O Protestantismo Histórico no Sertão Baiano

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III SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES
O Protestantismo Histórico no Sertão Baiano
Autores: Danilo Uzêda da Cruz
Tarcísio Farias Guimarães
Universidade Estadual de Feira de Santana
E-mail: [email protected]
O Protestantismo Histórico no Sertão Baiano
INTRODUÇÃO
Feira de Santana, uma das principais vilas da Comarca de Cachoeira no século
XIX foi elevada à categoria de cidade em 1873. Todavia, é no século XX que o
crescimento demográfico dá-se de forma mais ampla, afirmando a força do comércio
polarizador de Feira de Santana em relação a inúmeras cidades e povoados
circunvizinhos. Em meio às mudanças demográficas e urbanas chegam a Feira de
Santana missionários protestantes, dos quais alguns já transitavam por aqui desde os
primeiros anos do século XX. No livro “A História Inacabada”, os pioneiros da Igreja
Evangélica Unida, primeira igreja protestante organizada efetivamente em solo feirense,
relatam a emoção presente na tentativa de estabelecer uma congregação protestante
“especialmente sabendo que numa tentativa anterior para estabelecer uma base, tinha
fracassado. Os obreiros tiveram que abandonar aquela cidade e ir adiante para o
interior onde muitos trabalhos foram organizados”1.
Na comunicação que ora apresentamos abordamos questões presentes numa
pesquisa que encontra-se em andamento “A expansão protestante em Feira de Santana”
(1935-1995), a qual visa estudar as relações construídas entre o Protestantismo e a
sociedade feirense a partir do estudo da implantação da Primeira Igreja Batista de Feira
de Santana e da Igreja Evangélica Unida de Feira de Santana. Traz consigo o desafio de
reunir fontes, assim como suprir o quanto possível a carência de trabalhos que discutam
a implantação do Protestantismo Histórico em Feira de Santana, principalmente no que
1
GILLANDERS, Isobel. A história inacabada. Feira de Santana. PLANZO, 1990, p. 23
tange à Igreja Evangélica Unida, a qual tem a maior parte dos seus documentos sob
júdice, impedindo-nos de ter acesso aos tais.
Grande parte da bibliografia especializada enfoca o centro-sul do país, havendo
apenas alguns fragmentos voltados para os protestantes baianos, tal como em História
Documental do Protestantismo no Brasil, de Duncan Alexander Reily, onde são
resgatados documentos do século XIX que remontam à implantação de algumas igrejas
protestantes na Bahia, mesmo assim focalizando apenas Salvador. Émile G. Léonard em
“O Protestantismo Brasileiro” propõe-se também a sistematizar uma história protestante
a nível macro, o que destaca grupos protestantes na Bahia, tendo o recorte espacial
limitado. Há ainda os trabalhos das professoras Marli Geralda Teixeira2 e Elizete da
Silva3 que estudam com maior profundidade os batistas e anglicanos na Bahia.
Faz-se necessário estudar as representações construídas pelo protestantismo no
sertão baiano, analisando as formas de apreensão da realidade e embates com a
sociedade sertaneja. Escolhemos Feira de Santana, a “Princesa do Sertão” por ser uma
espécie de síntese da visão de mundo e realidade sócio - cultural do sertão baiano. Uma
cidade que apresenta-se hoje como a segunda maior do Estado da Bahia, tendo um
comércio representativo e uma posição geográfica privilegiada, sendo o maior
entroncamento rodoviário do Norte/Nordeste do Brasil.
O estudo das atitudes e práticas coletivas, bem como as relações forjadas frente
ao Catolicismo pelos protestantes históricos já foram abordados em alguns poucos
trabalhos. Antônio Gouvêa Mendonça dedicou-se a estudar a inserção do protestantismo
2
3
TEIXEIRA, Marli Geralda. Nós os Batistas... Um Estudo de História das Mentalidades. São Paulo.
FFLCH/USP. Tese de Doutorado. 1983. E ainda, Os Batistas na Bahia. 1882-1925. Salvador.
FFCH/UFBH. 1975.
SILVA, Elizete da. A Missão Batista Independente: uma alternativa nacional. UFBA. Dissertação
de Mestrado. Salvador. 1982. Da mesma autora destacamos também, Cidadãos de Outra Pátria:
Anglicanos e Batistas na Bahia. USP. Tese de Doutorado. São Paulo. 1998.
no Brasil estudando as estratégias institucionais, a fé protestante e sua visào em relação
ao catolicismo brasileiro4. Aqui destacamos uma realidade mais concentrada, Feira de
Santana entre 1935 e 1995, especialmente as Igrejas históricas pioneiras da cidade que
são a Igreja Evangélica Unida5, fundada em 1937 pelos missionários neozelandeses
Roderick e Isobel Gillanders e, a Primeira Igreja Batista de Feira de Santana, fundada
em 1947 pelos batistas baianos, então liderados pelos missionários norte-americanos da
Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, os quais foram enviados ao Brasil pela
Junta de Missões Estrangeiras desta Convenção.
AS MARCAS DO EVANGELHO E SUA MENSAGEM
Logo percebemos nestas Igrejas projetos similares que são marcados pelo
proselitismo protestante que efervesceu a partir do final do século XIX e que elegeu o
Brasil como campo da “grande seara” a ser semeada pela mensagem evangélica,
acompanhada de perto pela visão de mundo anglo-saxônica, a qual não traçou limites
entre a fé evangélica e a forma organizacional das igrejas estrangeiras, transplantando
assim o protestantismo histórico sem contextualização para países como o Brasil.
Desde a arquitetura dos templos, sua arrumação interna tendo o púlpito ao
centro da plataforma superior, os hinários, a liturgia e a ênfase dos discursos
demonstram que as representações culturais acompanharam de perto a doutrina
reformada empunhada por estas Igrejas, o que trouxe disputas internas e conflitos
4
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo.
Edições Paulinas, 1984. (Estudos e debates latino-americano; 10)
5
Esta igreja foi assim denominada porque congregava inicialmente protestantes advindos de inúmeras
denominações, os quais residiam ou passavam frequentemente por Feira de Santana
culturais, os quais foram discutidos sistematicamente pela Drª. Elizete da Silva na sua
tese de mestrado “A Missão Batista Independente: uma alternativa nacional”, esse
trabalho demonstra que nem sempre houve a acomodação cultural no seio do
Protestantismo brasileiro, tão marcado por cismas e querelas que diante dos princípios
de competência do indivíduo, dum modo geral, e de soberania da igreja local, em
particular para alguns grupos protestantes, a exemplo dos batistas no que tange ao
protestantismo histórico, viu surgir novas denominações lideradas por pastores
nacionais como a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (1901, no estado de São
Paulo) como fruto das disputas internas da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Missão
Batista Independente formada por batistas brasileiros então membros de igrejas filiadas
à Convenção Batista Brasileira (1910, na cidade de Salvador-Ba.).
As resistências dos crentes protestantes nacionais à liderança missionária
repercutiu até mesmo entre os protestantes de Feira de Santana. Encontramos o alerta do
Rev. Burley Edward Cades, então pastor da Primeira Igreja Batista falando “sobre o
cuidado que se deve ter acerca da Convenção da Bahia e radicais fazendo ver a sua
maneira sutil em querer arrebanhar crentes e igrejas da nossa Convenção Bahiana”6.
As duas Igrejas aqui enfocadas são congregacionais, o que permitiu uma
certa participação da membrezia nos rumos da congregação e o surgimento de
lideranças advindas do “mundo” feirense, tanto que as duas experimentaram divisões
eclesiásticas, dando origem à Segunda Igreja Batista de Feira de Santana no caso da
Primeira Igreja Batista de Feira de Santana. E à Igreja Evangélica Congregacional e
Igreja Presbiteriana Conservadora, no caso da Igreja Evangélica Unida.
Essas divisões marcaram o início das relações entre protestantes e destes com a
sociedade feirense, receptora de grupos conservadores da pregação de uma religião do
livro. Esses crentes eram doutrinados para responder a “quem lhes perguntasse a razão
da sua esperança”. E essa resposta era geralmente reflexo de uma dicotomia premente
entre bem e mal, céu e inferno, carne e espírito, pecado e santidade, sem revelar maiores
preocupações em criar alternativas para responder às questões sociais que grassavam no
espaço sertanejo deste período, tais como o mandonismo político, a precária infraestrutura urbana, a seca, o analfabetismo, a falta de assistência médica e o preconceito
racial.
Entre os anos de 1935 e 1955, encontramos poucas referências aos batistas e
nenhuma referência à Igreja Evangélica Unida, em contraposição no que diz respeito à
Maçonaria e Igreja Católica Romana, no jornal “Folha do Norte”, um dos mais
tradicionais periódicos da região feirense no período. Frequentemente as reuniões
católicas e sermões do clero católico eram estampados nas primeiras páginas, recebendo
frequentes manifestações de apoio por parte das lideranças políticas de Feira de
Santana. Esse silêncio dá-se num período em que as duas igrejas já tinham edificado
templos amplos e situados no centro da cidade, com a arquitetura própria de um templo
religioso, tendo torres por exemplo, e recebendo vários dias durante a semana um
número crescente de fiéis portadores de Bíblias. Esses crentes reuniam-se para estudo
da Bíblia, oração, pregação e planejamento de atividades com o fim de alcançar novos
crentes.
No livro “A História Inacabada”, a missionária Isobel Gillanders relata que o
tempo foi “dividido entre fundar uma igreja e visitar as cidades vizinhas e o mercado
local para vender bíblias”7. Fica evidente a preocupação de levar a mensagem
evangélica por todos os meios possíveis e promover a inserção do protestantismo
6
7
Assembléia Ordinária em 09/08/53, livro de atas I, p. 47.
GILLANDERS, Isobel. op. cit., p. 32.
histórico na sociedade feirense. Todavia há um silêncio notável nos meios de
comunicação do período em destaque quanto a tais grupos religiosos.
Nas atas de sessões ordinárias ou extraordinárias, estão evidências da
construção do discurso e das crenças protestantes divulgados no sertão baiano. É uma
mensagem anti-católica, na medida em que nega a condição de Cristãos aos católicos,
sendo estes alvos claros do trabalho de evangelização e de conversão de novos adeptos à
fé evangélica, confirmada publicamente com o batismo por imersão ou “rebatismo”
após profissão pública da sua fé, desconsiderando a biblicidade/validade do batismo
ministrado por um oficiante católico. Reunida em assembléia Ordinária, a Primeira
Igreja Batista eliminou do rol de membros o irmão “V. J. A., por ter se casado
eclesiasticamente na Igreja católica sendo feita a denúncia pelo seu irmão V. A.”8 Esta
visão excludente e negadora de outros grupos cristãos tão presente no protestantismo
brasileiro é denominado por Rubem Alves de “Reta Doutrina”, caracterizado pelo “fato
de privilegiar a concordância com uma série de formulações doutrinárias, tidas como
expressões da verdade, e que devem ser afirmadas sem nenhuma sombra de dúvida,
como condição para participação na comunidade eclesial”9
A todo momento percebemos a recorrência à realidade de um futuro edênico, o
qual em breve se realizaria e do qual somente desfrutariam aqueles que vivessem
dignamente de acordo com a fé cristã. Inúmeras assembléias extraordinárias aconteciam
para eliminar crentes “indisciplinados” do rol de membros da Igreja, uma vez que as
atitudes ético-morais desvirtuadas da rígida ética protestante poderia trazer escândalos e
o descrédito destas Igrejas frente à sociedade feirense. Em 15/01/56 a Assembléia
Ordinária da Primeira Igreja Batista decidiu por unanimidade eliminar “do rol de
8
9
Livro de atas I, p. 68.
ALVES, Rubem A. Protestantismo e Repressão. São Paulo. Ática, 1979 (Ensaios; 55), p. 35.
membros da igreja a Irmã R. M. B., da Congregação de Ipirá por atos que vêm
desabonar a sua conduta de crente”10. Em 12/10/52 “foi eliminada por deserção e por
outros atos que não se coadunam com o espírito do evangelho, a irmã C. C.”11. Na
Assembléia Ordinária de 07/12/52 “foi eliminado o irmão C. C., por estar vivendo de
maneira irrecomendável para o crente”12 e em 03/05/56 “o irmão D. P. foi eliminado
do rol de membros por não corresponder com seus direitos perante a igreja”13. São
atitudes que expressam as representações criadas no seio de grupos minoritários adeptos
de uma contra-cultura que sempre rejeitou os elementos da cultura e religiosidade
popular sertaneja, identificando-os como satânicos e necessitados da purificação cristã.
São acionados dispositivos de controle da vida dos adeptos, regulamentando o
comportamento condizente com a imagem de grupos conservadores e “puritanos”.
Essas Igrejas compunham uma presença minoritária no cenário religioso
feirense, alcançando em sua maioria as camadas sociais mais baixas, o que pode ser
comprovado a partir dos livros de atas, os quais fazem alusão aos irmãos pedreiros,
carpinteiros, ferreiros e artesãos que contribuíram para construção e manutenção dos
templos. Entrevistamos vários irmãos que participaram na construção do templo da
Primeira Igreja Batista e que nos concederam gentilmente informações. Os irmãos A.N.
e A.B. reafirmaram em entrevista que a igreja e os missionários apoiavam as famílias
carentes da igreja. Diante destas carências, os financiamentos estrangeiros foram cada
vez mais crescentes, ocasionando uma estrita relação de dependência dos protestantes
nacionais aos estrangeiros, especialmente no caso dos batistas que tiveram o auxílio
elevado da Junta de Missões Estrangeiras da Convenção Batista do Sul dos Estados
10
Livro de atas I, p. 40.
Livro de atas I, p. 42.
12
Livro de atas I, p. 43.
13
Livro de atas I, p. 73.
11
Unidos, sediada em Richmond, subvencionando a construção do templo, a implantação
de congregações e o sustento do pastor local.
Como é sabido, nas Igrejas Batistas e na Igreja Evangélica Unida (organizada
por um casal de missionários congregacional ou dissidente sustentados por um
organismo interdenominacional)14 a assembléia dos membros decide os rumos da
congregação local, inclusive na eleição do pastor. Pois bem, muitas vezes a Primeira
Igreja Batista de Feira de Santana foi pastoreada por norte-americanos, a exemplo dos
Rev. M. G. White, Robert Elton Johnson e Burley Eduard Cades, missionários norteamericanos que contribuíram decisivamente para a formação do pensamento protestante
e sua expansão em Feira de Santana nos meados do século XX. A formação do
pensamento batista brasileiro é analisado minuciosamente por Israel Belo de Azevedo
em seu trabalho “A Celebração do Indivíduo: a formação do pensamento batista
brasileiro”, demonstrando as bases do discurso missionário que edificaram o
protestantismo brasileiro.
Quais os atrativos da mensagem protestante num espaço sócio-geográfico
marcado pela religiosidade e visão de mundo católica? É uma pregação de caráter
conservador com um forte apêlo moral contrastando com o elevado número de pessoas
que afirmavam-se como católicos, mas que não comungavam com a Igreja, tampouco
esforçavam-se por viverem os ensinos pregados pela Igreja Católica Romana.
A
doutrina
protestante
difundida
em
Feira
de
Santana
estava
inextrincavelmente marcada pelas influências pietistas, puritanas e fundamentalistas,
não permitindo transgredir a orientação bíblica. Esse biblicismo e radicalismo
confessional não admitem dúvidas ou erros, daí a dificuldade em ouvir o outro e de
considerar como cristãos genuínos outros grupos religiosos a exemplo do Catolicismo.
Esta crença está em franco acordo com a postura proselitista de grupos que vêem como
elemento central da missão da Igreja no mundo a evangelização. Muitas congregações e
pontos de pregação foram iniciados entre as décadas de 30 e 40, disseminando a fé
evangélica em inúmeras cidades e lugarejos como, Anguera, Ipirá, Conceição do
Jacuípe, Santo Estevão, Amélia Rodrigues, São Gonçalo dos Campos, Riachão do
Jacuípe, as quais têm hoje várias Igrejas Batistas organizadas como fruto do fervor
evangelístico tão comum entre os batistas. No caso da Igreja Evangélica Unida, foram
estabelecidos pontos de pregação e congregações em inúmeras cidades da região
feirense e até mesmo na capital baiana.
Um do hinos que compõem o hinário destas igrejas demonstra a crença de que
é dever de cada crente participar da pregação da sua fé. Este hino é intitulado
“Ceifando”, número 429 do Cantor Cristão, do qual transcreveremos a 1ª, 2ª e 3ª
estrofes
Espalhemos todos a semente santa
Desde a madrugada até o anoitecer
Calmos, aguardando o tempo da colheita
Quando alegremente havemos de colher
Semeemos quando seres perniciosos
A semente boa querem destruir
Deus abençoando, alegres, satisfeitos
A colheita santa havemos de fruir
Eia, pois, obreiros, semeai, ousados
A semente viva da verdade e luz
Proclamando Cristo, seu poder e glória
Salvação perfeita que alcançou na cruz
(Este hino foi traduzido por Salomão Luiz Ginzburg, um missionário estrangeiro)
14
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
Esse proselitismo é fruto das preocupações de uma fé pré-milenista que crê na
iminente destruição do mundo e juízo de todos os homens perante o Grande Juiz,
portanto, quanto maior e mais intenso for o trabalho de evangelização, mais almas serão
resgatadas do inferno conduzidas ao reino celestial do Senhor. Este apelo é em parte
negador dos conflitos vivenciados pelo crente na vida diária propondo-se a resolvê-los
com a crença na esperança de um futuro em paz, sem tristezas, problemas e
perseguições, transportado para uma meta-história, na qual Deus tem todo o domínio.
Um outro hino cantado pelas duas igrejas aqui destacadas é intitulado “Terra Feliz”,
número 508 do Cantor Cristão, explicitando tais ensinamentos
Eu avisto uma terra feliz
Onde irei para sempre morar
Há mansões nesse lindo país
Que Jesus foi pra nós preparar
Cantarei nesse lindo país
Belos hinos ao meu Salvador
Pois ali viverei bem feliz
Sem angústias, tristezas, nem dor
Deixarei este mundo afinal
Para ir a Jesus adorar
Nessa linda cidade real
Mil venturas sem fim vou gozar
(Hino traduzido pelo missionário norte-americano William Edwin Entzminger)
Destacamos ainda o senso de comunidade, com as redes de relações
desenvolvidas no interior destes grupos religiosos, o que constituía-se na segurança de
ser amparado pelos irmãos e irmãs nos momentos difíceis e na resolução de carências,
tais como a alfabetização de convertidos afim de que pudessem ler a Bíblia, “verdadeira
Palavra de Deus”, no pagamento de dívidas contraídas e suprindo necessidades
materiais como medicamentos. Na ata da Assembléia Ordinária do dia 14/01/54 “O
Reverendo Cades fez ciente à Igreja que tem em seu poder o que denominou uma
“caixa” que se destina à compra de medicamentos para os doentes que não puderem
comprar”15.
Diferente do Catolicismo, entre os protestantes a assistência espiritual ao
rebanho era mais intensa e direcionada, principalmente aos novos convertidos e pessoas
em dificuldades, o que servia para familiarizar os irmãos com a Igreja da qual faziam
parte e ainda permitia com maior sucesso a manutenção dos crentes, ajudando-os a
resistirem às inúmeras ofertas de outros grupos religiosos e aos “prazeres do mundo”,
manifestos em festas populares, vícios, jogos e amizades não-adeptas da fé protestante,
as quais poderiam “desviar” os irmãos do caminho certo para o “mundo de pecados e
transgressões às leis de Deus”.
Existia um livro de membros onde estavam arrolados todos aqueles que
professaram publicamente a fé em Jesus Cristo, e foram batizados, passando a ter direito
de participarem das decisões da Congregação e os deveres relativos à manutenção da
Igreja. Era necessário manter-se fiel aos ensinos e aos programas da Igreja local sob
pena de afastamento ou eliminação da “membrezia” eclesiástica, o que era geralmente
por intermédio de uma comissão de membros responsável por acompanhar os crentes
faltosos ou indisciplinados. No caso de uma certa irmã M.T., a Igreja votou sob parecer
de uma comissão de membros, enviar-lhe uma carta “chamando-a a se comparecer à
Igreja, afim de prestar esclarecimento quanto a sua ausência dos trabalhos regulares
da mesma”16. As igrejas aqui abordadas tinham uma estrutura interna historicamente
herdada de grupos protestantes que observavam critérios na aceitação de novos
membros, estabelecendo códigos morais e de conduta para seus filiados.
15
16
Livro de atas I, p. 49.
Ata da Assembléia Ordinária do dia 01/10/50, livro I, p. 29.
CONCLUSÃO
Para além das querelas e disputas internas, houve um crescimento contínuo no
número de membros e na projeção dos trabalhos protestantes pioneiros, os quais
contabilizavam no final da década de 50 um total de 18 templos com aproximadamente
1.010 membros sem contar crianças e recém-convertidos uma vez que estes não haviam
sido batizados. Esta é condição sine qua non para que alguém seja considerado membro
do grupo religioso.
No limite cronológico da nossa pesquisa (1995) percebemos visivelmente a
presença destas igrejas que apesar de não manterem o mesmo ritmo de crescimento dos
grupos neo-pentecostais evangélicos ainda projetam-se como oferta no “mercado
religioso” do sertão baiano. Muitos dos seus membros são participantes das gerações
que sucederam os pioneiros destas duas igrejas protestantes históricas em Feira de
Santana.
A Igreja Evangélica Unida (a partir de 1966 passou a denominar-se Igreja
Evangélica Fundamentalista) organizou o Instituto Evangélico Fundamentalista e os
batistas possuem o Seminário Teológico Batista do Nordeste, sediado em Feira de
Santana-Bahia, instituições que servem estes grupos históricos frente aos desafios do
seu espaço sócio-geográfico e que participam do projeto e da mensagem protestante na
porta do sertão baiano. Reconhecemos que há ainda muito a ser estudado acerca da
presença e das relações destes grupos com a sociedade feirense e sertaneja, sendo a
pesquisa atualmente empreendida um esforço para responder a este desafio.
BIBLIOGRAFIA CITADA
ALVES, Rubem A. Protestantismo e Repressão. São Paulo. Ática, 1979 (Ensaios; 55),
p. 35.
AZEVEDO, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo: a formação do pensamento
batista brasileiro. Piracicaba-SP. Editora UNIMEP; São Paulo-SP. Exodus. 1996.
CANTOR CRISTÃO. Rio de Janeiro. Publicação do Departamento de Música da
JUERP. 10ª edição revista e documentada, 1995.
GILLANDERS, Isobel. A história inacabada. Feira de Santana. PLANZO, 1990, p. 23
LÉONARD, Émile G. O Protestantismo Brasileiro. São Paulo, ASTE. s/d.
LIVRO DE ATAS Nº 1 da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no
Brasil. São Paulo. Edições Paulinas, 1984. (Estudos e debates latino-americano; 10)
REILY, Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo no Brasil. São
Paulo ASTE. 1993.
SILVA, Elizete da. A Missão Batista Independente: uma alternativa nacional. UFBA.
Dissertação de Mestrado. Salvador. 1982
______, Elizete da. Cidadãos de Outra Pátria: Anglicanos e Batistas na Bahia. USP.
Tese de Doutorado. São Paulo. 1998
TEIXEIRA, Marli Geralda. Nós os Batistas... Um Estudo de História das Mentalidades.
São Paulo. FFLCH/USP. Tese de Doutorado. 1983.
_________, Marli Geralda. Os Batistas na Bahia. 1882-1925. Salvador. FFCH/UFBH.
1975.
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