Sobrati Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva Valdirene Maria de Carvalho Júlio A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA A RECUPERAÇÃO DO PACIENTE DURANTE O PROCESSO PROLONGADO DE INTERNAÇÃO EM (UTI) UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA. Trabalho apresentado ao Instituto nal de Carapicuíba, no Curso de Guaratinguetá Abril/2012 Valdirene Maria de Carvalho Júlio A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA A RECUPERAÇÃO DO PACIENTE DURANTE O PROCESSO PROLONGADO DE INTERNAÇÃO EM (UTI) UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA. Dissertação de Mestrado apresentada á Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva, sob a orientação da ProfªMs.Teresa Célia Mattos Moraes dos Santos, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Terapia Intensiva. Guaratinguetá/SP RESUMO Este estudo objetivou investigar o conhecimento dos profissionais de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sobre o acolhimento à família. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica sendo identificados como temas centrais: significado da família; cuidado à família; dificuldades para cuidar da família; significado de acolhimento. Evidenciou-se que a percepção dos participantes a respeito da família vai além de laços de consangüinidade, que o cuidado à família se dá através de informações e orientações; que as dificuldades para o cuidado à família estão relacionadas ao medo do envolvimento e ao despreparo; que o acolhimento é entendido como proximidade, cuidar o outro como a si próprio, e ser receptivo. Os resultados apontam para a valorização do acolhimento à família como uma tecnologia de cuidado relevante para a prática em UTI, porém existe a necessidade de capacitação dos profissionais. Palavras-chave: Acolhimento; Unidade de Terapia Intensiva; Enfermagem; Família; ABSTRACT This study aimed to investigate the knowledge of health professionals in an intensive care unit (ICU) on the host family. We performed a literature search and identified as central themes: the meaning of family, family care, difficulties in taking care of the family, meaning the host. It was evident that the participants' perception about the family goes beyond blood ties, that family care is through information and guidance, that the difficulties of family care are related to fear of involvement and the lack of preparation; that the host is seen as close, caring others as yourself, and be receptive. The results point to the enhancement of family support as a technology of care relevant to the practice in the ICU, but there is a need for training of professionals. Keywords: Home, Intensive Care Unit, Nursing, Family; SIGLAS UTI: unidade de terapia intensiva PNHAH: Programa de Humanização da Assistência Hospitalar PNH: Política Nacional de Humanização CCFNI: Critical Care Family Need Inventory INEFTI: Inventário de necessidades e estressores de familiares de pacientes internados em terapia intensiva SUMARIO INTRODUÇÃO ............................................................................................... 07 1 AS UTIs ....................................................................................................... 09 1.1 O paciente ................................................................................................ 13 1.2 Propostas de ação para a humanização do paciente de UTI .................. 16 2 A ANSIEDADE E INSEGURANÇA DA FAMÍLIA ........................................ 17 2.1 O enfermeiro percebe a família preocupada com o paciente .................. 21 2.2 O enfermeiro percebe que é difícil lidar com a família ............................. 22 3 AÇÃO PARA A HUMANIZAÇÃO ................................................................ 27 3.1 Propostas para humanização .................................................................. 29 3.2 Propostas de ação para a humanização das relações na equipe ........... 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 38 REFERÊNCIAS …………………………………………………………………… 39 INTRODUÇÃO O cuidado da família é parte fundamental para a recuperação de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o cuidado se torna ainda mais importantes estando esses pacientes em fase terminal ou com poucas probabilidades de melhora. Para a família é sempre muito difícil lidar e encarar as incertezas sobre o futuro do seu familiar. Os familiares têm necessidades específicas e apresentam freqüências elevadas de estresse, distúrbios do humor e ansiedade durante o acompanhamento da internação na UTI, e segundo Abbott KH (2001) muitas vezes esses sentimentos persistem após a morte do seu ente querido. Alguns autores enfatizam a importância dos familiares nesse momento. Takahashi (1980) realizou um estudo cujo objetivo foi verificar se a visita de familiares provoca alterações emocionais no paciente infartado em UTI, com repercussões na pressão arterial e na freqüência cardíaca, observando alterações significativas desses valores durante a visita. Kimura (1984) comparando os problemas dos pacientes de UTI na percepção desses e dos enfermeiros salienta que os pacientes sentem como mais relevantes os problemas relativos à separação da família, à dor, à ausência de atividades e recreação, enquanto os enfermeiros identificam os problemas relativos ao ambiente como sendo os mais importantes aos pacientes. A importância do cuidado da família, mesmo sendo enfatizada por alguns autores é muito pouco abordada na maioria dos cursos de graduação da área da saúde. Sendo assim, é muito oportuno que seja tema dessa tese com o destaque que lhe é devido. Recentemente a literatura está repleta de evidências de que estratégias voltadas para os familiares citando algumas: melhor comunicação, prevenção de conflitos desconforto espiritual, tem como resultado uma maior qualidade da assistência prestada. Este estudo tem como objetivo compreender as vivências de familiares dos pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com a intenção de contribuir para a humanização do cuidado nesse contexto, bem como contribuir para que a Enfermagem aprenda a lidar com a família dos pacientes em UTI, enfocando as suas percepções e sentimentos e ajudar os familiares a superar esse momento, utilizando a espiritualidade, literatura e a conscientização da Enfermagem em UTI. Fazendo uma revisão literária de diversos autores, serão levantadas questões sobre humanização, atenção a família, e a importância da família para com seu ente querido em UTI. 1 AS UTIs As UTIs foram concebidas com a finalidade de oferecer atenção contínua e suporte avançado aos pacientes críticos, com risco de morte, lançando mão de recursos de alta tecnologia que auxiliam ou substituem a função de órgãos vitais. Na presença de falência pulmonar, os ventiladores substituem os pulmões; os cardiotônicos, os antiarrítmicos e os fármacos vasoativos conseguem manter o funcionamento cardiocirculatório; e os dializadores fazem o trabalho renal. No entanto, os avanços tecnológicos e os aparelhos sofisticados não são capazes de aliviar a dor dos pacientes, identificada como o maior estressor e a pior lembrança da UTI (LENT, 2005). São inegáveis os benefícios advindos do progresso da ciência. Sem a utilização da tecnologia na recuperação da saúde e manutenção da vida, provavelmente, a expectativa de vida não teria crescido tanto nos últimos cinqüenta anos. Os recém-nascidos em idade gestacional precoce não sobreviveriam, as crianças ainda morreriam em decorrência de crises asmáticas e adultos com rins que não exercem mais suas funções também morreriam. As UTIs oferecem monitoração hemodinâmica invasiva, mas não permitem que uma esposa visite seu marido fora de horários preestabelecidos. Os tomógrafos permitem a visualização de pequenas alterações morfológicas dentro do organismo, mas os pacientes ficam sem seus óculos. Há a preocupação em informar à família que, em decorrência da bactéria multirresistente X, o antibiótico Y foi substituído pelo Z e que, por essa razão, eles precisam usar luvas e avental ao entrar no quarto, mas nos esquecemos do nome do paciente. Contudo, de que adianta ter ciência e tecnologia sofisticadas ao alcance se nos esquecemos que o objetivo do nosso trabalho é assistir o ser humano, em sua totalidade e complexidade? (NASCIMENTO, 2003). Se a assistência não for empregada levando-se em conta os valores humanos e éticos, ela perde seu sentido de existência. Um valor produzido pelo conhecimento deve derivar-se do valor pela vida. Se o uso da tecnologia e dos processos de trabalho é decorrente do conhecimento humano, mas obscurece o próprio ser humano, pode-se concluir que o homem se perdeu em alguma etapa do processo ou deixou-se dominar pela máquina. Pode-se afirmar que, na atualidade, todo o sistema de saúde está passando por uma crise de valores e identidade, na qual o processo e a tecnociência parecem ser valorizados em detrimento do indivíduo. De acordo com Pessini (2004, p. 18), Com freqüência, são observados ambientes tecnicamente perfeitos, mas sem alma e ternura humana. Essa desumanização do cuidado é ainda mais notória nas UTIs, em que, por conta do domínio operacional dos aparelhos e a realização de procedimentos técnicos, o cuidador e o ser cuidado parecem estar afastados. Para Barnard (1997) a enfermagem, como ciência do cuidar, é norteada por conceitos humanísticos, mas, de modo pouco crítico, tem adotado valores tecanicistas, que modificaram profundamente sua prática nas últimas décadas. Essa mudança paradigmática tem revelado enfermeiros altamente especializados e capacitados para o domínio de equipamentos, mas pouco afetivos, com problemas de relacionamento no trabalho em equipe e dificuldades no atendimento às necessidades humanas básicas dos pacientes. No contexto da terapia intensiva, a tecnologia e a humanização devem ser indissociáveis e complementares em prol da integralidade da assistência. Sem dúvida, trata-se de um grande desafio a ser gerenciado pelos enfermeiros (ARONE, 2007). O descontentamento com esse cenário que coisifica e desvaloriza o ser humano, por enfocar o aspecto técnico do cuidado, tem levado os enfermeiros a repensar sua prática e resgatar os valores humanísticos que embasam a profissão. Nas UTIs, observam-se movimentos de humanização, na tentativa de aliar a competência técnico-científica ao humanismo, que prega a compaixão e o respeito à dignidade humana (PESSINI, 2004). Humanizar a assistência nas UTIs é integrar, ao conhecimento técnicocientífico, a responsabilidade, a sensibilidade, a ética e a solidariedade no cuidado ao paciente e seus familiares e na interação com a equipe. Pressupõe aliviar a dor e o sofrimento do outro; compaixão, ou seja, empatia traduzida em ação solidária concreta; respeito à dignidade e autonomia do outro; compreensão do significado da vida, em seus aspectos éticos, culturais, econômicos, sociais e educacionais; e valorização da dimensão humana do paciente em detrimento de sua patologia. O movimento de humanização não é restrito às UTIs, mas a todo o sistema de saúde brasileiro: (...) Na avaliação do público, a forma de atendimento, a capacidade demonstrada pelos profissionais de saúde para compreender suas demandas e suas expectativas são fatores que chegam a ser mais valorizados que a falta de médicos, a falta de espaço nos hospitais e a falta de medicamentos. (...) As tecnologias e os dispositivos organizacionais não funcionam sozinhos – sua eficácia é fortemente influenciada pela qualidade do fator humano e do relacionamento que se estabelece entre profissionais e usuários no processo de atendimento (BRASIL, 2000, p. 3). Para atender a essas necessidades, o governo federal, em maio de 2000, regulamentou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), com a finalidade de criar uma cultura de humanização. Com o objetivo de melhorar o atendimento à população, essa iniciativa resgata e incentiva o bom relacionamento entre profissionais de saúde e pacientes. O programa destaca claramente a importância da associação entre os aspectos tecnológicos da assistência e as habilidades de relacionamento dos profissionais de saúde para a melhora da qualidade assistencial. Assim, considera a comunicação adequada como o fator estratégico para um atendimento mais humano e solidário (OLIVEIRA, 2006). As propostas do PNHAH abrangeram alguns hospitais da rede pública, capacitando os trabalhadores e estimulando o trabalho em equipe multiprofissional e a gestão de indivíduos como cuidadores. Em 2004, com o objetivo de estabelecer um caráter transversal à cultura de humanização, para atingir todos os níveis de atenção à saúde, o Ministério da Saúde estabeleceu a Política Nacional de Humanização (PNH), conhecida como Humaniza SUS (BRASIL, 2000). A PNH complementa e aprimora o programa anterior, agregando a necessidade de melhora dos aspectos organizacionais do atendimento à população, além de estabelecer estratégias e diretrizes para a implementação da cultura de humanização nas instituições, por nível de atenção (PESSINI, 2004). Nos níveis de atenção hospitalar e especializada, em que se incluem as UTIs, algumas diretrizes da PNH são: • Garantia de visita aberta, por meio da presença do acompanhante e sua rede social, respeitando a dinâmica de cada unidade hospitalar e as peculiaridades das necessidades do acompanhante. • Mecanismo de recepção com acolhimento dos usuários. • Mecanismos de escuta para a população e os trabalhadores. • Garantia de continuidade da assistência. • Definição de protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções desnecessárias e respeitando as diferenças e as necessidades do sujeito. • Equipe multiprofissional de atenção à saúde, com horário pactuado para atendimento à família e/ou à sua rede social. • Existência de Grupos de Trabalho de Humanização, com um plano de trabalho definido. Vale destacar que a humanização das UTIs é um dever moral, ético e legal dos profissionais de saúde. Além da PNH, diversas leis federais e estaduais garantem o direito a um atendimento à saúde mais digno.14,16 A própria Constituição Brasileira oferece o amparo legal à humanização em seu art. 1º, inc. 3º, ao afirmar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (BRASIL, 1988). Em relação aos enfermeiros, o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, quanto aos princípios fundamentais da profissão, em seu art. 3º, norteia a prática profissional para o respeito à vida, à dignidade e aos direitos do ser humano, em todas as suas dimensões. Visto que existem um Código de Ética Profissional, um Programa Nacional e uma Constituição Federal que asseguram e estimulam o respeito à dignidade do ser humano, por que ainda precisamos falar para os profissionais de Enfermagem (e de outras especialidades) acerca da humanização? Isso ocorre porque, além da responsabilidade ética, o comportamento dos profissionais depende, em principal, do compromisso individual de cada pessoa. Sem mudança de atitude na relação com o outro, é impossível humanizar o cuidado. Não é possível sustentar o discurso do humanismo se não tomarmos cuidado com as palavras que utilizamos na conversa, se nos esquecermos da importância de prestar atenção ao outro, de ouvir o que o outro está falando sem deixar o pensamento divagar e de cumprimentar o outro com um sorriso ou aperto de mãos e se fingirmos não perceber os sentimentos e as necessidades do outro. Para humanizar a assistência em UTI, é necessário atentar para todas as dimensões do cuidado: o paciente, a família e a equipe, em seus aspectos biológico, emocional, espiritual e social. 1.1 O paciente Ao longo dos anos, o hospital tornou-se um substituto do cuidado domiciliar oferecido aos pacientes com as mais diversas patologias. Essa substituição teve como ganho a assistência adequada aos diversos tipos de doenças, a garantia de um melhor tratamento e o conseqüente aumento das chances de cura. Percebe-se, no entanto, que, à medida que se ganha em tecnologia e interdisciplinaridade no atendimento ao paciente, regride-se em termos de humanização do cuidado prestado, visto que cada paciente passa a ser objeto do fazer, recebe um codinome relacionado ao número do leito que ocupa e se torna um sujeito passivo e pouco integrado ao tratamento durante sua permanência no hospital. Ao ser internado em uma UTI, o paciente tem uma ruptura com o seu viver diário, o seu espaço habitual e as suas relações, o que afeta, fortemente, a sua identidade. Nesse novo contexto, que é diferente e assustador para a maioria, o paciente precisa, a todo o momento, ajustar-se emocional e fisicamente a esse local. Nas UTIs, os pacientes podem estar conscientes ou “inconscientes” de tudo o que ocorre ao seu redor, vivenciando a experiência da internação de maneiras diferentes. Os pacientes conscientes são capazes de ver os outros pacientes na UTI, de assistir ao fluxo contínuo de profissionais realizando inúmeras atividades e de ver a quantidade impressionante de aparelhos, tubos, curativos e fios, dos quais desconhece a função. A permanência em UTI pode ser amedrontadora e solitária. Um estudo da Faculdade de Medicina da Bahia identificou e estratificou os estressores para pacientes internados em UTI, por meio de três perspectivas: a do paciente, a dos familiares e a dos profissionais de saúde. Para tal objetivo, os autores utilizaram a Escala de Estressores em UTI (Intensive Care Unit Environmental Stressor Scale – ICUSS), que é composta de 40 itens escalonados de 1 (não estressante) a 4 (muito estressante). Os principais estressores para os pacientes foram: ver a família e os amigos por apenas alguns minutos do dia, ficar com tubos no nariz e/ou boca e não ter controle de si mesmo, enquanto para os familiares, foram: não conseguir dormir, ter dor e ser dependente dos tubos. Por fim, os profissionais que estavam em contato com esses pacientes relataram como estressores: ter dor e escutar o barulho e os alarmes dos equipamentos (soares, 2007). Um outro estudo buscou identificar as perspectivas e os sentimentos dos pacientes internados em UTIs, de uma maneira diferente da anterior, que consistiu em uma entrevista semi-estruturada com questões abertas a respeito de perspectivas, sentimentos, momentos críticos, satisfação e insatisfação durante a entrada e a permanência do paciente na UTI. Segundo Nascimento (2003, p. 28): Os discursos foram analisados e agrupados em suas temáticas: “Relembrando o momento da internação” e “Caminhando na internação”. Na primeira temática, os sentimentos que emergiram foram: aceitação por ser bem recebido na UTI; busca de apoio espiritual para superar as dificuldades; frustração, mal-estar e surpresa por estarem em um local jamais imaginado. Na segunda, os sentimentos foram diferentes: incômodo ao ver o sofrimento ou a morte do outro; dor; demora no atendimento; tempo insuficiente de visita dos familiares; satisfação quando a dor é aliviada e quando cuidados como alimentação e medicação são prestados pela equipe de enfermagem; insatisfação quanto aos procedimentos realizados, ao tipo de alimentação e à saudade de casa e da família. O medo de sentir dor é um sentimento comum dos pacientes críticos. Na prática, a dor é, muitas vezes, negligenciada pela equipe de saúde, que, por sua vez, precisa aprender a questionar e quantificar a intensidade da dor para então intervir de forma adequada. No entanto, “pela maior proximidade junto aos pacientes, é a equipe de enfermagem quem deve identificar o quadro álgico, avaliar a dor, notificar a equipe médica quando necessário, implementar a terapêutica Prescrita e avaliar a analgesia” (SILVA, 2007). Os pacientes “inconscientes” vivenciam essa situação crítica de outra perspectiva. A sensação de estar “inconsciente” foi relata por pacientes que tiveram a oportunidade de retornar do coma ou da sedação. Considerando a vulnerabilidade dos centros nervosos a múltiplos agentes nocivos, observa-se que o coma é uma das síndromes mais freqüentes em clínicas. Trata-se de uma situação de urgência e de extrema gravidade, que sempre traduz um profundo sofrimento de estruturas encefálicas. O coma (do grego kôma = sono profundo) pode ser definido como um estado de perda total ou parcial da consciência, da motricidade voluntária e da sensibilidade, geralmente em decorrência de lesões cerebrais, intoxicações, problemas metabólicos e endócrinos, no qual, dependendo da gravidade, as funções vitais são mantidas em maior ou menor grau (SANVITO, 2000, p. 35). A experiência de estar internado em uma UTI e de passar pelo estado de coma é um processo complexo, que pode deixar marcas profundas nos indivíduos que vivenciam essa situação. Muitas dessas marcas não estão somente ligadas ao coma em si, mas às experiências de ter sido “descuidado” durante esse processo, levando muitos doentes a precisar se recuperar não apenas da doença, mas também do fato de terem se tornado “pacientes”. Isso ocorre porque, apesar dos avanços teóricos acerca do cuidado, a prática ainda está baseada, quase exclusivamente, em ações profissionais despersonalizadas, em que o ser se torna a doença, o objeto passivo da investigação e do tratamento (SILVA, 2002). Outra situação clínica muito incidente na UTI é o uso de terapias sedativas. Nesse tipo de terapia, os depressores farmacológicos do sistema nervoso central são utilizados para reduzir o medo, a ansiedade e a agitação dos pacientes. A necessidade de sedação se baseia na condição patológica subjacente, nas metas primárias do tratamento, na resposta de estresse fisiológico à doença e na presença de agitação e delírio. Ansiedade e agitação são vivenciadas por mais de 70% dos pacientes internados em UTI, sendo que sua prevalência é muito maior em pacientes críticos submetidos à ventilação mecânica (CARRASCO, 2000). Em um experimento, foram testados os efeitos de declarações positivas feitas a pacientes anestesiados, as quais indicavam que eles teriam um restabelecimento pós-operatório rápido. Com efeito, esses indivíduos passaram um tempo menor no hospital do que os pacientes que não receberam tais declarações positivas (RATTEY, 2002). O cuidado da enfermagem, com certeza, é um dos itens mais difíceis de ser implementado. Em decorrência da rotina diária e complexa que envolve o ambiente da UTI, os membros da equipe de enfermagem esquecem de tocar e conversar com o ser humano que está à sua frente. Ao realizar uma atividade técnica, sem estar presente de corpo, mente e espírito, o profissional não está realmente cuidando, mas, sim, realizando um procedimento (VILLA, 2002, p. 69). Para a promoção de ações que visam à humanização do paciente crítico, o grande desafio é mudar comportamentos, uma vez que o comportamento humano é modificado apenas com motivação própria. Para humanizar é preciso, antes de tudo, humanizar-se. 1.2 Propostas de ação para a humanização do paciente de UTI. Segundo Leite (2005) para humanização do paciente em UTI é necessário: • Orientar a equipe a tratar o paciente pelo nome. Nesse sentido, é útil colocar pequenas identificações na cabeceira, no pé da cama ou próximo à entrada do boxe/quarto. • Colocar um painel do lado do leito do paciente para que ele possa afixar fotos de amigos e familiares, recadinhos, mensagens etc. • Explicar, com antecedência, os procedimentos que serão realizados, independentemente do nível de consciência do paciente. • Estar atento aos sinais não verbais emitidos pelos pacientes: desenvolver a percepção de quando algo agrada ou incomoda. Cuidar para não invadir seu espaço pessoal sem pedir licença. • Proporcionar orientação temporal ao paciente, disponibilizando relógio e calendários, posicionados de forma que sejam facilmente visualizados pelo paciente. • Oferecer jornais, revistas, livros, televisão ou música. Caso o paciente utilize óculos, aparelhos auditivos e/ou próteses dentárias, devolvê-los assim que possível. • Reconhecer o paciente como parte integrante de uma família, com funções e necessidades específicas. Facilitar a aproximação. • Incluir a dor como o quinto sinal vital, promovendo avaliação frequente e alívio adequado. • Preservar a privacidade e a confiança do paciente, evitando comentários pessoais sobre ele ou outro paciente em voz alta na UTI ou nos elevadores. • Usar um tom de voz adequado para questionar o paciente sobre aspectos de sua intimidade (p. ex., evacuação). • Mexer nos pertences pessoais do paciente, por exemplo, escova de dente, chinelos, pente etc. somente com a sua autorização. Cuidar para não invadir seu território sem pedir licença. • Olhar o paciente nos olhos antes de iniciar os procedimentos. 2 A ANSIEDADE E INSEGURANÇA DA FAMÍLIA A internação do paciente na UTI é um momento, na maioria das vezes, muito difícil para a família, que pode experimentar sentimentos de incerteza quanto ao presente e ao futuro de seu familiar, sentimentos que também envolvem as suas próprias perspectivas de vida. Muitos questionamentos emergem por parte da família: “a cura será completa?”, “haverá sequelas?”, “a morte poderá ocorrer?”, “ele consegue nos compreender?”, “sente dor?”. Sendo o paciente o foco do cuidado, as necessidades dos familiares são, muitas vezes, desconhecidas ou menosprezadas pela equipe de saúde. A sensibilidade do enfermeiro em perceber as necessidades da família pode resultar na implementação de novas políticas, como horário de visitas mais flexíveis, maior proximidade da equipe de enfermagem e maior facilidade na obtenção de informações (MAURITI, 2007, p. 42). Em geral, observa-se que o foco da assistência de enfermagem é o atendimento às necessidades do paciente. No entanto, o paciente não é o único a sofrer com a doença e com a hospitalização. Os familiares e as outras pessoas envolvidas diretamente com o paciente também compartilham a angústia, o medo e o sofrimento desse momento. Sendo assim, é importante que o profissional de saúde dispense atenção aos familiares com o objetivo de facilitar o enfrentamento dessa nova experiência. A assistência de enfermagem deve atender às necessidades dos pacientes e familiares, ajudando-os a compreender, a aceitar e a enfrentar a doença, o tratamento e as conseqüências que essa nova situação impõe à vida familiar (MAURITI, 2007). Os primeiros estudos que identificaram as necessidades dos familiares de pacientes internados em UTI utilizaram um instrumento com 45 necessidades, denominado Critical Care Family Need Inventory (CCFNI). No Brasil, o CCFNI foi adaptado e validado para a cultura brasileira, com uma lista de 43 necessidades, denominado Inventário de Necessidades e Estressores de Familiares de Pacientes Internados em Terapia Intensiva (INEFTI). Divide-se em cinco categorias de necessidades: informação, segurança, acesso, suporte e conforto (MORGON, 2004). Maruiti & Galdeano (2007) identificaram as necessidades de familiares de pacientes internados em uma UTI por meio de uma adaptação do CCFNI. A necessidade de conhecimento/informação identificada com maior freqüência foi saber de fatos concretos sobre o progresso do paciente (84,6%). Quanto à necessidade de conforto, a mais observada foi ter um toalete e um telefone próximo à sala de espera (56,4%). A necessidade de segurança observada com maior freqüência foi ter a certeza de que o paciente está recebendo o melhor tratamento (89,7%). Por fim, em relação à necessidade de acesso ao paciente e aos profissionais da unidade, foi identificada, com maior ocorrência, a necessidade de conversar com o médico todos os dias (79,5%). Freitas (2005) comparou as necessidades de familiares de pacientes adultos internados em UTIs de um hospital público e de um hospital privado, por meio do INEFTI. Entre as necessidades identificadas com maior freqüência pelos familiares do hospital público, duas relacionavam-se ao acesso: ver o paciente frequentemente e ser comunicado sobre as possíveis transferências. As demais necessidades se relacionavam à segurança e à informação. Quanto à segurança, foram identificadas as seguintes necessidades: sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente, estar seguro que o melhor tratamento possível está sendo dado ao paciente e saber quais são as chances de melhora do paciente. Em relação à informação, foram observadas: saber que tratamento médico está sendo dado ao paciente e saber por que determinados tratamentos foram realizados com o paciente. Para os familiares da unidade privada, as necessidades de maior destaque estavam relacionadas à segurança e à informação. Em relação à segurança, foram destacadas: estar seguro que o melhor tratamento possível está sendo dado ao paciente, sentir que o pessoal do hospital se interessa pelo paciente e saber quais as chances de melhora do paciente. Quanto à informação, foram identificadas: poder conversar com o médico todos os dias e saber por que determinados tratamentos foram realizados com o paciente (FREITAS, 2005). Esses sentimentos que os familiares de pacientes internados experienciam, para o enfermeiro, emergem de situações difíceis que acompanham essa internação, tais como: a possibilidade da morte do paciente, a busca de informações sobre o estado de saúde do paciente e a própria dinâmica de trabalho da terapia intensiva, com sua tecnologia e com o saber específico dos profissionais. O enfrentamento da possibilidade da morte pode ser visualizado nas unidades significativas que se seguem: “A família do paciente internado em terapia intensiva, em geral, é ansiosa e amedrontada diante da possibilidade da morte e do desconhecido” (US1, D2). Existe também uma ideia mais ou menos corrente de que o paciente que vai para a UTI, está para morrer, o que potencializa o medo e a ansiedade... (US4, D2). É nesse momento de crise, ao enfrentar a situação dolorosa de internação de um familiar na terapia intensiva, que a família se depara com a possibilidade da morte. Ou seja, esse momento de internação é uma facticidade que faz a morte se tornar uma possibilidade muito próxima e concreta. A família pode perceber que seu ente querido pode deixar de estar próximo. A sociedade ocidental ainda está voltada a ignorar ou evitar a morte, o que é fortalecido pelas características do morrer atual - solitário e desumano - muitas vezes no ambiente hospitalar (KUBLER-ROSS, 1996). A morte, quase sempre, é enfocada como o fim da vida. Vida e morte são vistas como pólos distintos e estanques, não sendo a morte concebida enquanto possibilidade concreta da existência e que a permeia por inteiro. Acredita-se que, na verdade, esse enfrentamento da possibilidade da morte é realizado em níveis de profundidade distintos, tanto pela família (e pelo paciente conforme a consciência que tem do seu estado) quanto pelo enfermeiro. Alguns estudos têm mostrado que enfermeiros e pessoal auxiliar que atuam em terapia intensiva têm dificuldades em lidar com as situações de morte (para exemplificar mencionamos o estudo de Boemer (et al. 1989). Nesse sentido, parece evidente que apesar da morte ser uma ocorrência frequente em terapia intensiva, aqueles que lá trabalham buscam preservar a vida, sem o enfrentamento da possibilidade da finitude do existirhumano. No dizer de Boemer et al.(1989), essas pessoas sentem-se compromissadas com a vida e, ao preservá-la sentem-se gratificadas É significativa a idéia expressa por Valle (1988, p. 108-109): ... É importante buscar a compreensão ontológica da finitude do ser e a consciência da finitude da própria existência é o caminho para a verdade. Somente quando os profissionais entenderem a morte como parte da existência e não como um ponto final, somente quando também compreenderem que todo ser é um ser para a morte, é que eles poderão assumir a sua própria humanidade e se relacionarem de maneira autêntica com os outros seres que, pela facticidade do mundo, estão vivendo uma situação de morte: a sua própria ou a de alguém que muito amam. Os sentimentos de medo, ansiedade e insegurança também se revelam na busca de informações sobre o estado de saúde do paciente empreendida pela família, o que podemos perceber nos discursos abaixo transcritos: ... ansiosa por informações, por confirmação/negação de seus receios... (US2, D2). Percebe-se a família do paciente internado em UTI; extremamente ansiosa, com medo, e necessidade constante de informações sobre o estado em que o paciente se encontra. As vezes uma certa insegurança de que: será que as informações que foram dadas sobre o paciente são na íntegra verdadeiras? Sempre, ou melhor, muitas vezes buscam checar estas informações obtidas com outros profissionais da equipe para se sentirem mais seguros (US1, D9). Ao buscar informações do paciente, na percepção dos enfermeiros, a família continua a manifestar a preocupação com a possibilidade da morte. No enfrentamento da morte, nessa mudança de vê-la não mais como um fim da existência, mas enquanto uma ocorrência que pode se fazer tão próxima, emerge a angústia da família. Com esse sentimento, o ser humano pode transcender ao viver rotineiro, lançando-se na perspectiva de perceber-se vivendo, com seus limites e possibilidades, em um modo de ser mais autêntico. Entretanto, esse sentimento é muito doloroso à família, que acaba por optar pela busca de notícias que amenizem seus medos. É possível compreender que a família, por si mesma, ao deparar-se com aquele ambiente estranho e com o aparato tecnológico, não tem meios mais efetivos para convencer-se de que seu ente querido pode se recuperar. Assim, vai em busca daquele que, ao manipular, de certo modo, a vida de seu paciente, pode prestar-lhe esclarecimento: o profissional da saúde. Os enfermeiros percebem ainda que a tecnologia, o saber dos profissionais e a própria dinâmica de trabalho da unidade também relacionam-se aos sentimentos de medo, ansiedade e insegurança, como pode-se apreender nos discursos que se seguem: ...amedrontada diante da tecnologia e do saber superior daqueles que naquele momento, se apossam do seu paciente... (US3, D2). Também se percebe como pessoas que têm receio de questionar o médico, de atrapalhar o serviço, de incomodar e que em muitas vezes desconhecem o seu poder de consumidor de um serviço e principalmente os seus direitos (US2, D7). Os enfermeiros percebem que apesar de temer o desconhecido, a família se vê obrigada a “entregar” seu ente querido a outros, àqueles que detêm um saber específico para atuar nesse momento. Muito significativa é a fala da enfermeira que apreende o sentimento da família em relação à posse do paciente, pela equipe de saúde e tão impotente deve sentir-se a família. E, na visão do enfermeiro, haverá esse sentimento de posse, de ser proprietário da vida do outro?, questiona Oliveira (2006). Considerando as experiências profissionais, não se pode deixar pensar que, em muitos momentos, os profissionais de saúde, se apossam sim do paciente, numa ânsia de manipulá-lo, reduzindo-o à vida biológica e, mesmo que bem intencionados no sentido de salvar vidas, pouco sensíveis em apreender a singularidade de cada paciente e da família. Acredita-se ser relevante a reflexão da visão onipotente do saber profissional, da compreensão do que seria a qualidade dos cuidados em terapia intensiva e da própria qualidade de vida. Por outro lado, o enfermeiro percebe que, em certas situações, a família sente-se segura por deixar seu parente nesse ambiente bem equipado, o que advém da idéia de que em terapia intensiva o paciente pode ser melhor cuidado. Nesse sentido, o enfermeiro percebe que a família vivencia sentimentos ambíguos em relação à terapia intensiva: lugar estranho, que amedronta, mas que oferece segurança no cuidado do doente grave. 2.1 O enfermeiro percebe a família preocupada com o paciente O enfermeiro relaciona a preocupação da família com a própria atuação daqueles que cuidam do seu ente querido. Alguns discursos apontados por Valle (1998) revelam essa idéia: ... a própria retirada deste de seu lar, de seu convívio, gera uma insegurança, que se mostra através da dúvida, se este indivíduo, vai realmente ser cuidado, com o mesmo carinho e apreço, no qual o mesmo poderia ser cuidado pelos familiares (US3, D3). ... algumas vezes pessoas bastante exigentes, que requisitam muitas explicações e cuidados pequenos para nós, mas que para eles representam fator bastante significativo (US2, D4). A família, na visão do enfermeiro, coloca-se enquanto defensora do paciente, já que esse, quase sempre, não está em condições de se defender. A família, na percepção do enfermeiro, torna-se vigilante em relação ao fazer da equipe de saúde. Ao perceber suas próprias limitações, o que lhe resta é exigir do outro. O cuidar em terapia intensiva, sem dúvida, exige conhecimentos técnico-científicos que dêem conta de responder às alterações hemodinâmicas do paciente crítico. Entretanto, tais conhecimentos, isoladamente, não são suficientes para apreender o ser humano, em suas múltiplas facetas de existir; ao mesmo tempo, não são suficientes para um lidar mais efetivo com a família (VALLE, 1998). Nesse sentido, acredita-se que, em alguns momentos, o paciente é dicotomizado por aqueles que dele cuidam, mas não pela família. Pode-se, também, considerar que, de certo modo, aparece, de maneira velada, um conflito entre a família e a equipe de saúde, considerando as incertezas e exigências daquela e as próprias diferenças de percepção em relação às prioridades do cuidar. 2.2 O enfermeiro percebe que é difícil lidar com a família Essa percepção mostrou-se bastante significativa. Todos os discursos referiram-se à dificuldade em lidar com a família, revelando distintas dimensões dessa vivência. É assim interessante que, ao mesmo tempo, os enfermeiros percebem os sentimentos de sofrimento dos familiares e apreendem em si mesmos, dificuldades em lidar com eles. Para alguns enfermeiros, essa dificuldade está vinculada à organização do trabalho e às especificidades de uma terapia intensiva, às próprias limitações pessoais ou da equipe de saúde e, ainda, ao modo das famílias expressarem seus sentimentos. Alguns depoimentos, segundo Valle (1998) referem-se à organização do trabalho e às especificidades de uma terapia intensiva: Lidar com familiar na minha percepção é uma tarefa bastante difícil, pois muitas vezes não dispomos sequer de um tempo para suprir e confortar todas as ansiedades e dúvidas que eles requisitam... (US1, D4). Creio não ter muita dificuldade para me relacionar com os familiares, mas tenho muita dificuldade em dar um atendimento adequado a estes familiares que tanto querem ouvir, pois devido o grande número de leitos e o reduzido número de enfermeiros nos dificulta bastante a atenção a estes, a visita na instituição dura cerca de 15 minutos, e tem muitos leitos a percorrer (US1, D9). Alguns enfermeiros mencionam que o tempo é escasso e o trabalho pesado, dificultando o relacionamento com os familiares. Sem dúvida, o trabalho cotidiano em terapia intensiva é intenso, absorvendo o tempo do enfermeiro. Entretanto, podese apreender que, se o atendimento ao familiar fosse prioridade, enquanto uma filosofia institucional e um desejo dos profissionais, talvez outras possibilidades de trabalho pudessem emergir, apesar das limitações impostas pela gravidade do paciente. Ao mesmo tempo, emerge a necessidade de repensar se, em certos momentos, não é menos conflitante interiormente às enfermeiras ocuparem-se cada vez mais com seu próprio fazer do que buscar um envolvimento mais efetivo com os familiares, o que demandaria saberes distintos dos habitualmente priorizados, além de uma disposição de ser com o outro mais autêntica. A dificuldade em lidar com a família do paciente internado também revelou-se nos discursos dos enfermeiros de terapia intensiva em relação às próprias limitações pessoais ou da equipe de saúde: ... tenho uma angústia muito grande, pois sei que existe uma barreira enorme entre eu e os familiares, até mesmo no que diz respeito a orientações que necessito dar, mas muitas vezes me sinto incomodada e até mesmo travada no momento... (US2, D3). ... o problema de comunicação com os familiares se torna complicado para nós, pois, primeiro, por nos sentirmos tão sofridos quanto eles, por sugarmos grande parte da dor dos familiares, e segundo porque nos cursos de graduação não se tem um preparo direcionado a este problema... (US4, D3). ... mas, apesar de dentro de mim ter um grande bloqueio, tento brigar comigo mesma e acabo tendo um bom contato, porém, sei que não pleno (US5, D3). Difícil. Porque existe uma empatia com a família. É difícil lidar com o sofrimento dela (US1, D8). O que percebo é que há grande dificuldade por parte dos médicos de interagir e compartilhar com a família os seus desejos e anseios. Não digo que isto não ocorre na enfermagem, ocorre, mas em menor intensidade (US3, D7). Essas limitações pessoais, em alguns depoimentos, mostram-se vagas, relatando as enfermeiras que se sentem “travadas”, com “bloqueio”. Em outros discursos, o que se revela significativo é que a dificuldade em lidar com a família emerge da empatia, da capacidade de colocar-se no lugar do outro, o que, à primeira vista pode parecer incoerente, uma vez que, na enfermagem, de modo geral, enfoca-se a empatia como possibilidade de se relacionar mais efetiva e humanamente com o paciente e com os seus familiares (BOEMER, 1989). Parece, então, que ao ser empático, o enfermeiro sente, de certo modo, a dor e o sofrimento do outro e depara-se com seus próprios sentimentos, numa relação mais autêntica, na medida em que consegue libertar-se da impessoalidade. A empatia, na linguagem fenomenológica, significa “... sentir, com o outro, aquilo que ele sente, sem que necessariamente esteja vivendo o que ele está vivendo...Sem empatia não há relacionamento humano, pois ela é a disposição pessoal de ida ao outro” (BOEMER,1989, p. 27-28). Essa autenticidade leva à retomada de seu próprio movimento de vida pelo enfermeiro e, nessa luta entre ser autêntico e ser inautêntico, o enfermeiro começa a perceber o outro e a si mesmo, acima de tudo, como seres humanos. Ao mesmo tempo, o enfermeiro relata não ter preparo suficiente para tal. Compreende-se, entretanto, que o ser empático envolve um aprendizado que transcende à área cognitiva, indo em direção à afetividade de cada profissional, às suas próprias vivências em relação ao sofrimento. Esse aprendizado não se limita ao período formal do curso de graduação, pode ser aí despertado, mas darse-á ao longo das vivências profissionais de ser enfermeiro em terapia intensiva. Nesse momento, corrobora-se com Valle (1988, p.95): ... o caminho para ser-com-o-outro - o caminho da solicitude, na sua forma de permitir que o outro seja ele mesmo, que cresça, que amadureça - não é necessariamente o caminho das grandes informações teóricas e grande preparo técnico, mas trata-se de uma disponibilidade para compreender o outro naquele momento de sua existência. Outra dimensão que se revela é a dificuldade em lidar com o modo da família expressar seus sentimentos. ... cada ser humano, possui uma reação particular e muitas vezes incontroláveis, por isso acredito que seja para mim a maior dificuldade de controle dentro de uma UTI, pois nunca sabemos com o que ou com quem estamos lidando! (US4, D3). ... por inúmeros problemas vivenciados, e pela diversificação de respostas dos familiares, se torna para mim uma dificuldade grande em contato com os mesmos... (US1, D3). Parece-nos que a imprevisibilidade do mostrar-se do outro dificulta os enfermeiros no relacionamento com os familiares. Apreendemos a idéia de que, para os enfermeiros, talvez seria mais fácil lidar com a família se houvesse, por parte dessa, um modo de “comportamento padrão”, já que é assim que mais freqüentemente vive-se, diluídos nesse modo de ser inautêntico, impessoal. O enfermeiro busca pôr em prática algumas ações com a intenção de ajudar a família Alguns discursos expressam essa idéia: Já alternei e ampliei o horário de visitas, aumentei o número de visitantes para tentar atenuar a ansiedade do paciente e da família (US1, D1). Solicitei a formação de uma equipe multiprofissional ... para reuniões com os familiares dos pacientes internados na UTI... (US3, D1). De minha parte sempre que possível deixo entrar e visitar o paciente, pois, sei que é bom para ambas as partes. Procuro quando solicitada dar as informações e atender as suas ansiedades... (US3, D7). Essas ações dizem respeito, de modo geral, àorganização das visitas e das informações dadas à família. Como mencionado no discurso da literatura, vários estudos, enfocando a problemática da família, apontam as suas necessidades de visitar o paciente e obter informações sobre o mesmo. Em seu trabalho, Freitas (2005) mostra que os enfermeiros parecem favoráveis à entrada e permanência da mãe na UTI Neonatal, porém com restrições relativas à dinâmica do serviço e às limitações da mãe e consideram, ainda, ser necessário um preparo da equipe para assistir mãe e bebê. Alguns enfermeiros mostraram-se, assim, sensíveis a essas necessidades dos familiares, apesar das dificuldades estruturais e pessoais já expressadas. Acredita-se que essas ações podem ser um primeiro passo na humanização do atendimento, na abertura ao mostrar-se da família, mas é preciso a compreensão de que essas medidas, isoladamente, não dão conta de atender efetivamente a família nesse momento vivido. Ou seja, não basta implantar medidas, adotando uma postura pragmática. Assim, corre-se o risco de objetivar a tal ponto os sentimentos dos familiares, perdendo de vista a singularidade de cada um em seu manifestar-se e a necessidade de abrir-se, enquanto profissional, de maneira atenta a esse mostrar-se, em busca de compreensão. O contato com a família pode mobilizar emoções agradáveis bem como facilitar a assistência prestada ao paciente em terapia intensiva. Lidar com a família do paciente internado na UTI tem sido intrigante. Mobiliza emoções pessoais minhas, resgata valores tais como crença na importância do afeto manifesto para a recuperação do paciente; e também o sentimento de desejo de proteção e cuidado individualizado para cada pessoa sob meus cuidados, levando a tentar evitar contatos que possam prejudicá-la (US1, D2). ... com a família é possível aprender como abordar melhor o paciente, pois nos conta como ele é usualmente, por exemplo: em casa ele só dorme com escuro total, ou ela é muito apegada à netinha, ou ela tinha medo de morrer sozinha... (US3,D2). Retomando o discurso 2 (D2), é possível compreender que essa enfermeira parece conseguir dirigir-se, de certo modo, ao mundo do paciente e da família, não dicotomizando-os, tentando estabelecer relações entre seu existir cotidiano e seu paciente, não destituindo-os de suas particularidades, ao contrário utilizando-as em favor da assistência prestada. Nesse encontro, ela reencontra-se consigo mesma, enriquecendo seu existir profissional, em uma atitude autêntica de ser com o outro e ser si mesma. Não são apenas um paciente e uma família que se encontram com um profissional, mas seres-aí que podem compartilhar suas vivências. Kubler-Ross (1996) analisa que, ao estar aberta para ouvir os familiares, a enfermeira diminui a angústia sentida por eles, ao ver seu ente querido cercado por máquinas modernas e outros equipamentos desconhecidos em sua realidade. 3 AÇÃO PARA A HUMANIZAÇÃO Na maioria das vezes, tudo é novo e assustador para a família. Não há dúvida de que ela precisa de apoio, informações adequadas e estar próximo do paciente. Ao identificar essas necessidades, observa-se o início das incoerências. Atualmente, muitos profissionais de saúde das UTIs ainda acreditam que o cuidado dos familiares depende, basicamente, de habilidades e características individuais e que essa responsabilidade seja exclusiva de profissionais específicos, como psicólogos e assistentes sociais. Entretanto, embora esses profissionais tenham extrema importância nesse processo, todos os profissionais da UTI são responsáveis pelo cuidado dos familiares (SOARES, 2007). O fato é que o enfermeiro, pelas funções que executa, é capaz de perceber o sofrimento da família de muito perto, mas, muitas vezes, não consegue agir com efetividade, pelas limitações em lidar com o próprio sofrimento e pelas inúmeras responsabilidades burocráticas que o afastam do cuidado direto ao paciente e sua família. A experiência dos visitantes diante do impacto de visitar o ente querido na UTI é, muitas vezes, desesperadora, angustiante e fragilizante. Os familiares não estão acostumados com o ambiente da UTI e com a imagem do familiar nessa situação, ou seja, intubado, monitorado e recebendo medicamentos intravenosos (OLIVEIRA, 2006). Essas situações precisam ser abordadas com cautela, sensibilidade, dedicação e compromisso. O núcleo do paciente, ou seja, a família, tem os primeiros e talvez os únicos contatos com a instituição e com a equipe de saúde nos horários de visita. É nesse momento, pelo menos, que a relação entre eles deve ser construída. Entretanto, na maioria das UTIs, os horários de visita familiar possuem tempo e número de visitantes reduzidos. As justificativas são inúmeras, como risco de infecção hospitalar, falta de espaço físico e realização de procedimentos necessários. Os horários disponíveis são quase sempre em horário comercial, períodos do dia que, com certeza, implicam o rompimento das atividades diárias dos familiares. Atualmente, muito se tem discutido a respeito da política das visitas familiares em UTI. Porém, a restrição dos horários de visita ainda é a norma nas unidades, embora a ênfase no cuidado centrado na família e no paciente esteja modificando percepções sobre a visita familiar (SOARES, 2007). Um estudo francês36 teve como objetivo examinar as percepções dos trabalhadores de uma UTI médico-cirúrgica sobre a visitação sem restrição, mensurar o tempo das visitas e determinar a prevalência dos sintomas da ansiedade e da depressão em membros da família. A duração mediana máxima das visitas foi de 120 minutos por paciente por dia. Nenhuma correlação foi encontrada entre a severidade da doença, a carga de trabalho e a duração da visita. As visitas ocorreram durante as 24 horas do dia, mais predominantemente entre 14 e 20 horas. Poucos familiares visitaram os pacientes à noite e somente dois dormiram no quarto do paciente. Portanto, a política irrestrita de visitação não foi associada a visitas longas. Os familiares, em geral, realizaram a visita durante o dia, permaneceram 1 a 2 horas por dia e não se reuniram em grandes números no quarto do paciente. Embora diversas diferenças tenham sido anotadas, nem os enfermeiros nem os médicos perceberam a visitação aberta como uma interrupção do cuidado ao paciente. A avaliação mediana para o atraso na organização do cuidado foi nunca para médicos e ocasionalmente para enfermeiros. A Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar indicou sintomas de ansiedade em 49% dos membros da família e depressão em 29,5%. A política de 24 horas foi percebida pelos familiares como facilitadora ao meio hospitalar, o que permitiu que eles conhecessem melhor a equipe da UTI, forneceu mais tempo para interagir com os enfermeiros e os médicos e causou menos ansiedade (LEITE, 2005, p. 91). Os resultados desse estudo36 são animadores e devem incentivar os profissionais a discutir as vantagens de abrir a UTI às famílias. Não há duvidas de que a mobilização da equipe é o maior obstáculo, principalmente da enfermagem. Quando os profissionais são relutantes para aceitar a visitação aberta, um aumento gradual nas horas de visita, com uma avaliação dos efeitos, pode ser útil como uma preliminar à visitação aberta 24 horas. Além disso, a mobilização da equipe para uma política mais liberal dos horários de acesso dos familiares de pacientes em situação de terminalidade não demanda investimentos financeiros ou mudanças estruturais de grande porte, mas, fundamentalmente, uma mudança cultural dos membros da equipe da UTI. 3.1 Propostas para humanização • Flexibilizar as políticas de visitação: mais opções de horários e autorização da entrada de mais de um familiar por visita. • Estimular a participação da família no tratamento: esclarecer as dúvidas e fornecer informações necessárias para que a família também participe das decisões, proporcionando, assim, mais liberdade de atuação aos familiares. • Aprender a conviver com o sofrimento alheio sem se afastar dele. Para isso, é necessário enfrentar os próprios medos e sentimentos. • Interagir com a família com clareza, efetividade e respeito: expressar-se com uma linguagem adequada, buscar alternativas concretas e proporcionar um espaço adequado para recebê-los. • Ouvir com atenção e empatia.Na maioria das vezes, as pessoas estão mais interessadas em fornecer informações do que recebê-las. • Desenvolver treinamentos para toda a equipe de comunicação empática, de tal forma que se adquira a habilidade de dizer as verdades de maneira gradativa e suportável. • Elaborar folhetos explicativos sobre a rotina e a estrutura física e organizacional da UTI, assim como a definição de alguns termos técnicos mais utilizados. Para isso, a equipe tem que estar unida e nem sempre é o que acontece, pois ocorre a dificuldade em trabalhar em equipe em decorrência da desumanização das relações. A impessoalidade e os conflitos que ocorrem nas relações entre os profissionais de enfermagem na UTI estão diretamente relacionados a algumas características do próprio cotidiano de trabalho. A sobrecarga física e emocional, as perdas e as mortes constantes, a não liberação das emoções, a autonomia e os limites do trabalho da equipe são, indubitavelmente, fatores que interferem na relação interpessoal entre os membros da equipe e entre o profissional e o paciente. O trabalho da equipe de enfermagem nas UTIs é marcado por inúmeras contradições. É necessário provocar dor em intervalos de tempo regulares para que se possa manter a vida e cuidar de pessoas que “não dão sinais” de que continuam vivas. Para o profissional, parece ainda não haver relação de troca na interação com alguns pacientes, em razão da imobilidade e impossibilidade de verbalização (PINHO, 2008). Convive-se com sentimentos dicotômicos oriundos desses paradoxos, por vezes desejando algo contrário a seus princípios, tal como a morte de alguém a quem se dedica o cuidado. Além desses paradoxos, há a sobrecarga física e emocional. É fisicamente extenuante cuidar de pacientes com o dobro do peso corpóreo do enfermeiro e que são totalmente dependentes da equipe para a higienização e mobilização freqüentes. A sobrecarga emocional da equipe de enfermagem na UTI tem sido amplamente discutida na literatura, que identifica diversos fatores que contribuem para o esgotamento psíquico do trabalhador. Pela natureza de seu trabalho, o contato da equipe de enfermagem com o paciente e sua família é maior e mais estreito, o que possibilita a escuta e a identificação de necessidades. Porém, também é um fator que causa estresse e ansiedade para o profissional, à medida que não é possível suprir todas as demandas identificadas, seja pelo limite de atuação profissional, seja pela sobrecarga de atividades (ESSLINGER, 2004, p. 45). A própria equipe multidisciplinar também é um fator que gera estresse ao profissional, sobretudo no que tange à falta de compromisso e coleguismo de alguns membros da equipe (LEITE, 2005). O clima de trabalho exaustivo e tenso provoca desmotivação e conflitos, produzindo relações de trabalho inadequadas, em um contexto que, muitas vezes, não possui um bom delineamento dos limites de atuação profissional de cada um dos envolvidos. Um outro fator agravante da sobrecarga emocional dos trabalhadores de enfermagem em UTI é a instabilidade clínica e a gravidade dos pacientes atendidos, que gera uma expectativa constante de ter de lidar com situações de emergência em que há risco de morte. Lidar constantemente com o sofrimento do paciente e de seus familiares, a dor física e emocional do outro, o inesperado, o limite e as perdas e mortes freqüentes contribuem para o esgotamento psíquico dos profissionais (PEREIRA, 1997). À medida que os profissionais são incentivados a priorizar os aspectos técnicos de sua prática profissional, negam, com freqüência, suas emoções, reprimindo-as por trás de uma aparente frieza. Essa “neutralidade” em relação ao sofrimento causa um distanciamento que empobrece o relacionamento com os pacientes e familiares. Esse é o mecanismo de enfrentamento mais utilizado pelo profissional de enfermagem que trabalha em UTI e, paradoxalmente, também um dos fatores que mais contribuem para a desumanização do cuidado em um ciclo vicioso. Diante desses fatores, os profissionais buscam, compulsivamente, alternativas para melhorar seu estado emocional e suas condições de trabalho. Há a necessidade de bate-papos informais, diversas pausas para o “café” no turno de trabalho e horários de almoço e de descanso noturno estendidos, não apenas para o repouso, mas para ouvir música, assistir à televisão e conversar (PEREIRA, 1997). Para exercer a profissão com honra e dignidade, respeitando o outro e sua condição humana, os profissionais de saúde também precisam ser tratados com dignidade, com melhores condições de trabalho, melhores remunerações e reconhecimento e valorização de suas atividades e iniciativas, além do reconhecimento de seus limites profissionais (BAKES, 2006). Para humanizar o cuidado, também é necessário cuidar do cuidador. É importante resgatar a realização pessoal, a alegria e o prazer no trabalho, ter espaço para falar e ser ouvido e refletir sobre o fazer. É necessário que cada um saiba o que é esperado de seu trabalho, encorajando a responsabilidade do profissional pelos próprios atos. Também é necessário deixar claro o impacto que o trabalho de um membro tem sobre o trabalho da equipe como um todo. 3.2 Propostas de ação para a humanização das relações na equipe. Cuidar de si mesmo: ter uma atividade de lazer prazerosa, expor sentimentos, chorar as perdas, vivenciar os lutos e buscar acompanhamento psicológico, quando necessário. Utilizar, de forma adequada, técnicas de comunicação interpessoal (p. ex., comportamento empático e escuta ativa): melhora o relacionamento com pacientes, familiares e equipe. Ser solidário e cooperar com os colegas no trabalho. Criar um grupo de discussão, com encontros regulares com os colegas de trabalho, para compartilhar situações vivenciadas e criar estratégias para ancorar os princípios bioéticos de autonomia, beneficência e justiça. Promover atividades integradoras entre a equipe, como confraternizações, gincanas etc. Investir na educação continuada: aprimorar as habilidades relacionais com leituras, cursos, palestras, dinâmicas e discussões de casos. Prover auxílio espiritual e emocional, com presença compassiva e comportamento empático, escutando atentamente os medos, as dores, os anseios e os sonhos, e dando a oportunidade de expressar sentimentos como tristeza, raiva, despeito, arrependimento, entre outro. Atentar para a comunicação verbal e não verbal do paciente. Pessoas com o nível de consciência alterado ou capacidade de comunicação diminuída podem expressar angústia por meio de choro, agitação psicomotora, expressões faciais, alterações de sinais vitais, tensão muscular, entre outros sinais. Manter a conversação mesmo quando o paciente é incapaz de responder, assegurando-o de que é compreendido e não está sozinho. Encorajar os familiares a conversar com o paciente, mesmo quando inconsciente, dizendo o quanto ele é amado e importante para os outros. Evitar atitudes ou comentários negativos. A atitude mais sensata quando não se sabe o que falar é permanecer em silêncio, demonstrando compaixão e apoio com um toque afetivo no ombro ou segurando a mão da pessoa. Sugerir ao paciente que o perdão, o estreitamento das relações e a resolução de conflitos são possíveis, em vigência da angústia espiritual. Sugerir e oferecer a oportunidade de conversar com um provedor espiritual, de acordo com a crença religiosa do paciente (padre, pastor, mentor, entre outros). A estrutura física e organizacional da maioria das UTI ainda prioriza a conveniência dos profissionais de saúde, deixando as prioridades dos pacientes e de seus familiares em segundo plano. Poucas são as UTIs que dispõem de boxes individualizados, locais reservados para a comunicação com os familiares e políticas de flexibilização do acesso ou mesmo de acesso livre aos familiares de pacientes (SOARES, 2007). Explorar a questão da invasão da privacidade do paciente em diferentes circunstâncias na esfera da assistência em UTI, inclusive relacionada à nudez do paciente, não é uma tarefa fácil, tendo em vista que esse tema engloba diversos fatores relacionados às características básicas do ser humano, individuais e coletivas. A manutenção da privacidade do paciente é um desafio para a equipe, pela própria especificidade da assistência e característica das UTIs. Entretanto, observa-se claramente que ações direcionadas à preservação da privacidade do paciente e atitudes de respeito transmitem segurança e, a partir disso, o paciente passa a confiar mais na equipe e reconhece o esforço empreendido (PUPULLIM, 2005). Outro problema que agrava a invasão da privacidade do paciente internado em UTI é que ele acaba sendo constantemente abordado por muitos profissionais. Na maioria das vezes, o motivo desse fluxo intenso de profissionais é a falta de comunicação entre eles. A internação em uma UTI por si só já predispõe a Intervenção constante da equipe profissional, porém a estrutura aberta facilita essa abordagem ao paciente em detrimento da busca da informação no prontuário ou do questionamento a um colega de profissão. A iluminação das UTIs também pode ser considerada um fator de estresse e desconforto para os pacientes. Muitas vezes, a iluminação é constante e artificial, o que pode interferir diretamente na qualidade e duração do sono dos pacientes. A luz natural é o que sincroniza o marca-passo do sistema temporizador circadiano, o núcleo supraquiasmático, com o ciclo dia e noite. A intensidade da luz do dia é diariamente monitorada pelo núcleo supraquiasmático, por meio de seus aferentes visuais, o que serve de ajuste para os neurônios osciladores desse núcleo. As conexões referentes do supraquiasmático veiculam comandos para que algumas das funções anatômicas, neuroendócrinas e comportamentais (inclusive sono e vigília) possam ser reguladas de acordo com o período de 24 horas. É claro que a luz natural não deve ser o único temporizador. Existem outros fatores que podem interferir nesse processo, por exemplo, circunstâncias sociais e luz elétrica (LENT, 2005, p. 41). Ainda não se conhece claramente a função do sono, porém, não há dúvidas de que ele é extremamente necessário. Experimentos de privação do sono em animais demonstram que períodos prolongados podem ser fatais. A teoria mais difundida é a de que o sono serve para restaurar energias gastas durante a vigília. Entretanto, outras funções importantes têm surgido, como a de que o sono possa servir para restaurar o sistema imunológico. Ratos privados de sono morrem em 15 a 20 dias. A causa da morte é, em geral, a ocorrência de infecções oportunistas causadas por imunodeficiência, o mesmo destino de pacientes humanos que sofrem de uma doença rara, a insônia fatal familiar, em decorrência da má-formação do tálamo (LENT, 2005). Outra questão que deve ser considerada é o uso do ar condicionado nas UTIs, em temperaturas muito baixas. A sensação de desconforto produzido pelo frio é uma das queixas mais freqüentes dos pacientes (NASCIMENTO, 2003). O ambiente da UTI, ou seja, o espaço relacional do paciente com a sua família e com a equipe multiprofissional pode e deve ser agradável para todos os segmentos envolvidos. Para isso, é necessário que haja mudança de paradigmas e um melhor planejamento de construções e reformas nas UTIs. O uso adequado de cores (nas paredes e nos tetos), espaços com dimensões confortáveis e adequadas ao manuseio e à mobilização dos pacientes e mobiliário funcional são aspectos dessa mudança. Uma das formas de começar um processo de humanização é fazer com que os profissionais da UTI se sintam parte do processo. A dinâmica de trabalho da equipe de enfermagem é muito diferente das dos outros profissionais que trabalham em UTI, mas isso não significa que não sejam necessários períodos e locais adequados para descanso, descontração e rodízio durante o trabalho, sobretudo nos períodos noturnos ou plantões diurnos de doze horas. Na maioria das vezes, a estrutura das UTIs não proporciona isso para a equipe de enfermagem. Para que o ambiente das UTIs passe a ser chamado de “espaço relacional”, muita coisa precisa ser modificada. Também é importante lembrar de todos os grupos envolvidos, visto que, para que haja uma interação harmoniosa entre as pessoas, são necessários respeito e comportamento solidário e justo com todos, além de adequadas condições de trabalho e descanso para toda a equipe. Para humanizar o processo de morte nas UTIs, uma boa alternativa é a adoção dos princípios e das práticas dos cuidados paliativos. O que a princípio parece um paradoxo, na verdade, é uma esperança possível para a operacionalização de ações que permitem um cuidado de maior qualidade ao fim da vida. Sempre existe uma possibilidade de cuidado para o paciente crítico, mesmo quando a cura não é mais possível e o prognóstico é reservado. Quando é dito aos familiares que nada mais pode ser feito para reverter o estado crítico do doente, visto que a morte é iminente, não é o fim de tudo, mas, de certa forma, o começo. É o começo do planejamento e da realização de ações interdisciplinares que possam proporcionar, ao paciente, uma morte digna e sem grande sofrimento e, aos familiares, o apoio necessário para o enfrentamento desse momento difícil. Para a equipe de enfermagem, o cuidado ao paciente que vivencia o processo de morte na UTI termina somente após a morte, com o preparo do corpo para ser dignamente velado. No período de cessação dos investimentos terapêuticos, início da agonia e morte, as ações da equipe interdisciplinar visam proporcionar o máximo de conforto ao paciente, ajudando-o a vivenciar com dignidade e qualidade o processo de morte. Desse modo, são prioridades o conforto, o controle da dor e outros sintomas e o apoio psicológico e espiritual para o paciente e seus familiares. Essas ações são essenciais à humanização do processo de morte na UTI. Os pacientes que vivenciam o processo de morte na UTI sabem, de alguma maneira, o que vai acontecer e dificilmente solicitam à equipe medidas intervencionistas que visem prolongar a vida a qualquer custo. O que o paciente solicita é não ser abandonado, ser cuidado até o final e não sofrer sem necessidade, porque a dor e o sofrimento são, para os pacientes críticos, piores que a própria morte. Em relação aos familiares, ao receberem a informação de que um ente está internado em situação grave na UTI, com risco de vida, eles geralmente vivenciam um turbilhão emocional, com combinação de choque, incerteza, tristeza, confusão, estresse, ansiedade, depressão e desconforto. É comum que não entendem o que está acontecendo com seu familiar, não saibam o que ou para quem perguntar ou como devem se comportar no ambiente da terapia intensiva, com tantos aparelhos e fios próximos ao leito do doente. Prover apoio emocional, escutando e compreendendo seus sentimentos, e fornecer informações e orientações simples e claras nesse momento é extremamente benéfico aos membros da família (PESSINI, 2004, p. 12). É necessário que os familiares sejam mantidos informados sobre o que acontece e sobre o que esperar do processo de morte de seus entes. Desse modo, uma das necessidades mais proeminentes da família é o estabelecimento de uma comunicação clara, honesta e freqüente com os membros da equipe que cuidam do paciente. A informação contínua e acessível aos familiares é o elemento essencial que permite uma vivência mais serena e tranqüila do processo de morte do doente, sem gerar expectativas que não podem ser atendidas. A partir da meta-análise de diversos estudos, Pereira (2003), identificou as necessidades dos familiares de pacientes críticos em iminência de morte na UTI: estar com o paciente, sentir-se útil no cuidado do paciente, ser informado acerca de mudanças nas condições clínicas e iminência de morte, entender o que está sendo feito pelo paciente e o porquê, ser assegurado do conforto do paciente, ser confortado, poder expressar suas emoções, ser assegurado de que as decisões tomadas foram as melhores, encontrar algum significado na morte e na perda da pessoa amada, ser alimentada e hidratada e poder descansar. Um fenômeno comum para os familiares de pacientes terminais na UTI é o luto antecipatório, um processo complexo, multidimensional e inconsciente de resposta emocional à ameaça potencial de morte de uma pessoa amada. É caracterizado por depressão, preocupação com a perda e antecipação dos ajustes pessoais necessários à existência sem a pessoa amada. As manifestações físicas desse processo são cefaléia, exaustão, mialgias, insônia, perda de apetite, falta de ar e vertigens. As manifestações cognitivas incluem dificuldade de concentração, confusão, sensação de dúvida e descrença. Os familiares que vivenciam o luto antecipatório necessitam ser aceitos, apoiados e confortados pelos profissionais de saúde, assim como ser claramente informados acerca das condições e do prognóstico do paciente e assegurados de que seu ente está recebendo o melhor cuidado possível (PEREIRA, 2003). Os acontecimentos nos últimos dias e horas de vida de uma pessoa querida serão permanentemente lembrados por seus familiares. Se a família estiver presente e sentir-se participante do cuidado, poderá ter a certeza de que tudo foi feito da melhor maneira possível. Sempre haverá o luto, mas também haverá a certeza de que o ente amado que morreu não estava sozinho nas suas horas finais. Dessa forma, é necessário facilitar e estimular a presença da família, inclusive a visita de crianças, se assim for desejado. Permitir, na medida do possível, a permanência de familiares em tempo integral e visitas fora dos horários padronizados na unidade. Permitir que os familiares participem dos cuidados ao paciente, de modo que possam sentir-se mais úteis e participantes ativos da assistência à pessoa amada que está morrendo. Oferecer apoio emocional por meio da compreensão empática e escuta ativa, mostrando-se disponível, ouvindo com atenção e oferecendo reforço positivo. Deve-se também estimular a expressão de sentimentos e dúvidas, assegurando aos familiares que o paciente está sendo bem cuidado e que tudo o que é possível está sendo feito para que ele não sofra. Manter a família informada sobre a evolução esperada durante o processo de morte e sobre o que está acontecendo no momento com o paciente e quais serão os próximos passos. Utilizar uma linguagem simples, clara e acessível às pessoas que não são profissionais de saúde. Lembrar que os familiares querem saber se o paciente está sofrendo, sentindo dor, consciente do que está acontecendo à sua volta, ouvindo, entre outras coisas simples, e não informações técnicas sobre suas condições hemodinâmicas. É necessário lembrar os familiares que aquela pode ser a última oportunidade de dizer o quanto a pessoa amada, de pedir perdão ou permitir-se ser perdoado. Evitar julgar a postura de afastamento dos familiares em relação ao paciente e sua enfermidade, uma vez que as vivências prévias e prováveis conflitos são desconhecidos. Orientar os familiares sobre o fato de que o tato e a audição parecem ser os últimos sentidos que se mantêm até o momento da morte, mesmo quando o paciente encontra-se inconsciente e, portanto, deve-se ter prudência com comentários, evitando a resolução de conflitos familiares na presença do paciente moribundo. Os familiares devem ser estimulados a tocar o paciente afetivamente e falar próximo a ele, expressando seu carinho e presença reconfortante. Mesmo quando o paciente não é capaz de comunicar-se verbalmente, os familiares devem permanecer fisicamente próximos e oferecer apoio com palavras de conforto, cantos, poemas, orações, poesias, ou o que for significativo à pessoa que está morrendo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, busca-se algumas aproximações à temática em foco, na tentativa de elucidar algumas de suas dimensões que possam possibilitar momentos de reflexão. Nesse sentido, ressalta-se como significativo que o enfermeiro percebe o sofrimento da família e, ao mesmo tempo, as próprias dificuldades em lidar com ele, o que denota ser importante repensar a relação enfermeiro-família e suas implicações na assistência ao paciente grave. Essas dificuldades, relatadas pelos enfermeiros, emergem fortemente, ao nosso ver, no contexto de trabalho de terapia intensiva, o qual ainda, muitas vezes, restringe-se ao fazer tecnicista. Ao mesmo tempo, os enfermeiros têm limitado preparo relativo à dimensão emocional, o que exige um contínuo aprendizado que extrapole a formação acadêmica e cognitiva. O estabelecimento de uma relação mais efetiva com a família envolve um constante movimento de autenticidade e inautenticidade, próprio do existir humano. Assim, não se trata de exigir que o enfermeiro seja um “superprofissional”, capaz de dar conta de toda e qualquer situação, nem é possível generalizar os modos de expressão dos sentimentos por parte dos familiares. Ao contrário, em muitos momentos, apesar de velados, emergem conflitos entre os enfermeiros e os familiares. Essa temática envolve repensar dimensões pessoais, organizacionais, políticas e sociais em relação à família, buscando qualificar a prática em terapia intensiva, sem idealizações deslocadas do contexto de trabalho, evitando negar os velamentos que envolvem a relação paciente-família. Essa reflexão faz-se necessária no momento atual em que emerge a necessidade cada vez mais premente de qualificar o nosso fazer, retomando o sujeito no contexto de trabalho, valorizando os conhecimentos que extrapolem a dimensão biológica. REFERÊNCIAS ABBOTT KH, Sago JG, Breen CM et al - Families looking back: one year after discussion of withdrawal or withholding of life-sustaining support. Crit Care Med, 2001;29:197-201. Arone EM, Cunha ICKO. Tecnologia e humanização: desafios gerenciados pelo enfermeiro em prol da integralidade da assistência. Ver. Bras Enferm 2007. BACKES DS, Lunardi VL, Filho WDL. A humanização hospitalar como expressão da ética. Rev Lat-Am Enferm. 2006. BARNAND A. 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