A TENSÃO ENTRE A FILOSOFIA E A POLÍTICA Willian Bento Barbosa (PAIC/FA-UNICENTRO), Augusto Bach (Orientador), e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Filosofia/Guarapuava, PR. Área: Filosofia, sub-área: História da Filosofia Palavras-chave: Tradição, Filosofia, Política. Resumo: Trata-se da análise da tradição da filosofia política compreendida pela interpretação da filósofa alemã Hannah Arendt. A tradição inicia com Platão, motivada pela condenação de Sócrates, e tem seu fim proclamado com as declarações de Marx. A mudança de paradigma realizada por Platão foi a de abjurar-se da filosofia para poder realizá-la na política. A política, que até então tinha um convívio paralelo ao da filosofia, foi julgada desde então, sob a luz de uma atitude filosófica, fazendo com que principalmente a política em sua forma pura, tal como a da polis grega fosse deturpada. Introdução A presente comunicação tem por objetivo estabelecer algumas reflexões sobre a tradição ocidental da filosofia política e compreender de que modo, a postura filosófica assumida por Platão e seguida como modelo em toda a tradição do pensamento, salvo algumas raras exceções, pode influenciar a política de tal modo a deturpá-la, inclusive influenciando a própria filosofia. Pretende-se no decorrer desta pesquisa científica, demonstrar como era a política em sua forma pura segundo o modelo clássico da polis grega, analisando na sequência o rompimento deste modelo tido pela teoria política e filosófica platônica, uma caracterizada abelhudice dos filósofos no âmbito da política. Postas as principais diferenças, serão analisados quais os reflexos da política julgada sob a luz de uma postura filosófica, expondo a crítica arendtiana a tradição e de que modo ela influenciou a política que nos chega até o presente. A política tal como era conduzida pela forma clássica da filosofia política grega, do domínio da ação como discurso e da palavra, era a forma mais pura da demonstração da liberdade, segundo Hannah Arendt. A pluralidade humana, a condição de que os homens vivem no mundo, e não o homem, vai ser rompida com a tirania da verdade platônica, impondo a necessidade do filósofo assumir o controle da polis. As influências dessa tradição e da relação entre a filosofia e a política representam a base do pensamento ocidental. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. Revisão de literatura A leitura estruturalista de textos filosóficos, associada à interpretação histórica da questão, serviu como modelo de cientificidade para a pesquisa. Resultados e Discussão Hannah Arendt aponta como momento decisivo de toda a tradição do pensamento político, o julgamento de Sócrates. A tradição é iniciada pelo desencantamento de Platão com a vida na polis e principalmente, pelo descrédito da validade da persuasão – retórica, que eram características essencialmente da política clássica grega. A experiência filosófica na política surge em uma tentativa de vingar Sócrates e pra defender-se da polis que condenou Sócrates. A filosofia pós-platônica é caracterizada por uma apolitia filosófica. A substituição da doxa pelo espanto faz com que toda a política e as esferas dos assuntos humanos sejam julgadas sob a luz de uma experiência filosófica. A filosofia política platônica surge para implantar padrões absolutos a uma filosofia política que era conduzida pela pluralidade de indivíduos. Os padrões absolutos, ao qual buscar-se-iam garantir confiabilidade no pensamento, sempre em Platão confrontar-se-ão com a glorificação da doxa antiga, pelo desprezo da opinião em prol de verdades absolutas, do dualismo entre episteme/doxa. Segundo a acepção clássica de uma filosofia política, o pré-requisito para sabedoria política era saber o que era bom para si mesmo, para então, saber o que era bom para a comunidade; um pensamento prático que retornasse a esfera dos assuntos humanos, sendo assim, o filósofo, ao estar preocupado com questões extraterrenas, imutáveis e não humanas, não sabendo o que seria bom para si mesmo, saberia menos ainda o que seria bom os outros. Platão concordava que a preocupação do filósofo fosse com as questões extraterrenas, porém ele negava que essa categoria impossibilitasse o filósofo de executar uma função política. De acordo com a tradição iniciada com Platão, uma tirania da verdade é quem deve ter domínio político, não um domínio temporal, mas a eterna verdade platônica. Entretanto, as verdades almejadas pelos filósofos, acabavam tornando opiniões entre opiniões, ao tentar chamar a atenção dos concidadãos para suas preocupações, o eterno tornava-se temporal e a sabedoria verdadeira sem importância. Hannah Arendt é contra e crítica o padrão platônico de ver a política, já que segundo a autora alemã, é a doxa que faz com que o homem apareça e mostre quem é, pois a doxa, a persuasão, é a arte mais alta e verdadeiramente política de falar. Segundo Aristóteles, compreendendo também Sócrates, a comunidade não é feita de iguais, mas ao contrário, de pessoas que são diferentes e desiguais, através de uma igualação de uma pluralidade individual, utilizando a terminologia arendtiana. Essa igualação política, segundo Arendt, não econômica, é a amizade, philia. Essa compreensão, em que se vê o mundo do ponto de vista de outro, torna-se, Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. segundo Arendt, o tipo de insight político por excelência. O conflito platônico entre corpo e alma serve como metáfora para expressar o conflito entre a filosofia e a política. O corpo habita a cidade dos homens enquanto que a alma almeja as coisas divinas, que está separado das coisas dos homens. Segundo Hannah Arendt, quanto mais um filósofo se tornar um verdadeiro filósofo, mais ele se afastará dos homens, representado pelo corpo, mesmo que isso em vida jamais pudesse acontecer. O governo do filósofo sobre seu corpo seria representado da mesma forma que o governo do filósofo sobre seus súditos, acabando por tornar-se uma tirania. A interpretação arendtiana da alegoria da caverna platônica, nos faz perceber como ocorre a formação do filósofo, e através das próprias metáforas expostas na alegoria, esclarecer-se-á a relação entre a filosofia e a política, metaforizadas entre a alma (filósofo) e o corpo (política). A alegoria narra os prisioneiros da caverna em que eles só podem ver a sua frente as sombras e as imagens que as coisas aparecem refletidas por uma fogueira, o filósofo precisa desacorrentar-se dos grilhões para ver as coisas como realmente são, elas não são meras cópias ou opiniões, as imagens na superfície refletida pela fogueira são para Platão, as doxai. O homem liberto, ao conhecer o fogo artificial e ver como as coisas realmente são, não contente, busca a saída da caverna e, iluminado pela luz do sol, contempla as ideias das ideias e as essências das coisas perecíveis. A cada obstáculo desse prisioneiro, é acompanhada de uma perda de sentido e orientação; ao sair da caverna, seu olho é ofuscado com a luz das ideias, precisando acostumar sua visão a um novo mundo que embora compartilhe, ainda não pode conhecer por que não faz parte desse mundo, sendo necessário voltar pra caverna. Após o habituamento dos olhos a luz do sol, a pior perda de sentido e orientação que acomete os olhos cujo um dia se acostumaram as ideias das ideias é o retorno a caverna perante seus iguais, em um mundo ao qual eles pertencem, ele deve guiar-se pela escuridão da caverna, embora um dia já estivesse acostumado com a escuridão, o retorno a ela já não é uma tarefa simples, precisando bem mais do que mero hábito. O filósofo, alienado das causas humanas e terrenas, perdeu o senso comum necessário para orientar-se em um mundo de todos, a experiência do mundo das ideias contradiz com o senso comum do mundo habitual; segundo Arendt, o que for dito aos habitantes da caverna, não faria mais nenhum sentido, utilizando o jargão hegeliano, era como se tudo “estivesse virado de cabeça para baixo”. O filósofo quebra os grilhões que o acorrentam e o separam da ilusão em uma aventura solitária ao qual só eles têm acesso. Conclusões A filosofia, segundo sua tradição clássica, surge com o espanto – thaumadzein, e difere-se da formação de opinião sobre alguma coisa – Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. doxadzein. O espanto que o homem experimenta para formação de juízos não pode ser relatado em palavras. O espanto enquanto thaumadzein é mudo em si mesmo, já que a verdade última está além das palavras; o espanto pode assumir estado de palavras apenas em formulações, podendo ser de infinitas variações, mas não em afirmações, por exemplo “ o que é ser”, “o que é o homem”, “o que é a alma”, etc. Segundo Arendt, essas formulações não podem ser respondidas cientificamente. A experiência primeira da mudez, que ao mesmo tempo é a última, já que a verdade enquanto thaumadzein inicia com mudez e termina, se coloca fora do domínio político. O filósofo na experiência da mudez, expressando questões irrespondíveis, quando retorna ao âmbito político, leva desvantagem, pois não tem doxas definidas para discutir com outras opiniões. O filósofo poderá ainda falar dentro do mundo do senso comum, mas ele estaria sempre tentado a falar non-senses (não sensos). O modo de vida como um bios theôrétikos, surge assim, para prolongar indefinidamente o espanto mudo que existe no início e no fim da filosofia, assim como durante a tradição da filosofia política tradicional, então, a existência singular do homem baseado por um pathos de um thaumadzein, acaba por destruir dentro de si a pluralidade da condição humana. Percebe-se assim, que durante toda a tradição, a política mostrou sua completa inutilidade, já que ela nunca conseguiu adaptar-se aos padrões quistos pela filosofia, influenciando, salvo raras exceções, toda a tradição da filosofia política ocidental, desde Platão até ter seu fim proclamado pelas declarações de Marx. Referências Arendt, H. A Dignidade da Política. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993. _________ . A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. _________ . Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007. Correia, A. Transpondo o abismo – Hannah Arendt entre a filosofia e a política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. Duarte, A. O Pensamento À Sombra da Ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000. Lafer, C. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.