TESE 1 - Defensoria Pública

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SUMÁRIO
1. Autor: Cristina Emy Yokaichiya e Juliana Garcia Belloque.................4
Súmula: “No julgamento realizado no plenário do júri, há
incompatibilidade entre o reconhecimento do homicídio
privilegiado pelos jurados – quando a conduta se realizou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima (art. 121, §1º, última parte, CP) – e o
quesito referente à qualificadora do emprego de recurso que
dificultou a defesa da vítima, quando a imputação estiver
apoiada na surpresa da agressão (art. 121, §2º, IV, do CP).
Admitido o privilégio pelos jurados, o quesito da qualificadora
deve ser declarado prejudicado, nos termos do artigo 490,
parágrafo único, do CPP. A não observância a esta regra
autoriza o Tribunal a afastar a qualificadora em sede recursal,
independentemente de novo júri.”
2. Autora: Cristina Emy Yokaichiya...............................................................11
Súmula: “Quando o réu é absolvido no primeiro júri e
condenado por homicídio qualificado no segundo júri,
realizado por força do acolhimento de recurso do Ministério
Público com base no art. 593, III, d, do Código de Processo
Penal, deve ser assegurado o duplo grau de jurisdição com
base na mesma alínea, em relação às qualificadoras do delito
ou a outras circunstâncias que não tenham sido abordadas no
primeiro recurso, afastando-se a previsão do art. 593, §3º, do
Código de Processo Penal.”
3.
Autor: Joemar Rodrigo Freitas................................................................20
Súmula: “A imputação do crime de furto qualificado, ou roubo
majorado, em razão do concurso de duas ou mais pessoas, em
concurso material com o crime de corrupção de menores
acarreta bis in idem.”
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4.
Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva.........................25
Súmula: “Inexistindo interrupção do serviço público, é
possível a aplicação do princípio da insignificância na hipótese
de furto de fios elétricos e de telecomunicações.”
5.
Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva.........................35
Súmula: “Nos crimes envolvendo violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos da Lei 11.340/06, é
cabível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direito de limitação de fim de semana, com
fundamento no parágrafo único do artigo 152 da Lei de
Execução Penal, que criou hipótese de exceção ao inciso I do
artigo 44 do Código Penal, consistente em comparecimento
obrigatório do condenado a programas de recuperação e
reeducação.”
6.
Autor: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva e Fernanda
Costa Teixeira...........................................................................................50
Súmula: “Instaurado incidente de insanidade mental no
processo penal, o réu tem o direito de não comparecer ao
exame, sendo inconstitucional a sua internação com
fundamento no artigo 150 do Código de Processo Penal e
ilegal por força da Lei 10.216/01, e, se comparecer, tem o
direito de permanecer em silêncio, sem que este se interprete
em seu desfavor, pelo corolário do nemu tenetur se detegere.”
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TESE 1
Nome: Cristina Emy Yokaichiya e Juliana Garcia Belloque
Área de Atividade: Criminal (Júri)
REGIONAL: I JÚRI DA CAPITAL
Endereço: Av. Dr. Abraão Ribeiro, 313, 2º andar, sala 2-065
Bairro: Barra Funda
Cidade: São Paulo – SP
CEP: 01133-020
Telefone: 11 - 3392-6952
E- mail: [email protected]; [email protected]
SÚMULA
No julgamento realizado no plenário do júri, há incompatibilidade entre o
reconhecimento do homicídio privilegiado pelos jurados – quando a conduta se
realizou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima (art. 121, §1º, última parte, CP) – e o quesito referente à qualificadora do
emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, quando a imputação estiver
apoiada na surpresa da agressão (art. 121, §2º, IV, do CP). Admitido o privilégio
pelos jurados, o quesito da qualificadora deve ser declarado prejudicado, nos
termos do artigo 490, parágrafo único, do CPP. A não observância a esta regra
autoriza o Tribunal a afastar a qualificadora em sede recursal, independentemente
de novo júri.
ASSUNTO
INCOMPATIBILIDADE ENTRE AS CIRCUNSTÂNCIAS. QUESITO
SOBRE A QUALIFICADORA DA SURPRESA PREJUDICADO EM FACE DO
RECONHECIMENTO
DE
HOMICÍDIO
PRIVILEGIADO.
DEFEITO
NA
VOTAÇÃO. REFORMA DA DECISÃO INDEPENDENTEMENTE DE NOVO
JÚRI.
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ITEM
ESPECÍFICO
DAS
ATRIBUIÇÕES
INSTUCIONAIS
DA
DEFENSORIA PÚBLICA
Constitui atribuição institucional da Defensoria Pública zelar pela plenitude de
defesa e evitar a continuidade de votação no Tribunal do Júri quando há
incompatibilidade entre os quesitos apresentados na sala secreta.
Art. 5º, III e IX, da Lei Complementar 988/06 e art. 4º, I e V da Lei
Complementar 80/94,
Art. 5º São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre
outras:
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais
Superiores;
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos
os graus;
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias,
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A causa de diminuição de pena na hipótese de homicídio privilegiado,
decorrente de conduta realizada sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida
à injusta provocação da vítima, possui, diferentemente das circunstâncias de
relevante valor social e moral, natureza dúplice: objetiva-subjetiva.
O referido privilégio possui três elementos típicos: “o domínio de violenta
emoção”, de natureza subjetiva, pois demonstra o estado psíquico do agente, “logo
em seguida” e “a injusta provocação da vítima”, aspectos estes objetivos, pois
referem-se à questão temporal da ação e a existência de uma situação fática
anterior (ação da vítima).
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Os dois elementos objetivos da figura do homicídio privilegiado por
domínio de violenta emoção logo em seguida de injusta provocação afastam a
imputação de ataque de inopino, capaz de gerar o emprego de recurso que
dificulta a defesa da vítima, qualificadora objetiva (art. 121, §2º, IV, do CP). Por
uma questão lógica, se houve injusta provocação imediatamente anterior à reação do
agente, não é possível que tenha ocorrido surpresa por parte da vítima e que ela não
esperasse o contra-ataque a sua afronta.
Não se trata, portanto, de circunstâncias compatíveis: uma de natureza
subjetiva e outra objetiva. Assim, o Conselho de Sentença não pode ser submetido ao
julgamento de ambos os quesitos mencionados, diante da impossibilidade de
concomitância da qualificadora de surpresa com o homicídio privilegiado.
Nesse sentido, uma vez reconhecido pelo Conselho de jurados que os agentes
estiveram em um contexto de injusta provocação da vítima que culminou no delito,
não há que se falar que a vítima foi surpreendida.
Nos termos do artigo 490, parágrafo único, do Código de processo Penal, o
Magistrado-presidente, ao ver reconhecida a causa de diminuição da pena pelos
jurados, não deve proceder à votação da qualificadora no inciso IV, do art. 121
quando se tratar de ataque inopinado, pois incompatíveis com a figura do
homicídio privilegiado em questão (art. 564, parágrafo único, do Código de
Processo Penal).
Assim já se manifestou magistrada presidente do 1º Tribunal do Júri da
Capital:
“Ora, no caso, o recurso que dificultou a defesa das vítimas está descrito
como sendo derivado da surpresa – circunstância que inviabilizaria a reação
dos ofendidos. De outro lado, a injusta provocação estaria associada à
discussão, às ameaças feitas ao réu e às agressões, momentos antes dos
crimes. Assim, inviável tomar uma ação como surpreendente, quando já existe
prévia desavença entre as partes, razão pela qual mantenho minha decisão de
não quesitar a circunstância qualificadora, caso reconhecido o privilégio”
(Processo n. 0000239-09.2004.8.26.0052, do 1º Tribunal do Júri da
Capital/SP)
Explica com muita clareza esta incompatibilidade os acórdãos abaixo:
“Como se vê nitidamente, as respostas dos jurados são totalmente
incompatíveis, tanto sob o aspecto jurídico como sob o enfoque realista, pois,
se o recorrente agiu sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, é inadmissível também que tenha agido de
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surpresa, ou seja, de inopino, de forma a impossibilitar a defesa da vítima,
que o provocara, conforme afirmado anteriormente. Aliás, assim já decidiu
este Egrégio Tribunal de Justiça, quando decidiu, em caso análogo, que „quem
mata sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, não pode fazê-lo insidiosamente ou de surpresa, ou de modo a
impossibilitar a defesa da ofendida‟ (TJSP - Ap. Rei. Dirceu de Mello RJTJSP 73/341).
Decididamente, quem age sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida
a injusta provocação da vítima, logicamente não emprega surpresa ao revidar
contra o autor da injusta provocação. Daí a incompatibilidade da
qualificadora com o homicídio privilegiado" (TJSP - Ap. Rel. Marino Falcão RT 596/315).” (Ap. 993.07.127139-0, TJSP, Rel. José Henrique Rodrigues
Torres, jul. 10/11/08).
“Somente em poucos e excepcionais casos tem a doutrina e jurisprudência
admitido
a
ocorrência
do
homicídio
privilegiado-qualificado,
mais
especialmente nas hipóteses de privilégio decorrente de relevante valor social
e moral. O privilégio reconhecido em termos de ação sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, é
obviamente incompatível, por incongruência, com a qualificadora que
objetivaria essa mesma ação como insidiosa, à traição, de emboscada, ou
mediante dissimulação (Ap. 683024921, 3ª Câmara Criminal, TJRS, Rel.
Milton dos Santos Martins, j. 29/09/1983).
Não bastassem estas incompatibilidades, também o elemento típico subjetivo
do homicídio privilegiado analisado afasta por completo a qualificadora do uso de
recurso que dificultou a defesa do ofendido.
Seria incompatível afirmar que o acusado, tendo agido sob o domínio de
violenta emoção, teria conseguido pensar em qual meio, dentre aqueles
disponíveis, se utilizaria para especialmente dificultar a defesa da vítima.
A configuração do tipo qualificado de homicídio exige o dolo, elemento
subjetivo do injusto, de forma que o acusado deveria ter optado, conscientemente,
pelo emprego de recurso que dificultasse a defesa do ofendido, o que não lhe era
possível já que totalmente envolvido por violento estado emocional.
Assim também já decidiu o E. Tribunal de Justiça paulista:
“Inexpugnável é a contradição entre o homicídio privilegiado e a
qualificadora do uso de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa
do ofendido. Isto porque, naquele, a execução é subitânea, imprevista,
tempestuosa, circunstâncias que não compadecem com os temperamentos
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racionais que ditam o modo ou meio da execução, sempre precedidos de
processo mental ordenado” (TJSP – Rel. Dirceu de Mello – RT 576/340).
Conforme CLAUS ROXIN, “(...) o dolo típico deve abarcar todas as
circunstâncias que constituem o tipo também como categoria sistemática; ou seja,
a ação e suas modalidades, o resultado, as qualidades do autor e os pressupostos
materiais relevantes para a imputação (...) O dolo se dirigirá em geral a
circunstâncias do tipo descritivo ou normativo existentes ou por produzir-se (...)
Pode-se dizer resumidamente que objeto do dolo típico são todas as
circunstâncias do tipo objetivo a partir das quais se constrói a figura do delito”.
(Derecho Penal – Parte General - tomo I, tradução da 2ª ed. alemã, Madrid, Civitas,
1997, p. 477 (tradução livre)).
Por outro lado, sob a ótica do ofendido, explicita CEZAR ROBERTO
BITENCOURT que “a surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto e
imprevisível, além do procedimento inesperado, é necessário que a vítima não tenha
razão para esperar a agressão ou suspeitar dela”. Acrescenta, ainda: “A surpresa
assemelha-se muito à traição. Não basta que a agressão seja inesperada; é necessário
que o agressor atue com dissimulação, procurando, com sua ação repentina,
dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima” (Tratado de Direito Penal. 9ª ed. p.
63).
Destarte, tanto do ponto de vista da vítima, que – por ter provocado o acusado
em momento imediatamente anterior à sua reação – tem razões próximas para
aguardar a reação; quanto do ponto de vista do acusado, que – por se encontrar sob o
domínio de violenta emoção em decorrência das provocações recebidas – não é
capaz de eleger o meio específico de execução do delito de forma dissimuladamente
surpreendente, não há como compatibilizar o privilégio reconhecido pelos jurados
com a qualificadora da ação de surpresa.
Como, na ordem da quesitação, a causa de diminuição de pena é sujeita
anteriormente à votação, os jurados não devem ser submetidos à votação da
qualificadora se o privilégio já tiver sido reconhecido. Caso assim não proceda o
Juiz-presidente, se o tema for debatido em sede de apelação, entende-se que não
se trata de hipótese de realização de novo julgamento. O equívoco não partiu do
veredicto popular, mas sim da equivocada condução da votação pelo
Magistrado, que deixou de declarar como prejudicado o quesito da
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qualificadora, incompatível com a parte anterior do veredito popular. Nesse
caso, o Tribunal, reconhecendo que foi indevida a continuidade da votação, deve
declarar inválida a votação da qualificadora, independentemente de novo júri,
tornando-a sem efeito, com a consequente readequação da pena.
A lei disciplina a ordem de votação das teses aduzidas em plenário, fazendo a
clara opção por conceder o benefício à defesa de votação, em primeiro lugar, das
teses defensivas, sendo que incumbe ao r. Juiz Presidente vislumbrar as eventuais
incompatibilidades entre as alegações das partes com o fim de evitar julgamentos
com conteúdo contraditório. Esse direito de preferência concedido pelo legislador à
defesa merece imperiosa observância, daí a conclusão a que se chega no sentido de
que deve o Tribunal simplesmente corrigir um equívoco do juiz togado, e não do
conselho de sentença, não sendo o caso de realização de um segundo julgamento.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
A jurisprudência majoritária versa sobre a compatibilidade do privilégio pela
violenta emoção com a qualificadora do homicídio pela surpresa, por compreender
que se trata de circunstâncias subjetiva e objetiva, respectivamente.
A análise jurídica demonstra que o homicídio privilegiado contém caráter
subjetivo-objetivo e, por uma questão lógica, não pode conviver com a qualificadora
de recurso que dificultou a defesa da vítima proveniente do ataque inopinado.
Como, em regra, o posicionamento dos tribunais é negativo, faz-se necessário
trabalhar a questão em primeira instância, no momento da votação, fazendo constar
na ata de julgamento, bem como trazer ao debate jurisprudencial toda a abrangência
dos institutos, jogando luz sobre aspectos, contidos nessa tese, que não vem sido
enfrentados pelos Tribunais, os quais julgam de maneira rasa a questão.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A princípio, o ideal seria tratar dessa matéria em primeira instância para que o
juiz presidente não submeta os jurados à votação do quesito referente ao recurso que
dificultou a defesa quando reconhecido o homicídio privilegiado. Se esse não for o
entendimento, importante faz constar o pleito na ata de julgamento para se evitar
alegação de preclusão da matéria.
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Quando a matéria for tratada em sede recursal, deve-se argumentar a questão
como preliminar nas razões, requerendo o afastamento da qualificadora independente
da realização de novo júri.
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TESE 2
Nome: Cristina Emy Yokaichiya
Área de Atividade: Criminal (Júri)
REGIONAL: I JÚRI DA CAPITAL
Endereço: Av. Dr. Abraão Ribeiro, 313, 2º andar, sala 2-065
Bairro: Barra Funda
CEP: 01133-020
Cidade: São Paulo – SP
Telefone: 11 - 3392-6952
SÚMULA
Quando o réu é absolvido no primeiro júri e condenado por homicídio qualificado no
segundo júri, realizado por força do acolhimento de recurso do Ministério Público com
base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, deve ser assegurado o duplo grau de
jurisdição com base na mesma alínea, em relação às qualificadoras do delito ou a outras
circunstâncias que não tenham sido abordadas no primeiro recurso, afastando-se a
previsão do art. 593, §3º, do Código de Processo Penal.
ASSUNTO
GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO PARA ANÁLISE
DAS QUALIFICADORAS DO HOMICÍDIO OU OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE
NÃO TENHAM SIDO ABORDADAS NO PRIMEIRO RECURSO. SEGUNDO
RECURSO COM BASE NO ART. 593, III, D, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
NÃO APLICAÇÃO DO ART. 593, §3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTUCIONAIS DA DEFENSORIA
PÚBLICA
Constitui atribuição institucional da Defensoria Pública zelar pela garantia do duplo
grau de jurisdição e pela aplicação dos tratados internacionais de Direitos Humanos.
Prescreve o art. 5º, III e IX, da Lei Complementar 988/06 e art. 4º, I e V da Lei
Complementar 80/94:
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Art. 5º São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras:
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses individuais ou
coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos jurisdicionais do Estado e em
todas as instâncias, inclusive os Tribunais Superiores;
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e
judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou
extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e
efetiva defesa de seus interesses;
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O art. 593, §3º, do Código de Processo Penal, última parte, prevê a impossibilidade de
novo recurso de apelação baseado em julgamento manifestamente contrário à prova dos
autos.
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...)
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
(...)
§3º Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se
convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos,
dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém,
pelo mesmo motivo, segunda apelação.
Ocorre que, quando o acusado é absolvido no primeiro julgamento perante o Tribunal
do Júri, os jurados limitam-se a analisar a autoria e a materialidade delitiva, bem como
outras teses defensivas de absolvição. Assim, os demais quesitos relacionados às
qualificadoras
do
homicídio,
ou
outras
circunstâncias,
inimputabilidade relativa ou desclassificação, restam prejudicados.
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tais
como
privilégio,
As razões de recurso de acusação contra decisões de absolvição do Tribunal do Júri,
igualmente, limitam-se a contestar a materialidade, a autoria e as teses defensivas de
absolvição, não podendo por certo abordar as qualificadoras e outras circunstâncias acima
mencionadas, uma vez que não foram julgadas pelo Conselho de Sentença.
Assim, a decisão do Tribunal do Justiça a respeito da apelação não verifica, por
exemplo, se as qualificadoras são ou não manifestamente contrárias à prova dos autos;
versa, tão-somente, sobre os primeiros quesitos votados, determinando, caso dê razão ao
recurso de acusação, a realização de novo júri.
No novo julgamento, se o réu for condenado com todas as qualificadoras, deve haver
a possibilidade de duplo grau de jurisdição acerca das qualificadoras, casos a decisão a
respeito delas seja manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, do CPP).
Não é aplicável a previsão legal do art. 593, §3º, do CPP nesta situação. Primeiro, porque
significaria supressão do duplo grau de jurisdição e, depois, porque contrariaria a
interpretação constitucional da expressão “pelo mesmo motivo” presente em tal dispositivo
legal.
Para a garantia do duplo grau de jurisdição, a defesa deve poder apelar em relação às
qualificadoras do crime de homicídio ou outras circunstâncias que não tenham sido
abordadas no primeiro recurso, se manifestamente contrárias às provas dos autos.
Há de se ressaltar que a segunda apelação pela defesa não pode versar sobre o mesmo
motivo da apelação anterior, visto que a primeira apelação – quando focaliza a absolvição –
em momento algum discute elementos como as qualificadoras do homicídio. Ou seja, a
análise sobre todos os elementos não decididos no Conselho de Sentença responsável pela
primeira absolvição nunca foi submetida ao duplo grau de jurisdição.
A interpretação constitucional da expressão “pelo mesmo motivo” presente no art.
593, III, d, do Código de Processo Penal exige que ela se refira aos motivos da apelação.
Fosse a expressão cingida à contrariedade manifesta à prova dos autos, estaria admitida a
imposição de pena sem possibilidade de revisão jurisdicional, em contrariedade manifesta à
Constituição Federal, que reconhece “a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei”, assegurada ”a plenitude de defesa”, nos termos do art. 5o, XXXVIII, a.
Aury Lopes Jr., ao tratar da apelação no tribunal do júri e da limitação ao segundo
recurso, expõe: “se o réu é absolvido, o Ministério Pública apela, com base na letra “d”, e o
tribunal acolhe o pedido. Pode a defesa apelar, com base na alínea “d”, argumentando que
essa nova decisão é manifestamente contrária à prova dos autos e que não incide o
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impedimento contido no §3º, pois é a primeira vez que o réu recorre com este fundamento?
Não. O dispositivo impede uma segunda apelação com base nesse fundamento
independente de quem tenha recorrido. Ademais, existe um obstáculo lógico: como,
julgando um mesmo caso penal, ambas as decisões (absolutória e condenatória) podem ser
manifestamente contrárias à prova dos autos? Ou ainda: que prova é essa que não autoriza
absolver ou condenar? Como uma mesma prova pode ser completamente incompatível com
a absolvição e a condenação ao mesmo tempo? A questão aqui é de lógica probatória”
(LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, p. 1235).
Para que fique claro, o raciocínio acima exposto não pode ser aplicado ao caso do
segundo recurso fundamentado no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, quando o
primeiro recurso voltou-se contra uma decisão absolutória, visto que este segundo recurso
não pleiteia, nem discute no sentido estrito, a absolvição do acusado – questão decidida e
re-decidida pelos jurados soberanos, imutável nos termos do §3º, do art. 593, do CPP. A
apelação da decisão de um segundo Conselho de Sentença instaurado por força de decisão
judicial que acolheu recurso de acusação contra decisão absolutória RESTRINGE-SE à
apreciação das qualificadoras ou outras circunstâncias que não tenham sido abordadas no
primeiro recurso, eis que manifestamente contrária à prova dos autos. Ou seja, o recurso de
apelação fundado no art. 593, III, d, do CPP pode ser utilizado uma única vez em relação a
essa temática.
O não conhecimento da apelação em relação a este tópico representaria violação ao
duplo grau de jurisdição, afrontando diretamente a Convenção Americana de Direitos
Humanos, ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992.
O art. 8º da mencionada CADH, internalizada no ordenamento com status de norma
materialmente constitucional, ao dispor sobre as garantias judiciais, estabelece o duplo grau
de jurisdição aos condenados na esfera penal.
8.2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
Se antes esta garantia estava implícita, diante da organização judiciária prevista na
Constituição Federal, agora ela aparece de forma categórica com a CADH.
Em recente julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reconheceu-se
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o direito ao duplo grau de jurisdição como a possibilidade de a pessoa acusada ter acesso a
um recurso eficiente e amplo (que permita revisar fatos, provas e o direito aplicado), a ser
analisado por outra instância, superior e diferente, daquela responsável pela decisão
condenatória proferida pela primeira vez.
“92. Tendo em conta que as garantias judiciais buscam que quem esteja incurso em
um processo não seja submetido a decisões arbitrárias, a Corte interpreta que o
direito de recorrer da condenação não pode ser efetivo se não se garante a respeito de
todo aquele que é condenado, já que a condenação é a manifestação do exercício do
poder punitivo do Estado. Resulta contrário ao propósito desse direito específico que
não seja garantido frente a quem é condenado mediante uma sentença que revoga
uma decisão absolutória. Interpretar o contrário, implicaria deixar o condenado
desprovido de um recurso contra a condenação. Se trata de uma garantia do indivíduo
frente ao Estado e não somente uma guia que orienta o desenho dos sistemas de
impugnação nos ordenamentos jurídicos do Estados Parte da Convenção.
(...)
100. Deve entender-se que, independentemente do regime ou sistema recursivo que
adotem os Estados Partes e a denominação que deem ao meio de impugnação da
sentença condenatória, para que este seja eficaz deve constituir um meio adequado
para procurar a correção de uma condenação errônea. Ele requer que possa analisar
questões fáticas, probatórias e jurídicas em que se baseia a sentença impugnada,
posto que na atividade jurisdicional existe uma interdependência entre as
determinações fáticas e a aplicação do direito, de forma tal que uma errônea
determinação dos fatos implica uma errada ou indevida aplicação do direito.
Consequentemente, as hipóteses de cabimento do recurso devem possibilitar um
controle amplo dos aspectos impugnados da sentença condenatória.”
Assim, justamente para que se reconheça a soberania dos veredictos, disposta no art.
5º, XXXVIII, da CF, certo é que o sistema de justiça precisa assegurar a ”plenitude de
defesa”, não tolerando ilegalidades e injustiças. Por este motivo, admite-se, inclusive, a
utilização da revisão criminal para os casos de decisão condenatória oriunda do Tribunal do
Júri.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO.
POSSIBILIDADE.
DIREITO DE
LIBERDADE.
PREVALÊNCIA
SOBRE
AS
SOBERANIA DOS VEREDICTOS E COISA JULGADA. RECURSO MINISTERIAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É possível, em sede de revisão criminal, a
absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri.
2. Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição, as normas
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constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada, mas como preceitos
integrados num sistema unitário, de modo a garantir a convivência de valores
colidentes, não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente. 3.
Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de
liberdade, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este,
considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro
judiciário. 4. Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos
veredictos por uma ação revisional que existe, exclusivamente, para flexibilizar uma
outra garantia de mesma solidez, qual seja, a segurança jurídica da Coisa Julgada. 5.
Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal, observa-se que entre as
prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a
possibilidade de absolvição do réu, enquanto a determinação de novo julgamento
seria consectário lógico da anulação do processo. 6. Recurso a que se nega
provimento. (STJ. Recurso Especial nº 964.978 - SP (2007/0149368-9) Rel. Ministra
Laurita Vaz).
Essa jurisprudência converge com a tese ora defendida, de que sempre deve ser
acolhida a a apelação por motivo diverso, quando tal matéria não foi apreciada em segundo
grau de jurisdição. Não faria sentido admitir revisão criminal para as decisões
condenatórias transitadas em julgado provenientes do Tribunal do Júri e não considerar, por
força da soberania dos veredictos, a apreciação em sede de apelação de elementos jamais
abordados em segunda instância.
Ademais, a soberania dos veredictos não pode suprimir outros direitos fundamentais,
como, no caso em tela, a reanálise por tribunal superior e o direito à liberdade, quando há
condenação injusta.
É dominante o entendimento quanto à possibilidade de revisão das decisões do Júri,
quando o réu condenado definitivamente pode ser até absolvido diretamente pelo Tribunal
competente, como entendem os processualistas Frederico Marques, Tourinho Filho,
Grinover, Gomes Filho, Fernandes, Mirabete, Greco Filho, Rangel, Capez, Ceroni, Távora
e Alencar (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 31 ed. São
Paulo: Saraiva. 2009. p. 771. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10 ed. São
Paulo: Atlas, 2000. p. 676. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio
Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. 3 ed. São
Paulo: RT, 2001. p. 316. RANGEL, Paulo. Curso de direito processual penal. 14 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 854. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4
ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 457. CERONI, Carlos Roberto Barros. Revisão criminal.
16
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 196. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal.
11 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 596. TÁVORA, Nestor; ALENCAR; Rosmar
Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 920).
Tem-se entendido que a soberania dos veredictos é apenas inflexível para garantir a
liberdade do réu. Assim, pela manutenção do jus libertatis, Frederico Marques é
decisivo:
A soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a
liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade,
atentado algum se comete contra o texto constitucional. Os veredictos do Júri são
soberanos enquanto garantirem o jus libertatis. Absurdo seria, por isso, manter essa
soberania e intangibilidade quando se demonstra que o Júri condenou erradamente.
(MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1997.
p. 102).
Esta noção de garantia individual, também é a lição esposada por Júlio Fabbrini
Mirabete:
Não se pode pôr em dúvida que é admissível a revisão de sentença condenatória
irrecorrível proferida pelo Tribunal do Júri. A alegação de que o deferimento do
pedido revisional feriria a "soberania dos vereditos", consagrada na Constituição
Federal, não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos vereditos é
instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser
atingida enquanto preceito para garantir a sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser
invocada contra ele. Assim, se o tribunal popular falha contra o acusado, nada
impede que este possa recorrer ao pedido revisional, também instituído em seu favor,
para suprir as deficiências daquele julgamento. Aliás, também vale recordar que a
Carta Magna consagra o princípio constitucional da amplitude de defesa, com os
recursos a ela inerentes (art. 5°, LV), e que entre estes está a revisão criminal, o que
vem em amparo dessa pretensão. Cumpre observar que, havendo anulação do
processo, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
(MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 676.)
A Ministra Ellen Gracie ratificou o entendimento mantido pelo STF:
[...] A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível violação à
garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento do recurso de
apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b, do Código de Processo Penal. 2.
A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao
controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de
Processo Penal. [...] 4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma
constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no
julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de
que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos
17
Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC
82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 5. O sistema recursal relativo às
decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma
constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min.
Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891,
entre outros). [...] (RHC 93248, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma,
julgado em 05/08/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT
VOL-02329-03 PP-00486).
Assim, a previsão do art. 593, III, d, do Código de Processo Penal, analisada à luz da
presunção de inocência, admite a reanálise da decisão do Conselho de Sentença pelo
Tribunal quando esta não encontra amparo na prova objetivamente produzida nos autos,
ainda que já tenha havido acolhimento de apelação contra decisão absolutória
fundamentada no mesmo dispositivo. Trata-se de exceção ao dogma da soberania das
decisões do júri, quando há inadequação da decisão em relação ao contexto probatório.
A garantia de duplo grau de jurisdição, portanto, deve ser assegurada no caso em que
o acusado é condenado após recurso do Ministério Público, a fim de analisar matéria que
não foi anteriormente ventilada em sede recursal.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Conforme previsão legal do art. 593, §3º, do Código de Processo Penal, não é
possível nova apelação com base no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal (que
permite apelação de decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos), “pelo
mesmo motivo”.
A interpretação de alguns operadores do direito é que o referido dispositivo impediria
quaisquer novas apelações fundamentadas no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal.
Contudo, o duplo grau de jurisdição deve ser assegurado quando há condenação após
apelação do Ministério Público, caso as qualificadoras do homicídio ou outras
circunstâncias que não tenham sido abordadas no primeiro recurso nunca tenham sido
apreciadas pelo Tribunal de Justiça.
18
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A matéria deve ser tratada como preliminar no recurso de apelação, de forma a
garantir o necessário prequestionamento com relação ao primado do duplo grau de
jurisdição assegurado em tratado internacional de Direitos Humanos. Caso haja recusa no
recebimento do recurso, tal tese deve ser argumentada em carta testemunhável.
19
TESE 3
Nome: Joemar Rodrigo Freitas
Área de Atividade: Criminal
REGIONAL: São Carlos
Endereço: Rua Bento Carlos, 1028
Bairro: Centro
CEP: 13560-660
Cidade: São Carlos – SP
Telefone: 16 3368-8181
SÚMULA
A imputação do crime de furto qualificado, ou roubo majorado, em razão do
concurso de duas ou mais pessoas, em concurso material com o crime de corrupção
de menores acarreta bis in idem.
ASSUNTO
Criminal
INDICAÇÃO DO ITEM ESPECÍFICO RELACIONADO ÀS ATRIBUIÇÕES
INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA:
Artigo 5º, inciso III da Lei Complementar Estadual 988/2006
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A despeito do princípio do non bis in idem no direito penal, por muitas vezes
encontram-se denuncias nas quais se imputam ao acusado os delitos previstos ou no
artigo 155, §4º, IV, ou no artigo 157,§2º, todos do Código Penal, em concurso
material com o delito previsto no artigo 244-B da lei 8069/90.
No entanto, para estes casos impõe-se a aplicação do princípio da consunção,
haja vista o conflito aparente entre as normas do artigo 155, §4º, IV /157, §2º, II do
Código Penal e do artigo 244 da lei 8069/90, senão vejamos.
20
Para maior elucidação da tese, segue texto das normas lado a lado:
Art. 157 - Subtrair
Art. 155 -
Art. 244-
coisa móvel alheia, para si ou Subtrair, para si ou
B. Corromper ou facilitar a
para outrem, mediante grave
para outrem, coisa
corrupção de menor de 18
ameaça ou violência a
alheia móvel:
(dezoito) anos, com ele
pessoa, ou depois de havê-la,
[...]
praticando infração penal
por qualquer meio, reduzido
Furto qualificado
ou induzindo-o a praticá-
à impossibilidade de
§ 4º - A pena é
la:
resistência:
Pena - reclusão, de
quatro a dez anos, e multa.
de reclusão de dois a
oito anos, e multa, se o
[...]
§ 2º - A pena aumenta-
IV - mediante
[...]
(um) a 4 (quatro) anos.
crime é cometido:
[...]
se de um terço até metade:
Pena - reclusão, de 1
concurso de duas ou
mais pessoas.
II - se há o concurso
de duas ou mais pessoas;
Nota-se que o tipo penal previsto no artigo 244-B, da lei 8069/90 possui dois
verbos nucleares (corromper e facilitar), seguido de duas frases subordinadas
explicativas.
Ou seja, o dispositivo legal elenca dois modos de execução para a consecução
do verbo nuclear, e, por conseguinte, consumação do delito.
Na primeira frase subordinada explicativa, o sujeito ativo pratica com criança
ou adolescente infração penal, corrompendo-o por este fato. Na segunda, o sujeito
não pratica infração penal com criança ou adolescente, mas o induz a praticá-la,
corrompendo-o do mesmo modo.
Trata-se de crime formal, consumando-se independentemente da efetiva
corrupção da criança ou adolescente, conforme entendimento preconizado pela
súmula 500 do STJ.
21
Sendo assim, basta que o sujeito ativo pratique delito com menor de dezoito
anos para que reste configurado o tipo penal do 244-B do Estatuto da Criança e
Adolescente.
No entanto, no caso em tela, também há a incidência da qualificadora do artigo
155, §4º, IV, ou da majorante do artigo 157,§2º, II, todos do CP, pelo fato do sujeito
ativo simplesmente ter praticado o delito com adolescentes.
Evidente o conflito aparente entre duas normas.
A um, porque a prática do crime de furto (ou roubo) está contida na expressão,
“com ele praticando infração penal”, inserida no artigo 244-B da lei 8069/90. A dois,
pois crianças e adolescentes são pessoas, e sendo assim, estão compreendidas pela
expressão “com duas ou mais pessoas”, inserida tanto no artigo155, §4º, IV como no
artigo 157, §2º, II do CP.
De fato, o critério da especialidade não é suficiente para solucionar a presente
antinomia, pois ambos os delitos contêm critérios especializantes, seja em relação ao
sujeito (244-B, ECA), seja quanto à infração penal praticada (155/157, CP).
Em suma, o artigo 244-B é norma especial se considerarmos o sujeito que
concorre para o crime (critério subjetivo). E os artigos 155/157 são especiais se
considerarmos a infração penal praticada (critério objetivo).
Por outro lado, aplicar à hipótese a regra do concurso material, haverá
incidência de duas normas diferentes pelo mesmo fato, e, por conseguinte, violação
ao non bis in idem.
Na presente hipótese, a violação da norma subseqüente se revela
desdobramento normal da violação da norma antecedente, sendo, portanto, esta
derrogada por aquela.
No caso em tela, a norma que tipifica o delito de furto qualificado/ roubo
majorado pelo concurso de pessoas deve derrogar a norma que prevê o delito de
corrupção de menores. Porquanto, este se revela ante factum impunível, devendo, por
conseguinte, aplicar-se o princípio da consunção, que segundo Oscar Stenvenson1:
“pelo princípio da consunção ou absorção, a norma definidora de um crime,
cuja execução atravessa fases em si representativas do delito previsto em
outra, exclui, por absorção a aplicabilidade desta, bem como de outras que
incriminem fatos anteriores posteriores do agente, efetuados pelo mesmo fim
prático.”
1
STEVENSON, Oscar. Conflito Aparente de Normas, in: Estudos em homenagem a Nelson Hungria
Rio de Janeiro: Forense. 1962 p. 40
22
E acrescenta Juarez Cirino:
O tipo consumido não está em relação de necessidade lógica (como na
especialidade ou subsidiariedade), mas em relação de regularidade
fenomenológica com o tipo consumidor (Lex consumens derogat legi
consumptae).2
“Noutras palavras, a sanção cominada pela norma consuntiva serve também
para a violação da norma consumida, evitando, destarte, o bis in idem”3.
Há de salientar que, segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros 4, o princípio
da consunção não se prende exclusivamente ao critério do bem jurídico protegido ou
à unicidade de vítima, mas também ao fim perseguido.
“Toda vez que a violação de uma norma tem por escopo normal e subseqüente
violação de outra, não se pode deixar de absorver o fato anterior5”.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar a súmula 17.
Nesta não exige das normas, aparentemente em conflito, identidade de bens jurídicos
protegidos.
Igualmente, não exige identidade de bem jurídico no exemplo comum de que o
homicídio absorve o delito de porte de arma.
Conclui-se, portanto, que a diversidade de bens jurídicos protegidos pelas
normas, em aparente conflito, não é obstáculo para a aplicação do princípio da
consunção.
Sendo assim, observa-se que a violação da norma subseqüente é
desdobramento normal da violação da norma antecedente, devendo, portanto, ser
aplicada apenas aquela.
Ante o exposto, deve o acusado ser absolvido pela prática do crime de
corrupção de menores, uma vez que a sanção cominada pela norma tanto no artigo
155, §4º, IV, CP, como no artigo 157,§2º, II, CP servem também para a violação da
norma do artigo 244-B da lei 8.069/90, evitando, destarte, o bis in idem.
2
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6ªed., Curitiba, PR: ICPC. 2014 p.418
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral v. 1. 5 ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva. 2006. p. 216
4
Ibid.
5
Ibid. p. 218
3
23
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Com o advento da lei 12.015 de 2009 que introduziu o artigo 244-B da lei
8069/90, e com a edição da súmula 500 pelo Superior Tribunal de Justiça, que
considera crime formal o delito de corrupção de menores, tornou-se comum
encontrar sentenças, condenando o réu pelos crimes previstos, ou no artigo 155, §4º,
IV, ou artigo 157,§2º, II, todos do CP, em concurso material com o crime previsto no
artigo 244-B da lei 8069/90, em que pese à vedação do bis in idem.
Dessa forma, levando-se em consideração o princípio da consunção, impõe-se
a absolvição do acusado pela prática do crime de corrupção de menores, uma vez que
a sanção cominada pela norma do artigo 155, §4º, IV, ou pela norma contida no
artigo 157,§2º, II, todos do Código Penal, também servem para a violação da norma
artigo 244-B da lei 8.069/90, evitando, destarte, o bis in idem.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO:
Utilizar a tese acima exposta em sede de alegações finais, apelações, habeas
corpus e, se for o caso, como fundamento de eventuais recursos especiais.
24
TESE 4
Nome: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva
Área de Atividade: Criminal (conhecimento)
REGIONAL: GUARULHOS
Endereço: Rua Sete de Setembro, no 30
Bairro: Centro
CEP: 07011-040
Cidade: Guarulhos
Telefone: 11 - 2087-2727 / 2229-1660
Email: [email protected]
SÚMULA
Inexistindo interrupção do serviço público, é possível a aplicação do princípio
da insignificância na hipótese de furto de fios elétricos e de telecomunicações.
ASSUNTO
DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. FIOS E
CABOS ELÉTRICOS E DE TELECOMUNICAÇÕES.
ITEM
ESPECÍFICO
DAS
ATRIBUIÇÕES
INSTITUCIONAIS
DA
DEFENSORIA PÚBLICA
A presente tese dialoga com as atribuições institucionais de representação em
juízo dos necessitados no âmbito criminal, em todas as instâncias, e de assegurar aos
necessitados o exercício do contraditório e da ampla defesa, também, no processo
penal.
Tais atribuições encontram-se dispostas na legislação orgânica nacional e
estadual da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Veja-se, da Lei
Complementar 80/94, com redação alterada pela Lei Complementar 132/09:
25
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos
os graus; [...]
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias,
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”.
Ainda nesse sentido, veja-se a Lei Estadual 988/06:
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado,
dentre outras: [...]
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais
Superiores; [...]
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Por conseguinte, vislumbra-se a pertinência da presente com as atribuições
legais da Defensoria Pública atinentes à sua atuação em sede de processo
penal.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O princípio da insignificância tem origem na Doutrina do Direito Penal
alemão, notadamente a partir do trabalho de Claux Roxin, dialogando diretamente
com outros princípios restritivos do Direito Penal. Nas palavras de Gustavo
Junqueira e Patrícia Vanzolini:
“Corolário do princípio da intervenção mínima e fragmentariedade, nem toda
agressão merece reprimenda penal, mas apenas aquela que afetar os bens
jurídicos de forma suficiente a justificar a intervenção penal. É a ideia que
decorre do brocardo minimis non curat praetor.
Como consequência desse raciocínio, surge em 1964 o princípio da
insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da
26
maioria dos tipos [...]” (JUNQUEIRA, Gustavo; VANZOLINI, Patrícia.
Manual de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 45; grifos do original).
Rogério Greco explica que, para a devida compreensão do princípio da
insignificância, deve-se sedimentar o conceito de tipicidade conglobante, e, a partir
dele, aferir-se a noção de tipicidade material. Cita-se:
“Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar
dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se
o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside
nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada
tipicidade material.
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição
a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa
adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao
tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo
objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade
de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o
patrimônio –, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela
vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando seu
valor” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral – Volume I.
16a ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 67; grifos do original).
Greco assevera ainda que, em certa medida, há um certo campo de
subjetividade em torno da aplicação do princípio da insignificância nos casos
concretos. Para o autor:
“Teremos, outrossim, de lidar ainda com o conceito de razoabilidade para
podermos chegar à conclusão de que aquele bem não mereceu a proteção do
Direito Penal, posto que inexpressivo” GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal: Parte Geral – Volume I. 16a ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 68; grifos
do original).
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal, em decisão que acabou fixando
precedente próprio a respeito do princípio da insignificância – o HC 84.412 –
delineou quatro vetores a guiarem o intérprete na aplicação de referido princípio: a) a
mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da
27
ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Adotados ou não tais vetores, fato é que a Jurisprudência, quase
unanimemente, tem rechaçado em absoluto a aplicação do princípio da
insignificância quando a res furtiva em questão for fios e cabos elétricos, bem como
fios e cabos de telecomunicação.
Entende-se que se trata de bens públicos, o que per si afastaria por completo o
reconhecimento da atipicidade material nesses casos, além de se pontuar, por vezes, a
questão da periculosidade social da ação, quando a subtração ocasiona a interrupção
dos serviços públicos de iluminação e de telefonia.
Ocorre que em raras vezes há o efetivo enfrentamento fático da questão, ou
seja, a verificação no caso concreto se houve efetivo menoscabo à prestação do
serviço público – bastando, para que se afaste o princípio da insignificância de tal
campo de incidência, de simples alusão a dano potencial a serviços públicos, bem
como à natureza de bens públicos da res furtiva.
Primeiro, deve-se ter por claro que, juridicamente, cabos e fios empregados nos
serviços públicos de iluminação ou de telecomunicações é de bens privados, sob a
figura de Direito Administrativo dos bens reversíveis.
Isso porque esses serviços são prestados sob o regime jurídico de concessão,
regidos, portanto, pela Lei 8987/95. E, segundo tal diploma normativo, são cláusulas
essenciais dos contratos de concessão aquelas relativas aos bens reversíveis,
conforme seu artigo 23, inciso X, já que esses bens permanecem sob propriedade da
concessionária, retornando à esfera patrimonial da Administração Pública somente
com a extinção da concessão (artigo 35, §1o, da Lei 8987/95).
A respeito desse regime jurídico, próprio dos bens reversíveis, cabe destacar os
artigos 101 e 102 da Lei 9472/97, a chamada Lei Geral de Telecomunicações (marco
regulatório do setor de telecomunicações), e o artigo 18 da Lei 9427/96 (marco
regulatório do setor de energia elétrica): todos esses dispositivos reiteram, nesses
setores específicos, a reversibilidade dos bens afetos à concessão, ou seja, os bens
permanecem sob domínio do concessionário até a extinção da concessão – e somente
a partir da extinção da concessão passam a ser bens públicos.
Nesse sentido leciona José dos Santos Carvalho Filho:
28
"[...] Parece-nos, ao contrário, que os bens das pessoas administrativas
privadas, como é o caso das empresas públicas, sociedades de economia mista
e fundações públicas de direito privado, devem ser caracterizados como bens
privados, mesmo que em certos casos a extinção dessas entidades possa
acarretar o retorno dos bens ao patrimônio da pessoa de direito público de
onde se haviam originado. O fator que deve preponderar na referida
classificação é o de que as entidades têm personalidade jurídica de direito
privado e, embora vinculadas à Administração Direta, atuam normalmente
com a maleabilidade própria das pessoas privadas.
Por conseguinte, o regime jurídico dos bens das pessoas privadas da
Administração será, em princípio, o aplicável às demais pessoas privadas.
Pode ocorrer que, excepcionalmente, a lei instituidora da pessoa
administrativa disponha de modo diverso, criando alguma regra especial de
direito público. Essa norma, é claro, será derrogatória da de direito privado,
mas os bens continuarão a ser considerados como privados.
Como sucede, em regra, com as pessoas privadas, a alienação e a oneração
de seus bens devem atender ao que dispõem os respectivos regulamentos.
Aliás, não custa lembrar que a Lei n.° 6.404/76, que dispõe sobre as
sociedades anônimas, prevê, no artigo 242, que os bens de sociedades de
economia mista, entidades integrantes das pessoas administrativas privadas,
são normalmente executáveis e penhoráveis. Ora, se a própria lei os
reconhece como sujeitos à penhora é porque, obviamente, não podem ser
qualificados como bens públicos” (CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001,
p. 826-7).
Ainda que se entendesse por públicos tais bens, o simples fato de ostentarem
tal natureza jurídica não obsta, per si, o reconhecimento do princípio da
insignificância – o que seria, à luz do princípio da proporcionalidade, inadmissível.
Além disso, cabe recordar que é reconhecido o princípio em outras figuras
delitivas em que há lesão patrimonial para a Fazenda Pública, como no exemplo mais
notório do descaminho. Com efeito, se a lesão ao Erário é insignificante e por isso
não ensejaria uma ação cível indenizatória ou uma execução fiscal, logicamente
desproporcional haver punição penal em tais casos.
Segundo, deve restar evidenciado nos autos que houve efetivo prejuízo ao
serviço público prestado, com a interrupção do serviço, sendo esta a única forma de
se aferir a periculosidade social da ação.
29
É que a presunção de inocência, como rígida regra constitucional incidente
sobre o processo penal, implica um tratamento do réu sob o estado de inocência e, no
que concerne às decisões judiciais, manifesta-se sob a forma de regra de julgamento.
Veja-se, na Doutrina, o posicionamento de Gustavo Badaró:
“A presunção de inocência assegura a todo e qualquer indivíduo um prévio
estado de inocência, que somente pode ser afastado se houver prova plena do
cometimento de um delito.
O dispositivo constitucional, contudo, não se encerra neste sentido político, de
garantia de um estado de inocência. A „presunção de inocência‟ também pode
ser vista sob uma ótica técnico-jurídica, como regra de julgamento a ser
utilizada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do
processo. Para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário
provar, além de qualquer dúvida razoável, a culpa do acusado. Nesta
acepção, presunção de inocência confunde-se com o in dúbio pro reo”
(BADARÓ, Gustavo. Processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p.
22; grifos do original).
Em idêntico sentido, Aury Lopes Júnior:
“Em suma: a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de
tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente),
que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele.
Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – primeiramente – ao
juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois,
se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza
inexoravelmente à absolvição [...]” (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito
Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 230; grifos do
original).
Portanto, é inconstitucional qualquer presunção em desfavor do réu, sem lastro
probatório nos autos, a indicar que a subtração tenha ocasionado a interrupção e o
menoscabo da prestação do serviço público. Dito de outro modo: se a área em que se
deu os fatos não ficou sem iluminação pública e/ou sem acesso à telefonia.
A propósito, no que concerne à telefonia, é imperativo destacar que o artigo 62,
caput, da Lei Geral de Telecomunicações distingue os serviços de interesse coletivo
30
dos serviços de interesse restrito quanto à sua abrangência – sendo de amplo acesso e
interesse públicos os primeiros.
Nesse sentido, uma interpretação à luz dos princípios do Direito Penal leva à
conclusão de que apenas a interrupção dos primeiros poderia obstar a aplicação do
princípio da insignificância.
A definição de tais serviços é de competência da agência reguladora do setor, a
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, a qual definiu e classificou os
serviços telefônicos no Ato no 3.833/13. Segundo tal ato normativo, são de interesse
coletivo os serviços: a) Especial de Frequência Padrão; b) Especial de Boletim
Meteorológico; c) Especial de Sinais Horários; d) Móvel Global por Satélite; d)
Radiocomunicação Aeronáutica; e) Rede de Transporte de Telecomunicações; f)
Limitado Especializado; g) Rede Especializado; e h) Circuito Especializado.
São também de interesse coletivo: i) o Serviço Telefônico Fixo Comutado –
STFC (art. 4o do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado, Anexo à
Resolução nº 426/09 da ANATEL); j) o Serviço Móvel Pessoal – SMP (art. 4o do
Regulamento do Serviço Móvel Pessoal, Anexo à Resolução nº 316/02 da
ANATEL); e k) o Serviço Móvel Especializado – SME (art. 5o do Regulamento do
Serviço Móvel Especializado, Anexo à Resolução nº 404/05 da ANATEL).
O mencionado Ato no 3.833/13 definiu como serviços de interesse restrito os
serviços Especial para Fins Científicos e Experimentais e Móvel Aeronáutico.
Também dispõe que os serviços Especial de Radiodeterminação e Móvel Marítimo
podem ter interesse coletivo ou restrito, sendo desta última hipótese caracterizada
pelo “atendimento pela autorizada de determinados grupos selecionados da
coletividade alvo do serviço” (art. 3o).
Assim, em se tratando de serviço de interesse restrito, sequer há que se
verificar de interrupção ou não do serviço para fins da aplicação do princípio da
insignificância, o que só é cabível, repise-se, quando se tratar de serviço de interesse
coletivo.
A tese tem recebido acolhida jurisprudencial, notadamente pelo Supremo
Tribunal Federal, nas decisões do Ministro Gilmar Mendes. O primeiro precedente
data de 2011:
“Habeas corpus. 2. Furto. Pacientes denunciados por terem subtraído,
mediante rompimento de obstáculo, 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada
31
das dependências do Centro de Tradições Gaúchas Chaleira Preta, situado
em Ijuí/RS (art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal). Bens avaliados em R$
81,80. 3. Mínimo grau de lesividade da conduta. 4. Aplicação do princípio da
insignificância. Possibilidade. 5. Ordem concedida” (STF, HC 110.244/RS, 2a
Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. do Acórdão Min. Gilmar
Mendes, j. 08/11/11).
Posteriormente, um segundo precedente foi firmado, em 2013, inclusive por
força de atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo:
“Habeas corpus. 2. Tentativa de furto de fios e cabos elétricos do interior de
imóvel em reforma. 3. Bens avaliados em R$ 116,00 (cento e dezesseis reais).
4. Presença dos 4 vetores apontados no julgamento do HC 84.412/SP, relator
Ministro Celso de Mello, para reconhecimento do princípio da insignificância:
a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de
periculosidade social da ação (não houve violência ou grave ameaça à
pessoa ou qualquer repercussão social significante, uma vez que não houve
cessação do serviço público de energia elétrica para a coletividade); c) o
reduzidíssimo
grau
de
reprovabilidade
do
comportamento;
e
d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada. 5. Ordem concedida para
trancar a ação penal na origem” (STF, HC 115.576/SP, 2a Turma, Rel. Min.
Gilmar Mendes, j. 11/05/13; grifo nosso).
E, mais recentemente, em Acórdão do começo de 2014, negou-se a concessão
da ordem pelo fundamento de ter ocorrido interrupção do serviço público:
“Habeas corpus. 2. Furto de fios elétricos praticado mediante concurso de
agentes. Condenação. 3. Pedido de aplicação do princípio da insignificância.
4. Ausência de dois dos vetores considerados para a aplicação do princípio da
bagatela: a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de
reprovabilidade da conduta. 5. A prática delituosa é altamente reprovável,
pois afeta serviço essencial da sociedade. Os efeitos da interrupção do
fornecimento de energia não podem ser quantificados apenas sob o prisma
econômico, porque importam em outros danos aos usuários do serviço. 6.
Personalidade do agente voltada ao cometimento de delitos patrimoniais
(reiteração delitiva). Precedentes do STF no sentido de afastar a aplicação do
princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade
delitiva comprovada. 7. Furto em concurso de pessoas. Maior desvalor da
32
conduta. Precedentes do STF. 8. Ordem denegada” (STF, HC 118.361/MG, 2a
Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/02/14; grifo nosso).
Portanto, há fundamentos jurídicos suficientes para que se aplique o princípio
da insignificância, reconhecendo-se a ausência de tipicidade material na imputação
de furto de fios elétricos ou de telecomunicações, em não havendo interrupção do
serviço público prestado.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Não poucas vezes Defensoras e Defensores públicos atuantes nos processos
penais, na fase de conhecimento, deparam-se com persecuções que têm por objeto
suposta prática de furto, simples ou qualificado, em modalidade tentada ou
consumado, cuja respectiva res furtiva consiste em quantidade de cabos e fios
elétricos ou de telecomunicações.
Via de regra, se há instauração de inquérito policial ou se há prisão em
flagrante, o Ministério Público acaba denunciando a pessoa suspeita de tal conduta –
sendo raras as hipóteses de arquivamento nesses casos.
Nesses casos, é de praxe haver nos autos do inquérito ou do auto de prisão em
flagrante o chamado auto de avaliação, no qual a vítima ou representante da
empresa-vítima é chamada para declinar o valor da res furtiva em fase policial, que
passa a constar dos autos e, invariavelmente, da denúncia.
E, avaliando não apenas o valor afixado nos autos – que, aliás, é passível de
questionamento pela defesa técnica – bem como as circunstâncias do suposto delito,
consoante afirmado acima, é possível o reconhecimento no caso concreto do
princípio da insignificância e, consequentemente, sua arguição como tese de defesa.
Sendo um cotidiano da atuação criminal, a verificação da aplicabilidade do
princípio da insignificância em casos envolvendo furto de tais fios e cabos acaba se
fazendo necessária, não só como estratégia de defesa do usuário, como também
como medida de justiça material – já que se trata de patente ausência de tipicidade,
como visto, por falta de tipicidade material, dado que não há lesão substancial ao
bem jurídico tutelado pela normal penal.
33
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A tese pode ser operacionalizada tanto em sede de resposta à acusação quanto
em sede de alegações finais.
Na primeira hipótese, caso indeferida pelo juiz, é cabível a impetração de
habeas corpus, ainda que não se trate de réu preso cautelarmente, uma vez que o
próprio fato de estar sujeito a processo penal como réu já é per si estigmatizante e
socialmente marginalizante, gerando consequências nefastas e deletérias para
usuários e usuárias.
Ainda que seja oferecida proposta de suspensão condicional do processo pelo
Ministério Público, e esta aceita pelo acusado, é cabível a impetração de habeas
corpus, visando à extinção do feito por meio de absolvição sumária (artigo 397, III,
do Código de Processo Penal), fundada na atipicidade (material) da conduta.
34
TESE 5
Nome: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva
Área de Atividade: Criminal (conhecimento)
REGIONAL: GUARULHOS
Endereço: Rua Sete de Setembro, no 30
Bairro: Centro
CEP: 07011-040
Cidade: Guarulhos
Telefone: 11 - 2087-2727 / 2229-1660
Email: [email protected]
SÚMULA
Nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos da Lei 11.340/06, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direito de limitação de fim de semana, com fundamento no parágrafo
único do artigo 152 da Lei de Execução Penal, que criou hipótese de exceção ao
inciso I do artigo 44 do Código Penal, consistente em comparecimento obrigatório
do condenado a programas de recuperação e reeducação.
ASSUNTO
DIREITO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PENA RESTRITIVA DE DIREITO DE
LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA.
ITEM
ESPECÍFICO
DAS
ATRIBUIÇÕES
INSTITUCIONAIS
DA
DEFENSORIA PÚBLICA
A presente tese dialoga com as atribuições institucionais de representação em
juízo dos necessitados no âmbito criminal, em todas as instâncias, e de assegurar aos
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necessitados o exercício do contraditório e da ampla defesa, também, no processo
penal.
Tais atribuições encontram-se dispostas na legislação orgânica nacional e
estadual da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Veja-se, da Lei
Complementar 80/94, com redação alterada pela Lei Complementar 132/09:
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos
os graus; [...]
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias,
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”.
Ainda nesse sentido, veja-se a Lei Estadual 988/06:
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado,
dentre outras: [...]
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais
Superiores; [...]
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Por conseguinte, vislumbra-se a pertinência da presente com as atribuições
legais da Defensoria Pública atinentes à sua atuação em sede de processo penal.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O art. 45 da Lei 11.340/06, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha,
promoveu uma alteração no artigo 152 da Lei de Execução Penal, inserindo nele um
parágrafo único, inexistente na redação anterior.
36
O artigo 152 da LEP trata da pena restritiva de direito de limitação de fim de
semana, prevista no artigo 43, inciso VI, do Código Penal. Mantido inalterado o
caput, passou a figurar com o seguinte enunciado normativo:
“Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de
permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz
poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação”.
Entretanto, a Lei Maria da Penha não trouxe qualquer alteração ao texto do
Código Penal, permanecendo intactos os requisitos do artigo 44 para a substituição
das penas privativas de liberdade por restritivas de direito dispostos nos seus
respectivos incisos.
Um desses requisitos, constante do inciso I, diz respeito ao crime não ter sido
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.Por força de tal restrição, não se
aplica o artigo 44 do Código Penal aos delitos de ameaça e lesão corporal, por
exemplo, já que envolvem grave ameaça e violência contra a pessoa.
Porém, a alteração legislativa acima mencionada suscitou a questão de
aplicação do dispositivo aos crimes com violência e grave ameaça cometidos em
contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher – esta última, definida
pelos artigos 5o e 7o da Lei 11.340/06.
Isso porque o novo parágrafo único do artigo 152 da LEP prevê expressamente
ser aplicável ao condenado por crime envolvendo violência doméstica contra a
mulher a pena restritiva de direito específica de limitação de fim de semana,
consistente, nessa hipótese, em comparecimento obrigatório do condenado a
programas de recuperação e reeducação.
Com efeito, é absolutamente incoerente interpretar a letra fria do artigo 44,
inciso I, do Código Penal, de maneira assistemática em relação ao novo dispositivo.
Primeiro, porque o parágrafo único do artigo 152 da LEP foi inserido pela
própria Lei Maria da Penha, o que evidencia a mens legis de que se aplique, quando
cabível, a pena de limitação de fim de semana aos sentenciados por crime
envolvendo violência doméstica contra a mulher – observados, portanto, os demais
requisitos do artigo 44 do Código Penal.
37
Segundo, porque o Código Penal e a LEP não podem ser interpretados como
diplomas normativos estanques e incomunicáveis, o que jamais foram. A
permeabilidade entre os dois textos normativos é eminente, sendo de rigor uma
hexegese sistemática (ou lógico-sistemática), que reúna todos os seus elementos, à
luz dos princípios constitucionais e internacionais (especialmente interamericanos)
que limitam o Direito Penal.
Mesmo porque, com as várias reformas parciais que foram sendo promovidas
na legislação penal, bem como com a promulgação de diversas leis penais especiais,
restou ao intérprete um dever e um esforço de concatenar as diferentes – e por vezes
divergentes – normas penais postas, sempre partindo dos direitos fundamentais e
humanos.
Nesse sentido, veja-se a lição doutrinária de Cezar Roberto Bitencourt:
“O critério lógico-sistemático de interpretação constitui valoroso instrumento
de garantia da unidade conceitual de todo o ordenamento. Na verdade,
somente se pode encontrar o verdadeiro sentido de uma norma se lhe for dada
interpretação contextualizada. Com efeito, a ciência jurídico-penal constrói
sistemas e microssistemas que auxiliam e facilitam a aplicação da lei penal.
Importante destacar, no entanto, neste momento, que o legislador, por vezes,
tem-se mostrado como um péssimo sistematizador. Aliás, desde o início da
última década do milênio passado tem-se encarregado de destruir a harmonia
que o sistema penal brasileiro apresentava. Mas ainda assim o intérprete não
pode ignorar esse importante aspecto da interpretação, que deve encontrar
seu norte dentro do sistema como um todo” (BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral. 13a ed. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 152-3).
Ainda que se venha a adotar uma perspectiva crítica do próprio Direito Penal,
não se pode descurar da relevância de uma tal interpretação sistemática, até mesmo
como forma de manifestação do garantismo penal e de limitação do poder punitivo
estatal. É, mais ainda, um imperativo de racionalidade, se se pretende o Direito uma
praxis racional. Não é outro o apontamento feito na Doutrina por Eugenio Raúl
Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar:
“Não é possível prescindir-se de um sistema conceitual na elaboração de um
direito penal que almeje cumprir alguma função dentro de um modelo de
38
estado de direito, por ser inadmissível que a irracionalidade seja fonte de um
saber que aspira a uma função racional. O sistema demanda uma decisão
política prévia que lhe permita sua construção teleológica baseada em uma
função manifesta, porque, do contrário, seria igualmente irracional (um
caminho sem objetivo), violentaria a realidade (ao pretender que seus
conceitos não tenham função política, apenas porque não a expressam) e,
além do mais, seria politicamente negativo (pretenderia servir para qualquer
objetivo, incluindo os do estado de polícia). Mesmo porém com todas essas
precauções não se garante um sistema teleológico racional, pois tudo
dependerá do conteúdo da mencionada decisão, isto é, da função manifesta
que lhe seja atribuída. No estado constitucional de direito o objetivo do direito
penal deve ser a segurança jurídica, ameaçada pelo exercício ilimitado do
poder punitivo. Segurança jurídica é a segurança dos bens jurídicos de toda a
população. São bens jurídicos aqueles que possibilitam ao ser humano sua
realização como pessoa, ou seja, sua existência como coexistência, o espaço
de liberdade social no qual pode escolher e realizar sua própria escolha. O
direito penal deve construir um sistema que permita às agências jurídicas um
exercício racional de seu poder para conter o poder punitivo, o qual,
estruturalmente, tende para um exercício ilimitado e arrasador de todo espaço
social. Tal objetivo, que representa a decisão política anterior à construção
do sistema, deve reger sua elaboração e sua eficácia contentora dependerá do
cumprimento de vários requisitos metodológicos” (ZAFFARONI, Eugenio
Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro: Primeiro Volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4a ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2011. p. 170).
Terceiro, porque a pena restritiva de direito em questão, consoante posta na
atual redação da LEP, objetiva promover a superação do ciclo de violência, por meio
de um trabalho não apenas com a vítima, mas também com o agressor sentenciado. É
que, com efeito, entende-se tal medida muito mais eficaz para afastar o condenado do
contexto de práticas de violência, obliterando as possibilidades de reincidência – já
que, em muitos casos, o agressor também foi vítima de violência e/ou cresceu
presenciando atos de violência em seu seio familiar, vivenciando experiências que
vivificou e internalizou como “naturais”, ou até que as venha a reproduzir de forma
inconsciente.
Deve-se ter por claro que, mesmo que cumprida pena privativa de liberdade,
após seu termino – ou até antes disso, pela conquista de direitos em sede de execução
penal – o condenado retornará ao convívio social e, eventualmente, encontrará nova
39
companheira, que poderá fatalmente vir a se tornar nova vítima de violência
doméstica. Nesse sentido, restaria notadamente frustrado o objetivo da própria Lei
11.340/06 de “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”,
conforme seu art. 1o.
Ainda nessa esteira, tem-se que a pena restritiva de direito em comento
comunica-se com diversas obrigações internacionais do Estado brasileiro no tocante
ao enfrentamento e à erradicação da violência contra a mulher.
Veja-se, por exemplo, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e
Erradicar a Violência Contra a Mulher (a chamada Convenção de Belém do Pará), da
qual o Brasil é parte, duas obrigações de implementação progressiva do estado
brasileiro, dispostas no seu artigo 8o:
“modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres,
inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a
todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e
costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou
superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o
homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher”
(alínea “b”); e
“promover e apoiar programas de educação governamentais e privados,
destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a
mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência”
(alínea “e”).
Verifica-se, por conseguinte, que por intermédio da obrigação de frequência,
pelo sentenciado, a programas de recuperação e reeducação, busca o Estado dissolver
papeis e padrões de comportamento estereotipados de gênero cristalizados na cultura
nacional, promovendo, inclusive, uma forma de educação direcionada para o
combate à violência contra a mulher – o que pode ser considerado, em um sentido
amplo, um programa governamental, ou parte de um programa governamental, nos
termos da alínea “e” do artigo 8o da Convenção de Belém do Pará.
De igual forma, verifica-se por meio da adoção da pena de limitação de fim de
semana, nos moldes do artigo 152, parágrafo único, da LEP, observância da
obrigação internacional do Estado brasileiro afixada na Convenção sobre a
40
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, da ONU, de
tomar medidas apropriadas para:
“modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com
vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e
de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou
superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens
e mulheres”.
Assim sendo, vislumbra-se na medida a defesa dos interesses da própria vítima,
bem como das mulheres como um todo, além de serem observados os direitos
fundamentais e humanos dos próprios condenados pela prática de crimes envolvendo
violência doméstica contra as mulheres.
Na Doutrina, a tese encontra o acolhimento expresso de Maria Berenice Dias,
em obra específica sobre a Lei Maria da Penha. Cita-se:
“Tema alvo de controvérsia doutrinária diz sobre a possibilidade desta
substituição em sede de violência doméstica. O motivo da perplexidade é que
um dos requisitos para se admitir a substituição da pena é a inocorrência de
violência ou grave ameaça. E nos casos de violência doméstica – como o
próprio nome diz – a violência faz parte da estrutura constitutiva do ato.
Portanto, se não houver violência, seja física, psíquica, moral, sexual ou
patrimonial, não há violência doméstica. Desse modo, em tese, não haveria a
possibilidade de substituição da pena.
Todavia, a alteração na Lei de Execução Penal se destina exatamente aos
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Excluir a
possibilidade de operar-se a substituição faria do dispositivo letra morta. A
Lei Maria da Penha veio explicitamente abrir uma exceção à regra da Lei
penal, que impede sua aplicação, quando existe violência ou grave ameaça.
Assim, em sede de violência doméstica, aplicada pena inferior a quatro anos,
seja qual a forma da violência perpetrada contra a vítima, não há como
impedir sua aplicação” (DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na
Justiça: a efetividade da Lei 11.343/2006 de combate à violência doméstica e
familiar contra a mulher. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.
81).
41
Também na Doutrina, cabe citar a posição de Fausto Rodrigues Lima, parte da
obra coletiva Lei Maria da Penha Comentada em uma Perspectiva JurídicoFeminista:
“Poder-se-ia argumentar que o termo violência previsto no art. 44, I, do
Código Penal seja sinônimo de agressão física e que, por isso, não inclui em
seu conceito o crime de dano ou os crimes contra a honra, por exemplo [...].
Dessa forma, a substituição referida na Lei é prevista apenas para os casos
em em que não haja violência física ou grave ameaça.
Porém, analisando o sistema de execução da pena pensado pela nova Lei,
veremos que essa substituição é possível em todos os casos regulados pela Lei
Maria da Penha, de forma que a disposição ora analisada revogou
intencionalmente o art. 44, I, do Código Penal para estas causas.
É que em seu art. 45, a Lei Maria da Penha acrescentou o seguinte dispositivo
à Lei de Execuções Penais (Lei 7210/84): [...].
O artigo acima trata especificamente de uma das penas restritivas de direito
estabelecidas no diploma penal, qual seja, a limitação de fim de semana,
prevista no art. 48 do Código Penal e regulada nos arts. 151 a 153 da Lei de
Execuções Penais. Esta consiste em substituir a pena de prisão pela
„obrigação de permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias,
em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado‟. O parágrafo único
introduzido pela Lei Maria da Penha estabelece uma das condições desse
cumprimento pelo condenado.
Assim, com o espírito de intervir nas famílias, mas evitar quando possível a
prisão dos condenados em benefício de um programa de intervenção
multidisciplinar, a Lei Maria da Penha abriu uma exceção à vedação do art.
44, I, do Código Penal. Não haveria sentido possibilitar a reflexão apenas
para os crimes de dano ou injúria, por exemplo, impedindo-a para os crime de
ameaça, lesão corporal e outros importantes, quando a Lei Maria da Penha
determina a criação de equipe para „desenvolver trabalhos de orientação,
encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o
agressor e os familiares‟ (art.30)” (LIMA, Fausto Rodrigues. Dos
procedimentos – artigos 13 a 17, in CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da
Penha Comentada em uma Perspectiva Jurídico-Feminista. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011. p. 285-6).
E, na Jurisprudência, a tese vem recebendo acolhida.
Em São Paulo, despontam decisões de Primeiro Grau nesse sentido,
destacando-se:
42
“Ante o exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO
PROCEDENTE a ação penal e condeno CRISTIANO BUENO DOS SANTOS,
como incurso nas sanções do 129, parágrafo 9o e art. 147, na forma do art.
69, todos do Código Penal, a cumprir a pena de 04 (QUATRO) MESES DE
DETENÇÃO.
Concedo ao acusado os benefícios da Lei no 9.714/98, nos termos do art. 44,
inc. I e par. 2o, do Código Penal, substituindo a pena privativa de liberdade
imposta por limitação de fim de semana, nos termos do art. 152 da Lei de
Execução Penal, a ser especificado em fase executória” (Ação Penal no
0043654-64.2011.8.26.0224, Juizado de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher de Guarulhos/SP, Juiz de Direito Caio Ferraz de Camargo
Lompasso, j. em 02/04/2014).
“Diante do exposto e do mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a
denúncia, para o fim de condenar, por infração ao disposto no artigo 129,
parágrafo 2o, IV, do Código Penal, o réu DEOCLECIO DA SILVA TEIXEIRA,
filho de Francisco Joaquim da Silva e de Francisca Teixeira da Silva,
identificado às folhas 16 e 17, ao cumprimento de pena privativa de liberdade
de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto.
Condeno também, o acusado, ao cumprimento de medida de comparecimento
obrigatório a programas de recuperação e reedução, em local e na forma a
ser determinada pelo Juízo das Execuções, pelo tempo de duração da pena
privativa de liberdade (parágrafo único do artigo 152 da Lei de Execuções
Penais)” (Ação Penal no 0002089-32.2013.8.26.0554, 2a Vara Criminal de
Santo André/SP, Juíza de Direito Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues
dos Santos, j. em 05/03/2014).
E no Tribunal de Justiça de São Paulo, também já há precedentes:
“Registre-se, por oportuno, que apesar de se tratar de um crime de ameaça e
outro de violação de domicílio, a substituição das penas privativas de
liberdade por restritiva de direitos afigura-se possível, excepcionando-se o
óbice contido no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
Dadas as peculiaridades do caso concreto penso que a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, se recomenda, sempre em
atenção aos fins e aos objetivos da sanção criminal no caput do artigo 59 do
Código Penal e, sobretudo, em atenção ao princípio da intervenção mínima, o
qual tem por finalidade evidenciar o caráter subsidiário e fragmentário do
direito penal.
43
Nesse sentido o brilhante estudo do Dr. Jayme Walmer de Freitas, com o título
IMPRESSÕES OBJETIVAS SOBRE A LEI DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, in
Jurid premiun, “...Explica-se. O artigo 44, I, do Código Penal proíbe a pena
substitutiva quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a
quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. A
interpretação literal conduziu inúmeros doutrinadores ao entendimento de que
qualquer crime praticado com violência ou grave ameaça torna impossível a
benesse legal. No entanto, posições mais judiciosas mostram que no caso de
infração de menor potencial ofensivo - lesão corporal leve, constrangimento
ilegal, ameaça e a contravenção de vias de fato - admite-se a substituição.
Justifica-se. Se no âmbito da Lei 9099/95, permite-se a imposição de institutos
despenalizadores tais como a composição civil de danos e a transação penal,
mesmo após a instauração de processo, a substituição deve ser aceita, por
viger nos Juizados o princípio da imposição de pena não privativa de
liberdade (Lei 9099/95, artigo 62, in fine). A nova redação dada ao artigo
152, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais pelo artigo 45 da Lei Maria
da Penha denota a meta optata. Esta é a base de sustentação. O diploma em
estudo permite a pena substitutiva na esteira do entendimento ora esposado,
porquanto preconiza o novo parágrafo único do artigo 45: Nos casos de
violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o
comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e
reeducação. Assim sendo, o juiz pode substituir a pena privativa de liberdade
por pena restritiva de direitos consistente em limitação de fim de semana. A
pena restritiva de direitos é a que melhor se ajusta ao réu primário e de bons
antecedentes, especialmente por impedir o compartilhamento em celas
superlotadas entre ele e presos comuns, autores de crimes de toda espécie. A
preservação da dignidade da pessoa humana deve ser objetivo de todo
magistrado criminal, que somente deve impor a restrição da liberdade em
casos extremados...” (TJSP, Apelação no 0003036-90.2010.8.26.0619, 16a
Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Borges Pereira, j. em 20/03/2012;
itálicos do original).
“Pelo meu voto, enfim, É DE SE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO DEFENSIVO PARA, MANTIDA A CONDENAÇÃO E A PENA
IMPOSTA, SUBSTITUIR A PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA
DE DIREITO CONSISTENTE EM LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA, COM
COMPARECIMENTO OBRIGATÓRIO DO APELANTE A PROGRAMAS DE
RECUPERAÇÃO E REEDUCAÇÃO (ARTIGO 152, PARÁGRAFO ÚNICO
DA
LEI
DE
EXECUÇÃO
44
PENAL,
ACRESCENTADO
PELA
LEI
11.340/2006)” (TJSP, Apelação no 990.08.185192-0, 8a Câmara de Direito
Criminal, Rel. Des. André Carlos de Oliveira, j. em 29/05/2009).
Também encontra acolhida a tese por outros Tribunais de Justiça, não tendo,
ainda, apresentando repercussão nos Tribunais Superiores. Cita-se:
“No entanto, entendo que nos casos de violência doméstica é cabível a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e não a
suspensão condicional da pena. Veja-se: Trata-se de crimes punidos com pena
de 3(três) meses a 3(três) anos de detenção (art. 129,§9º CP) e 1(um) a 6
(seis) meses de detenção (art. 147 do CP) e sendo o réu primário e sem
antecedentes criminais, como no caso em questão, aplicou-se a pena definitiva
em 1 (um) ano e 3 (três) meses de detenção. Em princípio, apesar da pena
máxima ser inferior a 4(quatro) anos, não caberia a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direito, já que, nos crimes aonde há
violência ou grave ameaça contra a pessoa não se aplicaria a substituição
(art. 44, I do CP), e como vemos, a Lei Maria da Penha trata primordialmente
da prática de violência doméstica ou grave ameaça contra a pessoa, mais
precisamente contra a mulher. Desta forma, em tese, não haveria
possibilidade de substituição. No entanto, o mesmo art. 44 do CP penal diz
_que as penas restritivas de direito são autônomas e substituem a pena
privativa de liberdade quando: o réu não for reincidente em crime doloso; a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente e quando o juiz entender que a substituição é
socialmente recomendável. Sabe-se, ainda, que o sistema carcerário na
prática não ressocializa nem reeduca o réu, e colocar um réu primário, com
bons antecedentes, por 1 (um) ano e 3(três) meses dentro de uma cela com
outros presos, autores de diversos crimes com certeza só iria prejudicá-lo ao
invés de reeducá-lo ou ressocializá-lo. Maria Berenice Dias, no Livro A Lei
Maria da Penha na justiça, ao comentar o parágrafo único ao art. 152 da Lei
de Execução Penal, diz: (...) Excluir a possibilidade de operar-se a
substituição, faria do dispositivo inserido pelo legislador letra morta. A nova
lei atribuiu uma exceção à regra da lei penal, que impede sua aplicação,
quando existe violência ou grave ameaça. Assim, em sede de violência
doméstica, aplicada pena inferior a quatro anos, seja qual for a forma de
violência perpetrada contra a vítima, não há como impedir a sua aplicação.
(...).(fl.106). José Carlos Oliveira Robaldo da Rede Luiz Flávio Gomes
entende que: (...) o fato de não se admitir a transação penal não significa,
contudo, que não se possa aplicar a esses crimes as outras penas alternativas
45
previstas no Código Penal, tais como a prestação de serviços à comunidade,
dentre outras, eis que nenhuma vedação nesse sentido há na nova lei. (...).
Portanto, não há impedimento da substituição da pena privativa de liberdade
por restritivas de direitos, seja prestação de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos e perda de bens e valores. No entanto, deve-se atentar
que há a obrigatoriedade do réu a comparecer a programas de recuperação e
reeducação e que descumprindo a ordem judicial a pena restritiva de direito
transforma-se novamente em privativa de liberdade. (art. 44, §4º do CP).
Ainda, segundo Maria Berenice Dias: (...) A imposição de medidas restritivas
de direitos, que leve o agressor a conscientizar de que é indevido agir, é a
melhor maneira de enfrentar a violência doméstica. Só assim se poderá dar
um basta a este perverso crime cometido de forma repetida por muito tempo.
Ninguém duvida que a violência doméstica tenha causas culturais, decorrentes
de uma sociedade que sempre proclamou a superioridade masculina,
assegurando ao homem o direito correcional sobre a mulher e os filhos. A
possibilidade da aplicação de medida de natureza terapêutica, certamente, vai
estimular a denúncia. Sabedora a vítima que a pena imposta ao agressor pode
obrigá-lo a submeter-se a acompanhamento psicológico ou a participar de
programa terapêutico, pode encorajá-la em busca de auxílio.(...). (fl.107).
Diante do exposto, por entender ser perfeitamente possível a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direito e que a substituição é
medida socialmente recomendável, é que substituo a pena de detenção
aplicada por duas restritivas de direito, consistentes : 1) prestação de serviço
à comunidade, pela qual deverá prestar serviço em entidade assistencial pela
período da detenção, devendo a entidade ser determinada no Juízo da
Execução; 2) Limitação de fim de semana consistente na obrigação de
permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de
albergado ou outro estabelecimento adequado; Por fim, determino, ainda, que
o acusado participe de programas terapêuticos de reeducação e recuperação”
(TJSE, Apelação no 0750/2009, Câmara Criminal, Rel. Des. Edson Ulisses de
Melo, j. em 26/01/2010).
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO COM
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER (ART. 147 DO
CÓDIGO PENAL C/C LEI N. 11.340/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA.
RECURSO MINISTERIAL AFASTAMENTO DA PENA SUBSTITUTIVA
PURAMENTE PECUNIÁRIA PELA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À
COMUNIDADE. VIABILIDADE EM PARTE. CONSOANTE SE INFERE DO
ART. 17 DA LEI N. 11.340/06 É VEDADA A IMPOSIÇÃO DE PRESTAÇÃO
PECUNIÁRIA AO CASO EM APREÇO. AFASTAMENTO QUE SE IMPÕE.
46
TODAVIA, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR À 6 MESES.
INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À
COMUNIDADE, A TEOR DO QUE DISPÕE O ART. 46 DO CP.
ACATANDO-SE
O
PARECER
DO
PROCURADOR
DE
JUSTIÇA,
MODIFICA-SE A PENA RESTRITIVA DE DIREITOS PARA A DE
LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA POR SER MAIS ADEQUADA AO
CASO. PREQUESTIONAMENTO. DISPOSITIVOS LEGAIS DEVIDAMENTE
APRECIADOS QUANDO DA CONFECÇÃO DO
JULGADO. REQUERIMENTO PREJUDICADO. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO EM PARTE. RÉU QUE, EM CONTRARRAZÕES, FORMULA
PLEITO ABSOLUTÓRIO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE RECEBIMENTO
COMO RECURSO DE APELAÇÃO. NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO
DENTRO DO PRAZO LEGAL DE 5 (CINCO) DIAS. ART. 593 DO CPP.
EXIGÊNCIA NÃO OBSERVADA. INTEMPESTIVIDADE CARACTERIZADA.
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO NÃO CONHECIDO” (TJSC, Apelação Criminal
no 2013.040383-5, 1a Câmara Criminal, Rel. Des. Marli Mosimann Vargas, j.
30/06/2013).
“LESÃO CORPORAL QUALIFICADA (ART. 129, § 9º, CÓDIGO PENAL).
PRELIMINAR. ARGÜIDA NULIDADE ABSOLUTA, AO ARGUMENTO DE
INAPLICABILIDADE DA LEI N. 11.340/06. RELAÇÕES DE PARENTESCO
E
DE
CONVIVÊNCIA
INEQUÍVOCAS.
DESNECESSIDADE
DE
COABITAÇÃO PARA INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. MÉRITO.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. AGENTE QUE, COM
VONTADE LIVRE E CONSCIENTE, AGRIDE IRMÃ. VERSÃO DA VÍTIMA
CORROBORADA POR ROBUSTOS INDÍCIOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
LESÕES CORPORAIS CULPOSAS INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA.
INADMISSIBILIDADE
DE
FIXAÇÃO
DE
PENA
DE
MULTA
OU
PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA EM SEDE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU
FAMILIAR, CONSOANTE ART. 17 DA LEI N. 11.340/06. MODIFICAÇÃO,
DE OFÍCIO, DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO PARA LIMITAÇÃO DE
FIM DE SEMANA” (TJSC, Apelação Criminal no 2011.038586-1, Rel. Des.
Irineu João da Silva, j. 09/08/2011).
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. SITUAÇÃO
ENVOLVENDO
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
CONTRA
A
MULHER.
RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE.
CONJUNTO
PROBATÓRIO
CONHECIDO E
PROBATÓRIO
HARMÔNICO
NÃO PROVIDO.
APRESENTA
47
1.
AUTORIA
E
COESO.
QUANDO
E
RECURSO
O CONJUNTO
MATERIALIDADE
INCONTROVERSAS, CONVERGINDO OS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO
COLIGIDOS AOS AUTOS NO SENTIDO DE SER O RÉU O AUTOR DO
CRIME, NÃO SE MOSTRA PLAUSÍVEL O PLEITO ABSOLUTÓRIO. 2. EM
CRIMES ENVOLVENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA
A MULHER, A PALAVRA DA VÍTIMA ASSUME ESPECIAL RELEVÂNCIA,
POIS NORMALMENTE SÃO COMETIDOS LONGE DE TESTEMUNHAS
OCULARES.
3. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO PARA
MANTER A SENTENÇA QUE CONDENOU O APELANTE NAS SANÇÕES
DO ARTIGO 330 DO CÓDIGO PENAL C/C ARTIGO 5º, INCISO III, DA LEI
Nº 11.340/2006, IMPONDO-LHE AS PENAS DE 01 (UM) MÊS E 25 (VINTE
E CINCO) DIAS DE DETENÇÃO, EM REGIME INICIAL ABERTO, E 55
(CINQUENTA E CINCO) DIAS-MULTA, NO VALOR UNITÁRIO MÍNIMO,
SUBSTITUÍDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR UMA
RESTRITIVA DE DIREITOS, CONSISTENTE NA LIMITAÇÃO DE FIM DE
SEMANA” (TJDF, Apelação no 0002686-75.2009.8.07.0002, 2a Turma
Criminal, Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, j. 16/02/2012).
Há, portanto, diversos fundamentos jurídicos a subsidiarem a devida aplicação
do artigo 152, parágrafo único, da LEP, nos casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
Com a criação dos Juizados de Violência Doméstica – JVDs, diversas
defensoras e defensores passaram a atuar em tais juízos na defesa dos réus, acusados
de suposta prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Além disso, em diversas comarcas do interior tais processos continuam
tramitando perante as varas criminais, havendo atuação de defensoras e defensores
com atribuição criminal na fase de conhecimento, exercendo a defesa técnica desses
acusados.
Há, ainda, defensoras e defensores atuando em processos de violência
doméstica em comarcas onde já há JVD criado e instalado, mas não houve remessa
de tais processos ao novo juízo.
A Lei 11.340/06, a seu turno, trouxe uma série de dispositivos não apenas
criminalizantes, mas também de proteção da mulher, afirmando explicitamente um
viés interdisciplinar e uma opção do legislador pelo atendimento integral e
48
suprajurídico, para além da prática usual das varas criminais comuns – nas quais a
vítima é mera fonte de prova, a ser ouvida em juízo, apenas.
Todavia, a prática judicante verificada por aquelas e aqueles que atuam nesses
processos não se mostra efetivamente adequada ao viés interdisciplinar da Lei Maria
da Penha, cujo objetivo é o rompimento dos ciclos de violência e a transformação
social das partes, independentemente se os vínculos afetivos e familiares
permanecerão ou não. Pelo contrário, o que muito se vê é a repetição do modus das
varas criminais comuns, e a negativa em se interpretar os dispositivos legais,
inclusive, sob o próprio prisma restaurativo que se denota da Lei 11.340/06 e que é
imprescindível para o efetivo combate à violência de gênero.
Isso posto, é absolutamente cabível à Defensoria Pública promover, por meio
de sua atuação judicial, o debate e a mudança de mentalidade, do punitivismo estrito
e do processo penal dito “tradicional”, para o que realmente almejou o legislador ao
positivar a Lei Maria da Penha: instrumentos de efetiva ruptura com a violência
doméstica e familiar contra a mulher, inclusive pelo trabalho psicossocial com o
agressor – que, no mais das vezes, também traz um histórico pessoal de violência
familiar.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A tese pode ser operacionalizada ainda na fase de conhecimento, em sede de
alegações finais (orais ou escritas), como pleito defensivo subsidiário ao pleito
absolutório principal.
Pode também ser a tese operacionalizada em sede de execução criminal, por
meio de pedido ao juízo da execução para que converta a pena privativa de liberdade
na restritiva de direito consistente em limitação de fim de semana, com base no
artigo 152, parágrafo único, da LEP.
49
TESE 6
Nome: Rodrigo Augusto Tadeu Martins Leal da Silva
Fernanda Costa Teixeira
Área de Atividade: Criminal (conhecimento)
REGIONAL: GUARULHOS
Endereço: Rua Sete de Setembro, no 30
Bairro: Centro
CEP: 07011-040
Cidade: Guarulhos
Telefone: 11 - 2087-2727 / 2229-1660
Email: [email protected];
[email protected]
SÚMULA
Instaurado incidente de insanidade mental no processo penal, o réu tem o
direito de não comparecer ao exame, sendo inconstitucional a sua internação com
fundamento no artigo 150 do Código de Processo Penal e ilegal por força da Lei
10.216/01, e, se comparecer, tem o direito de permanecer em silêncio, sem que este
se interprete em seu desfavor, pelo corolário do nemu tenetur se detegere.
ASSUNTO
DIREITO
PROCESSUAL
PENAL
E
PENAL.
INCIDENTE
DE
INSANIDADE MENTAL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DIREITO AO
SILÊNCIO. NEMO TENETUR SE DETEGERE.
ITEM
ESPECÍFICO
DAS
ATRIBUIÇÕES
INSTITUCIONAIS
DA
DEFENSORIA PÚBLICA
A presente tese dialoga com as atribuições institucionais de representação em
juízo dos necessitados no âmbito criminal, em todas as instâncias, e de assegurar aos
50
necessitados o exercício do contraditório e da ampla defesa, também, no processo
penal.
Tais atribuições encontram-se dispostas na legislação orgânica nacional e
estadual da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Veja-se, da Lei
Complementar 80/94, com redação alterada pela Lei Complementar 132/09:
“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos
os graus; [...]
V – exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o
contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos
administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias,
ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de
propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses”.
Ainda nesse sentido, veja-se a Lei Estadual 988/06:
Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado,
dentre outras: [...]
III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses
individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos
jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais
Superiores; [...]
IX - assegurar aos necessitados, em processo judicial ou administrativo, o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Por conseguinte, vislumbra-se a pertinência da presente com as atribuições
legais da Defensoria Pública atinentes à sua atuação em sede de processo penal.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A instauração do incidente de insanidade mental, na atual sistemática do
Código de Processo Penal, dá-se quando houver dúvida sobre o estado de saúde
mental do réu, para fins de aferição da imputabilidade, nos termos do caput do artigo
149.
51
São legitimados para requerer a instauração do incidente, segundo esse mesmo
dispositivo, o Ministério Público, o defensor, o curador, o ascendente, descendente,
irmão ou cônjuge do acusado, podendo ele ser igualmente instaurado ex officio pelo
juiz.
Segundo o procedimento disposto no artigo 150 do Código de Processo Penal,
se o réu estiver privado de liberdade, será transferido para um hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico (artigo 99 da Lei de Execução Penal), onde ficará à
disposição dos peritos para avaliação. Se estiver solto, poderão os peritos requerer ao
juiz sua internação em lugar adequado a ser designado pelo magistrado.
O dispositivo, já de início, mostra-se de duvidosa constitucionalidade. Isso
porque a presunção de inocência – insculpida no artigo 5o, inciso LVII, da
Constituição Federal, e também no artigo 8o, inciso 2, da Convenção Americana de
Direitos Humanos – consagra, inter alia, o direito ao silêncio, comportando inclusive
o direito de não produzir provas contra si próprio, por vezes nominado pelo corolário
latino do nemo tenetur se detegere.
E, por força desse direito ao silêncio, o acusado no processo penal não é
obrigado, de forma alguma, a colaborar com a produção de provas acusatórias em
seu desfavor, sendo inclusive vedada a desvaloração em sede de decisão judicial
dessa conduta de autodefesa.
A discussão se situa, todavia, na natureza da medida de segurança. Isso porque,
para que incida o direito ao silêncio, é imperativo que se vislumbre uma situação de
autoincriminação. Se não há prejuízo para o réu, havendo até benefício, então não
haveria como se invocar tal direito de matriz constitucional e interamericana.
Ocorre que o discurso de que a medida de segurança é um bem ao acusado que
se acredita com sofrimento mental foi historicamente comprovado como falacioso,
revelando-se não só o caráter punitivo da medida de segurança, como também a
realidade brasileira de verdadeira prisão perpétua, pelas circunstâncias em que é
executada.
Primeiro, é preciso ter em mente a diferença entre leis penais manifestas,
latentes e eventuais, conforme célebre lição doutrinária de Eugenio Raúl Zaffaroni,
Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar:
“1. As agências políticas formalizam seus programas de intervenção punitiva
em leis adequadas às funções manifestas. De um ponto de vista formal,
52
entende-se por lei penal aquela destinada a uma função dessa natureza.
Porém se o direito penal ficasse no plano formal admitiria a derrogação da
Constituição e de todos os princípios jus-humanistas: o legislador poderia
eludir os limites normativos de hierarquia máxima, conferindo-lhe tãosomente, através de uma lei, funções manifestas diversas ou limitando-se a
omitir o nome das penas.
2. Para evitar tal expediente é necessário construir o conceito de lei penal de
modo que abranja: a) as leis penais manifestas (código penal, leis penais
especiais, disposições penais em leis não-penais); b) as leis penais latentes
que, com qualquer função manifesta não-punitiva (assistencial, tutelar,
pedagógica, sanitária etc.) habilitem o exercício de um poder punitivo;
quando elas são reconhecidas, devem passar a fazer parte do objeto de
interpretação do direito penal como saber jurídico, porque consubstanciam
casos de criminalização indevidamente subtraídos dos limites do direito penal,
que este deve recuperar para exercer sua função limitativa, ainda que seja
apenas para proclamar sua inconstitucionalidade; c) as leis restantes com
função punitiva eventual são leis penais eventuais (ou eventualmente penais):
aparecem quando o exercício do poder estatal ou não-estatal, habilitado por
leis que na têm funções punitivas manifestas nem latentes, eventualmente (em
alguns casos) pode ser exercido como poder punitivo, segundo o uso que delas
façam as respecticas agências ou seus operadores (o exercício do poder
psiquiátrico, do poder assistencial concernente a velhos, doentes ou crianças,
do poder médico em tratamentos dolorosos ou mutiladores, do poder
disciplinar quando institucionaliza ou inabilita etc.); são leis penais eventuais
aquelas que habilitam a coerção direta policial, que adquire caráter punitivo
quando excede o necessário para neutralizar um perigo iminente ou
interromper um processo lesivo em curso. Boa parte delas implica tal risco de
eventualidade penal que o próprio legislador acaba por torná-las
manifestamente penais para submetê-las ao controle e aos limites do direito
penal: o caso mais notório é o direito penal dos negócios, e a razão deste
cuidado externo nessa área é que se o estado de polícia nela irrompesse
desbarataria todas as relações econômicas” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl;
BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro: Primeiro Volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4a ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2011. p. 89; grifos do original).
A medida de segurança, com efeito, é aplicada após apuração de materialidade
e autoria do delito, mas designando-se “absolvição imprópria”. Nesse sentido leciona
Gustavo Badaró:
53
“Se o acusado for absolvido por ter sido reconhecida a sua inimputabilidade
por desenvolvimento mental retardado ou incompleto, será imposta medida de
segurança (CPP, art. 386, parágrafo único, III), que poderá ser de internação
hospitalar ou tratamento ambulatorial (CP, art. 96, parágrafo único). Tratase da denominada “absolvição imprópria”, na medida em que sujeita o
inimputável a uma sanção penal consistente na medida de segurança”
(BADARÓ, Gustavo. Processo penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p.
375; grifos do original).
Portanto, toda e qualquer conduta do acusado para evitar seja-lhe imposta
medida de segurança é englobada pelo direito de defesa, cabendo falar, outrossim, no
direito ao silêncio.
Segundo, é preciso ter-se uma visão agnóstica da medida de segurança, a qual,
hoje, tem a natureza efetiva de pena de prisão perpétua.
O Código Penal, em seu artigo 97, §1o, determina que a medida de segurança
terá duração por tempo indeterminado, “perdurando enquanto não for averiguada,
mediante perícia médica, a cessação de periculosidade”. Há previsão, apenas, de
prazo mínimo, que deve ser, nos termos da lei penal, afixado pelo juiz dentro do
intervalo de um a três anos.
Nesse sentido, enquanto não for – e se for – emitido laudo favorável à
desinternação do sentenciado, este permanecerá privado de liberdade em hospital de
custódia e tratamento.
Para qualquer que tenha sido o crime praticado, havendo a fixação de
internação como medida de segurança aplicável, incide a norma legal do Código
Penal de indeterminação do prazo máximo, atrelado, apenas, à condicionalidade da
cessação da periculosidade. Diferentemente, se o acusado tivesse sido considerado
imputável e a ele tivesse sido afixada pena privativa de liberdade, a sentença
transitada em julgado constituiria título executivo com parâmetro máximo de
privação de liberdade, sendo manifestamente ilegal a sua custódia para além do
tempo de reprimenda previsto.
Não se desconhece a existência de precedentes, principalmente do Supremo
Tribunal Federal, aplicando à medida de segurança o limite temporal de trinta anos,
previsto no artigo 75 do Código Penal, como no HC 84.219/SP, inclusive impetrado
54
por membro da antiga Procuradoria de Assistência Judiciária, e divulgado no
Informativo no 369. Cita-se a respectiva ementa:
“MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A
interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois
primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazerse considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A
medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos” (STF,
HC 84.219/SP, 1a Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16/08/2005).
Todavia, tal entendimento, além de não ser pacífico, também desvela uma
situação de maior tempo de privação de liberdade em absolvição imprópria do que
em condenação propriamente dita, já que em raros casos há fixação de penas iguais
ou superiores a trinta anos, além do fato de que no cumprimento de penas há diversos
direitos em sede de execução (remição, progressões de regime, livramento
condicional, etc.) que permitem seja este mais célere.
Quanto à divergência jurisprudencial, além de se verificar, na prática, que
diversos juízes e tribunais persistem firmes no entendimento de que a medida de
segurança deve perdurar até a cessação da periculosidade, ainda que isso implique
tempo indeterminado, verificam-se, ainda, outros posicionamentos.
No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, diversos ministras e ministros
sustentam a tese de que a duração máxima da medida de segurança é o máximo de
pena cominada ao delito praticado. Cita-se:
“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA.
PRAZO MÁXIMO DE INTERNAÇÃO. TRINTA ANOS. APLICAÇÃO, POR
ANALOGIA, DO ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL. ATENÇÃO AOS
PRINCÍPIOS
DA
RAZOABILIDADE.
ISONOMIA,
1.
Em
atenção
PROPORCIONALIDADE
aos
princípios
da
E
isonomia,
proporcionalidade e razoabilidade, aplica-se, por analogia, o art. 75 do
Diploma Repressor às medidas de segurança, estabelecendo-se como limite
para sua duração o máximo da pena abstratamente cominada ao delito
praticado, não se podendo conferir tratamento mais severo e desigual ao
inimputável, uma vez que ao imputável, a legislação estabelece expressamente
o respectivo limite de atuação do Estado. 2. Agravo regimental improvido”
(STJ, AgRg no HC 160.734/SP, 5a Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j.
01/10/2013).
55
“EXECUÇÃO
PENAL.
HABEAS
CORPUS.
(1)
IMPETRAÇÃO
SUBSTITUTIVA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) EXECUÇÃO.
MEDIDA DE SEGURANÇA. LIMITE DE DURAÇÃO DA MEDIDA. PENA
MÁXIMA COMINADA IN ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. (3)
INSTRUÇÃO DEFICIENTE. ILEGALIDADE MANIFESTA. INEXISTÊNCIA
(4) WRIT NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização
do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da
garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi
impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2.
O prazo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite
máximo da pena abstratamente cominada ao delito cometido. No caso,
entretanto, não se pode concluir, a partir dos documentos acostados aos
autos, que o paciente atingiu esse termo. 3. Writ não conhecido” (STJ, HC
251.296, 6a Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/03/2014).
A despeito de tal jurisprudência de nossas cortes superiores, entretanto, em se
tratando de posicionamentos jurisprudenciais – passíveis de alteração a qualquer
momento, portanto – não há verdadeira segurança ou garantia de que o sentenciado
não esteja sujeito a um cumprimento de medida de segurança por tempo
indeterminado, até a cessação da periculosidade, enquanto não for definitivamente
alterada a previsão do artigo 97, §1o, do Código Penal. Principal e especialmente,
ressalte-se, quando se tratar de crimes extremamente violentos e com grande
repercussão midiática.
A título ilustrativo, cabe mencionar o caso do Sr. Francisco Costa Rocha,
sentenciado por homicídios praticados na década de 1970, os quais lhe renderam a
alcunha popular de “Chico Picadinho”. A despeito de estar privado de liberdade há
mais de trinta e cinco anos, o Sr. Francisco não foi desinternado pelo Poder
Judiciário, nem mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, que, no Recurso Ordinário
em Habeas Corpus 82.924/SP, ratificou a possibilidade de custódia perpétua do
sentenciado. Veja-se a ementa:
“Interdição por doença mental com internamento: sua admissibilidade,
independentemente da extinção da punibilidade, pelo cumprimento da pena,
56
de crimes cometidos pelo interdito; possibilidade de sua efetivação em
hospital de custódia e tratamento destinado à execução de medidas de
segurança impostas a inimputáveis (LEP, art. 99)” (STF, RCH 82.924/SP, 1a
Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19/08/2003).
A propósito, segundo noticiado pelo Jornal O Estado de São Paulo em 20126, o
então advogado do Sr. Francisco Costa Rocha, face ao esgotamento de todas as instâncias
judiciais brasileiras, peticionou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
visando à garantia do direito à liberdade e à efetivação da vedação à prisão perpétua.
Por tudo isso, resta evidente que o sentenciado corre um risco real de restar privado
de liberdade em caráter perpétuo, caso seja considerado inimputável e absolvido
impropriamente. E, sendo tal medida absolutamente mais gravosa do que a imposição de
pena privativa de liberdade em decisão condenatória, resta evidente a urgência de seu
exercício dos direitos ao silêncio e a não produzir provas contra si próprio, no sentido de
que se produza laudo favorável à sua internação.
Ainda, cumpre consignar que a previsão do artigo 150, caput, do Código de
Processo Penal – referente à internação do réu solto para fins de realização do exame
psiquiátrico – deve ser compreendida por derrogada pela Lei 10.216/01, a Lei de Reforma
Psiquiátrica, cujo artigo 6o, caput, determina que “a internação psiquiátrica somente será
realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos”.
Isso porque a sistemática de internações passou a ser tratada como questão de saúde
pública, mesmo porque o direito à saúde foi consagrado como direito fundamental nos
artigos 6o e 196 da Constituição Federal. Nesse sentido, a internação psiquiátrica não pode
ser determinada como medida preparatória de processo, senão como medida terapêutica,
observadas as diretrizes anti-hospitalocêntricas da Lei de Reforma Psiquiátrica.
Mais ainda, do ponto de vista constitucional, determinar-se a custódia do réu para
que se produzam provas em seu desfavor, para as quais se depende inexoravelmente de
sua colaboração (exames psiquiátricos), é uma afronta incontestável à presunção de
inocência, o que não pode, em hipótese alguma, deixar de ser efusivamente rechaçado à
luz da Constituição de 1988.
Por tudo isso, resta evidente que, sendo muito mais grave a aplicação de medida de
segurança do que de pena privativa de liberdade, inafastáveis os direitos ao silêncio e à não
autoincriminação em sede de incidente de insanidade mental – uma vez que os exames
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Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,chico-aos-pedacos,866564. Acesso em 09 de maio de 2014.
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psiquiátricos carecem, por óbvio, da colaboração do examinado. E, por se tratar de rígida
regra constitucional de proteção do direito à liberdade, de mais absoluto rigor a vedação de
qualquer interpretação do silêncio e da negativa em colaborar, constitucionalmente
fundamentados, em desfavor do acusado, a ensejar eventual absolvição imprópria pautada
no exercício legítimo do direito fundamental à presunção de inocência.
FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA
A instauração de incidentes de insanidade mental é uma realidade nas varas
criminais e que, como visto no item acima, pode acarretar o encarceramento perpétuo de
usuários e usuárias da Defensoria Pública.
SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO
A tese pode ser operacionalizada quando do requerimento de instauração do
incidente de insanidade mental pelo Ministério Público ou por outro legitimado, ou mesmo
se instaurado de ofício pelo juiz.
No que concerne ao direito ao silêncio, cabe orientar o usuário ou a usuária de seu
direito ao silêncio e da importância dele, bem como das consequências oriundas de
eventual laudo psiquiátrico favorável à internação. Preferencialmente, deve o Defensor
Público tentar se fazer fisicamente presente no momento do exame psiquiátrico, no
exercício da defesa técnica e, caso impedido, impetrar habeas corpus alegando
cerceamento de defesa.
Se for determinada internação de réu solto para fins de realização da perícia, com
fulcro no artigo 150, caput, do Código de Processo Penal, pode ser operacionalizada a tese
via habeas corpus, para se garantir não apenas a sua liberdade ambulatorial, como também
o seu exercício do direito à não autoincriminação.
Após a realização da perícia, a tese pode ser operacionalizada em sede de alegações
finais, pugnando-se pela não valoração do silêncio em desfavor do réu e apontando para a
inexistência de elementos a ensejarem a absolvição imprópria; e, caso esta venha a ser
determinada, pode ser operacionalizada a tese em recurso de apelação.
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