Amiloidose cardíaca. Relato de caso*

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RELATO DE CASO
Rev Bras Clin Med, 2009;7:63-65
Amiloidose cardíaca. Relato de caso*
Cardiac amyloidosis. Case report
Estêvan Vieira Cabeda1, Luciano Panata1, Alexandre Hartmann1, Márcio Lauert Balbinotti2
*Recebido do Departamento de Cardiologia do Hospital São Vicente de Paulo, (HSVP), Passo Fundo, RS.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A amiloidose cardíaca
é uma doença rara e de difícil diagnóstico ocasionada pela
deposição de substância amilóide. Este depósito pode levar a distúrbio da condução cardíaca, cardiomiopatia restritiva, baixo débito cardíaco e comprometimentos atriais
isolados. O objetivo deste estudo foi descrever o caso de
um paciente portador de insuficiência cardíaca direita há
6 meses.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 51 anos,
chegou ao setor de emergência do hospital após episódio
de síncope. Após realização do eletrocardiograma (ECG)
e ecocardiograma (ECO), levantou-se a hipótese de amiloidose cardíaca a qual foi confirmada através da biópsia do
endocárdio e coloração vermelho do congo.
CONCLUSÃO: A avaliação clínica complementada por
ECG e ECO permitiu caracterizar bem a doença e a forma de manifestação. Pacientes com amiloidose cardíaca possuem poucas opções de tratamento e prognóstico
­reservado.
Descritores: Amiloidose, Cardiomiopatia Restritiva, Síncope.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The cardiac amyloidosis is a rare disease hard to diagnose, it is caused by the
deposit of the amyloid substance. This deposit can lead to
trouble in the cardiac conduction, restrictive cardiomyopathy, low cardiac output and atrial damage. We report a case
about a male patient with right heart failure for 6 months,
admitted in the hospital emergency after syncope episode.
CASE REPORT: Male patient, 51 years-old. After accom-
1. Clínico Geral. Médico-Residente (R2) de Cardiologia do
HSVP.
2. Clínico Geral. Cardiologista. Hemodinamicista. Médico Preceptor da Residência de Cardiologia do HSVP.
Apresentado em 23 de junho de 2008
Aceito para publicação em 30 de setembro de 2008
Endereço para correspondência:
Dr. Estêvan Vieira Cabeda
Rua Moacir da Motta Fortes, 54/101 – Vera Cruz
99040-010 Passo Fundo, RS.
Fone: (54) 9151-4196 - (54) 3045-1722
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
plishment of electrocardiogram (ECG) and echocardiogram (ECO), it was raised the hypothesis of cardiac amyloidosis which was confirmed through endocardium biopsy
and congo red staining.
CONCLUSION: The clinical evaluation complemented
with ECG and ECO allows characterizing well the disease
and its manifestation form. Patients with cardiac amyloidosis have few treatment options and adverse prognosis.
Keywords: Amyloidosis, Cardiomyopathy Restrictive, Syncope.
INTRODUÇÃO
A amiloidose cardíaca é caracterizada por deposição extracelular de proteínas betafibrilares insolúveis (depósito amilóide) no coração. Esta pode ser parte de uma doença sistêmica, que é mais comum, ou um fenômeno localizado1.
O envolvimento do sistema cardiovascular pela amiloidose
é polimórfico, já descritos como insuficiência cardíaca em
padrão restritivo, fibrilação atrial, retardos intraventriculares da condução, taquicardia ventricular, síncope, embolismo pulmonar e morte súbita em decorrência de fibrilação
ventricular2-4.
A amiloidose cardíaca é habitualmente evidenciada quando, em pacientes com esse diagnóstico sindrômico, a área
cardíaca é relativamente pequena e há alterações, tais como
baixa voltagem à eletrocardiografia e padrão restritivo-infiltrativo à ecocardiografia, especialmente se houver amiloidose sistêmica conhecida, ou se outras doenças do coração
tiverem sido descartadas. A despeito de avanços em exames
complementares, o diagnóstico da amiloidose cardíaca é
ainda bastante controverso.
O objetivo deste estudo foi descrever o caso de um paciente
portador de insuficiência cardíaca direita há 6 meses.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 51 anos, portador de insuficiência cardíaca direita com rápida progressão, com classe funcional III da New York Heart Association (NYHA),
chegou ao hospital após episódio de síncope.
Ao exame clínico apresentava-se assintomático com sinais vitais estáveis. Não havia alterações na ausculta
cardiopulmonar, apresentava turjência jugular a 45°, hepatomegalia discreta e ao exame neurológico não havia
alterações. Os exames laboratoriais revelavam anemia de
doença crônica, proteinúria de 300 mg/24h e proteína de
Bence-Jones negativa. A radiografia de tórax apresenta63
Cabeda EV, Panata L, Hartmann A e col.
va área cardíaca discretamente aumentada, com pequeno infiltrado intersticial.
Após a realização do eletrocardiograma (ECG), que evidenciou sobrecarga do átrio direito e baixa voltagem do
QRS, e ecocardiograma (ECO) (Figura 1) compatível com
cardiomiopatia restritiva, levantou-se a hipótese diagnóstica de amiloidose cardíaca. Solicitou-se Holter de 24h
para avaliação da síncope, que evidenciou taquicardia supraventricular episódica e extrassístoles esporádicas não
necessitando de tratamento específico. Para confirmação
diagnóstica foi realizada aspiração do tecido adiposo abdominal; entretanto, negativo para presença de substância amilóide. Posteriormente o paciente foi encaminhado
para cateterismo cardíaco para a biópsia de endocárdio
com coloração vermelho do congo, sendo confirmado o
diagnóstico (Figura 2).
Figura 1 – Ecocardiograma com dilatação dos átrios, hipertrofia concêntrica ventricular esquerda e discreto derrame pericárdico.
AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; VD = Ventrículo
direito; VE = ventrículo esquerdo.
Figura 2 – Biópsia de endocárdio com coloração vermelho
do congo.
As setas confirmam a caracterização do material como
amilóide.
64
DISCUSSÃO
A suspeita de amiloidose é feita em geral quando se sabe
que o paciente com insuficiência cardíaca tem a forma sistêmica da doença de depósito, ou quando outras doenças
cardíacas são descartadas. Definem-se como critérios para
a amiloidose cardíaca o espessamento da parede ventricular esquerda acima de 12 mm na ausência de história de
hipertensão arterial sistêmica e ao menos uma das características a seguir: dilatação atrial com ventrículos de tamanho pequeno, derrame pericárdico e padrão restritivo da
insuficiência cardíaca.
O depósito amilóide pode ser restrito ao septo atrial, como
é relativamente comum em idosos, ou mais difuso, comprometendo os ventrículos. Nesta última situação, pode ocasionar insuficiência cardíaca, com prognóstico reservado3.
Os pacientes geralmente têm síncope resultante da disfunção autonômica ou disritmia. A deposição amilóide leva
obliteração do tônus adrenérgico no coração e altera a estimulação neuro-humoral compensatória5.
A eletrocardiografia é um método não invasivo e pode
ajudar no estabelecimento do diagnóstico de amiloidose.
Baixa voltagem ou pouca progressão das derivações precordiais são as características sugestivas da doença. Como
apontado por Dubrey e col.6, a suspeita de amiloidose cardíaca deve ser levantada se o eletrocardiograma demonstrar as características típicas de baixa voltagem, quando
adicionada ao achado de espessura aumentada da parede
ventricular, uma vez que as outras causas de espessamento ventricular levam a alta voltagem. A combinação desses
critérios apresenta sensibilidade (72% a 79%) e especificidade (91% a 100%)1.
Recentemente a ressonância magnética cardíaca oferece
a possibilidade da detecção mais precoce do envolvimento cardíaco7. A presença de biomarcadores cardíacos
como as troponinas T e I são marcadores sensíveis do
envolvimento cardíaco relacionados, também com pior
prognóstico1.
Para confirmação diagnóstica ainda permanece a visualização do depósito amilóide através da biópsia com coloração
com vermelho do congo1. A sensibilidade diagnóstica para
o aspirado abdominal é de 85%, enquanto que a biópsia do
endocárdio apresenta sensibilidade próxima a 100%4.
O tratamento está relacionado com a classificação da amiloidose, sendo que a primária apresenta melhores resultados ao tratamento quimioterápico, podendo interromper a
progressão da doença estabilizando e melhorando os sintomas1. Recentes estudos indicam estratégias promissoras
para estabilizar estruturas nativas das proteínas amiloidogênicas, inibindo a formação do amilóide e quebrando depósitos usando anticorpos sintéticos1.
A amiloidose cardíaca permanece um desafio para o clínico. Pacientes com amiloidose e insuficiência cardíaca congestiva têm pior prognóstico com sobrevida média de 6 a
9 meses. A consciência e o entendimento da amiloidose é
importante para os cardiologistas e clínicos porque o diagnóstico precoce está relacionado com aumento da sobrevida do paciente.
Amiloidose cardíaca. Relato de caso
REFERÊNCIAS
1. Selvanayagam JB, Hawkins PN, Paul B, et al. Evaluation and management of the cardiac amyloidosis. J Am
Coll Cardiol, 2007;50:2101-2110.
2. Mendes RG, Evora PR, Mendes JA, et al. Heart involvement in systemic amyloidosis. In vivo diagnosis.
Arq Bras Cardiol, 1998;70:119-123.
3. Gutierrez P, Fernandez F, Mady C, et al. Características clínicas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas
na amiloidose cardíaca significativa detectada apenas
à necrópsia: comparação com casos diagnosticados em
vida. Arq Bras Cardiol, 2008;90:211-216.
4. Kholova I, Niessen HW. Amyloid in the cardiovascular
system: a review. J Clin Pathol,. 2005;58:125-133.
5. Shah KB, Inoue Y, Mehra MR. Amyloidosis and
the heart: a comprehensive review. Arch Intern Med,
2006;166:1805-1813.
6. Carroll JD, Gaasch WH, McAdam KP. Amyloid cardiomyopathy: characterization by a distinctive voltage/
mass relation. Am J Cardiol, 1982;49:9-13.
7. Vogelsberg H, Mahrholdt H, Deluigi CC, et al. Cardiovascular magnetic resonance in clinically suspected cardiac amyloidosis: noninvasive imaging compared to endomyocardial biopsy. J Am Coll Cardiol,
2008;51:1022-1030.
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