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Valor Econômico – 2 de janeiro de 2013
A bênção disfarçada do baixo crescimento
Mansueto Almeida
As autoridades econômicas e a presidente Dilma Rousseff terminaram o ano passado
com uma visível preocupação com a forte desaceleração da economia brasileira.
Temas como reforma tributária, redução da carga tributária, concessões de serviços
públicos, aumento da produtividade, inovação, redução do custo dos insumos básicos
(energia e gás), etc. voltaram aos noticiários.
De repente, notou-se que o "modelo brasileiro" deixou de entregar o prometido
crescimento sustentável. Esse modelo, de 2004 a 2010, foi caracterizado pelo ciclo de
aumento do preço de commodities, da taxa de investimento e da arrecadação do
governo, expansão dos programas sociais, do consumo impulsionado por ganhos reais
de salários e do crédito.
Alguns analistas apontam que apesar do baixo crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), nos últimos dois anos, a pobreza e a desigualdade de renda continuaram a cair.
Infelizmente, ainda não se inventou na teoria econômica a possibilidade de
crescimento sustentável da renda em uma economia com crescimento medíocre do
PIB.
De 1999 a 2011, 87% do crescimento da despesa primária do governo federal (em %
do PIB) resultou do crescimento das despesas do INSS, benefícios da Lei Orgânica de
Assistência Social (Loas), seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família. Sem o
crescimento da arrecadação que resultou do crescimento maior do PIB, a expansão
dos programas sociais na última década teria sido muito menor.
O ambiente externo mudou e descobriu-se que o modelo brasileiro de crescimento era
frágil. Os empresários deixaram de enxergar um ciclo de crescimento sustentável e o
investimento passou a cair desde o terceiro trimestre de 2011, apesar das taxas de
juros reais negativas para investir e de vários estímulos setoriais.
Em cenário adverso como esse, o que o governo poderia fazer para que 2013 marque
o início de reformas com vistas ao aumento do investimento e do crescimento?
Primeiro, seria importante uma atenção maior com o crescimento de longo prazo. O
mercado de trabalho no Brasil ainda está aquecido e a taxa de desemprego baixa
(menos de 5%). Um crescimento menor por dois ou três anos não é um completo
desastre. Investimentos não são feitos com a expectativa de retorno em um ou dois
anos, mas com o retorno em uma ou mais décadas. Assim, é preciso atuar para
melhorar os fatores que afetam o crescimento de longo prazo: qualidade do capital
humano, inovação e progresso tecnológico.
Segundo, mesmo que de forma gradual, o governo deve aumentar o seu compromisso
com a agenda de reformas, reconhecendo que o impacto positivo desse tipo de medida
no crescimento da produtividade e do investimento não será imediato e que, em geral,
são complementares. Não adianta uma reforma tributária que simplifique o número de
impostos se o governo continuar aumentando a carga tributária. Reformas para
reduzir a burocracia de abrir e fechar empresas serão inócuas se, com intervenções
setoriais excessivas, o governo não permitir o pleno funcionamento do mecanismo da
"destruição criativa". Uma maior abertura da economia para reduzir o custo do
investimento poderá ter efeito reduzido se, ao mesmo tempo, aumenta-se,
excessivamente, a exigência de conteúdo nacional.
Terceiro, é preciso melhorar a independência e funcionamento das agências
reguladoras. O funcionamento e independência das agências está sendo questionado
em todo o mundo, mas no Brasil é clara a falta de independência e as dúvidas que
ainda persistem sobre a capacidade técnica de alguns dos seus diretores. Aqui, tem-se
a impressão que o pleno funcionamento das agências reguladoras é pautado mais por
telefonemas de ministros de Estado do que pelo que está escrito na lei.
Quarto, em países com infraestrutura precária como o Brasil, há um interesse natural
do setor privado em investir nessa área. E com a redução das taxas de juros das
aplicações financeiras, os investidores institucionais como fundos de pensão terão
interesse cada vez maior em aplicar seus recursos em projetos de longo prazo. O
governo parece que, finalmente, entendeu que o setor privado pode ser um aliado
nessa área, mas para isso é preciso evitar a tentação de querer definir a taxa de retorno
dos investimentos. A melhor forma de reduzir a taxa interna de retorno é por meio de
leilões que sejam adequadamente estruturados e que estimulem à concorrência.
Graças ao baixo crescimento do PIB e à queda do investimento, iniciou-se, em 2012,
um debate mais profundo sobre os obstáculos ao crescimento sustentável da economia
brasileira. No entanto, a mudança no discurso das autoridades econômicas parece
estar ainda no estágio inicial do que se chama na psicologia social de "dissonância
cognitiva". Isso ocorre quando um governante, por exemplo, é forçado pelas
circunstâncias (baixo crescimento) a adotar medidas (estímulos à oferta) diferente de
suas crenças (estímulos à demanda).
O economista Albert Hirschman (1915-2012) destacou em um dos seus textos ("A
bias for hope", 1971, p.324-325) que, em momentos como esse, os governantes
podem mudar suas crenças para reduzir o desconforto decorrente da distância que
separa suas ações de suas ideias. Neste caso, o que inicialmente parecia ser um
obstáculo ao crescimento pode se tornar uma "bênção disfarçada" ("blessing in
disguise"). Vamos torcer para que, em 2013, estejamos em um momento de
"mudanças de ideias" de nossa equipe econômica e que o baixo crescimento de 2012
tenha sido uma "bênção disfarçada". Feliz ano-novo.
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