CENTRO DE ESTUDOS FETUS TIANA NASCIMENTO FREIRE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS COM OBSTRUÇÃO DO ESVAZIAMENTO DO CORAÇÃO ESQUERDO Estenose Aórtica Hipoplasia do Coração Esquerdo Coarctação da Aorta Trabalho para conclusão do curso de Pós-graduação “Lato sensu” em Medicina Fetal São Paulo 2011 Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas! RESUMO As cardiopatias são as malformações congênitas mais freqüentes ao nascimento. Neste texto abordaremos as cardiopatias congênitas com obstrução no esvaziamento do coração esquerdo. Este subgrupo corresponde às obstruções graves ao fluxo arterial sistêmico: estenose aórtica, síndrome do coração esquerdo hipoplásico e coarctação da aorta. Apresentam em comum a dependência da circulação sistêmica à perviabilidade do ducto arterioso. E apesar de não terem grandes repercussões intra uterinas, necessitam de tratamento neonatal precoce em serviço de atendimento especializado. A estenose aórtica valvar é uma malformação das comissuras da valva aórtica. É a malformação cardíaca isolada mais comumente diagnosticada. Pode ser leve, de difícil diagnóstico pré-natal e com bom prognóstico, ou crítica, com um comprometimento cardíaco maior e por isso com um diagnóstico pré-natal mais fácil. Apresenta pouca relação com malformação extra cardíacas e cromossomopatias, o que melhora seu prognóstico. A síndrome do coração esquerdo hipoplásico consiste em um espectro de malformações cardíacas complexas envolvendo significante subdesenvolvimento do ventrículo esquerdo e seu trato de saída. É comum sua associação com malformações extra cardíacas e cromossomopatias. Seu diagnóstico já pode ser feito com 11 a 14 semanas, tal é a complexidade de sua apresentação. Seu prognóstico tem melhorado ao longo dos anos em conseqüência do desenvolvimento de técnicas cirúrgicas reconstrutivas (cirurgia de Norwood), e transplante cardíaco. A coarctação da aorta é o estreitamento do arco aórtico, tipicamente na região do istmo, entre a artéria subclávia esquerda e o ducto arterioso. Apresenta um risco de recorrência alto de 2% a 6%. Pode estar associada a outras malformações cardíacas e extra cardíacas, e a incidência de cromossomopatia associada é de cerca de 35%. Seu prognóstico depende do diagnóstico e assistência terapêutica precoces, a fim de evitar comprometimento sistêmico e pulmonar destes pacientes. A terapêutica cirúrgica é a de escolha. E assim como as demais cardiopatias obstrutivas de saída do coração esquerdo, diversas técnicas têm sido desenvolvidas para melhorar a sobrevida. Mas ainda há muito que se fazer, principalmente no que diz respeito à qualidade de vida e prognóstico a longo prazo. ABSTRACT Congenital heart defects are the most frequent congenital malformations at birth. Among congenital malformations, heart diseases are the main accused of neonatal mortality and childhood. In this paper we discuss the congenital obstruction in the emptying of the left heart. This subgroup corresponds to obstructions serious systemic blood flow: aortic stenosis, hypoplastic left heart syndrome and coarctation of the aorta. Have in common the dependence of the systemic circulation to the patency of the ductus arteriosus. And although no major impact intra uterine require treatment in early neonatal specialized service. Aortic stenosis is a malformation of the aortic valve commissures. It is the single most common cardiac malformation diagnosed. It can be mild, difficult prenatal diagnosis and good prognosis, or critical, with a greater cardiac impairment and therefore with a prenatal diagnosis easier. There are little relation with cardiac malformation and chromosomal abnormalities, which poor their prognosis. The hypoplastic left heart syndrome consists of a spectrum of complex cardiac malformations involving significant underdevelopment of the left ventricle and its outflow tract. It's common association with cardiac malformations and chromosomal extra. Its diagnosis can now be done with 11 to 14 weeks, such is the complexity of their presentation. His prognosis has improved over the years due to the development of reconstructive surgical techniques (Norwood), and heart transplantation. Aortic coarctation is narrowing of the aortic arch, typically in the isthmus between the left subclavian artery and the ductus arteriosus. Presents a high risk of recurrence of 2% to 6%. May be associated with other cardiac and extra cardiac malformations, and incidence of chromosomal defects is about 35%. Their prognosis depends on early diagnosis and therapeutic care in order to avoid the systemic and pulmonary these patients. Surgical therapy is the preferred choice. And like other heart obstructive left heart output, several techniques have been developed to improve survival. But there is still much to do, especially with regard to quality of life and long-term prognosis. SUMÁRIO INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 01 ESTENOSE AÓRTICA ________________________________________________ 03 SÍNDROME DA HIPOPLASIA DO CORAÇÃO ESQUERDO _____________________ 12 COARCTAÇÃO DA AORTA ____________________________________________ 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________________ 30 1 As cardiopatias congênitas são as malformações mais freqüentes ao nascimento, apresentando incidência estimada entre 3,5 a 12 em cada mil recém-nascidos (HOFFMAN, 1995). As malformações cardíacas, quando ocorrem isoladamente, são seis vezes mais freqüentes que as anomalias cromossômicas e quatro vezes mais freqüentes que as anomalias do tubo neural, embora a associação entre cardiopatia congênita e anomalias cromossômicas ou outras anomalias extra cardíacas seja comum (SMALL, 2004). Considerando-se a elevada taxa de abortamento que ocorre no primeiro trimestre, em geral causada pela presença de anomalias cromossômicas e anomalias estruturais graves, estima-se que a incidência de cardiopatia congênita intra-uterina seja até cinco vezes maior que no neonato. (HOFFMAN, 1995). O desenvolvimento anormal do coração ou grandes vasos ocorre, principalmente, nas primeiras oito semanas de gestação, período que corresponde à embriogênese cardíaca. Na maioria das vezes não é possível identificar os fatores teratogênicos incidentes, apontando-se para uma etiologia multifatorial, onde vários fatores de risco como ambientais (por exemplo, vírus da rubéola, coxsackievírus, citomegalovírus), a exposição aos raios X, o excessivo consumo de álcool e a administração, ao longo da gravidez, de determinados medicamentos contra-indicados; genéticos ou cromossômicos como síndrome de Down e Turner; e maternos (diabetes melitus) atuam de forma isolada ou associada. Os principais mecanismos patogênicos devem-se a anormalidades na migração do tecido ectomesenquimal, no fluxo sanguíneo 2 intracardíaco, na matriz celular, no crescimento alvo, no situs e looping cardíaco e na morte celular (ROSE; CLARCK, 1992). Aproximadamente 40% dos neonatos com cardiopatia congênita são portadores de malformações cardíacas complexas, isto é, apresentam associações de defeitos graves intracavitários e/ou de grandes vasos. Estas formas de cardiopatias são a causa principal de mortalidade no período neonatal e na infância, representando aproximadamente 50% do total das causas de óbito por malformações congênitas (HOFFMAN; GEMBRUCH, 1997). Nesse texto, abordaremos principalmente as cardiopatias congênitas com obstrução do esvaziamento do coração esquerdo. Este subgrupo corresponde às obstruções graves ao fluxo arterial sistêmico: estenose aórtica, síndrome do coração esquerdo hipoplásico e coarctação da aorta. Apresentam como característica comum a dependência da circulação sistêmica à perviabilidade do ducto arterioso. Por isso, durante a vida fetal, não costumam apresentar comprometimento funcional significante. Entretanto, logo após o nascimento, quando ocorre a constrição fisiológica do canal arterial, os neonatos manifestam importante sofrimento, com importante congestão pulmonar e falência circulatória, evoluindo rapidamente para o óbito se não forem tomadas medidas imediatas. Por esta razão, o diagnóstico pré-natal constitui-se em uma necessidade imperiosa para a modificação do prognóstico, ao permitir o transporte intra-uterino e o manejo perinatal com prostaglandina previamente à indicação cirúrgica (ZIELINSKY, 2006). A obstrução do fluxo de saída do ventrículo esquerdo pode apresentar-se nos planos subvalvar, valvar ou supravalvar incluindo coarctação da aorta. A principal conseqüência fisiológica das obstruções é a elevação da pressão ventricular, vari- 3 ando de acordo com o grau de estenose, que pode ser de discreto a importante, levando a graus variáveis de hipertrofia miocárdica (ANDRADE, 2007). A estenose aórtica valvar é a mais comumente diagnosticada no período pré-natal, as demais são raramente encontradas, especialmente na sua forma isolada. ESTENOSE AÓRTICA VALVAR DEFINIÇÃO: A estenose aórtica pode estar presente ao nascimento (valva aórtica estenótica congênita) ou pode se desenvolver com o passar do tempo numa valva aórtica anormal congênita, mas não estenótica. Na primeira, a valva pode ser acomissural (parecendo um vulcão), ou unicúspide unicomissural (com um orifício em forma de fenda). Uma valva bicúspide ou tricúspide também pode ser estenótica ao nascimento devido à fusão ou displasia comissural (fig.1). Na maioria das vezes, tais valvas são funcionalmente normais ao nascimento, mas gradualmente se tornam estenóticas com o tempo por causa da fibrose e calcificação progressivas. Em outros casos, a degeneração da valva leva à regurgitação aórtica predominantemente. As valvas quadricúspides são raras e têm uma história natural semelhante. INCIDÊNCIA: Estima-se que a estenose aórtica seja responsável por 3% a 6% dos defeitos cardíacos estruturais, e é mais comum no sexo masculino numa proporção de 3:1 a 5:1. (ABUHAMAD, 2010). A estenose aórtica ocorre em 70% a 91% das obstruções aórticas, com uma incidência de 2% entre os ne- 4 onatos e 11% em adultos jovens com doenças cardíacas congênitas (VALDESCRUZ, 1998). A valva aórtica bicúspide ocorre em 1 a 2% da população geral, sendo a anomalia congênita cardíaca isolada mais comum, podendo ser diagnosticada no período pré-natal (ANDRADE, 2007). Figura 1 – Estenose aórtica. Unicomissural (A), acomissural (B), e bicúspide com uma valva direita e outra esquerda (C) ou uma anterior e outra posterior (D). VAo – valva aórtica, CPoD – cúspide direita da aorta, CAoE – cúspide esquerda da aorta, CAoA – cúspide anterior da aorta e CAoP – cúspide posterior da aorta. ETIOPATOGENIA: A ausência de uma ou mais comissuras pode ser devido a uma completa falta de separação entre estruturas embrionárias, levando a um aumento da valva semilunar, ou fusão dessas estruturas em um estágio posterior, ou ainda a permanência de tecido conectivo ou rafe no lugar de uma comissura (VALDES-CRUZ, 1998). CLASSIFICAÇÃO: 5 A estenose aórtica varia de uma lesão leve isolada – Estenose aórtica leve, a uma lesão severa - Estenose aórtica critica. Que pode levar a uma disfunção secundária do ventrículo esquerdo, com sinais de fibroelastose do endocárdio e síndrome da hipoplasia do ventrículo esquerdo (Figura 2) (ABUHAMAD, 2010). A Estenose Aórtica Leve - Dilatação pós-estenótica - Morfologia do VE normal B Estenose Aórtica Crítica - Aorta ascendente pequena - VE dilatado e hiperecogênico Figura 2 - Estenose aórtica leve (A) e estenose aórtica crítica (B). ANOMALIAS ASSOCIADAS: Outras alterações cardíacas, mais ou menos complexas são comumente associadas a estenose aórtica, entre elas, o ducto arterioso patente é encontrado em 20 a 65% dos casos de estenose aórtica. Coarctação da aorta em 11 a 53% e estenose da valva mitral em 25% dos pacientes (JARMAKANI, 1994). Também estão associados defeito do septo atrial e anomalia de Ebs- 6 tein, assim como atresia tricúspide e pulmonar com defeito do septo interventricular (DICK, 1992). Estenose aórtica subvalvar, supravalvar, hipoplasia da aorta ascendente, interrupção do arco aórtico, arco aórtico a direita e anomalia da formação da coronária direita (CULBERTSON, 1995). Malformações extracardíacas e cromossomopatias são incomuns associadas à estenose aórtica (ABUHAMAD, 2010). DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL: Achados Ultrassonográficos A estenose aórtica leve é difícil de ser diagnosticada no período pré-natal devido a anatomia normal das quatro câmaras. A típica miocárdio-hipertrofia do período pós-natal é vista ocasionalmente no fim da gestação, pois como mencionado, essas valvas, na maioria das vezes, são funcionalmente normais no nascimento. Através da incidência do eixo curto é possível visualizar as cúspides durante a diástole, na valva aórtica tricúspide normal suas comissuras formam um “Y”. Uma valva aórtica verdadeiramente bicúspide tem duas cúspides de tamanho quase iguais, dois seios associados e uma única comissura linear. A fusão de duas cúspides de uma valva tricúpide pode criar o aspecto de valva bicúspide, mas a presença de três seios distintos estabelecerá essa diferença. Uma valva unicúspide tem uma única comissura como uma fenda, e a abertura é excêntrica e restringida. A valva estenótica tricúspide tem três cúspides com graus variáveis de fusão comissural. Assim, uma avaliação acurada da anatomia funcional requer uma análise do número de cúspides aparente, o grau de separação das cúspides e um registro de sua mobilidade e excursão durante a sístole (ABUHAMAD, 2010). 7 Também a incidência do eixo longo deve ser utilizada para visualizar a espessura e excursão das cúspides. Normalmente, elas são estruturas finas e delicadas que se abrem por completo durante a sístole e são alinhadas paralelamente e de encontro as paredes aórticas. Na estenose aórtica congênita, as cúspides estão espessadas e parecem formar um domo durante a sístole, resultando da movimentação restringida das pontas com relação aos corpos mais móveis das cúspides. Uma estimativa qualitativa da gravidade é possível com base na espessura e imobilidade das cúspides, extensão da separação das pontas dos folhetos na sístole, grau de hipertrofia ventricular esquerda e presença de dilatação pós-estenótica da raiz da aorta (SIMPSON,1997). Através do color Doppler é visto uma turbulência na valva aórtica. No doppler pulsátil, o pico sistólico é maior que 200 cm/seg. Na incidência de três vasos vê-se uma turbulência anterógrada num arco aórtico normal (fig. 3). A estenose aórtica crítica está tipicamente associada a um ventrículo esquerdo dilatado e mais circular com contratilidade diminuída. Comumente a parede ventricular está hiperecogênica, sinal da fibroelastose ventricular (fig.4). O átrio pode estar dilatado devido à regurgitação mitral. A raiz da aorta está estreitada com redução do movimento dos folhetos valvares. E a aorta ascendente pode mostrar uma dilatação ou estreitamento pós-estenótico. Ao color doppler, na visão de quatro câmaras é visto um preenchimento ventricular direito e esquerdo na diástole, com regurgitação mitral, na sístole. Em casos mais severos há redução do preenchimento ventricular e um "shunt" esquerda-direita através do forame oval (fig 5). 8 Figura 3 - Color Doppler de cinco câmaras (A), e três vasos e traqueia (B) em feto com estenose aórtica leve mostrando fluxo turbulento. LV-ventriculo esquerdo; AO-aorta; AOA-arco aórtico; PA-artéria pulmonar. Figura 4. Visão de quatro câmaras de feto com estenose aórtica severa, mostrando o ventrículo esquerdo dilatado e globular, com hiperecogenicidade da parede interna, sinal de estágio inicial de fibroelastose endocárdica. 9 Figura 5. Color Doppler e doppler pulsátil de feto com estenose aórtica crítica, mostrando a redução do conteúdo diastólico final no ventrículo esquerdo (A), a regurgitação mitral e fluxo esquerda para direita em forame oval (B), e regurgitação holossistólica em valva mitral. Tabela 1 - Características diferenciais entre estenose aórtica leve e estenose aórtica crítica. Estenose Aórtica Leve Valva aórtica Fluxo sistólico Tamanho do VE Contratilidade do VE Ecogenicidade da parede interna do VE Fluxo mitral Fluxo no istmo aórtico Foramen oval Estenose Aórtica Crítica estreitada turbulento anterógrado normal normal normal estreitada turbulento anterógrado dilatado reduzida hiperecogênica (fibroelastose) anterógrado fluxo anterógrado shunt direta para esquerda diástole curta e regurgitação mitral fluxo reverso esquerda para direita, quando há regurgitação mitral VE- ventrículo esquerdo DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Estenose aórtica leve Alta velocidade ou turbulência na valva aórtica pode estar presente em outras anormalidades cardíacas como tetralogia de Fallot, atresia pulmonar com defeito do septo interventricular e truncus arteriosus. A dilatação da arté- 10 ria pulmonar na transposição completa dos grandes vasos, na visão de cinco câmaras pode mimetizar uma dilatação pós-estenótica da aorta. Estenose aórtica também pode estar presente em fetos com bloqueio cardíacos devido à auto-anticorpos maternos. Estenose aórtica crítica A estenose aórtica crítica e algumas formas de síndrome do coração esquerdo hipoplásico constituem diagnóstico diferencial. Uma pobre contratilidade do ventrículo esquerdo dilatado pode também ser encontrada em uma fibroelastose endocárdica isolada, cardiomiopatia ventricular esquerda ou túnel aórtico-ventricular esquerdo. Estas condições são extremamente raras se comparadas à estenose aórtica crítica. Um ventrículo pequeno é também encontrado na transposição de grandes vasos com discordância ventricular. Entretanto, as valvas atrioventriculares e o preenchimento ventricular estão normais nessas condições (ABUHAMAD, 2010). CONDUTA PRÉ-NATAL O cariótipo é oferecido, considerando rastreamento para síndrome de Williams-Beuren (deleção 7q11.23) vista sua associação com estenose aórtica. A combinação com malformações extra-cardíacas como renais, higroma cístico ou hidropisia pode sugerir a presença de síndrome de Turner ( VALDES-CRUZ, 1998). ACOMPANHAMENTO E PROGNÓSTICO O segmento intra-uterino deve ser recomendado a intervalos de 2 a 4 semanas, para possível diagnóstico da piora da doença. A redução da contratilidade, au- 11 mento da ecogenicidade da parede ventricular, assim como a velocidade do pico sistólico podem ser considerados sinais de piora do prognóstico (DRURY, 2005). O prognóstico da estenose aórtica leve geralmente é bom, e provavelmente permanece leve até o nascimento. Estudos têm mostrado que o grau de estenose não é fator preditivo para a falência ventricular esquerda. Mas a direção do fluxo através do forâmen oval (esquerda-direita) e o enchimento diastólico são parâmetros sensíveis para predição da falência da função ventricular ao longo da gestação (AXTFLIEDNER, 2006). ASSISTÊNCIA NEONATAL A terapia pós-natal inclui medicações para profilaxia de endocardite bacteriana, restrição de atividade física e monitorização de uma possível disfunção valvar progressiva (DRURY, 2005). Além de terapias cirúrgicas como valvuloplastias com balão, comissurotomia, substituição da valva aórtica pela pulmonar ou por uma prótese artificial. Recentemente, o cateterismo intra-útero tem modificaficado a evolução da estenose aórtica e mudado o prognóstico dos rescém-nascidos. Alguns autores sugerem que a direção do fluxo da esquerda para direita no forame oval e a redução do fluxo no ventrículo esquerdo na diástole devem ser parâmetros usados na seleção dos pacientes candidatos à intervenção prénatal (KLEINMAN, 2006). 12 SÍNDROME DO CORAÇÃO ESQUERDO HIPOPLÁSICO (SCEH) DEFINIÇÃO: A síndrome do coração esquerdo hipoplásico consiste em um espectro de malformações cardíacas complexas envolvendo significante subdesenvolvimento do ventrículo esquerdo e seu trato de saída (fig. 6), resultando em uma obstrução ao fluxo sanguíneo sistêmico (FRUITMAN, 2000). Figura Figura 6 – Síndrome do coração esquerdo hipoplásico. AD – átrio direito; AE – átrio esquerdo; AD – átrio esquerdo; VE – ventrículo esquerdo. Existem duas formas de apresentação da SCEH. Uma forma envolve atresia das valvas mitral e aórtica, sem comunicação atrioventricular e uma severa hipopla- 13 sia do ventrículo esquerdo. A outra forma envolve uma patente, muitas vezes displásica, valva mitral, com atresia aórtica e fibroelastose endocárdica associadas a uma pobre contratilidade miocárdica (CONNOR, 2007). INCIDÊNCIA A incidência da SCEH é de 0,1 a 0,25 por 1000 nascimentos (FERENEZ, 1985). A SCEH é responsável por 3,8% de todas as anomalias cardíacas congênitas, e 70% dos casos são no sexo masculino. (ALLAN, 1994). Embora possa ser diagnosticada intra-útero, há ainda uma significativa proporção de falha de diagnóstico. A recorrência de patologia congênita do coração esquerdo tem sido descrita em intervalo de 2% a 13% (BOUGHMAN, 1987). ETIOPATOLOGIA O processo de desenvolvimento cardíaco anormal no qual resulta a SCEH ainda não está completamente elucidado. Alguns autores acreditam num estreitamento ou fechamento prematuro do forâmen oval durante o desenvolvimento inicial do coração resultando numa redução do fluxo sanguíneo para as câmaras esquerdas do embrião e conseqüente falha de desenvolvimento das estruturas do lado esquerdo do coração (VALDES-CRUZ, 1998). 14 Outros advogam a teoria de um desenvolvimento anormal do coxim atrioventricular como o responsável pela redução do fluxo sanguíneo para as cavidades cardíacas esquerdas, resultando na falha de seu desenvolvimento. ANOMALIAS ASSOCIADAS Valva pulmonar bicúspide, displasia ou estenose da valva pulmonar, estenose tricúspide, anomalia de Ebstein, dupla saída de ventrículo direito, transposição de grandes vasos, defeito de septo atrioventricular, hipoplasia da veia pulmonar, anomalias coronarianas, interrupção do arco aórtico, arco aórtico à direita são alterações cardíacas comumente associadas a SCEH (VALDES-CRUZ, 1998). Malformações extra-cardíacas têm sido relatadas em 10 a 25% das crianças com SCEH (CALLOW, 1992). E quando presentes , podem estar associadas com síndromes genéticas como Sínd. de Noonan, Sínd. de Smith-Lemli-Opitz e Sind. de Holt-Oram (NATOWICZ, 1988). Ou cromossomopatias, encontradas em 4% a 5% dos casos, como Sínd. de Turner, trissomia do 13 e 18. Restrição de crescimento assimétrico, com hipodesenvolvimento do córtex cerebral, principalmente de substância branca, e posterior déficit cognitivo tem sido apresentado como conseqüência de uma redução do fluxo sanguíneo cerebral, vasodilatação compensatória, com hipóxia e/ou hipercapnia em crianças com SCEH isolada (HINTON, 2008). DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL Achados ultrassonográficos Na visão de quatro câmaras, é visto um pequeno e hipotônico ventrículo esquerdo. O ápice do coração é formado predominantemente pelo ventrículo direito. O 15 ventrículo esquerdo pode estar ausente, pequeno, de tamanho normal ou até mesmo dilatado, mas em todos os casos o ventrículo apresenta-se com hipocontratilidade e sem função. Em alguns casos a valva aórtica é atrésica, a valva mitral está patente, mas displásica e o ventrículo esquerdo é tipicamente globular e hipotônico, com uma ecogenicidade brilhante da parede interna associada à fibroelastose endocárdica. O átrio esquerdo é pequeno em relação ao tamanho do átrio direito, com um movimento paradoxal do folheto do forame oval do átrio esquerdo para o direito. Na incidência de cinco câmeras, a saída da aorta é difícil de ser visualizada devido a seu tamanho hipoplásico (<3mm). E na visão de três vasos vê-se o tronco pulmonar dilatado compensatoriamente, adjacente a veia cava superior e um arco aórtico hipoplásico ou ausente. O color Doppler demonstra um preenchimento mínimo ou ausente do ventrículo esquerdo. E nos casos em que a valva mitral está patente, observase regurgitação ventrículo-atrial (fig.7). Tipicamente um “shunt” esquerda para direita através do forame oval é visto devido ao aumento da pressão no átrio esquerdo. Na visão de cinco câmaras, a ausência de fluxo a montante confirma a atresia da valva aórtica. Em nível dos três vasos observa-se um fluxo reverso no istmo e arco aórticos, típico da SCEH. A visão longitudinal do arco aórtico confirma o fluxo retrógado de sangue fornecido pela artéria pulmonar através do ducto arterioso (ABUHAMAD, 2010). 16 Figura 7. Visão de quatro câmaras da síndrome do coração esquerdo hipoplásico com 22 semanas. Note o diminuto ventrículo esquerdo e ausência de fluxo sanguíneo à diástole. DAO- aorta descendente; RV- ventrículo direito; LV- ventrículo esquerdo; RA- átrio direito; LA- átrio esquerdo. A SCEH pode ser identificada a partir de 11 a 14 semanas, principalmente em casos em que há uma combinação com atresia mitral e aórtica, mostrando uma severa hipoplasia do ventrículo esquerdo ou sua ausência. Mas também pode se desenvolver entre o primeiro e segundo trimestre, enfatizando que uma visão de quatro câmaras normal no período da medida da translucência nucal não exclui o desenvolvimento da SCEH mais tarde (AXT-FLIEDNER, 2006). Imagens tomográficas, associadas ao color Doppler, podem mostrar variantes anatômicas das anormalidades da SCEH. Em adição, a ultrassonografia volumétrica 3D pode enfatizar o grau da hipoplasia ventricular, e a raiz da aorta e anel mitral podem ser mais bem visualizados (CHAOUI, 2004). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial inclui malformações cardíacas que tipicamente apresentam diminuição do ventrículo esquerdo. A mais comum é a coarctação da aorta, 17 com estreita via de saída e ventrículo esquerdo pequeno. A tabela 2 mostra a diferença entre SCEH e coactação da aorta. Outra anormalidade que pode ser considerada é a atresia mitral com defeito do septo atrioventricular, dupla via de saída do ventrículo direito e transposição dos grandes vasos. Tabela 2 – Características diferenciais entre a síndrome da hipoplasia de coração esquerdo e coarctação da aorta. Anatomia cardíaca Hipoplasia do ventrículo Coarctação da aorta esquerdo Ápice do coração Tamanho do VE formado pelo direito pequeno Contratilidade ventricular reduzida normal Fluxo mitral ausente ou reduzida normal Defeito do septo interventricular Valva aórtica ausente ocasional atrésica patente Arco aortico Fluxo aórtico sistólico tubular, hipoplásico, tortuoso ausente estreitado principalmente no istmo ou tubular, hipoplásico. anterógrado Fluxo no istmo aortico fluxo reverso Forâmen oval esquerda para direita fluxo anterógrado ou parcialmente reverso direita para esquerda CONDUTA PRENATAL ventrículo formado pelo ventrículo esquerdo restringido mas com tamanho normal 18 Seguimento ultrassonográfico a cada 4 a 6 semanas é recomendado para acompanhamento do crescimento fetal, fluxo através do foramen oval e função da valva tricúspide. A restrição do fluxo no forâmen oval e a disfunção (regurgitação) da valva tricúspide indicam um prognóstico reservado, devido ao aumento da pressão no átrio direito associado à hipertensão pulmonar (ROGERS, 2000). O padrão de fluxo ao Doppler nas veias pulmonares auxilia na avaliação da patência do forâmen oval em fetos com SCEH (ROGERS, 2000). ASSITÊNCIA NEONATAL Por serem dependentes do canal arterial patente, as crianças com SCEH necessitam se submeter a cirurgia já no período neonatal. A cirurgia corretiva para SCEH tem melhorado nos últimos 10 anos, mas essa anormalidade cardíaca ainda é considerada uma das mais complexas. A meta para o tratamento pós-natal inclui a estabilização da via de saída do ventrículo esquerdo, controle do fluxo pulmonar, adequado fluxo sanguíneo coronariano e livre fluxo pulmonar através do septo interatrial (CONNOR, 2007). Modelos terapêuticos cirúrgicos sugerem técnicas de reconstrução e transplante cardíaco. A técnica de reconstrução foi proposta inicialmente por Norwood e cols. em 1980 e passou ao longo dos anos por várias modificações. Esta compreende de três estágios: estágio I de Norwood, realizado no período neonatal; estágio II de Norwood ou “shunt” cavopulmonar bidirecional (cirurgia de Glenn bidirecional), realizado 19 entre 4 e 10 meses; e estágio III de Norwood ou procedimento de Fontan, realizado entre 12 e 24 meses de idade (FUITMAN, 2000). O objetivo do estágio I de Norwood é a prevenção da obstrução da veia pulmonar, um fluxo livre do ventrículo direito para aorta e artérias coronárias, preservação da função do ventrículo direito e adequado fluxo sanguíneo pulmonar permitindo o crescimento da artéria pulmonar sem sobrecarga do ventrículo direito. Para isso é realizada uma anastomose entre a aorta ascendente e a artéria pulmonar com um manguito acessório para criar uma neoaorta. O procedimento é complexo com uma septectomia interatrial e implantação de um “shunt” arterial sistêmico-pulmonar. O objetivo do estágio II é diminuir a sobrecarga de volume e pressão do ventrículo direito. É realizada uma anastomose da veia cava superior com artéria pulmonar direita (Glenn bidirecional). A cirurgia de hemi-Fontan é semelhante, mas a veia cava superior é anastomosada na parede inferior da artéria pulmonar direita. O estágio III ou Fenestrated Fontan é uma complementação ao procedimento de Fontan, ou seja, uma conecção cavopulmonar total. Esta consiste na criação de um túnel lateral para o retorno do sangue da veia cava inferior para a artéria pulmonar (FRUITMAN, 2000). Atualmente a sobrevida após a combinação de procedimentos de Norwood tem sido de 63% para 80% no primeiro ano e de 58% para 72% com cinco anos de idade. O bom prognóstico cirúrgico tem sido menor na presença de malformações extra cardíacas, baixo peso ou prematuridade, obstrução 20 severa das veias pulmonares, disfunção do ventrículo direito e aorta ascendente pequena (FRUITMAN, 2000). O transplante cardíaco é uma opção potencial para uma circulação cardiovascular fisiológica, sem as limitações de um ventrículo único, e a necessidade de múltiplas intervenções cirúrgicas (RAZZOUK, 1996). A maior limitação ao transplante é a falta de doadores. A demora na espera pode ser de 0 a 100 dias. E desta forma as crianças podem desenvolver complicações sistêmicas que inviabilizam o transplante. A mortalidade peritransplante é de 20% a 40% (RAZZOUK,1996). A longa espera também aumenta o risco de hipertensão intra-pulmonar no pós-operatório. Atualmente, a mortalidade neonatal após transplante tem sido em torno de 9% a 20%. E a sobrevida tem sido de 76% em cinco anos e 70% em sete anos (RAZZOUK, 1996). Rejeição tem sido a maior causa de mortalidade após o transplante, ocorre preferencialmente entre os primeiros três a seis meses, e apresenta uma incidência de 0,52 a 1,05/paciente/ano. Razzouk refere ainda que a rejeição ocorre em 30% dentro de três meses, 28% com um ano e 15% até sete anos. Infecção é mais prevalente logo após o transplante e durante o período de tratamento para evitar a rejeição, fases de maior imunossupressão. Aproximadamente 45% a 70% dos pacientes desenvolverão infecção no primeiro ano após o transplante. É necessário vigilância periódica e tratamento antibiótico precoce e agressivo. As infecções mais comuns são respiratórias e do trato urinário. E deve-se ter atenção ao citomegalovirus e Pneumocystis carinii (RAZZOUK, 1996). A vasculopatia coronariana do encherto é a maior limitação ao longo prazo do transplante. Sua etiologia ainda é desconhecida, talvez tenha haver com fatores imunológicos. Para este casos o retransplante é a única opção terapêutica. A inci- 21 dência de retransplante cardíaco pediátrico é de 2% a 43% em cinco anos após o primeiro transplante (RAZZOUK, 1996). Diversas complicações como insuficiência renal, hipertensão arterial, doenças linfoproliferativas, tumores malignos, colocam em debate a real indicação para o transplante cardíaco para essas crianças. Caplan e cols. acompanharam a decisão de pais e indicações de pediatras a respeito das opções terapêuticas para crianças com SCEH, e observou que 63% dos pais optaram pela não intervenção pós-natal, sujerindo que muitos não estão preparados para ter seus filhos submetidos a múltiplas cirurgias com a incerteza do prognóstico a longo prazo. Dos institutos estudados, 36% ofereciam apenas cuidados paliativos, 26% oferecia só cirurgia e 38%, ambos. Entre os neonatologistas questionados, 24% recomendavam apenas cuidados paliativos, 64% cirurgia (44 reconstrutiva e 33 transplante) e 12% cuidados paliativos ou cirurgia. Tanto os médicos quanto as instituições mantêm o controle clínico paliativo como uma opção para pacientes com SCEH. Caplan e cols. concluem que a escolha pela cirurgia reconstrutiva talvez tenha sido reduzida devido a sua baixa chance de sobrevida a longo prazo. E coloca o transplante como uma melhor opção em termos de sobrevida se houver uma melhora na captação de doadores. A terapia cirúrgica parece ser uma esperança ainda com prognóstico incerto a longo prazo. Assim mais estudos quanto o acompanhamento dessas crianças são necessários (FRUITMAN, 2000). COARCTAÇÃO DA AORTA DEFINIÇÃO 22 A coarctação da aorta (CoAo) é o estreitamento do arco aórtico, tipicamente localizado na região do istmo, entre a artéria subclávia esquerda e o ducto arterioso (fig. 8). Pode envolver ainda um segmento longo do arco aórtico, denominado hipoplasia tubular do arco aórtico (EBAID, 1998). CC Figura 8 - Coarctação da Aorta - estreitamento do arco aórtico em região do istmo - discrepância entre os ventrículos direito (VD) e esquerdo (VE). INCIDÊNCIA A CoAo é uma anomalia comum, encontrada em 5% dos recém nascidos com doença cardíaca congênita. Ocorre mais comumente em meninos, com uma relação de 1,27 para 1,74. E apresenta um risco de recorrência razoavelmente alto, entre 2% e 6% para uma criança afetada anteriormente e 4% em caso da mãe apresentá-la (ABUHAMAD, 2010). ETIOLOGIA A origem embriológica é complexa e não totalmente entendida, com duas propostas aceitas; a teoria tecidual propõe que a coarctação é secundária a migração de células do músculo liso para dentro da aorta, e a teoria hemodinâmica diz 23 que a coarctação é secundária a redução de fluxo sanguíneo através do arco aórtico durante a vida fetal (ABUHAMAD,2010). CLASSIFICAÇÃO A CoAo pode ser classificada em simples, quando ocorre isoladamente, sem associação com malformação cardíaca. E complexa quando ocorre em associação com patologia intra-cardíaca importante (RUDOLPH, 1972). Quando associada à síndrome do coração esquerdo hipoplásico e atrizes da aorta, a hipoplásia do arco aórtico pode não ser classificada como coarctação, mas parte de uma anomalia cardíaca principal (RUDOLPH, 1972) A tabela 3 mostra uma série de malformações cardíacas que podem incluir a CoAo ou hipoplasia tubular aórtica como parte de uma anormalidade cardíaca principal. Tabela 3 – Anormalidades cardíacas que podem ter a coarctação da aorta como parte de uma anormalidade cardíaca principal Defeito do coxim atrioventricular com estreitamento do ventrículo esquerdo Síndrome da hipoplasia do ventrículo esquerdo Dupla saída do ventrículo direito Atresia tricúspide com defeito do septo ventricular e mal posicionamento dos grandes vasos Transposição dos grandes vasos 24 Ventriculo único ANOMALIAS ASSOCIADAS A associação com outras anormalidades cardíacas é comum, principalmente a comunicação interventricular. Defeitos do coração esquerdo também estão relacionados com a presença de CoAo, como: valva aorta bicúspide, estenose aórtica, subaórtica e supra-aórtica e estenose mitral. A associação de múltiplas malformações de coração esquerdo associadas à CoAo tem sido descrita como Síndrome de Shone (ABUHAMAD, 2010). A presença de uma veia cava superior à esquerda, associada a uma ligeira discrepância entre a dimensão dos ventrículos deve chamar a atenção para uma possível CoAo (BERG, 2006). Malformações extra-cardíaca e cromossomopatias são comumente associadas à CoAo. Anormalidades vasculares como aneurisma cerebral no polígono de Willis, podendo levar a hemorragia intracraniana tem sido descrita em 3% a 5% dos pacientes com CoAo (BERG, 2006). Malformações geniturinárias, musculoesqueléticas, gastrointestinais, entre outras pode estar presente em até 30% das crianças com CoAo. Cromossomopatias são comuns, principalmente aneuploidias, com uma incidência em torno de 35%. Síndrome de Turner, trissomia do 13 e 18 são as mais freqüentes, principalmente quando em associação a outras anormalidades (BERG, 2006). DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL 25 O diagnóstico ultrassonográfico pode ser feito a partir da visão de quatro câmaras, em que o ventrículo esquerdo está estreitado em relação ao direito. A relação ventrículo direito-ventrículo esquerdo é de 1,19 em fetos normais e de 1,69 em fetos com CoAo. Contrariamente a síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico, a contratilidade ventricular está normal e a valva mitral está patente. Na visão de cinco câmaras, vê-se uma aorta descendente com diâmetro normal. A raiz da aorta pode estar estreitada, principalmente se houver defeito perimembranoso do septo interventricular e/ou estenose aórtica. Na visão de três vasos, o diâmetro transverso do arco aórtico é menor quando comparado com a artéria pulmonar. E este estreitamento é mais bem visualizado na região do istmo. Associada a visão de quatro câmaras e de três vasos, a visão longitudinal do arco aórtico pode auxiliar no diagnóstico. E no arco, o ângulo formado entre o istmo aórtico e o ducto arterioso pode melhorar a acurácia da descrição desta anormalidade (ABUHAMAD, 2010). O color Doppler ajuda na diferenciação entre a CoAo e outras másformações. Na visão de quatro câmaras identifica-se um enchimento ventricular normal, diferente do ventrículo esquerdo hipoplásico. A nível da cinco câmaras se vê o fluxo através da valva mitral e a comunicação interventricular perimembranosa, comumente associada à CoAo. Na visão de três vasos, ou transversa do arco aórtico, um estreitamento transverso do arco aórtico pode ser reconhecido, com menor diâmetro progressivamente na região do istmo (fig. 9). O arco aórtico pode também ser visto no plano longitudinal. O Power Doppler é preferido nesse plano devido a uma melhor visualização da CoAo, onde um típico “sinal da prateleira” é visto na junção do ducto arterioso e a aorta descendente. O Doppler pulsátil pode mostrar um acréscimo no fluxo do 26 coração direito e um decréscimo no fluxo do coração esquerdo (BRONSHTEIN, 1998). Figura 9 - Power Doppler da visão sagital do arco aórtico em um feto normal (esquerda) e em um feto com coarctação (a direita). Note a coarctação entre a carótida comum e a artéria subclávia esquerda. A CoAo da aorta pode ser suspeitada precocemente, entre 11 e 14 semanas, pela discrepância entre as câmaras ventriculares e o estreitamento do arco aórtico na visão de três vasos. O doppler pode ajudar na identificação da traqueia. A confirmação da presença da coarctação é essencial no segundo trimestre, pois a discrepância entre os ventrículos pode desaparecer com o avanço da gestação. A diferenciação entre o normal e a coarctação da aorta pode ser difícil levando invariavelmente a um diagnostico falso-positivo. Em caso de associação com higroma cístico e/ou hidropsia precoce deve-se pensar em Síndrome de Turner. E em caso de associação com outras malformações ou restrição de crescimento, a trisso mia dos 13 é um diagnóstico provável (BRONSHTEIN, 1998). 27 A tomografia e a ultrassonografia 3D podem ser usados para mostrar a coarctação da aorta em diferentes planos. Pode ser utilizado para localizar o segmento comprometido e o grau do estreitamento na região do istmo (fig. 10) (QUARELLO, 2009). Figura 10 – Visão tridimensional em Power Doppler de feto com coarctação da aorta, mostrando o estreitamento na região do istmo. AOA-arco aórtico transverso; DAO-aorta descendente; DA-ducto arterioso; LSVC-veia cava superior. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A CoAo é de difícil diagnóstico pré-natal, sendo comum tanto o diagnóstico falso positivo quanto o falso negativo. A síndrome do coração esquerdo hipoplásico e a interrupção tipo A do arco aórtico são diagnósticos diferenciais frequentes. A contratilidade normal ventricular e o fluxo normal na valva mitral ao color Doppler podem auxiliar na diferenciação com o coração esquerdo hipoplásico, assim como fluxo sanguíneo normal na visão longitudinal diferencia da interrupção do arco aórtico (TANOUS, 2009). 28 CONDUTA PRÉNATAL É recomendado acompanhamento ultrassonográfico a cada 4 a 6 semanas para observar o desenvolvimento do arco aórtico e o progresso da coarctação. Quando na presença de comunicação interventricular, o crescimento da aorta ascendente também é observado (TANOUS, 2009). ASSISTÊNCIA NEONATAL O diagnóstico pré-natal é fundamental para a programação do parto em serviço terciário com cardiologista pediátrico e possível necessidade de uso de prostaglandina para manutenção da patência do canal arterial, fatores decisivos no prognóstico do recém-nascido. A longo prazo, as crianças portadoras dessa malformação têm apresentado hipertensão crônica, doença coronariana,endocardite bacteriana, aneurisma ou hemorragia intracraniano. Seu prognóstico depende da identificação precoce da potencial comorbidade. E na ausência de malformações extra-cardíacas, este tem sido considerado favorável (JENKINS, 1999). Diversos procedimentos cirúrgicos tem sido descritos para correção da CoAo. Desde anatomose termino-terminal, descrita em 1945 por Crafoord e Nylin, enxerto de subclávia, angioplastia com balão introduzida em 1982 e mais recentemente “stents” endovasculares (JENKINS, 1999). Zehr e cols. em estudo retrospectivo de trinta anos, com 179 crianças menores de 1 ano, comparou as técnicas cirúrgicas utilizadas para reparação da CoAo e seus resultados. As técnicas compreendiam anastomose termino-terminal, reparação com retalho da subclávia, aortoplastia e outros procedimentos (micelânia). A 29 mortalidade pós-operatória foi semelhante entre as técnicas. A sobrevida atual é em torno de 57,7% a 77,5%. Uma segunda intervenção cirúrgica para reanastomose foi necessária em 23 pacientes, representando uma taxa de 16,4%. Prematuridade e outras anomalias cardíacas foram significativamente associadas à mortalidade precoce. Concluiu que o procedimento cirúrgico deve ser oferecido preferencialmente no primeiro ano de vida, e sem hipertensão instalada. E a principal complicação a longo prazo é arterosclerose coronariana. Semelhante a outras lesões cardíacas, o prognóstico da CoAo quando detectada no período pré-natal parece ser pior, provavelmente devido à associação com outras malformações. Entretanto, quando excluídos os abortamentos espontâneos, cromossomopatias, restrição de crescimento fetal e malformações extra-cardíacas, a taxa de sobrevida é de 79% (PALADINI, 2004). Enfim, o prognóstico das cardiopatias congênitas obstrutivas do coração esquerdo depende do diagnóstico precoce pré-natal, cada vez mais acurado devido a técnicas de imagem com ultrassonografia bidimencional, color Doppler e volumética. E assistência neonatal em serviço terciário com intuito de se antecipar as complicações inerentes à patologia e dar melhores condições de sobrevida. Os principais fatores negativos são malformações associadas, prematuridade, baixo peso e comprometimento funcional cardiocirculatório. A terapêutica cirúrgica tem avançado muito nos últimos anos e tem se tornado cada vez menos invasiva, atualmente se propondo, em alguns casos, técnicas de cateterismo com menor risco de complicações a curto prazo. Entretanto o prognóstico a longo prazo ainda é insatisfatório, associado a diver- 30 sas comorbidades que comprometem a sobrevida e a qualidade de vida destas crianças, o que coloca em discussão o tratamento cirúrgico de algumas formas mais críticas deste grupo de cardiopatias. 31 REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS Allan LD, G.K. Sharland, A. Milburn et al. Prospective diagnosis of 1,006 consecutive cases congenital heart disease in the fetus, J Am Coll Cardiol 1994; 23: 1452-1458 Andrade JL, Grau CRP, SáBrito ZV. Cardiopatias Congênitas Acianóticas com Obstrução ao Esvaziamento Ventricular. In: Ecocardografia: Princípios e Aplicações Clínicas. Rio de Janeiro: Revinter, 2007 Cap. 47, 924-944. Abuhamad A and Rabin C. Aortic stenosis and Hipoplastic Left Heart Syndrome; second edition.Philadelphia-USA 2010; Cap.11 , p 138-157. Abuhamad A and Rabin C. 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