o esforço para reduzir o patamar inflacionário está terminado, há uma maior abertura comercial que absorve aumentos de demanda com importações maiores, o grau de estabilidade é maior, o País está a alguns meses do Investment Grade e o nível de reservas é elevado. junho de 2007 A combinação de política monetária e cambial brasileira adotada em 1994, no início do Plano Real, ilustra o fato. Num primeiro momento, a valorização cambial e os juros altos serviram para estabilizar a moeda e acelerar o crescimento. Depois de um tempo, as condições da economia mudaram, demandando ajustes; entretanto, a insistência em manter a mesma orientação foi problemática e ocasionou a crise cambial de 1999, com danos irrecuperáveis para o crescimento e que custou ao País dezenas de bilhões de dólares, um desperdício. A falha na política adotada em 1994 não esteve em sua concepção e implantação, um sucesso reconhecido, mas na demora em se adaptar ao novo cenário. O que era um remédio havia se tornado um veneno. que substituiu uma história de confiscos, planos econômicos mirabolantes e mudanças de moeda e impôs credibilidade à autoridade monetária. O quadro macroeconômico se apresenta consistente com uma taxa de juros mais baixa: no cenário externo, há baixa volatilidade, liquidez abundante e sem pressões de preços; o Real continua seu processo de valorização, os índices de preços e seus núcleos estão consistentes com uma inflação abaixo da meta e as expectativas para este ano e os próximos também. junho de 2007 Entretanto, a taxa Selic está em 12%. Há uma diferença de 3,5% que provoca desequilíbrios indesejáveis, como uma pressão adicional na valorização do câmbio, com impactos negativos na competitividade da indústria, um ônus no custo do crédito, um aumento nas aplicações especulativas de investidores externos e um aumento da dívida pública brasileira; enfim, há uma dissipação de crescimento. São custos que se justificam em situações de incerteza inflacionária e riscos exacerbados; não é mais o caso. Mesmo considerando que a taxa básica está em seu valor mais baixo nas últimas décadas, continua sendo uma das mais altas do mundo e a realidade impõe uma redução rápida. O cenário externo positivo, a maior abertura comercial e financeira, a disciplina fiscal e a inexistência de riscos inflacionários tornaram contraproducente uma taxa de juros tão elevada como a atual. O gradualismo do Banco Central deixou de ser uma virtude e se transformou num defeito. Um choque de juros neste momento não apresenta riscos e traz benefícios palpáveis para a economia. O gradualismo foi um meio para estabilizar a moeda, e a estabilidade é apenas um meio para promover o crescimento e melhorar a distribuição de renda. A segunda demanda da realidade é a fixação da meta de inflação para 2009. No próximo dia 28 de junho, o Conselho Monetário Nacional fixará a meta de inflação para 2009 e ratificará a de 2008 em 4,5%. A decisão condicionará a política monetária no próximo biênio e pode também consolidar uma fase importante do Real. Enquanto uma meta ambiciosa demais limita o crescimento, uma frouxa demais alimenta as expectativas desnecessariamente. O regime de metas, combinado com o câmbio flexível e a disciplina fiscal, teve início há oito anos, substituindo o da “âncora cambial” no ápice da crise externa. Seu objetivo era fixar a diretriz para a atuação do Banco Central. Sua implantação foi complicada em razão dos choques de oferta – crise de energia, impactos do default argentino e dos escândalos contábeis etc. – e da estrutura de preços internos – indexação elevada e canais de transmissão de política monetária estreitos. Sua condução conseguiu combinar transparência com autonomia nas decisões e flexibilidade para absorver crises com rigor em perseguir objetivos. Os resultados são positivos e a independência operacional do Banco Central do Brasil foi obtida por mérito. Até o início deste governo não havia uma meta de longo prazo explícita. Entretanto, o presidente do Banco Central e o então ministro da Fazenda fixaram a meta de longo prazo em 4%, em 2003. Os resultados obtidos até agora mostram que é factível terminar a década com a inflação estabilizada nesse patamar. O momento é oportuno para fixar a meta de 2009 nesse valor, com ganhos de bem-estar. A diferença entre repetir os 4,5% de 2007 e 2008 e baixar para 4% é emblemática, pois afirma o compromisso com uma inflação mais baixa, com a eliminação dos fatores que a tornam latente, e em especial a indexação, bem como com o cumprimento da meta de inflação de longo prazo. Os custos de transição são mínimos e os ganhos expressivos. O quadro conjuntural é oportuno para reduzir a meta em 0,5%. A inflação está arrefecendo, a taxa de captação externa está no patamar histórico mais baixo, o Real está valorizado e a dinâmica da dívida pública está sob controle. A taxa de juros interna está em queda, e independente de a meta de 2009 estar em 4% ou 4,5%, em algum momento, em 2008, a taxa de juros básica nominais interna será de um dígito. Os custos de transição, considerando a credibilidade alcançada, são baixos e os benefícios consideráveis. Nos últimos anos, a aplicação do regime de metas de inflação no Brasil apresenta resultados notáveis; as expectativas apontam que a inflação ficará abaixo da meta este ano e no próximo. Houve uma melhora nos mecanismos de transmissão: o canal do crédito foi alargado, a parcela pós-fixada da dívida foi reduzida e o Copom ganhou credibilidade. A queda da inflação tem impactos positivos de bemestar: há uma diminuição nas taxas reais e nominais de juros, bem como na arrecadação do imposto inflacionário, a absorção de choques de oferta tem custos menores, há uma dispersão menor de preços, a volatilidade financeira é menor, a oferta de crédito é mais abundante, a possibilidade de surpresas inflacionárias diminui consideravelmente e, por fim, traz impactos positivos na desconcentração da renda. Perpetuar a meta de 4,5% sinaliza a manutenção do imposto inflacionário, de juros reais mais elevados, de salários reais menores e o abandono de cumprimento da meta de longo prazo de 4%. Há uma dissipação de crescimento. É paradoxal, mas o anúncio de uma meta mais frouxa, considerando o atual quadro conjuntural, significa menos crescimento e juros reais mais altos por mais tempo. índice de preços a ser utilizado, o tamanho da banda, a acomodação a choques, a independência do BC, a composição do Copom e os instrumentos de política monetária. Há uma outra agenda complementar para baixar as taxas de juros dos tomadores de empréstimos e inclui, além da redução dos juros básicos, a eliminação dos depósitos compulsórios, a racionalização da tributação de operações financeiras, o fim dos subsídios cruzados, a diminuição dos custos de observância, a melhoria do quadro institucional e o aparelhamento do judiciário. É imperativo baixar os juros e mantê-los baixos definitivamente. As taxas elevadas concentram a renda e freiam o crescimento. É tempo de ousar. A moeda é depositária da confiança social por suas funções de reserva de valor, unidade de conta e meio de pagamento, e a taxa de juros é a relação entre o presente o futuro. É uma construção social que se ganha com dificuldade e se perde rapidamente. Baixar os juros exige perseverança. junho de 2007 O regime de metas de inflação foi um avanço institucional importante que substituiu uma história de confiscos, planos econômicos mirabolantes, mudanças de moeda etc. com metas críveis coordenando expectativas e minimizando os custos sociais de absorção de choques. Há espaço para avançar mais. As metas de inflação de países industrializados que adotaram o regime estão centradas num patamar inferior: cerca de 2%. Entretanto, é conveniente consolidar a taxa de 4% por alguns anos e depois avançar. A agenda do futuro da moeda inclui a diminuição da incerteza jurisdicional, o aprimoramento dos mecanismos de transmissão, o abandono do ano calendário gregoriano, a composição do crédito, a dinâmica fiscal, a ampliação do Conselho Monetário Nacional, o (*) Fipe. E-mail: [email protected] Hélio Nogueira da Cruz (*) junho de 2007 setor externo A economia mundial tem apresentado forte expansão, particularmente nos últimos anos. O desempenho das economias centrais, em particular dos Estados Unidos, e também dos países emergentes, com destaque para a China, tem sido muito favorável. O PIB mundial elevou-se de US$ 22 trilhões em 1990 para US$ 48 trilhões em 2006. Por outro lado, o comércio internacional tem apresentado expansão ainda mais US$ 42 bilhões no ano. As informações disponíveis para as três primeiras semanas de junho apontam superávit de US$ 1,72 bilhão, valor compatível com essas estimativas. elevada. As exportações mundiais elevaram-se de US$ 3,4 trilhões em 1990 para US$ 11,7 trilhões em 2006. Muitos países emergentes, incluindo a China e o Brasil, têm apresentado superávits comerciais bastante elevados, que têm permitido expressiva acumulação de reservas cambiais. interligados. O Brasil tem aproveitado o crescimento do intercâmbio comercial e financeiro internacional. Desde o início dos 1990 o Brasil vem promovendo a liberalização comercial e reduzido as barreiras à mobilidade do capital financeiro internacional. Entretanto, a taxa de crescimento da economia doméstica tem sido inferior ao crescimento do PIB mundial e substancialmente inferior à dos países emergentes e do BRIC. Desde 2001 tem crescido o superávit da Balança Comercial, que apresentou os valores de US$ 2,6 bilhões naquele ano. Em 2005 e 2006 este superávit superou US$ 44 bilhões. Com forte valorização do real, as importações têm aumentado mais que as exportações. No acumulado deste ano, as exportações têm crescido 20% e as importações 25,4%. Nos últimos 12 meses, o superávit comercial totalizou US$ 47,86 bilhões, superior ao saldo de US$ 46,07 bilhões verificado em igual período em 2006. As exportações alcançaram US$ 148,31 bilhões e as importações foram de US$ 100,31 bilhões nos últimos doze meses. As previsões dos especialistas apontam para superávit comercial superior a 10 A evolução do PIB brasileiro tem sido marcada por significativa alteração na estrutura da produção e do intercâmbio internacional, fenômenos bastante A pauta de exportações do País tem-se alterado a favor dos produtos básicos, que incluem os produtos metalúrgicos, papel e celulose, petróleo etc., que têm se beneficiado da crescente demanda internacional. Os baixos custos associados aos recursos naturais e ao bom domínio tecnológico têm oferecido condições favoráveis importantes em numerosos setores, como os minerais e o agronegócio. Possivelmente, os novos investimentos internacionais nas áreas de siderurgia, papel, etanol etc. deverão se dirigir, em boa parte, ao Brasil, desde que as restrições de infra-estrutura não representem gargalos demasiado estreitos. Ou seja, a tendência é de ampliação da produção desses itens, que deverão conquistar maior participação na produção local e na pauta de exportações. A valorização do real tem sido compensada, no caso dos produtos básicos, pelos preços elevados no mercado internacional. As exportações de produtos industriais mais sofisticados, de alta e média tecnologias, têm apresentado redução de participação na pauta de exportações. O crescimento das importações, estimulado pela valorização do real, também tem promovido alterações na composição da produção industrial do Brasil. O crescimento das importações brasileiras de máquinas e de outros bens de capital, assim como componentes intermediários, tem tornado o aparato produtivo local mais semelhante aos padrões internacionais. As im- portações de bens finais, particularmente nos setores intensivos em mão-de-obra, como os têxteis e calçados, têm exercido forte pressão competitiva entre os produtores locais, tanto nos mercados internacionais como no mercado doméstico. Desta forma, a indústria de transformação brasileira tem apresentado modificações na sua participação dentro do PIB e na sua composição interna. A evolução da produção industrial tem sido restrita, apresentando taxas de crescimento inferiores à do PIB, o que implicou participação de apenas 18,4% do PIB em 2007, porcentual abaixo dos 20% apresentado no passado recente. No período entre o segundo trimestre de 2004 e o primeiro trimestre deste ano a indústria de transformação cresceu 7,5%, ao passo que o PIB evoluiu 11,7%. O desafio para o País, que nunca apresentou um período tão longo de relativa folga de divisas decorrentes, sobretudo dos superávits comerciais, é estabelecer políticas que sejam compatíveis com o novo quadro das contas externas e suas possíveis alterações num prazo mais longo. Certamente, por algum tempo ainda, principalmente enquanto o crescimento da economia mundial for vigoroso, a pressão sobre os produtos intensivos em recursos naturais será elevada, o que deve manter os preços internacionais favoráveis destes bens que o Brasil oferece em boas condições de competitividade. Mas este cenário pode se alterar mais adiante. A reversão do ciclo internacional pode deprimir a A expansão da demanda doméstica poderá se constituir em significativo estímulo para a produção local. A recuperação dos investimentos, após longo período de reduzida expansão da capacidade instalada, deverá ser feita visando ao adensamento das cadeias produtivas e à ampliação e modernização do parque produtivo instalado. Em numerosos setores, como o automobilístico, opera-se próximo da plena utilização da capacidade instalada, exigindo investimentos para a ampliação do parque produtivo. O direcionamento dos novos investimentos determinará, em larga medida, o futuro do setor industrial, tanto em termos de sua magnitude como de sua composição. O horizonte mais favorável à recuperação dos investimentos produtivos que se verifica nos últimos meses decorre, sobretudo, da melhoria dos fundamentos macroeconômicos. O nível elevado das reservas cambiais, a redução da taxa de juros e o controle da inflação têm contribuído para o cenário positivo. O Plano de Aceleração do Crescimento – PAC tem-se revelado tímido e insuficiente diante das necessidades do País. É necessário, sobretudo, estabelecer qual a estrutura produtiva que o País entende como a mais adequada para o longo prazo e passar a construí-la. junho de 2007 Observa-se, num prazo mais longo, que a composição do setor industrial alterou-se significativamente. Cresceu a participação do setor básico em 9% nos últimos 10 anos, e se reduziu a contribuição das atividades de maior conteúdo tecnológico, que se retraíram 16% nos últimos 10 anos, onde se concentra boa parte dos empregos melhor remunerados. Estes setores incluem os produtores de bens como máquinas e equipamentos, informática, produtos químicos e material eletrônico. demanda destes produtos de exportação, tornandose necessária a produção local de inúmeros produtos que vinham sendo importados. A cautela recomenda que se garanta uma base de produção local, particularmente de setores manufaturados, que apresentaram padrões de competitividade satisfatórios. A atenção com a produção local de produtos de maior intensidade tecnológica também deve ser prioritária, consolidando avanços significativos ocorridos no passado, como acontece na indústria aeronáutica e segmentos do setor de bens de capital. É bom ter sempre presente que o crescimento da economia brasileira permanece abaixo da evolução da economia mundial, o que mostra os limites da trajetória atual. (*) Professor da FEA-USP. E-mail: [email protected] Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 17/06 e 19/06/07. 11 temas de economia aplicada Antonio Lanzana (*) Luiz Martins Lopes (*) junho de 2007 crescimento e ambiente pró-investimento e oportunidades de trabalho A política econômica que vem sendo adotada pelo Brasil desde 1999 (câmbio flutuante, metas de inflação e geração de superávits primários no setor público) trouxe resultados muito favoráveis em termos do controle da inflação e da situação externa. A inflação atual (3,1% em 2006) coloca o País entre os emergentes mais bem posicionados no mundo e as reservas internacionais (US$ 130 bilhões atualmente) são as maiores de nossa história. Essa situação se reflete nos índices de desemprego, os quais se encontram em níveis mais elevados do que os observados no período anterior ao Plano Real, como se pode observar por meio dos dados do DIEESE, relativos ao desemprego na Grande São Paulo. gráfico 1– desemprego na Grande São Paulo 30 20 12 10 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 0 1986 O mesmo sucesso, porém, está longe de ser encontrado quando se analisa a evolução do nível de atividade. O fraco desempenho do PIB no período 1999/2006 (2,7% a.a.) traz, de imediato, três grandes preocupações. Em primeiro lugar, nota-se que a economia mundial cresceu 4,3% a.a. nesse período, o que significa dizer, num cenário global, que estamos ficando relativamente mais pobres, e nos distanciando dos emergentes, que crescem à razão de 7% ao ano. Em segundo lugar, dado que a população brasileira aumentou nesse período entre 1,3% e 1,4% a.a., nosso crescimento de riqueza per capita alcançou inexpressíveis 1,3% ao ano. E, por fim, levando-se em conta que a população economicamente ativa (e que realmente precisa de emprego) cresce 2,0% a.a., e ainda que a elasticidade emprego/produto encontra-se entre 0,4 e 0,5, fica claro que o País não vem conseguindo gerar os empregos necessários para evitar o agravamento do quadro social. Fonte: DIEESE/SEBRAE. Além da questão quantitativa, há que se destacar também a questão qualitativa do mercado de trabalho. O País não somente não gera volume suficiente, como também não cria empregos de qualidade. O que se tem observado é um crescimento de emprego no setor serviços, mas muito mais com característica de “inchamento” (camelôs, empregos informais, “flanelinhas” etc...) do que propriamente empregos de qualidade como, por exemplo, nas áreas de turismo, educação, serviços médicos, e assim por diante. Mesmo a ele- vação recente dos empregos com carteira assinada, mostrada pelos dados do CAGED, é caracterizada pela expansão dos empregos de menor remuneração e redução de empregos com maior remuneração. As causas do baixo dinamismo da economia brasileira e os conseqüentes impactos sobre o mercado de trabalho podem ser encontrados na própria equação do modelo geral de crescimento do País, que é dado por: ∆Υ I Υ = • Υ Υ Κ (1) em que: ∆Υ = taxa de crescimento potencial do País. Υ I = taxa de investimento. Υ Y = relação produto-capital (produtividade da ecoK nomia). Porém, ao mesmo tempo que se analisa a forma como o setor público equilibrou suas contas, identifica-se um dos principais fatores limitantes de um crescimento mais acelerado do produto potencial. A explosão das despesas correntes do governo fez com que o ajuste se concentrasse, de um lado, no aumento da carga tributária (saiu de 25% do PIB nos anos oitenta para 35% atualmente) e, de outro, na redução dos investimentos públicos. Mesmo considerando que a dinâmica do crescimento é dada pelo setor privado, essa forma de ajuste contribui para “derrubar” a taxa de investimento no País. Isto pode ser observado desagregando-se a equação (1), entre setor privado (p) e público (g). Assim ter-se-ia: ∆Υ Ig Ip Υg Κg Υp Κp = + • • + • Υ Y Υ Κg Κ Κp Κ (2) em que: I = é a taxa de investimento (em g e p). Υ Υ = relação produto-capital (em g e p). K Κg = participação do setor público no estoque de Κ capital (p do setor privado). Os efeitos da forma de ajuste fiscal podem ser encontrados em vários componentes dessa equação: Além da ampliação dos investimentos e elevação da produtividade, é importante identificar medidas que, no contexto de maior crescimento, maximizem as oportunidades de trabalho, o que não é sinônimo de ampliação de empregos com carteira assinada. Com este objetivo, pode-se identificar três áreas de ação: a questão do regime fiscal, o ambiente regulatório e a simplificação da vida empresarial no País. a) De forma direta, percebe-se que a redução do investimento público (Ig) contribui para a queda do investimento total, a menos que houvesse uma compensação do investimento privado (Ip), o que efetivamente não está ocorrendo. No que se refere ao primeiro aspecto, a geração de superávits primários expressivos desde 1999 e a conseqüente redução dos déficits operacional e nominal têm sido importantes para diminuir as incertezas sobre o País, levando inclusive ao declínio do risco, mesmo para cobrir a depreciação de Kg; a situação das rodovias é um bom exemplo neste sentido. junho de 2007 Analisando-se os componentes da equação, nota-se que a taxa de investimento do País é extremamente baixa (16% do PIB em 2006), e se mantida nessa condição, garante crescimento em torno de apenas 3% ao ano. De outro lado, embora seja reconhecida a natural dificuldade de se mensurar a evolução da produtividade, é possível identificar, de forma clara, medidas que podem ser adotadas para elevá-la. com reais perspectivas do Brasil se tornar “Investment Grade” já em 2008. b) O reduzido valor de Ig está contribuindo para diminuir a produtividade do capital no setor público Yg , na medida em que Ig parece insuficiente até Kg Yg c) A deterioração de reduz a produtividade do Kg Y capital total da economia . K 13 d) Além disso, impacta negativamente o investimento privado na medida em que Ip é complementar a Ig; as incertezas sobre a disponibilidade de infraestrutura (energia elétrica, transporte, portos etc...) afetam o nível de Ip. e) A reduzida taxa de Ig diminui a produtividade do Yp capital do setor privado de duas formas: a Kp ausência de infra-estrutura aumenta os custos do setor privado (condições das estradas, dos aeroportos, ...) e obriga muitas empresas a criarem sua própria infra-estrutura, saindo dos respectivos “core business”. f) De forma indireta, a elevação da carga tributária também contribui para o declínio na medida em que reduz a rentabilidade dos investimentos e junho de 2007 aumenta a informalidade. Esse quadro mostra a necessidade de se mudar o regime fiscal no Brasil, com a redução das despesas correntes do governo e conseqüente aumento da poupança pública. A desagregação das despesas correntes do governo ajuda a identificar as áreas onde se poderia concentrar tal redução. Isto pode ser feito a partir da equação de poupança do setor público: Sg = RT − Dc (3) em que: Sg = poupança do setor público. RT = receita tributária. Dc = despesas correntes. Ou, alternativamente: Sg = RT − [Da + Dp + Dj + Di + Dpe + Do ] (4) em que: Da = despesas assistenciais. Dp = despesas com previdência. Dj = despesas com juros. Di = despesas correntes associadas aos investimentos (complementar). 14 Dpe = despesas com pessoal e encargos (exceto as despesas associadas a Di). Do = outras despesas. Para a contenção das despesas correntes não está se propondo redução na área assistencial (Da), mas o redirecionamento das mesmas no sentido de alcançar sua real finalidade. O objetivo não é suplementar educação e renda para as classes mais favorecidas e sim viabilizar o atendimento para aqueles que se encontram em nível de subsistência (o programa Bolsa-Família atende essa condição). Como destaca Stiglitz,1 há um papel para o governo na redução da desigualdade, que é, por exemplo, o de propiciar educação e renda para os trabalhadores mais pobres. Esses gastos, além de distributivos, têm impacto positivo no crescimento, pela melhora do poder de compra e pelo efeito da educação. Esses objetivos são alcançados de forma mais eficiente do que defendem alguns analistas, por meio do efeito de “transbordamento”, em que a redução de tributos é concedida às classes de renda mais elevadas com o objetivo de atingir, num segundo momento, as classes menos favorecidas por meio do crescimento. Nas despesas da previdência (Dp), por sua vez, encontram-se várias distorções do gasto público. O nível atual de Dp (12% do PIB) é um dos mais elevados do mundo, distorção esta que se torna ainda mais grave quando se considera a estrutura etária do País, caracterizada pela presença de pequena porcentagem de idosos. As distorções são muitas: a) não há idade mínima para a aposentadoria (no caso do INSS), enquanto que na maior parte do mundo a idade é de 60 ou 65 anos; b) os aposentados são reajustados pelo salário mínimo, o que significa dizer que mesmo não trabalhando recebem ganhos de produtividade (o repasse simples da inflação seria razoável e justa); c) não faz sentido discriminar as condições de aposentadoria por sexo, principalmente levando-se em conta que as mulheres têm expectativa de vida mais longa que os homens; d) o excessivo dispêndio com aposentadoria faz com que o País gaste mais com idosos do que com as crianças carentes (de acordo com Néri, 2 de 1991 a 2005 o aumento da renda per capita dos brasileiros com mais de 60 anos foi quase seis vezes maior que o aumento da renda per capita das crianças brasileiras com menos de dez anos). demanda agregada, mas que não gera produto potencial. Ao contrário, limita a capacidade de expansão da economia, pela falta de infra-estrutura e conseqüente redução do patamar de investimento que, por sua vez, limita a capacidade de crescimento do produto potencial. As despesas com juros deverão continuar se reduzindo nos próximos anos, até mesmo pela conquista da estabilidade. Essa queda, porém, pode ser mais acelerada com corte de despesas correntes, que daria maior liberdade à política monetária. É importante destacar que a mudança do regime fiscal, apesar de imprescindível para uma retomada mais acelerada do crescimento, será um processo mais demorado. E, mesmo quando realizada, embora permitindo uma elevação da taxa de crescimento, não será suficiente para o crescimento dinâmico. Para superar, de forma mais rápida, o problema, é necessário atrair o setor privado para a área de infra-estrutura (queda de Ig compensada, ao menos parcialmente, pela elevação de Ip). Alguns analistas argumentam que parte da expansão das despesas correntes está associada ao próprio investimento público, dada a complexidade entre ambos (Di). Embora o argumento possa ser válido em algumas áreas do País, o reduzido nível de Ip não justificaria tal expansão em termos globais. Ao contrário, o que se observa é uma total mudança na composição das despesas públicas entre gastos correntes e de investimento. Na década de setenta, os gastos correntes apresentavam quatro vezes os investimentos, número este que saltou para 35 vezes nos dias atuais. Argumenta-se que a elevação do custeio do governo tem contribuído para aumentar o nível de emprego, dada a elevada relação emprego-produto no setor público. É importante destacar, porém, que o emprego deve ser criado a partir da geração de produção, o que garante a expansão contínua de novas oportunidades de trabalho. O que se observa atualmente é a criação de empregos pelo setor público, por aumentos excessivos do gasto de custeio do governo, que aumenta a junho de 2007 Na área de despesa com pessoal e encargos (Dpe), pelo menos duas medidas poderiam contribuir para sua redução. De um lado, eliminar os fatores de elevação autônoma da folha (anuênios, qüinqüênios, promoções automáticas etc...) que, na maior parte das esferas de governo, representam elevações superiores aos reajustes concedidos “oficialmente”. De outro, é preciso caminhar no sentido de proibir a criação de novos municípios e estados. Desde a promulgação da Constituição de 1988 foram criados mais de 500 municípios no País. A incapacidade financeira do setor público de realizar os investimentos em infra-estrutura obriga o governo a compartilhar dessa responsabilidade juntamente como setor privado. Ocorre, porém, que o setor privado somente pode ser atraído para atuar na área de infra-estrutura (onde o retorno privado é menor que o social) se houver clima favorável aos investimentos, o que passa por uma perspectiva de retorno e estabilidade das “regras do jogo”. Para isso, a questão regulatória assume um papel fundamental, e aí se encontra uma segunda grande limitação ao crescimento. As críticas do setor empresarial nessa área são inúmeras: a) ausência de regulamentação adequada em toda a área de infra-estrutura (energia elétrica, transportes, logística, saneamento etc...); b) dificuldade na obtenção de licenças ambientais; c) constantes mudanças nas regras existentes; d) instabilidade nas regras de funcionamento das agências reguladoras; e e) indefinição quanto ao papel da iniciativa privada e do poder público nos investimentos de infra-estrutura do País, como ocorreu recentemente com as concessões rodoviárias. Um terceiro aspecto a ser explorado refere-se à necessidade de facilitar a vida empresarial do País, tanto no que se refere à ampliação dos investimentos das empresas de grande porte como pela criação de empresas de menor porte. Afinal, a falta de oportu- 15 nidade de trabalho é também conseqüência da falta de empreendedores. junho de 2007 Em relação a esse aspecto, é importante destacar estudo recentemente divulgado pelo Banco Mundial sobre o ambiente de negócios nos países. No estudo (“Doing Business”), o Banco classifica a eficiência dos países medindo burocracia, custo e tempo para abrir e fechar um negócio, legislação trabalhista e carga tributária. Numa amostra de 155 países, o Brasil é o 119º colocado, ficando atrás de países como Nigéria, Albânia e Sri-Lanka e muito atrasado até mesmo em relação a outros países da América Latina [Chile (25º), Colômbia (66º), Peru (71º) e Argentina (77º)]. Merece destaque neste estudo a questão da legislação trabalhista, em que o Brasil registra uma das piores colocações. Isto porque a legislação trabalhista apresenta uma série de inconvenientes: a) trata igualmente todos os trabalhadores, independentemente das condições do mercado de trabalho e de bens, condições essas que são muito heterogêneas; b) contribui, até por conseqüência, para aumentar o grau de informalidade do emprego; c) reduz a competitividade do produto nacional; d) o excesso de regulamentações tira flexibilidade do mercado de trabalho, que seria fundamental para reduzir os custos das transformações impostas por mudanças constantes do mercado de bens, principalmente em virtude da globalização. É necessário adotar medidas que permitam superar essas limitações. Neste sentido, sugere-se: a) definir na Constituição apenas os direitos básicos dos trabalhadores (que contemplassem, por exemplo, a cláusula social da OIT), deixando os demais itens à livre negociação entre empresários e trabalhadores; b) alterar a base de contribuição previdenciária da folha de salários para o valor adicionado. A simplificação da legislação trabalhista e a mudança da base de incidência dos encargos sociais representariam importantes passos no sentido da dinamização do mercado de trabalho. Outras medidas com o mesmo objetivo podem ser encontradas na equação 16 da geração de empregos, separando o setor privado em grandes empresas (e) e empresas de pequeno porte (me). ∆Ν Νg ∆Υg Ne ∆Υe Nme ∆Yme (5) = • Eg • + • Ee • + • Eme • Ν N Υg N Υe N Yme em que: ∆Ν = taxa de crescimento do emprego total. Ν Νg = participação no emprego (“g” no setor público, N “e” nas grandes empresas e “me” nas empresas de pequeno porte). Eg = elasticidade emprego-produto (“g” no setor público, “e” nas grandes empresas e “me” nas empresas de pequeno porte). ∆Υg = taxa de crescimento do produto (“g” no setor Υg público, “e” nas grandes empresas, e “me” nas pequenas e médias empresas). Concentrando a análise na equação (5), pode-se verificar que a contribuição das empresas de pequeno e médio porte para o crescimento do emprego é dada por Nme ∆Υme , isto é, pelo produto da partici• Eme • N Υme pação do segmento no emprego, pela relação emprego-produto e pela taxa de crescimento desse mesmo segmento. A contribuição dessas empresas poderia ser mais significativa, uma vez que a tendência natural é de maior expansão do setor serviços, exatamente onde se encontram as empresas de menor porte. Além disso, é natural que a relação emprego-produto seja maior nesse segmento do que nas grandes empresas (isto é, Eme > Ee). Partindo dessa perspectiva, seria importante, para se alcançar um maior dinamismo na geração de empregos, a criação de um ambiente favorável à expansão dos pequenos negócios, o que efetivamente não tem sido observado. A adoção de uma política macroeconômica consistente é condição necessária, mas não suficiente, para a expansão dos negócios. É preciso criar um estado de espírito favorável à empresa e ao empresário, isto é, um ambiente que permita o desenvolvimento do espírito empresarial, por meio do investimento. As empresas de médio e pequeno porte têm desempenhado papel importante em outros países, mas têm encontrado dificuldades de ocupar um maior espaço no Brasil. Além das dificuldades de ordem financeira (juros elevados e ausência de fontes de financiamento) e tributária (carga excessiva, e freqüentes mudanças na regra do jogo, como vem ocorrendo freqüentemente com o aumento da tributação sobre as empresas de serviços), nota-se que o excesso de regulamentação tem sufocado o segmento. Diante dessas evidências, pode-se sugerir algumas medidas para reduzir a “burocracia” e liberar o espírito empreendedor no Brasil: a) autorização e concessão automática para pleitos ou solicitação de documentos com o setor público; b) simplificação das exigências sanitárias e de microambiente; c) cobrança de multas somente a partir da segunda visita do fiscal; d) desenvolvimento dos fundos de aval; e) estímulo ao autoemprego, com a possibilidade da pessoa física atuar na vida empresarial com registro na prefeitura, por prazo determinado; f) isenção de imposto de renda A análise desenvolvida ao longo deste texto mostra que a consistência da política macroeconômica (inflação baixa e equilíbrio externo) é uma condição necessária, mas não suficiente, para o crescimento em ritmo dinâmico. É também preciso, sem dúvida, um ambiente pró-investimento e oportunidades de trabalho (políticas microeconômicas e ambiente de negócios a favor da produção e da aceleração do crescimento). Embora o País apresente progressos importantes na área econômica ao longo dos últimos anos, ainda há um caminho importante a perseguir no sentido de acelerar o crescimento do produto potencial, e para taxas semelhantes às observadas nos demais países emergentes. E o País deve ter pressa. Afinal, por quanto tempo a economia mundial vai continuar propiciando clima tão favorável ao crescimento? E é preciso também ter pressa porque o PIB e os empregos perdidos jamais serão recuperados. 1 Stiglitz, J. E. Os exuberantes anos noventa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 2 Neri, Marcelo. Jornal “O Estado de São Paulo” de 28/05/2005, p. A-10. junho de 2007 Embora a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que estará em vigor em julho deste ano, represente um avanço, muitas dificuldades ainda permanecem. As dificuldades vão desde a abertura, passam pelo desenvolvimento e permanecem no fechamento. Na abertura, nota-se que as exigências são excessivas, não há respostas por parte do setor público para pleitos importantes para o desenvolvimento das atividades, as taxas são muito elevadas e existem muitas restrições para o enquadramento como pequena empresa. No desenvolvimento dos negócios, as empresas de pequeno e médio porte se defrontam com obrigações incompatíveis com seu tamanho, são tratadas pelos fiscais como se fossem empresas de grande porte e ainda se defrontam com fiscalização punitiva e não orientadora. E no encerramento, as exigências continuam excessivas. A conseqüência desse quadro é um desestímulo à abertura de novos negócios e aumento da informalidade. nas fases iniciais dos pequenos empreendimentos. (*) Professores da FEA-USP. E-mails: [email protected]; [email protected] 17 Thomas Palley (*) the profit vs. country dilemma junho de 2007 Vladimir Ilyich Ulyanov, alias Lenin, was the leader of the 1917 Bolshevik revolution in Russia. One of his best known quotes is “The capitalists will sell us the rope with which we will hang them.” Today, Lenin must be chuckling in his Moscow mausoleum as he watches US business dealings with China. Lenin’s sarcastic quip identified how desire for profit can sometimes undermine class interest. In today’s era of globalization a similar logic can hold for the national interest. Thus, with corporations looking to maximize their global profits, what is good for profit can sometimes be bad for country. US – China relations provide a case study of the “profit vs. country” dilemma. Current US – China economic relations are marked by huge trade deficits and a steady migration of manufacturing to China. This structure was established in the 1990s at the behest of multi-national corporations and big retailers such as Wal-Mart. The former saw China as providing an unequaled low cost production platform from which to export to the US, while the latter saw China as a source of low cost imports. Together, these business interests pushed permanent normal trading relations for China, and they also explain the US Treasury’s willingness to accept China’s under-valued exchange rate. That is because an under-valued yuan holds down the cost of goods sourced from China and increases profits on production exported from China. For China, the new arrangements have contributed to spectacular economic success. Companies sourcing and exporting from China have also reaped handsome profits. However, for the US economy it has been 18 a different story. Manufacturing has steadily bled jobs as companies have closed factories in the face of low cost Chinese competition, and production and investment have shifted to China. That has tempered wages and investment spending, which helps explain the weak economic recovery and unsatisfactory expansion. It has also eroded the US industrial base while expanding China’s, thereby creating new national security problems Through its trade surpluses, China has accumulated 1.2 trillion dollars of foreign exchange reserves – mostly held in US treasury bills. Recently, China announced it will invest some of those funds in American equities, signaling the beginning of a new chapter that promises to further entrench existing policy. This is because the new initiative will deepen Wall Street’s support for current policy by offering the prospect of huge fees and capital gains from re-investing China’s reserves. Consequently, Wall Street will now throw its full weight behind existing policy since the Street recognizes China needs continuing trade surpluses if it is to invest its foreign exchange holdings in risky assets such as equities. That augurs badly for the US and Main Street. Wall Street’s greatest influence is at Treasury, which has been the leader in designing US – China economic policy. The strong dollar policy originated at Treasury in the 1990s, and Treasury has persistently refused to label China a currency manipulator for fear of triggering irresistible public pressure for real action. On top of this, Treasury Secretary Paulson – a Goldman Sachs alumnus – is actively advocating policies that risk compounding the damage to the US economy. Thus, Treasury has consistently pushed China to open its financial markets and let money exit, and China has been doing just that. This benefits Wall Street since money flows there, but it reduces pressure on China to appreciate its currency. Worse than that, the yuan could even depreciate if enough Chinese wealth holders decide to exit to diversify their portfolios against economic and political risk. That would be disastrous for the US economy, but good news for Wall Street. are smart and can run government well – after all they are rich. Put the two together, and it is easy to see why business executives move seamlessly from Wall Street and corporate boardrooms to top government policy offices on Pennsylvania and Constitution Avenues. That suggests the supply of rope will remain plentiful and Lenin may have the last laugh. The profit vs. country dilemma is compounded by the political power of corporations, which has enabled them to capture policy. In earlier eras such capture promoted domestic monopoly and corruption in government procurement and tax policy. Today, it still does that (look at the Bush administration), but now it also enables corporations to push policies placing their interests ahead of country. That is the lesson of China. This is a huge danger, yet it is off the political radar. One reason is that business funds both Republicans and Democrats, thereby silencing both. A second reason is that much of the public believes businessmen junho de 2007 Free market societies need separation between market and government, intermediated by constitutional democracy. In the 20th century many countries suffered from excessive government control over market activities, and they paid a heavy price. In the 21st century America risks paying a heavy price from the reverse problem of allowing excessive corporate influence over government. (*) Founder Economics for Democratic & Open Societies Project. Tel: 202-249-2317. E-mail: [email protected]; www.thomaspalley.com 19 Rafael Henrique Rodrigues Moreira (*) a construção de um novo modelo institucional para as agências reguladoras brasileiras junho de 2007 Este é o primeiro de uma seqüência de dois artigos a respeito da discussão de uma nova lei para disciplinar as agências reguladoras, com vistas ao aperfeiçoamento dos novos formatos institucionais de gestão criados a partir do Plano Diretor de Reforma do Estado, em 1995. A criação das agências reguladoras no início dos anos 1990, a partir de uma nova direção do formato institucional da administração pública brasileira por intermédio da adoção dos processos de privatização e desregulamentação das atividades privadas do Estado, ampliou o debate sobre os elementos de autonomia e regulação aplicados a estes novos institutos do direito administrativo brasileiro. Conforme Ribeiro (2006) expõe, o descompasso entre as privatizações, a edição do marco regulatório relativo às atividades privatizadas e a criação das agências reguladoras têm sido apontados como a causa fundamental dos problemas atribuídos à estrutura do marco regulatório brasileiro. As discussões acerca da autonomia das agências reguladoras acabam por tratar de forma sintética variáveis importantes para o desempenho de tais órgãos da administração pública brasileira, tais como o controle social sobre a atuação delas, a forma de relacionamento institucional entre os ministérios e as agências ligadas a eles e a forma de execução orçamentária atrelada à arrecadação de impostos e taxas específicas dos setores regulados. A própria criação das agências reguladoras, em descompasso com um premente redesenho da organização administrativa do Estado, representou o início de entraves para a convivência das políticas setoriais emanadas pelos ministérios e o cumprimento de contratos estabelecidos e avaliados pelas agências reguladoras, 20 até porque a autonomia política e administrativa conferida às agências reguladoras tinha a finalidade de protegê-las contra ingerências políticas ou pressões dos setores regulados. Com o fito de minimizar tais efeitos, adotou-se um modelo institucional próximo ao estabelecido nos países anglo-saxões, isolando os reguladores do mercado dos órgãos formuladores de políticas. Dessa forma, ocorreu a criação de agências reguladoras em 3 estágios, conforme constata Martins (2004). No primeiro estágio, compreendido no período 19951998, verificamos a criação de agências reguladoras típicas de infra-estrutura, em áreas como petróleo, energia e telecomunicações. Na segunda geração (1999-2000) temos a criação de agências voltadas para o setor de saúde (saúde suplementar e vigilância sanitária) e de fiscalização do sistema hidroviário. Por fim, na terceira geração (2001-2005) ocorreu uma diversificação dos setores abrangidos pela regulação, o que inclusive trouxe à baila a discussão acerca da necessidade de criação de agências reguladoras. Nesta fase foram criadas agências para o cinema e audiovisual, transportes terrestres e aquaviários e aviação civil. A grande discussão sobre a criação de agências perpassou o plano das estruturas de órgãos tradicionais que desempenham funções semelhantes às das agências reguladoras, tais como a Superintendência de Serviços Privados (SUSEP), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Comissão de valores Imobiliários (CVM), para citar alguns casos. Porém, a partir de 2003 ocorre uma inflexão na posição do governo em relação a este modelo, tendo sido proposto à época a criação de uma lei geral para as agências reguladoras, cujo projeto ainda está em tramitação no legislativo, tendo sido emendado diversas vezes. (Projeto de Lei (PL) nº 3.337/2004). Este projeto refuta a idéia de insulamento adotada para as agências reguladoras e preconiza um controle do tipo burocrático-formal, devolvendo à Presidência da República e aos ministérios diversas prerrogativas antes atribuídas às agências. O projeto propunha a generalização dos mecanismos de controle social, a redefinição das atribuições de ministérios e agências e determinava os limites de controle da defesa da concorrência entre os órgãos típicos do governo para tal atribuição e as agências reguladoras. tendo em vista a regulamentação das ações gerais das agências reguladoras, dando a elas maior autonomia administrativa e financeira. O texto é apresentado abaixo, tendo sido aprovado em primeiro turno, incorporando as emendas dos senadores A. Mercadante e Ney Suassuna, alterando o posicionamento original do texto da Constituição Federal (1988) do artigo 174-A para o artigo 175-A, conforme descrito abaixo: Dê-se ao art. 175-A da Constituição, nos termos do art. 1º da PEC nº 81, de 2003, a seguinte redação: “Art. 1º ............................................................. Neste ponto, um dos temas de grande controvérsia diz respeito à autonomia política e administrativa conferida às agências reguladoras, delimitando as competências entre agências e outros órgãos da administração pública. Em que pese a visão de maior pe- Neste sentido, como os investimentos em infra-estrutura diminuíram no período 2003-2006, e o governo brasileiro passou a buscar um aumento do crescimento do PIB, os investimentos em infra-estrutura como meio de criar as condições para maior desempenho econômico passaram a ser um dos temas mais discutidos pelo governo, sociedade civil e entes regulados. Ademais, ampliou-se a discussão a partir da edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que possuía em suas bases grande monta de investimentos em infra-estrutura. Assim, definiu-se um projeto de emenda à constituição (PEC nº 81/2003) com origem no Senado Federal, sujeitas a regime autárquico especial, destinadas ao exercício de atividades de regulação e fiscalização, inclusive aplicação de sanções, com vistas ao funcionamento adequado dos mercados e da exploração e prestação dos serviços e bens públicos em regime de autorização, concessão ou permissão, harmonizando interesses dos consumidores, do poder público, empresas e demais entidades legalmente constituídas, observarão, em sua constituição e funcionamento, os seguintes princípios: I – proteção do interesse público; II – defesa da concorrência e do direito do consumidor; III – promoção da livre iniciativa; IV – prestação de contas; V – universalização, continuidade e qualidade dos junho de 2007 netração da sociedade nos processos decisórios emanados pelas agências reguladoras, o PL significa um retrocesso no modelo de arquitetura organizacional inicialmente desenhado para as agências reguladoras, o que pode gerar efeitos deletérios para a sistemática e segurança regulatórias. Ao impor a figura de um “ouvidor espião” e ao reduzir o espaço de atuação das agências ao transferir para os ministérios setoriais o poder de outorga e as políticas estratégicas voltadas para os serviços públicos, tem-se a alta probabilidade de politizar as ações técnicas que devem permear a atuação de um ente regulador. Art. 175 – A. As agências reguladoras, entidades serviços; VI – impessoalidade, transparência e publicidade; VII – autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira; VIII – decisão colegiada; IX – investidura a termo dos dirigentes e estabilidade durante os mandatos; X – notória capacidade técnica e reputação ilibada para exercício das funções de direção; XI – estabilidade e previsibilidade das regras; XII – vinculação aos atos normativos e a contratos. 21 Parágrafo único: Lei regulamentará o disposto neste artigo, inclusive quanto ao controle externo e supervisão das agências reguladoras pelo poder executivo. (NR)” junho de 2007 Observando o andamento da PEC n.º 81/2003, caso a proposta de criação do art. 175-A seja aprovada, nós teremos dois novos conceitos (agora constitucionalmente consolidados) no ordenamento jurídico brasileiro: a) regulação lato sensu da atividade econômica, previsto no caput do art. 174, compreendido como a função exercida pelo Estado por intermédio de diversos agentes, seja da administração direta – como a Secretaria da Receita Federal –, seja da administração indireta – como o IBAMA, a CVM e a SUSEP. Esse conceito de Estado-regulador pressupõe o exercício das funções de fiscalização (poder de polícia administrativa), incentivo e planejamento; b) agências reguladoras, entendidas como entidades sujeitas a regime autárquico especial, destinadas ao exercício de atividades de regulação e fiscalização, inclusive aplicação de sanções, com vistas ao funcionamento adequado da exploração e prestação dos serviços públicos em regime de autorização, concessão ou permissão. A idéia expressa na justificativa das emendas dos senadores Aloísio Mercadante e Ney Suassuna foi exatamente a de restringir o conceito de agência reguladora às entidades ligadas aos setores de infraestrutura, de regulação de rede, a chamada regulação tradicional, voltada à prestação de serviços públicos delegados, isto é, o Estado terá agências reguladoras (nomen juris agora exclusivo) para regular aquelas atividades que outrora explorava diretamente e que agora intervém de forma indireta, mediante contratos de concessão ou atos de permissão e autorização administrativa. Para ser restritiva, e não dar status de agência reguladora à SUSEP, CVM, IBAMA e outras entidades, a PEC alterou a idéia original, atrelando o conceito 22 de agência reguladora aos serviços públicos delegados, retirando a proposta de criação do art. 174-A e transpondo o seu conteúdo para o novo art. 175-A, sistematicamente disposto, na Constituição, na parte reservada aos serviços públicos delegados. A idéia é clara e foi expressa nas justificativas, como podemos observar na exposição do senador Ney Suassuna: “cumpre destacar que sua redação é abrangente, permitindo que se depreenda que toda atuação estatal nas atividades econômicas deverá ser operada por meio de agências reguladoras. Afinal, várias entidades exercem atribuições de “regulamentação, habilitação e fiscalização, inclusive aplicação de sanções” em setores diversificados da economia que não são próprios para a instituição de agências reguladoras. Como exemplo, podemos citar a fiscalização exercida pelos Ministérios do Trabalho e da Fazenda por meio dos Fiscais do Trabalho e dos Auditores Fiscais da Receita Federal, pelo Banco Central do Brasil no mercado mobiliário e no Sistema Financeiro Nacional e pelo Ibama relativamente ao meio ambiente. Em relação à regulamentação, além de muitos outros casos, podemos citar a competência da Secretaria da Receita Federal para regulamentar as atividades tributárias por intermédio de instruções normativas. Daí, pode-se inferir que se tais pressupostos fossem ampliados para toda Administração Pública surgiriam sérios obstáculos para o seu funcionamento e dificuldade para se encontrar um adequado desenho institucional, além de um aumento de despesa derivado da criação de agências reguladoras para praticamente todos os setores de sua atuação.” Ao avaliarmos a questão pela ótica econômica, no que tange à teoria econômica, vale dizer que “a justificativa econômica tradicional para a regulação diz respeito à maximização da eficiência em mercados caracterizados pela concentração de poder econômico (e.g., monopólio ou oligopólio) e naqueles onde as barreiras à entrada são significativas. Outras justificativas econômicas para a regulação são as falhas de mercado relacionadas com as externalidades, a correção de assimetrias de informação e poder, e a intervenção para facilitar a transição para regimes de mercado, assim como a insuficiente provisão de bens públicos, e.g., onde há necessidade de promoção da universalização de acesso aos serviços.” Para que se analise a necessidade da existência de agência reguladora, conforme destaca o texto da PEC, primeiramente é essencial identificar a necessidade de regulação, ou seja, do estabelecimento de meios para exercer o controle social por meio de regras explicitadas em leis decretos, concessões, contratos e decisões de órgãos reguladores. O principal critério a ser observado quando da decisão sobre a necessidade da regulação refere-se à hipótese de existência de falhas de mercado que justifiquem a sua intervenção [conforme exposto acima]. Apenas nos casos que exista necessidade de regulação, de modo geral, caberá a existência da agência reguladora. “Esta definição conceitual é fundamental para evitar que corporações burocráticas ou grupos econômicos venham pressionar, futuramente, o governo para a instituição de agências em seus setores de atuação.” (Emenda à PEC nº 81/2003). As repercussões são muitas e práticas. No próximo artigo demonstraremos os problemas na definição de um marco regulatório da forma como proposto inicialmente e discutido nas linhas anteriores. Veremos que muitas agências poderiam perder o status de agência reguladora, com implicações para os mercados os quais elas regulam. Discutiremos também como este modelo ampliaria o poder de atuação das agências, bem como se dará o relacionamento entre elas e os seus ministérios setoriais vinculados. Referências Bibliográficas Brasil. Projeto de Lei no 3.337/2004. Dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, altera a Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000 e dá outras providências. Disponível em <http://www. presidencia.gov.br/CCIVIL_03/Projetos/Quadros/quadro_PL/ 2004.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2007. _____. Senado Federal. Do parecer da CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal referente a PEC-81 de 2003 aprovado em 14/02/2007. Relator: Demóstenes Torres. 2007. Martins, H. F. Reforma do Estado na era FHC: diversidade ou fragmentação da agenda de políticas de gestão pública. Rio de Janeiro: EBAPE/FGV, 2004. Ribeiro, L. D. A (in)definição do modelo institucional das agências reguladoras no Brasil. Res Publica, v. 5, n. 1, p. 81-96, 2006. junho de 2007 Assim, a atividade regulatória por meio de órgãos reguladores independentes deveria se restringir apenas aos mercados que possuem as características expostas acima e, especialmente, em serviços públicos em regime de autorização, permissão ou concessão no âmbito da União . Banco Central que, além de responsável pela política monetária, exerce a fiscalização do Sistema Financeiro Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o mercado de capitais.” A justificativa apresentada pelo senador Aloísio Mercadante também é enfática, ao destacar: “Com essa nova redação, excluem-se da proposta outras atividades estatais que poderiam ser enquadradas como “atividades regulatórias”, como, por exemplo, atos de fiscalização, regulamentação e habilitação, característicos do poder de polícia do Estado e que são exercidos pela Administração Pública direta ou indireta. Ilustrativos são os poderes de fiscalização exercidos pelos Ministérios do Trabalho, por meio dos fiscais do trabalho, dos auditores fiscais da Receita Federal, do (*) Mestre em economia pela FEA/USP, Especialista em Regulação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). E-mail: [email protected]. O autor agradece ao Prof. Dr. Gilberto Tadeu Lima pela sugestão de publicação neste boletim Informações FIPE. 23 Daniela Corrêa (*) Gilberto Tadeu Lima (**) o sucesso de empresas brasileiras na internacionalização produtiva: as experiências da Marcopolo e do Grupo Gerdau junho de 2007 1. Introdução A seqüência de três artigos que finda com este focaliza as experiências de internacionalização das empresas brasileiras Marcopolo e Grupo Gerdau. No primeiro artigo (Corrêa e Lima, 2007a) realizamos uma caracterização geral do investimento direto brasileiro no exterior (IDBE), de acordo com dados obtidos por meio do Censo de Capitais Brasileiros no Exterior, do Banco Central do Brasil (BCB). No artigo seguinte (Corrêa e Lima, 2007b) são feitas análises de determinantes da internacionalização produtiva e dados gerais sobre a internacionalização das empresas brasileiras. Neste último artigo, por sua vez, abordam-se as experiências de internacionalização da Marcopolo e do Grupo Gerdau. 2. A Experiência da Marcopolo e do Grupo Gerdau A Marcopolo e o Grupo Gerdau já têm posição consolidada no mercado internacional, estando entre as grandes empresas mundiais de seus setores representativos. Atualmente, parte significativa da produção e das receitas dessas empresas provém de suas atividades no exterior. Marcopolo A Marcopolo é uma das principais fabricantes mundiais de carroceria de ônibus e recentemente passou também a atuar nos segmentos de veículos comerciais leves (LCV), peças e componentes, e no de produtos plásticos. O processo de produção da Marcopolo está estruturado de maneira totalmente verticalizada, sendo a empresa responsável pela produção de 24 poltronas, janelas, portas, ar-condicionado, e todos os demais componentes dos ônibus e carrocerias. A empresa foi fundada em 1949, em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, e em 1961 a Marcopolo já exportara seu primeiro ônibus para o Uruguai, quando ainda era uma pequena empresa. Atualmente, a empresa tem fábricas próprias no Brasil, em Portugal, na Argentina, no México, na Colômbia, na África do Sul e na Índia, além de ter um contrato de transferência de tecnologia com a Iveco na China. Sua produção é vendida no Brasil, e exportada para mais de oitenta países. A atual capacidade de produção é de 110 ônibus/dia, com um quadro funcional composto por cerca de 11.000 trabalhadores no Brasil e 5.650 no exterior. A linha de produtos da empresa abrange os modelos rodoviários, os microônibus, e a linha Volare, constituída de diversos modelos de veículos, comercializados completos, sendo cada produto projetado e desenvolvido internamente de acordo com as necessidades próprias de nichos específicos de mercado. A fabricação de carrocerias é realizada em três unidades no Brasil, sendo duas em Caxias do Sul (RS) e outra em Duque de Caxias (RJ). Em São José dos Pinhais (PR), a Marcopolo mantém a controlada MVC – Componentes Plásticos Ltda., fabricante de componentes plásticos de alta tecnologia, com duas unidades fabris no Brasil e uma no México. Em 2005, a Marcopolo participou com 42,8% da produção brasileira de ônibus e carrocerias e entre 6,0% e 7,0% da produção mundial. No que se refere à produção mundial da companhia, as 16.456 unidades fabricadas em 2005 representaram uma evolução de 3,3% sobre a produção de 2004, exercício encerrado com um crescimento de 11,0% sobre 2003. Da produção total, 7.311 unidades, ou 44,4%, foram comercializadas no mercado doméstico, e as restantes 9.145, ou 55,6% do total, foram exportadas ou fabricadas e comercializadas pelas unidades no exterior. O Gráfico 1 indica a evolução da produção comercializada no mercado externo, tanto via exportações como por meio da comercialização nos países onde estão localizadas as subsidiárias de empresa brasileira. gráfico 1 – produção comercializada Gráfico 1: Produção comercializada no exterior no exterior Produção exterior/exportações (unidades físicas) 9145 5628 5670 7049 8200 do modelo urbano Viale, a Marcopolo Portugal foi reposicionada, e busca agora aumentar sua participação em toda Europa. Atualmente a Marcopolo Portugal exporta para países como Bélgica, Holanda, Inglaterra, Islândia, Escócia, França e Espanha, mercados nos quais são necessários anos de experiência e história para absorver suas particularidades. O mercado europeu de ônibus tem se mantido estável nos últimos anos, e o número de competidores é elevado, fatores que, conjugados, resultaram em uma operação relativamente pequena no país, onde são produzidas apenas 20 unidades por mês, em média. Em 1991, a Marcopolo iniciou o seu processo de internacionalização com a instalação de sua primeira fábrica fora do Brasil, localizada na cidade de Coimbra, em Portugal. De acordo com a empresa, em razão da participação do país no bloco econômico da Comunidade Européia, nos seus primeiros anos de atuação, a Marcopolo Portugal concentrou-se na prospecção de mercados, pesquisando as necessidades do consumidor europeu, para posteriormente desenvolver um produto que atingisse os índices de satisfação do usuário final nos conceitos de design, funcionalidade, conforto e segurança. Outros modelos da marca Marcopolo foram sucessivamente ajustados para atender às normas dos países europeus, e em 2004, com linhas de produção renovadas e com o lançamento Em 2000, dando continuidade ao processo de internacionalização da empresa, a Marcopolo firmou joint venture com a maior fabricante de carrocerias da Colômbia, a Carrocerias Superior, conhecida como Superbus, e constituiu a Superpolo. Instalada na zona industrial ao sul de Bogotá, nas antigas instalações da Superbus, a tecnologia e responsabilidade técnica foram, então, adaptadas ao sistema Marcopolo de produção. Atualmente a Superpolo, com 50% de participação da Marcopolo e 50% Superbus, fabrica produtos específicos para a região do Pacto Andino, e tem um bom desempenho naquele mercado. A fábrica, que produziu 375 unidades em 2001, no ano de 2005 chegou a produzir 1.894 unidades. Uma nova fábrica foi inaugurada no de 2006, com capacidade de pro- 2001 2002 2003 2004 2005 2006* * estimativa. *estimativa Fonte: elaboração pópria com base em dados Fonte: elaboração própria com baseinstitucionais em dados(www.marcopolo.com.br) institucionais (www. marcopolo.com.br). junho de 2007 No exercício de 2005, a receita líquida consolidada alcançou R$ 1.709,1 milhões, 6,5% superior à de 2004. O mercado interno contribuiu com R$ 760,8 milhões, 0,3% superior à do exercício anterior e com 44,5% da receita líquida total. As exportações e negócios no exterior alcançaram R$ 948,3 milhões, ou 55,5% da receita do exercício, e um crescimento de 12,0% em relação a 2004. A fábrica mexicana, por outro lado, é a operação internacional mais bem-sucedida da Marcopolo. A Polomex foi fundada em 1999, na cidade de Aguas Calientes, no México. Em 2001, a Evobus, divisão da DaimlerChrysler, adquiriu 26% de participação de seu capital societário, e a partir de então a linha de produção foi transferida para a cidade de Monterrey, na unidade fabril da Mercedes-Benz México. Esta operação viabilizou a produção e entrega aos clientes de produtos com garantia unificada e integral, uma vez que carroceria e chassi tornaram-se objetos de uma venda conjunta. A produção em 2001 foi de 1.423 unidades, e em 2005 chegou a 3.200 unidades. A localização da empresa no México oferece à Marcopolo acesso direto a outro mercado comum, o NAFTA. 0 25 junho de 2007 dução de 15 ônibus por dia, que permitirá à empresa produzir até 4.000 veículos por ano. Também no ano de 2000, a Marcopolo firmou uma parceria com a Scania South Africa Pty Ltd., localizada na cidade de Pitersburg, na África do Sul, para o fornecimento de tecnologia e gestão industrial na produção do ônibus urbano Torino para aquela região. No final de 2001, a empresa instalou fábrica própria na cidade de Johanesburgo. O sistema de transporte segue o sistema RHD (direção do lado direito), e os produtos Marcopolo são adaptados para atender a esta especificidade. Em 2001, a fábrica produziu 120 unidades, e fechou 2005 com uma produção de 406 unidades, ano em que o desequilíbrio cambial rand/ dólar prejudicou as atividades da empresa no país. As perspectivas de crescimento para os próximos anos, porém, mostram-se favoráveis, de acordo com informações da própria empresa. A fábrica instalada na África do sul aproveita-se do mercado comum não-oficial, o Cone Sul da África. Esta, aliás, é uma preocupação demonstrada pela empresa: procurar instalar suas filiais em países inseridos em algum tipo de mercado comum. A Marcopolo entrou no mercado chinês em 2001, por meio de um contrato de licenciamento com a Iveco, e tem planos de criação de uma fábrica de componentes nos próximos anos. O mercado chinês tem uma demanda extremamente elevada, mas a competição também é bastante acirrada, e há uma série de restrições quanto à atuação. Essas restrições, que vão desde restrições de cunho legal até a acessibilidade ao mercado (no sentido de tornar o produto conhecido) apontam para a necessidade de realização de uma aliança estratégica naquele país, que ao que tudo indica não será realizada com a atual parceira. No início de 2006, a Marcopolo, por meio de sua controlada Ciferal Indústria de Ônibus Ltda., firmou uma joint-venture com a maior montadora russa de veículos, a Ruspromauto. A empresa operará na montagem e comercialização de ônibus rodoviários para atender ao mercado russo e ao de exportação. O investimento previsto é de US$ 6,5 milhões. A Ciferal participará 26 com 50% do capital social e a Ruspromauto com outros 50%, sendo a gestão compartilhada pelas duas empresas. Na joint-venture, a Marcopolo fornecerá a tecnologia para a montagem das carrocerias, e a Ruspromauto fornecerá os chassis e as instalações industriais para a nova empresa. A operação foi iniciada em setembro, e está prevista a produção de 200 unidades até o final deste ano. A previsão para 2007 é produzir cerca de 450 unidades e atingir entre 750 a 1.000 veículos em três anos. Os componentes para fabricação dos ônibus serão, em uma primeira fase, exportados do Brasil, mas ainda em 2006 a joint- venture pretendia iniciar o processo de desenvolvimento e aquisição de componentes na Rússia. O movimento mais recente de internacionalização da empresa resultou na penetração da Marcopolo no mercado indiano. Trata-se da joint-venture realizada entre a Marcopolo e a Tata Motors, a maior companhia indiana no setor automotivo, para a montagem e comercialização de ônibus rodoviários, urbanos, minis e microônibus, com o objetivo de atender à demanda indiana, além de produzir para a exportação. A joint venture representa investimentos iniciais de US$ 13,3 milhões, com 51% de participação da Tata Motors e 49% da Marcopolo – sendo a gestão compartilhada pelas duas empresas – e estará baseada na Índia. A Tata Motors fornecerá o chassi e será responsável pela comercialização dos ônibus completos. A Marcopolo, por sua vez, contribuirá com sua experiência internacional, processos e sistemas para produção de ônibus e também com a tecnologia em projetos e desenvolvimento de novos modelos. Pela Tabela 1, que apresenta dados da produção total consolidada para os anos de 2004 e 2005, verifica-se que a produção no exterior já responde por quase 35% do total produzido pela empresa. Mais significativo, talvez, seja ressaltar que enquanto a produção no Brasil recuou 6,5% em 2005, em relação ao ano anterior, no exterior, ela apresentou uma expansão de quase 30%, fato que corrobora a importância da estratégia de expansão rumo ao exterior da empresa. A variação de mais de 50% na produção da fábrica mexicana é o maior destaque do período. tabela 1 – Marcopolo - produção mundial consolidada Empresas/ Ano BRASIL Marcopolo Ciferal SUBTOTAL Eliminação KD’s* exportados TOTAL NO BRASIL EXTERIOR México Portugal África do Sul Colômbia TOTAL NO EXTERIOR TOTAL GERAL 2005 11.301 3.123 14.424 3.586 10.838 3.200 224 300 1.894 5.618 16.456 2004 11.494 3.085 14.579 2.990 11.589 2.102 176 406 1.665 4.349 15.938 Variação (%) -1,7% 1,2% -1,1% 19,9% -6,5% 52,2% 27,3% -26,1% 13,8% 29,2% 3,3% Fonte: Elaboração própria; dados da empresa. * produtos inteiros ou suas partes. Gerdau A Tabela 2 fornece um bom indicativo do grau de internacionalização do Grupo Gerdau. Os números relativos à produção no exterior, assim como o de usinas localizadas fora do Brasil, são maiores do que os números internos. Em relação ao destino das exporta- tabela 2 – distribuição geográfica das atividades Brasil Exterior Toneladas de aço bruto* Toneladas de produtos laminados* Usinas siderúrgicas Centros de serviços de corte e dobra Unidades de transformação e seções especiais 9 5,5 11 12 9,7 10,5 21 44 6 17 Pontos de venda comercial e centros de serviços para ações planos 74 2 Fonte: Elaboração própria, com base no Gerdau Fact Sheet, 23/11/2006. *unidade: milhões de toneladas. O marco inicial do processo de internacionalização do grupo Gerdau remonta a 1980, quando o Grupo adquiriu a Siderúrgica Laisa, no Uruguai. O crescimento internacional avançou para o Canadá, em 1989, com a siderúrgica Courtice Steel, em Cambridge, província de Ontário. Três anos mais tarde, em 1992, a Gerdau começou a produzir aço no Chile, por meio da Siderúrgica AZA. Em 1995, o grupo reforçou sua posição no Canadá, por meio da aquisição da segunda planta industrial no país, a MRM Steel, em Winnipeg, Manitoba. Em 1997, o grupo começou a operar na Argentina com sua primeira unidade própria: a laminadora de aços longos Sipsa – Sociedad Industrial Puntana S.A. junho de 2007 A Gerdau, empresa fundada em 1901, é atualmente a maior produtora de aços longos das Américas e o 14º maior grupo siderúrgico do mundo, com uma capacidade instalada de 19,6 milhões de toneladas de aço por ano. Está presente no Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, Peru, Uruguai, México e República Dominicana, contabilizando 38 unidades siderúrgicas. O foco de atuação da empresa é o setor siderúrgico, e atende aos mercados da construção civil, indústria e agropecuária. A maioria de suas operações é baseada no conceito de market mills, segundo o qual os insumos são comprados localmente e os produtos entregues predominantemente nas mesmas regiões onde são produzidos, daí a necessidade de expandir o número de plantas em diferentes localidades. Em 1995, iniciou-se um processo de reestruturação societária do Grupo, concluído em 1997, em que foram incorporadas 28 empresas, e as seis companhias de capital aberto foram reduzidas a apenas duas: a Gerdau S.A. e a holding Metalúrgica Gerdau S.A., imprimindo maior transparência no relacionamento com o mercado de capitais. ções, destaca-se a participação do continente asiático, que em 2005 respondeu por 44% das exportações do Grupo. Na seqüência vêm os países da América do Sul, com participação e 19%, América Central, 13%, Europa, 11%, África e América do Norte, que representam, respectivamente, 8% e 5% do destino das exportações. Em relação aos indicadores de faturamento, cerca de 51,8% de toda a receita de faturamento do ano de 2005 teve origem no Brasil, 42,5% nos Estados Unidos e Canadá, e 5,7% na Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai. Em maio de 1998, o Grupo aumentou sua participação no mercado argentino, por meio da associação com a laminadora Sipar Aceros S.A. Em 1999, a Gerdau inaugurou uma nova siderúrgica no Chile – a Gerdau Aza – com capacidade instalada de 360 mil toneladas de aço por ano. Em setembro do mesmo ano, a estra- 27 junho de 2007 tégia de expansão internacional do grupo atingiu um novo patamar, com o controle da AmeriSteel, segunda maior produtora de vergalhões dos Estados Unidos e terceira em barras e perfis, com capacidade de produção de 2 milhões de toneladas de aço. 28 Em janeiro de 2002, o Grupo Gerdau assumiu a Siderúrgica Birmingham Southeast, contabilizando sua quinta usina nos Estados Unidos. A conclusão do negócio aumentou sua capacidade de produção de 2,7 milhões de toneladas de aço/ano. Em agosto, o Grupo Gerdau e a Co-Steel anunciam acordo, concluído em outubro, para a fusão das operações siderúrgicas na América do Norte. A nova organização passou a denominar-se Gerdau Ameristeel Corporation, cabendo à Gerdau 67,5% das ações e o controle da gestão. A fusão criou uma siderúrgica com 10 usinas nos EUA e Canadá, com produção de 6,8 milhões de toneladas anuais de itens acabados, além de uma joint venture no segmento de aços planos, cujo mercado-alvo é o leste do território americano. Em 2004, o Grupo Gerdau anunciou a assinatura do contrato de compra e venda para a aquisição de todos os ativos da Potter Form & Tie Co., líder no suprimento de vergalhões cortados e dobrados e outros materiais para a indústria de concreto armado no Meio-Oeste norte-americano. Em julho, a Gerdau Ameristeel Knoxville investiu US$ 12 milhões em um programa de modernização, para garantir a plena capacidade de operação da usina, localizada no Tennessee. Dois meses depois, a Gerdau Ameristeel, responsável pelas operações do Grupo nos Estados Unidos e no Canadá, assinou um contrato para assumir quatro usinas produtoras de aços longos da North Star Steel. Com a operação, o Grupo Gerdau intensificou sua participação no processo de consolidação do setor siderúrgico norte-americano, possibilitando aos clientes maior cobertura geográfica e uma linha mais ampla de produtos. Com as novas unidades, a capacidade instalada do Grupo na América do Norte aumentou em 1,7 milhões de toneladas de aço por ano, passando para 8,3 milhões de toneladas. Ainda em 2004, a Gerdau Ameristeel anunciou a assinatura do contrato de compra e venda para aquisição de todos os ativos da Gate City Steel, Inc. e da RJ Rebar, Inc., líderes no suprimento de vergalhões cortados e dobrados, no Meio-Oeste e no Sul dos EUA. No início de novembro, o Grupo concluiu a aquisição dos ativos da North Star Steel. A Gerdau Ameristeel Corporation, por meio de sua subsidiária operacional nos Estados Unidos, Gerdau Ameristeel US Inc., adquiriu da Cargill Incorporated, e subsidiárias, os ativos fixos e o capital de giro de quatro usinas produtoras de aços longos; três unidades de processamento de fio-máquina; e uma unidade produtora de corpos moedores em aço para a indústria de mineração, proporcionando aos clientes a expansão da cobertura geográfica e uma linha de produtos mais abrangente. Em dezembro daquele ano, o Grupo ampliou sua atuação internacional para mais um país na América do Sul, a Colômbia, assinando um acordo para tornar-se acionista das empresas Diaco S.A. e Siderúrgica del Pacífico S.A. – Sidelpa, num processo de aquisição escalonada das participações do Grupo Mayagüez e da The Latinamerican Enterprise Steel Holding, detentores do controle majoritário das companhias. No ano seguinte, em setembro, o Grupo Gerdau consolidou o controle acionário da Sipar Aceros, laminadora de aços longos localizada na Província de Santa Fé, na Argentina, com a aquisição de 35,98% das ações da empresa, elevando sua posição para 74,44% do capital social da companhia. Dois meses depois, o Grupo anunciou a ampliação de duas usinas siderúrgicas localizadas na Colômbia, prevendo um crescimento na produção de 50% em três anos, passando de 400 mil toneladas para 600 mil toneladas. As duas unidades estão voltadas ao mercado interno e atendem aos setores da indústria e construção civil. Em novembro de 2005, o Grupo Gerdau, o Grupo Santander e executivos espanhóis anunciaram a aquisição da Corporación Sidenor S.A., principal produtora de aços especiais, forjados e fundidos da Espanha. A Sidenor atende principalmente ao mercado europeu, com destaque para a indústria automotiva. Possui três usinas siderúrgicas no norte do país e duas unidades de forja para estampa. A empresa também detém 58,44% de participação na Aços Villares, atuante no segmento de aços especiais e detentora de plantas siderúrgicas nas cidades paulistas de Mogi das Cruzes, Pindamonhangaba e Sorocaba. Esta nova participação acionária representou a entrada da Gerdau no mercado da União Européia e significa a abertura de um importante canal entre os grandes produtos automobilísticos internacionais. Em março de 2006, o Grupo anunciou a aquisição dos ativos da Callaway Building Products, com sede em Knoxville, Tennessee, nos Estados Unidos. A Callaway fornece vergalhões cortados e dobrados à indústria da construção civil no leste dos Estados de Tennessee e do Kentucky e também nos Estados da Carolina do Norte, Virgínia e Geórgia. No mesmo mês, a Gerdau Ameristeel anunciou a aquisição da Fargo Iron and Metal Co., com sede em Fargo, Dakota do Norte. A Fargo atende à indústria siderúrgica na área de armazenamento e processamento de sucata. Em novembro de 2006, a Gerdau Ameristeel concluiu a aquisição de uma participação majoritária na jointventure formada com a Pacific Coast Steel, Inc. e a Bay Area Reinforcing. Esta joint venture, chamada de Pacific Coast Steel, é uma das maiores fornecedoras de aço cortado e dobrado dos Estados Unidos, especializada em serviços de corte e dobra e montagem de produtos de aço em diversos projetos de construção Neste ano de 2007, mais duas operações internacionais foram realizadas pelo grupo: a aquisição do controle do Grupo Feld, holding da siderúrgica mexicana Tultitlán,1 em março, e a formação de uma aliança estratégica com a empresa Industrias Nacionales, C. por A. (Inca), da República Dominicana, no mês de maio. A Tultitlán está localizada na Cidade do México, e tem capacidade instalada de 350.000 toneladas de aço e 330.000 toneladas de laminados, com produção voltada para o mercado interno. O México é o terceiro maior produtor de aço no continente americano. O valor desembolsado pela totalidade das ações do grupo Feld foi de US$ 259 milhões, e o acordo está sujeito à aprovação dos órgãos de regulação da concorrência mexicana. Na República Dominicana, o Grupo Gerdau adquiriu 30,45% de participação societária na holding Multisteel Business Holdings Corp, que possui 98,57% da Inca. Esta operação faz parte da estratégia do grupo de crescer nas Américas, segundo seu diretor-presidente André Gerdau Johannpeter.2 A Inca é uma laminadora de aços longos, e fabrica ainda malhas de aço, arames galvanizados, telas, pregos e grampos, além de tubos e conexões de PVC. A empresa vende anualmente cerca de 400 mil toneladas de produtos de aço. junho de 2007 Em junho, o Grupo conclui a aquisição da totalidade das ações da Sheffield Steel Corporation, de Oklahoma (EUA), siderúrgica que produz aços longos, e vende, a cada ano, aproximadamente 550 mil toneladas de aço. Entre os principais produtos da Sheffield Steel estão os vergalhões e as barras, utilizadas na construção civil. No mesmo mês, o Grupo obteve o controle acionário da Empresa Siderúrgica del Perú (Siderperú), com a compra de 50% do seu capital social mais uma ação. A Siderperú, com fábrica localizada na cidade de Chimbote, ao norte de Lima, é a maior siderúrgica do país, com vendas anuais de aproximadamente 360 mil toneladas de produtos acabados e 2 mil colaboradores. na Califórnia e Nevada. Além disso, a Corporación Sidenor alcançou um acordo definitivo para a aquisição da totalidade das ações de emissão da GSB ACERO, S.A., empresa que produz aproximadamente 200 mil toneladas de aços especiais por ano, localizada em Guipúzcoa, Espanha. A internacionalização do Grupo Gerdau contribuiu fortemente para os bons resultados atingidos no primeiro trimestre deste ano. De acordo com dados divulgados pela empresa, 3 o faturamento de janeiro a março, R$ 7,5 bilhões, superou em 13,5% os R$ 6,6 bilhões registrados no mesmo período de 2006. Esse crescimento seria justificado principalmente pela incorporação de cinco novas empresas a partir do segundo trimestre de 2006 – sendo quatro nos Estados Unidos4 e uma no Perú (Siderperú). Além disso, a Corporación Sidenor, companhia espanhola da qual o grupo detém 40% de participação, passou a controlar a GSB Acero. 29 3. Considerações Finais junho de 2007 Marcopolo e Gerdau podem ser consideradas pioneiras no processo de internacionalização produtiva em seus ramos de atividade. Como mencionado anteriormente, o primeiro passo da Gerdau rumo ao exterior foi dado ainda na década de 1980, com a aquisição de uma siderúrgica no Uruguai, e o da Marcopolo, em 1991, com a entrada no mercado português. Ao longo dos anos, essas empresas diversificaram de forma significativa seu posicionamento global, e já contam com unidades espalhadas por diversos continentes. Atualmente, cerca de 55% da receita da Marcopolo e 48% do faturamento da Gerdau são provenientes de suas atividades no exterior. As trajetórias desenvolvidas pelas empresas corroboram algumas proposições dos autores que estudaram o processo de internacionalização produtiva das empresas, conforme apresentado em Corrêa e Lima (2007b). A representatividade das empresas no âmbito nacional, por exemplo, é um condicionante relevante da entrada das empresas no mercado internacional, como sugeriram Iglesias e Veiga (2002). Tanto Marcopolo quanto Gerdau eram grandes empresas nacionais, e já haviam iniciado a atividade exportadora quando decidiram iniciar sua internacionalização produtiva. 2 Segundo a assessoria de imprensa do Grupo Gerdau (Sala de Imprensa, 25/05/2007). www.gerdau.com.br. 3 Sala de Imprensa, 03/05/2007. 4 Callaway Building Products, Fargo Iron and Metal Company, Sheffield Steel e a joint venture Pacific Coast Steel. Referências Bibliográficas Cantwell, J.; Tolentino, E. Technological accumulation and Third World Multinationals. University of Reading, 1990. Mimeografado. Chudnovsky, D.; Lopez, A. (eds.). Las multinacionales latinoamericanas: sus estrategias en un mundo globalizado. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1990. Corrêa, D.; Lima, G. T. Internacionalização produtiva de empresas brasileiras: caracterização geral e indicadores. Boletim Informações Fipe, N. 319, abril, 2007a. _______. Internacionalização Produtiva de empresas brasileiras: determinantes e comportamento recente. Boletim Informações Fipe, N. 320, maio, 2007b. Iglesias, R.; Veiga, P. M. Promoção de exportações via internacionalização das firmas de capital brasileiro. In: Pinheiro, A. C.; Markwald, R.; Pereira, L. V. (orgs.), O desafio das exportações. Rio de Janeiro: BNDES, 2002. Em relação à localização dos primeiros investimentos no exterior, a experiência da Gerdau sustenta a hipótese de Chudnovsky e Lopez (1999), de que em uma primeira etapa, as empresas sediadas em países em desenvolvimento tendem a investir em países de nível semelhante de desenvolvimento, mas o caso da Marcopolo, por sua vez, sustenta a proposição de Cantwell e Tolentino (1990), que diz que as empresas dos PEDs são capazes de desenvolver tecnologias inovadoras que as capacitem a investir em qualquer mercado. 1 E também da Ferrotultitlán, S.A. de C.V. e da Arrendadora Valle de México, S.A. de C.V. A Ferrotultitlán, S.A. de C.V. é uma comercializadora de produtos de aço e a Arrendadora Valle de México, S.A. de C.V. uma empresa imobiliária que tem em seus ativos os terrenos e prédios da Siderúrgica Tultitlán, S.A. de C.V. 30 (*) Economista pela FEA-USP e Mestranda em Economia pelo IE-UFRJ. E-mail: [email protected]. (**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. E-mail:[email protected]. Cristina F. B. Reis (*) Fernanda G. Cardoso (**) determinantes da inflexão das trajetórias de desenvolvimento econômico: estudo dos casos de Austrália, Canadá e Argentina – parte I 1. Introdução Fundamentado numa retomada histórico-analítica da trajetória socioeconômica da Austrália, do Canadá O artigo será apresentado em duas partes, que serão publicadas em distintas edições do presente boletim. Na primeira, serão relatadas brevemente as histórias de desenvolvimento desses países desde o momento em que deixaram a condição de colônia até a década de 1930. A apresentação de cada trajetória econômica destacará os respectivos modelos de inserção internacional – fatores externos – e seus aspectos políticos e econômicos – fatores internos. A segunda parte analisará comparativamente essas trajetórias de desenvolvimento econômico, enfatizando os fatores determinantes para que tais países tenham atingido resultados tão diversos. Noel Butlin (1956) chamou a condução da colonização inglesa na Austrália de socialismo colonial. Este termo é usado para designar o caráter de intervenção positiva do governo, cuja pretensão principal seria a formação de capital via relação particular entre governo e instituições privadas, como prevaleceu na economia australiana a partir da segunda metade do século XIX. A Austrália apenas recebeu este nome após o Commonwealth em 1901. Até então, eram seis colônias autônomas entre si – New South Wales, Tasmania, Victoria, South Austrália, Western Austrália e Northern Austrália –, mas subordinadas à Coroa inglesa. Nas regiões de clima mais temperado desenvolveuse principalmente a pecuária ovina e plantação de trigo. Estes produtos atendiam à demanda interna plenamente e o excedente era exportado. Os usos derivados, como farinha, tecido, manteiga, cerveja, fomentaram a produção manufatureira. A descoberta do ouro na segunda metade do século XX acelerou a urbanização e promoveu uma “marcha para o oeste” que incentivou a expansão do mercado interno. Esta expansão propiciou aumento da produção agrícola e de manufaturas, ampliou a produção de carvão e a exportação de minérios, além de ter intensificado o comércio e a provisão de serviços públicos. junho de 2007 e da Argentina, o presente artigo investiga por que tais países atingiram resultados econômicos e sociais tão distintos. A escolha dos países se baseou no fato de eles terem sido domínios temperados britânicos, sendo a Argentina um domínio “informal”. Outros domínios poderiam ser citados, como a Nova Zelândia e os Estados Unidos, no entanto, optou-se pela Austrália, Canadá e Argentina porque eles estavam em estágio semelhante de desenvolvimento no momento de partida da análise. Pretende-se demonstrar que as estratégias adotadas por suas respectivas elites implicaram distintas dinâmicas internas de crescimento a partir do início do século XX. Para entender a escolha das estratégias de desenvolvimento de cada país efetuou-se uma combinação analítica dos condicionantes externos e internos. 2. A História de Desenvolvimento Econômico da Aus trália Desde o primeiro século de colonização o governo mantinha um alto nível de planejamento econômico e representava equilibradamente as classes mais importantes da sociedade. Investia em infra-estrutura 31 junho de 2007 e setores importantes para a condução do desenvolvimento. A atuação do governo colaborou para a afirmação do modelo de crescimento conduzido por exportação primária (cujos principais produtos eram, em ordem de importância, a lã, o trigo e a carne), manutenção de alto nível de salários e monopólio estatal em transporte e comunicação. A administração colonial também atuava orientando o investimento privado por meio do seu sistema de taxação, vendas de terra, venda de debêntures, transações bancárias e direta competição por capital em Londres. Shaw (1944) afirma que o governo protegeu a indústria infante – notadamente a de produtos derivados agrícolas e de consumo diário – principalmente por meio de tarifas sobre importados. A terra era um fator abundante e propriedade da Coroa inglesa, que as vendia, arrendava e/ou concedia. As leis eram mais favoráveis à pequena propriedade, concedendo condições melhores para quem comprasse este tipo de terreno. A divisão das terras e sua comercialização foram muito relevantes para a formação das classes sociais, pois não se permitiu que uma grande classe latifundiária emergisse. O trabalho era um fator escasso e requeria imigração inglesa constante para a Austrália. Por falta de trabalhadores e pelos seus custos elevados, a produção agrícola requereu aumento de produtividade via inovações tecnológicas, muitas delas produzidas internamente. O nível de emprego foi historicamente alto e os salários cresciam a taxas estáveis. A economia aurífera aumentou o poder político dos trabalhadores, que exerciam pressão real desde 1840, e a partir de 1870 os governos coloniais passaram a regular a base mínima de salários e reajustes. A oferta de capital nas colônias australianas era feita preponderantemente por meio de empréstimos da Inglaterra, uma vez que a moeda de todo o império era a libra, não emitida localmente. Segundo Butlin, entre 1860 e 1890 dois terços da formação bruta de capital foram feitos com capital inglês. A terça parte da formação de capital restante provinha de exportações, cujas vendas entre 1861 e 1890 eram cerca de 75% para a Inglaterra. A Austrália possuía alta propensão a importar, mais ou menos na mesma ordem de valor das exportações. O Estado e a iniciativa privada tiveram pesos semelhantes na formação de capital bruto, que se concentrou em ferrovias e máquinas agrícolas, o que contribuiu para a expansão da demanda doméstica. O principal investimento do governo eram as ferrovias, que a partir de 1890 passaram também a ser a principal fonte de receita, substituindo as tarifas aduaneiras. tabela 1 – composição da formação de capital na Austrália (milhares de libras) Ano 1861 1870 1880 1890 1900 FBC Privada FBC Governo Residencial Agrícola e pastoril Outros Ferrovias Comunicação Autoridades locais Outros 1506 2792 3595 7726 851 1198 1205 6054 2965 1725 449 659 2370 3816 714 1252 857 3785 5775 2371 880 473 1455 1776 1631 387 901 1362 3813 2948 541 484 1329 2703 2027 Fonte: Butlin ( 1956). A especulação financeira proveniente da securitização de fundos de terras australianos agravou a crise de capitais deflagrada pela falência do Banco Baring em 1890. O período entre 1890 e 1900 foi marcado pela crise, que pressionou a campanha a favor da federalização da Austrália. Em 1901 o parlamento inglês aprovou o Commonwealth e uma nova constituição. 32 O Commonwealth unificou as seis colônias inglesas no domínio então denominado Austrália. A Coroa inglesa concedeu autonomia sobre defesa, moeda, tarifas e relações internacionais. As seis colônias tornaram-se Estados, os quais possuíam autonomia sobre os gastos públicos, mas deviam repassar um quarto da arrecadação ao governo federal. Segundo Wright (2003), após a federalização das colônias a indústria manufatureira acelerou bastante. Na primeira década do século XX, o investimento na indústria secundária mais do que dobrou e em 1914 o valor da produção industrial já rivalizava com o do setor rural. Aitken (1956) observa que o Estado canadense desempenhou um papel fundamental no direcionamento e estímulo do desenvolvimento. O papel desempenhado pelo Estado no desenvolvimento de uma economia transcontinental foi evidente: tais medidas são conhecidas como “Política Nacional” e se referem ao sistema de tarifas protecionistas adotadas em 1878 e à estratégia de expansionismo defensivo adotada pelo novo governo federal depois de 1867. No cerne da “Política Nacional” estava a determinação de fortalecer o eixo leste-oeste do Canadá por meio da construção de uma ferrovia transcontinental. O Canadá central – as províncias de Ontário e Quebec – seria o centro manufatureiro e financeiro do novo domínio, e pela estrada transcontinental os bens manufaturados poderiam ser vendidos do oeste para os mercados das pradarias, e os produtos agrícolas do leste para as províncias de Saint Lawrence e Europa. 3. A História de Desenvolvimento Econômico do Canadá A assistência oferecida pelo governo federal a qualquer companhia contratada para construir a ferrovia do Pacífico foi originalmente generosa e se tornou crescente. Não era visto como desejável ou factível que o governo construísse a ferrovia sozinho. Com a assistência do governo, uma administração altamente competente e técnicas de construção já aperfeiçoadas nos Estados Unidos, a ferrovia da costa do Pacífico foi terminada com sucesso em 1885. A colonização européia começou no século XV, quando os britânicos e, principalmente, os franceses se estabeleceram no Canadá. Com a Guerra da Independência dos EUA, o Canadá recebeu levas de colonos leais aos britânicos, provenientes das treze colônias britânicas rebeldes. Nos primórdios da colonização A defesa contra o expansionismo econômico norteamericano requeria uma expansão transcontinental no Canadá, mas seus custos, cobertos originalmente pelo governo e indiretamente pelos consumidores via maiores tarifas, fizeram da manutenção de tal unidade econômica nacional tarefa difícil. Entretanto, em 1878, junho de 2007 A trajetória de crescimento da Austrália entre 1870 e 1913 foi crescente e sustentada, mas não acelerada. No período, o PIB per capita aumentou 0,9% ao ano. (Maddison, 1998). Durante a Primeira Guerra, o capital do setor minério extrativista buscou diversificação investindo em indústrias pesadas estratégicas, como siderurgia e metalurgia. A política foi marcada pelo aumento da participação trabalhista. Houve fortalecimento dos sindicatos, formação de indústrias de base, expansão da atividade mineira, nacionalização de monopólios etc. Os anos da década de vinte foram prósperos, principalmente por causa do reaquecimento das exportações de matérias-primas e commodities e das políticas internas de incentivo à indústria. A depressão de trinta provocou queda da entrada de capitais, queda de preços e de salários. Em 1932, a reunião de Ottawa, Canadá, estabeleceu taxas preferenciais entre os países do Reino que significaram proteção externa e a interna para a indústria agrícola (exportação sem taxas para a Inglaterra e fixação de preços internos, respectivamente), sendo assim essenciais para a recuperação econômica. De acordo com Shaw, em 1939 a população australiana era de 7 milhões de habitantes e o PIB de ₤900 milhões (₤130 per capita). O nível de renda e padrão de vida da população era alto. Isto se deveu, principalmente, aos patamares elevados de salário comparativamente ao resto do mundo, exceto os outros países temperados do império. Além disso, o governo garantia os serviços sociais, notadamente, o sistema de seguros, educação, saúde e habitação. européia no Canadá, a principal fonte de renda provinha da caça e do comércio de peles. Em 1812, os Estados Unidos invadiram o território canadense, na tentativa de anexar o resto das colônias britânicas na América do Norte, desencadeando uma guerra, que no fim resultou na expulsão dos norte-americanos por tropas britânicas. O medo de uma segunda invasão americana, aliado ao fracasso britânico em assimilar os franceses, fez com que a idéia da Confederação Canadense fosse aprovada pelos britânicos. 33 junho de 2007 o segundo pilar da Política Nacional foi estabelecido: as tarifas protecionistas. Aqui o poder do Estado foi aplicado diretamente para levar à unidade econômica nacional e impedir a expansão norte-americana. Depois da construção da ferrovia, ao diminuir os custos de transportes, os produtos canadenses ficaram mais vulneráveis à concorrência dos importados; dessa maneira, o reconhecimento da necessidade de busca de uma maior taxa de industrialização tornou-se crescente. Assim, como bem observa Aitken, tanto na legislação tarifária quanto na construção da ferrovia o Estado pós-confederação assumiu um papel ativo na promoção do desenvolvimento. No decorrer do século XIX, a economia do Canadá passou a ser mais dependente da agricultura, pecuária e mineração. A importância da caça diminuiu drasticamente. Porém, dado o imenso tamanho do país, a economia do Canadá variava de região para região. Em Ontário, a principal fonte de renda era a agricultura e a mineração. A província era então um dos maiores pólos agropecuários do mundo. Quebec era o centro industrial, ferroviário, portuário e bancário do Canadá, bem como o maior produtor de eletricidade. As províncias do Atlântico dependiam consideravelmente da pesca, e as províncias do centro-oeste, da agricultura – especialmente do cultivo de trigo. A Tabela 2 apresenta estrutura de exportação do Canadá. tabela 2– cinco principais exportações do Canadá (% do valor total das exportações de determinados períodos) Canadá Trigo e farinha de trigo Papel de jornal Madeira Carne Peixes Polpa de madeira Cinco principais exportações 1920-24 1925-29 1930-34 29,2 6,7 6,2 4,0 3,1 33 9,2 3,7 21,3 14,5 3,7 2,4 3,7 52 3,4 4,2 47,1 49,2 Fonte: Solberg (1981). Nas primeiras décadas do século XX, Ontário passou por um rápido processo de industrialização. A província tornou-se um grande centro industrial e bancário, ainda que Quebec se mantivesse na liderança. A eco- 34 nomia das províncias do Atlântico passou a depender principalmente da produção de produtos de madeira e derivados, enquanto que no centro-oeste a principal fonte de renda das províncias continuou sendo a agricultura. Segundo Aitken, o Estado continuou a influenciar a taxa e a direção da mudança econômica: a promoção da indústria de papel e polpa de madeira no Canadá Central; a construção da via marítima de Saint Lawrence; e o controle das indústrias de petróleo e gás natural. Assim, ainda de acordo com Aitken, a taxa e a direção do desenvolvimento canadense foram determinadas principalmente pelas características econômicas de alguns produtos primários: peixes, pele, madeira de lei, carne, trigo e minérios. A atuação fundamental do Estado no desenvolvimento canadense foi a de facilitar a produção e a exportação de tais produtos. Com relação ao desenvolvimento econômico, a saída do status de colônia e o alcance da independência política significaram a criação de um aparato político competente para desempenhar tais funções de maneira efetiva. 4. A História de Desenvolvimento Econômico da Argentina A Argentina começou seu processo de independência da Espanha em 25 de maio de 1810 – “Revolução de Maio” –, empenhando-se em guerras contra os espanhóis e seus simpatizantes. Embora a revolução não tenha obtido uma calorosa acolhida em todo o vicereino, as campanhas militares lideradas pelo general José de San Martín e Simón Bolívar entre 1814 e 1817 incrementaram as esperanças de independência da Espanha, que foi declarada finalmente em 9 de julho de 1816. De acordo com Bethell (2002), ainda no final da década de 1870 a qualidade da pecuária continuava insatisfatória, o país importava trigo, a rede de transportes cobria apenas pequena parte do território, os serviços bancários ainda se achavam em estado rudimentar e a entrada de capital e de imigrantes era modesta. O primeiro censo nacional realizado em 1869 fornecera provas claras do atraso relativo da Argentina: a densidade era de 0,43 pessoas por quilômetro quadrado. O deserto parecia indomável, não somente pelas distâncias impossíveis de transpor, mas também pela resistência armada de tribos indígenas. Tornou-se então evidente a necessidade de expandir a fronteira para acomodar os crescentes rebanhos de carneiros e facilitar a relocalização do gado. Para tal feito, foi imprescindível a construção de estradas de ferro e do desenvolvimento do telégrafo. O capital era escasso e a necessidade de enormes investimentos em infra-estrutura era crítica. As institui- ções financeiras nacionais eram poucas. Os nativos possuíam ativos fixos na forma de grandes extensões de terras ou casas nas cidades e ativos móveis, tal como o gado. Havia grande atividade dos grupos privados (principalmente ingleses), com vínculos com bancos internacionais, sobretudo no setor ferroviário. Como o Estado era incapaz de prover todos os recursos financeiros (baseados fundamentalmente nas taxas alfandegárias) buscou empréstimos na Europa, sobretudo na Inglaterra. tabela 3 – investimentos ingleses diretos e em carteiras de títulos na Argentina (em milhões de libras) 1865 1875 1885 1895 1905 1913 Total dos investimentos 2,7 22,6 46,0 190,9 253,6 479,8 Investimentos diretos 0,5 6,1 19,3 97,0 150,4 258,7 Investimentos em títulos 2,2 16,5 26,7 93,9 103,2 221,6 Empréstimos ao governo 2,2 16,5 26,7 90,5 101,0 184,6 3,4 2,2 37,0 Ações de companhias Fonte: Bethell (2002). O trigo argentino competia com a produção de milho, linho e, especialmente, de alfafa, que era um cultivo básico para a pecuária, observa Bethell. Além disso, nos pampas argentinos a pecuária era o negócio do grupo econômico e político mais poderoso. Os recursos naturais, especialmente da província de Buenos Aires, foram muito propensos a criar gado destinado ao mercado de carne. Uma vez resolvido o problema técnico mediante barcos com refrigeração e frigoríficos no fim do século XIX, as exportações de carne argentina iniciaram um período de crescimento espetacular. A Argentina era a primeira no mundo em exportações de carnes e cerca de 40% do total das exportações mundiais provinha dos pampas. Como em outros aspectos da vida econômica argentina, a Inglaterra desempenhava um papel central no comércio de carnes. Entre 1890 e 1900, a produção da agricultura e da pecuária melhorou consideravelmente. A produção industrial, graças à capacidade ociosa, sofreu grande impulso, principalmente por conta da redução de custos e da conquista de novos mercados. Com isso, a indústria conseguiu desenvolver-se quando os mercados se ampliaram graças às estradas de ferro. Exemplos disso são o açúcar em Tucuman, o vinho em Mendoza e os moinhos de trigo em Santa Fé e Córdoba. No período 1900 a 1912, observou-se um grande aumento da importância dos cereais e da carne. A estrada de ferro possibilitou o crescimento da produção em áreas mais remotas. Simultaneamente, novas técnicas de congelamento e de transporte refrigerado na travessia do Atlântico transformaram a indústria de carne. Além disso, para engordar o gado junho de 2007 Ainda segundo Bethell, no final do século XIX e nas primeiras duas décadas do século XX uma nova onda expansionista da agricultura invadiu as terras que já haviam sido cedidas, total ou parcialmente, à criação do gado. Uma das características desse processo é que ele não acarretou a substituição da pecuária pela agricultura; ao contrário, as duas complementaramse. Porém aconteceu que, enquanto no final do século grandes quantidades de terra estavam sendo abertas à agricultura à medida que as estradas de ferro criavam novas ligações com os mercados, não havia número suficiente de agricultores dispostos – ou até disponíveis – a cultivá-las. 35 havia a necessidade de cultivo de alfafa e milho nas zonas produtoras de gado da província de Buenos Aires e nas regiões de Córdoba e La Pampa. Tudo isso se deu em conseqüência do aumento da exportação de carne frigorificada e congelada, principalmente para a Inglaterra. disso, o caráter essencial da maioria das importações tornava extremamente difícil cortá-las mesmo em períodos de depressão. Desta forma, estava claro que o país precisava encontrar outros veios para retomar o crescimento. junho de 2007 5. Observações Finais Além disso, complementa Bethell, o caráter tecnológico da agricultura teve efeitos importantes: como empregava mais mão-de-obra, isto acarretou uma distribuição de renda mais favorável. Implicou também o assentamento de trabalhadores nas zonas rurais, a criação de diversos serviços de transporte e o aparecimento de diversas atividades para fornecer bens e serviços à população rural. Assim, o crescimento não se limitou ao setor exportador. O aumento no número de assalariados e o crescimento da renda real favoreceram a expansão do mercado interno e propiciaram uma gama crescente de oportunidades de investimento interno. Entretanto, como bem destaca Bethell, em 1914 ainda não havia uma alternativa para a economia da exportação de produtos primários. Apesar do crescimento da indústria, tal expansão não afetara o alto coeficiente de importação da Argentina. A indústria local ainda dependia fortemente da procura interna e das receitas do setor de exportação e da entrada de investimentos externos. A Argentina possuía poucos embriões de indústria pesada ou de indústrias de bens de capital integradas. Ademais, apesar do mercado interno ser rico, este ainda era relativamente pequeno e os mercados externos eram dominados pelos gigantes industriais do mundo. Para concluir, baseando-se em O’Connel (1984), a Argentina era uma produtora de zona temperada em competição direta com a produção doméstica, e mesmo com as exportações, de quase todas as economias do mundo, o que colocava o país numa situação vulnerável às condições de excesso de oferta. A economia argentina era ainda particularmente vulnerável às dificuldades da economia britânica: a política econômica tinha uma autonomia muito limitada. Além 36 Uma vez expostas as trajetórias de desenvolvimento da Austrália, Canadá e Argentina no período compreendido entre a segunda metade do século XIX e a Segunda Guerra Mundial, a parte II do artigo, a ser publicada na próxima edição deste boletim, apresentará uma análise comparativa entre eles e apontará os principais aspectos que provocaram as diferenças de desenvolvimento econômico entre Austrália e Canadá, de um lado, e a Argentina, de outro. Referências Bibliográficas Aitken, H. G. J. Defensive expansionism: the state and economic growth in Canada. In: Aitken, J. G. H. (org), The state and economic growth. Papers of a Conference Held on October 11-13, 1956, under the Auspices of the Committee on Economic Growth, 1956. Bethell. História da América Latina de 1870 a 1930. Vol. IV e V. São Paulo, Edusp, 2002. Butlin, N. G. Colonial socialism in Australia, 1860-1900. In Aitken, H. G. J. (org.), The state and economic growth. Papers of a Conference Held on October 11-13, 1956, under the Auspices of the Committee on Economic Growth, 1956. Maddison, A. Monitoring the world economy 1820-1992. Paris: OECD, 1998. O´Connell, A. Argentina into depression: problems of an open economy. In: Thorpe, R. (org.), An economic history of XX century Latin America. 1984. Shaw, A. G. L. The economic development of Australia. London; New York: Longmans, Green and co., 1944. Solberg, E. Argentina y Canadá: una perspectiva comparada sobre su desarrollo económico, 1919-1939. Desarrollo Económico, v. 21, n. 82, 1981. Wright, C. Innovation, continuity and conservatism: Australian employers and changes in labour management, 1900-1950. UKAustralian Labour History Conference, Manchester, UK, July 16-18th, 2003. (*) Economista pela FEA-USP e mestranda pelo IE-UFRJ. E-mail: [email protected]. (**) Economista pela FEA-USP e mestranda pelo IE-UFRJ E-mail: [email protected]. Bruno de Paula Rocha (*) testando a causalidade entre sistema financeiro e desenvolvimento econômico em um painel para o Brasil1 1. Introdução Este é o primeiro de três trabalhos que apresentarão os principais resultados da tese “Ensaios sobre economia bancária e política monetária no Brasil em uma abordagem regionalizada”. (Rocha, 2007). A temática apresentada nesta série é focada em alguns fatos empíricos relacionados aos sistemas financeiros e às economias regionais brasileiras. Os próximos artigos irão, na seqüência, avaliar os efeitos da política monetária nos estados brasileiros e discutir alguns atributos propostos para qualificar o funcionamento dos sistemas bancários locais. No presente trabalho, a inter-relação entre sistema financeiro e crescimento econômico nos estados brasileiros é explorada. seria possível incorporar um juízo adequado da importância do sistema financeiro para incrementar o crescimento econômico. Com as novas teorias de crescimento e seus novos tratamentos para o desenvolvimento tecnológico e capital humano tornou-se possível uma maior variedade de políticas que afetariam o crescimento de longo prazo. Apenas com o surgimento de uma teoria que ampliasse a conceituação trazida na modelagem tradicional O objetivo deste trabalho é analisar o grau de precedência temporal entre o componente exógeno das Há certo entendimento acerca da importância de variáveis reais para a explicação do desenvolvimento econômico. Em vista disso, fatores tecnológicos, estoque de capital (físico e humano) e preferência entre lazer e trabalho constituem o ponto central das teorias tradicionais de crescimento econômico. junho de 2007 Estudos recentes, no entanto, reforçam a importância do lado financeiro para uma explicação completa do fenômeno. Tal interesse se explica por um velho, mas não totalmente esclarecido, fato estilizado de forte correlação entre crescimento econômico e variáveis financeiras. Embora a relação entre estas duas dimensões econômicas seja há muito explorada, é recente o entendimento da importância do sistema financeiro como uma das fontes do crescimento econômico. Porém, mais importante que esta nova abordagem para o crescimento de longo prazo foi o entendimento do papel do sistema financeiro no processo de intermediação de recursos. Dois elementos-chave surgem nesta nova tipificação: o financiamento externo de projetos de investimentos e os custos de transação e informacionais associados a esta operação. É a capacidade de atenuar os custos de transação e de informação que torna o sistema financeiro essencial para o barateamento do custo externo de financiamento. Decorre desta intermediação um efeito que pode não apenas influenciar as taxas de poupança e, portanto, a taxa de acumulação de capital, mas também promover maior eficiência alocativa e inovação tecnológica. Assim, a importância deste sistema reside não só na capacidade de aumentar a captação de recursos, mas, principalmente, na habilidade em alterar estas alocações, podendo ter, dessa maneira, forte impacto sobre o crescimento tecnológico e a produtividade. Nesta direção, mais do que mero reflexo das condições fundamentais da economia, o sistema financeiro poderia ter importância na promoção do desenvolvimento econômico, atuando como força propagadora dos ciclos de negócio. 37 junho de 2007 variáveis financeiras e o componente exógeno do nível de desenvolvimento econômico no Brasil. O que se busca é avaliar a existência de um fato estilizado básico para esta literatura. Além do exame da relevância do lado financeiro para o nível de atividade, é crucial, para fins de política econômica, que se saiba em que sentido se dá a causalidade entre estas duas dimensões econômicas. Este trabalho utiliza-se de dados para um painel com os estados brasileiros entre 1995 e 2002. A estimação desagregada, de acordo com os mercados bancários estaduais brasileiros, introduz um ganho relevante de informação em relação à análise agregada dos dados. O Brasil é um país marcado por grandes desigualdades regionais, que se traduzem em sistemas financeiros locais igualmente diferenciados, podendo mesmo ser o caso de que os mercados relevantes para a atuação bancária sejam estaduais, com estratégias de ação definidas regionalmente. Dessa forma, a agregação dos dados omite uma rica fonte de informação cross-section, que se refere às diferenças nos estados brasileiros. Com a análise em painel, estas desigualdades e idiossincrasias locais podem ser consideradas explicitamente na estimação e controladas por meio de efeitos estaduais específicos, o que representa inequívoco avanço no estudo desta importante questão. 2. Metodologia para Causalidade em Painel Uma referência clássica para o tratamento da questão da causalidade é Granger (1969). Ao propor uma conceituação operacional e, portanto, testável para a idéia de causalidade, este autor deu uma grande contribuição para a literatura empírica. O conceito, tal como apresentado no trabalho seminal, sustenta que se x causa y, a projeção de y é realizada com maior precisão quando a variável x é utilizada. Se esta variável não tem utilidade para melhorar a predição de y, então x não “Granger-causa” y. Seguindo com a lógica trazida nesta conceituação, para avaliar se x causa y, devemos comparar as projeções realizadas por um modelo formado pelas 38 defasagens de y e x com uma versão modificada pela exclusão das defasagens de x. Se x não causa y, é de se esperar que as previsões produzidas por ambos os modelos acima sejam similares. Seguindo Granger e Huang (1997), esta assertiva é testada por meio da estimação de uma equação de teste, formada por uma combinação de somas e diferenças dos erros de projeções dos modelos com e sem defasagens de x. O teste empreendido é estendido em relação a Granger e Huang (1997) para tornar robusto o procedimento relativo aos efeitos específicos não-observáveis e não-estimados, presentes no painel de indivíduos incluídos na amostra. As projeções requeridas para os testes podem ser realizadas por meio de predições “fora da amostra” (out-of-sample), em que unidades seccionais são excluídas da amostra usada na estimação do modelo, e “pós-amostra” (post-sample), excluindo-se T períodos ao final da amostra de todas as unidades seccionais. Os resultados apresentados abaixo dizem respeito a projeções pós-amostrais. Além de aplicarmos a metodologia de causalidade de Granger (1969) adaptada para painéis dinâmicos, será realizado o teste sugerido por Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988). Tal procedimento consiste em realizar um teste de Wald para verificar a hipótese de que os coeficientes associados aos termos defasados da variável independente são conjuntamente não-significantes. Desta forma, caso o teste permita rejeitar esta hipótese, podemos dizer que há precedência temporal por parte da variável independente. 3. Dados Para a caracterização dos sistemas financeiros regionais serão tomados indicadores relativos à atuação dos seus respectivos setores bancários. Os bancos compõem uma parte extremamente importante do sistema financeiro, atuando no processo de intermediação, com produtos e serviços que contribuem para a resolução dos problemas de informação e dos custos de transação, como tratado na seção anterior. Três proxies são utilizadas para representar os sistemas bancários estaduais: (i) o volume real de crédito bancário por agência em cada estado; (ii) o volume real de depósitos bancários totais (a vista e a prazo) por agência em cada estado e (iii) a soma do saldo de depósitos e do saldo crédito por agência bancária em cada estado. Os dados foram disponibilizados pelo Banco Central do Brasil. As informações foram deflacionadas segundo o IPCA, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Como indicador de atividade econômica foi utilizado o PIB estadual coletado pelo IBGE. Este trabalho utiliza uma amostra com dados anuais, compreendendo um painel com todos os estados brasileiros entre 1995 e 2002. 4. Resultados Os resultados dos testes de causalidade realizados são resumidos no quadro abaixo. Como podemos observar, empregando o método de Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) e Granger e Huang (1997) para projeção “pósamostra”, os resultados parecem mostrar que crédito e depósitos bancários, além da soma destes dois indicadores, exercem uma relação causal para a determinação do produto. Já com a causalidade no sentido contrário, nota-se que as defasagens da variável crescimento econômico não são significantes para determinar as proxies criadas para sistema financeiro. Vale notar que este resultado é robusto para diferentes defasagens testadas nos modelos dinâmicos estimados. quadro 1 – causalidade entre os indicadores financeiros e produto Crédito Bancário Freqüência Amostral Teste Utilizado Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) Granger e Huang (1997) Anual Mensal ⇒ ⇒ ⇔ ⇒ ⇒ ⇒ ⇔ ⇐ ⇒ ⇒ ⇔ Depósitos Bancários Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) Granger e Huang (1997) Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) Granger e Huang (1997) ⇒ : Indicador financeiro Granger-causa produto e produto não Granger-causa indicador financeiro. ⇐ : Produto Granger-causa indicador financeiro e indicador financeiro não Granger-causa produto. ⇔ : Indicador financeiro Granger-causa produto e produto Granger-causa indicador financeiro. ⇓ : Indicador financeiro não Granger-causa produto e produto não Granger-causa indicador financeiro. Nota: À semelhança da ampla literatura empírica que trata deste assunto, o lado financeiro pode ter papel ativo no desenvolvimento econômico brasileiro, uma vez que os componentes exógenos das variáveis financeiras mostram-se estatisticamente significantes para a determinação do produto. ⇓ junho de 2007 Soma de Depósitos Bancários e Crédito Bancário Uma amostra alternativa pode ser proposta para o teste da robustez dos resultados acima. Desta forma, será utilizado um conjunto de dados similares ao trabalhado até aqui, mas com uma periodicidade mensal. Estes dados consideram um painel de dez estados brasileiros, a saber, São Paulo, Minas Gerais, 39 junho de 2007 Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Pernambuco, Ceará e Bahia. O conjunto de unidades analisadas é limitado pela disponibilidade dos dados para avaliar o lado real. Para este propósito serão utilizados dados de produção industrial mensal do IBGE. Os indicadores financeiros, a não ser pela periodicidade, são idênticos aos descritos anteriormente. O período amostral compreende os meses entre fevereiro de 1997 e agosto de 2003. Com os dados mensais, tanto os testes de Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) quanto os testes de Granger e Huang (1997) dão suporte, em alguns casos, à hipótese de que o indicador de produto seja um preditor relevante do sistema financeiro. Em nosso entendimento, trata-se de um fenômeno inteiramente ligado à freqüência dos dados. A freqüência mensal pode não ser baixa o suficiente para validar as justificativas teóricas aludidas na literatura econômica – essencialmente ligadas a fenômenos de longo prazo – utilizadas para justificar a relação entre sistema financeiro e crescimento econômico. Este ponto já havia sido levantado por outros autores, que desencorajam, por este motivo, o uso de séries de dados mensais ou trimestrais. 5. Considerações Finais atestada a correlação positiva e robusta, associando sistema bancário e nível de produto. Além disso, a causalidade encontrada fornece aos formuladores de políticas públicas um novo leque de oportunidades para promover o nível de renda no País. Nesta direção, podem ser tomadas providências que incrementem a atividade bancária no Brasil, como, por exemplo, a promoção da concorrência no setor e a definição de um marco regulatório adequado, com regras claras e críveis. 1 Este trabalho é uma versão resumida, com os principais resultados do primeiro capítulo de Rocha (2007). O autor agradece à preciosa orientação recebida de Márcio Issao Nakane e ao convite de Gilberto Tadeu Lima para escrever este artigo. Referências Bibliográficas Granger, Clive W. J. Investigating causal relationships by econometric models and cross-spectral methods. Econometrica, v. 37, p. 424-438, 1969. Granger, Clive W. J; Huang, Ling-ling. Evaluation of panel data models: some suggestions from time series. U.C. San Diego, 1997. Mimeo. Holtz-Eakin, Douglas; Newey, Whitney; Rosen, Harvey S. Estimating vector autoregressions with panel data. Econometrica, v. 56, p. 1371-1395, 1988. Rocha, Bruno de Paula. Ensaios sobre economia bancária e política monetária no Brasil em uma abordagem regionalizada. 2007. Tese (Doutorado), IPE/FEA/USP, São Paulo. Os testes sugeridos por Holtz-Eakin, Newey e Rosen (1988) e Granger e Huang (1997) parecem indicar que há uma causalidade unidirecional, em que os indicadores financeiros precedem temporalmente a variável de atividade econômica. Outro resultado a ser mencionado diz respeito à evidência de que a causalidade em sentido contrário, ou seja, o produto Granger-causa sistema financeiro, aparece quando utilizada uma base de dados mensal. Esta inversão de resultados pode ser explicada pela natureza de longo prazo dos fenômenos por trás da relação entre sistema financeiro e produto. Considerando o curto prazo, o sistema financeiro acaba por se tornar um mero reflexo das condições reais da economia. Estes resultados têm importantes impactos em termos de política econômica. Em primeiro lugar, ficou 40 (*) Doutor em economia, IPE-FEA/USP. E-mail: [email protected].