A indústria pop japonesa e as idols: consonâncias e

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E TURISMO
CURSO: COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
A indústria pop japonesa e as idols: consonâncias e rompimentos na
carreira de Hamasaki Ayumi
André Luiz Maia Lima
Orientador: Thiago Soares
João Pessoa
2013
ANDRÉ LUIZ MAIA LIMA
A indústria pop japonesa e as idols: consonâncias e rompimentos na
carreira de Hamasaki Ayumi
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Universidade Federal da
Paraíba para obtenção do grau de
bacharel em Comunicação Social Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Thiago Soares
João Pessoa
2013
André Luiz Maia Lima
A indústria pop japonesa e as idols: consonâncias e rompimentos na
carreira de Hamasaki Ayumi
Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação
Social da Universidade Federal da Paraíba, apresentado
à banca examinadora como exigência para obtenção do
título de Bacharel.
João Pessoa/PB,_____ de ______________ de2013
Aprovação:_________________________________
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Matheus Andrade
______________________________________________
Profª. Lívia Cirne
______________________________________________
Prof. Thiago Soares
(Orientador)
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, é necessário agradecer à minha mãe, Stelamaris Vieira de Lima
Silva, por ser o alicerce que foi pedra fundamental para a construção de quem eu sou
hoje, além de toda a minha família, com tios, avós e primos. Dito isto, queria muito
agradecer aos professores que passaram pela minha vida acadêmica e que contribuíram
de maneira incalculável na minha formação enquanto profissional, a começar pelo meu
querido orientador Thiago Soares, estendendo meus agradecimentos a Luiz Antônio
Mousinho, Lívia Cirne, Victor Braga e Norma Meireles, que me adotou como aluno
“não-oficial” de suas disciplinas de Rádio.
Aos meus colegas da classe inicial que saíram antes de mim, mas que estão
presentes e aparecem na minha memória cada vez que piso na Universidade, o meu
muito obrigado. Agradeço muito a Anne, Gemma, Kiu, Suelen, Camila,Cadu, Vitor,
Allan, Sayonara, Tuany, Rammom e Rafinha.Àqueles que conheci pelos corredores da
UFPB e salas de aula, Lays, Isadora, Diva, “aquele abraço”. Entretanto, me permito
registrar aqui Taty (ao que tudo indica, minha eterna parceira de projetos), Deyse,
Ysabelly e Hévilla, as amigas que estiveram do meu lado em todos os momentos de
estresse e de muitos momentos de alegria. Obrigado, Yaroslávia, por sempre me cobrar
a começar o TCC!
Não posso jamais esquecer de William e Wallace, amizades que surgiram no
âmbito profissional, mas que rapidamente passariam a incorporar o meu círculo de
amizades. Também queria registrar o meu eterno agradecimento a Juneldo, meu chefe
que é mais que um chefe, um amigo que sei que posso contar, assim como meus colegas
de trabalho. Lidiane, Vanessas, Neide, Jane, Cleane, Rafinha (de novo!), Teresa, Cairé,
Nádya, Herbert, não esqueço de vocês.
Também quero lembrar os meus companheiros de ensino médio, Ernani, Camila,
Fernando, Amanas, levo vocês comigo, mesmo à distância. À Olga Alves, um
agradecimento especial, pois, sem você, eu nunca teria conhecido o tema deste trabalho.
E, por fim, mas não menos importante, toda a gratidão do mundo a Vinicius Ferreira
Mendes, meu “co-orientadornão-oficial”, daqueles que a gente não precisa conhecer em
carne e osso para saber o que é uma amizade verdadeira.
RESUMO
O seguinte estudo pretende observar os fenômenos da indústria cultural japonesa através
da culturaidol e seus desdobramentos nos produtos musicais e audiovisuais da cantora
Hamasaki Ayumi. A partir deles, será feita uma análise das temáticas apresentadas pela
performance de Hamasaki neste cenário, a fim de observar de que maneira eles
referenciam o feminino e como este é representado. Também será observado como estes
produtos problematizam a figura feminina japonesa, em um apanhado que vai desde a
construção da figura da gueixa, passando pelos moldes propostos pela cultura idol e de
que maneira Hamasaki se utiliza dessa estética para subvertê-la.
Palavras-chave: cultura pop japonesa, música japonesa, idol, representação da mulher,
análise de produto audiovisual.
ABSTRACT
This study aims to observe cultural industry phenomena from Japanthrough idol culture
and its aftermath in music and audiovisual products of singer Hamasaki Ayumi.From
them, it will be analyzed themes displayed by Hamasaki’s performance in that scene, to
look how it point out the female image and how it is represented. Will be also observed
how these products problematize the Japanese female image, in a summary which starts
since the construction of geisha image, passing by molds purposed by idol culture and
how Hamasaki uses that aestethics to subvert it.
Keywords: Japanese pop culture, Japanese music, idol, female representation,
audiovisual product analysis.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................07
1 O JAPÃO, A IDENTIDADE POP E SEUS DESAFIOS ........................................09
1.1 A era dos idols..........................................................................................15
1.2 O J-Pop disputa atenção com o K-Pop......................................................23
2A FIGURA FEMININA NA CULTURA JAPONESA...........................................29
2.1A mulher na indústria fonográfica nipônica.....................................................36
2.2 Possíveis influências ocidentais.......................................................................46
2.2.1 Amuro Namie...........................................................................................47
2.2.2 Utada Hikaru............................................................................................52
2.2.3 Hamasaki Ayumi......................................................................................54
3 TEIA DE INFLUÊNCIAS: HISTÓRICO DA IDOL JAPONESA E OS
REFLEXOS NA CARREIRA DE HAMASAKI AYUMI.........................................61
3.1 Background nipônico.......................................................................................61
3.2 A identidade e o feminino na carreira de Hamasaki Ayumi............................69
3.2.1 Controle...................................................................................................69
3.2.2 A mulher a sexualidade...........................................................................74
3.2.3 Identidade................................................................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................83
REFERÊNCIAS.............................................................................................................85
INTRODUÇÃO
A cultura pop japonesa vem sendo objeto de estudo de alguns pesquisadores da
comunicação brasileira, abordando principalmente a animação, os quadrinhos e a
produção fílmica do país. Também temos estudos relacionados à penetração destes
produtos culturais no Brasil, em análises de fandoms e da cultura cosplay. Entretanto,
uma contribuição sobre a música japonesa e a produção cultural relacionada é
incipiente.
Visto isso, este estudo tem como principal objetivo observar, através do
repertório musical e audiovisual da cantora japonesa Hamasaki Ayumi, consequências
de uma cultura bastante singular do Japão, osidols. Ao longo dos próximos capítulos,
será destrinchado o histórico dessa indústria cultural sui generis, a concepção histórica
do feminino japonês, através da gueixa, apontamentos de possíveis influências
ocidentais que reconfiguraram a lógica midiáticanipônica e, por fim, uma análise do
audiovisual de Hamasaki Ayumi, sob três eixos temáticos.
Ao analisarmos a trajetória de artistas femininas e falarmos do conceito de
gueixa e seu lugar na sociedade, é inevitável que falemos da representação social do
feminino. Conceitualmente, as representações sociais são organizações de imagens,
construídas com base na realidade, que são compartilhadas no ambiente social, trazendo
o microcosmo de um comportamento domiciliar para o macro da teia social,
são “modalidades
de
conhecimento
práticoorientadas
para a comunicação
e para a compreensão do contexto social, material e ideativo em que vivemos” (SPINK
apud KOPP, 2006, p. 2). A forma como esse tipo de modelo é disseminado se dá de
diversas maneiras e, hoje em dia, os meios de comunicação de massa são os grandes
responsáveis por sua difusão.
(...) as representações sociaissãocampos socialmente
estruturados nainterface de contextos sociais de curto e longo
alcances históricos. (...) o contexto social de longo alcance foi
denominado imaginário social. (...). O imaginário social seria,
assim, o conjunto cumulativo das produções culturais, que
circulam numa determinada sociedade sob formas as mais
variadas: iconografia, literatura, canções, provérbios, mitos.
(SPINK apud KOPP, 2006, p. 2)
Neste contexto, podemos encapsular as gueixas como figuras presentes no
imaginário popular, que desaguam na figura das idols do século XX. Ao tratarmos da
análise de produtos dos meios de comunicação de massa, podemos nos ancorar através
do conceito de performance. Segundo Janotti (2006), a performance musical pressupõe
não só uma relação entre intérprete e ouvinte, mas sim entre produto e consumidor, uma
lógica de mercado.
Assim, podemos defini-la como um processo de produção de
sentido e consequentemente, de comunicação, que pressupõe
regras formais, ritualizações ecomportamentos mercadológicos
partilhados por produtores, músicos e audiência, direcionando
certas experiências frente aos diversos gêneros musicais.
(JANOTTI, 2006, p. 10)
Além disso, os Estudos Culturais, corrente que surgiu inicialmente na Inglaterra
logo após a Segunda Guerra Mundial, nos ajuda a compreender melhor como
identidades e significados sociais e culturais são compreendidos na lógica da cultura de
massa.Hennigen (2002) aponta que, nos últimos anos, essa vertente vem direcionando
seu interesse em questões como a subjetividade e a identidade, além de observar as
reverberações de textos culturais e midiáticos que se direcionam ao domínio privado e
doméstico.
A cultura tem, na contemporaneidade, papel constitutivo de
todosos aspectos da vida social. Os seres humanos utilizam
sistemas ou códigosde significado para interpretar, organizar e
regular sua conduta, enfim, paradar sentido às próprias ações
assim como às ações dos outros: são suas culturas.
(HENNIGEN, 2002, p. 50)
1O JAPÃO, A IDENTIDADE POP E SEUS DESAFIOS
Associado principalmente à culinária ou a fatos fora do que é considerado
“comum” no Ocidente, o Japão ao longo das últimas décadas apresentou ao mundo uma
crescente indústria de cultura popular, através de diversos produtos e artistas ligados ao
cinema, à música e à televisão. O país, que sempre foi conhecido por figuras
tradicionais de sua cultura, como a gueixa e o samurai, agora passa a ser levado aos
quatro cantos do mundo através de produtos eletrônicos, sob marcas como a Sony, a
Panasonic e a Semp Toshiba, mas, ainda mais importante, através de seus produtos
culturais.
Dentre os meios mais difundidos no mundo ocidental, está a moda (com o modo
peculiar que alguns jovens japoneses se vestem), a produção cinematográfica (tendo
como maiores expoentes o diretor Akira Kurosawa, de Os Sete Samurais,e franquias de
filmes de terror adaptadas para o cinema americano, como O Grito e O Chamado), os
doramas1, as novelas do país, videogames, como Mario Bros.,Sonic, Pokémon, Street
Fighter e Final Fantasy,omangá e o anime, histórias em quadrinhos e animações
japonesas, respectivamente.
Entretanto, a indústria pop japonesa não surgiu espontaneamente, ela foi o
resultado de uma série de esforços do governo japonês em requalificar a imagem do país
aos olhos do mundo, após a derrota da Segunda Guerra Mundial. Era preciso tornar o
Japão moderno e atualizado, já que a educação durante a guerra seguia o modelo
1
Diferentemente do esquema diário do Brasil, normalmente as novelas japonesas são semanais, com
curta duração, entre 9 e 13 episódios, lançados a cada estação do ano. Algumas delas também são
baseadas em mangás, como HanaYoriDango e GreatTeacherOnizuka, mas alguns dos grandes sucessos
do gênero, como 1 Litre of Tears e DenshaOtoko são baseados em livros.
nacional-militarista, exaltando o patriotismo e incentivando a xenofobia, evitando tudo
o que fosse gaikoku (estrangeiro), em específico a cultura norte-americana.
Com o fim do embate militar, o american way of life passou a ser assimilado
pelos japoneses, através dos produtos audiovisuais, mashavia uma necessidade de se
criar seus próprios ídolos. A partir de moldes americanos, ocorreu uma “antropofagia”
da indústria cultural americana, atribuindo-lhe características essencialmente nipônicas.
Notadamente a influência do mangaká, nome que se dá aos desenhistas de
mangá, Osamu Tezuka (1928-1989) desenvolveu a indústria de mangás a partir dos
anos 50, com publicações como Astro Boy, A Princesa e o Cavaleiro e Black Jack.
Mangá significa “história em quadrinhos” em japonês, e é
resultado da união dos ideogramasman (humor, algo que não é
sério) e gá (imagem, desenho). Assim, para os japoneses toda e
qualquer história em quadrinhos, independente de ser japonesa
ou não, é chamada de mangá porque simplesmente essa é a
palavra que em japonês designa “quadrinhos”. (SATO, 2007, p.
58)
Na era feudal japonesa, os desenhos em sequência já eram chamados de mangá,
mas o conceito moderno de quadrinhos japoneses só veio a se consolidar após os
esforços de Tezuka em institucionalizar uma indústria de quadrinhos, durante a década
de 50, quando foram lançados alguns de seus trabalhos mais expressivos, como Astro
Boy (1952-68) e A Princesa e O Cavaleiro (1953-56), tendo como principal inspiração
Walt Disney2. A maior contribuição para a personalidade japonesa dos quadrinhos foi a
estética, como, explicitada, por exemplo, nos olhos grandes e expressivos dos
personagens. Nagado (2011) explica que,
Nem todo mangá tem os famosos olhos grandes e brilhantes que
tantos amam. Os primeiros mangás nem tinham essa
característica, que acabou se tornando a mais facilmente
reconhecível dos quadrinhos e animações japonesas. Quem
começou isso foi o pioneiro do moderno mangá, Osamu
Tezuka, na década de 1940. Os motivos foram vários. Tezuka
era fã de um teatro tradicional chamado Takarazuka, que é
2
Disponível em http://www.tcj.com/tezuka-osamu-and-american-comics/. Acesso em 27 jul. 2013.
interpretado somente por mulheres (em contraposição ao
masculino Kabuki) e no qual as atrizes usam fortes maquiagens
para realçar os olhos. O criador do Astro Boy também adorava
animações Disney, em especial o Bambi (de 1942) e seus olhos
verticais e cheios de brilho e sentimento. Esses olhos dão muita
expressividade às figuras e permitem que, mesmo num
quadrinho pequeno em uma página, seja fácil identificar o que
se passa com o personagem. A resposta para a questão inicial é
que olhos grandes são expressivos e o mangá é um meio onde a
expressividade é uma característica essencial. (NAGADO,
MATSUDA, GOES, 2011, p. 11)
A consequência foi uma segmentação e categorização, que captou a atenção de
várias parcelas da sociedade, como os jovens meninos (shounen) e meninas (shoujo),
jovens adultos homens (seinen) e mulheres (jyousei) ou mesmo por temáticas, como a
pornografia (hentai) ou ainda por romances homossexuais masculinos (yaoi) e
femininos (yuri).
Figura 1 – Estética do mangá
Fonte:
http://img2.blogs.yahoo.co.jp/ybi/1/89/cb/norioetochance/folder/987896/img_987896_33033863_7?1374
639117
Com o tempo, a indústria de quadrinhos se tornou uma das mais rentáveis do
entretenimento japonês, tendo uma participação respeitável no mercado editorial
japonês, ocupando a fatia de 25% das publicações daquele país em 2011, além de se
expandir para o exterior de maneira expressiva, em mercados como os Estados Unidos,
lucrando até US$ 300 mi anualmente3.
Paralelamente, o mercado de animações, em sua maior parte baseadas nas
histórias publicadas, também se desenvolveu de uma maneira igualmente rentável.
Segundo Sato (2007), anime significa animação em japonês. É a forma contraída pela
qual os japoneses escrevem a palavra em inglês (animation), da qual deriva a versão de
sotaque nipônico,animeeshon.
Parte integrada da cultura e do cotidiano japonês, alguns dos nomes mais
comuns a serem citados fora do país são Pokémon, Dragon Ball, Saint Seiya (conhecido
no Brasil como Os Cavaleiros do Zodíaco) e até mesmo a franquia multimídia Hello
Kitty, popularizada no Ocidente muito mais por sua marca em diversos produtos e
acessórios que pela animação. Entretanto, animes como Sazae-san, no ar desde 19694
com quase sete mil episódios exibidos5, se tornaram marcos da cultura pop japonesa,
podendo ser comparados em impacto e presença no cotidiano dos japoneses às novelas
brasileiras.
Nagado (2011) recapitula um bom exemplo de como os quadrinhos exercem
uma influência em diversas camadas da sociedade japonesa, com o caso do mangá sobre
boxe Ashita no Joe (Joe do Amanhã), escritopor AsaoTakamori (Ikki Kajiwara) e
desenhadopor Tetsuya Chiba. A história, publicada entre o final dos anos 60 e o começo
dos anos 70, gira em torno de Joe Yabuki, um jovem irresponsável e envolvido em
brigas que encontra no boxe uma chance de ascensão social. “A sérieganhou tamanha
força, que os jovens dasclasses menos favorecidas do Japão passaram a adotar Joe como
ídolo e modelo de esperança,tratando-o quase como uma pessoa real” (NAGADO,
MATSUDA GOES, 2011, p. 16).
3
Texto completo disponível em http://www.wipo.int/wipo_magazine/en/2011/05/article_0003.html.
Acesso em 27 jul. 2013.
4
Disponível em http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/Manga/SazaeSan?from=Main.SazaeSan. Acesso
em 27 de jul. 2013.
5
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_anime_series_by_episode_count#cite_noteanimage-200909-1. Acesso em 27 jul. 2013.
Figura 2 – Ashita no Joe
Fonte: http://us.cdn003.fansshare.com/photos/ashitanojoe/ashita-no-joe-1508859896.jpg
Tão real que até mesmo um funeral foi organizado após um dos acontecimentos
da história. Em março de 1970, foi publicada, no auge do sucesso do mangá,a cena da
morte do principal rival de Joe, Rikiishi. O fato causou comoção generalizada, que
inspirou o artista de vanguardaShuji Terayama, fã de boxe e da série, a criar uma
cerimôniafunerária em homenagem ao personagem morto. Cerca de 700 pessoas
compareceram à cerimônia, com roupas pretas, flores e incensos.
Apesar de mais de 30 anos após o término da publicação, o próprio mangá
reverberou nesta década após a grande crise econômica, quando foi usado
estrategicamente por empresas japonesas como um exemplo de superação.
Para corroborar esse fato, a editora Kodansha iniciou em 2009 a
republicação do mangá original nas páginas da revista semanal
Gendain, título que tem como alvo um público masculino
adulto formado em sua maioria por funcionários de empresas do
meio corporativo, os famosos salaryman. O objetivo declarado
da editora é usar o mangá para levantar o moral desses leitores,
muito abalado após a crise econômica de 2008. Em fevereiro de
2011, uma versão live-action para cinema foi lançada, com o
cantor e ator Tomohisa Yamashita como Joe e YûsukeIseya
como o rival Rikiishi. Se é verdade que algo é real desde que se
acredite em sua existência, pode-se dizer que Joe Yabuki está
mais vivo do que nunca. (NAGADO, MATSUDA, GOES,
2011, p. 16)
Da mesma forma, o mercado fonográfico acompanhou esse desenvolvimento.
Antes do fim da Segunda Guerra Mundial, a chamada rokyokuou ryukoka (literalmente,
música popular) era famosa no país, com letras que contavam histórias através de uma
narrativa, similar à balada do classicismo alemão6,além de assimilar certos aspectos da
música clássica ocidental. Cantada com o acompanhamento do shamisen, um
instrumento de cordas típico japonês, se tornou um gênero popular vindo das ruas da
região de Kansai7, ilha que abriga a capital Tóquio.
Na década de 30, o país passou a se abrir para a música estrangeira
contemporânea, principalmente as chansons francesas e o jazz, através das escolas de
dança em grandes cidades, ensinando passos de foxtrot e rumba, substituindo as valsas
europeias. No meio da década de 40, uma onda xenofóbica forçou o fechamento dessas
escolas, que voltaram só após o término da guerra, trazendo o jazz de volta às rádios,
estilo popular entre os militares americanos da ocupação.
Neste período, nasceu o que se chama de kayoukyoku (literalmente, música
cantada com letra), que pode definir toda e qualquer música que caia no gosto popular
japonês até hoje, tratando-se de uma música produzida entre o pop ocidental e o
tradicional japonês. A partir da década de 1960, grupos começaram a incorporar o rock
em seu som, influenciados principalmente pelo sucesso global dos britânicos The
Beatles, The Rolling Stones e do cantor americano Bob Dylan. Chamados de group
sounds, alguns dos nomes de destaque do gênero são The Tigers e The Carnabeats. Ao
longo das décadas seguintes, a fusão da sonoridade japonesa com as tendências
ocidentais se tornou cada vez mais diversa.
6
http://pt.wikipedia.org/wiki/Balada. Acesso em 28 jul. 2013.
“During the first half of the 20th century, rokyoku, a form of narrative song became popular throughout
Japan. Featuring the shamisen, it was a kind of street music that emerged in the Kansai region”. Texto
completo disponível em http://www.farsidemusic.com/historyJa.html#enka. Acessoem 28 jul. 2013.
7
Figura 3 – Sakamoto Kyu
Fonte: http://www.sound-track.net/file/34/File0415.jpg
O som da kayoukyoku começou a ganhar contornos mais pop com o surgimento
de artistas como The Peanuts e o cantor e compositor Sakamoto Kyu, que ganhou
notoriedade com a canção Ue wo muite arukou, em 1963, atingindoo topo da Billboard
Top 100, principal parada de sucessos americana dos Estados Unidos, com o título de
Sukiyaki. Mas foi a partir da década de 70, com o surgimento de agências de talentos
como a Johnny & Associates, Inc., que uma nova configuração foi instituída na música
popular japonesa: os idols.
1.1 A era dos idols
Jovens recrutados por essas agências passavam por treinamentos, que incluíam
aulas de dança, canto e interpretação para atuarem das mais diversas maneiras,
escolhidos por serem considerados carismáticos e atraentes para a população. O termo
foi cunhado após a exibição nos cinemas japoneses do filme da musicista francesa
Sylvie Vartan, intitulado Cherchez l’idole (Em busca de um ídolo), intitulado em terras
nipônicas como Aidoru wo sagase. A partir daí, aidoru (idol) passou a ser um termo
utilizado para um tipo específico de celebridade.
Figura 4 – Dupla Pink Lady
Fonte:
http://img5.blogs.yahoo.co.jp/ybi/1/04/b3/masaya8877/folder/1313756/img_1313756_19969764_10?115
9139549
Adolescentes entre 15 e 16 anos eram contratados por agências de talentos, onde
recebiam salário fixo normal, alçados ao estrelato participando de grupos musicais,
atuando em filmes, novelas (intitulados tarento, do inglêstalent) e estrelando campanhas
publicitárias. Aoyagi apud Craig (2000) explica que a aparência dos idols era apenas um
pouco mais bonitaque a média, para conseguir empatia do público que, por considerálos com uma aparência semelhante à sua, eles poderiam, com esforço, se tornar um8.
A dupla Pink Lady conseguiu notoriedade, assim como artistas como Hiromi Go
(da Johnny’s), WadaAkiko e três cantoras chamadas de Hana no ChūsanTorio (Trio das
Flores do Terceiro Ano do Ensino Médio, em tradução livre), formado por Sakurada
Junko,Mori Masako e Yamaguchi Momoe.Dentre elas, Momoe alcançou grande
sucesso até decidir se aposentar para se casar, em 1980.
8
Japanese idols, on the other hand, typically depict images that are "fairly standard." Their appearance
and ability are above average, yet not so much so as to alienate or offend the audience—just enough to
provide their fans with the sense that they too can be stars if they try hard enough.
Figura 5 – Hana no ChūsanTorio
Fontes:
http://eagletakanosekai.up.d.seesaa.net/eagletakanosekai/image/01BEBBBBD2B3A4C9F72L.JPG?d=a0,
http://page.freett.com/mpl/box/box004.jpge
http://m.iphotoscrap.com/Image/278/1222464802.jpg
Na década seguinte, com o surgimento de estrelas como Nakamori Akina e
Seiko Matsuda, alguns dos maiores nomes do pop idol, os artistas que não se
enquadravam no estilo passaram a se intitular enka, uma espécie de kayoukyoku mais
lenta, com uma estética mais tradicionalista, onde os cantores normalmente vestem
quimonos (roupas típicas japonesas) e têm como principal característica a técnica vocal
com longos vibratos ao fim de cada frase.Mas a década foi mesmo dos idols.
Chamada de “Era de Ouro dos Idols no Japão”, era possível ver, ao longo da
década de 80, quarenta a cinquenta novos idols surgirem a cada ano, desaparecendo
rapidamente dos holofotes9. No final dos anos 80, o termo J-Pop passou a se consolidar
como caracterização mais generalizada dos atos de música popular contemporânea,
abarcando tanto idols como artistas populares que não se configuravam no enka, como o
trio (hoje duo) Dreams Come True. Após a morte de um dos ícones da música enka,
Misora Hibari, em 1989, vários artistas da kayoukyoku foram incorporados
automaticamente ao gênero, mesmo sem mudarem significativamente seu estilo
musical, o que causou uma série de confusões, como a canção Himawari, de Maekawa
Kiyoshi, composta pelo cantor pop Fukuyama Masaharu, classificada como uma canção
enka sem nenhum motivo específico.
Com a chegada dos anos 90, o J-Pop se tornou cada vez mais uma branding,
estimulada por agências como a Beinge as produções de pop eletrônico do compositor
Tetsuya Komuro. As paradas de hits dos três primeiros anos foram dominadas por
9
http://www.farsidemusic.com/historyJa.html#enka. Acesso em 28 jul. 2013.
artistas da Being, como Tube, B.B.Queens, Zard, Wands, Deen e o duo B’z, este último
estabelecendo um novo recorde de singles consecutivos em primeiro lugar, desbancando
o recorde antes conquistado por Seiko.
O aquecimento da indústria fonográfica, com o aumento crescente de vendas de
CDs, contribuiu para que muitos artistas atingissem a marca de dois milhões de cópias
vendidas. Em 1994, Tetsuya Komuro resolveu investir na carreira de produtor musical,
instituindo uma era dominada por suas criações. A Komuro Family era formada por
artistas e idols que cantavam as composições dance e techno de TK, como é conhecido
no mercado japonês. Atos como TRF, Hitomi, globe, Suzuki Ami e Amuro Namie
emplacaram cerca de 20 hits compostos por Komuro, que foi responsável pelas vendas
de 170 milhões de CDs com seus artistas.
Figura 6 – Komuro Family
Fontes: http://cdn.mkimg.carview.co.jp/minkara/userstorage/000/005/303/548/b02ac2c51f.jpg,
http://cdn.natalie.mu/images/music/ja/sp-trf/photo16.jpg e http://blog-imgs45.fc2.com/u/t/s/utsurome/2012102401.jpeg
Isso pavimentou o surgimento de outros grandes sucessos do pop japonês dos
anos 2000: Utada Hikaru, responsável pelo disco mais vendido da história do Japão,
First Love, com mais de 7 milhões de cópias vendidas, e Hamasaki Ayumi, objeto deste
estudo, a cantora solo com o maior número de discos vendidos da história do país, com
mais de 50 milhões de cópias vendidas só no mercado nipônico.
Sua carreira, por sinal, é curiosa por contar com algumas peculiaridades desde a
gênese da figura pública de Hamasaki. Já tendo trabalhado como modelo fotográfica,
atriz em alguns filmes e novelas com papéis secundários e até mesmo com uma
tentativa fracassada de seguir a linha do hip-hop (em 1995, com o EP NOTHING FROM
NOTHING), Ayumi estreou de fato na música em 1998, com o single poker face,
através da gravadora AvexTrax, uma das mais importantes do mercado fonográfico
japonês.
Figura 7 – Capa de First Love, de Utada Hikaru, oálbum mais vendido do Japão
Fonte: http://i623.photobucket.com/albums/tt318/ChosenWorld/Japan%20Music/1FirstLove.jpg
Só que, antes de falar sobre Ayumi, é preciso contextualizar mais profundamente
o que se chama de J-Pop. O termo, como citado anteriormente, abarca uma série de
gêneros dentro da denominação, além das mais diversas modalidades. Canções mais
lentas, normalmente com piano e cordas podem ser encontradas, ao mesmo tempo em
que músicas dançantes com refrãos grudentos são classificadas com o mesmo “rótulo”.
Além dos títulos, uma característica do J-Pop é inserir frases e palavras em
inglês em meio aos versos em japonês, uma tentativa de estilizar o gênero, que também,
ao utilizar caracteres arábicos, varia a capitulação para maior impacto das palavras (ex.
isthis LOVE?, de Hamasaki Ayumi, storia, de Kalafina ou ainda MY HEART DRAWS A
DREAM, do grupo L’Arc~en~Ciel), com o objetivo de diferenciá-los da kayoukyoku.
Além de cantores e cantoras solo, é notório o número de grupos femininos e
masculinos como o SMAP, formado por cinco homens, em atividade desde 1991 não só
na música, mas atuando em novelas, estrelando comerciais, participando de campanhas
das mais diferentes formas e apresentando programas na TV japonesa, onde
entrevistam, promovem jogos e até mesmo cozinham, sendo um molde para outros
grupos idol subsequentes, como Arashi, NEWS, e KAT-TUN.
Figura 8 – O grupo idol AKB48
Fonte: http://ch723.net/uploader/images/ch723_169.jpg
Os grupos femininos também são figura recorrente no cenário pop nipônico,
como AKB48 e Morning Musume, na atualidade, e SPEED, na década de 90. Há
também cantores-compositores, como YUI, Onitsuka Chihiro, Utada Hikaru, Hirai Ken,
aiko, miwa, ayaka, Otsuka Ai e performers como Amuro Namie e Koda Kumi.
Apesar de existir uma divisão entre J-Pop e J-Rock, este último com subgêneros
como o visual kei10, uma miríade de estilos pode ser abarcada pelo primeiro, como hiphop, eletrônica, disco, reggae, folk, latina e muitas outras variações de músicas que são
traduzidas para a lógica do pop japonês. Além disso, artistas enquadrados no J-Rock ou
em estilos como hardcore e heavy metal também se tornaram muito populares, como as
bandas L’Arc~en~Ciel e X JAPAN, tornando ainda mais cinzenta a região do que é JPop e o que não é.
10
“Visual Kei (estilo visual), ou Visual Rock, é um movimento musical que surgiu no Japão na década de
80.É uma mistura de diversas vertentes musicais como rock, metal e, muitas vezes, uso de instrumentos
relacionados à música clássica, tais como violino, violoncelo, órgão, cravo e piano”. Extraído de
http://animenmaa.blogspot.com.br/2012/06/visual-kei.html. Acesso em 20 ago. 2013.
Figura 9 – Rock japonês
Fontes: http://i.pinger.pl/pgr156/12a30db50029dabd48945955/L'Arc+En+Ciel.jpg e
http://blogs.suntimes.com/music/xjapan.jpg
O termo, por sinal, foi cunhado por uma rádio japonesa, a J-Wave, que passou a
segmentar sua programação, no início dos anos 90, com blocos de música dedicados
exclusivamente às produções japonesas. Algumas das principais gravadoras do país,
como a supracitada AvexEntertainment Inc., Warner, Universal, EMI e Sony Music
Japan e agências como a Johnny’sEntertainment e o Hello!Project são alguns dos
principais agentes do mercado japonês.
Com a popularização da TV a cabo, na mesma época em que o J-Pop se
consolidava enquanto marca, canais passaram a dedicar boa parte ou a totalidade de sua
programação a videoclipes e transmissões ao vivo (ou de gravações posteriormente
lançadas em DVD e Blu-Ray), sendo os de maior destaque o SPACE SHOWER TV e o
MUSIC ON! TV, além da subsidiária japonesa da MTV, com programas sobre a cultura
pop local e programação de entretenimento. O WOWOW, na área da música, se
especializou em transmissões de shows.
Além disso, a música também aparece na TV aberta através dos programas
semanais de apresentações musicais, os mais tradicionais sendo o Music Station,
ocupando o horário nobre da sexta-feira na Asahi TV, Countdown TV (ou simplesmente
CDTV), no início das madrugadas de quarta para a quinta-feira da TBS, e Music Japan,
no horário das onze da noite do canal estatal NHK.
No final do ano, especiais musicais apresentam uma longa lista de atos que se
destacaram no cenário da música ao longo do ano, como o Best Artist, do canal NTV, o
Best Hit Kayousai, do YTV, e o FNS Kayousai, do canal FNS. Normalmente
transmitidos próximo às festividades do Natal e do Ano-Novo, eles se juntam ao Music
Station Super Live e o CDTV especial de fim de ano, que também trazem normalmente
uma setlist similar.
O último dia do ano é marcado pelo Kōhaku Uta Gassen, produzido pela estatal
NHK, já em sua 64ª edição no ano de 2013, trazendo além dos destaques do ano, alguns
artistas que caíram no gosto da população com idade mais avançada, oriundos da
efervescência da kayoukyokue enka. Ayumi Hamasaki, que completou em 2013 quinze
anos de carreira, vem desde 2008 sendo o ato de abertura do programa, considerado um
dos mais prestigiados da TV.
Apesar do declínio de vendas nos últimos cinco anos, ela concentra em suas
mãos alguns recordes e conquistas. Hoje, ela figura, com mais de 50 milhões de cópias
de seus discos vendidos, entre a lista dos artistas japoneses mais influentes da história,
sendo a artista solos feminina com mais singles em primeiro lugar e também a com as
maiores vendas. Sua aparência e modo de vestir lhe deram status de trendsetter fashion
na década passada, estendendo sua presença por toda a Ásia.
Em janeiro de 1999, Ayumi estreou com o álbum A Song for ××, que foi um
sucesso comercial, chegando ao primeiro lugar dos rankings, vendendo mais de um
milhão de CDs, recebendo posteriormente o Japan Gold DiscAward como Melhor Nova
Artista. Depois, as vendas subiram substancialmente, atingindo o pico em seu terceiro
álbum, Duty, no ano de 2000, com quase 3 milhões de cópias, seguido pela primeira
coletânea da carreira, A BEST, em 2001, atingindo a marca de 4 milhões e se tornando o
sexto álbum mais vendido da história do Japão11.
Figura 10 – Capa do A BEST
Fonte: http://teamerayu.web.fc2.com/images/cd/album/album/04.jpg
11
A BEST, 2001, 6, 4,301,353.http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_albums_in_Japan.
Acesso em 1 set. 2013.
A revista Time destacou que sua música e sua imagem em constante mudança
são algumas de suas maiores armas na indústria, aliadas às letras de suas músicas,
escritas por ela mesma, que possuem muitas vezes um caráter autobiográfico. Também
é conhecida por realizar shows grandiosos, onde é diretamente envolvida na direção e
produção artística, sendo muitas vezes comparada com Madonna, já citada por
Hamasaki como uma de suas principais influências.
Seus videoclipes e músicas também abordam temáticas normalmente não muito
usuais no cenário japonês, como o empoderamento da mulher (Sexy little things,my
name’s WOMEN, Beautiful Fighters), a cultura gay (Lady Dynamite, GREEN), respeito
à diversidade (how beautiful you are), e mesmo comentários sobre a indústria musical
(alterna, 1 LOVE, Sparkle).
1.2 O J-Pop disputa atenção com o K-Pop
Ao mesmo tempo em que a indústria de música pop japonesa se consolidava em
torno do termo J-Pop, em um país vizinho, a Coreia do Sul, o K-Pop também foi outra
nomenclatura que passava a definir os produtos midiáticos musicais populares naquele
país, a partir da metade dos anos 90. Apesar de não possuir a mesma influência que o JPop, alguns artistas coreanos foram crescendo e tendo repercussão fora de seu país de
origem.
Com a chegada do século XXI, através das plataformas virtuais como o
YouTube, foi possível disseminar seus trabalhos de uma maneira mais contundente tanto
pelos países vizinhos da Ásia e no próprio Japão (a chamada Korean Wave) como
romper as barreiras do continente asiático e atingir o público europeu, americano e da
América Latina, que já tinham contato com o J-Pop em maior ou menor grau, devido às
comunidades de imigrantes japoneses e seus descendentes em países como o Brasil.
O K-Pop passou a ser pautado pelas agendas do jornalismo do Ocidente, tendo
como ápice até então o sucesso de Psy, rapper sul-coreano responsável pelo hit
Gangnam Style, que virou notícia nos principais portais do mundo, inclusive no Brasil,
ao atingir a marca de 1 bilhão de visualizações no YouTube12. Mas, o que tornou o KPop tão popular nos últimos cinco anos? E o J-Pop, que espaço ele ocupa nessa disputa
que envolve além da cultura, meandros da economia.
Martel (2010) destaca em um dos capítulos de seu livro Mainstream – A guerra
global das mídias e das culturas que existe um fenômeno muito característico na Ásia,
onde o Japão e a Coreia do Sul protagonizam uma dominação cultural através de seus
produtos midiáticos, como os animes e mangás, no caso específico do Japão, os dramas
coreanos e doramas japoneses, as novelas que são populares em muitos países asiáticos
e, claro, a música, que muitas vezes é traduzida e formatada dependendo da necessidade
de cada mercado em específico.
Por anos, a música pop japonesa fez e ainda faz bastante sucesso em toda a Ásia,
sendo difundida na China através da pirataria, que deu uma dimensão muito maior de
disseminação dentro da chamada “China continental”, através da cópia de CDs, DVDs e
até mesmo fitas cassetes, muito populares no interior do país. Além disso, outro
fenômeno ajudou a divulgar as canções japonesas no território chinês, as cover songs. A
empresária Yoyo, do roqueiro chinês Cui Jian, afirma em Martel (2010, p. 282) que o
pop de origem estrangeira entra através de Hong Kong e Taiwan, onde são
retrabalhados, traduzidos para o mandarim, reempacotados e redistribuídos na China
continental na forma de covers.
Só que, ao invés de esperarem a iniciativa de artistas e produtores chineses de
reempacotarem essas canções, o que diferenciou os produtores culturais coreanos dos
japoneses foi que os primeiros passaram a criar, sob sua regulamentação direta,
produtos do tipo exportação que pudessem agradar os públicos dos diferentes países.
Martel dedica um trecho do capítulo de seu Mainstream sobre a disputa entre os gêneros
musicais pop coreanos e japoneses para falar sobre o fenômeno da cantora.
12
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/12/gangnam-style-chega-1-bilhao-de-acessos-noyoutube.html. Acesso em 10 ago. 2013.
É também o caso de BoA, a superestrela sul-coreana que canta
em coreano para o público coreano, em japonês para os jovens
de Tóquio (ela é bilíngue), em inglês para os de Cingapura e
Hong Kong, e que aprendeu a cantar em mandarim para agradar
à juventude de Taipé. A partir de Taiwan, seus discos são
distribuídos na china, onde ela é uma estrela, de Xangai a
Shenzhen. [...] BoA é atualmente uma das maiores cantoras
transasiáticas, e ninguém parece achar estranho que uma
coreana, bilíngue em japonês, comece de repente a cantar em
mandarim. Pelo contrário, os chineses acham “cool”.
(MARTEL, 2010, p. 282)
O grupo sul-coreano Super Junior e suas diversas units também são lembrados
por Martel, que se readequam tanto em formação quanto em linguagem dependendo do
mercado. Enquanto o Super Junior M cantam em mandarim na China, o Super Junior
também canta em japonês no mercado nipônico paralelamente ao grupo original, que
canta em coreano em seu país de origem. “Com essas diferentes combinações, o grupo
pode se apresentar em praticamente qualquer lugar da Ásia numa língua nacional
entendida pelo público”.
Figura 11 – Cantora sul-coreana BoA
Fonte: http://i99.ltalk.ru/25.media.tumblr.com/tumblr_mbcn2pUius1ry39bko6_1280.png
Esse fenômeno foi replicado por um sem número de grupos, como as garotas do
Kara e das Girls’ Generation, as últimas tendo nomes específicos para cada país (So
Nyuh Shi Dae, ou simplesmente SNSD, na Coréia, ou Shoujo Jidai, no Japão).
Entretanto, a disputa (principalmente entre os chamados netizens, os “cidadãos da
internet”) entre J-Pop e K-Pop teve um recrudescimento a partir da chamada Korean
Wave, que tomou conta do mercado japonês, no final da primeira década desde século,
sendo marcada pelo sucesso de BoA, que fez seu primeiro lançamento no Japão em
2001, com o disco LISTEN TO MY HEART.
O grupo DongBangShin Ki, também conhecido como Tohoshinki, também
decidiu se aventura por terras nipônicas, conseguindo estabelecer uma série de recordes
nunca antes alcançados por artistas estrangeiros, como o primeiro single em primeiro
lugar no ranking Oricon de vendas (PurpleLine), o maior número de vendas de um
single na primeira semana, desbancando o recorde anterior de Elton John, com o
lançamento de BREAK OUT!(255,917 cópias vendidas) e o álbum com o maior número
de discos vendidos na primeira semana por um artista estrangeiro, com BEST
SELECTION 2010, vendendo 412,861 cópias13.
Esses resultados pavimentaram o caminho que posteriormente alguns grupos
trilharam no Japão, como os já citados anteriormente SNSD e Kara, que também
quebraram recordes e se consolidaram como uma novidade no cenário japonês, dando
ainda mais espaço para os grupos coreanos nos charts japoneses. Martel (2010) observa
esse fenômeno como um sucesso devido ao mesmo motivo de BoA e Super Junior (que,
curiosamente, não foi tão bem sucedido no Japão quanto outros grupos) sob o prisma do
idioma:
Na brincadeira de gato e rato, os coreanos passaram a promover
seus artistas de K-Pop em japonês no Japão, assim adquirindo
vantagem sobre os japoneses, que inicialmente não queriam
ceder na questão da língua: com isso, o J-Pop quase acabou
sofrendo as consequências. Mas os japoneses voltaram a se
aprumar com suas próprias armas. Concursos de “idols”, séries
de televisão, telefonia (MARTEL, 2010, p. 287)
O pesquisador se refere principalmente ao fenômeno chamado AKB48, um
grupo idol formado pelo produtor musical Akimoto Yasushi, que atualmente conta com
93 membros, todas meninas com menos de 20 anos, divididas em diversos grupos e
subgrupos que atualmente detém o recorde de vendas de singles por um grupo feminino
de toda a história do ranking Oricon no Japão. A partir de 2009, quando conseguiu o
primeiro single na primeira colocação da Oricon (RIVER, sendo o segundo single mais
vendido do país naquele ano) o grupo simplesmente dominou as paradas, chegando a
vender mais de 1,5 milhão de cópias por single, em grande parte auxiliadas por uma
13
Informações disponíveis em http://www.generasia.com/wiki/Tong_Vfang_Xien_Qi. Acesso em 13 ago.
2013.
legião de fãs fieis, que chegavam a fazer absurdos, como um deles, que comprou 5500
cópias14 de Everyday, Katyusha, vigésimo terceiro single do grupo.
Mesmo não conseguindo o mesmo número de cópias físicas, os atos coreanos
conseguiam igual popularidade entre os japoneses. Entretanto, um conflito político
acabou afetando diretamente a indústria cultural. O impasse entre Japão e Coreia do Sul
em relação à posse das ilhas Dokdo (ou Takejima, para os japoneses, disputa similar às
Ilhas Malvinas/Falkland, entre Argentina e Inglaterra) causou um recrudescimento da
rivalidade entre países, que já estiveram em guerra, mas agora se tornaram aliados
devido a interesses políticos e econômicos, respingando no fenômeno da Korean
wave15.
Mas, independente das questões políticas ou da penetração do K-Pop no Japão, a
disputa entre os dois gêneros se dá também no modo de pensar o mercado externo. O
Japão dá preferência ao mercado interno, que há décadas é autossuficiente e vive em um
crescimento que é inversamente proporcional ao resto do mundo, constatada através da
notícia recente alertando para o fato de que o Japão ultrapassou os Estados Unidos em
vendas do mercado musical pela primeira vez, se tornando a maior indústria do ramo no
mundo16, indo na direção contrária ao declínio da economia, que recentemente perdeu
para a China o posto de segunda maior potência econômica do planeta17. A Coreia do
Sul, em contrapartida, ainda se consolida enquanto potência industrial cultural, em
grande parte à sua recente ascensão econômica, porém já deu mostras de utilizar a sua
música como uma ferramenta de exportar sua cultura, principalmente através da
internet.
O K-Pop tem recebido apoio financeiro do governo coreano como uma espécie
de embaixador da cultura contemporânea do país, chegando até mesmo a anunciar
construções de arenas capazes de acomodar shows de artistas locais18. Além disso,
14
http://yonasu.com/akb48-fan-buys-5500-copies-of-new-single/. Acesso em 13 ago. 2013.
http://www.globalpost.com/dispatch/news/regions/asia-pacific/japan/120831/japan-disputed-islands-kpop-south-korea. Acesso em 14 ago. 2013.
16
http://www.abs-cbnnews.com/business/tech-biz/04/09/13/japan-surpasses-us-worlds-biggest-recordedmusic-market. Acesso em 14 ago. 2013.
17
http://www.adelaidenow.com.au/business/china-overtakes-japan-as-second-largest-economy/storye6frede3-1225906268257. Acesso em 14 ago. 2013.
18
http://www.allkpop.com/article/2012/09/south-korean-government-announces-plans-to-build-anofficial-15000-seat-k-pop-performance-venue. Acesso em 14 ago. 2013.
15
empresas globalmente conhecidas como a Samsung também criaram estratégias de
divulgação ao redor do mundo, exibindo em suas TVs de alta definição videoclipes de
artistas coreanos, algo facilmente identificável em uma ida a qualquer loja de
eletroeletrônicos que venda produtos da marca.
Algumas diferenças notáveis nessa dicotomia entre Japão e Coreia podem ser
vistas, como o modo como as gravadoras lidam com a internet e com a pirataria. Com a
ainda constante venda de CDs e DVDs no Japão (normalmente, singles e álbuns físicos
são lançados em várias versões, inclusive CD+DVD, incluindo os videoclipes das faixas
promocionais do CD), são raros os perfis em sites como YouTube que disponibilizam os
PVs (de Promotional Videos) na internet, preferindo serviços para dispositivos móveis
como o Mu-mo e o BeeTV. Essa medida só torna o mercado mais fechado em relação ao
grande público do exterior, que só teria acesso (ignorando a pirataria) a esses produtos
através dos canais de televisão, no caso dos países asiáticos.
Em contrapartida, os MVs (Music Videos) coreanos são disponibilizados por
canais oficiais das gravadoras no site de vídeos, o que torna a difusão mais fácil, sendo
possível alcançar qualquer país do mundo. Isso se deve à natureza do mercado coreano,
que é baseado fortemente nas vendas digitais, o que torna a publicação no YouTube um
excelente divulgador, ao invés de “tirar” as vendas da gravadora, como no Japão.
Por fim, apesar das disputas internas, o crescimento do K-Pop ao redor do
mundo vem chamando atenção do Japão, que recentemente, através de seu Ministério de
Economia, Turismo e Indústria, criou o Comitê de Internacionalização de Indústrias
Criativas, que teria a função de pensar estratégias de globalização para aspectos da
cultura pop japonesa, com o investimento governamental similar ao que a Coreia do Sul
vem fazendo.
O que pode se deixar como reflexão de antemão é que, com o exemplo recente
de Gangnam Style, o pop coreano pode ganhar mais espaço nas agendas do mundo
inteiro e realmente se tornar um segmento de nicho consolidado. Se o J-Pop terá alguma
resposta direta a essa expansão, os próximos anos desta década podem dar uma resposta
mais conclusiva.
2A FIGURA FEMININA NA CULTURA JAPONESA
Quando se fala de qualquer tipo de referência à figura feminina da mulher
japonesa, a imagem mais comum associada por estrangeiros é a da gueixa. Sua figura é
representativa do imaginário estrangeiro ao conjunto de imagens que falam pelo Japão,
algo similar à passista de escola de samba (ou, indo mais profundamente, à mulata
curvilínea), usando a mesma lógica. Apesar da confusão que os ocidentais fazem e
acreditam que gueixas são prostitutas, elas nãotinham relações sexuais com seus
clientes, tendo como principal função entretê-los com dança, música ou mesmo com
uma simples conversa.
Figura 12 – Gueixa
Fonte: http://0.tqn.com/d/asianhistory/1/0/d/I/-/-/2010KyotoGeishaKoichiKamoshidaGetty.jpg
Entretanto, o que a gueixa representa de fato na cultura nipônica? A construção
de seu nome dá um indício sobre isso. A palavra é composta de dois kanji, os
ideogramas japoneses,gei (芸), que significa "arte", e sha (者), significando "pessoa" ou
“aquele que pratica", ou seja, o significado mais aproximado seria “artesã” ou “pessoa
que faz arte”.
Há uma confusão no Ocidente entre gueixa e yuujô, a prostituta, creditando o
trabalho da primeira de maneira equivalente à segunda. O fascínio pela figura das moças
com rosto pálido como a neve e batom vermelho vivo pelos europeus se deu pela
metade do século XIX, quando houve a abertura dos portos japoneses para as potências
orientais, um momento em que houve uma troca não só econômica, mas cultural.
Em artigo de Sato (2006), ela conta que pesquisadores de literatura, poetas,
teatrólogos e colecionadores de arte passaram a ter um interesse pelas xilogravuras
ukiyo-e, conhecidas como “retratos de um mundo flutuante”, se tornando muito
populares na Europa.
Figura 13 – Ukiyo-e com ilustração de gueixa
Fonte: http://www.muian.com/muian04/04yoshitoshi05316.jpg
Vendidas avulsas ou compiladas em forma de livro sanfonado, a imagem de
gueixas era constante nas pinturas, ganhando até um “estilo” próprio, o bijinga(desenho de mulher bela). Histórias contadas por viajantes eram vistas como
aventuras exóticas, que despertavam bastante interesse, como a que inspirou o
compositor Giacomo Puccini, em 1904, a criar a ópera Madame Butterfly19.
Trata-se da história da gueixa Cho-cho (borboleta, em japonês), que se apaixona
por um oficial americano, Pinkerton, em missão no seu país. Eles têm uma relação
amorosa e ela acaba tendo um bebê mestiço, algo que despertou a ira dos japoneses, que
a discriminam. O oficial é chamado de volta aos Estados Unidos, enquanto Cho-cho
aguarda que ele retorne, para que finalmente possam constituir família. Entretanto, ele
19
http://www.metoperafamily.org/metopera/season/synopsis/madama-butterfly. Acesso em 24 ago. 2013.
volta casado com uma americana, o que é um golpe fatal para o psicológico, que acaba
se suicidando.
A ficção e diferenças culturais fizeram com que a ideia que o
ocidente tem das gueixas seja distorcida, pouco correspondendo
com a realidade. Muitos, principalmente os incultos, acham que
uma gueixa nada mais é do que uma exótica prostituta de luxo –
algo que choca os japoneses, que as consideram refinadas
guardiãs das artes tradicionais. Para os japoneses, achar ou
tratar uma gueixa como se ela fosse uma mera garota de
programa é uma atitude que revela não só falta de critério, mas
de cultura e “berço” de quem assim age. Na sociedade japonesa,
a gueixa é objeto de admiração e respeito. Elas dão status aos
lugares que vão e às pessoas com quem se relacionam – um
status que é mais ligado à tradição que à moda.(SATO, 2006, p.
6).
Para entender melhor, é preciso se debruçar um pouco na história, retornando à
era feudal japonesa, onde os xoguns (o equivalente aos senhores feudais do feudalismo
europeu) da família Tokugawa criaram uma série de medidas de controle civil para
mantê-los no poder. No século XVII, instaurou-se a Era Edo (1603 – 1867), onde as
hierarquias eram rígidas, impossibilitando que membros de estamentos inferiores
ascendessem socialmente, além de repudiar qualquer tipo de influência externa, como a
religião cristã, o que culminou com o fechamento dos portos e a proibição de
comercialização com estrangeiros, imergindo o Japão em dois séculos de isolamento.
As mulheres, nesse cenário, também sofreram privações. Não podendo exercer
profissões, com exceção de auxiliares de agricultura e de comércio bancados por seus
maridos, sem remuneração específica, a situação delas se agravou em 1629, com a
proibição de mulheres de atuarem, tornando o kabuki20uma atividade exclusiva
masculina, na qual os homens também interpretavam o papel de mulheres. As que não
tinham marido ou família se rendiam à prostituição como forma de subsistência.
A palavra foi originalmente utilizada para dar nome a comediantes e
instrumentistas que se apresentavam em festas particulares durante o século XVII.
Assim, as primeiras gueixas não foram mulheres, mas homens.
Os otoko-geisha (artistas masculinos) eram especializados em
entreter pequenas plateias em festas, dançando, cantando
contando histórias e piadas. Como os palcos estavam proibidos
às mulheres, as festas privadas tornaram-se os únicos lugares
20
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kabuki. Acesso em 24 ago. 2013.
onde as mulheres podiam tocar música, dançar e cantar, e assim
surgiram as onna-geisha (artistas femininas). (SATO, 2006,
p.10).
Só que as onna-geisha e as yuujou frequentavam os mesmos locais em que as
festas aconteciam. Donos de pousadas e de casas de chá ofertavam suas serviçais,
muitas vezes de maneira forçada, que à noite exerciam o trabalho de prostituição, com o
nome de “serviço de travesseiro”. Enquanto isso, egressas do kabuki, as gueixas
ganharam a fama de prostitutas por muitas dançarinas do teatro se prostituírem e se
envolverem em escândalos com samurais na capital do país, Edo. A situação
permaneceu nebulosa até o século XVIII, quando medidas oficiais do governo
regulamentaram a prostituição, separando de vez as duas atividades.
Em 1779, a gueixa foi reconhecida como praticante de uma profissão distinta da
prostituição e foi criado uma espécie de cartório específico para registrá-las, chamado
kenban. Algumas regras que as gueixas passaram a ter que seguir eram parecidas com
as das prostitutas, como a obrigatoriedade de viver em casas, redutos, chamadosokiya
(casas de gueixas), mas o sexo não fazia parte das habilidades que conotam a
gueixa.Sato (2006) também faz questão de salientar que as prostitutas tinham prioridade
em relação às gueixas na sociedade japonesa da época, pois a função e a situação delas
já estavamdefinidas há tempos. Já as gueixas tinham regras impostas pelos kenban.
Como artista, a gueixa precisava saber preceitos da música, dança, canto,
literatura, recitar poemas e entreter. Até então, apenas as prostitutas eram as únicas que
se sentavam ao lado dos homens à mesa, mas, com o tempo, as gueixas passaram a ser
convidadas para conversar. Logo, o público delas foi se definindo: homens casados que
participavam de festas, mas não estavam necessariamente interessados em sexo após
comer. Por serem cultas, as conversas eram longas e agradavam a eles, que viam na
gueixa uma relação diferente da que tinha em casa ou mesmo com a prostituta.
As restrições do kenban moldaram não só a aparência, mas o
que efetivamente a gueixa se tornou e é atualmente. Para ter
condição de artista, as gueixas passaram a dedicar enorme
tempo ao estudo e treinamento em artes, e passaram a ser
valorizadas e remuneradas como entertainers. Proibidas de ter a
aparência rica mais aperuada das prostitutas, as gueixas
tornaram-se mestras da elegância, da beleza discreta e da
sensualidade insinuada. Atrair os homens era, como ainda é,
básico para elas formarem uma clientela, mas sexo não era,
como ainda não é, a finalidade pela qual os japoneses
contratavam uma gueixa – para isso existem as prostitutas.
Diferentemente das prostitutas, gueixas podiam se recusar a ter
sexo com um cliente, mas não se podia evitar que gueixas
tivessem relacionamentos sexuais com seus próprios clientes
(desde que não fosse cliente de uma prostituta, tudo bem).
(SATO, 2006, p.10).
Com o fim do xogunato e a reabertura dos portos para estrangeiros, causando
uma célere ocidentalização e modernização do Japão, muitos costumes tradicionais
foram abolidos, como a poligamia, para evitar constrangimentos com os gaijin(em
tradução literal, “pessoa de fora”). Entretanto, as gueixas foram elevadas como uma das
mais prestigiadas tradições nipônicas. Para Sato (2006), a Era Meiji (1868 – 1912)
trouxe a elas um raro e inusitado prestígio, tornando-as símbolo de uma invejável
independência, que as demais mulheres no Japão de então não tinham, tendo contato
com políticos e empresários, conseguindo manter um estilo de vida pomposo e
extravagante.
Por seu status de elegância e beleza, elas podem ser chamadas de “ícones
fashion” do século XIX no Japão, onde cada mínimo acessório, cada estampa que
usavam se tornava uma febre, replicada pelas mulheres ditas “normais”, sendo as
gueixas as responsáveis por perdurar o hábito de utilizar quimonos por muito mais
tempo que os homens, que logo adotaram a indumentária ocidental.
Já na primeira metade do século XX, a prosperidade econômica japonesa só
beneficiou a classe, que passou a ter mais clientes, com o aumento do poder aquisitivo
de políticos, industriais, banqueiros, empresários e a ascendente classe dos militares de
alta patente, todos ávidos por serem entretidos por elas, que não cobravam barato, se
tornando musas das artes para a elite. A vida de luxo inspirava muitas mulheres a seguir
o ofício, mas era uma tarefa árdua, poucas conseguiam adentrar no reservado mundo
das gueixas. Apesar disso, na década de 20, mais de 80 mil registros constavam no
kenban, um recorde histórico.
Se durante a Era Meiji as gueixas ditavam a moda, nesta época, a concorrência
com o padrão de vida importado do Ocidente era acirrada. A popularização de bares à
ocidental, que tocavam jazz e outros ritmos “de fora”,deram origem às jôkyus(garotas de
cafés): moças que vestiam quimonos simples, do dia a dia, que serviam de garçonetes e
de acompanhantes para os clientes.
Figura 14 – Jôkyu
Fonte: http://www.1101.com/edo/IMAGES/cafe/jokyu_ehagaki.jpg
Para evitar que ocorresse algum tipo de confusão, toda e qualquer
“modernização” foi abominada pelas gueixas, que se impuseram como resistência de
uma prática tradicionalista, desprezando modas vindas do outro lado do globo. A seu
favor, uma forte onda de nacionalismo, propulsionada pelo império japonês, valorizava
tudo o que representava tradição. Mesmo com a escassez de alimentos durante a
Segunda Guerra Mundial, as okiyas mantinham um padrão de vida luxuoso, atendendo a
empresários e militares poderosos, o que gerou insatisfação por parte da população, que
perecia com as políticas de cobrança de impostos cada vez mais altos.
Em 1944, em uma atitude inesperada, foi decretado o fechamento de casas de
chá e de bares, além de proibir que as gueixas pudessem exercer sua profissão. O que
lhes restou foi trabalhar em fábricas, auxiliando na guerra. No ano seguinte, a situação
delas foi reestabelecida, o que proibiu as gueixas de trabalhar como tal. Todas as
mulheres – inclusive as gueixas – tiveram que ir trabalhar nas fábricas pelo esforço de
guerra. Esta situação durou até outubro de 1945, quando o governo de ocupação
americano autorizou a reabertura das casas de gueixas.
Durante o período de ocupação americano no Japão, o desafio agora era
conquistar novos clientes, no caso os estrangeiros, já que a maioria de sua antiga
clientela faliu com a derrota. Para adaptar-se a esses novos tempos, elas se permitiram a
aprender inglês e a cantar músicas americanas, causando um choque cultural grande21.
Sato (2006), entretanto, explicita um dos casos que mais geraram problemas às
gueixas neste período: os soldados e militares de baixa patente.
Ao saber que gueixas compareciam às recepções e jantares dos
oficiais, sem presenciar ou entender o que as gueixas
exatamente faziam em tais ocasiões, soldados americanos
passaram a achar que “gueixa” significava “prostituta” em
japonês, e quando saíam à procura de mulheres – que nada mais
eram que moças comuns famintas tentando sobreviver no caos
do pós-guerra – perguntavam se elas eram uma “guíxa” (a
pronúncia que usavam para “geisha”). Como normalmente a
resposta era um aceno afirmativo com a cabeça, os soldados
passaram a acreditar que as garotas que arranjavam eram
“guíxas”, e com isso tornou-se popular no ocidente a idéia de
que gueixas eram simples prostitutas com aparência exótica.
(SATO, 2006, p.10).
Com o fim da ocupação, em 1952, a prostituição foi proibida, com o fim dos
bordeis. A atividade da gueixa, então, quase foi extinta, mas sobreviveu. No entanto,
sua imagem foi manchada, pois agora as prostitutas ilegais queriam se passar por
gueixas para conseguir prestígio e evitar punições legais. Mas o tempo fez com que o
próprio governo, com o interesse de desfazer a imagem equivocada recém-adquirida
pelas gueixas, passou a convidá-las para entreter grandes chefes de Estado que
visitavam o país.
Atualmente, gueixas podem se casar, mas não podem mais exercer o ofício
depois disso. Casam-se normalmente com filhos ou netos de seus clientes, que arranjam
esse tipo de união. Entretanto, a mulher japonesa casada deve, na visão do homem,
priorizar sua vida doméstica, o que é uma tarefa difícil para as gueixas, criadas para
dançar, tocar música em festas, vestindo quimonos caros. Portanto, preferem
permanecer solteiras e viver nasokiya até morrerem.
21
Esse choque chegou a ser objeto de filmes produzidos em Hollywood nos anos 50, como A Casa de Chá
do Luar de Agosto, de Daniel Mann, estrelado por Marlon Brando.
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Teahouse_of_the_August_Moon_(film). Acesso em 25 ago. 2013.
2.1A mulher na indústria fonográfica nipônica
Observando o histórico das gueixas, paralelos podem ser traçados com a mulher
e sua presença na indústria fonográfica. Talvez olhar para o contingente de idolsque são
lançados todos os anos no mercado pode ser uma forma de análise. A gueixa nada mais
é do que a idealização da mulher perfeita na visão masculina: bonita,carismática, com
vários talentos, capaz de entreter o homem das mais diversas formas.
A descrição pode muito bem ser aplicada às idols criadas pelas agências de
talentos japonesas da modernidade. O produtor Tsunku, do Hello!Project, responsável
por um dos grupos femininos de idol mais famosos do país, Morning Musume, afirmou
em entrevista recente que a busca por uma idolvai além de um talento individual, mas
sim o “pacote” completo22, da mesma maneira que uma gueixa.
Tsunku referencia algumas das estrelas que já passaram pelo grupo, à exceção de
Amuro Namie, que, em sua visão, possuíam o “quê” que as tornariam perfeitas para a
função de idol.Outro quesito que faz parte do pacote é a performance midiática, na qual
a jovem precisa ter um comportamento “perfeito” e exemplar, o que inclui a proibição
de relacionamentos amorosos.
Essa questão reforça ainda mais o paralelo entre a gueixa e a idol, pois, assim
como muitas das gueixas serviam apenas a um homem, ser virtualmente “pura” e
“intocada”, porém performatizar eroticidade também constrói sentido na concepção de
uma idol. É como se, através da mídia massificada, aquela menina poderia servir como
mulher idealizada de cada fã seu, sendo ao mesmo tempo “de todos”, mas também de
ninguém.
22
“If someone was a better singer, that doesn’t mean she would absolutely be a star. It is hard to be
specific. If she has “it”, that naturally shines through her with no maintenance. Let’s say, if we had a 14year-old Amuro Namie with us right now, that would be very powerful. Like Tsuji, Kago, Goto, and Aya
Matsuura had that sparkly stuff”. Extraído de http://www.en.barks.jp/news/?id=1000002841. Acesso em
31 ago. 2013.
Figura 15 – Minegishi Minami antes e depois
Fonte: http://i.imgur.com/o7CkO.jpg e
http://wp.patheos.com.s3.amazonaws.com/blogs/christandpopculture/files/2013/02/Minamiminegishi2.jpg
Um bom exemplo do que acontece com quem “quebra” essa regra está no
ocorrido com Minegishi Minami, integrante do grupo idol AKB48, em fevereiro de
2013. Noticiada pelo mundo inteiro, inclusive em portais e agências de notícias
brasileiros23, Minami, de 20 anos, pediu desculpas publicamente, através de um vídeo
no YouTube, mostrando seu cabelo raspado, em autopunição por seu “mau
comportamento”.
Na metade do mês anterior, o tabloide Shunkan Bunshun publicou fotos dela
saindo da casa do também cantor Shirahama Alan, insinuando que a cantora teria
passado a noite na casa dele, uma atitude considerada reprovável pelo organizador do
projeto Akimoto Yasushi, que a rebaixou para o posto de estagiária, como punição pelo
"transtorno causado pelo escândalo".
Apesar disso, é preciso salientar que idolsnão são os únicos modelos na indústria
cultural pop japonesa. É possível encontrar mulheres bem-sucedidas nos mais diversos
gêneros musicais, como o pop, rock, R&B e eletrônica. Algumas bateram recordes de
vendas, popularidade e algumas registraram seus nomes na história do mercado japonês.
Apesar de não ser do circuito pop, um dos nomes mais relevantes da figura
feminina no país atende pelo nome de MisoraHibari, cantora de enka, estilo musical que
disputava espaço no mercado japonês com a kayoukyoku durante as décadas de 70 e 80,
influenciando uma série de artistas, tanto dentro de seu próprio estilo como no pop.
23
http://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2013/02/01/estrela-pop-japonesa-raspa-a-cabeca-comoautocastigo-por-passar-noite-com-jovem.htm. Acesso em 31 ago. 2013.
Figura 16 –Misora Hibari
Fonte: http://pgm.miyazaki-catv.ne.jp/osusume/20110615_misorahibari.jpg
Nascida Kato Kazue, iniciou sua carreira musical em 1949, aos doze anos,
quando decidiu adotar o nome artístico de Misora Hibari (que significa “cotovia no céu
belo”). Seu primeiro single, KappaBoogie-Woogie,lançado alguns meses depois de
estrelar o filme Nodojiman-kyô Jidai, se tornando um sucesso, vendendo 450 mil
cópias24. Rapidamente, Misora se tornou popular por estrelar diversos filmes e lançar
frequentemente
canções
que
caiam
facilmente
no
gosto
popular,
como
KanashikiKuchibue, que conseguiu se tornar um hit em escala nacional devido a sua
execução em rádios. Sua carreira como atriz também foi prolífica, estrelando mais de
150 produções entre 1949 e 1971. Sua morte, em 1989, com apenas 52 anos, causou
comoção nacional.
Sua música mais famosa dentro e fora do Japão, Kawa no Nagare no you ni, foi
eleita em 1997 pela TV estatal NHK como a Melhor Canção Japonesa de todos os
24
“Sherecordedherfirst single KappaBoogie-Woogie (河童ブギウギ ,Kappabūgiwūgi) for Columbia
Records later thatyear. It became a commercial hit, selling more than 450,000 copies”. Disponível em
http://www.antiwarsongs.org/artista.php?id=3322&lang=en&rif=1. Acesso em 25 ago. 2013.
tempos, com mais de 17 milhões de votos25, sendo interpretada por músicos de todo o
mundo, como Os Três Tenores e o Mariachi Vargas de Tecalitlan.Além disso, foi a
primeira mulher na história a receber o KokuminEiyoshō, honraria dada pelo governo
japonês como uma espécie de “honra ao mérito”, por dar esperança e encorajar os
cidadãos japoneses após a Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ter vendido cerca de 68 milhões de cópias entre singles e álbuns ainda
em vida26, seu nome não aparece na lista de maiores vendas, pois a instituição que a
organiza, a Oricon Inc., foi criada apenas na segunda metade da década de 60, após o
ápice de vendas de Misora.
A lista da Oricon com os maiores vendedores de todos os tempos no Japão27
enumera as dez cantoras e grupos femininos que mais venderam desde aquela época até
hoje. Segue abaixo a seleção delas (em agosto de 2013):
1 – Hamasaki Ayumi (50,034,000)
Fonte:http://sp-m.mu-mo.net/image/jacket/37/AVCD-17037.jpg
2 – DREAMS COME TRUE (43,033,000)
25
http://www.larrykenny.com/enka/kawa.php. Acesso em 26 ago. 2013.
26
http://www.nytimes.com/1989/06/25/obituaries/hibari-misora-japanese-singer-52.html. Acesso em 26
ago. 2013.
27
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_music_artists_in_Japan. Acesso em 26
ago. 2013.
Fonte: http://samuraibeatradio.files.wordpress.com/2011/10/dctdwl2011_kei-ogata_ph.jpg
3 – Matsutoya Yumi(39,012,000)
Fonte: http://www.ecolusso.jp/world_eco_repo/images/110418_yuming.jpg
4 – ZARD (37,045,000)
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/rhvFyse1rO0/TbahH74wrWI/AAAAAAAAAJ8/bnWBqdEAr8Q/s1600/zard_197025.jpg
5 –Utada Hikaru (35,000,000)
Fonte: http://us.cdn003.fansshare.com/photos/utadahikaru/keep-tryin-promos-utada-hikaru165948393.jpg
6 – Amuro Namie (33,035,000)
Fonte: http://stat.profile.ameba.jp/profile_images/20121224/23/e7/32/j/o128010241356358574057.jpg
7 – Matsuda Seiko (29,064,000)
Fonte: http://livedoor.blogimg.jp/parisvupar/imgs/d/c/dc358373.jpg
8 – globe (28,093,000)
Fonte: http://userserve-ak.last.fm/serve/_/28975247.png
9 – AKB48 (26,018,000)
Fonte: http://ftpmirror.your.org/pub/wikimedia/images/wikipedia/th/a/a8/AKB482011.jpg
10 – Nakamori Akina(25,037,000)
Fonte: http://buffalo.jp/products/pro-users/73/images/photo_02.jpg
A partir destas 10 representantes, é possível apresentar um cenário da figura
feminina da mulher no cenário japonês dos últimos 30 anos. Hamasaki traduz em uma
linguagem pop através de músicas dentro de sua discografia com diversas influências,
como baladas, hard-rock, rock sinfônico, enka, R&B, eletrônica e rock progressivo.
O duo DREAMS COME TRUE e a cantora solo Utada Hikaru possuem
influência pesada do R&B americano, adicionando características do estilo à fórmula do
pop japonês, da mesma maneira em que Amuro Namie, após um período inicial da
carreira, na segunda metade da década de 90.
Figura 27 – Amuro Namie
Fonte: Frame do clipe de YEAH-OH
No começo dos anos 2000, Namie passou a trabalhar com o produtor americano
Dallas Austin28, mudando radicalmente de estilo, com músicas influenciadas
pesadamente pelo R&B e pelo hip-hop, auto intitulando seu gênero musical como “hippop”, em discos como STYLE (2003) e Queen of Hip-Pop (2005).Com a líder vocalista
KEIKO, o grupo globe traz músicas de electropop e trance, além de um estilo de música
eletrônica tipicamente japonês, o eurobeat. ZARD, liderado por Sakai Izumi, representa
o pop rock na lista.
Já Matsutoya Yumi é cantora e compositora, com músicas que fluem entre o
pop, rock e jazz, estilos também trabalhados pelas também cantoras-compositoras
BONNIE PINK, Otsuka Ai, Utada Hikaru e Shiina Ringo.Ringo, além da carreira solo,
criou o muito bem-sucedido grupo Tokyo Jihen, se tornando bastante respeitada
também dentro do gênero do rock japonês.
28
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dallas_Austin. Acesso em 27 ago. 2013.
Figura 28 – Tokyo Jihen, grupo liderado por Shiina Ringo
Fonte: http://i.imgur.com/AbhIc.jpg
Outro grupo de rock liderado por uma mulher que ganhou atenção é the brilliant
green, com a presença da vocalista Kawase Tomoko, que também tem uma carreira
solo, dividida em dois projetos individuais: Tommy February6 e Tommy Heavenly6.
Com ironia e deboche, a primeira é uma personalidade kawaii (fofa), muito semelhante
às idols de grupos de pop. Já Tommy Heavenly6 traz uma sonoridade mais rock, com
influência visual das gothiclolita29.
Figura 29 – Kawase Tomoko como Tommy February6 (à esquerda) e Tommy Heavenly6 (à direita)
Fontes:
http://postfiles8.naver.net/20120614_247/ujukokkiri_133963977859238wrB_JPEG/22978_3.jpg?type=w
2 e http://stat.profile.ameba.jp/profile_images/20120415/19/ea/63/j/o129614341334484084638.jpg
29
“Gothic Lolita is a gothic inspired Lolita sub-style. It is characterized by a darker clothing and makeup”. A cultura da gothicLolita, apesar de ser predominantemente feminina, foi difundida pelo cantor
Mana. Extraído de http://lolitafashion.wikia.com/wiki/Gothic_Lolita. Acesso em 27 ago. 2013.
O Do As Infinity, formado por Owatari Ryo, Nagao Dai e Tomiko Van, é um
dos grandes grupos do rock e do pop japonês do início dos anos 2000 liderado por uma
mulher. Van, a vocalista, conseguiu ganhar popularidade e visibilidade enquanto
vocalista de um grupo de rock, sendo comparada a Kawase Tomoko, do the brilliant
green, que teve o ápice da carreira na década anterior. Antes delas, o grupo REBECCA
fez sucesso nos anos 80, liderado pela vocalista NOKKO, que também conseguiu uma
expressiva carreira solo na década seguinte, se estabelecendo como um nome
importante do rock japonês.
Nomes como Shiina, Kawase, NOKKO e Tomiko abriram espaço para a cantora
Ochi Shiho, mais conhecida pelo nome artístico de Superfly (uma homenagem à música
homônima de Curtis Mayfield). Shiho é um dos nomes mais bem-sucedidos do rock
feminino atualmente no Japão, com vendas sólidas e popularidade entre pessoas de
diversas faixas etárias. Inicialmente, Superfly era um duo, em que Shiho dividia espaço
com o guitarrista e compositor Tabo Koichi. Logo após Koichi decidir continuar apenas
colaborando para Shiho enquanto compositor, Superfly teve seu primeiro grande
sucesso, a balada Ai wo KometeHanataba wo, em 2006.
Outro nome de destaque no rock é a cantora Tsuchiya Anna. Ex-integrante da
banda Spin Aqua (que tinha entre seus integrantes o guitarrista IwaikeKaz, do grupo de
rock dos anos 90 Oblivion Dust), ganhou notoriedade por sua carreira enquanto modelo
fotográfica e alguns trabalhos como atriz, na comédia premiada Shimotsuma
Monogatari. Na música, participou da trilha sonora do anime de sucesso NANA,
ganhando notoriedade e sendo conhecida pelo público japonês por interpretar as
canções da banda do personagem principal, uma cantora de rock.
O R&B também apresentou nomes populares na última década. Após a
introdução do gênero ao cenário japonês nos anos 90 por artistas americanos, as
cantoras nacionais Utada Hikaru e Kuraki Mai aumentaram ainda mais a proporção do
R&B no país. Na década seguinte, uma série de nomes foram projetados, inclusive
femininos, como AI. Integrante de um coletivo de artistas que tinham como proposta
traduzir a black music para o Japão (do qual Amuro Namie também se associou), o
SUITE CHIC, ela ganhou destaque enquanto cantora solo, principalmente com suas
baladas R&B, como seu hit Story, em 2005.
Seguindo a linha de baladas R&B, uma explosão de artistas entre 2008 e 2010
dominou as paradas do Japão, como Aoyama Thelma, com o hitSoba niIruNe, em um
dueto com o rapper SoulJa, Milliyah Kato, JUJU,JASMINE, BENI e NishinoKana, só
para citar as que conseguiram se estabelecer no mercado mesmo com o declínio da hype
R&B.
Também encontramos mulheres em outros estilos menos usuais ao se associar ao
Japão. A cantora lecca é influenciada diretamente pelo reggae, conseguindo destaque
com álbum Power Butterfly, vendendo mais de 100 mil cópias. Já o grupo feminino
ORESKABAND incorpora o estilo caribenho, influenciada pela Tokyo Ska Paradise
Orchestra, outro grupo japonês que utiliza o ska.
Quase um gênero à parte, as canções criadas como temas para animes, também
chamadas de anison (de anime songs), também possuem presença feminina forte, sendo
as mais famosas delas seiyuus, ou seja, dubladoras, uma profissão de destaque no show
business japonês. Dentre elas, nomes como May’n, Hirano Aya, Sakamoto Maaya e
Mizuki Nana se destacam.
2.2Possíveis influências ocidentais
Figura 30 – Hamasaki Ayumi, Amuro Namie e Utada Hikaru.
Fontes: http://sp-m.mu-mo.net/image/jacket/37/AVCD-17037.jpg,
http://images.fanpop.com/images/image_uploads/Queen-Namie-queen-namie-amuro403962_593_768.jpg e frame do clipe detraveling
Rastrear matrizes ou influências através de produtos audiovisuais trata-se de um
reconhecimento de padrões e elementos estéticos detectáveis entre os dois elementos
comparados. No caso da música pop, nós podemos nos ater a alguns aspectos em
específico, como: sonoridade, analisando arranjo instrumental, arranjo vocal,
pronunciação, tom de voz, timbre; plasticidade, ou seja, tudo o que for relacionado à
imagem, como figurino, maquiagem, cenário, fotografia, iluminação, edição; e
performance, que diz respeito à composição de cena, expressão fácil, corporal e
gestual,coreografia, em suma, a postura do artista em palco.
Ao abordar a cultura pop, são objetos passíveis de análise artistas que
inscreveram seu nome dos anais da música por seu sucesso mercadológico, seu impacto
cultural ou mesmo sua influência em artistas posteriores a eles. Pensando em figuras
femininas do J-Pop nipônico, podemos selecionar três artistas que atendem a alguns ou
mesmo todos os quesitos supracitados: Amuro Namie, Utada Hikaru e Hamasaki
Ayumi.
A análise procura partir do pressuposto que, ao conhecermos o surgimento da
indústria cultural do Japão moderno, produtos culturais ocidentais exercem influência
direta nos produtos culturais japoneses, podendo estabelecer a partir daí paralelos.
Entretanto, o estudo também busca contribuir além, ao fazer um rastreamento, em cima
das três artistas, de possíveis influências nipônicas de gerações anteriores em seus
trabalhos.
Ao confrontar artistas estrangeiros e nativos com suas produções, é possível
observar de uma maneira mais ampliada como certos formatos e moldessão
reproduzidos e até mesmo rompidos ao longo do tempo.
2.2.1Amuro Namie
Dentre as principais influências ocidentais nos trabalhos de Amuro Namie,
podemos apontar artistas da black music, com influência de R&B e hip-hop. É
necessário destacar, antes de tudo, uma tendência que começa desde o início da carreira
de Namie, em 1995, com o single Body Feels EXIT, e se acentua em seus trabalhos
durante os anos 2000, principalmente a partir do disco de 2003, Style.
Integrante da Komuro Family, grupo de artistas produzidos por Komuro
Tetsuya, suas músicas já apresentavam traços e influências do R&B, como é possível
perceber em Don’t wanna cry, seu terceiro single, em 1996, Dreaming I wasdreaming,
do ano seguinte, e SOMETHING ‘BOUT THE KISS, de 1999, fruto da primeira parceria
com o produtor americano de R&B Dallas Austin.
Um dos principais nomes que levaram o gênero ao topo das paradas de sucesso
do Japão é a cantora norte-americana Mariah Carey. Carey desfrutava de uma
popularidade imensa ao redor do mundo inteiro, inclusive no Japão, chegando a estrelar
comerciais e chegando a ser um dos países em que a norte-americana vendia mais
discos fora do seu país de origem, inclusive emplacando canções que foram um fracasso
nos Estados Unidos, como Glitter, de 200130, que chegou a vender 450 mil cópias no
país, segundo a Billboard americana.
Seu nome também figura na lista dos dez álbuns mais vendidos na história do
país por artistas estrangeiros31, com a coletânea #1s, de 1999, com 2,800,000 cópias,
além de aparecer na lista mais três vezes, com os discos Daydream, Merry Christmas, e
Music Box.
Observando a dimensão do trabalho de Carey em terras nipônicas e a gradual
imersão de Amuro no R&B, outro indício é o videoclipe de Can you Celebrate?,de
1997, música de êxito comercial, atingindo a marca de 2 milhões de cópias vendidas, e
o single mais vendido da história por uma artista feminina. Visualmente, é possível
estabelecer paralelos com Vision of Love, single de estreia de Mariah Carey e um de
seus maiores sucessos.
30
http://www.billboard.com/articles/news/78521/careys-glitter-sparkles-in-japan. Acesso em 31 ago.
2013.
31
Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_albums_in_Japan#Top_ten_bestselling_albums_recorded_by_non-Japanese_artists. Acesso em 31 ago. 2013.
Figura 31 – CAN YOU CELEBRATE?vs. Vision of Love
Fonte: frames dos videoclipes de CAN YOU CELEBRATE?eVision of Love
A princípio, a primeira relação entre os clipes é a fotografia, bastante
semelhante. Algumas das cenas possuem a mesma paleta de cores, alternadas entre
cores frias, azuladas, e tons pastel. Os cenários também são semelhantes, em sua maior
parte ambientados em estúdio, porém com janelas que simulam um ambiente externo.
O próprio gestual de ambas possuem semelhanças, guardadas às devidas
proporções, pois o timing da música de Carey exige movimentos mais bruscos,
entretanto, o modo com o qual ambas se expressam corporalmente são passíveis de
comparação.
Avançando um pouco mais em sua discografia, a partir do álbum Style, seu
visual passa a ser acentuadamente americanizado, procurando emular a estética de
artistas R&B e hip-hop americanos.
Figura 32 – Visual americanizado
Fonte:http://pds2.exblog.jp/pds/1/200702/05/72/f0106072_0471421.jpg e frame do clipe de SO CRAZY
O álbum, lançado em 2003, está localizado temporalmente na época da ascensão
da black music no mercado musical americano, a exemplo do ano seguinte, em que foi
possível observar o Top 12 da Billboard sendo ocupado completamente por artistas de
R&B e hip-hop, considerado o ápice dos gêneros no mainstream americano32.
Dentre essa gama de artistas, Jennifer Lopez se aproxima do que Namie se
propôs a fazer com Style e trabalhos subsequentes, por realizar uma mistura do R&B e
do hip-hop com dance. Isso pode ser observado ao comparar canções como Jenny from
the Block33 e If You Had My Love34, de Lopez, com SO CRAZY35 e ALARM36.
Um indício dessa aproximação tanto visual quanto sonora é CAN’T EAT, CAN’T
SLEEP, I’M SICK, de Amuro, em que o clipe se assemelha esteticamente com as cenas
de dança de Get Right, de Lopez.
32
“In 2004, 80% of the songs that crowned the R&B chart did the same on the Hot 100. […] In the Hot
100's penthouse that year, all 12 songs that reached the top, from "Hey Ya!" to "Drop It Like It's Hot,"
were by persons of color (including that year's American Idol winner, Fantasia). This early-naughts
period was the all-time peak for R&B and hip-hop on the Hot 100, and hence on Top 40 radio”.Extraído
de http://blogs.villagevoice.com/music/2012/07/sales_slump_usher_chris_brown.php?page=2. Acesso em
31 ago. 2013.
33
http://www.youtube.com/watch?v=dly6p4Fu5TE. Acesso em 31 ago. 2013.
34
http://www.youtube.com/watch?v=lYfkl-HXfuU. Acesso em 31 ago. 2013.
35
http://www.youtube.com/watch?v=X6v3j4JpKtQ Acesso em 31 ago. 2013.
36
http://www.youtube.com/watch?v=6iTurnzaKpQ. Acesso em 31 ago. 2013.
Figura 33 – CAN’T SLEEP, CAN’T EAT, I’M SICK vs. Get Right
Fontes: imagens dos videoclipes de CAN’T SLEEP, CAN’T EAT, I’M SICK e Get Right
Outra referência estética forte do R&B é Janet Jackson. Sua influência em
artistas do mundo inteiro desde a década de 90 é notável, inclusive influenciando a
própria Amuro que, na década de 2000, absorveu bastante do visual de Janet em sua
fase mais voltada para o R&B e hip-hop.
Figura 34 – Visuais similares de Janet Jackson e Amuro Namie
Fontes:
http://s11.postimg.org/nyeacv2g3/vedete_tatuate_8.jpg,http://images.fanpop.com/images/image_uploads/
Queen-Namie-queen-namie-amuro-403962_593_768.jpg,
http://aziophrenia.ru/ward/music_collector/01/0001_amuro_namie_naked_live_style_2011_download/im
ages/157_amuro_namie_naked_live_style_2011_01.jpg e
http://lh6.ggpht.com/naskybeextralarge/SKyZzzs-aHI/AAAAAAAAAU4/Qqp7YYaT_-Q/s800/janetrock-witchu-w300.jpg
Para tentar visualizar um exemplo de influência, pode-se analisar o videoclipe de
Hide & Seek da japonesa e Rhythm Nationde Janet. Através dele, podemos ver aspectos
que rememoram um ao outro, como o estilo de coreografia, a fotografia do videoclipe, o
cenário, evocando o urbano através de uma simulação de tubulações de uma indústria,
além do tema militar dos figurinos tanto de Amuro e Jackson quanto de seus respectivos
dançarinos.
Figura 35 – Hide & Seek vs. Rhythm Nation
Fonte: cenas de Hide & Seek e Rhythm Nation.
2.2.2Utada Hikaru
Bilíngue, nascida em Nova York, mas vivendo constantemente entre os Estados
Unidos e o Japão, Utada cresceu absorvendo a cultura dos dois países. Seu primeiro
álbum da carreira, First Love,lançado no Japão em 1999, apresenta uma influência
muito forte do R&B contemporâneo, gênero que ganhou força na década de 90 com
artistas como Mariah Carey, Boyz II Men, Babyface e Aaliyah.
O som dos dois primeiros álbuns de Utada, escritos e compostos
majoritariamente pela própria, que já declarou ter Aaliyah como uma de suas grandes
influências37, pode ser facilmente relacionado com o estilo, em canções como
Automatic, In My Room38, Distance39, com a presença forte de batidas do hip-hop e riffs
de guitarra, como em Movin’ on without you e Wait & See, ou baladas com uma batida
mais suave, como em First Love e Eternally40, que se assemelha ao estilo de One Sweet
Day, parceria do Boyz II Men com Mariah Carey, por exemplo. Pode ser traçado um
paralelo de suas músicas dos dois primeiros álbuns com as de Aaliyah, como Age Ain't
Nothing But A Number e One In A Million.
Entretanto, Utada não se restringiu apenas ao R&B. Já no segundo álbum,
DISTANCE, a faixa Kettobase!41mostra uma influência direta do rock, influência de
artistas como Freddie Mercury e Led Zeppelin, também citados como influência pela
própria Hikaru. Kettobase! é uma fusão de eletrônica com rock, lembrando muito as
duas versões de I Was Born To Love You, lançada na carreira solo de Freddie Mercury
com uma roupagem mais eletrônica e adaptada para o estilo do Queen posteriormente.
Figura 36 – Mudança de estética
Fonte: frames dos videoclipes de First Love, Wait & See, Can You Keep A Secret?,
FINAL DISTANCE, traveling e Passion
37
“Hikaru Utada has often said, "It was when I heard Aaliyah's ‘Age Ain't Nothing But a Number’ that I
got hooked on R&B." It's not an overstatement to say Aaliyah is the root of Utada's R&B”. Extraído
dehttp://www.emimusic.jp/hikki/gallery/main02_e.htm. Acesso em 31 ago. 2013.
38
http://grooveshark.com/s/In+My+Room/5cFn5V?src=5. Acesso em 28 ago. 2013.
39
http://grooveshark.com/s/DISTANCE/4NWAtk?src=5. Acesso em 28 ago. 2013.
40
http://grooveshark.com/s/Eternally/52kj29?src=5. Acesso em 28 ago. 2013.
41
http://www.youtube.com/watch?v=_B0_RW5oSI4. Acesso em 28 ago. 2013.
Visualmente, os clipes de Hikaru seguiam inicialmente uma linha bem parecida
com as produções de Aaliyah, a exemplo de Addicted to You, ou Can You Keep A
Secret?. Foi a partir de 2001, em FINAL DISTANCE, que seus vídeos passariam a
adotar outra estética, com a entrada do cineasta Kazuaki Kiriya, diretor de filmes como
Casshern. A parceria entre Kiriya e Utada, que veio a se dar também no campo pessoal
com o casamento, se prolongou até 2006, seguido da separação do casal.
A chegada de Kiriya marcou também uma diferença da sonoridade. FINAL
DISTANCE, primeiro single do terceiro álbum, DEEP RIVER, é uma nova versão, com
o tempo mais lento, uma atmosfera mais densa, utilizando cordas e piano, de Distance,
mostrando uma diferença considerável em relação a seus trabalhos anteriores.Neste
álbum, outras influências puderam ser percebidas mais claramente, como em Sakura
Drops ou traveling, com elementos eletrônicos e acústicos mais proeminentes,
expandindo o leque de influências para além do R&B contemporâneo.
A verve eletrônica foi trabalhada mais intensamente em seu disco subsequente,
Exodus, criado e projetado para o mercado norte-americano, onde não obteve muito
êxito, mas chegou a vender mais de um milhão de cópias no Japão42. O disco seguinte,
ULTRA BLUE, de 2005, traz essa sonoridade retrabalhada. É possível estabelecer uma
comparação entre a sonoridade destes discos com as músicas da cantora islandesa
Björk, como Joga e Hunter, ao pegarmos canções de Utada comoAnimato, do Exodus,
Kairo e Passion, do ULTRA BLUE.
2.2.3Hamasaki Ayumi
Conhecida principalmente por causa de seus shows extravagantes, com vários
cenários, trocas de roupa, “truques” no palco e recursos cênicos, Hamasaki se destaca
42
Disponível emhttp://www.billboard.com/biz/articles/news/1428984/utadas-exodus-breaks-record-injapan. Acessoem 31 ago. 2013.
por sua performance em palco. A gênese de seus shows, assim como diversos artistas ao
redor do mundo, é inspirada pelos moldes que Madonna e Michael Jackson
solidificaram na indústria pop global, ou seja, a construção de um espetáculo que
trabalha o visual, o sonoro e o performático em um pacote, reunidos sob um mesmo
conceito estético. Suas turnês, por conta disso, têm identidades visuais distintas.
Portanto, as duas influências mais óbvias apontadas como influência para Ayumi
em shows e performance são Michael e Madonna. O primeiro pode ser visualizado na
apresentação de In The Corner, na turnê de 2009 de Hamasaki, NEXT LEVEL. O
figurino, incluindo a luva, referência direta a um dos figurinos que se consolidaram
como assinatura de Michael. Também é possível notar semelhanças com a coreografia,
a maneira como os passos são executados, algo que se repete em performances que
utilizam coreografia, como Real me.
Figura 37 – Michael Jackson vs. Hamasaki Ayumi
Fonte: frames de Dangerous ao vivo no Royal Concert e de In The Corner, do DVD ayumi hamasaki
ARENA TOUR 2009 A ~NEXT LEVEL~
Já Madonna, citada por Ayumi diversas vezes como uma de suas grandes
inspirações, aparece como referência de diversas formas. Na sonoridade, em discos
como RAINBOW, uma fusão entre pop e música eletrônica que referencia um dos álbuns
mais famosos da norte-americana, Ray Of Light. Visualmente, em videoclipes como
alterna, com maquiagem e cenas que lembram Bedtime Story.
Figura 38 – alterna vs. Bedtime Story
Fonte: frames de alterna e Bedtime Story
Em palco e shows, algumas temáticas em comum já foram trabalhadas, como o
empoderamento da mulher, religiosidade e sexualidade. As performances de Erotica, na
The Girlie Show Tour de Madonna, e de my name’s WOMEN, na ASIA TOUR 2008 de
Ayumi,utilizam estética do sadomasoquismo, por exemplo, além de, tematicamente,
ambas as canções apresentarem a mensagem da liberdade feminina.
Figura 39 – Erotica vs. my name’s WOMEN
Fonte:cenas de Erotica,no DVDThe Girlie Show Tour, e my name’s WOMEN,
naayumi hamasaki ASIA TOUR 2008 ~10th Anniversary~
Tanto Madonna e Michael são referências óbvias para qualquer artista pop,
principalmente para aquele que trabalham performaticamente no palco, como é o caso
de Ayumi. Entretanto, é preciso salientar certos aspectos encontrados em outras
performances de Hamasaki.
Ela tem um vasto repertório musical em 15 anos de carreira, com quase 250
canções originais produzidas, dentre elas dúzias com influência sonora de vertentes do
rock’n’roll. Ao transpô-las para o palco, sua estética, gestual e comportamento deixam
de fazer referência aos trabalhos dos dois e passa a mimetizar algumas estrelas do rock.
Led Zeppelin, o qual Hamasaki declarou ser fã e ouvi-los durante a infância por
influência de um parente43, pode servir de comparação para dar luz a essas matrizes,
inclusive no quesito sonoridade.
Figura 40 – Estética de shows de rock em apresentações ao vivo de Ayumi
Fonte: performances variadas de turnês de Ayumi e de Led Zeppelin
43
“As a child I listened to rock music (Led Zeppelin, Deep Purple), influenced by a relative”.Extraído de
http://ayumi.primenova.com/profile.php. Acesso em 31 ago. 2013.
Durante o período de produção de seu quarto álbum, I am..., Ayumi concedeu
entrevista à revista americana Time, em 2001, revelando os processos de produção do
primeiro disco, o primeiro em que, além das letras, apresentaria uma série de canções de
sua composição, como M, Endless sorrow e evolution. Ela cita a banda The Smashing
Pumpkins, Kid Rock e Joan Osbourne, além de revelar que admira Madonna por ter
controle total sobre o que faz.44
Se atendo ao The Smashing Pumpkins, ao ouvir canções como Tonight, Tonighte
Thirty-Tree, é possível extrair algumas características em comum entre o grupo
americano e as canções inspiradas em rock de Hamasaki. Faixas como M, still alone, no
more wordse Endless sorrow, todas do disco I am…, apresentam elementos de rock
atrelado a instrumentos acústicos de corda, como piano e violinos, emulando muitas
vezes orquestra, notável em trechos de Endless sorrowena introdução de Tonight,
Tonight. A título de curiosidade, o disco da canção do The Smashing Pumpkins se
chama Mellon Collie and the Infinite Sadness(Mellon Collie, um jogo de palavras com
“melancolia”, e a Tristeza Infinita), o que pode ser um indício da inspiração para o título
da música de Ayumi (que pode ser traduzida como Sofrimento Infinito).
44
A transcrição completa pode ser encontrada em
http://www.freewebs.com/hamasaki_love/interview1.htm. Acesso em 31 ago. 2013.
3 TEIA DE INFLUÊNCIAS: HISTÓRICO DA IDOL JAPONESA E OS
REFLEXOS NA CARREIRA DE HAMASAKI AYUMI
Ao observarmos algumas das influências proeminentes do Ocidente nessas três
artistas, entendemos que a lógica do mercado mundial afeta o japonês em alguns níveis,
absorvendo e fazendo uma releitura nipônica de atos internacionais, “traduzindo” à
realidade nipônica.
Apesar disso, como foi visto no primeiro capítulo, desde os anos 70, o Japão
vem desenvolvendo um cenário musical popular que gerou diversas estrelas,
principalmente femininas. Para entendermos o contexto que proporcionou o surgimento
de figuras como Hamasaki Ayumi, é preciso voltar no tempo, mais precisamente aos
anos 70, período em que a principal estrela japonesa atendia pelo nome de Yamaguchi
Momoe, a primeira grande idol do país.
3.1Background nipônico
Figura 41 – Yamaguchi Momoe
Fonte: http://img.blog.163.com/photo/L43JFwfnIVO_O2HqE_4e1g==/3730669341323680233.jpg
O início de sua carreira se deu como outras idols da época, surgindo em um
programa de calouros, em 1972, aos 13 anos de idade45. Apesar de ficar em segundo
lugar, logo foi contratada por uma agência de idols e lançou sua carreira na música e na
dramaturgia, estrelando diversos filmes e novelas, como a série Akai, que tratava de
problemas familiares e que tinha como música-tema de Momoe nos episódios em que
estrelava, o que lhe deu visibilidade, se tornando conhecida pelo país inteiro e até
mesmo no exterior, onde o seriado foi exibido na China.
Seus primeiros trabalhos de sucesso vieram aos 15 anos, como Aoi
46
Kajitsu (Fruta verde) e Hito Natsu no Keiken47 (Uma experiência de verão). Sua
imagem era forte e conflituosa. Philip Brasor, do Japan Times, a classificou como uma
antítese da idol virginal48, pois inicialmente, suas músicas, que eram escritas por um
time de produção de sua agência, o letrista Kazuya Senge e o compositor Shunichi
Tokura, apresentavam letras sugestivas, com eufemismos para sexo adolescente e perda
da virgindade, algo nada comum para uma cantora com tão pouca idade.
Em Aoi Kajitsu, a primeira frase diz: “Você pode fazer o que quiser comigo /
Você pode dizer às pessoas que não sou boa”, enquanto Hito Natsu no Keiken, sugestiva
já a partir do título, apresentava os seguintes versos “Eu vou te dar a coisa mais
importante que uma garota tem”, além de encerrar com: “Todos experimentam pelo
menos uma vez / A doce armadilha da tentação”.
Ao longo da carreira, passou a ter maior controle de sua carreira, escolhendo os
compositores de suas músicas e, ao mesmo tempo, construindo uma imagem
conflituosa, forte e provocadora, refletida até mesmo em sua voz, que, ao longo da
adolescência, foi se tornando grave e intensa. Essa estética pode ser percebidaem
45
Disponível em http://www.lemoda.net/momoe/about/. Acesso em 31 ago. 2013.
46
Tradução para o inglês disponível emhttp://www.kiwimusume.com/lyrics/yamaguchimomoe/aoikajitsu.html. Acesso em 31 ago. 2013.
47
Tradução para o inglês disponível em http://painters-colic.com/trans/lyrics/keiken.html. Acesso em 31
ago. 2013.
48
“Presented by her handlers as the antithesis of the virginal idol stereotype, Momoe projected a darker,
damaged image, her songs implying a girl who possessed if not actual sexual experience then at least
knowledge of what men were capable of. Raised in a broken home, Yamaguchi reportedly resented
playing this role, and once she married Miura she completely turned her back on it”.
http://www.japantimes.co.jp/news/2011/12/11/national/mr-momoe-yamaguchi-finally-decides-tospeak/#.UiMM_Db_mSp. Acesso em 1 set. 2013.
músicas como Playback Part 249, em que o eu-lírico da canção desafia seu amor e
mostrando controle da situação (“Vá para o inferno, vá embora se você quiser” / Foi o
que você disse ontem à noite / Você tenta soar rude / Mas você não suporta estar
sozinho) ou ainda Cosmos50, em que é retratada a partida de uma filha de casa para se
casar, com o ponto de vista do sofrimento da mãe ao vê-la ir embora.
Apesar disso, em 1980, Yamaguchi decide se retirar da cena musical para se
casar com seu companheiro de atuação em diversos filmes, Tomokazu Miura, aos 21
anos, um destino comum entre as idols da época. Seu impacto cultural, entretanto, foi
enorme. Mesmo após três décadas de sua saída do cenário musical, ela ainda desperta
interesse e rumores sobre seu possível retorno aos palcos é notícia em tabloides até hoje.
Schilling (1997), em seu livro The Encyclopedia of Japanese Pop Culture, exemplifica a
dimensão do sucesso de Momoe.
In the early years after her retirement at the age of twenty, few
details of her daily existence as wife of actor Tomokazu Miura
were too mundane for the mags' Momoe watchers to miss. Her
son's postpartum homecoming, nursery school graduation
ceremony, and first day at elementary school rated cover
headlines- simply because Mom happened to be in the picture.
(SCHILLING, 1997, p. 295-300).
Momoe, então, se torna a primeira idol feminina a ganhar status de lenda no
mercado musical japonês, quebrando paradigmas para uma carreira de idol, com letras
controversas, imagem forte e controle criativo na carreira, todas atribuições até então
inconcebíveis para os padrões de uma idol. Entretanto, a vida pessoal da artista não
acompanhava essa transgressão em palco, gerando uma ruptura entre a persona pública
de Momoe e suas decisões enquanto mulher, esposa e mãe. Sua contribuição pode ser
vista como uma abertura de precedentes para que outras idols do pop japonês
promovessem outros rompimentos.
Na década seguinte, isso pôde ser visto nas figuras de Matsuda Seiko e
Nakamori Akina. Postas como rivais pela mídia, cada uma trilhou por um caminho
49
Tradução para o inglês disponível em http://www.lemoda.net/momoe/playback-part-two/. Acesso em 1
set. 2013.
50
Tradução em inglês emhttp://www.kiwi-musume.com/lyrics/yamaguchimomoe/cosmos.html. Acesso
em 1 set. 2013.
diferente, performatizando estéticas que raramente convergiam. Enquanto Seiko
utilizava uma imagem infantilizada, Akina encarnava a mulher fatal, sem controle e
“trágica”, cantando músicas sobre revolta (a exemplo de TATTOO51), sexualidade
(Shoujo A52) e corações partidos. Ambas conseguiram conquistar ao longo do tempo,
assim como Yamaguchi, liberdade artística e controle criativo sobre o que faziam.
Um dos “estigmas” que quebraram foi adurabilidade de suas carreiras, que
continua até hoje. Apesar de não venderem discos como antes, seus shows continuam
lotando casas até hoje (Seiko realiza espetáculos anualmente, sendo convidada ano
passado a participar novamente do Kouhaku Utagassen ao vivo direto de seu show de
virada de ano), quase 30 anos após suas estreias. Seiko é chamada pela mídia japonesa
de “idol eterna” devido à sua longevidade e relevância.Suas vidas pessoas foram
conturbadas, envolvendo casamentos, separações e até mesmo tentativas de suicídio,
mas nenhum desses fatos interviu de maneira definitiva na continuidade de suas
carreiras, diferente de Momoe.
Figura 42 –Nakamori Akina e Matsuda Seiko, direcionamentos visuais opostos
Fontes: http://i-love-porsche.blog.so-net.ne.jp/_images/blog/_b27/i-loveporsche/CD_CRUISE_E382B8E383A3E382B1E8A1A8.jpg,
http://livedoor.blogimg.jp/albumartwork/imgs/5/2/52760033.jpg, http://blog-imgs-24origin.fc2.com/r/e/r/reryo/fushigi.jpg e http://www.generasia.com/w/images/6/6f/Matsudaseiko_1983.jpg
51
Tradução em http://www.jpopasia.com/lyrics/20249/. Acesso em 1 set. 2013.
52
Tradução em http://www.jpopasia.com/lyrics/20249/. Acesso em 1 set. 2013.
Apesar do controle criativo, ambas fazem trabalhos que raramente fogem do
molde inicial idealizado pelas equipes que as produziram e as levaram ao estrelato.
Enquanto Akina seguia uma vertente semelhante à de Momoe, com voz grave e imagem
de mulher forte e independente, Seiko institucionalizou o que viria a ser o molde de um
sem número de idols que viriam posteriormente, como as meninas do AKB48, que
fazem sucesso enorme no Japão neste momento.
A estética kawaii, “fofa” e infantilizada, se refletia em seu figurino, em suas
músicas e em sua performance no palco, mas a maior contribuição foi a voz. Seiko pode
não ter sido a primeira a utilizá-la, mas foi a primeira grande idol a ter uma voz suave,
doce e bastante aguda, principalmente ao se comparar à Momoe e Akina.
Aoyagi apud Craig (2000), explica que as raízes históricas e culturais do termo e
da estética kawaii.
The "cute style," as it is called, encompasses pretty looks,
heartwarming verbal expressions, flimsy handwriting, and
singing, dancing, acting, and speaking in a sweet, meek, and
"adorable" way. The cute style is by no means a recent Japanese
invention, but has clear historical roots. The Japanese word for
cute, kawaii, can be traced back to its classical form,
kawayushior kawayurashi, which appears in poetry and stories
from the premodern era. The "cuteness" observed today in pop
idols closely resembles otome (sweet little girl) or yamatonadeshiko (girls of Japan) images found in books, magazines,
advertising, and motion pictures from the late nineteenth and
early twentieth centuries. (AOYAGIapud CRAIG, 2000, p.318).
O estilo de Seiko atende a fetiches tipicamente japoneses. A aparência mais
infantilizada e ingênua de mulheres são imagens frequentes do imaginário erótico do
japonês, retratado nos quadrinhos e na indústria musical, algo que já existia na época de
Momoe. Entretanto, o acréscimo de Seiko a essa fórmula foi uma espécie de hipérbole a
essa fetichização.
.
Figura 43 – Seiko incorporando o estilo kawaii
Fonte: frame da performance de Taisetsu na Anata, do DVD Seiko Live '97 My Story.
No final da década de 80, Matsutoya Yumi despontou como uma estrela de
primeira grandeza. Curiosamente, sua carreira começou quase na mesma época que
Yamaguchi, em 1973, com o disco Hikoukigumo. Yuming, como é chamada por seus
fãs, nunca foi administrada por agências nem se alinhava à lógica de produção das idols,
compondo suas próprias músicas e lançando dois álbuns a cada ano. Entretanto, com o
lançamento de Before The Diamond Dust Fades..., em 1988, a consolidou como ídolo,
seguido de uma série de álbuns bem sucedidos, a exemplo deThe Gates of Heaven, de
1990, o primeiro álbum da história do Japão a vender mais de 2 milhões de cópias, e
THE DANCING SUN, de 1994, seu segundo disco a romper a marca dos dois milhões.
Com isso, ela se tornou a segunda cantora solo que mais vendeu na história do Japão.
Figura 44 – Matsutoya Yumi
Fonte: http://img5.blogs.yahoo.co.jp/ybi/1/b6/4b/sw21akira/folder/1210971/img_1210971_48863075_0
Sua contribuição para a figura da mulher bem-sucedida no mercado musical
japonês foi ter conseguido seu ápice musical com quase 40 anos de idade, mesmo sendo
considerada “feia”, fora dos padrões estéticos e com idade inadequada. Por fim,
Matsutoya, acabousendo admiradapor sua imagem, sonoridade autoproduzida, shows
com muitos recursos tecnológicos e cênicos e por ser considerada muito talentosa,
fatores fora do comum em comparação às idols, que normalmente atingem seu ápice
antes de completarem 20 anos.
Curiosamente, Yumi compôs várias músicas para Matsuda Seiko, nos anos 80,
sob o pseudônimo de Kureta Karuho, e muitos deles se tornaram hits. Assim como
Seiko e Akina, Yuming continua lançando álbuns e vendendo relativamente muito mais
que as duas hoje, um fato que merece atenção, pois apesar de sua carreira ser mais
extensa que ambas, ela sempre desfrutou de popularidade antes de se tornar gigante nos
anos 90.
O declínio de vendas e de popularidade de Yuming foi contemporâneo à
ascensão de Amuro Namie, comentado anteriormente durante análise de matrizes
estrangeiras. Amuro foi a primeira idol japonesa com uma estética abertamente
ocidentalizada, inclusive com a erotização, pois as roupas, a coreografiae até mesmo o
jeito de Amuro utilizar sua voz era considerado sexy para os padrões japoneses.
Figura 45 – Figurino de Amuro Namie no início da carreira
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=sMBcQhEjSm4
O estrangeirismo abriu caminho para o surgimento de Utada e Hamasaki.Utada
seguiu os passos de Amuro, ao se apresentar como uma releitura nipônica do cenário
ocidental, no seu caso R&B contemporâneo. Mais tarde, ao romper com esse molde, seu
foco passou a ser a música, adotando uma imagem mais comum, além de nunca fazer
ensaios fotográficos que não tenham relação direta com seu trabalho musical. Mesmo
com uma série de videoclipes (principalmente os dirigidos por Kiriya Kazuaki) com
estética mais refinada, não é difícil encontrar alguns em que a própria não aparece
(Boku wa Kuma, Kiss & Cry, Beautiful World, Sakuranagashi) e outros em que ela têm
uma imagem mais “comum”, até mesmo retratando situações rotineiras, como Hikari,
em que a câmera estática retrata Utada lavando pratos na cozinha de sua casa.
Figura 46 – Visual casual de Utada Hikaru em seus clipes
Fonte: imagens dos videoclipes Hikari, HEART STATION, Prisoner Of Love e Goodbye Happiness
É válido ressaltar que, no fim da década de 2000 e início da década de 2010,
Amuro Namie está tendo uma nova onda de popularidade, causando assim outra quebra
de paradigmas, nunca vista antes no país: a reascensão de alguém que já foi a maior
estrela do país com um impacto tão grande quanto o que teve na primeira vez em que
fez sucesso.
Nesse “comeback”, Amuro continua com uma imagem ocidentalizada, mas traz
uma sonoridade mais eletrônica (dialogando com o K-Pop, inclusive), agora acrescida
da imagem de independência feminina. Parte desta imagem vem da própria experiência
de vida pessoal (ela é divorciada e tem a guarda do filho, onde mães que cuidam dos
filhos e trabalham ainda é um modelo transgressor para os padrões japoneses) e do
modelo oferecido pelas trajetórias de Utada Hikaru e Hamasaki Ayumi, esta última na
qual iremos nos aprofundar a partir de agora.
3.2A identidade e o feminino na carreira de Hamasaki Ayumi
Entrando na análise dos produtos audiovisuais de Ayumi, nosso objetivo é
perceber como algumas de suas produções representam esteticamente conceitos que
possam estar diretamente ligados à imagem da mulher e, sobretudo, da mulher no
mercado musical nipônico.
Para tanto, dividimos e selecionamos alguns desses produtos em três eixos:
controle, a mulher a sexualidade e identidade. Com isso, procuramos entender como o
contexto histórico desse mercado musical afetou diretamente a produção e os conceitos
trabalhados por Ayumi e sua equipe em seus videoclipes, performances, shows, músicas
e ensaios fotográficos, com os quais fazemos uma análise audiovisual.
3.2.1Controle
Figura 47 – Capa do disco Duty
Fonte: http://jpopcdcovers.files.wordpress.com/2009/02/duty.jpg
Em 2000, dois anos e meio após sua estreia no mercado nipônico, Hamasaki
lançaria Duty, seu terceiro álbum. Em sua capa, ela está vestida com fantasia felina,
inclusive com acessórios como orelhas, cauda e garras. Lateralmente, se esgueira para
fora de uma jaula, que tem uma de suas barras de ferro retorcidas (provavelmente pela
personagem da capa), saindo de um ambiente luxuoso e confortável.
A vida comercial da maioria das idols não é longa. Apesar de existirem várias
exceções, inclusive às citadas anteriormente, a média de duração do pico de vendas e
popularidade gira em torno de três anos. Observando seu suposto prazo de validade se
esgotar, Ayumi, que desde o início ganhara destaque por escrever todas as letras de suas
músicas sozinha, lança este álbum, que parece girar em torno de sua preocupação em
não desaparecer após sua deadline de idol chegar.
Alguns trechos de canções do disco podem fazer com que essa teoria proceda.
vogue53(voga, ou popularidade, em tradução livre), uma das canções promocionais
usada como single, tem em seu primeiro minuto os versos: “Floresça orgulhosamente /
Pois após sua linda flor desabrochar / Suas pétalas irão cair em silêncio”. Após atingir o
ápice de popularidade, as idolsnormalmente são substituídas por novas, já que esta
acaba se tornando tão interessante quanto uma flor murcha.
Em SCAR54 (cicatriz), ela possivelmente direciona uma mensagem a seus
ouvintes. “A razão por eu não ter podido ao menos dizer adeus propriamente / Foi
porque eu senti como se fossemos nos ver novamente / Ou... / Hoje, em algum lugar, a
história / De duas pessoas que se conhecem / Entendem um ao outro / E então crescem
separadas / Se repete”.
Já a música-títuloDuty (dever), que a própria já declarou falar sobre seus
pensamentos em relação à sua carreira, apresenta: “É verdade que eu vi o fim de uma
era / Com meus próprios olhos / Mas eu não queria saber / Que a próxima era a minha
vez”. Podemos perceber através desses trechos que Hamasaki parecia ter consciência de
que sua carreira poderia estar próxima de acabar. Portanto, podemos fazer uma leitura
da capa de Duty como alguém que rompe as grades de sua jaula (novamente, uma jaula
confortável e conveniente, mas uma jaula) e que sai dela para lutar (garras e aparência
de felino).
53
Tradução para o inglês em: http://www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/duty/vogue.html. Acesso em 1 set.
2013.
54
Tradução para o inglês em: http://www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/duty/scar.html. Acesso em 1 set.
2013.
Um dos singles de I am..., álbum subsequente,é evolution, lançado às vésperas
do século XXI. Seu videoclipe divulga Hamasaki como alguém que possui controle
sobre sua própria imagem. Ambientado em um cenário de gravação de videoclipe, sua
proposta é metalinguística.
Figura 48 – Making-of de uma gravação de videoclipe é o tema de evolution
Fonte: frames de evolution
Ayumi aparece entrando no estúdio de gravação em umalimusine, enquanto
cenas intercaladas a mostram já em cena gravando o clipe e sendo orientada pelo diretor
do clipe. Em uma tela, sua performance no clipe gravado é avaliada por si mesma,
sentada em um sofá, cercada de assistentes. Enquanto o vídeo progride, são intercaladas
cenas de Ayumi em palco sendo maquiada e orientada pelos profissionais, seguida de
mais cenas de gravação, com uma banda que a acompanha.
Figura 49 – “Falha” do holograma
Fonte: frames de evolution
Durante o clipe, percebemos que a cantora que está sendo gravada não passa de
um holograma, enquanto a Hamasaki real está visualizando as cenas através de uma
tela, como se estivesse supervisionando e avaliando o desempenho da projeção de sua
imagem, tendo total controle tanto sobre ela quanto sobre sua equipe de produção.
FIGURA 50 – Chave seletora
Fonte: frame de STEP you
Este tema também foi abordado de outra maneira através do clipe de STEP you,
de 2005. Nele, vemos inicialmente um homem com máscara e indumentária de metal se
deparar com uma espécie de “seletor”, mostrando uma chave giratória de quatro
posições, com uma portinhola, a qual ele abre. Dentro do compartimento, gradualmente
são apresentadas quatro personas, interpretadas por Ayumi.
Figura 51 – As quatro personas, com comportamentos distintos
Fonte: frames de STEP you
Ao longo do clipe, suas personalidades são mais explicitadas. Enquanto a de
vermelho é sexy, a de branco é inocente e ingênua. A de preto é segura de si, confiante,
enquanto a de verde emula as “divas” hollywoodianas. Em certo momento, outra
Ayumi, que não é nenhuma das quatro, é mostrada deitada em cima de uma versão
aumentada da chave seletora, dando a entender que as quatro imagens estão sob o seu
domínio, podendo exercer qualquer um destes papeis.
Figura 51 – Ayumi “real” sobre chave seletora: domínio
Fonte: frame de STEP you
3.2.2A mulher e a sexualidade
É importante destacar que uma artista com a dimensão e popularidade de Ayumi
explicitar mensagens de empoderamento feminino pode repercutir e mudar
comportamentos, principalmente em uma sociedade em que a liberdade sentimental e
sexual feminina ainda é um tabu. Hall apud Hennigen (2002) alerta que “o nível macro
não pode eclipsar o fato de que esta revolução cultural tem uma incidência
importantíssima na vida cotidiana daspessoas comuns” e Hennigen acrescenta que “as
chamadas indústrias culturais são, ao mesmo tempo, infraestrutura material e meio de
circulação de ideias e imagens” (HENNIGEN, 2002, p. 2).
Citada anteriormente, a performance de my name’s WOMEN (“meu nome é
mulheres”)mostra uma apropriação da estética do sadomasoquismo, prática sexual que
consiste na obtenção de prazer através da dor e da submissão. Entretanto, além do
aspecto sexual (já que ser dona de sua própria sexualidade também é uma forma de
empoderamento), o ao vivo apresenta um contexto um pouco mais amplo de mensagem
pró-feminino.
Figura 52 – Dançarinas com chicotes (acima) vs. dançarinas sem chicotes (abaixo)
Fonte: imagens da performance de my name’s WOMEN, do DVD ayumi hamasaki ASIA TOUR 2008
~10th Anniversary~ Live in TAIPEI
Nos quadros superiores, observamos Hamasaki acompanhada de duas dançarinas
com perucas loiras, as três portando chicotes, enquanto na imagem abaixo, entram em
cena mais duas dançarinas, morenas, sem chicotes. Mais à frente, Ayumi protagoniza
uma cena com as dançarinas que não possuem chicotes, demonstrando poder e domínio.
Em seguida, as duas se munem com chicotes, protagonizando, agora, as cinco, uma
coreografia com eles no palco principal.
É como se, ao observarem o exemplo de Hamasaki e suas dançarinas, elas
fossem seduzidas pela possibilidade de também serem mais fortes.Todas as dançarinas
possuem microfones e cantam os backvocals da canção, o que torna a relação entre elas
e a cantora horizontalizada, dando voz às dançarinas/personas incorporadas.
Figura 53 – Dançarinasempoderadas por Hamasaki
Fonte: imagens da performance de my name’s WOMEN, do DVD ayumi hamasaki ASIA TOUR 2008
~10th Anniversary~ Live in TAIPEI
A letra da música55, como o próprio título sugere, lida diretamente com a
temática. Alguns trechos traduzidos: “Nós não choramos tão facilmente / Nós não
ficamos nos lamentando o dia inteiro / Não somos mais apenas bonecas bem vestidas”;
“Nós não existimos apenas para o seu prazer / Não esqueça disso”.
Com o mesmo direcionamento, Sexy little things, do álbum Rock’n’Roll Circus,
de 2010, mostra o que certos homens pensam das mulheres e o que elas pensam em
relação a isso. Trechos da música: “Mulheres nunca sabem nada / Elas apenas acenam
com a cabeça enquanto seus olhos umedecem / (Se você pensa isso) Este é um grande
erro / Porque eu tenho você na minha mão”. Nessa música em específico, Ayumi utiliza
um tom de voz exageradamente infantilizado, possivelmente uma referência ao estilo de
cantar das idolscomestilo kawaii(fofo),como Matsuda Seiko. Neste caso, o uso voz
infantilizada serve como uma forma irônica de ridicularizar o pensamento de homens
que acreditam que mulheres são ingênuas como uma criança.
Aapresentação ao vivo, durante a turnê realizada para a divulgação do álbum,
endossa essa proposta. Ayumi aparece como uma prostituta, em uma fantasia de coelho,
usando um vestido curto, fazendo uma referências às “coelhinhas” da Playboy. Sua
linguagem corporal e expressões faciais são dóceis e apelam para a estética kawaii,
apesar de a performanceser ambientada em um cabaré, aliando ao mesmo tempo
estéticas oriental e ocidental de sexualidade.
55
Tradução disponível emhttp://misachanjpop.wordpress.com/2012/03/10/my-names-women-ayumihamasaki/. Acesso em 1 set. 2013.
Figura 54 – Dicotomia entre kawaii e sexual na performance de Sexy little things
Fonte: imagens da performance de my name’s WOMEN, do DVDayumi hamasaki Rock 'n' Roll
Circus Tour FINAL ~7days Special~
Ainda na relação entre o kawaii e o sexual, pode-se citar o videoclipe de
Sparkle, do álbum NEXT LEVEL, de 2009. Nele, vemos Ayumi incorporando uma idol
dos anos 80. O cenário, o figurino e o gestual tem estética idêntica às apresentações ao
vivo na televisão dos anos 80.
Figura 55 – Idols sendo representadas no videoclipe de Sparkle
Fonte: frames do clipe de Sparklee apresentações da TV japonesa dos anos 80 encontradas no YouTube
Até mesmo o formato da tela do clipe nessa parte dá indícios que é uma
referência aos programas, pois está com barras laterais, com o formato de imagem 4:3,
utilizado na transmissão analógica. Logo em seguida, da idolinocente e delicada,
aparecem cenas com a mesma personagem, só que altamente sexualizada até mesmo
para os padrões ocidentais, utilizandofigurinos que revelam todo o seu corpo.
Figura 58: Frames de Sparkle com a personagem usando roupas de látex
Fonte: frames do clipe de Sparkle
O que podemos entender do clipe é que há uma dicotomia entre as duas imagens,
pois ambas expressam fetiches distintos. Podemos interpretar ao fim do clipe que as
cenas com roupas de látex representam a sexualidade reprimida da idol kawaii, um
molde que a delimita.
Para entendermos melhor, pode-se recorrer à letra da música56, que fala sobre
seguir seus próprios instintos e se libertar, em uma conotação sexual, em trechos como
“Seja mais ousado / Apenas seja sem-vergonha / Sem mais conversas sobre se
arrepender / Depois do que aconteceu” e “Nada irá começar se você ficar aí olhando /
Nada será seu / Até quando você vai permanecer aí / Chupando o dedo sem ação? / Não,
não, não”.
Por fim, temos Real me57, do álbum de 2003,RAINBOW, que pode resumir toda
a imagem retratada por Ayumi em relação a este tópico. Ex.: “Uma mulher pode ser
perigosa / Uma mulher pode ser generosa / Para sobreviver / Eu não posso ser uma boa
garota / O tempo inteiro / Uma mulher pode se divertir / Uma mulher pode ser que nem
uma freira / Para sobreviver”.
3.2.3Identidade
Para perdurar na indústria musical, a construção de uma identidade é essencial
para a sobrevivência de um fenômeno midiático. É necessário se estabelecer enquanto
figura única, que não possa ser confundida ou substituída como uma peça sobressalente.
Esse tema já foi abordado algumas vezes durante a carreira de Ayumi e se refere
56
Tradução disponível em http://misachanjpop.wordpress.com/2011/06/13/sparkle-ayumi-hamasaki/.
Acesso em 1 set. 2013.
57
Tradução disponível em www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/rainbow/realme.html. Acesso em 1 set.
2013.
justamente à resiliência de sua identidade e o medo de que ela seja absorvida,
descaracterizada e descartada.
A figura da boneca, manipulável, produzida em escala massiva e descartável,
sendo facilmente substituída, é utilizada por Ayumi tanto visualmente, em seus
videoclipes, como discursivamente nas letras de música, como uma analogia para o uso
da figura da mulher pela indústria.
Em Dolls58, do álbum RAINBOW, de 2002, o título dá uma pista sobre trechos da
letra, que podem falar sobre essa efemeridade da figura feminina. Ex.: “Se o tempo é
apenas um sonho momentâneo / Então devemos ser como flores / Mesmo que nossas
pétalas estejam destinadas a cair / A nossa vida curta nos faz sermos todas mais
amadas” e “É essa ausência de forma que torna tão precioso? / É essa beleza que chega
ao ponto de ser cruel?”.
58
Tradução disponível em http://www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/rainbow/dolls.html. Acesso em 2 set.
2013.
Figura 57 – alterna: personalidade eliminada pela indústria
Fonte: imagens do clipe de alterna
Em alterna, do álbum (miss)understood, de 2006, Ayumi fala abertamente sobre
essa preocupação. Contando a história de uma garota rural que recebe o convite para se
tornar uma estrela na cidade grande, a protagonista é moldada por seus empresários (que
são representados por palhaços com estética macabra) e logo se torna uma “máquina
cantante”, perdendo sua identidade e sendo replicada, para, no fim, ser descartada em
uma lata de lixo.
A mensagem é bem clara: na indústria cultural japonesa, os idols não têm muito
tempo de vida. Os sistemas de “graduação” de grupos como AKB48 e Morning
Musume podem servir de comparação com o roteiro do videoclipe. Contratadas na
adolescência, as meninas, ao atingirem determinada idade, “se formam” do grupo,
podendo seguir carreira solo (onde a maioria delas não consegue ter a mesma
popularidade de antes) ou simplesmente encerram suas atividades.
Já Like a doll59, de Love Songs (2010), a mensagem é não se tornar alguém
alheio a tudo pela conveniência. “Se você jogar fora seu desejo de não desistir / E jogar
fora o desejo de acreditar / E encobrir todos os seus sentimentos / Você não irá se
machucar / Mas também não será feliz / Não viva como se você estivesse morta / Como
uma boneca”.
Por fim, Marionette60, de GUILTY (2008), também é uma recusa a se esconder
atrás de imagens ou fingir ser alguém que não é você, exemplificado em: “Nós não
nascemos / Para viver desse jeito / Fingindo aparências / Para esconder nossos rostos
mortos”. Em outro momento, Ayumi convida a todos se despirem de seus fingimentos e
viverem como são, sem medo. “Agora, não faça isso por outro alguém / Use suas
próprias mãos / Se levante sem medo / E arranque sua máscara fora”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro do cenário pop japonês, procurei entender a lógica da cultura idol,
estrutura muito peculiar da música naquele país. Concentrando-se na figura feminina,
conseguimos estabelecer uma relação entre a idol e as gueixas, profissão de mulheres
surgida na era feudal japonesa que tinham como principal função entreter os homens
com seus talentos.
59
Tradução disponível em http://www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/lovesongs/likeadoll.html. Acesso em
2 set. 2013.
60
Tradução disponível em http://www.kiwi-musume.com/lyrics/ayu/guilty/marionette.html. Acesso em 2
set. 2013.
No começo, se tornar gueixa parecia ser única saída para que as mulheres
comuns, que estariam fadadas a se casarem e se submeterem às vontades de seus
maridos. Elas eram mulheres independentes, de certa maneira, pois podiam viver nas
okiyas até morrerem, sem precisar se casar. Acredito que, utilizando a mesma lógica,
podemos afirmar que as idols funcionavam e ainda podem funcionar mais ou menos da
mesma forma para a população feminina japonesa. Até hoje, é esperado pela sociedade
que as mulheres, ao chegarem a certa idade, se casem e constituam família, mesmo que
trabalhem por certo tempo.
Talvez se tornar uma idol seja a solução para fugir desse destino. Resgatando
Aoyagi, que fala da “beleza mediana” das idols, eu percebi que o propósito da
construção delas é dar a sensação que qualquer mulher poderia vir a se tornar uma
estrela, bastando ter força de vontade. Apesar de ser um sucesso passageiro, a ideia de
viver uma vida de celebridade parece tentadora.
Entretanto, tanto a gueixa quanto a idolsão imagens limitadoras, pois, apesar de
existirem “tipos” distintos, muitas se apegaram ao molde, tendo liberdade criativa, mas
não da projeção de sua imagem. Neste contexto, encontramos Ayumi, que construiu sua
carreira em consequência dos rompimentos de outras estrelas antecessoras a ela. Dentro
do cenário pop japonês, Hamasaki Ayumi pode vir a se tornar uma representação o que
pode se considerar a figura da mulher japonesa do século XXI, que tem controle de sua
própria imagem, podendo conciliar vida pessoal e carreira, além de poder escolher que
rumos ela dará à sua vida.
Ao se mostrar utilizando diversas imagens, mas não se apegando a nenhuma
(como se materializa em STEP you, por exemplo), propondo uma quebra de
estereótipos, Ayumi se apresenta como uma anti-idol. Assim como as outras artistas que
vieram antes de Hamasaki, ela também quebrou certos padrões estabelecidos, mas
também percebo que ela perverte estéticas de uma idol, no sentido de se apropriar delas
e utilizá-las com a consciência de que aquilo não a define, como o comportamento
kawaii em Sexy little things.
Embora não seja a única a negar essa submissão a um molde (Utada também não
se encaixa em um e propõe um visual comum), o que Ayumi propõe, e até então se
torna única por isso, é a possibilidade de ser, ao mesmo tempo, muitas e uma só.
Através de seus clipes, músicas, ensaios fotográficos e apresentações ao vivo, ela tenta
construir a ideia de que é possível criar uma identidade plural e multifacetada, o que
promove um rompimento definitivo com qualquer tipo de “encaixotamento” proposto
por modelos midiáticos e sociais.
Acredito que o trabalho tenha esclarecido e revelado algumas pistas de que ela
possui um nível de autoconsciência grande enquanto artista, algo que não se vê todos os
dias no mercado musical. Sua contribuição para a música japonesa entra para a história,
não só em números, mas também em impacto cultural, pois mesmo realizando feitos
similares por suas antecessoras, o modo como ela os executa acrescenta uma nova
dinâmica à figura feminina no mercado nipônico. Ela acaba se tornando um referencial
para outras artistas femininas que surgiram posteriormente, sendo uma das artistas mais
influentes do pop japonês, pavimentando o caminho para que novas artistas proponham
mais rupturas e reconfigurem o sistema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em Sex and the City.
JANOTTI,Jeder Silveira. Por uma análise midiática da música popular massiva:
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SATO, Cristiane A..
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HALL, Stuart apud HENNIGEN, I. A centralidade da cultura: notas sobre as
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