UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO RENATA DA FONTOURA BUDASZEWSKI ATUALIZAÇÃO EM AMILOIDOSE FELINA: REVISÃO DE LITERATURA PORTO ALEGRE - RS 2010 RENATA DA FONTOURA BUDASZEWSKI ATUALIZAÇÃO EM AMILOIDOSE FELINA: REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais para obtenção do título de Especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: M. Sc. Rochana Rodrigues Fett PORTO ALEGRE - RS 2010 Dedico esta monografia à minha família humana e felina. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, aos animais, pois foi o amor que sinto que me fez escolher esta profissão, para que um dia pudesses lhes ser útil de alguma forma. Esse amor me deu forças para chegar até aqui. Agradeço à minha mãe, a mulher mais forte e determinada que conheço, que em todos os momentos esteve ao meu lado, me apoiando em todas as dificuldades e dividindo comigo a alegria das pequenas vitórias. Agradeço ao meu pai, que sempre me apoiou, e me ajudou a cuidar dos meus bichinhos, com muito amor. À minha irmã, agradeço por dividir o amor e o respeito aos animais, por todo o apoio e compreensão. Agradeço à minha avó e meu avô, pessoas muito amadas por todos, exemplos de força, união, amor e respeito, que sempre estiveram ao meu lado fazendo com que me sentisse segura. Sem eles nada disso seria possível. Agradeço aos meus adorados filhotes: Tortinha, Fofucha, Gordo, Renatinho, Lola e Pretinha; agradeço também aos que já são anjinhos: Raisa, Tara, Pépi, Eska e Mingau. Agradeço ao meu falecido avô paterno, que me deu o presente mais especial de todos: um gatinho frágil e sapeca, o meu amado Mingau, que despertou esse amor imenso pelos felinos. À minha orientadora de Monografia e amiga, M. Sc. Rochana Rodrigues Fett, muito obrigada pelo auxílio na elaboração da monografia, pela competência, pelo exemplo profissional e pela amizade. Agradeço também à prof. Valéria Teixeira, pelo auxílio na correção da monografia; e à M. Sc. Luciana Sonne, por gentilmente ceder material contribuindo para a elaboração deste trabalho. Muito obrigada a todos! "Jamais creia que os animais sofrem menos que os humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos." (Louis J. Camuti) RESUMO Revisão bibliográfica e atualização sobre amiloidose em felinos, afecção que se caracteriza pela deposição de uma proteína amilóide em diversos órgãos, provocando disfunção e insuficiência. Realizada com o intuito de divulgar a importância desta doença que ocorre de forma familiar em gatos abissínios, siameses e orientais. O diagnóstico definitivo é difícil de obter e não há tratamento eficaz, levando os animais a óbito. Palavras-chave: amilóide, abissínio, siamês, oriental ABSTRACT Bibliographic review and update on feline amyloidosis, condition that is characterized by the deposition of an amyloid protein in several organs, causing their dysfunction and insufficiency. It was designed with the aim of publishing the importance of this disease that occurs with a familial trait in abyssinian, siamese and oriental cats. The definitive diagnosis is hard to obtain and there is no efficient treatment, resulting in animal’s death. Key words: amyloid, abyssinian, siamese, oriental LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Micrografia eletrônica mostrando feixes de fibrilas amilóides ................. 15 Figura 02 - Pedigree dos descendentes de duas famílias de Siameses, A e T. Os círculos indicam fêmeas, e os quadrados indicam machos; preenchidos na cor preta indicam animais com amiloidose confirmada histologicamente, e na cor cinza indicam animais clinicamente diagnosticados com amiloidose, mas sem confirmação pela histologia .......................................................................................................................... 25 Figura 03 - Aparência típica de amilóide em ilhota pancreática de um gato diabético . 37 Figura 04 - Cortes corados com vermelho Congo, demonstrando depósitos de amilóides em ilhotas pancreáticas de gatos tratados com glipizida ................................. 38 Figura 05 - Coloração por imunohistoquímica para polipeptídeo amilóide das ilhotas (IAPP) .............................................................................................................................. 39 Figura 06 - Cortes corados com HE, demonstrando depósito de amilóide em rins de gatos-de-patas-negras ....................................................................................................... 41 LISTA DE QUADROS Quadro 01 - Tipos de amilóides, seus precursores e ocorrências .................................... 16 Quadro 02 - Proteínas associadas às síndromes amilóides em seres humanos e animais domésticos ........................................................................................................................ 20 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS α- Alfa AA - Proteína amilóide A AAF - Aspiração por agulha fina AEF - Fator favorecedor de amilóide AI - Proteína amilóide I AL - Proteína amilóide L apoAI - Apolipoproteína AI β- Beta βAP - Proteína beta-amilóide βAPP - Proteína precursora do beta-amilóide DMSO - Dimetilsulfóxido FeLV - Vírus da leucemia felina FIV - Vírus da imunodeficiência felina GAG - Glicosaminoglicano γ- Gama gr. - Grego HDL - Lipoproteína de alta densidade HE - Hematoxilina e eosina IAPP - Polipeptídeo amilóide das ilhotas %- Porcentagem IRC - Insuficiência renal crônica kg - Quilograma λ- Lâmbda µm - Micrômetros mg - Miligrama Na+Cl- - Cloreto de sódio nm - Nanômetro ω- Ômega PAS - Ácido periódico-Schiff p. ex. - Por exemplo PIF - Peritonite Infecciosa Felina SAA - Amilóide A sérico SRD - Sem raça definida SUMÁRIO RESUMO 05 ABSTRACT 06 LISTA DE FIGURAS 07 LISTA DE QUADROS 08 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 09 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12 2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 14 2.1 DEFINIÇÃO DE AMILOIDOSE .............................................................................. 14 2.2 CLASSIFICAÇÃO .................................................................................................... 19 2.3 GENÉTICA ................................................................................................................ 24 2.4 IDENTIFICAÇÃO ..................................................................................................... 26 2.5 FISIOPATOLOGIA ................................................................................................... 26 2.6 SISTEMAS ACOMETIDOS ..................................................................................... 31 2.6.1 Renal ....................................................................................................................... 31 2.6.2 Hepático ................................................................................................................. 35 2.6.3 Endócrino ............................................................................................................... 36 2.7 DIAGNÓSTICO ........................................................................................................ 40 2.8 TRATAMENTO E PROFILAXIA ............................................................................ 44 2.9 PROGNÓSTICO ........................................................................................................ 47 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... REFERÊNCIAS 48 49 12 1 INTRODUÇÃO A amiloidose se caracteriza pela deposição extracelular de proteínas fibrilares dispostas em configuração de folha β-dobrada. Essa configuração biofísica proporciona a essas proteínas suas propriedades de insolubilidade e resistência à proteólise in vivo, bem como suas características de coloração específicas. Em seres humanos estão descritas muitas classes de amiloidose, mas apenas a amiloidose sistêmica reativa (secundária) tem importância na medicina de pequenos animais. A amiloidose sistêmica reativa ocorre secundariamente a doenças inflamatórias, neoplásicas e infecciosas crônicas, embora em muitos casos a doença predisponente não seja encontrada. Esses depósitos de amilóide são fragmentos aminoterminais da proteína amilóide A sérica (SAA), que é uma proteína de fase aguda presente em concentrações aumentadas em afecções inflamatórias crônicas. Apenas pequena porcentagem de gatos com tais doenças inflamatórias desenvolve depósitos de amilóide e acredita-se que outros fatores herdados e adquiridos são provavelmente importantes nesses indivíduos. A amiloidose familiar ocorre em gatos Abissínios e também constitui amiloidose sistêmica reativa. Gatos de diferentes raças podem ser acometidos, no entanto observa-se maior ocorrência em gatos das raças Abissínio (BOYCE et al., 1984; CHEW et al., 1982; DIBARTOLA et al., 1985; DIBARTOLA et al., 1986a; DIBARTOLA et al., 1987; DIBARTOLA et al., 1989; TARR; DIBARTOLA, 1985; VAN ROSSUM et al., 2004), Oriental e Siamês (BEATTY et al., 2002; GODFREY; DAY, 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN ROSSUM et al., 2004). A afecção pode afetar diferentes órgãos. Os achados clínicos dependem dos órgãos afetados, quantidade de amilóide presente e reação dos órgãos afetados frente à presença dos depósitos de amilóide. Os depósitos de amilóide nos rins são os mais graves, pois levam à afecção renal progressiva e os sinais clínicos observados são em geral os de insuficiência renal crônica e uremia. Freqüentemente são encontrados depósitos em outros órgãos, como glândulas adrenais, glândula tireóide, baço, estômago, intestino delgado, cólon, coração, fígado e pâncreas, no entanto depósitos de amilóide nesses órgãos freqüentemente não causam sinais clínicos, exceto quando há envolvimento hepático grave, levando à ruptura hepática espontânea e hemorragia. A maioria dos gatos com amiloidose sistêmica espontânea é de meia-idade a idosa. Os gatos Abissínios primeiramente exibem depósitos renais de amilóide entre nove e 24 meses de 13 idade, ainda que esses casos se apresentem, em geral, com sinais clínicos de um a cinco anos de idade, com fêmeas ficando ligeiramente exageradamente representadas. O diagnóstico definitivo é pela demonstração de depósitos de amilóide nos órgãos de gatos afetados. Os depósitos de amilóide evidenciam birrefringência verde maçã característica após coloração com vermelho Congo quando vistos sob luz polarizada. O diagnóstico é freqüentemente difícil de obter. 14 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 DEFINIÇÃO DE AMILOIDOSE Em 1854, Virchow denominou o material extracelular amorfo que encontrou durante exames histopatológicos de pacientes humanos como amilóide (gr. amylon, amido), e após mais de 150 anos ainda o chamamos desta forma. Ele escolheu essa denominação devido às similaridades a alguns vegetais em relação à coloração com iodo. Em 1859, Friedreich e Kekulé descreveram a natureza protéica do amilóide (GRUYS, 2004). A amiloidose refere-se a um grupo diverso de afecções progressivas que se caracterizam pela deposição extracelular de uma substância hialina, eosinofílica e amorfa, composta por fibrilas formadas com uma conformação biofísica específica denominada folha β-dobrada (BARDER, 2006; DIBARTOLA et al., 1990; DIBARTOLA; RUTGERS, 1994; GLENNER, 1980 apud SCHULZE et al., 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; JOHNSON; SHERDING, 2008; MACLACHLAN; CULLEN, 1998; MITCHELL et al., 2006; SENIOR, 2001; TERIO et al., 2008; TIZARD, 2002; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Esta conformação é responsável pelas propriedades ópticas e tintoriais exclusivas dos depósitos de amilóide, bem como por sua insolubilidade e resistência à proteólise in vivo (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). O amilóide é uma proteína fibrilar homogênea, e seu depósito é mais comum em baço, fígado e rins (CHEVILLE, 2004). O exame do amilóide ao microscópio eletrônico de transmissão revela fibrilas amilóides características de 7,5 a 10 nm de diâmetro (Figura 01). As fibrilas são túbulos rígidos ocos, não ramificados, cujo comprimento é variável porque se entrecruzam dentro e fora do plano de corte (CHEVILLE, 2004; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Quando examinados por difração de raios X, os peptídeos que formam as fibrilas possuem a configuração característica em folha β-dobrada. Essa hélice macromolecular de periodicidade de 100 nm formada por duas micelas de folha β-dobrada enroladas é responsável pela resistência das fibrilas amilóides à digestão proteolítica. A deposição implacável dessas fibrilas inertes leva à atrofia por pressão e à interferência com a função tecidual. Além disso, foi descrito que alguns tipos de amilóide induzem a morte celular programada (CHEVILLE, 2004). 15 Aparentemente, o processo de crescimento físico-químico das fibrilas de amilóide é bastante simples. É mediado por fragmentos degradados ou proteínas pré-fibrilares nas quais chaperonas podem influenciar largamente no processo de cristalização (GRUYS, 2004). Um defeito celular discreto no processamento de proteínas é a base da amiloidose. A nova proteína anormal não é processada normalmente e as unidades peptídicas são agregadas em fibrilas. Embora as fibrilas sejam fisicamente uniformes, elas podem ser compostas de segmentos peptídicos anormais oriundos de proteínas diferentes como albumina, hormônio do crescimento, imunoglobulinas, proteínas semelhantes à insulina e amilóide A sérico (SAA), uma proteína de fase aguda da inflamação (CHEVILLE, 2004). FIGURA 01 - Micrografia eletrônica mostrando feixes de fibrilas amilóides. (Adaptado de Arnold, 2008) As fibrilas de amilóide formam uma matriz na qual os glicosaminoglicanos (GAGs) são secretados e que absorve algumas das proteínas dos fluidos do tecido conjuntivo. As variações em densidade e coloração do amilóide resultam das diferenças na quantidade de componentes não-amilóides que se ligaram ao arcabouço fibrilar. Pode-se encontrar fibrina, colágeno, complemento e globulina no amilóide. Dependendo do seu estágio de deposição, o amilóide estará contaminado com quantidades variáveis destas substâncias (CHEVILLE, 2004). Os GAGs dão ao amilóide seu caráter de carboidrato. As células secretoras de amilóide alteram o estroma do tecido conjuntivo e facilitam a deposição de amilóide ao secretarem GAGs, que aceleram a polimerização de fibrilas amilóides. O componente P, um corpúsculo em forma de anel pentagonal com 8 nm de diâmetro, também é um componente 16 do amilóide. Esta glicoproteína não relacionada quimicamente às fibrilas de amilóide é idêntica a uma α1-glicoproteína do soro normal (a qual está relacionada ao componente do complemento C1t e à proteína C-reativa). As características do iodeto como corante de amilóide são compartilhadas pelos GAGs (CHEVILLE, 2004). O denominador comum de todos os amilóides é serem eles agregados de fibrilas de folhas β-dobradas. Apesar de sua homogeneidade física, a natureza química da proteína fibrilar é diferente. Ou seja, a fibrila é composta de unidades repetidas de peptídeos específicos idênticos (ou altamente semelhantes) a uma proteína de ocorrência normal. A estrutura química diferente e a fonte desses peptídeos oferece bases para a classificação dos diferentes tipos de amilóide (CHEVILLE, 2004; MACLACHLAN; CULLEN, 1998). As fibrilas de amilóide podem ser formadas pelo processamento anormal de proteínas tão diversas como a proteína de fase aguda, imunoglobulinas, secreções endócrinas e muitas outras proteínas celulares (Quadro 01). Muitos desses amilóides originam-se de uma proteína precursora solúvel que possui estrutura primária amiloidogênica e que, depois da proteólise, se agrega numa configuração de folha β-dobrada (CHEVILLE, 2004; MACLACHLAN; CULLEN, 1998; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Essa forma é resistente à digestão enzimática ulterior e se acumula no tecido; um exemplo é a fibrila composta por amilóide A que se desenvolve na infecção crônica e na septicemia (CHEVILLE, 2004). QUADRO 01 - Tipos de amilóides, seus precursores e ocorrências. Tipo de amilóide Precursor AA Amilóide sérico A (SAA) Cadeias leves das imunoglobulinas AI Apolipoproteína AI Polipeptídeo amilóide das IAPP ilhotas Proteína precursora do βSenil (βAP) amilóide (Fonte: adaptado de CHEVILLE, 2004). AL Ocorre em Enfermidade crônica, septicemia Plasmocitoma Artérias pulmonares Ilhotas pancreáticas Cérebro de animais idosos As fibrilas de amilóide, independente de sua origem, são depositadas nos tecidos junto com o componente P do amilóide, o qual consiste em estruturas pentagonais homólogas à proteína C reativa (CONFER; PANCIERA, 1998). Na microscopia eletrônica, observa-se que o amilóide é composto por 95% de fibrilas e 5% de componente P (MITCHELL et al., 2006). 17 A deposição de amilóide pode ser associada com diferentes síndromes clínicas. A forma dominante de amiloidose sistêmica nos animais é a amiloidose AA, um tipo de amiloidose reativa. É mais comum em cães, bovinos e eqüinos, mas é descrita em todo o reino animal (CHEVILLE, 2004; TIZARD, 2002; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997), sendo importante em determinadas raças de gatos, como Abissínios (BOYCE et al., 1984; CHEW et al., 1982; DIBARTOLA et al., 1985; DIBARTOLA et al., 1986a; DIBARTOLA et al., 1987; DIBARTOLA et al., 1989; TARR; DIBARTOLA, 1985; VAN ROSSUM et al., 2004), Orientais e Siameses (BEATTY et al., 2002; GODFREY; DAY, 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN ROSSUM et al., 2004). O amilóide AA é uma proteína de baixo peso molecular e de cadeia única, sendo o principal componente de fibrilas purificadas a partir do amilóide da inflamação crônica. Ele é formado nos macrófagos por proteólise do amilóide sérico A, que são moléculas antigenicamente assemelhadas, porém maiores, que circulam no sangue (CHEVILLE, 2004). Segundo Van der Linde-Sipman et al. (1997), o amilóide AA tem uma alta proporção de homologia interespécies. O SAA é um reagente de fase aguda do plasma presente nos animais normais. Aumenta durante as fases iniciais da inflamação aguda, embora suas funções não sejam compreendidas. As concentrações plasmáticas de SAA se elevam poucas horas depois da febre ou da infecção e declinam rapidamente até os valores normais depois da recuperação. O SAA, o qual está acentuadamente elevado em animais com amiloidose, é sintetizado nos hepatócitos e transportado pela corrente circulatória, associado a lipoproteínas de alta densidade (HDLs) (CHEVILLE, 2004; GLENNER, 1980 apud SCHULZE et al., 1998; JONES et al., 1997). O amilóide SAA se desenvolve em infecções progressivas de longa duração ou em processos que destroem tecidos. É comum em tuberculose, malária, leishmaniose e osteomielite bacteriana. Nessas enfermidades, as seqüelas clínicas dos depósitos de amilóide geralmente são mascaradas pela gravidade da doença séptica (CHEVILLE, 2004). A amiloidose AL raramente é observada em animais, sendo uma enfermidade comum em seres humanos. O amilóide AL é produzido por células secretoras de imunoglobulinas, das quais a mais típica é o plasmócito neoplásico de pacientes com plasmocitoma. São formados por cadeias leves da molécula de imunoglobulina (CHEVILLE, 2004; JONES et al., 1997). A deposição localizada de amilóide em quantidades variáveis foi relatada em gatos com plasmocitoma extramedular expressando amilóide de cadeia leve λ, ou seja, amiloidose AL (PLATZ et al., 1997). 18 Cheville (2004) cita uma forma única de amiloidose derivada de apolipoproteína AI (apoAI) que ocorre nas artérias pulmonares de cães. Depósitos de amilóide pulmonar vascular deste tipo ocorrem em 12 a 22% dos cães, mas não há relatos de ocorrência em gatos. O amilóide também pode ser formado durante o processamento de peptídeos normais, como insulina, calcitonina, hormônio do crescimento e outros hormônios. O polipeptídeo amilóide das ilhotas (IAPP) é um componente normal dos grânulos secretores das células β das ilhotas pancreáticas, sendo co-secretado com a insulina. O amilóide IAPP ocorre nas ilhotas pancreáticas e é especialmente comum em gatos idosos e humanos. Nos gatos, o amilóide das ilhotas pode estar associado a células β. Existe associação entre os amilóides das ilhotas pancretáticas e o diabetes mellitus em gatos. O amilóide induzido por IAPP aparece em mais de 90% dos seres humanos com diabetes do tipo II e em mais de 80% dos gatos adultos com diabates mellitus (CHEVILLE, 2004). O córtex cerebral dos mamíferos idosos desenvolve pequenos focos de axônios e dendritos em degeneração que circundam um núcleo de fibrilas amilóides. Chamados de placas neuríticas (ou placas de senilidade), esses focos se desenvolvem em cães e gatos idosos. Em seres humanos são característicos da doença de Alzheimer (CHEVILLE, 2004; HOUPT, 2001). O amilóide em placas neuríticas é composto de uma proteína única, a proteína βamilóide (βAP). A βAP parece ser tóxica para os neurônios, sendo que o acúmulo de fragmentos de amilóide no seu interior pode provocar a morte celular e a formação de placas neuríticas. A βAP é sintetizada em neurônios como componente de uma proteína maior, a proteína precursora do β-amilóide (βAPP). A βAPP é uma glicoproteína integral da membrana, sintetizada no corpo neuronal e transportada para a superfície do neurônio por transporte anterógrado rápido para manter a adesão das células nas terminações nervosas. Quando há mutação na βAPP, os fragmentos anormais são transportados para os lisossomos, onde podem se reestruturar como amilóide. A βAPP se desenvolve depois de lesões ao citoesqueleto do neurônio e tem sido usado como marcador de lesão cerebral (CHEVILLE, 2004). 19 2.2 CLASSIFICAÇÃO Após a descoberta da microscopia eletrônica ocorreu um grande impulso na investigação sobre o amilóide. Isso ofereceu novas possibilidades para isolamento, separação de peptídeos e análise da natureza bioquímica do material depositado correspondente aos diferentes padrões clinico-patológicos, e ofereceu também uma base racional para a nomenclatura: a primeira letra, A, para amilóide e uma ou mais para o tipo químico (GRUYS, 2004). O primeiro tipo de amilóide caracterizado foi uma proteína amilóide do grupo A: AA; o segundo A do AA é para proteína A, na qual o A simplesmente representa a primeira letra do alfabeto. Um segundo tipo foi originalmente denominado grupo B, mas logo foi chamado de AL, com o L representando as cadeias leves de imunoglobulinas do qual esse amilóide é derivado. Até o momento, mais de 25 tipos de amilóides foram descritos (GRUYS, 2004). Das muitas formas diferentes de amilóide, duas possuem maior importância. O amilóide imunocítico está associado à presença de um mieloma ou de outro tumor linfóide. O amilóide reativo está associado a condições supurativas crônicas, tais como osteomielite, abscessos, tuberculose. Amiloidose reativa é a principal causa de morte em animais repetidamente imunizados para produção comercial de anti-soros. Também está comumente associado às doenças auto-imunes (TIZARD, 2002). Observam-se várias formas bem definidas de amiloidose em animais domésticos; por exemplo, cães idosos podem sofrer de uma amiloidose vascular, na qual o amilóide se deposita na túnica média das artérias leptomeníngeas e corticais, e gatos Abissínios apresentam uma forma hereditária de amilóide (TIZARD, 2002). A amiloidose também já foi associada à senilidade (HOUPT, 2001). A amiloidose pode ser primária, quando ocorre devido à produção de imunoglobulinas anormais como conseqüência de discrasias de plasmócitos (JONES et al., 1997), ou secundária (reativa), que é o tipo mais freqüente e associado a processos inflamatórios crônicos, infecções e neoplasias (DIBARTOLA et al., 1990). Raramente a amiloidose associada a imunoglobulinas foi documentada em animais domésticos, no entanto, gatos com plasmocitoma expressando amiloidose AL já foram relatados. A amiloidose associada a variantes genéticas da transtirretina ainda não foi identificada em animais domésticos (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; PLATZ et al., 1997). 20 As síndromes amilóides podem também ser classificadas pela distribuição dos depósitos como sistêmicas ou localizadas e pela natureza da proteína responsável (Quadro 02). As síndromes localizadas em geral afetam o órgão, sendo raras em animais domésticos. Um exemplo de amiloidose localizada é o amilóide das células das ilhotas do pâncreas em gatos domésticos. A proteína do amilóide nos vasos cerebrais de cães idosos foi relacionada imuno-histoquimicamente à β2-proteína encontrada em pacientes humanos idosos, como a doença de Alzheimer, e foi determinado pela análise da seqüência de aminoácidos que a proteína encontrada na vasculatura pulmonar de cães era a apolipoproteína AI (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). QUADRO 02 - Proteínas associadas às síndromes amilóides em seres humanos e animais domésticos. Principais Associação com Proteína Distribuição órgãos Espécie afecções afetados Amiloidose Várias Amilóide A sérica Sistêmica Vários sistêmica reativa Cadeias leves Discrasias Humana, Sistêmica Vários imunoglobulínicas plasmocíticas canina Pulmão, pele, Lesões nodulares Localizada Humana trato urinário locais Localizada Cavidade nasal Hemorragia nasal Eqüina Localizada Pele Plasmocitoma Felina Neuropatia Transtirretina Sistêmica Vários Humana periférica Localizada Coração Miocardiopatia Humana Senescência Humana Neuropatia Apolipoproteína AI Sistêmica Vários Humana periférica Localizada Pulmão Senescência Canina Apolipoproteína Senescência Sistêmica Vários Camundongo AII acelerada Gelosina Sistêmica Vários Neuropatia cranial Humana Distrofia da treliça Humana corneal Polipeptídeo do Diabete melito, Humana, amilóide das Localizada Pâncreas insulinoma felina ilhotas Carcinoma Calcitonina Localizada Tireóide medular da Humana tireóide 21 QUADRO 02 - Proteínas associadas às síndromes amilóides em seres humanos e animais domésticos (continuação). Principais Associação com Proteína Distribuição órgãos Espécie afecções afetados Peptídeo Localizada Coração Senescência Humana natriurético atrial Hemodiálise β2-microglobulina Localizada Articulações Humana crônica Doença de Humana β2-proteína Localizada Cérebro Alzheimer Síndrome de Humana Down Senescência Canina Hemorragia Cistatina C Localizada Cérebro Humana cerebral Proteína príon Localizada Cérebro Encefalopatia Humana Encefalopatia Ovina (scrapie/prurido) Encefalopatia Bovina Amilóide Queratina Localizada Pele molecular e Humana líquen amilóide (Fonte: adaptado de GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Os principais tipos relacionados à forma sistêmica de amiloidose em animais são: proteína amilóide A (AA) e a proteína de cadeia leve (AL). A proteína amilóide A é derivada da proteína amilóide A do soro (SAA), que é uma apolipoproteína produzida no fígado e detectada no plasma em inflamações agudas. O amilóide AA é encontrado tanto na amiloidose familiar como na amiloidose secundária (MCGAVIN; ZACHARY, 2007). Na amiloidose AA, a deposição de amilóide é usualmente difundida em vários órgãos (forma sistêmica). O envolvimento predominante de certos órgãos, tais como fígado (BEATTY et al., 2002; GODFREY; DAY, 1998; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997), rins (BOYCE et al., 1984; DIBARTOLA et al., 1986a; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997) ou articulações (DIBARTOLA et al., 1990; ILHA et al., 2005; REIS JUNIOR et al., 2001; SONNE et al., 2008) também foi descrito (SCHULZE et al., 1998). Em gatos, embora ocorra depósito amilóide simultâneo no fígado, rins, baço e glândulas adrenais, as manifestações clínicas de insuficiência renal são as mais comuns (JOHNSON; SHERDING, 2008). 22 Amiloidose reativa é o único tipo de amiloidose sistêmica que comprovadamente ocorre em animais domésticos e é a forma que ocasionalmente acomete gatos (DIBARTOLA; RUTGERS, 1994). Ela pode ser secundária a doenças infecciosas, inflamatórias crônicas ou neoplásicas (JOHNSON; SHERDING, 2008). Entre os animais domésticos, a forma reativa é mais comum no cão (DIBARTOLA; BENSON, 1989). Em contraste, amiloidose localizada ocorre freqüentemente em pâncreas de gatos domésticos. A proteína precursora nessa forma de amiloidose é conhecida como IAPP e os depósitos são restritos às ilhotas pancreáticas. Amilóides imunoglobulina-associados localizados também foram descritos em gatos com plasmocitoma (DIBARTOLA; RUTGERS, 1994). No gato, a amiloidose AA já foi bem descrita, especialmente no Abissínio (BOYCE et al., 1984; CHEW et al., 1982; DIBARTOLA et al., 1985; DIBARTOLA et al., 1986a; DIBARTOLA et al., 1987; DIBARTOLA et al., 1989; TARR; DIBARTOLA, 1985; VAN ROSSUM et al., 2004). Nessa raça, a amiloidose ocorre com um traço familiar. O alto grau de deposição no rim provoca uma falha renal em gatos jovens. A deposição de amilóide também ocorre em outros tecidos, mas em menor grau (BOYCE et al., 1984; CHEW et al., 1982; DIBARTOLA et al., 1986b; JOHNSON; SHERDING, 2008; TARR; DIBARTOLA, 1985). Alguns casos de amiloidose AA foram descritos em felinos selvagens. Em seu estudo, Schulze et al. (1998) descreveu casos de amiloidose AA sistêmica em tigres Siberianos, os quais apresentavam envolvimento predominantemente renal. Nesse estudo também foi observada uma potencial predisposição familiar. Amiloidose AA também foi diagnosticada em chitas em cativeiro. Em um estudo realizado por Papendick et al. (1997), 141 chitas entre um e 16 anos foram necropsiadas, sendo observada uma alta prevalência (38%) de amiloidose renal, predominantemente no interstício medular, com envolvimento glomerular mínimo. Mais de 50% dos animais com amiloidose renal também apresentava amiloidose hepática. Afecções inflamatórias foram identificadas em 100% das chitas afetadas, sendo gastrite linfoplasmocítica crônica a mais comum (43%). Esses achados sugerem que as chitas têm alta prevalência de amiloidose sistêmica em resposta a uma afecção inflamatória crônica. A alta prevalência em chitas sugere uma predisposição familiar semelhante a dos gatos Abissínios. O estresse também foi considerado como um fator predisponente importante em chitas em cativeiro. Segundo Terio et al. (2008), a seqüência da proteína AA em chitas tem variações semelhantes às encontradas em gatos Abissínios, a qual, em combinação com sua alta produção em inflamações crônicas e estresse crônico as predispõe à amiloidose sistêmica. 23 Uma alta prevalência de amiloidose sistêmica também foi documentada em gatos-depatas-negras, animais nativos da savana africana que estão entre os menores felídeos do mundo. Em contraste com muitas espécies que vivem mais quando em cativeiro, gatos-depatas-negras tendem a ter menos anos de vida quando em comparação à vida selvagem. Um estudo demonstrou que a amiloidose é causa importante de morte nestes animais, que ocorre geralmente por deposição renal, enquanto que em nenhum dos animais analisados foi observada deposição hepática. Nos animais do estudo a amiloidose foi classificada como do tipo AA, provavelmente familiar (TERIO et al., 2008). Amiloidose familiar é uma forma sistêmica e hereditária da amiloidose AA, que além de descrita em gatos Abissínios (BOYCE et al., 1984; CHEW et al., 1982; DIBARTOLA et al., 1985; DIBARTOLA et al., 1986a; DIBARTOLA et al., 1987; DIBARTOLA et al., 1989; TARR; DIBARTOLA, 1985; VAN ROSSUM et al., 2004), foi relatada em gatos Orientais e Siameses (BEATTY et al., 2002; GODFREY; DAY, 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN ROSSUM et al., 2004), cães Shar-pei Chineses (DIBARTOLA et al., 1990; ILHA et al., 2005; REIS JUNIOR et al., 2001; SONNE et al., 2008) e em casos esporádicos de cães da raça Beagle (BOWLES, 1992 apud SONNE et al., 2008), Grey Collie (DIGIACOMO et al., 1983 apud ILHA et al., 2005) e English Foxhound (MASON; DAY, 1996 apud ILHA et al., 2005). Essas enfermidades são geneticamente determinadas e podem ser autossômicas dominantes ou recessivas (ILHA et al., 2005). Nos gatos Abissínios a amiloidose familiar é sistêmica reativa, e os animais geralmente têm menos de seis anos ao apresentarem sinais clínicos de insuficiência renal. Muitos dos gatos com amiloidose renal já passaram dos cinco anos de idade (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). A forma reativa geralmente é secundária à inflamação crônica ou neoplasia. Embora estas afecções possam predispor à produção de SAA cronicamente aumentada, na maioria dos gatos não há afecção inflamatória, infecciosa ou neoplásica discernível (BARDER, 2006; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Apenas pequena porcentagem de gatos com doenças inflamatórias desenvolve depósitos de amilóide e acredita-se que outros fatores herdados e adquiridos são provavelmente importantes nesses indivíduos (BARDER, 2006). 24 2.3 GENÉTICA Amiloidose tem sido uma grande preocupação para criadores de Abissínios. Alguns pequenos estudos têm sido desenvolvidos, mas geneticamente, ela é um dos problemas mais difíceis de investigar. A hereditariedade e a fisiopatologia não estão bem elucidadas, e a doença pode ser fortemente influenciada tanto pela genética quanto por fatores ambientais. A deposição de placas de amilóide pode ocorrer em associação a várias enfermidades, e determinar verdadeiras relações de causa-efeito pode ser desafiador (LYONS, 2001). Pesquisadores na Holanda estudaram a ocorrência de amiloidose em gatos Orientais, e sabe-se que outras raças estão acometidas da mesma forma. Isso demonstra o problema potencial da heterogenicidade da doença, significando que genes diferentes podem estar causando a doença nas diferentes raças de gatos (LYONS, 2001). Entre os gatos Abissínios afetados, a dificuldade na determinação do modo de herança origina-se da variabilidade na gravidade e progressão da amiloidose, mas a afecção parece ser herdada como traço dominante de penetrância variável. Depósitos de amilóides foram observados em rins em necropsias de gatos Abissínios mais velhos, os quais eram clinicamente normais, apesar de terem filhotes afetados (DIBARTOLA; RUTGERS, 1994; DIBARTOLA, 1997). Nos gatos Abissínios, a doença ocorre como uma síndrome renal fatal. Esses gatos apresentam uma predisposição familiar a desenvolver a amiloidose reativa, de forma semelhante à amiloidose do cão Shar-pei Chinês, a do Grey Collie e à febre mediterrânea dos humanos (VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Em seu estudo, Van der Linde-Sipman et al. (1997) observou que gatos Abissínios apresentaram amiloidose exclusivamente renal; Siameses e Orientais apresentaram a forma sistêmica predominantemente, e raramente a forma renal; já os gatos sem raça definida (SRD) apresentaram a forma generalizada, renal ou pancreática. Chegou-se a conclusão que há um traço familiar na amiloidose sistêmica em Orientais e Siameses através da análise de pedigree realizada no estudo (Figura 02). Van der Linde-Sipman et al. (1997) observou também diferenças na seqüência de aminoácidos da proteína amilóide AA de Siameses quando comparada a gatos Abissínios e SRD anteriormente relatados (DIBARTOLA et al., 1985; JOHNSON et al., 1989 apud VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997), havendo duas substituições de aminoácidos. A seqüência dos aminoácidos das proteínas AA em gatos Abissínios e SRD foi relatada. 25 Nos gatos Abissínios e Siameses, há variações em seqüências de aminoácidos específicas da proteína SAA que pode tornar a proteína mais amiloidogênica, mas fatores adicionais afetando a produção ou processamento da proteína precursora podem também estar envolvidos nessa forma de amiloidose AA (TERIO et al., 2008). FIGURA 02 – Pedigree dos descendentes de duas famílias de Siameses, A e T. Os círculos indicam fêmeas, e os quadrados indicam machos; preenchidos na cor preta indicam animais com amiloidose confirmada histologicamente, e na cor cinza indicam animais clinicamente diagnosticados com amiloidose, mas sem confirmação pela histologia. (Adaptado de VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997) Muitas das afecções renais familiares resultam em insuficiência renal crônica (IRC) no animal jovem (menos de cinco anos). Uma afecção familiar é a que ocorre em animais aparentados, com freqüência mais elevada que a esperada apenas por probabilidade. Em muitas dessas afecções, acredita-se que os rins estejam normais por ocasião do nascimento, mas sofram deterioração funcional no início da vida extra-uterina (DIBARTOLA, 1997). Muitas afecções renais familiares têm gravidade e velocidade de progressão variáveis entre os animais, considerados individualmente. Muitas destas afecções são progressivas e terminam fatalmente; é comum que a terapia se limite ao tratamento clínico conservador da IRC. O modo de herança e a patogênese para muitas destas afecções são desconhecidos (DIBARTOLA, 1997). 26 2.4 IDENTIFICAÇÃO Amiloidose sistêmica é achado raro em gatos SRD, no entanto, em gatos Abissínios, Orientais e Siameses é mais comum. A incidência nessas raças é similar, mas a população em risco não está bem definida (VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Também foram descritos casos em gatos Devon Rex e Burmês (JOHNSON; SHERDING, 2008). A maioria dos gatos com amiloidose sistêmica é de meia-idade a idosa (DIBARTOLA, 1995 apud BARDER, 2006). Depósitos de amilóides aparecem inicialmente nos rins de gatos Abissínios afetados com idade entre nove a 24 meses. Em alguns desses gatos, a deposição de amilóide é rápida e severa, e a falha renal se desenvolve dentro de um ano após o diagnóstico. Em outros, a deposição de amilóide renal é leve, e os gatos afetados podem chegar a uma idade avançada sem detecção de seus depósitos de amilóide (DIBARTOLA; RUTGERS, 1994). Em um estudo realizado na Ohio State University, Estados Unidos, amiloidose foi diagnosticada em mais de 100 gatos Abissínios em um período de 15 anos (entre 1989 e 1994), e os achados clínicos e patológicos foram relatados. Entre esses casos, os gatos Abissínios afetados geralmente apresentaram sintomas entre um e cinco anos de idade, e a relação macho:fêmea foi de 1,4:1 (DIBARTOLA; RUTGERS, 1994). Apesar de haver certa controvérsia entre alguns autores, as fêmeas parecem exibir um risco levemente mais alto (<2:1) (DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008). 2.5 FISIOPATOLOGIA O acúmulo de amilóide ocorre em diversos tecidos e órgãos, seja por causa de síntese excessiva ou por resistência ao catabolismo. Esse material se acumula especialmente nas membranas basais, causando compressão de células parenquimatosas e comprometimento do suprimento sangüíneo (JONES et al., 1997). À medida que o amilóide se acumula, produz atrofia por pressão. Dependendo da distribuição tecidual e do grau de comprometimento, o amilóide pode ser assintomático e encontrado apenas como uma alteração anatômica, ou pode levar à insuficiência de órgãos e morte (MITCHELL et al., 2006). 27 Nos animais em geral, o baço é o local primário de deposição de amilóide. Aparecendo primeiro no tecido linfóide atrófico na periferia das bainhas periarteriais linfóides, este amilóide perifolicular torna os corpúsculos esplênicos grandes, acizentados e translúcidos. O amilóide perifolicular se projeta na superfície do corte, lembrando grãos de sagu; ainda que raro, este “baço em sagu” é uma lesão clássica de amilóide SAA. Histologicamente, o amilóide esplênico também pode ser encontrado entre as células musculares lisas e as células da adventícia da artéria e arteríola central e em forma de grumos discretos, na polpa vermelha (CHEVILLE, 2004). O amilóide é ineficientemente removido por macrófagos e por outros fagócitos. As fibrilas de amilóide são resistentes à fagocitose e à proteólise. Elas não são acentuadamente imunogênicas, em razão do grande tamanho da molécula de amilóide. A persistência do defeito subjacente na amiloidose geralmente faz com que a produção domine a reabsorção. Contudo, se a causa subjacente da amiloidose for removida, as fibrilas amilóides poderão desaparecer gradualmente. Os neutrófilos capturam o amilóide degradado, havendo maior destruição do amilóide nos lisossomos dos neutrófilos (CHEVILLE, 2004). À medida que a amiloidose se desenvolve, são encontradas anormalidades nas proteínas plasmáticas, especialmente nas globulinas. A síntese de α, β e γ-globulinas aumenta, acelerando-se a degradação de α2-globulina. Estudos com cães Grey Collie com hematopoiese cíclica ilustram que as alterações plasmáticas surgem muito antes que o amilóide seja depositado no tecido. Nesses cães, os neutrófilos desaparecem de sua corrente circulatória por 24 horas a cada 11 dias. Os filhotes afetados sofrem infecções bacterianas recidivantes que se correlacionam com episódios neutropênicos. As elevações graduais em α2-globulina aparecem precocemente, caracterizando-se a enfermidade avançada pelo aumento progressivo de todas as globulinas plasmáticas (CHEVILLE, 2004). Os depósitos teciduais de animais com amiloidose sistêmica reativa contêm proteína amilóide A, que é um fragmento amino-terminal de um reagente de fase aguda denominado SAA. A proteína amilóide A foi caracterizada em diversas espécies de animais domésticos. Em todas as espécies estudadas, os aminoácidos nas posições 33 a 45 são os mesmos, o que sugere papel funcional importante para esta parte da molécula (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; JONES et al., 1997). SAA é um dentre vários reagentes de fase aguda sintetizados pelo fígado em resposta a lesão tecidual. Citocinas liberadas por macrófagos após a lesão tecidual estimulam os hepatócitos para que sintetizem e liberem SAA. A SAA liberada dos hepatócitos liga-se a HDLs, e após desloca outras apolipoproteínas (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). 28 Presume-se que SAA tenha papel crítico na resposta do organismo à lesão tecidual, mas sua real função biológica permanece sendo um mistério. O fato de que as endotoxinas se ligam às HDLs conduziu a especulação de que uma das funções da SAA consiste em fazer com que a endotoxina ou produtos da lesão tecidual sejam rapidamente eliminados do organismo. Outros papéis sugeridos para a SAA são: efeito imunossupressor, inibição da agregação plaquetária induzida pela trombina, regulação da exacerbação oxidativa nos neutrófilos e estimulação da produção de colagenase pelos fibroblastos. Outra hipótese é a de que a ligação da SAA às HDLs redireciona estas últimas proteínas para os locais de ocorrência de lesão tecidual, de modo que o colesterol liberado pelas células lesionadas possa ser eliminado. A SAA serve como precursora do amilóide AA nos tecidos (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). O nível plasmático de SAA normalmente é baixo, mas pode rapidamente aumentar cerca de 1000 vezes como resposta a estímulos inflamatórios sob influência de interleucina 1 e 6 e fator de necrose tumoral α (LIU et al., 2007). A concentração de SAA está aumentada no plasma antes que sejam observados depósitos de amilóide nos tecidos (CHEVILLE, 2004; DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008). Pode-se dividir a deposição do amilóide em 3 fases: a fase de pré-deposição, fase de deposição rápida e fase de deposição platô. A amiloidose secundária começa com um longo período clinicamente silencioso, a fase de pré-deposição, a qual se caracteriza pelo acúmulo de células reticulares e macrófagos no baço e em outros tecidos linfóides, pela elevação na concentração de SAA e de globulinas no plasma. A síntese de SAA no fígado é estimulada por uma citocina de macrófagos, possivelmente a interleucina-1; ainda não ocorrem depósitos de amilóide. Durante esta fase a administração de colchicina pode retardar a evolução do quadro (CHEVILLE, 2004; DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008). A colchicina pode impedir a formação do fator favorecedor do amilóide (AEF); o AEF surge no baço 48 horas antes que os depósitos de amilóide sejam histologicamente detectados, tendo abreviado drasticamente o lapso de tempo necessário para o desenvolvimento da amiloidose ao serem administrados em animais de laboratório. AEF deflagra a fase de deposição. Macrófagos contendo grandes quantidades de AEF são capazes de processar SAA até AA em cultura de tecido (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; LIU et al., 2007). Na fase de deposição rápida os depósitos aumentam com rapidez, há desenvolvimento de células PAS-positivas (preenchidas por glicoproteínas anormais) e redução do pico dos níveis de SAA; nesta fase a administração de colchicina retarda, mas não evita a deposição tecidual de amilóide; o DMSO pode promover a dissolução dos depósitos e um declínio 29 persistente na concentração de SAA (CHEVILLE, 2004; DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Em um segundo momento a deposição real de amilóide sofre pouca alteração, sendo esta a fase platô; nesta fase, nem a colchicina nem o DMSO são benéficos (CHEVILLE, 2004; DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). A transição entre as fases de pré-deposição para a de deposição depende da supressão de células reticuloendoteliais em proliferação, seja pela exaustão do mecanismo imunológico depois de um estímulo antigênico longo ou por meio de fármacos imunossupressores. A terapia por corticoesteróides acelera a transição da fase pré-deposição para a fase de deposição (CHEVILLE, 2004). Em um estudo realizado por Liu et al. (2007), foi observado que a amiloidose pode ser transmissível entre espécies sob certas condições, de forma semelhante às doenças priônicas; no entanto, a AEF é espécie-específica e parece ser relacionada a uma determinada seqüência de aminoácidos da proteína amilóide. Neste estudo também foi observado que a SAA difere em termos de eficiência em promover a formação de fibrilas de amilóide entre espécies, sendo a SAA de ratos mais eficiente que a de gatos, chitas, bovinos e suínos, devido à maior atividade de AEF. Este resultado é interessante pela possibilidade de um novo tratamento baseado na especificidade de anticorpos contra seqüências de aminoácidos da proteína amilóide para prevenir o desenvolvimento de amiloidose AA. O componente P do amilóide e GAGs (como sulfato de heparano e sulfato de dermatano) são em geral encontrados nos depósitos de amilóide. Não está ainda esclarecido se estas substâncias têm papel específico na patogênese da deposição do amilóide ou se elas se ligam inespecificamente aos depósitos. Contudo, seu conteúdo de carboidratos provavelmente é responsável pela coloração do amilóide pelo ácido periódico-Schiff (PAS) e pelo iodo de Lugol (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Em animais com amiloidose renal progressiva, o amilóide é produzido por células mesangiais e se acumula no mesângio e ao longo das membranas basais dos capilares, em focos no interior do glomérulo. Dessa forma, a porção da arquitetura normal dos glomérulos é substituída por material eosinofílico, homogêneo ou levemente fibrilar (CHEVILLE, 2004; CONFER; PANCIERA, 1998). A deposição de amilóide nos glomérulos interfere na função da filtração renal, resultando em acentuada perda de proteínas, especialmente albumina, para o filtrado glomerular (CHEVILLE, 2004; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Raramente ocorre resposta inflamatória à deposição de amilóide, e o amilóide renal progride geralmente para 30 uma insuficiência renal, desenvolvendo proteinúria maciça se a deposição glomerular for significativa (SENIOR, 2001). Quando a amiloidose envolve todo o tufo glomerular, o glomérulo aumenta de volume, a luz dos capilares torna-se obliterada, e o tufo aparece como uma grande esfera eosinofílica hialina e hipocelular. O amilóide pode também estar presente nas membranas basais dos túbulos, resultando em espessamentos hialinos dessas membranas. Os túbulos de rins com amiloidose glomerular são usualmente muito dilatados e contém material proteináceo (CONFER; PANCIERA, 1998). Os rins afetados com amiloidose glomerular são freqüentemente aumentados de volume e pálidos, com superfície capsular lisa ou finamente granular. Os glomérulos carregados com amilóide podem ser visíveis como pequeninos pontos bronzeados na superfície capsular e superfície de corte. O córtex pode ter um aspecto finamente granular. A aplicação de uma solução de iodo, como o Lugol, em rins com amiloidose, pode resultar em coloração marrom dos glomérulos, que se tornam púrpura quando expostos a ácido sulfúrico diluído. Amiloidose glomerular de longa duração com conseqüente diminuição da perfusão vascular renal pode levar à atrofia tubular, degeneração e fibrose profunda. A amiloidose medular não é usualmente reconhecida macroscopicamente (CONFER; PANCIERA, 1998). A inflamação crônica e o aumento prolongado na concentração de SAA são prérequisitos necessários para a ocorrência de amiloidose reativa. A despeito disto, apenas pequena percentagem de indivíduos (menos de 10%) com afecção inflamatória crônica será acometida de amiloidose. Assim, outros fatores devem também ser importantes no desenvolvimento da amiloidose. Provavelmente há envolvimento de fatores genéticos. Monócitos contém serina proteases associadas à superfície celular que inicialmente degradam SAA até intermediários similares a AA e, em seguida, até peptídeos solúveis (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). O soro normal possui atividade de degradação do amilóide A que pode estar diminuída no soro de pacientes com afecção inflamatória crônica e nos portadores de amiloidose. Esta atividade está correlacionada à concentração sérica de albumina, e uma hipoalbuminemia em caso de amiloidose pode contribuir para a diminuição da atividade de degradação do amilóide A. A inflamação crônica pode contribuir para a amiloidose ao aumentar a concentração de outras proteínas de fase aguda que sejam inibidoras das proteases (p. expl., antitripsina, antiquimotripsina). A inflamação crônica também resulta em um aumento persistente da concentração de SAA, que pode então atuar como substrato para a formação dos depósitos de amilóide AA (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). 31 A amiloidose tipo AA foi associada com estresse crônico em diversas espécies, incluindo chitas (PAPENDICK et al., 1997), ratos (LIPMAN et al., 1993 apud PAPENDICK et al., 1997), hamsters (GERMAN et al., 1990 apud PAPENDICK et al., 1997), marrecos pequim branco (COWAN et al., 1970 apud PAPENDICK et al., 1997) e gaivotas (HOFFMAN; LEIGHTON, 1985 apud TERIO et al., 2008). Estressores psicológicos e físicos em ratos podem elevar a interleucina-6 no plasma, um importante mediador da resposta de fase aguda. Estímulos estressantes também podem induzir a produção e secreção de glicocorticóides. Apesar de os glicocorticóides terem uma função antiinflamatória, eles também podem aumentar a ativação de SAA através de certas citocinas, mais notavelmente interleucinas 1 e 6, em humanos (TERIO et al., 2008). A amiloidose se complica nos estágios terminais por dois eventos principais: (1) sobrecarga do sistema monócito-macrófago por precursores circulantes do amilóide e (2) destruição progressiva de células parenquimatosas de capilares por massas de amilóide. Embora o amilóide interfira na função de qualquer órgão, no fígado os efeitos são fatais (CHEVILLE, 2004). A deposição de amilóide não se restringe aos rins em gatos Abissínios com amiloidose; freqüentemente são encontrados depósitos em outros órgãos, como glândulas adrenais, glândula tireóide, baço, estômago, intestino delgado, cólon, coração, fígado e pâncreas. Contudo, os depósitos de amilóide nestes outros órgãos aparentemente não contribuem de forma importante para a síndrome clínica, que é de IRC (DIBARTOLA, 1997). No entanto, hemorragia hepática aguda foi relatada como o sinal apresentado em muitos gatos Orientais e Siameses com amiloidose reativa sistêmica (ZUBER, 1997 apud BARDER, 2006). 2.6 SISTEMAS ACOMETIDOS 2.6.1 Renal As causas de glomerulonefropatias em gatos são: idiopática, amiloidose e doença primária não renal (FeLV, PIF, pancreatite, neoplasias). A maior parte dos casos é secundária a um distúrbio não renal crônico (SENIOR, 2001). 32 A amiloidose renal possui grande significado clínico pelo fato de causar doença renal crônica irreversível e síndrome nefrótica. Nessas situações, não ocorre regeneração efetiva dos néfrons lesados devido à deposição progressiva de amilóide nos glomérulos com conseqüente fibrose (CLEMENTS et al., 1995 apud REIS JUNIOR et al., 2001). Nos rins a deposição de amilóide pode ser leve e assintomática. Os depósitos renais de amilóide acarretam nefropatia progressiva, com o grau de proteinúria refletindo a gravidade do envolvimento glomerular. Os gatos apresentam quase sempre sinais de IRC e perda de peso (BARDER, 2006). Gatos com IRC moderada podem ser assintomáticos. Um animal com IRC estável pode descompensar, resultando em crise urêmica (ADAMS, 2008). Os rins são, com freqüência, pequenos, firmes e irregulares à palpação (BARDER, 2006). Avaliação laboratorial revela evidências de insuficiência renal, tais como azotemia, anormalidades dos eletrólitos e anemia, com densidade específica urinária baixa ocorrendo cedo no curso da doença (BARDER, 2006; CRYSTAL, 2004). Em alguns gatos com insuficiência renal por amiloidose observa-se anemia arregenerativa (DEMORAIS; DIBARTOLA, 2008). Pode ou não haver proteinúria; no caso de envolvimento glomerular, freqüentemente ocorrem hipercolesterolemia e hipoalbuminemia. Na maior parte dos casos, o grau de proteinúria é insuficiente para causar hipoalbuminemia, pois, de fato, muitos gatos ficam hiperglobulinêmicos, presumivelmente com relação à afecção inflamatória subjacente (BARDER, 2006; CRYSTAL, 2004). Hipercolesterolemia é um achado comum em gatos com afecções renais (DEMORAIS; DIBARTOLA, 2008). Quando o grau de proteinúria é suficientemente grande, possivelmente podem-se observar sintomas decorrentes da hipoalbuminemia, tais como perda de peso, edema periférico e ascite. A combinação de ascite ou edema e hipoalbuminemia, proteinúria e hipercolesterolemia é chamada de síndrome nefrótica, a qual é rara em cães, mas relativamente comum em gatos com doença glomerular (GRANT; FORRESTER, 2008; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; SENIOR, 2001). A amiloidose renal pode ocorrer em associação a outras doenças, particularmente doenças inflamatórias crônicas ou neoplasias. A amiloidose renal idiopática ocorre freqüentemente em cães a gatos. No entanto, os mecanismos patogenéticos dessa forma de amiloidose não são conhecidos (CONFER; PANCIERA, 1998). As principais lesões patológicas dos rins de Abissínios com amiloidose familiar são os depósitos de amilóide na medula renal, necrose papilar, nefrite tubulointersticial crônica caracterizada por infiltração linfoplasmocítica e fibrose, e depósitos de amilóide nos glomérulos com intensidade variável. A amiloidose glomerular é branda, e freqüentemente sua detecção é tarefa difícil em muitos gatos afetados; porém, ocasionalmente, pode resultar 33 em síndrome nefrótica, assim como as glomerulonefrites por imunocomplexos, outra causa importante de glomerulopatia em felinos (CONFER; PANCIERA, 1998; DIBARTOLA, 1997). Em geral, os glomérulos são o sítio renal mais comum para a deposição de amilóide, no entanto, o interstício da medula é um local comum para essa deposição em gatos (CONFER; PANCIERA, 1998). Em um estudo realizado por DiBartola et al. (1986a), a deposição de amilóide na medula foi detectada em todos os gatos Abissínios afetados, enquanto que os depósitos glomerulares foram encontrados em 75% dos casos. Os depósitos de amilóide no interstício medular interferem com o fluxo sangüíneo até a papila renal, resultando em necrose papilar, fibrose medular intersticial e inflamação mononuclear secundárias (DIBARTOLA, 1997). A amiloidose medular é usualmente assintomática, exceto quando leva à necrose papilar (CONFER; PANCIERA, 1998). A necrose papilar parece ser resultado de uma diminuição do fluxo sangüíneo à papila renal devido à compressão da vasa recta pela deposição de amilóide no interstício. Esta lesão pode ser observada macroscopicamente e em cortes histológicos do rim afetado (BARDER, 2006; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; SCHULZE et al., 1998). Depósitos de amilóide no interstício medular podem contribuir para deficiência da capacidade concentradora devido à sua presença física, levando à interferência precoce com a capacidade de concentração da urina. A ocorrência de isostenúria sem proteinúria é comum em gatos com amiloidose medular renal (BARDER, 2006; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). A queixa de apresentação é variável, dependendo da gravidade e duração das perdas de proteína pela urina, e também da presença ou ausência de insuficiência renal e suas complicações (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Clinicamente, na amiloidose renal a doença se apresenta como conseqüência da insuficiência renal e uremia (SCHULZE et al., 1998). Os sintomas e achados do exame físico são variáveis e podem incluir poliúria/polidipsia, que são menos comuns nos gatos que nos cães, anorexia, letargia, vômito, perda crônica de peso, pelagem com aspecto deficiente, ptialismo, noctúria, constipação, diarréia, fraqueza muscular com ventroflexão cervival (conseqüência da miopatia hipocalêmica), cegueira aguda (causada pela hipertensão), osteodistrofia renal, convulsões e coma (ADAMS, 2008, DIBARTOLA, 1997; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Durante o exame oral podemos observar palidez das mucosas, odor urêmico e ulceração bucal. Com freqüência os rins estão pequenos, firmes e irregulares nos animais com IRC (DIBARTOLA, 1997; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). No entanto, alguns rins afetados podem ficar uniformemente aumentados de tamanho. A urina coletada forma uma espuma quando agitada, 34 devido ao alto teor protéico (SENIOR, 2001). Outros achados físicos podem estar relacionados à presença de processos inflamatórios ou neoplásicos primários (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Os sinais clínicos associados à perda de proteína urinária leve à moderada geralmente são inespecíficos: perda de peso e letargia. Se a perda de proteína é grave poderá ocorrer edema ou ascite, mas tal achado é relativamente raro. Se a afecção causar a destruição de pelo menos 75% dos néfrons, poderão estar presentes sinais clínicos de IRC: poliúria, polidipsia, anorexia e vômito. Os sinais associados à afecção infecciosa, inflamatória ou neoplásica podem ocasionalmente ser a razão pela qual o proprietário do animal busca orientação veterinária. Pode ocorrer cegueira aguda causada por descolamento de retina secundária à hipertensão sistêmica. Em muitos casos, proteinúria assintomática pode ser observada por ocasião da realização de urinálise, durante a avaliação clínica de outra afecção (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Geralmente a proteinúria renal decorre da lesão na parede dos capilares glomerulares. Uma proteinúria sem achados significativos no sedimento urinário é a marca fundamental da afecção glomerular (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Deve ser realizada urinálise na ocasião da avaliação da proteinúria, pois a ocorrência de hematúria ou piúria resulta numa proteinúria não-glomerular significativa. É importante salientar que alguns felinos com amiloidose renal não apresentam proteinúria significativa, pois desenvolvem amiloidose na medula renal, assim, a ausência de proteinúria não descarta a possibilidade de diagnóstico de amiloidose. Também deve ser considerado que, se a afecção glomerular resultar na perda de pelo menos 75% dos néfrons, poderá ocorrer redução na magnitude da proteinúria devido ao decréscimo concomitante na capacidade de filtração. A eletroforese das proteínas urinárias e séricas pode ajudar na identificação da origem da proteinúria e estabelecimento do prognóstico (DIBARTOLA, 1997; GRAUER; DIBARTOLA, 1997). A amiloidose medular sem envolvimento glomerular discernível ocorre em muitos dos gatos domésticos portadores, incluindo pelo menos 25% dos gatos Abissínios com amiloidose familiar. Nesses casos pode ser difícil o diagnóstico definitivo, a menos que seja obtida amostra suficiente de tecido medular na biopsia (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). O uso de relação entre proteína:creatinina urinária para a quantificação das perdas protéicas pela urina facilitou o diagnóstico da afecção glomerular. No entanto, a diferenciação entre a amiloidose glomerular e a glomerulonefrite necessita, em última análise, de exame histopatológico de amostras de biopsia renal (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). 35 Deve-se lembrar que doença glomerular com proteinúria constitui um acompanhamento extremamente comum de muitas doenças não renais, nas quais a proteinúria nunca é clinicamente importante e a glomerulonefropatia se resolve quando se elimina a causa primária. A deposição maciça de imunocomplexos e uma amiloidose que causam proteinúria forte, síndrome nefrótica e progressão para IRC são muito menos comuns (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). 2.6.2 Hepático Entre as doenças hepáticas, a amiloidose é relativamente rara. Pode mimetizar sinais de PIF (ascite, perda de peso progressiva, icterícia) quando afeta o fígado (STURGESS, 2003b). Enquanto Abissínios apresentam sinais de disfunção renal, Orientais e Siameses são mais predispostos à insuficiência hepática, sendo associada a hemorragias e morte em diversos animais (PIIRSALU et al., 1994; TABOADA, 2001; ZUBER, 1993 apud VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). Além dos relatos de envolvimento hepático em Siameses e Orientais, gatos Devon Rex, Burmês e SRD também são afetados. O envolvimento hepático difuso predispõe a sua ruptura espontânea, devido à fragilidade vascular hepática e à coagulopatia existente (JOHNSON; SHERDING, 2008). Vários precursores protéicos diferentes têm sido identificados para o amilóide. No entanto, o tipo de amilóide depositado no fígado é usualmente amilóide AA ou amilóide AL (MACLACHLAN; CULLEN, 1998). Em um estudo publicado, o amilóide foi considerado como não sendo do tipo reativo (ZUBER, 1993 apud VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). A amiloidose hepática é rara em gatos, e envolve quase invariavelmente a forma secundária que pode se desenvolver por estimulação antigênica prolongada, como processos inflamatórios crônicos, infecções, neoplasias ou inoculações repetidas de um antígeno. Em casos de amiloidose secundária sistêmica, ocorre geralmente uma certa deposição de amilóide no fígado, mas isso raramente leva a sinais clínicos referentes a ele (MACLACHLAN; CULLEN, 1998; ROTHUIZEN, 2001). Segundo Johnson (2008), o acometimento hepático pode ser insidioso; pode causar aumento das enzimas hepáticas, graus variados de hepatomegalia, coagulopatias, ruptura 36 hepática resultando em hemoabdome e/ou insuficiência hepática. Em casos graves, os gatos afetados podem apresentar sinais de disfunção ou insuficiência hepáticas (MACLACHLAN; CULLEN, 1998). Em geral os sinais aparecem antes dos cinco anos de idade. Sintomas incluem anorexia, letargia aguda, poliúria, polidipsia e vômitos. Ao exame físico observa-se palidez, efusão abdominal (hemorragia ou ascite), icterícia, hepatomegalia, edema, dor não localizada e desconforto abdominal (JOHNSON, 2008; JOHNSON; SHERDING, 2008). A ruptura espontânea do fígado friável pode provocar hemoabdome agudo, com sintomas de letargia, choque hipovolêmico ou morte súbita (JOHNSON; SHERDING, 2008). Freqüentemente, o amilóide é também depositado nos rins. Insuficiência renal pode ocorrer antes que apareçam sinais de insuficiência hepática (MACLACHLAN; CULLEN, 1998). Ao realizar hemograma, observa-se anemia secundária à hemorragia hepática, ruptura ou inflamação crônica; nos exames bioquímicos, observa-se enzimas hepáticas, bilirrubina total e ácidos biliares séricos normais a elevados. As provas de coagulação apresentam-se normais a prolongadas (CRYSTAL, 2004; JOHNSON, 2008). Os achados macroscópicos incluem fígado com cor normal à pálida, grande, firme a friável, hemorragias (hematomas subcapsulares, lacerações capsulares) ou rupturas francas do parênquima. Achados microscópicos comuns são material acelular amorfo depositado de forma difusa no espaço de Disse, associado à atrofia do cordão hepático; vasos sangüíneos envolvidos primariamente na tríade portal podem ser notados (em geral observado em gatos Abissínios) (JOHNSON, 2008). 2.6.3 Endócrino O gato adulto é, além do homem, uma das poucas espécies animais que desenvolve uma forma espontânea de diabetes mellitus tipo II devido à deposição de amilóide nas ilhotas pancreáticas (HOENIG et al., 2000; JOHNSON et al., 1986). A diabetes felina apresenta outras similaridades com a humana, incluindo a resistência à insulina induzida pela obesidade, função danificada de células beta e número diminuído de células beta (ZINI et al., 2009). Devido a isso, é considerado um excelente candidato a modelo animal para essa doença (HOENIG et al., 2000; JOHNSON et al., 1986; ZINI et al., 2009). 37 A diabetes mellitus ocorre predominantemente em gatos adultos, com a maior incidência aos oito anos. Mais de 90% dos gatos com diabetes tem mais de seis anos de idade. Os primeiros sinais observados são poliúria, polidipsia, depressão, letargia, perda de apetite ou polifagia, desidratação e perda de peso. O progresso da doença pode levar à cetoacidose e cetonúria. Hiperglicemia persistente, glicosúria, hipercolesterolemia, hiponatremia e hipocalemia são achados laboratoriais comuns. Histologicamente, amilóide de ilhotas está presente nas ilhotas pancreáticas de 65% dos gatos diabéticos (Figura 03). A amiloidose pancreática em gatos é localizada e não perde sua afinidade pelo vermelho Congo quando tratada com permanganato de potássio (KMnO4) (JOHNSON et al., 1986). FIGURA 03 – Aparência típica de amilóide em ilhota pancreática de um gato diabético (vermelho Congo, 300x). (Adaptado de Johnson et al., 1986) Amiloidose das ilhotas é o mais comum e consistente achado nas ilhotas pancreáticas de humanos, gatos e macacos com diabetes mellitus tipo II. Depósitos de amilóides podem ser encontrados em 80% dos gatos com diabetes tipo II espontânea. Estes depósitos são derivados da proteína IAPP. O IAPP é um produto de secreção normal das células β das ilhotas e é cosecretado com a insulina. O mecanismo de transformação da IAPP em fibrilas de amilóide é em grande parte desconhecido. É de grande importância para a patogênese da diabetes 38 mellitus tipo II o fato de os depósitos de amilóides nas ilhotas serem associados à perda significativa de células β das ilhotas; no entanto o mecanismo que leva a esta perda parcial ainda não foi determinado. Estudos sobre IAPP em humanos sugerem um papel potencial das fibrilas IAPP em induzir apoptose em vários tipos celulares, inclusive em células das ilhotas pancreáticas (HOENIG et al., 2000). Em um estudo realizado por Hoenig et al. (2000), oito gatos SRD saudáveis foram parcialmente pancreatectomizados e em seguida tratados com hormônio do crescimento e dexametasona com o intuito de provocar resistência à insulina. Assim que um estado diabético estável foi alcançado, os gatos foram divididos em grupos tratados com insulina ou com glipizida para manutenção da glicemia. Após 18 meses foram eutanaziados. Constatou-se que os quatro gatos tratados com glipizida desenvolveram depósitos de amilóide nas ilhotas pancreáticas (Figuras 04 e 05), enquanto somente um entre os quatro tratados com insulina desenvolveu depósitos. Além disso, os gatos tratados com glipizida tiveram a concentração plasmática de IAPP cinco vezes mais alta que os gatos tratados com insulina, sugerindo uma associação entre IAPP e amiloidose pancreática; no entanto, não se sabe se o uso da glipizida teve um efeito tão forte como promotor na deposição de amilóide quanto a insulina teve como inibidor do processo (HOENIG et al., 2000). FIGURA 04 – Cortes corados com vermelho Congo, demonstrando depósitos de amilóides em ilhotas pancreáticas de gatos tratados com glipizida. a: Fotomicrografia com baixa magnificação evidenciando quatro depósitos de amilóides congofílicos (setas); barra com 124 µm. b: Fotomicrografia com alta magnificação evidenciando depósitos de amilóides centrais e periféricos (setas) em ilhotas pancreáticas. c: Mesmo corte sob luz polarizada demonstrando birrefringência verde em amilóide (setas); barras com 44 µm. (Adaptado de Hoenig et al., 2000) Os achados suportam a teoria de que a amiloidose das ilhotas ocorre como resultado de um estímulo prolongado para secreção às células β das ilhotas. Considerando que a resistência à insulina provoca um aumento tanto da secreção de insulina quanto de IAPP, ao prolongar ou exagerar esta condição (como uma obesidade por longo período) pode-se 39 promover condições favoráveis à fibrilogênese de IAPP. Tem sido especulado que o estímulo excessivo constante de células β devido à resistência à insulina pode levar à formação de amilóide através da depleção de fatores necessários para processamento e secreção normais de IAPP. Além disso, sabe-se que insulinomas também contém depósitos de amilóide IAPP, corroborando para esta hipótese (HOENIG et al., 2000). A deposição de amilóide nas ilhotas de Langerhans é uma alteração típica que ocorre em gatos com diabetes mellitus tipo II. A infiltração com amilóide também é comum em tumores pancreáticos produtores de insulina. Já foi demonstrado que amilóides de insulinomas são em grande parte compostos por IAPP (WESTERMARK et al., 1987a, WESTERMARK et al., 1987b). É importante salientar que depósitos de amilóide nas ilhotas não podem ser considerados sinal patognomônico de diabetes mellitus, pois muitos gatos apresentam estes depósitos sem apresentar qualquer evidência clinicopatológica da doença (YANO et al., 1981b). No entanto, em gatos diabéticos a quantidade de ilhotas com amilóide é significativamente maior, assim como a quantidade de amilóide em cada ilhota (YANO et al., 1981a). FIGURA 05 – Coloração por imunohistoquímica para polipeptídeo amilóide das ilhotas (IAPP). a: Ilhota pancreática normal de um gato antes da indução da diabetes. Observar intensa coloração para IAPP, a qual é mais intensa em um pólo das células (seta). Barra, 46 µm. b: Ilhota pancreática de um gato tratado com glipizida demonstrando forte imunorreatividade para IAPP nos depósitos de amilóide das ilhotas (setas largas). Notar também a intensa e difusa coloração para IAPP no citoplasma das células remanescentes (seta fina). Barra, 26 µm. (Adaptado de Hoenig et al., 2000) 40 2.7 DIAGNÓSTICO O diagnóstico de gatos afetados pode ser muito difícil, pois muitos não desenvolvem sinais clínicos até que se tornem mais velhos, e muitos gatos afetados aparentemente têm vida longa e clinicamente normal (LYONS, 2001). Ao exame físico, deve-se examinar fundo de olho para verificar se há vasos tortuosos, hemorragias ou descolamento de retina, pois hipertensão é conseqüência comum da doença glomerular causada por amiloidose renal. Examinar o paciente atentamente quanto a qualquer sintoma de doença infecciosa, inflamatória ou neoplásica sistêmica que possa predispor à amiloidose reativa (GRANT; FORRESTER, 2008). Quando se suspeita de doença glomerular, exames complementares devem ser realizados para excluir causas potencialmente tratáveis. Pode-se realizar hemograma, perfil bioquímico sérico, urinálise, urocultura, testes sorológicos para FIV/FeLV, radiografia e ultrasonografia abdominal e biopsia renal (GRANT; FORRESTER, 2008). Alguns achados laboratoriais em animais com insuficiência renal causada por afecção glomerular são: anemia arregenerativa, linfopenia, azotemia, leve hipocalcemia secundária à hipoalbuminemia, hiperfosfatemia, hipercolesterolemia, leve hiperglicemia causada pela resistência à insulina e acidose metabólica. À apresentação pode não haver azotemia, ou esta pode ser branda, mas em geral é observada em gatos com amiloidose (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Os métodos mais confiáveis para obtenção de amostras de tecido renal são a técnica percutânea guiada por ultra-som ou laparotomia exploratória (GRANT; FORRESTER, 2008). Deve ser efetuada biopsia do córtex renal para que seja obtido número adequado de glomérulos e para que sejam evitados vasos calibrosos e nervos na região da pelve renal. Devemos tomar cuidado durante a manipulação e fixação da amostra para que não se formem artefatos. Deve-se solicitar a coloração vermelho Congo, além da hematoxilina e eosina (HE) de rotina, para que depósitos de amilóide possam ser percebidos (Figura 06) (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Independentemente de seu tipo químico, os depósitos de amilóide assumem um aspecto de birrefringência verde maçã ou dicroísmo quando corados pelo vermelho Congo e visualizados sob luz polarizada (BARDER, 2006; CONFER; PANCIERA, 1998; GLENNER, 1980 apud SCHULZE et al., 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997, YANO et al., 1981c). A birrefringência verde maçã característica ocorre em função do alinhamento peculiar do corante nas fibrilas amilóides. O 41 cristal violeta e o fluorocromo tioflavina T também são úteis, mas a coloração é variável e não específica (CHEVILLE, 2004). O diagnóstico definitivo de amiloidose baseia-se nestes achados patológicos. (BARDER, 2006; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; VAN DER LINDE-SIPMAN et al., 1997). No entanto, é freqüentemente difícil de obter se o envolvimento glomerular for mínimo ou ausente, exigindo biopsias medulares (BARDER, 2006). Pode também ser difícil classificar como forma sistêmica ou localizada, especialmente quando ocorrem depósitos pequenos em diversos órgãos (SCHULZE et al., 1998). É importante também salientar que a biopsia só deve ser considerada após realizados testes menos invasivos e depois de ter-se completada a avaliação da capacidade de coagulação (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Em um estudo realizado por Piirsalu et al. (1994), a cintilografia utilizando componente P amilóide I-123 sérico foi sugerida como um procedimento potencial para detectar deposição de amilóide de forma não-invasiva. FIGURA 06 – Cortes corados com HE, demonstrando depósito de amilóide em rins de gatosde-patas-negras. a: Rim; gato-de-patas-negras. Depósito de amilóide na medula renal. HE. b: Rim; gato-de-patas-negras. Depósito global de amilóide no mesângio glomerular. HE. (Adaptado de Terio et al., 2008) Depósitos de amilóide corados pelo vermelho Congo perdem sua afinidade por este corante após sofrer oxidação em tratamento com permanganato de potássio. Este aspecto tem utilidade na diferenciação preliminar entre a amiloidose reativa e outros tipos de amiloidose. A perda da propriedade tintorial indica a presença de amilóide AA (CONFER; PANCIERA, 1998; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; ILHA et al., 2005). Uma exceção notável é a β2-microglobulina, que é também sensível ao permanganato. A amiloidose associada à β2-microglobulina ocorre em pacientes humanos, subseqüentemente 42 a longos períodos de hemodiálise, não tendo sido observada em animais domésticos (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; MITCHELL et al., 2002). O método de permanganato de potássio pode ser utilizado para diferenciar amilóide do tipo AA de amilóides não-AA, no entanto, atualmente, na maioria dos laboratórios de referência, a classificação dos amilóides é feita com anticorpos monoclonais e policlonais em material fixado em parafina ou embebido em plástico, para imunohistoquímica e microscopia eletrônica, respectivamente (GRUYS, 2004). Schulze et al. (1998) observou que alguns cortes histológicos corados com vermelho Congo considerados como negativos obtiveram resultado positivo em testes imunohistoquímicos. Em seu estudo, testes imunohistoquímicos realizados no plasma intravascular indicaram a presença de SAA. No entanto, a SAA intravascular não cora com vermelho Congo nem demonstra birrefringência. A combinação de coloração com vermelho Congo e testes imunohistoquímicos foi sugerida como método de eleição. Em pacientes humanos, casos de amiloidose em estágio inicial foram relatados como não detectados quando utilizado somente vermelho Congo, sendo que o diagnóstico precoce é necessário para o tratamento bem sucedido (LINKE et al., 1995 apud SCHULZE et al., 1998). DiBartola et al. (1989) mensurou a concentração de SAA por imunodifusão radial em gatos com amiloidose e em gatos saudáveis, e observou que não era possível distingui-los tendo esta concentração como base, devido a alta variação do valor nesses dois grupos. Quanto à urinálise, quando há doença glomerular, observa-se presença de proteinúria e ausência de piúria, bacteriúria ou hematúria. Os valores de densidade urinária são variáveis; a maior parte dos pacientes mantém a capacidade de concentrar urina, a menos que desenvolva IRC. A mensuração dos teores de proteína e creatinina na urina para cálculo da proporção proteína:creatinina é o teste mais aceito para confirmar a relevância da proteinúria. Na ausência de piúria, hematúria e bacteriúria, uma proporção proteína/creatinina acima de um indica importante proteinúria (GRANT; FORRESTER, 2008). Microalbuminúria foi detectada em diversas doenças humanas, sendo considerada preditiva de seqüela e recuperação em algumas delas. Até o momento, a sua mensuração é mais bem empregada como instrumento de monitoração e detecção precoce de doença renal hereditária e em pacientes com idade avançada. Nesses casos, parece que a microalbuminúria de magnitude crescente é uma indicação para avaliação de causas primárias de doença glomerular (GRANT; FORRESTER, 2008). Segundo Sturgess (2003a), a amiloidose deve ser considerada como diagnóstico diferencial em casos de aumento de volume abdominal. A organomegalia na amiloidose é 43 difusa e deve ser diferenciada de ascite, prenhez, fraqueza da musculatura abdominal e gordura. Outras causas de organomegalia difusa são doenças infiltrativas (inflamatórias ou neoplásicas), torção ou engurgitamento esplênico, pseudocisto peri-renal e lipidose hepática. É importante também realizar a diferenciação entre amiloidose renal e glomerulonefrite, pois a amiloidose não tem tratamento confiável e progride rapidamente para insuficiência renal terminal, enquanto a glomerulonefrite tende a progredir lentamente e pode ser curada quando for possível eliminar a causa infecciosa, inflamatória ou neoplásica primária (GRANT; FORRESTER, 2008). Ao exame ultra-sonográfico, pode-se observar rins aumentados ou de tamanho normal, com parênquima normal ou equivocadamente hipoecóico, linfadenopatia mesentérica ocasional, parede intestinal espessada devido à deposição de amilóide e efusão abdominal (JOHNSON, 2008). Animais com amiloidose renal progressiva morrem com insuficiência renal e uremia. Ao exame de necropsia, os rins desses animais estão aumentados, pálidos e de cor amarela ou marrom-alaranjada. Áreas cinza e translúcidas de amilóide aparecem como pontos no córtex e como estrias na medula (CHEVILLE, 2004). Já em casos de amiloidose hepática, é preciso realizar o diagnóstico diferencial de inflamação hepática crônica, neoplasia hepática, coagulopatia primária, traumatismo abdominal e peritonite (JOHNSON, 2008). Ao exame físico, o fígado pode estar aumentado de tamanho em uma palpação abdominal, dependendo da quantidade de amilóide, mas isso é incomum. No caso de ruptura espontânea, os achados incluem palidez de membranas mucosas, hipotermia e efusão peritoneal (JOHNSON; SHERDING, 2008; ROTHUIZEN, 2001). Achados laboratoriais potenciais incluem elevação da atividade de ALT, hiperbilirrubinemia e aumento do nível de ácidos biliares. Pode haver anemia regenerativa secundária à ruptura hepática e hemorragia. Trombocitopenia e tempo de coagulação anormalmente prolongado (que podem responder à vitamina K) foram descritos em alguns gatos. A abdominocentese pode revelar efusão abdominal hemorrágica (JOHNSON; SHERDING, 2008; ROTHUIZEN, 2001). Os achados em radiografias abdominais podem incluir hepatomegalia e possível efusão abdominal. O ultra-som abdominal pode revelar fígado difusamente heterogêneo com parênquima hipoecóico (CRYSTAL, 2004; JOHNSON, 2008; JOHNSON; SHERDING, 2008). 44 Para o diagnóstico definitivo de amiloidose hepática é necessária a biopsia, contudo, recomenda-se cautela, pois a AAF (aspiração por agulha fina) para citologia ou biopsia hepática pode ser complicada por grave hemorragia (JOHNSON; SHERDING, 2008; ROTHUIZEN, 2001). Assim como na amiloidose renal, é necessário solicitar a coloração vermelho Congo, além da hematoxilina e eosina de rotina (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). O exame citológico de amostras do fígado pode sugerir amilóide com base na constatação de um material amorfo róseo adjacente aos hepatócitos (com coloração Writght-Giemsa modificada). Macroscopicamente, o fígado encontra-se pálido, aumentado de volume e friável, com hemorragias, hematomas e lacerações de cápsula. Histologicamente, o amilóide hepático apresenta-se na forma de material homogêneo, amorfo e eosinofílico no espaço de Disse e nas paredes vasculares (JOHNSON; SHERDING, 2008; ROTHUIZEN, 2001). No entanto, segundo Johnson (2008), raramente a citologia de aspiração com agulha fina sugere a presença de amilóide hepático. É importante salientar que a necessidade de biopsia e de confirmação da doença é questionável em casos moderados a avançados de amiloidose, pois é comum que o benefício da tomada de decisão terapêutica seja suplementado pelo risco representado pela própria biopsia (CRYSTAL, 2004). 2.8 TRATAMENTO E PROFILAXIA O tratamento para essa enfermidade pode ser sintomático, quando o felino apresenta sinais clínicos de insuficiência renal ou hepática, ou profilático para reduzir a deposição de amilóide e suas conseqüências, pois uma vez havendo o depósito de amilóide não há como removê-lo. Se a afecção for identificada antes do desenvolvimento de insuficiência, sugere-se terapêutica que objetive impedir a deposição adicional de amilóide e causar a dissociação de fibrilas amilóides existentes, para isso tem sido descrito o uso de substâncias tais como o dimetilsulfóxido (DMSO) e colchicina (DIBARTOLA et al., 1990). No entanto, nenhuma droga tem sido avaliada no tratamento da amiloidose felina (BARDER, 2006). Processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos adjacentes devem ser diagnosticados e tratados, se possível. Infelizmente, é improvável que este tratamento altere o curso da afecção em animais com IRC e uremia estabelecidas. 45 A desidratação deve ser corrigida por fluidoterapia apropriada (sugere-se NaCl a 0,9% ou solução de Ringer lactato). Os pacientes com acidose metabólica grave podem necessitar da suplemetação de bicarbonato. A insuficiência renal é tratada segundo os princípios do tratamento clínico conservativo (BARDER, 2006; DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008; GRAUER; DIBARTOLA, 1997), e a pressão sangüínea em pacientes com hipertensão deve ser normalizada (DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008). Uma terapia citotóxica agressiva utilizando medicamentos como a clorambucila, ciclofosfamida e metotrexato mostrou-se benéfica em pacientes humanos com amiloidose reativa (GERTZ, 1992, apud GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Pacientes com síndrome nefrótica causada por amiloidose glomerular costumam apresentar uma concentração plasmática baixa de antitrombina III; assim, a heparina é relativamente ineficaz (DE MORAIS; DIBARTOLA, 2008). Os mecanismos pelos quais o DMSO pode beneficiar pacientes com amiloidose são a solubilização das fibrilas do amilóide, redução da concentração sérica de SAA e redução da inflamação e fibrose intersticiais nos rins afetados. Provavelmente a solubilização das fibrilas não ocorre em qualquer grau clinicamente significativo, porque permanece inalterada a quantidade de amilóide nos rins de pacientes humanos que melhoraram clinicamente após o tratamento com DMSO. A redução da inflamação e fibrose intersticiais renais pode resultar numa melhora do funcionamento renal e redução da proteinúria. Os efeitos adversos com o tratamento devem ser considerados antes de iniciada a terapêutica. Em humanos, sua administração resulta em náusea e em um odor desagradável, semelhante a alho, que, segundo se supõe, é causado pelo sulfeto de dimetila, um metabólito. Estes fatores podem levar à não cooperação do proprietário e à anorexia do paciente, com a diminuição do consumo de água, provocando agravamento da azotemia pré-renal. A inflamação perivascular e a trombose local são possíveis ocorrências, caso seja administrado DMSO não diluído por via intravenosa. A administração subcutânea na forma não diluída pode provocar dor. Dilui-se DMSO a 90% na proporção de 1:4 com água esterilizada antes de sua administração por via subcutânea, na dose de 125mg/kg, duas vezes ao dia, ou 80mg/kg, três vezes por semana, por via oral ou subcutânea (GRANT; FORRESTER, 2008; GRAUER; DIBARTOLA, 1997; SENIOR, 2001). A colchicina pode bloquear a liberação de SAA dos hepatócitos, mediante a sua ligação aos microtúbulos, impedindo a secreção de SAA. Colchicina pode ainda interferir na produção de AEF. Em humanos, impede o desenvolvimento da amiloidose em pacientes com Febre Familiar do Mediterrâneo, e promove a estabilização do funcionamento renal nos 46 pacientes com síndrome nefrótica, mas sem insuficiência renal evidente (JOHNSON, 2008; ZEMER, 1986 apud GRAUER; DIBARTOLA, 1997). No entanto, não há evidência de que a colchicina seja benéfica após estabelecimento da insuficiência renal ou hepática devido à amiloidose (GRAUER; DIBARTOLA, 1997). Isso sugere que, se utilizada, a terapêutica deve iniciar antes do desenvolvimento da insuficiência, em doses de 0,02 a 0,04 mg/kg, uma vez ao dia, por via oral. Até o momento, a eficácia da colchicina em gatos com amiloidose é desconhecida (GRANT; FORRESTER, 2008; SENIOR, 2001). Johnson (2008) recomenda a colchicina na dose de 0,03 mg/kg, por via oral, duas vezes ao dia, sem o acréscimo de probenecida. Os efeitos colaterais incluem vômitos, diarréia sanguinolenta e, raramente, supressão da medula. Recomenda-se evitar a administração de substâncias imunossupressoras a pacientes com amiloidose, pois podem exacerbar a deposição de amilóide nos rins (GRANT; FORRESTER, 2008). Em pacientes com IRC, deve-se evitar medicamentos nefrotóxicos como aminoglicosídeos, cisplatina e anfotericina B, e corticoesteróides (ADAMS, 2008). Nos casos de amiloidose causando doença glomerular, pode-se considerar um controle alimentar, no entanto, atualmente não se conhece a dieta ideal para gatos nesse caso. Evidências em humanos com hipoalbuminemia secundária à doença glomerular indicam que dieta com restrição protéica está associada a um aumento no teor sérico de albumina e pode reduzir a proteinúria (GRANT; FORRESTER, 2008). No entanto, as recomendações para animais com IRC média à moderada são controvertidas; alguns autores sugerem que a restrição protéica não é necessária até que a IRC seja moderada à grave (ADAMS, 2008). A restrição à ingestão de sódio provavelmente é benéfica, pois a maior parte desses pacientes é hipertensa. A suplementação de proteínas deve ser evitada, pois agrava a lesão glomerular; já a suplementação de ácidos graxos ω-3 pode ser benéfica pelo efeito protetor aos rins. Atualmente, rações formuladas para gatos portadores de IRC englobam esses aspectos e são apropriadas para doença glomerular (GRANT; FORRESTER, 2008). O animal deve ter acesso livre à água fresca (ADAMS, 2008). É necessário monitorar cuidadosamente os pacientes quanto a sintomas de subnutrição protéica (perda de peso contínua, anemia e aumento da magnitude da hipoalbuminemia e proteinúria). Deve-se mensurar uréia sangüínea, teores séricos de creatinina e albumina e proporção proteína:creatinina duas vezes por semana após mudar a dieta. Caso a função renal não se agrave, a magnitude da proteinúria tenha se reduzido ou permanecido inalterada, e o teor sérico de albumina tenha aumentado ou permanecido estável, mantenha a dieta com restrição protéica (GRANT; FORRESTER, 2008). 47 Em felinos com insuficiência hepática, considerar as medidas apropriadas para encefalopatia hepática e administrar vitamina K1, para coagulopatia. Quando ocorre hemorragia hepática aguda, deve-se instituir fluidoterapia e transfusão sangüínea (JOHNSON, 2008; JOHNSON; SHERDING, 2008). Como medida de emergência, pode-se considerar ressecção do lobo hepático para sangramento catastrófico decorrente de ruptura, no entanto, gatos que sobrevivem à hemorragia hepática acabam por sucumbir à insuficiência renal (JOHNSON, 2008). Segundo Adams (2008), hemodiálise e transplantes renais foram realizados com sucesso em gatos com doença renal avançada em hospitais de referência, e podem ser considerados como uma alternativa. Em seu trabalho sobre amiloidose tipo AA em cães Shar-pei Chineses, Sonne et al. (2008) recomendam que os animais portadores da síndrome, seus progenitores e sua prole sejam identificados e retirados da produção, evitando a disseminação da doença. 2.9 PROGNÓSTICO O prognóstico para gatos com amiloidose renal é desfavorável, pois seu caráter progressivo leva à IRC e uremia (GRAUER; DIBARTOLA, 1997; ROTHUIZEN, 2001). Para amiloidose hepática, o prognóstico de longo prazo é ruim (JOHNSON; SHERDING, 2008). 48 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho teve como objetivo divulgar a crescente ocorrência de uma afecção potencialmente fatal que afeta determinadas raças de felinos, sobre a qual há poucos relatos publicados. A falta de relatos, provavelmente, é conseqüência tanto da falta de conhecimento dos clínicos Veterinários quanto da grande dificuldade de obter um diagnóstico definitivo quando há uma suspeita clínica. Na Medicina Humana, o conhecimento sobre os depósitos de amilóides era bastante limitado até recentemente. No entanto, surtos de BSE e a ascensão da doença de Alzheimer como a terceira causa de morte na América do Norte provocou uma maior pressão pela busca da cura. As doenças priônicas e o Alzheimer estão relacionados com a deposição de amilóide, assim como diabetes mellitus tipo II, doença de Huntington e a febre familiar do Mediterrâneo. Algumas formas de amiloidose são familiares, incluindo a que acomete gatos Abissínios, Orientais e Siameses, e não havendo até o momento uma terapêutica eficiente, se torna fundamental a prevenção. Para isso, Médicos Veterinários devem alertar proprietários e criadores da necessidade de identificar e separar da reprodução os animais com a doença. No entanto, há a necessidade de pesquisas futuras para aprofundamento no tema e discussão de novas possibilidades de tratamento. 49 REFERÊNCIAS ADAMS, L. G. Insuficiência renal crônica. In: TILLEY, L. P.; SMITH JR., F. W. K. Consulta veterinária em 5 minutos: espécies canina e felina. 3. ed. São Paulo: Manole, 2008, p. 852-853. ARNOLD, C. Amyloid fibrils are hallmarks of disease but also may provide a basis for advanced nanomaterials. Chemical & Engineering News: Science and Technology. v. 86, n. 29, p.48-50, jul. 2008. BARDER, P. J. Rins. In: CHANDLER, E. A., GASKELL, C. J., GASKELL, R. M. Clínica e terapêutica em felinos. 3. ed. 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