Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. A LUMINOSIDADE DA DOUTRINA DAS CORES Ana Carolina Mondini1 [email protected] Resumo O presente artigo analisa o sentido de luminosidade sugerido por Goethe, em sua Doutrina das Cores. Devido à inexistência de uma definição precisa dessa noção, decorrente de sua amplitude no seio da filosofia goetheana, traçamos uma aproximação, propondo a luminosidade – assim como outras noções que com ela se compõem – como aquilo que resulta de uma experiência de caráter filosófico-moral, análoga à experiência descrita por meio da simbologia dos conceitos cromáticos. Palavras-chave: Luminosidade; Cor; Experiência. Abstract This paper analises the meaning of luminosity suggested by Goethe in his Doctrine of Colors. Due to the lack of a precise definition of this notion, consequence to its extent within the Goethean philosophy, we trace an approximation proposing luminosity – as well as other notions with which it is composed – as that which results from a moralphilosophical experience, similar to the experience described by chromatic concepts symbology. Keywords: Luminosity; Color; Experience. LUMINOSIDADE: UMA EXPERIÊNCIA CROMÁTICA A luminosidade não possui uma definição precisa na Doutrina das Cores, de Goethe. Essa ausência, no entanto, não é privilégio daquela noção, mas da maioria dos conceitos significativos que compõem a Doutrina. Trata-se tão somente da própria ausência de um sentido mais restrito, que se relacionaria a uma experiência não menos limitada. Na Doutrina, os conceitos, em suas amplas significações, não se distinguem totalmente uns dos outros, mas complementam-se, propondo, desse modo, a ideia de totalidade. Focaremos, portanto, nossa investigação na noção de 1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (2011) e aluna do curso Superior de Pintura IV da Unespar/Embap (2013). 153 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. luminosidade a fim de compreendermos em que medida a relação entre a cor e a luz, sugerida por Goethe, ao distinguir-se da experiência proposta pelo viés estritamente físico de Newton, propõe um sentido mais plenode experiência cromática. Em sua Doutrina das Cores, Goethe relata os efeitos da experiência cromática, com o intuito de transmitir propriamente a experiência moral, cujo critério seria o fenômeno original. O próprio sentido de moral instaurado por este autor sugere uma forma bem particular de transmissão dessa experiência e que, de fato, antecede a moralidade (que chamaremos aqui tudo aquilo que se aciona, ou melhor, toda e qualquer prática e ação que ocorre – a partir da – e posteriormente à – experiência do fenômeno original)2. Trata-se, portanto, de uma doutrina filosófico-moral e que, por conseguinte, antecede toda e qualquer moralidade. Desse modo, facilmente se questionaria o uso do pensamento desse teórico, Goethe, uma vez que nosso trabalho promete um contorno voltado para as artes plásticas e, mais precisamente, como antecipamos, para a luminosidade. Essa problematização, no entanto, nos conduz ao exame do próprio sentido da Doutrina: se Goethe procurou trabalhar com uma doutrina moral, porque envolver as cores em sua questão? Solucionar esse problema significa o esclarecimento da amplitude do sentido de luminosidade (e, por conseguinte, das cores) como algo que, em essência, não poderia distinguir-se da totalidade, na qual se incluem todas as manifestações da natureza. Com isso, Goethe pretende não apenas instaurar uma doutrina, seja moral, seja cromática, mas propor um sentido mais compatível com a efetiva relação entre os homens e as cores. E isso diferentemente de Newton que, em sua Óptica, desprezou essa conexão lançando uma teoria cromática sob o viés exclusivamente matemático. Conforme os próprios dizeres de Goethe, “nosso trabalho, por outro lado, será bem vindo ao técnico e ao colorista. Pois são justamente aqueles que refletiram sobre o fenômeno das cores e não se contentaram com a teoria até então válida: foram os primeiros a constatar a insuficiência da doutrina de Newton” (GOETHE, 2011, Introdução, p. 49). Não se satisfarão apenas o técnico e o colorista com a Doutrina goetheana, ao contrário: com sua obra o autor pretende instaurar vínculos entre os demais “saberes, práticas e aplicações”, com o intuito de que os fenômenos discutidos, ou seja, a cor e seus correspondentes, possam ser “elevados a um sentido superior, a fim de serem utilizados esteticamente pelos homens”, de modo que “o esquema físico geral, simples, [por exemplo,] tem de ser em primeiro lugar elevado e diversificado, para 2 Veremos, na sequência do texto, que esse sentido de moralidade encontra-se sugerido na Doutrina como que se opondo a outro sentido de moral mais amplo (ao qual atribuímos o caráter filosófico-moral). Trata-se, mais precisamente, de uma moralidade direcionada e exemplificada na sexta seção Efeito Sensível-Moral da Cor, versus a moral que se instaura como pano de fundo de toda a Doutrina. 154 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. servir a fins superiores” (GOETHE, 2011, § 745, p. 133). A mesma discussão com o físico, com o técnico e o colorista, portanto, espera-se que se estabeleça com o filósofo, o médico, o químico, o músico etc. O matemático [porém] é o único em nosso círculo a quem receamos desagradar. Por uma extraordinária conjunção de circunstâncias, a Doutrina das Cores foi conduzida ao domínio e ao banco dos réus da matemática, sem fazer parte dela. Isso se deve não só a sua afinidade com as demais leis da visão, com as quais o matemático fora propriamente chamado a lidar, mas também ao fato de um grande matemático [Newton] tê-la reelaborado e, equivocando-se como físico, usado todo seu talento para dar consistência ao erro. Logo que se reconheça o duplo erro, o mal-entendido será remediando, e o matemático trabalhará de bom grado conosco, em especial na parte da física da Doutrina das Cores (GOETHE, 2011, Introdução, p. 49). A insuficiência da teoria newtoniana consiste no fato de que a maneira como seu autor faz a cisão dos fenômenos discutidos, ou seja, pelo tratamento do recorte matemático (“equivocando-se como físico”), não permite que tais fenômenos sejam posteriormente unificados – como o é possível no caso da física. Conforme as palavras de Goethe: “pode-se exigir do físico, que procura tratar de toda a doutrina da natureza, que seja matemático. Durante a Idade Média, a matemática foi o órgão principal pelo qual se esperava apoderar dos segredos da natureza e, até hoje, a geometria prevalece com razão em certos domínios da doutrina da natureza. A Doutrina das Cores em particular sofreu bastante com o fato de sua evolução ter sido radicalmente obstruída pela confusão que se fazia entre ela e a ótica. Enquanto esta não pode prescindir da geometria, a Doutrina das Cores pode perfeitamente se separar dela” (GOETHE, 2011, § 722 e 725, p. 131). Assim, o uso por parte de Newton de inflexíveis regras matemáticas, como propedêutica de seus estudos, fez com que o sujeito (o órgão da visão) mesmo participando como observador fosse colocado, paradoxalmente, como alguém que de maneira alguma se relacionaria ativamente aos efeitos da experiência. Goethe, ao contrário, pretendia a unificação, visando uma unificação primordial de “tudo o que aparece, tudo o que se manifesta como fenômeno” (GOETHE, 2011, § 739, p. 132 – grifos nossos). Como afirmou Carlo Argan, ao comentar a Doutrina, Goethe “assumiu desde o início uma postura severamente crítica em relação a Newton, o gênio científico do século”. O filósofo alemão sustentava que, assim como a ciência, a arte deveria ser considera como critério de conhecimento, na medida em que ela também seria um componente constituinte da cultura e do espírito humano (ARGAN, 2010, p. 325). E sentia a positividade da primeira [ciência] como um agente moderador dos voos vertiginosos e perigosos e das quedas desesperadores da inspiração; e a facticidade da segunda [arte] como uma forma diferente de conhecimento, por imagens e não por conceitos, que o atraía tanto mais, 155 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. enquanto se sentia soberano absoluto no domínio próximo da linguagem e do discurso (ARGAN, 2010, p. 325). Enfim, Goethe considerava que ambas não deveriam ser jamais consideradas como incompatíveis na medida em que cada qual ao seu modo “realizavam a unidade e a totalidade do espírito” (ARGAN, 2010, p. 325). A discórdia com a teoria de Newton, no entanto, não se refere apenas à desconsideração do sujeito observador, mas, também, à desconsideração da arte, de outras esferas do saber, ou seja, trata-se do próprio princípio de investigação científica. LUMINOSIDADE: IMANÊNCIA DA COR À LUZ A noção de luminosidade não é tratada diretamente por Goethe. Porém, por meio do exame da luz e da cor, mais precisamente, do modo como elas se relacionam, torna-se possível compreendermos seu sentido. Não será nosso objetivo desvendar a natureza da luminosidade, mas tão somente buscar um sentido coerente. Goethe não nos oferece uma definição precisa de cor e luz. Toma-as como coisas dadas e reconhecíveis (GOETHE, Prefácio, 2011, p. 41). Seus relatos, portanto, consistem naquilo que está além da mera presença de cor e luz na natureza3 (seja dentro do olho, seja fora dele), mas, na maneira harmônica como elas se associam4. Segundo as palavras do autor, cor e luz “se relacionam perfeitamente, embora devamos pensá-las como pertencentes à natureza como um todo: é ela (a natureza) inteira que assim quer se revelar ao sentido da visão” (GOETHE, 2011, Prefácio, p. 35). Porém, dizer que cor e luz relacionam-se perfeitamente não esclarece muita coisa. Esta conclusão acerca da relação em questão, de fato, não é dada sem um minucioso exame por parte do autor. Exame tal que se distingue essencialmente do sentido (acerca da relação entre luz e cor) atribuído por Isaac Newton. Um dos aspetos pontuais da discordância refere-se às condições ambiente e, por conseguinte, aos resultados obtidos pela observação prismática – que se realizou propriamente pela primeira vez com Newton5. Segundo as palavras, de Goethe: 3 Na Doutrina, o termo natureza tem sentido bastante amplo, o qual unifica mundo externo e mundo interno (subjetivo e objetivo) ambos com o mesmo teor de realidade, na medida em que o subjetivo denota objetividade e vice-versa. 4 Veremos posteriormente que o objetivo da Doutrina (pelo viés cromático e moral) consiste na harmonia, assim como na totalidade, gerada pela relação entre cor e luz, assim como entre outros elementos participantes que discutiremos na sequência. 5 Goethe reproduziu a experiência prismática de Newton de forma adaptada. Para maiores explicações sobre o assunto, Cf. BARROS, 2006, p. 285. 156 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. Newton havia baseado sua hipótese numa experiência confusa e derivada, à qual os fenômenos inoportunos, quando não se podia escondê-los nem deixá-los de lado, eram ligados e constrangidos artificialmente. Procederia quase da mesma forma o astrônomo que, por capricho, quisesse estabelecer a lua como centro do universo. Seria então preciso que terra, sol e todos os demais planetas girassem em torno desse astro de menor grandeza, e que se dissimulasse ou atenuasse o erro da hipótese por meio de representações e cálculos artificiosos (GOETHE, 2011, Introdução, p. 44). Não resta dúvida de que Goethe discorda da maneira como Isaac Newton submeteu seus objetos de análise, para extrair suas conclusões sobre os efeitos cromáticos, acusando-o de ter obtido resultados artificiais, ao desconsiderar algumas observações que deveriam ser tratadas, igualmente a outras, como relevantes. Isso significa, mais precisamente, que, enquanto Newton preocupou-se em condicionar sua experiência com o prisma em condições de luminosidade ideais – no caso, numa câmara escura, com entrada de luz controlada – Goethe o fez à luz do dia. Basicamente, Newton obteve como resultado de seu experimento o branco pela síntese aditiva, ou seja, pela mistura dos raios coloridos (cuja interação aumenta a luminosidade) refratados no prisma. Goethe, por sua vez, obteve a luz branca como presente entre as luzes coloridas de modo tal que estas, ao que tudo indicava, não resultavam de sua decomposição, contrariando Newton, “mas que havia duas luzes primárias (o amarelo e o azul), que, ao se misturarem, originavam o verde e o magenta” (BARROS, 2006, p. 289) – ideia atualmente considerada equivocada do ponto de vista físico-óptico6. De fato, às condições distintas da observação prismática, se oferecem resultados distintos. Porém, a escolha pelas condições ambiente do experimento, concerne a um ponto de vista que, dependendo de qual seja a escolha, terá implicações totalmente diferentes. Ou seja, a escolha de Newton pelo experimento em condições ambientes ideais o conduziu a considerar as cores como pertencentes a uma realidade totalmente objetiva, cuja existência ocorria independente do observador. Já a ousadia do tratamento escolhido por Goethe pelas condições ambientes naturais, levou-o a considerar a totalidade da natureza, o que o conduziu a tomar todos os elementos que a envolviam, inclusive o olho, o sujeito observador. Como afirma Lilian Barros (apud Rupprecht Matthaei), interrompidas as experiências com o prisma, o contato com a obra de Buffon (Sur lês couleurs accidentelles) levou Goethe a “trocar o prisma pelo olho” (BARROS, 2006, p. 291). O 6 “Mesmo assim, apesar de sua interpretação equivocada sobre a formação das cores prismáticas, as ideias de Goethe forneceram rico material para a reflexão sobre o assunto, contribuindo com as seis cores do seu círculo cromático e com os conceitos de polaridade, totalidade, pureza e efeito sensívelmoral das cores, que, de alguma forma, se refletiram na arte que surgiu um século mais tarde” (BARROS, 2006, p. 290). 157 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. olho, por sua vez, será considerado por Goethe um critério mais seguro para a observação cromática, ao relacionar-se com o próprio mundo que o rodeia – instaurando uma maneira totalmente distinta da newtoniana de pesquisar as cores. Como observa Lilian Barros: Esse foi, sem dúvida, o grande salto no pensamento de Goethe: o momento em que ele vislumbrou que, de fato, o órgão visual estava muito mais envolvido na aparência das cores do que até então se havia pensando. Convencido de que essa fora sua grande descoberta, Goethe não hesita em enfrentar as dificuldades que surgiriam envolvendo o lado objetivo e o subjetivo dessa nova área de estudos (BARROS, 2006, p. 291). Tratando o olho como critério para observação do fenômeno cromático (e não mais o prisma), Goethe valoriza mais as cores fisiológicas, que definiu como aquelas que “pertencem, no todo ou em grande parte, ao sujeito, ao olho”. Essas cores, como considerou, “são o fundamento de toda a doutrina e nos revelam a harmonia cromática, que deu origem a tantos conflitos” (GOETHE, 2011, § 1, p. 53)7. A relação entre a cor e a luz, no entanto, decorre de uma relação mais essencial, a saber, a relação entre luz e escuridão. Os comentários de Goethe sobre esses dois componentes da relação em questão concernem ao capítulo reservado, justamente, às cores fisiológicas. Devemos considerar, no entanto, que luz e escuridão, embora relacionadas analogamente às primeiras imagens8 cromáticas, são anteriores aos aspectos da linguagem simbólica9 das cores. E será através daquelas duas que “percebe[re]mos ao mesmo tempo todos os graus intermediários do claroescuro e todas as determinações cromáticas” (GOETHE, 2011, § 13, p. 55). Ou seja, escuridão e luz significam dois polos opostos, cujos intermediários incluem todas as nuances de claro-escuro, seja do preto e branco, seja das relações cromáticas. De modo que, podemos dizer, os fenômenos cromáticos, segundo Goethe, são efeitos da interação entre luz e escuridão10. São polos que devem coexistir, portanto. Pois, além de, na completa escuridão a retina encontrar-se em extrema distensão e sensibilidade, porquanto “o órgão 7 Uma das ideias que justifica a harmonia relativa à relação entre as cores fisiológicas e as cores existentes fora do olho (ou melhor, entre as cores “opostas”) seria o fenômeno semelhante ao das cores complementares, cujo olho produz uma na medida em que há excesso de uma e falta da outra (Cf. GOETHE, 2011, V, p. 64 e XXXVII, p. 102). Não devemos, porém, considerar cores opostas como exatamente o mesmo que complementares, segundo a sugestão de Salles: “seu conceito de cores opostas ou evocadas coincide com o de cores complementares tão-somente em sua extensão e nunca em sua compreensão, não sendo justificável que nos sirvamos da expressão 'cor complementar' para traduzir suas ocorrências” (SALLES, 2000, nota de rodapé 15, p. 1). 8 Pelo conceito de imagem temos que são as cores fisiológicas produzidas na visão. Ademais, é válido mencionar que Goethe considera que o olho não reconhece formas, mas tão somente o claro, o escuro e as cores (GOETHE, 2011, p. 44). 9 Discutiremos esta ideia de linguagem simbólica, na segunda parte deste artigo. 10 Cf. http://www.dw.de/teoria-das-cores-de-goethe-completa-200-anos/a-5942436 e GONÇALVES, 2008, p. 45. 158 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. [retina], retraindo-se, é abandonado a si mesmo, falta-lhe aquele contato estimulante e agradável que o liga ao mundo exterior e o torna parte do todo” (GOETHE, 2011, § 6, p. 54). Assim como a intensa luminosidade causa no órgão extrema tensão e insensibilidade, priva-a, porém, da mesma maneira que a escuridão do contato com o mundo externo, uma vez que os olhos “se ofuscam, tornando-se por certo tempo incapazes de distinguir objetos moderadamente iluminados” (GOETHE, 2011, § 7, p. 54). As segundas imagens mais simples decorrentes dessa primeira dualidade (luz/escuridão) são consideradas por Goethe, o branco e o preto: sendo este representante da escuridão e, consequentemente, do repouso, e aquele, por sua vez, representante da luz, da qual resulta a atividade do olho (GOETHE, 2011, § 18, p. 56) – e, por conseguinte, o claro e escuro11. O preto e o branco, embora apareçam como imagens para o olho, não devem ser considerados como cores fisiológicas. Trata-se de cores químicas, que seriam “cores estimuladas em certos corpos, mais ou menos fixas, que neles se intensificam, deles podem ser extraídas e transmitidas a outros corpos, às quais, por essa razão, atribuímos uma certa qualidade imanente. Em geral caracterizam-se pela durabilidade” (GOETHE, 2011, § 486, p. 101). O preto, como diz Goethe, “não surge de modo tão primordial quanto o branco. É encontrado no mundo vegetal com a combustão, e o carvão, corpo digno de ser observado, nos mostra a cor preta” (GOETHE, 2011, § 498, p. 102). Já o branco “pode ser considerado uma turvação pura completa. A água pura cristalizada em neve aparece branca, pois a transparência de cada parte não torna o todo transparente. Diversos cristais de sal, ao perderem a água de cristalização, parecem um pó branco” (GOETHE, 2011, § 494/5, p. 101), em suma “o estado opaco acidental de uma pura substância transparente pode ser chamado de branco” (GOETHE, 2011, § 495, p. 101). Quanto à luz e à escuridão existentes dentro do olho, assim como as demais imagens das cores fisiológicas, estas existem de maneira análoga às cores físicas12 e químicas. Ou melhor, a principal diferença entre as cores físicas, químicas e fisiológicas, podemos dizer, refere-se ao modo como elas se relacionam com a visão e o exterior. Sendo que as fisiológicas são subjetivas e, por conseguinte, têm menos duração e as químicas são as mais duráveis e, consequentemente, dotadas de 11 “A retina está para objetos particulares claros e escuros, assim como para o claro e escuro em geral. Se luz e escuridão nela provocam disposições completamente diferentes, imagens pretas e brancas, incidindo ao mesmo tempo no olho, produzem, juntas, os mesmos estados que luz e escuridão sucessivamente” (GOETHE, 2011, § 15, p. 55, grifo nosso). 12 Além das cores fisiológicas e químicas, há uma terceira qualidade de cor, definida por Goethe, como cores físicas, que seriam “aquelas cuja origem se deve a certos meios e materiais, incolores, que podem ser transparentes, turvos, translúcidos, ou completamente opacos. Tais cores são assim produzidas no olho mediante causas externas determinadas ou, se de algum modo já se produziram fora de nós, refletidas no olho. Embora lhe atribuamos um tipo de objetividade, nelas ainda persiste a característica de serem fugidias e difíceis de fixar” (GOETHE, 2011, § 136, p. 87). 159 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. objetividade (ou seja, pertencentes, em certa medida, a outros corpos); enquanto as físicas representam uma espécie de meio termo entre as outras duas. Observa-se que, para Goethe, as cores não existem total e independentemente fora da visão. Mesmo as cores químicas, que são mais duráveis, isto é, oscilam menos na visão, estão sujeitas a oscilações, dependendo da sua disposição na natureza e, por conseguinte, no olho. E é neste sentido que Goethe diz: “o olho deve sua existência à luz”, porquanto “uma luz latente vive no olho”, sendo que também há efeitos luminosos advindos do externo (GOETHE, 2011, Introdução, p. 45). E considerando que “a cor é a natureza na forma de lei para o sentido da visão” (GOETHE, 2011, Introdução, p. 44), nada mais justo que se considerem todas as qualidades de cores como interdependentes do próprio olho, ou melhor, como fenômenos que não se distinguem completamente do externo e do interno. Como comenta Goethe (2011, Prefácio, p. 35): “as cores são as paixões da luz”. Ou seja, as cores são manifestações luminosas que não se distinguem da luz enquanto ela mesma. Ademais, elas existem também na escuridão, na qual “podemos evocar com esforço da imaginação, as mais claras imagens” (GOETHE, 2011, Introdução, p. 45, grifo nosso). Inferimos disso que as cores fisiológicas possuem uma relação direta de imanência com a luz. São, portanto, cores intensamente luminosas – e isto quanto menos se relacionam com a escuridão, ou com o preto, ou com o escuro – devido à luz que existe no olho. Seria o caso considerarmos, desse modo, que luminosidade para Goethe caracteriza-se pela “quantidade” de luz referente à cor? Josef Albers, em sua obra A interação da cor, faz menção ao termo intensidade de luz, que não seria exatamente o mesmo que intensidade de cor (brilho) (ALBERS, 2009, p. 24). Parece haver uma distinção qualitativa entre luz e cor em sua teoria. Ao que compete à luz, o autor distingue dois tipos de mistura, por meio da qual podemos compreender um pouco melhor o sentido que atribui à luminosidade. Por um lado, ele considera a mistura direta de luz projetada, que se relaciona evidentemente à luz colorida (que também pode ser chamada de cor direta): trata-se das cores que se relacionam diretamente com a luz ou o que seria o mesmo – luzes coloridas. E considera que elas participam de uma soma aditiva, assim como considerou Newton, em seu experimento prismático: “a soma de todas as cores existentes na luz é o branco”. Por outro lado, há a mistura indireta de luz refletida, cujos pigmentos ou tintas quando misturados, resultam para o olho como luz refletida (ALBERS, 2009, p. 24). Ou seja, quanto mais se mistura a cor, mais a mistura perde 160 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. luminosidade. E, conclui que “só existe ganho de luminosidade nas misturas de cores diretas [...] ao passo que a mistura de cores refletidas perdem luminosidade” (ALBERS, 2009, p. 35). Já para Goethe, segundo suas amplas considerações, as coisas parecem ocorrer de forma diferenciada. Como vimos, ele não distingue qualitativamente cor e luz, porquanto a “cor é luz em sua eficácia”13. Ou seja, a cor surge do limite entre a cor e a sombra (GONÇALVES apud GOETHE, 2008, p. 45) não sendo algo materialmente distinto. Nesse mesmo sentido, Goethe não concorda com a ideia de Newton de que o branco resulte da soma de todas as cores. Isso não significa, porém, que desconsidere a possibilidade de síntese aditiva, porquanto esse caso newtoniano em particular relaciona-se à mistura de cores físicas. Como observa Salles, referindo-se a Goethe, num exemplo que envolve as cores fisiológicas: Na paleta, portanto, sem qualquer relação com propriedades complexas (...) o branco tem de ser mais claro, não pode ser cinza, embora possamos produzir uma bela imagem de um muro branco, pintando-o na tela talvez com tons vários de cinza e mesmo algum branco (SALLES, 2000, nota de rodapé 28, p. 7, grifos nossos). O cinza assim pode ser visto como branco em certos contextos, mas (...) não será visto de modo algum como branco, caso sua variação de tons seja indicativa de profundidade ou transparência (SALLES, 2000, p. 7). Podemos inferir, desse modo, que para Goethe, em relação ao branco, qualquer cor jamais será mais clara que o branco, porém, isto não significa que uma cor fisiológica, emanada de uma pintura, dependendo da relação com outras cores, não possa vir a tornar-se semelhante ao branco – no caso em questão, um branco acinzentado. De modo que, das cores fisiológicas, podemos concluir que elas podem efetivar-se uma síntese aditiva. Assim, o sentido de luminosidade que podemos instituir a partir da Doutrina das Cores e em correspondência com ela não se referiria necessariamente à quantidade de luz existente na cor. Mas na cor ela mesma enquanto mais próxima à luz ou ao seu representante, o branco. Nesse sentido, não haveria, portanto, distinção entre brilho e luminosidade, mas ambos seriam componentes sinônimos de cor. Temos, enfim, que a definição da noção de luminosidade que encontramos na obra de Goethe não se concilia com a apresentada por Albers, à medida que aos próprios conceitos que a ela se relacionam são atribuídos sentidos distintos, em cada caso. Enquanto Albers considera a distinção entre os próprios conceitos que envolvem 13 Cf. GONÇALVES (2008, p. 45) em suas considerações sobre a retomada, por parte de Goethe, dessa máxima de Kepler. 161 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. a luminosidade (isto é, cor, luz, pigmento), Goethe apresenta diferentes modos de aparição de cor em unidade com a luz, o branco, o preto ou o escuro. Ou seja, a cor, a luz, o branco... não têm sentidos distintos, porém, aparecem de maneiras distintas seja interior, seja exteriormente; maneiras tais que ampliam o sentido de experiência cromática, como discutiremos a seguir. EXPERIÊNCIA MORAL: O LIMIAR ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO A relação entre moral e fenômenos cromáticos É comum se direcionar a discussão sobre moral presente na Doutrina das cores, aos efeitos morais da cor. De fato, esta última parte coexiste com a doutrina moral goetheana, porém, como o autor esclarece: Jamais se reflete o bastante sobre o fato de que a linguagem é propriamente apenas simbólica, figurada, e de que jamais exprime diretamente os objetos, mas somente por reflexos. Tal é especialmente o caso quando se trata de seres que apenas se aproximam da experiência e que podem ser chamados antes de atividades que objetos, estando no reino da doutrina da natureza em contínuo movimento. Não podem ser fixados, embora devam ser descritos; é por isso que se tentam todos os tipos de fórmulas, para se aproximar deles apenas alegoricamente (GOETHE, 2011, § 751, p. 134, grifos nossos). Embora Goethe alerte o leitor para o fato de que a linguagem é propriamente simbólica e figurada e que, porém, os fenômenos devem, mesmo assim, ser descritos, esse alerta poderia apresentar-se como uma mera crítica à linguagem que descreve os fenômenos apenas alegoricamente, não fosse o caso de, desde o início, o autor deixar claro que não poderá fazer um uso totalmente distinto: Tais figuras, no entanto, com frequência apenas exibem conceitos, são mediações simbólicas, meios hieroglíficos de comunicação, que pouco a pouco ocupam o lugar dos fenômenos e da natureza e, em vez de proporcionar um conhecimento verdadeiro, criam obstáculos para ele. Mas as ilustrações tampouco podem ser dispensadas; procuramos, no entanto, organizá-las de forma que possam ser seguramente empregadas para uso didático e polêmico, e também como parte do aparato necessário (GOETHE, 2011, Prefácio, p. 42). As palavras acima curiosamente revelam a impossibilidade de o autor se livrar do uso de símbolos ou figuras para discutir acerca do que se propõe. Se o objeto de investigação de Goethe tão claramente se manifesta por meio dos fenômenos cromáticos, que possuem uma linguagem própria e precisa, a que se deve sua justificativa acerca do uso ilustrativo ou simbólico que fará da linguagem? Será o caso de desconsiderarmos, paradoxalmente, os fenômenos cromáticos como objeto principal de estudo? De fato, não é o caso de assim interpretarmos a Doutrina das cores, porquanto, segundo as palavras de Goethe: 162 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. Já que ocupa um lugar tão elevado na série de fenômenos naturais originários [...] não devemos nos surpreender ao percebermos que a cor [...] produz sobre o sentido que lhe é mais adequado, a visão e, por meio deste, sobre a alma, um efeito que [...] se vincula imediatamente à moralidade. É por isso que as cores, consideradas como um elemento da arte, podem ser utilizadas para os mais altos fins estéticos (GOETHE, 2011, § 758, p. 139). Embora os fenômenos cromáticos sejam efetivamente o objeto a ser discutido pelo autor, curiosamente a própria linguagem cromática constitui a linguagem simbólica (tal como ele trata de avisar) que será utilizada. E o simbolismo não se refere exatamente à linguagem cromática sendo empregada para seu próprio fim, isto é, o uso das cores, mas porque ela será aplicada como fonte de discussão da moralidade – cujo critério será o fenômeno primordial – que permeará a Doutrina como um todo. Embora fórmulas metafísicas tenham considerável amplitude e profundidade, é preciso um rico conteúdo para preenchê-las, se não correm o risco de permanecerem vazias. [...] As fórmulas morais [...] que expressam relações mais sutis, surgem como meras alegorias e por fim se perdem em jogos espirituosos (GOETHE, 2011, § 752, p. 134, grifos nossos). Ora, não nos restam dúvidas de que seriam os conceitos referentes às cores o “rico conteúdo” encontrado por Goethe para apresentar sua fórmula moral, sem recair no “vazio” e menos ainda em “alegorias” ou “jogos espirituosos”. Diante da consciência de que pelo caráter simbólico da linguagem facilmente podemos recair em alegorias, não deixam de nos intrigar os efeitos morais que o autor, facilmente, atribui às cores. Ora, não seriam as relações entre as cores e seus efeitos morais (por exemplo, a relação do verde com a esperança), meras alegorias? Sejam essas relações ilusórias ou não, até hoje são aplicadas por aqueles que lidam com o desempenho cromático. Porém, é fato que Goethe deixa claro que esse tipo de relação feita com as cores tem certo teor alegórico e não as considera, necessariamente, como parte rigorosa da Doutrina. As seguintes palavras de Goethe vão nessa mesma direção: Há muito tampo também desejamos introduzir na Doutrina das Cores o termo polaridade. Com que direito e em que sentido, é o que o presente trabalho pretende mostrar. Posteriormente, teremos talvez ocasião de ligar, à nossa maneira, os fenômenos naturais elementares por meio de uma intuição que já deve implicar seu tratamento e simbolismo, a fim de tornar mais claro o que foi exposto de forma geral e, talvez, sem a devida precisão (GOETHE, 2011, § 757, p. 136, grifos nossos). Nesta passagem, escrita num momento anterior e próximo à apresentação dos efeitos morais das cores, Goethe anuncia a particularidade referente à analogia entre cores e efeitos morais. Isso nem valida, nem desvalida o caráter da relação em 163 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. questão – ademais não será nosso intuito solucionarmos esse problema. O que nos chama a atenção, nos dizeres de Goethe, concerne ao fato de que desde muito antes (ou seja, desde o início da Doutrina), e em relação ao conteúdo geral que até então vinha sendo discutido, desenrolava-se essa mesma ideia de analogia. Ademais, a ideia de polaridade designa a polaridade entre o particular e o universal. De modo que as ideias advindas de uma intuição particular podem servir como indicação da maneira como Goethe pretende que interpretemos sua obra14. Nada nos impede, portanto, de conduzirmos nosso exame pelo que se anuncia, a saber, pelo esclarecimento desse sentido mais amplo de moral que se encontra na Doutrina como um todo. De fato, é um tanto arriscado introduzirmos essa ideia de analogia, sem maiores justificativas. De qualquer modo, Goethe não deixa em momento qualquer de expressar clareza quanto ao seu intento: Muita coisa agradável seria compartilhada se todos esses tipos de representações e expressões pudessem ser utilizados com consciência, e suas considerações sobre os fenômenos naturais transmitidas numa linguagem diversificada, evitando-se a unilateralidade e incorporando viva expressão e sentido (GOETHE, 2011, § 753, p. 135, grifos nossos). Cabe-nos, agora, portanto, esclarecer como se dá essa relação não unilateral entre a doutrina das cores e a doutrina moral goetheana, na medida em se utiliza linguagem diversificada, ou seja, a linguagem cromática. Moral e luminosidade O objetivo da doutrina moral de Goethe consiste na conscientização da harmonia, que conduz à compreensão do sentido do fenômeno primordial, este que, por sua vez, seria propriamente o critério para a moral. A harmonia ocorre como que à maneira de uma composição pictórica harmônica que, segundo Goethe, se dá pelo uso das chamadas cores opostas. Desse modo, harmonia significa o mesmo que totalidade, porquanto envolve elementos que compõem uma dualidade. Ou seja, na medida em que se encontram envolvidas numa composição as cores que se opõem, causando prazer à visão, elas geram a harmonia: “O olho [...] é forçado a uma oposição, na medida em que contrapõe um extremo ao outro, o intermediário ao intermediário, unindo ao mesmo tempo os opostos e almejando, sucessivamente ou no mesmo espaço e tempo, a totalidade (GOETHE, 2011, § 33, p. 60). 14 “Seria, entretanto, mais desejável que a linguagem com a qual se designam as particularidades de uma dada esfera fosse extraída dessa própria esfera, que o mais simples fenômeno fosse tratado como fórmula básica, daí se derivando e desenvolvendo as mais diversificadas fórmulas” (GOETHE, 2011, § 755, p. 136). 164 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. As cores opostas, no entanto, são apenas um dos fenômenos cromáticos responsáveis pela harmonia. Os extremos ou polaridades variam em distintos fenômenos, como mencionado, sendo que aqueles que se formam ao olho como imagem são o preto e o branco: A extraordinária satisfação que sentimos com um claro-escuro bem executado em pinturas incolores e obras de arte similares nasce talvez da percepção simultânea de um todo, que o órgão mais busca do que produz numa sequência, e que, qualquer que seja o resultado, jamais pode ser considerado (GOETHE, 2011, § 34, p. 60). Anteriores e mais essenciais que o branco e o preto, vimos que seriam, respectivamente, a luz e a escuridão. Estes dois fenômenos, por sua vez, do mesmo modo devem se relacionar entre si para que resultem na totalidade. Mesmo que na escala dos fenômenos originais, luz e escuridão surgem como aqueles por meio dos quais se desenvolvem todos os demais, todos os fenômenos naturais convergem para um mesmo ponto central, a saber, o fenômeno original, que embora seja indizível pode ser aproximado na medida em que se faz o uso de símbolos. O conhecimento do fenômeno primordial, no entanto, não ocorre tão somente pelo recurso da linguagem simbólica, como diz Marco Giannotti, no Apêndice da Doutrina (In: GOETHE, 2011, Apêndice, p. 177): embora o fenômeno primordial se manifeste no mundo sensível, concretizando-se, por exemplo, no ímã ou na oposição entre luz e escuridão, ele não pode ser apreendido inteiramente pela experiência ou por uma linguagem da representação [...] somente por meio da imaginação, que condensa as experiências num tempo único, originário, podemos ter acesso a esse fenômeno Ademais, Hegel, em sua carta a Goethe (em 2 de fevereiro de 1821), faz a seguinte observação: “rastrear o fenômeno primordial, interpretando-o em relação aos outros como algo que denominados abstrato: considero isso matéria do mais elevado sentido espiritual para a natureza” (In: GOETHE, 2011, Apêndice, p. 176). Os fenômenos mais próximos do fenômeno primordial, podemos inferir, são a luz e a escuridão, que em sua dualidade, oferecem-se mais proximamente do âmbito do suprassensível, tal como menciona Kant ser característica daquele fenômeno (GOETHE, 2011, Apêndice, p. 176). Dizer que o fenômeno primordial está além da experiência sensível não significa dizer que ele não perpasse pelos sentidos para ser experienciado. De fato, Goethe sugere ao leitor que vivencie a própria experiência de maneira prática: Se este último estudo leva o leitor à experiência ao ar livre, um outro estimulará o saber técnico através de uma descrição pormenorizada do aparato necessário a uma futura Doutrina das 165 Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013. Cores. [...] Para que seja aproveitada e desfrutada, a natureza deve se apresentar realmente ou por meio de viva fantasia ao leitor (GOETHE, 2011, Prefácio, p. 41). A experiência do fenômeno original pode traduzir-se enquanto uma experiência moral propriamente dita – pelo viés cromático: por meio da própria consciência harmônica, advinda da experiência da totalidade. Neste sentido, sendo a luz e escuridão elementos fundamentais para conduzir o sujeito a tal experiência, devemos focar certamente essa experiência em questão a duas ideias – aqui, já mencionadas – sugeridas por Goethe, a saber, “uma luz latente vive no olho” e “na escuridão podemos evocar com esforço da imaginação, as mais claras imagens”. Ou seja, um dos meios pelos quais é possível a experiência do fenômeno original, de fato, advém da experiência cromática, da harmonia proposta pela natureza – esta que se estende tanto ao mundo interno, quanto ao externo, de modo que haja harmonia e, por conseguinte, totalidade, através da luminosidade e seu oposto. Enfim, Goethe, em sua Doutrina apresenta um modo possível de se pronunciar acerca da experiência, deixando em aberto a possibilidade de que se realize esse mesmo ideal por meio de outros fenômenos naturais, distintos dos cromáticos. REFERÊNCIAS ALBERS, Josef. A interação da cor. Trad.: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ARGAN, Giulio Carlo. A Farbenlehre de Goethe. In: A Arte Moderna na Europa de Hogarth a Picasso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. BARROS, Lilian Ried Miller. A cor no processo criativo – um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006. GOETHE, Johann Wolfang. Doutrina das cores. Apresentação, tradução, seleção e notas Marco Giannotti. São Paulo: Nova Alexandria, 2011. GONÇALVES, Márcia Cristina Ferreira. Hegel leitor de Goethe: entre a física da luz e o colorido da arte, Revista Eletrônica Estudos Hegelianos, ano 5, n. 8, p. 37-56, 2008. Disponível em: <http://www.hegelbrasil.org/reh8/marcia.pdf>. 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