UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA Programa de Pós-Graduação em Cardiologia O VALOR PROGNÓSTICO DA LARGURA DO QRS NOS PACIENTES COM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICA MARCELO IORIO GARCIA Orientador: Prof. Dr. Sérgio Salles Xavier Rio de Janeiro, RJ 2007 O VALOR PROGNÓSTICO DA LARGURA DO QRS NOS PACIENTES COM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICA Marcelo Iorio Garcia Dissertação de doutorado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Medicina, área de concentração em Cardiologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de doutor em Cardiologia. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Salles Xavier Rio de Janeiro, RJ Fevereiro 2007 Garcia, Marcelo Iorio O Valor prognóstico da largura do QRS nos pacientes com cardiopatia chagásica crônica / Marcelo Iorio Garcia. – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina xiv, 93 f. : il.; 31 cm. Orientador: Sérgio Salles Xavier Tese (doutorado) – UFRJ, Faculdade de Medicina, Pós-graduação em Cardiologia, 2007. Referências bibliográficas: 14 f 1. Cardiomiopatia chagásica - diagnóstico. 2. Eletrocardiografia - métodos. 3. Prognóstico. 4. Estudo de coorte. 5. Cardiologia – Tese. I. Xavier, Sérgio Salles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina. Programa de Pósgraduação em Cardiologia. III. Título. O VALOR PROGNÓSTICO DA LARGURA DO QRS NOS PACIENTES COM CARDIOPATIA CHAGÁSICA CRÔNICA Marcelo Iorio Garcia Orientador: Prof. Dr. Sérgio Salles Xavier Dissertação de doutorado apresentada ao programa de Pós-graduação em Medicina, área de concentração em Cardiologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de doutor em Cardiologia. Banca Examinadora: _______________________________________ Prof. Dr. Cantídio Drumond Neto _______________________________________ Prof. Dr. Ademir Batista da Cunha _______________________________________ Prof. Dr. Edson Ramos Migowski de Carvalho _______________________________________ Prof. Dr. Luís Augusto Feijó _______________________________________ Prof. Dr. Roberto Coury Pedrosa Rio de Janeiro, RJ Fevereiro 2007 À minha esposa Rosalina e aos frutos do nosso amor, Rafael e Marcela. Aos meus queridos pais, grandes amigos e exemplos de vida. iii “Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele conduz somente até onde os outros foram”. Alexander Graham Bell iv AGRADECIMENTO ESPECIAL Ao Dr. Sérgio Salles Xavier, grande amigo. Fato marcante em minha vida o seu incentivo para que seguisse a cardiologia. Em 1992, dentro do lotado elevador do hospital, disse-me para não temer as dificuldades pois tinha certeza que eu passaria na prova de Residência. No meu segundo ano de especialidade, o Dr. Sérgio apresentou-me a técnica de ecocardiografia, método que exerço até hoje. Certamente o meu fascínio pela especialidade só permaneceu porque o Dr. Sérgio mostrou que os exames, só fazem sentido, se o envolvimento com a doença, e principalmente com o paciente, for pleno. Anos depois (1999), sem mesmo ser o meu orientador, ajudou-me com toda a estatística da tese de Mestrado. Quando foi chefe do serviço de cardiologia, o Dr. Sérgio chamou-me para coordenar a UTI de Cirurgia Cardíaca. Momento difícil e de transição na minha vida, contei com seu apoio em todas as ocasiões. Falar de suas qualidades técnicas é ser prolixo, todos as conhecem, porém somente os seus amigos têm o privilégio de admirá-las de perto. Ao Dr.Sérgio Salles Xavier, ao meu amigo Serginho, o meu muito obrigado. v AGRADECIMENTOS Ao Dr. Rogério Gomes Fleury. Conheci o Dr. Rogério estagiário. Logo vi que se tratava não só de profissional destacado, como ótima pessoa. Convidei-o para trabalhar na UTI do HUCFF. Nosso convívio se tornou diário e tive o prazer de presenciar seu crescimento. Hoje, tenho mais um amigo. Ao Dr. Rogério, meu agradecimento pelo incentivo e pela colaboração gráfica do presente trabalho. Ao Prof. Aristarco Gonçalves Siqueira-Filho, por sempre incentivar a realização desse tipo de trabalho. Ao Dr. Edson Migowski, pelo convívio diário. Edinho, sempre juntos, as dificuldades são menores. Ao Dr. Arnaldo Rabischoffsky, pelo exemplo que deu em momentos difíceis de sua vida. Você é um vencedor. Ao Dr. Fernando Oswaldo Dias Rangel, pelo apoio familiar. Com os meus pais bem tratados tive tranqüilidade para fazer este trabalho. Aos muitos amigos do HUCFF e do Pró-Cardíaco, por todo o apoio oferecido. Ao Dr. Alexandre Siciliano, pela ajuda com a tradução do resumo. Ao amigo Carlos Rodolfo Motta Rezende pela sua grande ajuda com as correções ortográficas. Aos meus filhos, que apesar de crianças, compreenderam minha ausência em muitas ocasiões. vi ABREVIATURAS ACC/AHA - American College of Cardiology/American Heart Association AE - átrio esquerdo AVE - acidente vascular encefálico BAV - bloqueio atrioventricular BRE - bloqueio do ramo esquerdo BRD - bloqueio do ramo direito CCC - cardiopatia chagásica crônica ECG - eletrocardiograma EEF - estudo eletrofisiológico EV - extra-sístole ventricular FE - fração de ejeção FIOCRUZ - Fundação Instituto Oswaldo Cruz HBAE - hemibloqueio anterior esquerdo ic - intervalo de confiança IC - insuficiência cardíaca ICT - índice cardiotorácico IPEC - Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas LQRS - largura do complexo QRS MCP - marcapasso MS - morte súbita NYHA - New York Heart Association OMS-OPAS - Organização Mundial de Saúde / Organização Pan-Americana da Saúde TVNS - taquicardia ventricular não-sustentada TVS - taquicardia ventricular sustentada VE - ventrículo esquerdo VEd - diâmetro diastólico do VE VES - diâmetro sistólico do VE ZEI - zona eletricamente inativa WHO - World Health Organization vii ABREVIATURAS DOS ESTUDOS CITADOS TOAST - Trial of Org 10172 in Acute Stroke Treatment VEST - Vesnarinone Trial viii SUMÁRIO Pág. 1. INTRODUÇÃO ………. 1 2. OBJETIVOS ………. 4 3. REVISÃO DA LITERATURA ………. 5 3.1. A Insuficiência Cardíaca ………. 5 3.2. A Largura do QRS na Insuficiência Cardíaca ………. 6 3.3. O Significado do Complexo QRS Alargado na Insuficiência Cardíaca 3.4. A Cardiopatia Chagásica Crônica ………. 9 ………. 12 3.4.1. O Eletrocardiograma na Cardiopatia Chagásica ………. 21 3.4.2. Classificação da Cardiopatia Chagásica Crônica ………. 24 3.4.3. O Complexo QRS Alargado e a Cardiopatia Chagásica ………. 29 4. PACIENTES E MÉTODOS ………. 30 4.1. Delineamento do Estudo ………. 30 4.2. Seleção de Pacientes ………. 31 4.3. Diagnóstico Sorológico da Doença de Chagas ………. 31 4.4. Avaliação Clínica ………. 32 4.5. Avaliação Eletrocardiográfica ………. 32 4.6. Avaliação Radiológica ………. 34 4.7. Avaliação Ecocardiográfica ………. 34 4.8. Definições ………. 35 4.8.1. Cardiopatia Chagásica Crônica ………. 35 4.8.2. Morte Cardíaca ………. 35 4.8.3 QRS Alargado ………. 36 4.9. Análise Estatística ………. 36 4.10. Considerações Éticas ………. 36 ix Pág. 5. RESULTADOS ………. 38 5.1. Características Gerais da Coorte ………. 38 5.2. Reprodutibilidade das Medidas do QRS ………. 40 5.3. Largura do QRS e Função Ventricular ………. 42 5.4. Seguimento da Coorte ………. 44 5.5. Mortalidade da Coorte ………. 46 5.6. Largura do QRS e Mortalidade: Coorte Geral ………. 48 5.6.1. Análise Univariada ………. 48 5.6.2. Análise Multivariada ………. 51 ………. 52 5.7.1. Pacientes com Fração de Ejeção < 45% ………. 52 5.7.2. Pacientes com Insuficiência Cardíaca ………. 53 5.7.3. Pacientes sem Bloqueio de Ramo Direito ………. 54 ………. 56 6.1. Aspectos Gerais da Coorte ………. 56 6.2. A Largura do QRS e a Função Ventricular ………. 59 6.3. A Largura do QRS e o Prognóstico na Cardiopatia Chagásica ………. 61 6.4. Limitações ………. 66 7. CONCLUSÕES ………. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ………. 69 ANEXO I (BANCO DE DADOS) ………. 83 ANEXO II (TRABALHO PUBLICADO) ………. 85 5.7. Largura do QRS e Mortalidade: Subgrupos 6. DISCUSSÃO x LISTA DE FIGURAS Figura 1 A medida da largura do QRS ………. Pág. 33 Figura 2 Correlação Intra-observador na medida da largura do QRS ………. 41 Figura 3 Correlação Inter-observador na medida da largura do QRS ………. 41 Figura 4 Largura do QRS (ms) e a FE do VE ………. 42 Figura 5 Largura do QRS (ms) e a FE do VE (Box Plot) ………. 43 Figura 6 Curva ROC: Largura do QRS e disfunção moderada ou grave do VE (FE < 45%) ………. 44 Figura 7 Curva de Sobrevida da Coorte ………. 46 Figura 8 Causas de óbito da coorte geral ………. 47 Figura 9 Curva de sobrevida da coorte livre de morte cardíaca ………. 47 Figura 10 Curva de sobrevida (morte total) estratificada por quartis do QRS ………. 49 Figura 11 Curva de sobrevida (morte cardíaca) estratificada por quartis do QRS ………. 49 Figura 12 Curva de sobrevida (morte total) estratificada para largura do QRS (ponto de corte 120 ms) ………. 50 Figura 13 Curva de sobrevida (morte cardíaca) estratificada para largura do QRS (ponto de corte 120 ms) ………. 51 Figura 14 Curva de sobrevida (morte cardíaca) para a coorte de pacientes com FE do VE < 45%, estratificada de acordo com a largura do QRS ………. 53 Figura 15 Curva de sobrevida (morte cardíaca) para a coorte de pacientes com IC, estratificada de acordo com a largura do QRS ………. 54 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1 Classificação da cardiopatia na doença de Chagas – OMS/OPAS 1974 ………. Pág. 25 Tabela 2 Classificação “Los Andes” da cardiopatia chagásica ………. 26 Tabela 3 Proposta de classificação do acometimento cardíaco na doença de Chagas ………. 27 Tabela 4 Classificação das formas clínicas da cardiopatia chagásica crônica, de acordo com o Consenso Brasileiro em Doença de Chagas ………. 28 Tabela 5 Características clínicas e radiológicas da coorte ………. 39 Tabela 6 Variáveis eletrocardiográficas da coorte ………. 39 Tabela 7 Variáveis ecocardiográficas da coorte ………. 40 Tabela 8 Características dos pacientes com perda de seguimento comparado com os pacientes com seguimento completo ………. 45 Tabela 9 Análise Univariada (Cox): Largura do QRS e mortalidade ………. 48 Tabela 10 Análise Multivariada (Cox): Morte total ………. 52 Tabela 11 Análise Multivariada (Cox): Morte cardíaca ………. 52 Tabela 12 Análise Univariada da Largura do QRS de pacientes com FE < 45% ………. 52 Tabela 13 Análise Univariada da Largura do QRS em pacientes com IC ………. 54 Tabela 14 Análise Univariada da Largura do QRS de pacientes sem BRD ………. 55 Tabela 15 Análise Multivariada de pacientes sem BRD (Morte total) ………. 55 Tabela 16 Análise Multivariada de pacientes sem BRD (Morte cardíaca) ………. 55 xii RESUMO Objetivos: 1.Avaliar o valor prognóstico da largura do complexo QRS(LQRS) em relação à mortalidade cardíaca e total, em uma coorte de pacientes com cardiopatia chagásica crônica(CCC) e nos seguintes subgrupos: fração de ejeção ventrículo esquerdo(FEVE) < 45%; insuficiência cardíaca(IC); e sem bloqueio ramo direito(BRD). 2. Correlacionar a LQRS com a FEVE estimada ao ecocardiograma. Métodos: Estudo observacional, de coorte, constituída por 612 pacientes portadores de CCC acompanhados de 03/90 a 12/03 e submetidos a avaliação clínica, eletrocardiográfica, radiológica e ecocardiográfica. Foi realizada análise retrospectiva da LQRS dos eletrocardiogramas iniciais, correlacionando-a com dados clínicos e ecocardiográficos prospectivamente coletados. Na análise univariada foi utilizado o teste chi-quadrado e o teste t de Student. Análise uni e multivariada de Cox foram utilizadas para avaliar o valor prognóstico da LQRS. Curvas de sobrevida foram construídas e comparadas através do teste de log-rank. Correlação entre LQRS e FEVE foi testada através do coeficiente de Pearson. Resultados: O tempo médio de acompanhamento foi de 67±44 meses, com seguimento completo em 89%. Ocorreram 91 óbitos, 76 de causa cardíaca. A correlação entre a LQRS e a FEVE foi fraca (r = - 0,187). Na análise univariada a LQRS, testada como variável contínua, foi preditora de morte total (p=0,004) e cardíaca (p=0,011). Porém, quando dicotomizada em 120 ms, a LQRS perdeu seu poder preditivo. No modelo multivariado, com a inclusão de variáveis clínicas, eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas, a LQRS deixou de ser preditora de morte cardíaca e total. O mesmo aconteceu nos subgrupos FEVE < 45%, IC e sem BRD. Conclusão: Diferente de estudos em cardiopatia não chagásica, a LQRS não foi uma variável prognóstica em pacientes com CCC. A correlação entre LQRS e a FEVE foi fraca. Estes resultados podem ser explicados por um mecanismo diferente de alargamento do QRS na CCC em razão da incidência elevada e precoce de BRD. xiii ABSTRACT Objectives: 1. To evaluate the prognostic value of the QRS width (QRSW) on the cardiac and all cause mortality on a cohort of chronic patients with Chagas`s disease and on the following sub-groups: patients with left ventricular ejection fraction (LVEF) < 45%, patients with heart failure and patients without right bundle branch block (RBBB). 2. To correlate the QRSW with the estimated LVEF on the echocardiogram. Methods: This is a cohort of 612 patients with chronic Chagas`s disease followed from 03/90 to 12/03 that were submitted to a clinical, electrocardiographic, radiologic and echocardiografic evaluations. A retrospective analyses of the QRSW on the former electrocardiograms were correlated to clinical and echocardiographic data prospectively collected. For the univariate analyses, the chi-square and t-students tests were conducted. To analyze the prognostic value of QRSW the univariate and Cox multivariate analyses were performed. Survival curves were constructed and compared using the log-rank test. The Pearson coefficient tested the correlation between QRSW and LVEF. Results: The median follow up time was 67±44 months. Eigthy-nine percent of the patients were completely followed up. There were 91 deaths (76 cardiac in origin). There was a weak correlation between QRSW and LVEF (r = - 0,187). On the univariate analyses, QRSW (continuous variable) was able to predict all cause mortality (p=0,004) and cardiac mortality (p=0,011). However, by dichotomizing QRSW at 120ms, it has lost its predictive power. On the multivariate analyses, QRSW did not predict cardiac and all cause mortality. The same has happened on the low LVEF group (<45%), heart failure and with no RBBB. Conclusion: Opposing to studies on non-Chagas`s cardiomyopathy, QRSW was not a prognostic variable on chronic Chagas`s disease patients. There was a weak correlation between QRSW and LVEF. These results may be explained by a different mechanism of QRS widening on the chronic Chagas`s disease due to a high incidence and precociousness of RBBB. xiv CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO A doença de Chagas resulta da infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi e foi descrita pela primeira vez em 1909 pelo pesquisador brasileiro Carlos Chagas (Chagas, 1909). Ao descobrir a origem da moléstia que leva seu nome, Chagas realizou uma das mais importantes descobertas científicas, não apenas na área da cardiologia, mas da medicina, descrevendo a epidemiologia da doença, sua extensão geográfica, sua relação com a precariedade das habitações, a disseminação através dos meios de transporte e, possivelmente pela urbanização. Sistematizou a evolução da doença em fases, aguda e crônica, individualizou várias formas clínicas, como a cardíaca (considerada a mais importante), a indeterminada, a com exacerbações agudas e outras discutíveis, esboçando, inclusive, o prognóstico da doença. (Prata, 2004). A doença de Chagas ainda representa nos dias de hoje um grave problema de saúde pública na América Latina. Dados da Organização Mundial de Saúde estimavam entre 16 a 18 milhões o número de pessoas infectadas nos países latino-americanos (WHO, 2002), com 3 a 5 milhões no Brasil (Dias, 1993; Camargo et al, 1984). Na América Latina, a doença de Chagas produziu, segundo dados do Banco Mundial (1993), o maior ônus de enfermidade entre as denominadas doenças tropicais. A malária, esquistossomose, leishmaniose e a hanseníase produzem, conjuntamente, um ônus de enfermidade de quase à quarta parte produzido pela doença de Chagas. Dentre as patologias infecciosas prevalentes na região, somente as infecções respiratórias agudas, as doenças diarréicas e a síndrome de imunodeficiência adquirida produzem um ônus mais elevado que a doença de Chagas. 1 Programas de prevenção primária da doença de Chagas implantados no Brasil na década de 80 envolvendo o combate ao vetor, a melhoria das condições habitacionais e o controle sorológico efetivo nos bancos de sangue resultaram em diminuição bastante significativa da transmissão (Schmunis, 1997). Desta forma, as atenções hoje estão voltadas para o grande contingente de pacientes já infectados pelo Trypanosoma cruzi, uma parcela significativa dos quais irá desenvolver a cardiopatia chagásica crônica (CCC), forma clínica mais prevalente e a maior determinante de sua gravidade. Identificar precocemente o acometimento cardíaco, avaliar sua gravidade, conhecer sua taxa de mortalidade e mecanismos de óbito e determinar marcadores prognósticos são etapas fundamentais para que uma abordagem terapêutica mais eficaz possa ser oferecida a estes pacientes. Considerando-se que a prevalência da disfunção ventricular esquerda moderada ou grave em séries rurais ou urbanas da doença de Chagas foi estimada entre 14 a 18% (Xavier et al, 1996; Xavier et al, 1997), espera-se que existam 420 a 900 mil brasileiros com grave disfunção sistólica de origem chagásica, que já apresentam ou podem evoluir para a síndrome de insuficiência cardíaca (IC). A IC na doença de Chagas geralmente tem evolução lenta, manifestando-se 20 anos ou mais após a infecção aguda. É uma cardiopatia arritmogênica, freqüentemente correlacionada ao grau de disfunção ventricular. As bradiarritmias são também prevalentes na cardiopatia chagásica, entre elas a doença do nó sinusal e o bloqueio atrioventricular (BAV). Eventualmente, as taquiarritmias ventriculares e anormalidades da condução átrioventricular coexistem no mesmo paciente. Outro fator típico na doença de Chagas é a morte súbita (MS), na maioria dos casos causada por fibrilação ventricular (Rassi Jr, 2000). O eletrocardiograma (ECG), apesar da grande evolução na área de imagem, permanece como elemento diagnóstico fundamental na CCC. Além disso é considerado método sensível e que apresenta anormalidades precocemente (Maguire & Hoff, 1987). 2 As alterações do ECG costumam preceder o aparecimento de sintomas. A prevalência global de anormalidades eletrocardiográficas varia conforme a região geográfica analisada, sendo mais prevalente naquelas em que a cepa do T.cruzi tem maior patogenicidade, podendo chegar em torno de 50%, conforme observado por Dias et al em casos crônicos levantados na região de Bambuí, Minas Gerais (Dias, Laranja & Nóbrega, 1945). O distúrbio de condução mais freqüente na CCC é o bloqueio do ramo direito (BRD). Diferente das outras cardiopatias, onde o bloqueio do ramo esquerdo (BRE) reflete a extensão da doença, na cardiopatia chagásica o BRD é precoce, geralmente por lesão seletiva do sistema de condução, sem expressar necessariamente lesão miocárdica extensa (Xavier, 1999). O valor prognóstico da largura do complexo QRS (LQRS) nas cardiopatias nãochagásicas está bem estabelecido, onde o distúrbio predominante é o BRE. A terapia de ressincronização cardíaca vem sendo indicada baseada na duração deste complexo. O valor prognóstico da LQRS na cardiopatia chagásica crônica ainda não foi estudado. A alta prevalência do BRD nesta população, bem como o seu surgimento precoce, torna essa informação prognóstica fundamental. 3 CAPÍTULO 2 OBJETIVOS Com base nos dados discutidos, o presente trabalho será realizado com os seguintes objetivos: a) Primário: Avaliar o valor prognóstico da largura do complexo QRS, em relação à mortalidade cardíaca, em uma coorte de pacientes com cardiopatia chagásica crônica. b) Secundários: 1. Avaliar o valor prognóstico da largura do complexo QRS, em relação à mortalidade total, em uma coorte de pacientes com cardiopatia chagásica crônica. 2. Avaliar o valor prognóstico da largura do complexo QRS, em relação à mortalidade cardíaca, nos seguintes subgrupos (pré-especificados): • cardiopatia chagásica crônica com fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 45% • cardiopatia chagásica crônica com insuficiência cardíaca • cardiopatia chagásica crônica sem bloqueio do ramo direito 3. Avaliar a relação entre a largura do complexo QRS e a função ventricular, estimada ao ecocardiograma, em pacientes com cardiopatia chagásica crônica. 4 CAPÍTULO 3 REVISÃO DA LITERATURA 3.1 A Insuficiência Cardíaca A IC é um grave problema mundial de saúde pública e afeta cerca de 5 milhões de norte-americanos, com 550 mil novos casos/ano, e taxas de mortalidade em torno de 28% em 1 ano (Mendez & Cowie, 2001). Durante os últimos 10 anos o número anual de hospitalizações aumentou de aproximadamente 550 mil para cerca de 900 mil, podendo chegar até 2,6 milhões quando consideradas causas primárias e secundárias de IC. Nos EUA, segundo dados de 2001, gastava-se cerca de 500 milhões de dólares a cada ano com drogas no tratamento da IC (Hunt et al, 2001). Atualmente esse custo encontra-se na ordem de 2,9 bilhões de dólares, um aumento de quase seis vezes nos últimos 4 anos. Estima-se que esses custos, diretos e indiretos, possam chegar a 27,9 bilhões de dólares nos próximos 2 anos (Hunt et al, 2005). Dados nacionais mostram que a IC foi a principal causa de admissões cardiovasculares e a segunda causa geral de internações em hospitais públicos terciários no ano de 2000. No Brasil, foram cerca de 398 mil internações, e ocorrência de 26 mil óbitos (DATA-SUS, 2002). Com base nesses alarmantes dados epidemiológicos, esforços vêm sendo realizados para melhorar a evolução da IC. Os grandes estudos agora incluem o efeito da intervenção na taxa de admissões hospitalares. Diversos estudos clínicos, realizados nos últimos 15 anos, mostram uma inequívoca redução de mortalidade em pacientes com disfunção ventricular sistólica. Várias medidas terapêuticas são utilizadas, como os inibidores da enzima conversora de angiotensina, os antagonistas do receptor da angiotensina, betabloquedores, espironolactona, marcapassos biventriculares, cirurgia de revascularização miocárdica, bem como a utilização de equipes multidisciplinares (McAlister et al, 2001; Shah et al, 1998). 5 Ainda que a IC seja um problema de saúde pública, não existem programas preventivos ou campanhas de saúde para evitar seu surgimento ou sua detecção precoce, conforme vemos no câncer de mama e de próstata. Nesse sentido, a nova classificação do ACC/AHA veio amenizar este problema (Hunt, 2001). A divisão em 4 estágios (A, B, C, D) enfatizou tanto a evolução como a progressão da doença. Mais do que uma simples divisão, trouxe a tona os indivíduos com fatores de risco e sérios candidatos ao desenvolvimento da síndrome de IC. Os indivíduos assintomáticos, com fatores predisponentes (estágio A), devem receber medidas terapêuticas mesmo antes do aparecimento dos sintomas. Além dos estudos clínicos, estudos epidemiológicos sugerem que a sobrevida dos pacientes com IC está melhorando ao longo dos anos. Em recente estudo, Owan et al (2006) demonstraram significativa melhora da sobrevida em pacientes com IC e fração de ejeção (FE) reduzida (ao contrário daqueles com FE preservada). Ao longo de 15 anos (analisados em 3 períodos de 5 anos), as curvas de sobrevida foram significativamente melhores com o passar dos anos. Antes da revisão sobre cardiopatia chagásica crônica, abordaremos a importância do alargamento do QRS nos pacientes com IC de etiologia não-chagásica, onde o BRE é o principal distúrbio de condução e cuja presença tem papel deletério na mecânica cardíaca. 3.2 A Largura do QRS na Insuficiência Cardíaca A prevalência da IC vem aumentando nas últimas décadas, não só pelo tratamento mais precoce do infarto agudo do miocárdio, mas também pela maior longevidade da população. Os benefícios da melhora sintomática através de medicações são freqüentemente interrompidos pela MS (Packer, 1985). Com isso, é crescente o número de estudos tentando identificar marcadores prognósticos em pacientes com falência cardíaca. Vários fatores tem sido estudados, como a FE do ventrículo esquerdo (VE) (Gradman et al, 1989; Wong et al 6 1993), o eletrocardiograma de alta resolução (Galinier, 1996), a presença de arritmias ventriculares (Meinertz, 1984), a baixa variabilidade da freqüência cardíaca (Bonaduce, 1999), a dispersão do intervalo QT (Galinier et al, 1998; Salles et al 2003), o consumo máximo de oxigênio miocárdico, a pressão capilar pulmonar, além dos níveis de catecolaminas plasmáticas, peptídeos atriais e sódio plasmático (Cohn et al, 1993; Scrutino et al, 1994; Cleland et al 1987; Madsen et al, 1994). Do ponto de vista eletrocardiográfico, na maioria das cardiopatias dilatadas a duração do complexo QRS é um forte marcador prognóstico (representado principalmente pelo BRE). A prevalência do alargamento do QRS pode chegar a 25% da população com IC. Além disso, o grau do prolongamento do QRS é associado com maior disfunção do VE, maior dilatação cavitária e regurgitação mitral de maior monta. Recente estudo conduzido por Sandlhu & Bahler (2004), em 343 pacientes com IC, a FE do VE foi de 41%, 36%, 29% e 25% em pacientes com QRS < 100 ms, 100-119 ms, 120149 ms, e ≥ 150 ms, respectivamente. Em outro trabalho, a prevalência da disfunção sistólica (FE < 45%) aumentou de 42% com a duração do QRS < 120 ms para 76% quando o alargamento do QRS era > 150 ms (Shenkman et al, 2002). Silvet et al (2001) identificaram uma relação inversa entre duração do QRS e FE do VE, além de uma relação direta entre duração do QRS e diâmetro diastólico final do VE. A duração do QRS > 120 ms tem mostrado uma especificidade de 99% para o dignóstico de disfunção do VE, podendo ser um potente marcador de evolução desfavorável (Murkofsky et al, 1998). A relação entre a duração do complexo QRS e mortalidade também é bem demonstrada. A comparação entre o grau de retardo de condução, o consumo de oxigênio máximo, o intervalo QT corrigido (QTc) e a FE do VE, numa análise multivariada de 241 pacientes com IC, mostrou que para diferentes pontos de corte a duração do QRS foi o melhor 7 parâmetro prognóstico. O aumento de mortalidade foi graduado conforme a maior duração do QRS. Apenas 20% dos pacientes com QRS < 120 ms morreram em 36 meses. Ao contrário, 36% dos pacientes com QRS entre 120-160 ms e 58% dos pacientes com QRS > 160 ms estavam mortos ao final de 3 anos (Shamin et al, 1999). Kalra et al (2002) investigaram qual a duração do QRS que melhor separava os pacientes com IC e prognóstico benigno em relação aos pacientes que evoluem com maior mortalidade ou caminham para o transplante. A “ótima duração” do QRS para estratificar pacientes para uma sobrevida livre de eventos em 2 anos foi 120 ms. Os pacientes com QRS ≥ 120 ms apresentaram um risco 3 vezes maior de evolução para o grupo de pior prognóstico. A sobrevida no grupo com QRS < 120 ms foi de 84%, enquanto que no grupo com QRS ≥ 120 ms foi de 47% (p < 0,0001). O prolongamento do complexo QRS no ECG tem demonstrado ser não só marcador de mortalidade global, mas também de morte súbita. Essa associação foi avaliada em 669 pacientes com IC e arritmia ventricular – extra-sístole ventricular (EV) freqüente (≥ 10 a cada hora). A mortalidade foi de 49% no grupo com QRS ≥ 120 ms x 34% nos pacientes com QRS < 120 ms. A MS ocorreu em 25% x 17% nos pacientes com QRS maior e menor que 120 ms, respectivamente. Mesmo no subgrupo de pacientes com FE < 30%, o prolongamento do complexo QRS continuou a estar associado com significante aumento na mortalidade (51% x 41%) e também na incidência de MS (29% x 21%). A etiologia da cardiopatia, o uso da amiodarona, assim como a idade não foram marcadores de mortalidade. (Juliano et al, 2002). Em um subestudo do VEST (Venkateshar, 2000), na análise dos preditores de sobrevida, a maior duração do complexo QRS demonstrou ser forte preditor independente de mortalidade. Quando comparado ao grupo de QRS mais estreito (< 90ms), o grupo com maior QRS (> 220 ms) demonstrou um risco relativo de morte cinco vezes maior. Não só isso, as 8 curvas de sobrevida estratificadas para a LQRS demonstraram padrões bastante distintos – quanto maior a LQRS, pior a sobrevida. A progressão da LQRS parece ser outro fator importante nos pacientes com IC avançada. A incidência de prolongamento do QRS (> 120 ms) aumentou de 10% para 32% e 53% quando pacientes passaram de classe funcional da NYHA I para II e III, respectivamente (Stellbrink et al, 1999). Em recente revisão sobre o BRE como fator de risco para progressão da IC, Zannad et al (2006) demonstraram que o alargamento do QRS é associado com maior mortalidade, qualquer que seja a população envolvida. Nesta revisão o risco relativo associado à maior LQRS variou entre 1,5-2,0. Na análise de dados coletados no estudo Framingham (Schneider et al, 1981), houve um significante aumento na mortalidade cardíaca em pacientes com BRE, quando comparados à população sem bloqueio de ramo. Em outro recente estudo conduzido por Eriksson et al (2005), em uma população masculina assintomática, a presença do BRE foi associada com maior risco de desenvolvimento de morte por doença coronária, infarto agudo do miocárdio e BAV. Em um grande registro italiano, envolvendo 5517 pacientes com IC de várias etiologias, o BRE foi encontrado em 25% deles. A sua presença foi associada à maior taxa de mortalidade e MS. Na análise multivariada, o BRE permaneceu como fator de risco independente, após ajuste para idade, doença cardíaca de base, classe funcional e uso de drogas (Baldasseroni et al, 2002). 3.3. O Significado do Complexo QRS Alargado na Insuficiência Cardíaca A ativação elétrica normal dos ventrículos é conduzida pelo feixe de His e pelo sistema Purkinje. A ativação ocorre do endocárdio para múltiplas regiões epicárdicas para- 9 septais, resultando em contração sincrônica dos ventrículos. A última região epicárdica a ser ativada é a base anterior ou inferior do lado direito do coração (Nishimura et al, 1995). O VE apresenta uma contração sincrônica com uma variação de pouco de mais de 40 ms do início da ativação elétrica (ativação eletro-mecânica) (Leclercq & Kass, 2002). A contração sincrônica é importante porque gera uma sístole mais eficiente e com utilização adequada de energia. Em 1983, Bramlet et al. mostraram que indivíduos apresentando BRE esforço-induzido apresentavam um declínio na FE, mesmo em corações estruturalmente normais (Bramlet et al, 1983). Quando uma porção do coração é prematuramente estimulada, como no BRE ou no marcapasso (MCP) univentricular, a seqüência de ativação é radicalmente modificada, gerando regiões de contração precoce e tardia (Prinzen et al, 1990). O encurtamento precoce é “trabalho perdido”, pois a pressão intracavitária ainda está baixa e nenhuma ejeção está ocorrendo. Da mesma forma, a ativação tardia de uma região diferente ao sítio estimulado gera um maior estresse de parede, pois a região que já efetuou a contração pode agora sofrer um movimento paradoxal (Curry et al, 2000). Essa descoordenação, ou assincronia, resulta no declínio da função sistólica com redução no débito cardíaco, maior volume sistólico final do VE e alteração no relaxamento ventricular. Essa assincronia também pode alterar o fechamento da válvula mitral, podendo ser incompleto, pois a contração atrial não é acompanhada de uma sístole ventricular no tempo adequado (Nishimura et al, 1995). Se este hiato de tempo for prolongado poderemos ter um gradiente de pressão átrioventricular (AV), com aparecimento de regurgitação mitral “diastólica”. A disfunção mecânica proveniente de um retardo de condução intrínseca (por exemplo, o BRE) não é necessariamente equivalente à disfunção gerada pelo MCP em sítio único (por exemplo, na região apical do ventrículo direito). Estudos sugerem que o BRE tem pior efeito na contração ventricular conforme um maior território miocárdico é 10 prematuramente ativado (Xiao et al, 1993). O assincronismo pode também contribuir para um efeito regional anormal e também pró-arrítmico (Sarubbi et al, 1998). Esse assincronismo é traduzido ao ECG como um complexo QRS com duração maior que 120 ms. Numa contração descoordenada, o gasto energético pode ser superior a 20% do trabalho contrátil, não traduzido pela ejeção ventricular (Park et al, 1985; Littmann & Symanski, 2000; Grines et al, 1989). A presença ou o desenvolvimento de um retardo de condução intraventricular parece ser um grande marcador contribuindo para o desenvolvimento da disfunção ventricular. Esse conceito pode ser suportado pelo estudo Dual Chamber and VVI Implantable Defibrillator trial, no qual o implante do MCP dupla câmara levou à nítida piora da função ventricular (Wilkoff et al, 2002). Não só pacientes jovens, como também os idosos, podem apresentar piora da função do VE após implante de MCP, gerando alargamento do complexo QRS (Tantengco et al, 2001). Além do retardo intraventricular, o retardo no tempo AV também influencia a mecânica das câmaras cardíacas. Intervalos AV muito longos ou muito curtos levam ao enchimento ventricular inadequado, contribuindo para a insuficiência mitral (Brecker et al, 1992). Regurgitação mitral moderada ou grave foi vista em 8% e 20% dos pacientes com IC e QRS < 120 ms e ≥ 120 ms, respectivamente (Sandlhu & Bahler, 2004). Por fim, a regurgitação mitral pode gerar fibrilação atrial, com ciclos irregulares e mais prejuízo na função ventricular. Em suma, o complexo QRS alargado refletindo retardo de condução intraventricular, em pacientes com IC, é associado com doença miocárdica mais avançada, pior função do VE, pior prognóstico, e maior taxa de mortalidade, quando comparado com o complexo QRS estreito. Um dos parâmetros utilizados para a ressincronização cardíaca, nos pacientes com IC e classe funcional avançada, é justamente a LQRS acima de 120 ms. 11 3.4. A Cardiopatia Chagásica Crônica Em sua expressão temporal, a cardiopatia da moléstia de Chagas é classificada em três formas: aguda, indeterminada e crônica. O mais intrigante nesta cardiomiopatia específica é o desconhecimento dos mecanismos exatos que determinam o extenso dano miocárdico na fase crônica da doença, após décadas de aparente resolução clínica da miocardite que caracteriza a fase aguda da infecção causada pelo Trypanosoma cruzi. Separando essas duas formas (aguda e crônica), teremos um período de aparente normalidade clínica cardiovascular, a chamada forma indeterminada. É nesse longo período que se desenvolve o lento e persistente processo patogênico caracterizado por miocardite focal e difusa, acarretando destruição cumulativa de fibras miocárdicas, intensa fibrose reparativa e conseqüente remodelamento ventricular (Marin-Neto et al, 2000). A duração dessa forma indeterminada é variável (em geral 10 a 30 anos), após esse período surgindo, em alguns pacientes, as primeiras manifestações. Destas, a mais freqüente e importante, pela sua alta morbidade e mortalidade, é a cardíaca, a qual pode ser sintomática ou assintomática (Prata, 1990). Hoje se aceita a normatização de considerar a forma indeterminada da doença de Chagas, para efeito de aplicação médica (inclusive com reflexos sociais) e de pesquisa como : indivíduos chagásicos assintomáticos (sorologia positiva), nos quais se requer a explícita demonstração de normalidade eletrocardiográfica e radiológica (tórax, esôfago e cólon) (Barreto & Mady C, 1986 e Oliveira Jr et al, 1986). Essa definição, do ponto de vista cardiológico, data de estudos onde a análise da função ventricular não era realizada de forma rotineira. Existe proposta de revisão da presente definição, onde além da exclusão de anormalidades no ECG e na radiologia, considere-se também normalidade ecocardiográfica (Marin-Neto et al, 2002). No entanto, no Consenso Brasileiro de Doença de Chagas (2005), 12 para diagnóstico da forma indeterminada, não foi incluída a necessidade do exame ecocardiográfico. A CCC pode ser assintomática ou manifestar-se como uma síndrome congestiva e/ou com alterações do rítmo cardíaco e da condução do estímulo elétrico. Outras vezes, sua primeira manifestação é a MS, demonstrada em alta incidência desde os estudos iniciais em áreas endêmicas (Laranja, 1956). Os eventos tromboembólicos, complicação provavelmente subdiagnosticada, também podem fazer parte do quadro clínico. Entre os assintomáticos, encontram-se indivíduos incapazes de caracterizar o quadro de IC e/ou arritmias. Esses pacientes são portadores de CCC, pois apresentam alterações eletrocardiográficas ou anormalidades radiológicas. A CCC apresenta alterações morfológicas, entre elas a miocardite focal, fibrosante e de natureza lentamente progressiva. Trabalhos de Iossa et al (1990) e de Rossi (1990) demonstraram que pode ocorrer acometimento tanto do sistema de condução, quanto do miocárdio atrial e ventricular. As alterações histopatológicas nesses tecidos, associadas a uma estimulação antigênica constante, serão responsáveis por fatores bastante característicos da CCC, conforme veremos agora na revisão das características clínicas. Os sintomas mais freqüentes na CCC são as palpitações, dor precordial, dispnéia aos esforços, síncope e pré-síncope, semelhantes em prevalência nas diferentes séries (BorgesPereira, 1997; Silva et al, 1994; Xavier, 1999). A queixa de dor precordial é um achado freqüente, ocorrendo em cerca de 15% nos estudos de doença de Chagas (Silva et al, 1994, Ramos et al, 1949) e de mecanismo ainda indefinido. Além da possível contribuição de causas não cardíacas (doença esofageana), estudos sugerem como etiologia a isquemia miocárdica, secundária à doença microvascular (Rossi & Ramos, 1996) e/ou à reatividade vascular coronariana anormal (Torres et al, 1995). Há evidências recentes de distúrbios funcionais da circulação coronária em pacientes com 13 doença de Chagas submetidos a cintilografia miocárdica, com padrão de déficit de perfusão miocárdica idêntica ao da doença isquêmica. Esses pacientes, quando levados a cineangiocoronariografia, não apresentavam lesões obstrutivas (Marin-Neto et al, 1992; Xavier & Mesquita, 1999). Em um destes estudos (Marin-Neto, 1992), de forma mais marcante, os defeitos de perfusão fixos predominavam em áreas de dissinergia ventricular, sugerindo fibrose localizada, enquanto os defeitos reversíveis ocorreram em áreas com mobilidade parietal preservada. Essas alterações são bastante sugestivas de doença microvascular, possivelmente envolvida na fisiopatologia da precordialgia em pacientes chagásicos. Esse envolvimento microvascular, associado à lesão tipicamente focal, parece ser conseqüência de dano hipóxico crônico (Rossi, 1990). A síncope de origem cardiogênica, de uma forma global, constitui problema clínico freqüente, responsável nos Estados Unidos por 1% a 6% das admissões hospitalares. Outra razão de sua importância é a constatação da síncope cardíaca revestir-se de importância prognóstica e terapêutica (Kapoor, 1995). A síncope também constitui importante problema clínico na CCC, principalmente pela gravidade a ela associada (Barbosa et al, 1991; Martinelli Filho et al, 1994). A síncope na CCC é na maioria das vezes conseqüência de distúrbios do ritmo cardíaco. As pioneiras descrições de Chagas e Villela, observadas apenas através do ECG, enfatizavam a elevada prevalência de anormalidades no estímulo elétrico cardíaco, como as extra-sístoles ventriculares, a bradicardia sinusal e os bloqueios atrioventriculares. Essas descrições também realçaram o elevado número de episódios de MS verificados na região onde a enfermidade fora descoberta (Chagas, 1912, 1922 e 1928; Villela, 1923). Essas arritmias, juntamente com a presença de taquicardia ventricular, constituem freqüente causa de morbidade nessa população. No trabalho de Xavier (1999) a síncope esteve presente em 3% da sua coorte, semelhante às séries de Borges-Pereira (1997) (1,6%) e Silva et al (1994) (6%). 14 A investigação clínica e laboratorial tem o objetivo de estabelecer o diagnóstico da arritmia, determinar o prognóstico do paciente e orientar a terapêutica. O início dessa investigação compreende a avaliação clínica e exames complementares simples, como o ECG e a radiografia de tórax. Veremos algumas dessas arritmias. As bradiarritmias na CCC são secundárias à disfunção do nó sinusal e aos bloqueios atrioventriculares. Clinicamente se manifestam com fadiga, tonturas, pré-síncope e síncope. Além do ECG, também podemos utilizar o Holter, o teste ergométrico e até mesmo o estudo eletrofisiológico (EEF). De forma similar a outras cardiopatias, o prognóstico do BAV na cardiopatia chagásica crônica depende de sua localização no sistema de condução. Os bloqueios localizados no nó AV apresentam curso clínico mais favorável, enquanto os bloqueios localizados no sistema His-Purkinje associam-se a prognóstico pior, com sintomas como síncope, ou mesmo MS (Rassi Jr et al, 1995). A prevalência de bradiarritmias necessitando de MCP definitivo foi de 3,3% no trabalho de Silva et al (1994). As arritmias ventriculares têm elevada prevalência na CCC. Estudos sugerem que a presença de EV no ECG e a detecção de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) durante o Holter estejam associadas à redução da expectativa de vida (Prata et al, 1974; Santana, 1987). Em recente trabalho a presença de TVNS nos pacientes chagásicos com disfunção ventricular, apareceu como marcador de maior grau de comprometimento da função miocárdica (Carvalho Filho, 2005). Na coorte de Xavier (1999), as extra-sístoles ventriculares estiveram presentes no ECG inicial de 130 pacientes (22%), sendo do tipo isolada monomórfica em 83 (14%), isolada multiforme em 25 (4%), pareada em 16 (3%) e com salvas de 3 ou mais batimentos (TVNS) em 6 (1%). Entre os vários distúrbios do ritmo nos pacientes chagásicos, a taquicardia ventricular sustentada (TVS) é o fator mais comum de morte nesses indivíduos. Em trabalho de Rassi et 15 al, a mortalidade nos pacientes com TVS foi de 75% em 2 anos e de quase 100% em 8 anos (Rassi Jr. et al, 1995). A TVS nos pacientes com CCC é problema freqüente em centros de referência, muitas vezes sendo preciso o EEF e o tratamento intervencionista dessa grave arritmia (Scanavacca & Sosa, 1994; Sosa et al, 1997). Os pacientes que apresentam TVS, em sua grande maioria, apresentam distúrbios de contração segmentar do VE, como áreas de acinesia ou discinesia. O EEF têm sido de grande valia nesses pacientes, confirmando a natureza reentrante da TVS nessa população. Embora o aneurisma apical seja muito prevalente na CCC, a maioria das TVS origina-se na região ínfero-lateral do VE, ocorrendo grande correlação entre o sítio de sustentação da taquicardia ventricular e anormalidades segmentares nessa área (de Paola et al, 1990; Giniger et al, 1992; Sarabanda et al, 1994). É difícil encontrar na literatura estudos avaliando a incidência de TVS em coortes de pacientes portadores de CCC. Carneiro, em 2001, avaliando a incidência de taquiarritmias sustentadas em uma coorte de 813 pacientes na fase crônica da doença de Chagas, obteve os seguintes resultados: incidência de 1% de taquicardia ventricular na coorte como um todo e de 1,7% nos pacientes com CCC (tempo médio de acompanhamento de 53 ± 33 meses) (Carneiro, 2001). A morte súbita pode ser a primeira e única forma de apresentação clínica da doença de Chagas. Juntamente com a IC, a MS aparece como mecanismo de morte predominante em todos os estudos longitudinais de doença de Chagas. A grande variação na definição de MS provavelmente responde pela diferença na proporção de pacientes com essa complicação, encontrada em diferentes séries (Kloetzel & Dias 1968, 60%; Dias, 1982, 55%; Moleiro, 1973, 20%; Borges-Pereira, 1997, 71%; Carrasco et al, 1994, 25%; Maguire & Hofft, 1987, 37,5%). No trabalho de Lopes et al (1975) foi proposta adotar, nos pacientes com doença de Chagas, os termos morte súbita esperada e inesperada para se referir aos casos em que ela ocorria na presença ou ausência de IC prévia. Com isso, o achado de “coração normal” ou 16 ligeiramente aumentado, foi encontrado naqueles pacientes definidos como MS inesperada (não portadores de IC). Ao contrário, pacientes portadores de IC falecidos de MS esperada, apresentavam acentuada dilatação das cavidades (estudo de autópsia). Embora a maioria dos pacientes com MS tenha evidências clínicas de IC prévia ao evento fatal, estudo realizado por Bestetti et al (1993), em série de necrópsia de pacientes chagásicos que morreram subitamente, mostraram que em até 1/3 dos casos os pacientes eram assintomáticos, ocasionalmente sem anormalidades ao exame clínico e radiológico do tórax. Novamente vemos que a MS pode ser o evento de apresentação dos pacientes com CCC, retirando a vida de pessoas assintomáticas e em fase de trabalho produtivo. São muitas as hipóteses discutidas há longa data para explicar a elevada incidência de MS nesta população (distúrbios do automatismo, arritmias ventriculares, bradiarritmias acentuadas), porém a grande dificuldade está justamente em identificar indivíduos teoricamente de baixo risco (sem disfunção ventricular e sem a detecção de arritmias), porém com risco elevado de MS. Em trabalho recente, avaliando a incidência e os preditores de MS na CCC com função sistólica preservada (FE > 45%), Xavier et al apresentaram uma alarmante estimativa de 6000 casos anuais de MS só no Brasil (Xavier et al, 2005a). Nesse estudo, a dispersão do intervalo QT ao ECG foi o único preditor independente de MS, confirmando achados prévios pelos autores na coorte geral de pacientes chagásicos (Salles et al, 2003). Esses resultados mostram um importante aspecto da CCC, que aparentemente a diferencia de outras cardiomiopatias dilatadas, nas quais a presença de MS parece ocorrer apenas nos pacientes com disfunção ventricular grave. Quando analisamos a presença de IC nos pacientes com CCC, notamos que se trata de importante marcador prognóstico. A prevalência de IC varia conforme a população estudada, sendo elevada nos estudos urbanos: Bestetti et al (1996): 67,5%, Bestetti et al (1994): 93% e 17 Espinosa et al (1985): 32%. Quando comparamos com os estudos de campo, a prevalência de IC é muito inferior: Borges-Pereira (1997): 13,6% e Xavier (1999): 11%. Na revisão da literatura vemos que a maioria dos estudos longitudinais de morbidade, utilizou a classificação da OMS-OPAS (1974). Sem análise objetiva da função ventricular, os pacientes eram classificados conforme o tipo de alterações clínicas, eletrocardiográficas ou radiológicas apresentadas. O estudo de Pugliese & Lessa (1976), embora retrospectivo, foi o primeiro a demonstrar a importância do aparecimento da IC na história natural da doença de Chagas, determinando uma curta de expectativa de vida (ao final de 12 meses apenas 50,2% estavam vivos). Discutiremos mais adiante, ao revisarmos a classificação da CCC, a importância da incorporação dos dados objetivos de função ventricular no prognóstico desses pacientes. A IC é usualmente biventricular, ainda que manifestações do lado direito, como turgência venosa jugular, edema periférico e hepatomegalia, são usualmente mais pronunciadas do que a falência ventricular esquerda (Carrasco et al, 1983). O exame físico mostra irregularidades do ritmo cardíaco (usualmente por EV ou BAV), sinais de aumento das cavidades e evidências de congestão pulmonar e sistêmica. Poderemos auscultar o “ritmo de galope”, a presença de B3 e a hiperfonese de P2. Os sopros de regurgitações funcionais como insuficiência mitral e tricúspide, secundárias à dilatação dos anéis, são também comumente encontrados. Um outro aspecto importante a ser discutido é o tipo de acometimento miocárdico na CCC. Diferente de outras miocardites, onde o padrão de acometimento miocárdico habitual é a hipocinesia difusa, na miocardite chagásica crônica predomina o padrão segmentar, podendo simular cardiopatia isquêmica (Ortiz, 1987; Câmara, 1993; Xavier et al, 1997). O predomínio de acometimento dos segmentos apicais, posteriores e inferiores é uma constante em todos os 18 estudos ecocardiográficos existentes, variando apenas as proporções relativas de acordo com as características das populações estudadas. O aneurisma apical é considerado lesão típica da doença de Chagas. Em trabalho recente, Xavier et al (2005b) relataram em sua coorte uma prevalência de aneurisma ventricular de 14% (24% entre os pacientes com ECG anormal e 2% naqueles com ECG normal). Em sua série, o aneurisma apical foi associado a maior freqüência de IC e cardiomegalia (radiografia de tórax), menor FE do VE, maiores diâmetros cavitários e maior freqüência de trombo mural (comparados com os pacientes sem aneurisma apical). Apesar de nesta coorte o aneurisma apical ter sido um marcador de maior acometimento miocárdico, não se constituiu em preditor independente de óbito (análise multivariada). Não devemos esquecer a presença de aneurismas subaórticos na CCC (descritos por Camara, 1993, porém muito pouco conhecidos). Embora menos freqüente que os aneurismas apicais e inferiores, torna-se importante em função de sua extrema raridade em outras cardiopatias. Portanto, na presença de aneurisma subaórtico, a possibilidade de doença de Chagas deve ser levantada. Uma complicação da CCC, provavelmente subdiagnosticada, são os episódios de tromboembolismo sistêmico ou pulmonar. A maior parte das informações vem de estudos de autópsia, apontando para ocorrência freqüente e muitas vezes (assim como a MS) sendo a forma de apresentação da doença. Em uma grande série de pacientes com CCC submetidos a necrópsia, 595 casos (correspondente a 44% da população total) apresentaram trombose cardíaca e/ou tromboembolismo de diferentes territórios (renal, 55%; seguido pela embolia esplênica, 21%; e em terceiro pela embolia cerebral, 16%). Ainda nesta série, entre os pacientes que apresentaram algum evento tromboembólico, foi muito comum a presença de alterações segmentares do VE, em especial as dissinergias (região apical, inferior e póstero- 19 inferior do VE). Interessante neste trabalho foi a correlação com a função sistólica global do VE preservada (Oliveira et al, 1983). Em estudo prospectivo, Albanesi-Filho & Gomes-Filho (1991) avaliaram 55 pacientes chagásicos com aneurisma apical, seguidos por um tempo médio de 86 meses. Durante o seguimento foram diagnosticados clinicamente 17 episódios de tromboembolismo em 14 pacientes (25%), sendo mais freqüente o acometimento pulmonar (9 casos), seguido do encefálico (7 casos; freqüência de 12,73%). Três dos 7 pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) faleceram em virtude do evento tromboembólico cerebral (mortalidade de 42,8%). Entre esses pacientes, 4 apresentavam disfunção miocárdica e os outros 3 tiveram como explicação do evento tromboembólico a lesão apical do VE, já que a função miocárdica foi considerada normal. Trombos intracavitários foram detectados em 2 dos 3 pacientes sem disfunção. A importância do estudo foi demonstrar a ocorrência de eventos tromboembólicos na ausência de disfunção ventricular (associando-os à presença da lesão apical), além de desenvolver um desenho prospectivo, com período de seguimento longo, descrevendo a elevada mortalidade aguda associada ao AVE. Contudo, envolveu uma população selecionada e pequena de pacientes com aneurisma apical. A maioria dos trabalhos sobre CCC não avaliou a incidência de eventos embólicos nessa população específica. Apenas em 1 estudo longitudinal os preditores de risco de embolia cerebral na CCC foram definidos (Sousa, 2003). Em tese de doutoramento recentemente defendida, Sousa (2003) apontou os preditores independentes de risco de AVE, sendo eles: idade superior a 48 anos, alteração primária da repolarização ventricular no ECG, aneurisma apical e FE do VE abaixo de 50%. Em sua coorte (1043 pacientes com CCC, acompanhados no período de 1990-2002), a incidência de AVE foi de 3%. Além de ser o único estudo longitudinal estimando essa incidência, Sousa desenvolveu sistemas de escore, 20 “pontuando” os preditores e classificando os pacientes como de alto, médio e moderado a baixo risco. Com isso, foi possível propor uma estratégia de prevenção. 3.4.1. O Eletrocardiograma na Cardiopatia Chagásica Apesar da imensa evolução dos métodos de imagem dentro da cardiologia, é indiscutível e imprescindível o valor do ECG na abordagem inicial de pacientes chagásicos. A detecção de distúrbios de condução pelo ECG em pacientes com sorologia positiva sempre traduz a vigência de dano miocárdico, ainda que em grau variável (Marin Neto, 2000). Diversos estudos demonstraram que os indivíduos que permanecem com ECG normal na fase indeterminada da doença apresentam excelente prognóstico (Espinosa et al, 1985; Manzullo & Chuit, 1999; Bestetti & Rossi, 1997). Desde os trabalhos iniciais de Chagas e Villela, o ECG tem sido o instrumento diagnóstico mais utilizado na avaliação de pacientes na fase crônica da doença de Chagas e considerado o método mais sensível na detecção de comprometimento cardíaco, em todas as faixas etárias (Moleiro et al, 1973). Não só o ECG é o método mais sensível como também é o que apresenta anormalidades precocemente (Maguire & Hoff, 1987; Xavier, 1999). A criação em 1943 do Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas, do Instituto Oswaldo Cruz, foi um importante divisor de águas no conhecimento da doença de Chagas. Ocorreram diversas publicações deste centro que culminaram com o primeiro grande estudo longitudinal. Até hoje considerado um marco no conhecimento da história natural da doença de Chagas, este estudo foi realizado por Laranja MD, Dias E, Nobrega G e Miranda A e publicado em 1956. Foi realizada uma análise clínica, epidemiológica e anatomopatológica de 120 pacientes na fase aguda da doença (11 casos de autópsia) e de 1340 pacientes na fase crônica (22 autópsias), de um total de 280 casos agudos e 2100 casos crônicos diagnosticados no período de 1943-1955, em Bambuí, MG. Em relação à avaliação eletrocardiográfica, os 21 autores demonstraram a presença de traçados anormais em 50,9% dos casos crônicos. Essa grande casuística confirmou os achados prévios dos mesmos autores, em estudo transversal (Laranja, Dias & Nóbrega, 1948), definindo o BRD como a alteração mais freqüente (48,3% dos eletrocardiogramas alterados) e característica desta cardiopatia (em contraste com a raridade do BRE - 2,2%). Outras freqüentes alterações do ECG foram as extra-sístoles ventriculares (42,6%), o BAV (36,3%) e as alterações primárias da repolarização ventricular. Dias e Kloetzel (1968), analisando parte desta mesma população de pacientes de Bambuí, em outro importante estudo longitudinal, avaliaram o valor prognóstico das alterações eletrocardiográficas na fase crônica da doença de Chagas. Em 18 anos de seguimento foram analisados os 387 pacientes chagásicos que tiveram ECG realizado na admissão, em 1949. Ocorreram 133 óbitos, sendo o BRD, as alterações primárias de ST e a EV polimórfica os achados mais freqüentes nos casos fatais, embora compatíveis com expectativa de vida prolongada. Essa boa expectativa de vida foi demonstrada por Kloetzel & Dias (1968), baseando-se em dados colhidos em 1088 indivíduos, no único estudo de campo que construiu tabelas de vida (probabilidade de sobrevida em 5 anos sendo de 94%). Ainda neste estudo (Dias e Kloetzel, 1968), a presença de BAV completo, BRE e fibrilação ou flutter atrial foram associados a mau prognóstico, com 91%, 100% e 80% dos indivíduos falecendo dentro de 10 anos e 51%, 76% e 50% dentro de 5 anos, respectivamente. Estas alterações, embora úteis em predizer prognóstico quando presentes, ocorreram em um número muito reduzido de pacientes (2%, 1,8% e 0,5%, respectivamente). Com objetivo de avaliar o papel do ECG no prognóstico e evolução da doença, Porto (1964) realizou um estudo prospectivo de 503 pacientes portadores de doença de Chagas, atendidos em consultório na cidade de Araguari. Em um período de acompanhamento de até 6 anos ocorreram 96 óbitos (19%), sendo 36 de natureza súbita, 53 por IC e 7 óbitos de causa não cardíaca. 22 Dos resultados obtidos no estudo de Porto (1964), destacam-se: a) alterações eletrocardiográficas compatíveis com cardiopatia chagásica foram encontradas em 61% dos traçados, demonstrando a natureza selecionada desta população urbana, mesmo estando situada em plena área endêmica; b) foram identificadas, como alterações eletrocardiográficas associadas ao óbito, a presença de fibrilação ou flutter atrial, EV multifocal, BAV completo, BRE e BRD (associado a desvio do eixo elétrico para esquerda). Este estudo confirma, na região urbana, o valor prognóstico do ECG, já demonstrado previamente nos estudos de Bambuí. Outros estudos confirmaram que a prevalência das diversas alterações eletrocardiográficas é semelhante na maioria das coortes, com BRD, isolado ou associado a hemibloqueio anterior esquerdo (HBAE), EV, alteração primária da repolarização ventricular e BAV do 1° grau predominando como as alterações mais freqüentes (Puigbó et al, 1969; Moleiro, 1973; Prata et al, 1993; Barreto et al, 1993; Borges-Pereira 1997; Xavier 1999). Na tese de doutoramento de Borges-Pereira (1997), a alteração eletrocardiográfica de pior prognóstico foi a EV. Vários aspectos foram analisados estudando pacientes em Virgem da Lapa, Minas Gerais, no período de 1976-1996. Por incluir na sua metodologia um grupo controle de pares não chagásicos, Borges-Pereira pôde, como Maguire & Hoff (1987), analisar o componente exclusivamente chagásico de morbi-mortalidade nesta população, demonstrando claramente o grande impacto social desta doença, já intuído por Chagas no início do século. As alterações eletrocardiográficas parecem guardar boa correlação com as anormalidades patológicas. São descritas lesões na porção inferior do nódulo AV, na metade direita do feixe de His, na zona de bifurcação do ramo direito com os fascículos anteriores do ramo esquerdo e na porção proximal do ramo direito. Essa distribuição topográfica explicaria a freqüência elevada de BRD comumente associado ao HBAE, estruturas essas mais 23 superficialmente situadas e mais vulneráveis ao processo lesivo que acomete globalmente as paredes miocárdicas (Mello-Oliveira, Oliveira & Köberle, 1972). Essas peculiaridades eletrocardiográficas parecem inclusive determinar uma alteração na história natural da CCC, em relação a cardiopatias não chagásicas. Em trabalhos comparando a CCC com as cardiopatias dilatadas não chagásicas, o prognóstico tem sido pior no primeiro grupo (Bestetti & Muccillo, 1997; Punukollu et al, 2006). Ainda mais importante do que identificar a presença de acometimento cardíaco (presença de alteração no ECG) é quantificar a sua gravidade. Embora algumas alterações do ECG confiram valor prognóstico na CCC, a LQRS nunca foi testada como preditor de mortalidade nesta população específica, onde o principal distúrbio de condução é o BRD. 3.4.2. Classificação da Cardiopatia Chagásica Crônica Com o passar dos anos, a análise objetiva da função ventricular foi sendo incorporada na classificação da CCC. Hoje, o ecocardiograma, constituindo exame não invasivo e de fácil execução, é considerado o método de eleição para avaliar a função miocárdica e identificar marcadores importantes para estadiamento da cardiopatia. Veremos a importância da função ventricular na modificação evolutiva da classificação da CCC. Em 1974, peritos da OMS/OPAS (tabela 1), estratificaram os pacientes em 4 grupos, de acordo com o tipo de alterações clínicas, eletrocardiográficas ou radiológicas apresentadas (OMS/OPAS, 1974). 24 Tabela 1 – Classificação da cardiopatia na doença de Chagas – OMS/OPAS 1974 Cardiopatia Grau 1 Características Infecção chagásica sem sinais clínicos, radiológicos e eletrocardiográficos de lesão cardíaca Grau 2 Infecção chagásica com sintomatologia moderada ou nula, radiologia normal ou indicação de hipertrofia cardíaca leve e com alterações eletrocardiográficas do tipo EV, BRD, BRE, BAV incompleto e alterações da repolarização ventricular Grau 3 Infecção chagásica com sintomatologia evidente, hipertrofia cardíaca moderada e alterações eletrocardiográficas do tipo BRD associado a HBAE, ZEI, BAV completo ou fibrilação ou flutter atrial Grau 4 Infecção chagásica com sintomatologia muito pronunciada, com insuficiência cardíaca. O estudo radiológico mostra cardiomegalia extrema e o eletrocardiograma indica alterações graves e múltiplas (arritmias complexas e graves ou extensas zonas eletricamente inativas) EV: extra-sístole; BRD: bloqueio do ramo direito; BRE: bloqueio do ramo esquerdo; BAV: bloqueio átrio-ventricular; HBAE: hemibloqueio anterior esquerdo; ZEI: zona eletricamente inativa Vemos que se tratava de uma classificação complexa, com pontos de sobreposição entre os grupos e sem incorporação da função ventricular. Em 1985, pela primeira vez, foram utilizados dados mais objetivos e quantitativos da função ventricular. A nova classificação de Espinosa et al (1985), além de dados clínicos e eletrocardiográficos, associou informações hemodinâmicas obtidas por cateterismo cardíaco esquerdo, e tem sido adotada por outros autores na caracterização da gravidade do acometimento cardíaco (Pedrosa, 1998). Nesta classificação, conhecida como Los Andes, os pacientes foram divididos em 4 grupos, descritos na tabela 2. 25 Tabela 2 – Classificação “Los Andes” da cardiopatia chagásica Grupo 1A 1B 2 3 Características Infecção chagásica sem evidências clínicas, eletrocardiográficas, ventriculográficas ou hemodinâmicas (cateterismo cardíaco) de lesão miocárdica Infecção chagásica com avaliação clínica e eletrocardiográfica normal, mas com ventriculografia esquerda anormal (lesão miocárdica segmentar precoce) Infecção chagásica com eletrocardiograma anormal (arritmias ou distúrbio de condução), todos com lesão miocárdica avançada na ventriculografia esquerda, mas sem IC Infecção chagásica com eletrocardiograma anormal, lesão miocárdica avançada na ventriculografia esquerda e IC IC: insuficiência cardíaca A presença de um grupo (subdividido em 1A e 1B), com ECG inteiramente normal, não trouxe nenhuma informação adicional, pois sabemos que esses pacientes apresentam prognóstico excelente - conforme curvas de sobrevida demonstradas pelos próprios autores em estudo subseqüente (Carrasco et al, 1994). Quando analisamos o grupo 2 da classificação de Los Andes, vemos que a função ventricular é representada de uma forma muito heterogênea, podendo variar desde pacientes com função normal até pacientes com grave comprometimento da função global do VE. Notamos então que a estratificação e o estadiamento dos pacientes com CCC ficaram incompletos. Embora com essa limitação, esse trabalho de Carrasco et al (1994) foi de extrema importância, pois demonstrou, através de análise multivariada, que o maior “peso” na estratificação dos pacientes é atribuída à função ventricular (demonstrada através de curvas de sobrevida). Com o objetivo de agrupar os pacientes do ponto de vista prognóstico, Xavier (1999), após análise da morbidade seccional e do estudo longitudinal da mortalidade de uma coorte de 604 pacientes, propôs uma modificação da classificação de Los Andes, conforme vemos na tabela 3. 26 Tabela 3 – Proposta de classificação do acometimento cardíaco na doença de Chagas Grupo 1 2 3 4 Características Infecção chagásica com ECG normal ou com ECG alterado e função ventricular normal ou apenas discretamente deprimida Infecção chagásica ECG anormal e disfunção sistólica ventricular esquerda moderada Infecção chagásica com ECG anormal e disfunção ventricular esquerda grave Infecção chagásica com IC ECG: eletrocardiograma; IC: insuficiência cardíaca Nesta classificação, os pacientes com ECG normal e os com evidências clínicas de IC foram alocados nos grupos 1 e 4, respectivamente, sem necessidade de realização de estudo ecocardiográfico. Os pacientes restantes (com ECG alterado e sem evidências clínicas de IC), são classificados de acordo com a sua função ventricular, avaliada a ecocardiografia. Os pacientes com função normal ou apenas levemente deprimida também foram alocados no grupo 1, em função de suas curvas de sobrevida semelhantes. Os pacientes com disfunção moderada constituíram o grupo 2, e os pacientes com disfunção grave foram incluídos no grupo 3. Nesta última classificação, as diferenças entre os 4 grupos foram bem demarcadas e com uma progressão mais gradativa de um grupo para outro. Além disto, ela utilizou em parte dos pacientes o ecocardiograma, que é método não invasivo, mais barato e mais disponível do que o cateterismo cardíaco. Mais recentemente, o Consenso Brasileiro em Doença de Chagas (2005), procurando uniformizar a avaliação desses pacientes em sua fase crônica de doença, propôs uma nova classificação baseada na recomendada pelo ACC/AHA (Hunt et al, 2001) em relação à IC, ou seja, estágios A, B, C e D. A validação desta classificação para pacientes na fase crônica da doença de Chagas foi realizada pelo nosso grupo, através da análise crítica das curvas de sobrevida de uma coorte de 1053 pacientes com doença de Chagas (Xavier, Sousa & Hasslocher, 2005). Foram 27 excluídos da classificação os pacientes com ECG normal (forma indeterminada) devido à ausência de casos de IC neste grupo. A validação foi realizada nos 538 pacientes restantes que eram portadores de CCC. Inicialmente, a classificação foi aplicada da seguinte forma: • estágio A: ECG alterado e ecocardiograma normal • estágio B: Ecocardiograma alterado sem IC • estágio C: IC compensada • estágio D: IC refratária A análise das curvas de sobrevida demonstrou 4 grupos com prognósticos distintos, porém com um grande “salto” entre os grupos B e D, uma vez que o grupo B era bastante heterogêneo (semelhante ao grupo 2 da classificação de Los Andes). Essa classificação foi aprimorada, subdividindo o grupo B, conforme pode ser visto na tabela 4. Tabela 4 – Classificação das formas clínicas da cardiopatia chagásica crônica, de acordo com o Consenso Brasileiro em Doença de Chagas Estágios Eletrocardiograma Ecocardiograma IC Estágio A Alterado Normal Ausente Estágio B1 Alterado Alterado FE > 45% Ausente Estágio B2 Alterado Alterado FE < 45% Ausente Estágio C Alterado Alterado Compensável Estágio D Alterado Alterado IC: insuficiência cardíaca; FE: fração de ejeção Refratária A classificação do Consenso Brasileiro em Doença de Chagas (2005) é a atualmente usada. A subdivisão do grupo B, de acordo com a FE do VE (estimada ao ecocardiograma), melhorou substancialmente a capacidade preditiva dos pacientes com CCC, permitindo identificar subgrupos distintos do ponto de vista prognóstico e terapêutico. 28 3.4.3. O Complexo QRS Alargado e a Cardiopatia Chagásica Como vimos, o alargamento do complexo QRS na CCC tem significado diferente das cardiopatias não-chagásicas. O distúrbio de condução mais freqüente é o BRD, isolado ou associado ao HBAE. O BRD na CCC se deve a lesão seletiva do sistema de condução, que se instala de forma precoce e insidiosa. Nas cardiopatias não-chagásicas, o alargamento do complexo QRS se deve a presença do BRE. Essa alteração reflete maior dano miocárdico, maior dissincronia ventricular e pior prognóstico. Os pacientes com QRS ≥ 120 ms apresentam maior mortalidade quando comparados aos pacientes com QRS estreito. Essa população, quando em IC classe funcional III/IV, podem se beneficiar da terapia específica de ressincronização cardíaca. Essa diferença no mecanismo do alargamento do QRS é fundamental, pois reflete uma diferente patogenia, implicando em medidas terapêuticas diversas. As alterações eletrocardiográficas presentes em outras cardiopatias (não chagásicas), e que são preditores prognósticos (BAV completo, zona eletricamente inativa, BRE e sobrecarga cavitária), são pouco freqüentes na cardiopatia chagásica, o que limita seu valor preditivo para a população geral de pacientes com doença de Chagas. A largura do QRS na CCC, como fator prognóstico independente, precisa ser testada em um modelo multivariado que inclua a estimativa direta da gravidade do acometimento miocárdico, através da avaliação da função sistólica ventricular esquerda. O ecocardiograma, por sua capacidade de quantificar a função ventricular e identificar a presença de aneurismas, apresenta um grande potencial para a avaliação da morbidade e do prognóstico dos pacientes com doença de Chagas. 29 CAPÍTULO 4 PACIENTES E MÉTODOS 4.1. Delineamento do Estudo Este trabalho faz parte de um projeto amplo e multidisciplinar de pesquisa em doença de Chagas, iniciado em 1988 a partir da reestruturação do Hospital Evandro Chagas/Fundação Oswaldo Cruz, e da criação do Grupo de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas. A associação do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) com o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, permitiu a criação de um projeto interinstitucional, cujo principal objetivo foi realizar um estudo longitudinal da morbi-mortalidade da fase crônica da doença de Chagas em um grande centro urbano, através do acompanhamento de uma coorte de pacientes residentes na área metropolitana do Rio de Janeiro. Foram incluídos no projeto pacientes encaminhados à Fundação Oswaldo Cruz com diagnóstico prévio ou suspeita diagnóstica de doença de Chagas, que têm o diagnóstico sorológico confirmado no Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz e concordaram em permanecer em acompanhamento no ambulatório do IPEC. Após confirmação sorológica, todos os pacientes foram submetidos à avaliação clínico-epidemiológica, eletrocardiográfica, radiológica e ecocardiográfica na semana de admissão, conforme metodologia descrita nas seções seguintes. Os dados obtidos na avaliação inicial e no acompanhamento ambulatorial foram coletados de forma padronizada em fichas específicas e armazenados em banco de dados, inicialmente no programa EpiInfo e posteriormente no programa SPSS, onde foram analisados. Para realização do presente estudo foram analisados os dados clínicos, eletrocardiográficos, radiológicos e ecocardiográficos obtidos na avaliação inicial e no 30 período de acompanhamento, disponíveis nos bancos de dados. A largura do QRS não foi uma variável prevista no banco de dados inicial, sendo acrescentada com o início do presente projeto, após uma revisão de todos os eletrocardiogramas iniciais (realizados na admissão do paciente na coorte). No presente estudo, portanto, foi realizada uma análise retrospectiva da LQRS, correlacionando-a com dados clínicos e ecocardiográficos prospectivamente coletados. 4.2. Seleção de Pacientes No período de março de 1990 a dezembro de 2003, 1271 pacientes consecutivos com diagnóstico sorológico confirmado de doença de Chagas foram avaliados no ambulatório do IPEC/FIOCRUZ. Destes, 103 foram excluídos do presente estudo por apresentarem evidências de cardiopatia não chagásica ou pela impossibilidade de permanecer em acompanhamento regular no IPEC. Dos 1168 pacientes restantes, 642 apresentaram critérios eletrocardiográficos para o diagnóstico de cardiopatia chagásica crônica e foram préselecionados para o presente estudo. Destes, 30 pacientes foram excluídos por apresentarem ritmo de MCP no ECG inicial ou por apresentarem ECG inicial de qualidade insatisfatória para medida adequada do QRS. Os 612 pacientes restantes constituíram a coorte do presente estudo. 4.3. Diagnóstico Sorológico da Doença de Chagas Todos os pacientes incluídos no estudo foram submetidos à pesquisa de anticorpos anti-Trypanosoma cruzi no Departamento de Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, através de 3 técnicas sorológicas distintas: a) hemaglutinação indireta: positiva em caso de títulos superiores a 1/64; b) imunofluorescência indireta: positiva em caso de títulos superiores a 1/80; 31 c) teste imunoenzimático (ELISA, “Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay”): positiva quando superior a 1,2 (razão entre a densidade ótica e o valor limiar de reatividade). O diagnóstico sorológico de doença de Chagas foi realizado quando pelo menos duas das três técnicas empregadas foram positivas. Em caso de resultados incongruentes ou limítrofes, novas amostras foram colhidas e testadas. Na persistência de resultados incongruentes, a prioridade foi dada ao resultado do teste de imunofluorescência indireta. 4.4. Avaliação Clínica Exame clínico foi realizado na consulta inicial de todos os pacientes com sorologia positiva, sem conhecimento dos resultados de qualquer método complementar. Anamnese dirigida, história epidemiológica e exame físico foram realizados com especial atenção à presença de sinais e sintomas cardiovasculares relacionados à doença de Chagas. Os dados clínicos foram registrados em ficha específica, baseada nas recomendações contidas no relatório técnico n° 1 do CNPq (1974) sobre a epidemiologia da doença de Chagas – objetivos e metodologia dos estudos longitudinais. 4.5. Avaliação Eletrocardiográfica Eletrocardiograma de 12 derivações foi realizado na admissão à coorte em todos os pacientes, em repouso, com um registro longo em D2 (30 segundos) para avaliação de arritmias. Os traçados foram analisados de forma independente por 2 observadores, sem conhecimento de dados clínicos ou de outros métodos complementares. O código de Minesota 32 (Rose et al, 1982), modificado para doença de Chagas (Maguire et al, 1982) foi utilizado para padronizar a interpretação do ECG. A medida da LQRS foi realizada através da digitalização dos eletrocardiogramas de 12 derivações (registrados em uma velocidade do papel de 25mm/s e amplitude de 10mm/mV). Os eletrocardiogramas foram ampliados em 100%, e a medida manual do QRS foi realizada no complexo de maior duração, através de software disponível (resolução de 0,25 mm = 10 ms) – programa Adobe Photoshop 7.0. Foram medidos pelo menos 3 complexos QRS de cada traçado eletrocardiográfico, obtendo-se uma média entre eles (Figura 1). Círculo verde: “Ferramenta” de medida do Adobe Photoshop (régua); Círculo azul: Ângulo da régua; Círculo amarelo: Distância do QRS em mm; Círculo vermelho: QRS escolhido para medida; Seta preta: Distância medida Figura 1 – A medida da largura do QRS 33 Quarenta e cinco eletrocardiogramas, escolhidos aleatoriamente, foram analisados novamente com pelo menos 6 meses após a medida inicial, para avaliar a variação intraobservador. Os mesmos 45 traçados foram também analisados por um segundo observador, para avaliar a variação interobservador. 4.6. Avaliação Radiológica Todos os pacientes foram submetidos a estudo radiológico do tórax, na incidência póstero-anterior e perfil esquerdo com esôfago contrastado. A identificação de cardiomegalia foi feita pelo índice cardiotorácico superior a 0,5 (ICT > 0,5). A análise das radiografias foi realizada por uma observadora independente, de forma cega, sem conhecimento de dados clínicos ou de outros métodos complementares. 4.7. Avaliação Ecocardiográfica Ecocardiograma uni e bidimensional foi realizado em todos os pacientes pelo mesmo ecocardiografista. O exame ecocardiográfico incluiu os cortes convencionais para-esternais, supra-esternais, apicais e subcostais e variações dos cortes convencionais, principalmente dos apicais, com objetivo de identificar alterações segmentares localizadas (geralmente pequenos aneurismas mamilares). A função sistólica global do VE foi avaliada de forma objetiva ao modo M, através do cálculo da FE pelo método de Teicholz e Kreulen (1976), sendo classificada em: normal (FE ≥ 55%), levemente deprimida (45% ≤ FE < 55%), moderadamente deprimida (35% ≤ FE < 45%) ou gravemente deprimida (FE < 35%). Devido ao caráter freqüentemente segmentar da CCC (Xavier et al, 1997), a função sistólica global do VE também foi avaliada ao bidimensional, de forma subjetiva, sendo 34 classificada em normal, levemente, moderadamente ou gravemente deprimida (Amico et al, 1989). 4.8. Definições 4.8.1. Cardiopatia Chagásica Crônica Foi considerada CCC o indivíduo com sorologia positiva e anormalidades eletrocardiográficas sugestivas de comprometimento cardíaco, em indivíduo sintomático ou não. As alterações eletrocardiográficas foram as seguintes: BRD completo (isolado ou associado à HBAE), EV, BAV de segundo grau ou completo, alterações primárias da repolarização ventricular, freqüência cardíaca abaixo de 40 bpm, zona elétrica inativa, disfunção do nó sinusal, TVNS, fibrilação atrial e BRE (Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, 2005). 4.8.2. Morte Cardíaca Os óbitos foram classificados como de origem cardíaca ou não cardíaca. Foram considerados óbitos de origem cardíaca os causados por: a) Morte súbita: definida como morte natural introduzida por perda súbita da consciência dentro de 1 hora do início dos sintomas agudos (Myerburg & Castellanos, 2005), em paciente previamente estável. b) Morte por insuficiência cardíaca: definida como óbito ocorrendo em paciente com quadro de IC descompensada, geralmente secundário a baixo débito cardíaco ou suas complicações (Bestetti et al, 1994). c) Morte por um evento embólico: definido como óbito decorrente de embolia pulmonar ou de um episódio cerebral isquêmico sistêmico, presumivelmente embólico, segundo critérios do estudo TOAST (Adams et al, 1993). 35 4.8.3. QRS alargado O valor normal para a largura do complexo QRS é inferior a 120 ms (Mirvis & Goldberger, 2001). O complexo QRS foi considerado alargado quando ≥ 120 ms. 4.9. Análise Estatística Na análise estatística foi utilizado o programa SPSS versão 13.0. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para testar o padrão de distribuição das variáveis contínuas avaliadas. O coeficiente de Pearson foi utilizado para avaliar a correlação entre variáveis contínuas (LQRS e FE). Foi construída uma curva ROC para testar o valor da LQRS no diagnóstico de disfunção ventricular moderada ou grave (FE < 45%). Na análise estatística univariada foram utilizados o teste chi-quadrado, para comparação de variáveis categóricas, e o teste t de Student, para comparação de médias entre 2 grupos. Análise uni e multivariada de Cox foi utilizada para avaliar o valor prognóstico da largura do QRS. Curvas de sobrevida de Kaplan Méier para a coorte como um todo, e estratificadas de acordo com variáveis de interesse, foram construídas e comparadas através do teste de log rank. O nível de significância considerado para todos os testes foi de 5%. 4.10. Considerações Éticas A presente tese faz parte de um estudo longitudinal iniciado em 1990, antes da atual normatização para pesquisa médica no Brasil (1996). Trata-se de um estudo observacional onde todas as intervenções diagnósticas e terapêuticas seguem as recomendações das diretrizes específicas para acompanhamento e tratamento das complicações da CCC. 36 O projeto foi submetido e aprovado de forma retrospectiva pelo colegiado técnico científico do IPEC em 2004, e encontra-se em avaliação pelo comitê de ética em pesquisa da FIOCRUZ. Todos os pacientes incluídos no projeto têm a sua disposição de forma absolutamente gratuita não só os testes diagnósticos, como também toda a medicação ambulatorial recomendada pelas diretrizes para tratamento da CCC e suas complicações. O projeto conta ainda com o serviço social que presta assistência aos pacientes incluídos para orientação de seus direitos previdenciários e obtenção de passe livre nos transportes urbanos. Para aqueles em que não se consegue o passe livre, o projeto conta com uma associação dos pacientes do IPEC que fornece verbas para os mais desfavorecidos. 37 CAPÍTULO 5 RESULTADOS 5.1. Características gerais da coorte Nas Tabelas 5, 6 e 7 estão descritos os dados clínicos, radiológicos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos, tanto da coorte geral (n= 612), quanto dos subgrupos com QRS alargado (n = 229) e QRS estreito (n = 383). As variáveis contínuas são descritas pela média ± desvio padrão e as categóricas pelo valor percentual (%), com o número absoluto (n) entre parênteses. Os pacientes com QRS alargado apresentaram maior prevalência de IC, cardiomegalia (ICT > 0,5) e ecocardiograma anormal. Não houve diferenças em relação à idade e ao sexo. A história prévia de síncope foi maior nos pacientes com QRS alargado. Algumas alterações eletrocardiográficas foram significativamente mais freqüentes no grupo com QRS alargado, incluindo a presença de EV e o BRD associado ao HBAE. A presença de ZEI e o HBAE foram mais freqüentes no grupo com QRS estreito. Do ponto de vista ecocardiográfico, os pacientes com QRS alargado apresentaram menor FE do VE, maiores diâmetros cavitários, mais disfunção sistólica do VE de grau moderado a grave (FE < 45%), caracterizando uma associação entre a maior largura do QRS e marcadores de disfunção miocárdica. Da mesma forma, os pacientes com QRS alargado apresentaram, na avaliação da função diastólica, maior prevalência de fluxo do tipo pseudonormal e restritivo. 38 Tabela 5 – Características clínicas e radiológicas da coorte Coorte Idade (N =612) 48 ± 12 QRS ≥120 ms (N = 229) 49 ± 10 QRS < 120 ms (N = 383) 48 ± 12 Sexo masc. 45% (276) 40% (92) Síncope 8% (47) IC prévia IC Variável OR Valor p 0,25 (ic 95%) _ 48% (184) 0,058 1,2 (0,99-1,4) 13,5% (31) 4% (16) < 0,0001 3,6 (1,9-6,7) 11% (66) 17% (38) 7,3% (28) < 0,0001 2,5 (1,5-4,2) 21% (128) 27,5% (63) 17% (65) 0,002 1,9 (1,3-2,7) Cardiomegalia* 34% (166) 44% (84) 28% (82) <0,0001 2 (1,4 – 2,9) IC: insuficiência cardíaca; OR: “odds ratio”; ic: intervalo de confiança * dados obtidos em 486 pacientes (QRS ≥ 120 ms = 192 pacientes; QRS < 120 ms = 294 pacientes) Tabela 6 – Variáveis eletrocardiográficas da coorte Coorte Largura QRS (N = 612) 115± 27 QRS ≥120 ms (N = 229) 141 ± 13 QRS < 120 ms (N = 383) 99 ± 19 <0,0001 BRD 24% (149) 27,5% (63) 22% (86) 0,16 1,3 (0,9-1,9) BRD+HBAE 44% (268) 67% (153) 30% (115) <0,0001 4,7 (3,3-6,7) EV 36% (220) 41% (94) 33% (126) 0,04 1,4 (1,01-2) BRE 4% (26) 5% (11) 4% (15) 0,6 1,2 (0,6-2,7) HBAE 9% (53) 0,9% (2) 13% (51) <0,0001 0,06 (0,01-0,24) Variável OR Valor p (ic 95%) ZEI 7,5% (46) 5% (11) 9% (35) 0,049 0,5 (0,25-1) BRD: bloqueio do ramo direito; HBAE: hemibloqueio anterior esquerdo; EV: extra-sístole; BRE: bloqueio do ramo esquerdo; ZEI: zona eletricamente inativa; OR: “odds ratio”; ic: intervalo de confiança 39 Tabela 7 –Variáveis ecocardiográficas da coorte Coorte QRS <120 ms (N = 383) Valor p (N = 612) QRS ≥120 ms (N = 229) 46% (281) 53% (121) 42% (160) 0,008 2,8 (1,9 – 4) 56 ± 16 54 ± 17 58 ± 14 <0,0001 _ 25% (152) 35% (81) 18,5% (71) <0,0001 2,4 (1,7-3,5) VEd 54 ± 8 56 ± 9 53 ± 8 <0,0001 _ VEs 38 ± 11 41 ± 12 37 ± 10 <0,0001 _ AE 36 ± 6 37 ± 6 35 ± 5 0,005 _ Aneurisma 22% (137) 23,5% (54) 22% (83) 0,16 1,1 (0,7 – 1,7) FD * 16% (77) 20% (36) 13% (41) 0,038 1,7 (1,03 –2,7) Variável ECO anormal FE FE < 45% OR (ic 95%) VEd: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; VEs: diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo; FE: fração de ejeção; AE: diâmetro atrial esquerdo; OR: “odds ratio”; ic: intervalo de confiança * Função diastólica com padrão pseudo-normal ou restritivo (reversível ou irreversível) – dados referentes a 493 pacientes (QRS ≥ 120 ms = 179 pacientes; QRS < 120 ms = 314 pacientes) 5.2. Reprodutibilidade das medidas do QRS O coeficiente de correlação intraclasse para a medida da largura do QRS intraobservador e interobservador, foi de 0,941 (0,89-0,97) e 0,97 (0,94-0,98), respectivamente. A correlação é demonstrada nas figuras 2 e 3. A média da diferença entre as medidas da largura do QRS intra-observador e interobservador, foi de - 4,9 ± 10 ms (erro padrão 1,6) e - 3,1 ± 9 ms (erro padrão 1,2), respectivamente. 40 Figura 2 – Correlação Intra-observador na medida da largura do QRS Figura 3 – Correlação Inter-observador na medida da largura do QRS 41 5.3. Largura do QRS e Função Ventricular A correlação entre a largura do QRS e a FE (estimada ao ecocardiograma), analisada pelo coeficiente de Pearson, foi fraca: - 0,187; p ≤ 0,0001, como pode ser observado na figura 4. Figura 4 – Largura do QRS (ms) e FE do VE A relação entre a largura do QRS e a função ventricular também foi analisada através de um gráfico Box plot. Embora a mediana da FE seja menor no grupo com QRS alargado, há uma grande superposição de valores, conforme pode ser observado na figura 5. 42 Figura 5 – Largura do QRS (ms) e FE do VE Foi construída uma curva ROC da largura do QRS para o diagnóstico de disfunção ventricular moderada ou grave (FE < 45%), revelando uma área sob a curva de 0,65 (0,590,70; p < 0,0001), conforme demonstrado na figura 6. Para o ponto de corte de 120ms, a sensibilidade foi de 53% e a especificidade de 68%. 43 Figura 6 – Curva ROC: Largura do QRS e disfunção moderada ou grave do VE (FE < 45%) 5.4. Seguimento da Coorte O tempo médio de acompanhamento da coorte estudada foi de 67,5 ± 44 meses (faixa de 1 a 153 meses). Ao final do período de seguimento, 415 pacientes (68%) permaneciam em acompanhamento ambulatorial no IPEC, 26 pacientes (4%) viajaram para outros estados, 11 pacientes (2%) foram contactados por via telefônica ou por telegrama, 91 pacientes (15%) faleceram e 69 (11%) não puderam ser encontrados (perdas de seguimento). Os pacientes que sabidamente viajaram para outros estados (pacientes que foram ao IPEC e avisaram que não iriam mais permanecer em acompanhamento por motivo de mudança), mas que foram seguidos por pelo menos 12 meses, não foram classificados como tendo abandonado o acompanhamento, sendo considerado o tempo de seguimento desde a 44 admissão até a data da viagem. Os pacientes que ficaram menos de 12 meses em acompanhamento foram incluídos entre as perdas de seguimento. Nos pacientes contactados por telefone, informações a respeito do estado de saúde foram colhidas e um convite para retornar ao IPEC foi feito. Nos contatos via telegrama, os pacientes eram convidados para comparecer ao IPEC, quando então eram reavaliados. Considerando as definições acima, seguimento completo foi obtido em 89% dos pacientes originalmente incluídos no estudo. As características principais (demográficas, clínicas, radiológicas e ecocardiográficas) dos pacientes que abandonaram o seguimento, bem como a prevalência de QRS alargado neste grupo, são descritas na tabela 8, onde também comparamos com os pacientes com seguimento completo. Tabela 8 – Características dos pacientes com perda de seguimento comparado com os pacientes com seguimento completo Perda de seguimento (N = 69) Seguimento completo (N = 543) Valor p 43,6 ± 14 49 ± 11 < 0,0001 Sexo masculino 43% 45% 0,76 IC na admissão 7,2% 11,6% 0,27 QRS ≥120 ms 35% 38% 0,57 ICT > 0,5 23% 30% 0,035 Aneurisma 26% 22% 0,65 FE < 45% 17% 26,6% 0,097 VEs 37,2 ± 9,7 38,9 ± 11,6 0,25 VEd 54,1 ± 7,1 54,8 ± 8,7 0,54 FE 58,8 ± 14 56 ± 16 0,17 Variável Idade IC: insuficiência cardíaca; ICT: índice cardiotorácico; FE: fração de ejeção; VEs: diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo; VEd: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo. 45 5.5. Mortalidade da Coorte Durante o período de acompanhamento ocorreram 91 óbitos entre os 612 pacientes incluídos na coorte, determinando uma mortalidade cumulativa global de 15%. A curva de sobrevida da coorte é descrita na figura 7. Figura 7 – Curva de Sobrevida da Coorte MS foi a causa mais freqüente de óbito, seguida por morte por IC progressiva e morte não cardíaca. O AVE isquêmico presumivelmente embólico foi a causa de óbito em 5 pacientes. As causas de óbito da coorte são descritas na figura 8. 46 n = número de óbitos; MS = morte súbita; IC = insuficiência cardíaca; AVE = acidente vascular encefálico Figura 8 – Causas de óbito da coorte geral A curva de sobrevida da coorte livre de morte cardíaca é representada na figura 9. Figura 9 – Curva de sobrevida da coorte livre de morte cardíaca 47 5.6. Largura do QRS e Mortalidade: Coorte Geral 5.6.1. Análise Univariada Na análise univariada de Cox, a largura do QRS, testada como variável contínua, foi um preditor de morte total e morte cardíaca, conforme descrito na tabela 9. No entanto, quando dicotomizada no ponto de corte de 120 ms, a largura do QRS deixou de ser um preditor, tanto de morte cardíaca como de morte total (tabela 9). Tabela 9 – Análise univariada (Cox): Largura do QRS e mortalidade Variável Causa do óbito B Wald Valor p HR (ic 95%) Largura do QRS Morte total 0,012 8 0,004 1,013 (1,004-1,012) Largura do QRS Morte cardíaca 0,011 6,4 0,011 1,012 (1,003-1,012) Morte total 0,36 2,7 0,097 1,4 (0,9-2,2) QRS ≥ 120 ms Morte cardíaca 0,29 1,5 HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 0,22 1,3 (0,8-2,1) QRS ≥ 120 ms As curvas de sobrevida da coorte (morte total e cardíaca), estratificadas para os quartis do QRS, estão representadas nas figuras 10 e 11. 48 Figura 10 – Curva de Sobrevida (morte total) estratificada por quartis do QRS Sobrevida livre de morte cardíaca 1.0 0.8 0.6 ■ ≤ 90 ms 0.4 ■ 91 – 115ms 0.2 ■ 116 – 135ms ■ ≥ 136 ms p = 0,005 (log rank) 0.0 0 50 100 150 Tempo (meses) Figura 11 – Curva de Sobrevida (morte cardíaca) estratificada por quartis do QRS. 49 As curvas de sobrevida da coorte, para morte total e morte cardíaca, estratificadas de acordo com a largura do QRS (dicotomizada em 120 ms) estão representadas nas figuras 12 e 13, respectivamente. Figura 12 – Curva de Sobrevida (Morte total) estratificada para largura do QRS (ponto de corte = 120 ms) 50 Figura 13 – Curva de Sobrevida (Morte cardíaca) estratificada para largura do QRS (ponto de corte = 120 ms) 5.6.2. Análise Multivariada Para avaliar o valor prognóstico independente da largura do QRS, modelos multivariados de Cox foram realizados para morte cardíaca e morte total, com a inclusão de variáveis clínicas (IC e síncope), eletrocardiográficas (EV, ZEI e distúrbios de condução intraventricular), radiológicas (ICT > 0,5) e ecocardiográficas (aneurisma e FE). Com a inclusão destas variáveis a largura do QRS (testada como variável contínua) deixou de ser um preditor de morte cardíaca e morte total. As variáveis selecionadas nos modelos estão mostradas nas tabelas 10 e 11. 51 Tabela 10 – Análise multivariada (Cox): Morte total Variável FE B Wald Valor p HR - 0,06 60,8 < 0,0001 0,94 (0,92 – 0,95) ICT > 0,5 1,2 16,3 <0,0001 3,4 (1,9 – 6,2) FE: fração de ejeção; ICT: índice cardiotorácico; HR : “hazard ratio” Tabela 11 – Análise multivariada (Cox): Morte cardíaca Variável B Wald Valor p HR IC 0,76 4,6 0,033 2,1 (1,1 – 4,3) EV 0,64 4,2 0,04 1,9 (1,03 – 3,5) FE - 0,046 15,8 < 0,0001 0,95 (0,93 – 0,98) ICT > 0,5 1,5 16,3 < 0,0001 4,5 (2,2 – 9,3) IC: insuficiência cardíaca; EV: extra-sístole ventricular; FE: fração de ejeção; ICT: índice cardiotorácico; HR : “hazard ratio” 5.7. Largura do QRS e Mortalidade: Subgrupos 5.7.1. Pacientes com Fração de Ejeção < 45% Da coorte total, 152 pacientes apresentavam FE < 45%, com 55 óbitos ocorrendo durante o período de acompanhamento. Para este grupo de pacientes, a largura do QRS não foi um preditor de morte cardíaca ou morte total na análise univariada de Cox (Tabela 12). Reparem que as curvas de sobrevida, tanto para pacientes com QRS alargado, como para pacientes com QRS estreito, são semelhantes nesse subgrupo específico – p = 0,61 (figura 14). Tabela 12 – Análise Univariada da Largura do QRS de pacientes com FE < 45% LQRS Morte total B Wald Valor p HR ic 95% 0,005 1,12 0,29 1,005 0,996–1,014 Morte cardíaca 0,004 0,74 0,39 1,004 LQRS: largura do QRS; HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 0,995-1,014 52 Figura 14 – Curva de sobrevida (morte cardíaca) para a coorte de pacientes com FE < 45%, estratificada de acordo com a largura do QRS 5.7.2. Pacientes com Insuficiência Cardíaca Da coorte total, 128 pacientes apresentaram IC (na admissão ou evolutiva), com 50 óbitos ocorrendo durante o período de acompanhamento. Na análise univariada de Cox, a largura do QRS não foi um preditor de morte cardíaca ou morte total para este grupo de pacientes, conforme demonstrado na tabela 13. Da mesma forma, as curvas de sobrevida, tanto para pacientes com QRS alargado, como para pacientes com QRS estreito, são semelhantes nesse subgrupo específico – p = 0,82 (figura 15). 53 Tabela 13 – Análise Univariada da Largura do QRS em pacientes com IC LQRS Morte total B Wald Valor p HR ic 95% 0,005 1,36 0,24 1,005 0,996–1,014 Morte cardíaca 0,005 1,29 0,26 1,005 LQRS: largura do QRS; HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 0 50 100 0,996-1,015 150 Figura 15 – Curva de sobrevida (morte cardíaca) para a coorte de pacientes com IC, estratificada de acordo com a largura do QRS 5.7.3. Pacientes sem Bloqueio de Ramo Direito Da coorte geral, 195 pacientes não apresentavam BRD no ECG inicial, com 35 óbitos ocorrendo durante o período de acompanhamento. Na análise univariada, a largura do QRS foi um preditor de morte cardíaca e morte total (Tabela 14). Com a inclusão das variáveis IC, FE, cardiomegalia na radiografia de tórax e EV, a largura do QRS deixou de ser um preditor, 54 tanto de morte cardíaca quanto de morte total, no modelo multivariado de Cox (tabelas 15 e 16). Tabela 14 – Análise univariada da Largura do QRS de pacientes sem BRD LQRS Morte total B Wald Valor p HR ic 95% 0,023 15 < 0,0001 1,023 1,011–1,035 Morte cardíaca 0,023 12 < 0,0001 1,023 LQRS: largura do QRS; HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 1,01-1,036 Tabela 15 – Análise multivariada de pacientes sem BRD (Morte total) Variável B Wald p HR ic 95% -0,04 12,7 <0,0001 0,96 0,93-0,98 Cardiomegalia 1,67 14 <0,0001 5,3 FE: fração de ejeção; HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 2,0-13,8 FE Tabela 16 – Análise multivariada de pacientes sem BRD (Morte cardíaca) Variável IC B Wald p HR ic 95% 1,5 12 0,001 4,5 1,9-10,3 Cardiomegalia 2,52 21 <0,0001 12,4 IC: insuficiência cardíaca; HR: “hazard ratio”; ic: intervalo de confiança 3,9-38,9 55 CAPÍTULO 6 DISCUSSÃO 6.1. Aspectos Gerais da Coorte Por se tratar de um centro de referência em doença de Chagas, o IPEC recebe um grande contingente de indivíduos encaminhados de bancos de sangue, na grande maioria assintomáticos. Esses pacientes, associados a uma busca ativa de pessoas infectadas (exame sorológico de parentes e conhecidos dos pacientes chagásicos do projeto), determinam um perfil de morbidade diferente dos demais estudos urbanos. Esse é um aspecto de extrema importância da presente coorte. Os estudos urbanos, geralmente realizados em hospitais terciários, são de natureza transversal e/ou retrospectiva, usualmente envolvendo populações pequenas e selecionadas de pacientes mais graves que procuram assistência médica por já apresentarem sintomas da doença. Com isso, cria-se um grande viés de seleção, onde os pacientes já se apresentam em uma fase avançada do quadro. Na coorte original do IPEC, a prevalência de ECG alterado é de 55%, semelhante à de coortes não selecionadas de estudos longitudinais de campo como o de Laranja et al (1956) 51% e de Borges-Pereira (1997) – 51,5% - e muito inferior a de outras séries urbanas. Em um estudo retrospectivo, Silva et al (1994) apresentaram eletrocardiogramas anormais em 76% dos pacientes. O estudo de Espinosa et al (1985) revelou 71% dos traçados alterados, enquanto que na série de Carrasco et al (1994) essa prevalência foi de 65%. Estes dados sugerem que a coorte original do IPEC é mais representativa do contingente urbano de pacientes chagásicos do que os estudos realizados nos hospitais terciários. 56 Para realização do presente estudo foi utilizada uma população constituída apenas pelos pacientes com ECG alterado da coorte original do IPEC, já que os pacientes com doença de Chagas e ECG normal apresentam um prognóstico reconhecidamente bom, semelhante ao da população geral (Espinosa et al, 1985; Manzullo & Chuit, 1999; Bestetti & Rossi, 1997). Pretendia-se com isso avaliar uma coorte não selecionada de pacientes com cardiopatia chagásica crônica (pelo critério tradicional), que por sua vez apresentam um prognóstico bastante variado e para os quais a estratificação de risco é de fundamental importância na avaliação inicial e acompanhamento. O perfil de morbidade da coorte do presente estudo é também significativamente inferior a de outros estudos da literatura, como pode ser observado pela análise de outro marcador simples de morbidade como a IC. A prevalência de IC prévia (11%) nesta coorte é significativamente inferior à descrita em vários estudos urbanos: Bestetti et al (1996): 67,5%, Bestetti et al (1994): 93% e Espinosa et al (1985): 32%. Estes números mais uma vez demonstram a natureza selecionada dos pacientes incluídos nos estudos urbanos existentes e a semelhança da presente coorte com coortes de campo: Borges Pereira (1997): 13,6% na sexta década e de 14,5% após os 60 anos. Ao compararmos com os principais estudos na literatura, oriundos dos centros urbanos, vemos que a casuística de 612 pacientes é bastante representativa (Bestetti et al, 1994: 56 pacientes; Bestetti et al, 1996: 74 pacientes; Mady et al, 1994: 104 pacientes; Espinosa et al, 1991: 104 pacientes; Carrasco et al, 1994: 556 pacientes; Rassi et al, 2006: 424 pacientes). Em relação ao seguimento da presente coorte, obtivemos um total de 89% dos pacientes com acompanhamento completo. Este número é bastante significativo, pois vemos que um dos principais problemas nos estudos longitudinais, de caráter urbano ou rural, é a 57 grande perda de seguimento (Kloetzel & Dias, 1968: 41%; Borges-Pereira, 1997: 61%; Silva et al, 1994: 26,3%; Carrasco, 1994: análise de sobrevida 13% de perdas, avaliação dos preditores prognósticos 69% de perdas). Da nossa coorte, vinte e seis pacientes (4%) viajaram para outros estados e onze pacientes (2%) foram buscados através de telefonemas ou telegramas. Incluímos como seguimento completo os pacientes que sabidamente viajaram, contanto que o acompanhamento tivesse pelo menos 12 meses. Essa inclusão foi possível, pois no momento de saída da coorte o estado de saúde do paciente era totalmente conhecido. Nos contatos telefônicos, embora o evento óbito seja facilmente obtido, é possível que a incidência de outras complicações (IC, arritmias) possa não ter sido adequadamente avaliada, mas elas não constituíram desfechos de interesse no presente estudo. Ainda em relação ao seguimento da coorte, um aspecto importante é a comparação das características dos pacientes com seguimento completo e aqueles com abandono da coorte (tabela 8). Observamos que os principais marcadores de maior acometimento miocárdico (IC, FE < 45% e diâmetros ventriculares) foram similares entre os dois grupos. A prevalência do complexo QRS ≥ 120 ms também foi similar. Houve diferença estatisticamente significativa na idade, mais jovem no grupo com perda de seguimento. Essa diferença provavelmente reflete o jovem inserido no mercado de trabalho, com menos tempo de procurar atenção médica e talvez representando uma população assintomática, visto o caráter insidioso da doença. Esses dados nos dão segurança de que as perdas não comprometeram os resultados finais. Na coorte atual houve um leve predomínio do sexo feminino (55%), provavelmente traduzindo a maior disponibilidade das mulheres em manter acompanhamento médico regular. Os homens, participando mais ativamente como força de trabalho, talvez só procurem atenção médica numa fase sintomática, perfil este freqüente nos estudos de centros urbanos. Barreto et 58 al (1993) descreveram um perfil mais grave no sexo masculino, podendo este resultado estar comprometido pela ausência de análise multivariada na sua amostragem. Para estudos prognósticos, o ideal são coortes de origem, onde um grupo de pessoas é reunido no início de sua doença e então acompanhadas. Na presente coorte, o tempo zero é o momento do diagnóstico sorológico, e não o início da doença. Sabemos que a fase aguda da doença de Chagas é freqüentemente inaparente e, muitas vezes, os pacientes iniciam o acompanhamento já sintomáticos, selecionando então uma população mais grave. Isto torna muito difícil, quase impossível, o estudo de coorte de origem, conforme realizado por Dias (1982) em importante estudo longitudinal no Centro de Estudos de Bambuí (revisão de 117 casos acompanhados desde a fase aguda e reavaliados em um tempo médio de 27 anos após a primoinfecção). Além disso, devido ao maior controle da transmissão da doença no país, os casos agudos são praticamente inexistentes em centros urbanos de áreas não endêmicas. Isto inviabiliza estudos de coorte de origem. Apesar dessas limitações, é fundamental conhecer os preditores prognósticos dos pacientes na fase crônica da doença de Chagas. Concentramo-nos no valor prognóstico da LQRS, jamais testado como variável independente de mortalidade na CCC. 6.2. A Largura do QRS e a Função Ventricular O ECG tem sido o instrumento diagnóstico mais utilizado na avaliação de pacientes na fase crônica da doença de Chagas, sendo considerado como o método mais sensível na detecção de comprometimento cardíaco em todas as faixas etárias (Moleiro et al, 1973). Os estudos longitudinais de Maguire & Hoff (1987) e Xavier (1999) demonstraram que não só o ECG é o método mais sensível, como também o que se altera mais precocemente. Como vimos na discussão dos trabalhos da literatura, a prevalência das alterações eletrocardiográficas encontradas nas cardiopatias chagásicas é semelhante na maioria dos 59 estudos - BRD (isolado ou associado a HBAE), EV, alteração primária da repolarização ventricular e BAV do 1° grau - predominando como as alterações mais freqüentes. Porém, especificamente a relação da LQRS com a função ventricular (estimada ao ecocardiograma), nunca foi testada na cardiopatia chagásica. Sabemos que existem marcadores eletrocardiográficos ditos mais graves (zona inativa, BRE, fibrilação atrial e sobrecarga ventricular esquerda), porém a prevalência dessas alterações é muito baixa para ser usada como marcador de disfunção ventricular na cardiopatia chagásica (Dias & Kloetzel;1968). Contudo, mais importante do que identificar a presença de acometimento cardíaco é quantificar a sua gravidade. A avaliação da correlação entre a LQRS (marcador de gravidade em cardiopatias não chagásicas) com a função ventricular foi um dos objetivos secundários desta tese. Isto é particularmente importante se considerarmos que um grande contingente de pacientes chagásicos reside no campo, onde a disponibilidade do ecocardiograma é reduzida. No presente estudo, a correlação da LQRS e a FE do VE foi fraca, analisada pelo coeficiente de Pearson: - 0,187 (p = < 0,0001). O gráfico mostrou uma grande dispersão entre essas variáveis, onde encontramos os 2 extremos – pacientes com QRS alargado e FE normal ou reduzida, assim como pacientes com QRS normal e FE normal ou reduzida (figura 4). A relação entre a LQRS e a função ventricular também foi analisada através de um gráfico Box plot. Embora a mediana da FE seja menor no grupo com QRS alargado, há uma grande superposição de valores, conforme observado na figura 5. Estes dados são confirmados pela curva ROC, relacionando a LQRS com a presença de disfunção ventricular (FE < 45%) - figura 6 : a área sob a curva de 0,65 demonstra uma utilidade clínica insatisfatória. Para o ponto de corte 120 ms, a LQRS apresentou uma sensibilidade de 53% e especificidade de 68% para o diagnóstico de disfunção ventricular moderada ou grave. 60 Com isso, vemos que a LQRS não pode ser utilizada como um marcador isolado de função ventricular, provavelmente porque o alargamento do complexo QRS na CCC se dá principalmente pela presença do bloqueio de ramo direito. Na doença de Chagas, o BRD ocorre precocemente e geralmente por lesão seletiva do sistema de condução, diferentemente de outras cardiopatias (não-chagásicas), onde o distúrbio de condução predominante é o BRE (de ocorrência tardia, nas fases mais avançadas da doença e geralmente secundário à lesão miocárdica extensa). Nas cardiopatias não chagásicas a presença de BRE é um forte marcador de disfunção miocárdica. A duração do QRS > 120 ms tem mostrado uma especificidade de 99% para disfunção do VE, conforme demonstrado em trabalho anterior (Murkofsky, 1998). Além da disfunção, o alargamento do QRS também é associado com maior dilatação cavitária e regurgitação mitral de maior monta (Sandlhu & Bahler, 2004). No trabalho de Kalra et al (2002), avaliando 155 pacientes com IC, a sobrevida livre de eventos no grupo com QRS < 120 ms foi de 84%, enquanto que no grupo com QRS ≥ 120 ms foi de 47% (p < 0,0001). Ainda neste último, o melhor ponto de corte do QRS para estratificar estes pacientes foi 120 ms, com uma área sob a curva ROC = 0,73 (sensibilidade = 64% e especificidade = 77%). Nos raros casos em que o BRE aparece na CCC, sua presença tem demonstrado o mesmo seu significado ao da população não chagásica, ou seja, mau prognóstico (Xavier, 1999; Dias e Kloetzel, 1968). 6.3. A Largura do QRS e o Prognóstico na Cardiopatia Chagásica Nesta tese, como objetivo principal, procuramos determinar o valor prognóstico da LQRS em relação à mortalidade cardíaca. A contribuição do ecocardiograma na avaliação desses pacientes foi fundamental, pois utilizamos um método não invasivo e de ampla aceitação na quantificação da função global ventricular. 61 No atual trabalho, a LQRS inicialmente testada na análise univariada de Cox como variável contínua, demonstrou ser preditor de morte nessa população (tabela 9). Isso também ficou demonstrado quando curvas de sobrevida estratificadas por quartis da LQRS foram construídas, tanto para morte total como para morte cardíaca – quanto maior a LQRS, menor a sobrevida (figuras 10 e 11). Porém, quando dicotomizamos essa variável (ponto de corte 120 ms), a LQRS perdeu seu valor prognóstico, com curvas de sobrevida semelhantes entre a população com QRS ≥ 120 ms e com QRS < 120 ms (figuras 12 e 13). No intuito de demonstrar o valor prognóstico independente da LQRS, realizamos modelos multivariados de Cox, incluindo as variáveis clínicas, eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas. Novamente, a LQRS deixou de ser preditor, tanto de morte total, como de morte cardíaca. No presente estudo, os preditores independentes de morte total foram a FE do VE e o ICT > 0,5 e os de morte cardíaca foram IC, EV, FE do VE e o ICT > 0,5. Nos estudos longitudinais revistos, apenas 4 (todos urbanos) utilizaram análise multivariada com objetivo de identificar preditores prognósticos. Em um deles (Mady et al, 1994), 72% da população apresentava-se em classe funcional III/IV da NYHA e ao final do estudo (30 ± 24 meses de acompanhamento), 50% dos pacientes faleceram. Isto reflete a natureza altamente selecionada da população, com um perfil bem mais grave de pacientes. O consumo máximo de oxigênio (p = 0,001) e a FE do VE (p = 0,08) foram os preditores independentes de mortalidade. Apesar de uma população mais grave, este trabalho de Mady et al (1994) demonstra a importância dos métodos complementares na avaliação prognóstica desses pacientes. Tanto a avaliação objetiva da função ventricular em repouso, quanto a medida direta da capacidade funcional, se mostraram superiores à avaliação clínica (através da classe funcional) em prever sobrevida. 62 Em outro estudo, Carrasco et al (1994) acompanharam 172 pacientes na Universidade de Los Andes, Venezuela, entre 1973 e 1988. Foram analisadas variáveis clínicas, eletrocardiográficas e radiológicas. Além disso, os pacientes realizaram eletrocardiografia dinâmica e estudo invasivo (cateterismo esquerdo e direito). Os seus resultados demonstraram, que com a análise multivariada, as únicas variáveis clínicas que mantiveram valor prognóstico independente foram a classe funcional e a frequência cardíaca. As demais variáveis preditivas foram de natureza hemodinâmica (FE, stress sistólico final e volume diastólico final). Quando avaliamos as curvas de sobrevida de acordo com a FE do VE, ainda no trabalho de Carrasco et al (1994), observamos que a mortalidade foi muito baixa (6% ao final de 12 anos) nos pacientes com FE normal. O trabalho de Carrasco et al (1994) é de grande importância. Foi utilizada uma metodologia moderna e com análise multivariada. Ficou demonstrado o papel fundamental de quantificar a lesão miocárdica na determinação do prognóstico dos pacientes com CCC. Os preditores clínicos, eletrocardiográficos e radiológicos tradicionalmente descritos só detêm valor prognóstico na medida em que traduzem a gravidade do acometimento miocárdico. A maior limitação no trabalho de Carrasco et al (1994) se relacionou à perda de seguimento. Na avaliação dos preditores prognósticos foram estudados somente 31% dos indivíduos originalmente incluídos no estudo. No estudo de Bestetti et al, 1994, foram avaliados 56 pacientes, procurando-se determinar preditores não invasivos de mortalidade. A população era composta basicamente de pacientes graves (93% com IC, sendo 47% em classe funcional III ou IV). Na análise de regressão múltipla, apenas a FE do VE manteve valor prognóstico independente. Apesar de uma amostra muito pequena de pacientes altamente selecionados e com tempo de acompanhamento muito reduzido (2 anos), seus resultados confirmam os achados de Carrasco 63 et al (1994) ao quantificar a gravidade do acometimento miocárdico como o maior marcador prognóstico na CCC. Em trabalho recente, Rassi et al (2006) preocuparam-se não só em identificar preditores prognósticos na cardiopatia chagásica, mas também sistematizar suas aplicações através de um escore de risco de morte. Após análise multivariada, 6 variáveis mantiveram seu poder prognóstico: classe funcional III/IV da NYHA, ICT > 0,5, anormalidades ecocardiográficas, TVNS no Holter de 24 horas, baixa voltagem do QRS e o sexo masculino. Para calcular o escore de risco, cada uma das 6 variáveis recebeu um número de pontos, proporcional ao seu coeficiente de regressão. Os pacientes foram então divididos em baixo, intermediário e alto risco, conforme a sua pontuação. Essa divisão acuradamente identificou os pacientes com risco de morte em 10 anos (10% no grupo de baixo risco, 44% no grupo intermediário e 84% no grupo de alto risco). Esse escore, derivado da coorte de Rassi et al, e composta de 424 pacientes, foi validado através da sua aplicação em 153 pacientes da coorte original do IPEC (Xavier, 1999). Parte dessa população é representada no presente estudo, confirmando o valor prognóstico das variáveis incluídas (clínicas, eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas). A importância da função ventricular como maior preditora prognóstica é confirmada na presente tese. Quando separamos a nossa população, através da análise de subgrupos, procuramos estudar o valor da variável LQRS em populações de maior risco, como os pacientes com FE < 45% e os pacientes com IC. Já na análise univariada, a LQRS não foi preditor de morte (cardíaca ou total) nestes 2 subgrupos de pacientes (tabelas 12 e 13). As curvas de sobrevida foram semelhantes, tanto em pacientes com QRS alargado como em pacientes com QRS estreito (figuras 14 e 15). Por fim, estudamos a LQRS na população não portadora de bloqueio de ramo direito, dado o significado diferente que este distúrbio de condução pode ter na CCC, conforme 64 discutido previamente. Embora na análise univariada tenha demonstrado valor prognóstico, quando realizamos análise multivariada a LQRS novamente perdeu seu poder preditivo. Neste subgrupo específico (sem BRD), os preditores independentes de morte total foram a FE e a cardiomegalia, e os de morte cardíaca foram IC e a cardiomegalia. Constituindo um número pequeno de pacientes, o poder estatístico da amostra é reduzido. De qualquer forma, do ponto de vista epidemiológico, provavelmente reflete a prevalência real deste subgrupo de pacientes. Quantificar de forma direta o grau de lesão miocárdica se torna, portanto, a forma mais precisa de avaliação prognóstica. A ecocardiografia, pela sua ampla disponibilidade, baixo custo e grande precisão em avaliar presença e gravidade da lesão miocárdica (através de vários índices de função sistólica e diastólica) apresenta um grande potencial para avaliação prognóstica destes pacientes. O alargamento do complexo QRS na cardiopatia chagásica crônica se dá principalmente pelo BRD. Diversamente das cardiopatias não-chagásicas, onde o principal distúrbio de condução é o BRE, o bloqueio de ramo direito na CCC é precoce e geralmente ocorre por lesão seletiva do sistema de condução. Com isso, o BRD não reflete necessariamente a gravidade da doença e, principalmente, a extensão do dano miocárdico. A largura do QRS nessa população não deve ser utilizada como marcador prognóstico independente e, acima de tudo, devemos buscar métodos de quantificar diretamente a gravidade da lesão miocárdica. Do ponto de vista de aplicação clínica, atualmente um dos parâmetros utilizados para a terapia de ressincronização cardíaca é a LQRS. No presente estudo, vimos que na população com CCC esse parâmetro não demonstrou valor prognóstico. Conhecendo o mecanismo diferente do alargamento do QRS nesta população (secundário ao BRD), devem-se buscar outros métodos de avaliação antes de indicar o implante desse dispositivo, de altíssimo custo e não disponível na maioria das regiões de pacientes com CCC. 65 6.4. Limitações Apesar de tratar-se de um estudo longitudinal, com avaliação prospectiva ao longo dos anos, a LQRS não foi uma variável inicialmente prevista. Com isso, a análise do ECG foi retrospectiva. Entretanto, os traçados foram de boa qualidade, passíveis de serem ampliados e mensurados de forma clara. Mais do que isso, a LQRS medida pelo próprio autor desta tese foi novamente estimada em 45 eletrocardiogramas obtidos aleatoriamente, com um intervalo mínimo de 6 meses. Obtivemos uma excelente correlação intra-observador (0,941). Realizamos também a análise inter-observador, com um coeficiente de correlação de 0,97. Esses dados nos deixaram confiantes de que a medida da LQRS foi realizada de forma adequada. Apesar de um grande contingente de pacientes nesta coorte, apenas 21% apresentaram-se ou desenvolveram IC ao longo desses quase 14 anos de acompanhamento. Isso traduz um número reduzido da população com essa complicação (n = 128), o que poderia comprometer os resultados finais. Porém, se analisarmos o número elevado de eventos nessa população específica (128 pacientes com IC e ocorrência de 50 óbitos, correspondendo a 39% desse subgrupo), na verdade temos um aumento no poder amostral. Ao longo deste trabalho ocorreram alterações na forma de abordagem destes pacientes, bem como inovações diagnósticas e terapêuticas. O uso dos inibidores da enzima conversora da angiotensina e dos betabloqueadores tornou-se muito mais freqüente, além da utilização de dispositivos em pacientes com graves arritmias (cardioversor-desfibrilador). Essas evoluções, principalmente no que tange a IC e a disfunção ventricular, podem ter determinado diferenças na mortalidade ao longo desse período mas não influenciou a análise do valor prognóstico da LQRS. Nos pacientes contactados via telefone ou telegrama, o evento óbito é facilmente obtido. Porém, a análise de outras complicações (IC, arritmias) pode ter sido comprometida. 66 Isso representou apenas 2% da nossa coorte. Conseguimos um acompanhamento completo de 89% de nossos pacientes. Embora com uma perda de seguimento de 11%, não houve diferenças na comparação entre essa população e os pacientes com acompanhamento completo. Em relação à análise ecocardiográfica da função ventricular desta coorte, além da FE obtida ao modo M, também foi realizada uma avaliação subjetiva ao bidimensional, em razão das conhecidas limitações do modo M na avaliação de cardiopatias com padrão de acometimento segmentar (Feigenbaum, 2005). Não foram utilizados métodos mais sofisticados de avaliação da função ventricular ao bidimensional, como o método de Simpson (Schiller et al, 1989), não só por não serem disponíveis nos ecocardiógrafos inicialmente utilizados, como também em função de sua maior complexidade, o que os torna pouco práticos no dia a dia. No entanto, a avaliação subjetiva ao bidimensional, quando realizada por examinador experiente, também tem se mostrado precisa (Amico, 1989). 67 CAPÍTULO 7 CONCLUSÕES 1. A largura do complexo QRS não apresentou valor prognóstico independente, em relação à mortalidade cardíaca, nos pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica. 2. A largura do complexo QRS não apresentou valor prognóstico independente, em relação à mortalidade total, nos pacientes portadores de cardiopatia chagásica crônica. 3. A largura do complexo QRS não apresentou valor prognóstico, em relação à mortalidade cardíaca, nos subgrupos com cardiopatia chagásica crônica e: 4. • Fração de ejeção < 45% • Insuficiência cardíaca A largura do complexo QRS não apresentou valor prognóstico independente, em relação à mortalidade cardíaca, no subgrupo com cardiopatia chagásica crônica e: • 5. Sem bloqueio do ramo direito A relação entre a largura do complexo QRS e a função ventricular, estimada ao ecocardiograma, em pacientes com cardiopatia chagásica crônica, foi fraca. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adams HP Jr, Bendixen BH, Kappelle LJ, and TOAST investigators. (1993). 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European Journal of Heart Failure; article in press, 8p. 82 ANEXO I Banco de Dados SPSS 13.0 Valor Prognóstico da Largura do QRS Índice Variável Descrição da variável 1 qrsfinal Largura max QRS 2 deriv Derivação escolhida para medir a LQRS 3 n1nome Nome do paciente 4 n2regist Prontuário do paciente 5 var00001 tipo de follow-up 6 telef1 Telefone do paciente 7 telef2 Telefone de parentes e/ou amigos 8 obstelef Campo livre para observações 9 datai Data de Início 10 dataf Data Final 11 follow Período de acompanhamento 12 sexo sexo 13 n3idade idade 14 proceden procedência 15 ic Insuficiência cardíaca 16 icprevia Insuficiência cardíaca prévia 17 icnovo Insuficiência cardíaca evolutiva 18 n48ecgno ECG normal 19 dataecg data ECG 20 n57dciv distúrbio de condução 21 n58brd Bloqueio de ramo direito isolado 22 n60hbae Hemibloqueio anterior esquerdo isolado 23 n61brdhb Bloqueio de ramo direito+hemibloqueio anterior esq 24 n59bre Bloqueio de ramo esquerdo 25 n42zei Zona elétrica inativa 26 n44altis Alteração primária da repolarização ventricular 27 n46sve Sobrecarga ventricular esquerda 28 bav1 Bloqueio átrioventricular 10 grau 29 bav2m1 Bloqueio átrioventricular Mobitz 1 30 bav2m2 Bloqueio átrioventricular Mobitz 2 31 bavt Bloqueio átrioventricular Total 32 as arritmia sinusal 33 n45ev Extra-sístole ventricular 34 econorma Ecocardiograma normal 35 n24ves Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo 36 n23ved Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo 83 37 n6fe Fração de ejeção 38 n25ae Diâmetro do átrio esquerdo 39 pp parede posterior do ventrículo esquerdo 40 siv Septo interventricular 41 n7bidime função ao bidimensional 42 n71modse disfunção moderada a grave do VE 43 n53aneur aneurisma 44 diastol função diastólica do VE 45 rxnormal Radiografia de tórax normal 46 n50obito Óbito 47 n51causa causa óbito 48 obitocha Óbito por Chagas 49 subita Morte súbita 50 databeta Data do beta 51 n88espir espironolactona 52 n89furos furosemida 53 n90htz hidroclorotiazida 54 n85digit digital 55 n87amiod amiodarona 56 n83aas AAS 57 n84warfa warfarin 58 n92antca antagonista cálcio 59 hipogli hipoglicemiante oral 60 estatina estatina 61 fibrato fibrato 62 n94benzo benzonidazol 63 QRSCAT LQRS estratificada por quartis 64 QRS120 LQRS dicotomizada em 120 ms 84 ANEXO II Trabalho Publicado na Revista Brasileira de Ecocardiografia Julho-Agosto-Setembro 2003. Melhor Trabalho do XV Congresso Brasileiro de Ecocardiografia, Goiânia, 02/05/2003. 85 ISSN 0103-3395 Artigo Original Valor Prognóstico da Largura do Complexo QRS na Cardiopatia Chagásica Crônica com Disfunção Ventricular Moderada ou Grave. Marcelo I. Garcia 1, Andrea S. Souza 2, Alessandro H. Moreno 3, Gil Salles 4, Ana L. Mallet 5, Sergio S. Xavier 6 RESUMO: Objetivo: Avaliar o valor prognóstico, em relação à mortalidade cardíaca, da largura do complexo QRS (LQRS), em uma coorte de pacientes com cardiopatia chagásica crônica e disfunção ventricular moderada ou grave (DISF). Métodos: Estudo prospectivo, observacional, de coorte, constituída por 738 pacientes com diagnóstico sorológico de doença de Chagas, acompanhados no período de 03/90 a 12/99. Todos os pacientes foram submetidos a avaliação clínica, eletrocardiográfica, radiológica e ecocardiográfica . DISF foi definida por fração de ejeção < 45%. Análise bivariada de Cox foi realizada para avaliar o valor prognóstico da LQRS ajustada para a presença de DISF. Curvas de sobrevida estratificadas segundo a LQRS foram construídas. Teste de log-rank foi utilizado para comparação das curvas. Resultados: O período de acompanhamento variou de 1 a 144 meses (58 ± 39 meses) com follow-up em 87%. Ocorreram 54 óbitos de causa cardíaca (8,4%). Na análise univariada, a LQRS foi significativamente maior no grupo de óbitos(126 ± 28 ms vs 99 ± 25 ms; p < 0,00001). A estratificação da coorte de acordo com quartis de LQRS resultou em 4 curvas distintas de sobrevida. Ajustada para a presença de DISF, no entanto, a LQRS deixou de ser um preditor significativo de óbito (HR, 1,0059; p= 0,24). Quando os 109 pacientes com DISF foram estratificados segundo os quartis de LQRS, não houve diferença significativa entre as curvas de sobrevida. Conclusão: Diferente de estudos prévios em cardiopatia não chagásica, a LQRS não foi um preditor prognóstico em pacientes com disfunção de etiologia chagásica. Esses resultados são importantes para definir melhor o papel da estimulação biventricular, cuja indicação é baseada na LQRS, em pacientes com cardiopatia chagásica crônica. Instituições: Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas Fundação Oswaldo Cruz Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ Correspondência: Marcelo Iorio Garcia Av. Trompovsky s/n - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) 1: Coordenador da UTI pós-operatório de cirurgia cardíaca do HUCFF UFRJ; Cardiologista e Intensivista do Hospital Pró-Cardíaco; Mestre em cardiologia pela UFRJ; Doutorando em cardiologia pela UFRJ. 2: Rotina médica da unidade coronária do HUCFF - UFRJ; Mestre em cardiologia pela UFRJ; Doutoranda em cardiologia pela UFRJ; Pesquisadora do Instituto de pesquisa Evandro Chagas - Fiocruz. 3: Coordenador do centro de referência em doença de Chagas do IPEC/ FIOCRUZ 4: Professor Assistente do Departamento de Clínica Médica da UFRJ 5: Mestre em cardiologia pela UFRJ; Doutoranda em cardiologia pela UFRJ; Professora assistente da Universidade Estácio de Sá; Rotina médica da Unidade Clínica do Hospital Pró-Cardíaco. Secretaria do Serviço de Cardiologia - 8º andar. 6: Doutor em cardiologia pela UFRJ; Pesquisador do Instituto Evandro Chagas - Fiocruz. Ilha do Governador - Rio de Janeiro Trabalho apresentado no XV Congresso Brasileiro de Ecocardiografia. Pousada do Rio Quente, Goiânia, no dia 02/05/2003 E-mail: [email protected] Descritores: Doença de Chagas; Cardiopatia Chagásica Crônica; I. INTRODUÇÃO Disfunção Ventricular A doença de Chagas ainda representa nos dias de hoje um grave problema de saúde pública na América Latina. Dados da Organização Mundial de Saúde estimam entre 16 a 18 milhões o número de pessoas infectadas nos países latinoamericanos 1, 3 a 5 milhões no Brasil 2,3. Recebido em: 15/08/2003 - Aceito em: 15/09/2003 Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 53 Revista Brasileira de Ecocardiografia Programas de prevenção primária da doença de Chagas, implantados no Brasil na década de 80, envolvendo o combate ao vetor, a melhoria das condições habitacionais e o controle sorológico efetivo nos bancos de sangue, resultaram em diminuição bastante significativa da transmissão. Desta forma, as atenções hoje estão voltadas para o grande contingente de pacientes já infectados pelo Trypanosoma cruzi, uma parcela significativa dos quais irá desenvolver a cardiopatia chagásica crônica, forma clínica mais prevalente e a maior determinante de sua gravidade. Considerando-se que a prevalência de disfunção ventricular esquerda moderada ou grave em séries rurais ou urbanas de doença de Chagas foi estimada entre 14 a 18% 4,5, espera-se que existam 420 a 900 mil brasileiros com disfunção sistólica importante de origem chagásica, que podem evoluir a qualquer momento para a síndrome de insuficiência cardíaca. Não existe até o momento nenhum estudo avaliando o valor prognóstico do alargamento do QRS na cardiopatia chagásica crônica, onde o distúrbio de condução intra-ventricular mais prevalente é o bloqueio de ramo direito. Este trabalho faz parte de um projeto amplo e multidisciplinar de pesquisa em doença de Chagas, iniciado em 1988 a partir da reestruturação do Hospital Evandro Chagas/Fundação Oswaldo Cruz, e da criação do Grupo de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas. A associação do Hospital Evandro Chagas (HEC) com o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro permitiu a criação de um projeto interinstitucional, cujo principal objetivo é realizar um estudo longitudinal da morbi-mortalidade da fase crônica da doença de Chagas em um grande centro urbano, através do acompanhamento de uma coorte de pacientes residentes na área metropolitana do Rio de Janeiro. II. MÉTODO 2.1. Seleção de Pacientes No período de março de 1990 a dezembro de 54 1999, 738 pacientes com diagnóstico sorológico para doença de Chagas confirmado por pelo menos duas técnicas distintas (uma delas a imunofluorescência indireta) foram incluídos em um estudo longitudinal de morbimortalidade. 2.2. Metodologia Os pacientes incluídos na coorte foram submetidos à avaliação clínico-epidemiológica, eletrocardiográfica, radiológica e ecocardiográfica na semana de admissão do estudo, sendo acompanhados regularmente no ambulatório do HEC. A avaliação clínico-epidemiológica foi registrada em ficha específica, baseada nas recomendações contidas no relatório técnico nº 1 do CNPq (1974) sobre epidemiologia da doença de Chagas 6. O diagnóstico de insuficiência cardíaca foi baseado nos critérios definidos no estudo de Framingham7. A avaliação eletrocardiográfica foi realizada por dois cardiologistas de forma cega, que utilizaram o código de Minesota 8, adaptado para doença de Chagas 9. Para medidas da duração do complexo QRS, os eletrocardiogramas foram digitalizados, 100% amplificados (correspondendo a uma velocidade de registro de 50 mm/s no papel apropriado) e manualmente medidos com um software comercial (resolução 0,25mm = 10ms). A avaliação radiológica foi feita por uma única examinadora, radiologista, que identificou cardiomegalia através do índice cárdio-torácico acima de 0,5. Ecocardiograma uni e bidimensional foi realizado em todos os pacientes por um único examinador utilizando os aparelhos: Shimadzu, modelo Shimasonic SDU-700 (1990 a 1994); interspect, modelo Apogee (1995 a 1996); Hitachi (a partir de 1997). Foram utilizados os cortes convencionais paraesternais, apicais, subcostais e supraesternais, além de variações dos mesmos, visando uma melhor identificação de alterações segmentares localizadas, como os aneurismas de ponta. A função sistólica foi avaliada de forma objetiva através do cálculo da fração de ejeção pelo método de Teicholz e Krulen10, além de avaliação semi-quantitativa, definindo a disfunção como Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 Revista Brasileira de Ecocardiografia leve, moderada ou grave, o que é mais importante para cardiopatias com acometimento segmentar, como a chagásica11. 2.3 Análise da Mortalidade Os óbitos foram classificados como de origem cardíaca ou não cardíaca. Foram considerados óbitos de origem cardíaca os causados por: a) Morte súbita: definida como morte natural introduzida por perda súbita da consciência dentro de 1 hora do início dos sintomas agudos, em paciente previamente estável . A morte súbita foi ainda classificada como inesperada, quando ocorreu em pacientes sem sinais prévios de insuficiência cardíaca; e esperada, quando ocorreu em pacientes com passado de insuficiência cardíaca, embora compensada no momento do óbito. b) Morte por insuficiência cardíaca: definida como óbito ocorrendo em paciente com quadro de insuficiência cardíaca descompensada, geralmente secundário a baixo débito cardíaco ou suas complicações . c) Morte por um evento embólico: definido como óbito decorrente de embolia pulmonar ou de um episódio isquêmico sistêmico presumivelmente embólico. O end-point primário para avaliação do valor prognóstico da duração do QRS nesta coorte de portadores de doença de Chagas foi a mortalidade cardíaca, presumivelmente decorrente da cardiopatia chagásica crônica12. entre mais de 2 grupos foram utilizadas análise de variância (ANOVA). Curvas de sobrevida estratificadas de acordo com a largura do QRS foram construídas para a coorte como um todo e para subgrupos eletrocardiográficos específicos. Análise bivariada de Cox foi realizada para avaliar o valor prognóstico independente da duração do QRS. O teste de log-rank foi utilizado para comparação entre as curvas. O nível de significância para todos os testes foi de 5%. III. RESULTADOS III.1. Características Gerais da População Entre março de 1990 a dezembro de 1999, 738 pacientes tinham diagnóstico sorológico confirmado de doença de Chagas. Durante um follow-up médio de 58 ± 39 meses (variando de 1 a 144 meses) houve 62 óbitos, 54 relacionados a doenca de Chagas (40 mortes súbitas, 12 de insuficiência cardíaca progressiva e 2 de acidente vascular embólico). A Tabela 1 mostra as características dos 738 pacientes, dos sobreviventes e não sobreviventes. Os não sobreviventes tinham significativa pior função sistólica do ventrículo esquerdo quando comparado com os sobreviventes, assim como maior prevalência de anormalidades eletrocardiográficas, cardiomegalia global e sinais clínicos de insuficiência cardíaca. III. 2. Análise Univariada da Sobrevida 2.4. Análise Estatística Um banco de dados com todas as variáveis deste estudo foi construído, utilizando o programa EpiInfo, versão 6.04. A análise univariada foi realizada no próprio programa EpiInfo. Para realização de análise multivariada, foi empregado o programa estatístico SPSS, versão 11.0. Na análise estatística univariada foram utilizados o teste chi-quadrado ou o teste exato de Fisher, para comparação de variáveis categóricas, e o teste t de Student, para comparação de médias entre 2 grupos. Para comparação de médias Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 A Tabela 2 mostra os resultados da análise univariada de Cox para mortalidade relacionada à doença de Chagas. O eletrocardiograma alterado mostrou ser preditor de óbito relacionado à doença de Chagas. A duração do complexo QRS teve significado estatístico, assim como a presença de área elétrica inativa e extra-sístole ventricular. Também, entre as medidas ecocardiográficas, o diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo teve a maior associação univariada com sobrevida, com maior valor da estatística Wald. 55 Revista Brasileira de Ecocardiografia TABELA 1. CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO GERAL COM DOENÇA DE CHAGAS, DOS SOBREVIVENTES E NÃO SOBREVIVENTES Variáveis Idade, anos Sexo masculino Insuficiência Cardíaca Cardiomegalia ECG anormal BRD isolado HBAE isolado BRD + HBAE BRE isolado Área elétrica inativa Isquemia EV BAV 1º e 2º graus População Geral (n = 738) Sobreviventes (n = 676) CLÍNICAS 46,33 (11,65) 45,90 (11,59) 46,2% 45,7% 9,8% 5,9% RADIOLÓGICAS 17,2% 12,9% ELETROCARDIOGRÁFICAS 54,6% 51,2% 14,1% 14,6% 3,5% 2,7% 24,3% 22,2% 3,3% 2,4% 3,7% 1,8% 7,7% 6,5% 14,5% 12% 6,5% 5,6% Não Sobreviventes (n = 62) 51,03 (11,39) * 51,6% 51,6% * 33,9% * 91,9%* 8,1% 12,9%* 46,8%* 12,9%* 24,2%* 21,0% * 41,9% * 16,1%• Duração media QRS(ms) 85,05 (25,99) 83,24(25,29) 104,73(25,54)* Duração máxima QRS(ms) 101,78(26,87) 99,76(25,86) 126,71(28,11)* VE diastólico, mm VE sistólico, mm Fração Ejeção, % ECOCARDIOGRÁFICAS 52,75 (7,36) 51,77 (6,14) 35,42( 9,78) 33,89 (7,77) 61,09 (14,10) 63,31 (11,46) 63,31 (10,58)* 51,92 (13,48)* 37,16 (17,42)* Disfunção sistólica do VE moderada/severa 14,8% 9,3% 74,2%* Aneurisma do VE 15,0% 13,3% 33,9%* Os valores são as médias e entre parênteses o desvio padrão. BRD= bloqueio do ramo direito, HBAE= hemobloqueio anterior esquerdo, BRE= bloqueio do ramo esquerdo, VE= ventrículo esquerdo, EV= extra-sístole ventricular, BAV= bloqueio átrio-ventricular. * p<0,001, • p<0,01, para comparações entre sobreviventes e não sobreviventes. III.3. Análise Bivariada de Mortalidade Com o objetivo de verificar se a variável, duração do complexo QRS, tinha poder preditivo independente na mortalidade dos pacientes com cardiopatia chagásica, fizemos uma análise bivariada ajustando para a presença de disfunção ventricular esquerda e fração de ejeção (Tabela 3 e 4). Como observamos, quando ajustada para a presença de variáveis que espelham a função do ventrículo esquerdo, a variável largura do QRS 56 perde seu poder preditivo de mortalidade nos pacientes com cardiopatia chagásica crônica. III.4. Curvas de Sobrevida A estratificação da coorte de acordo com quartis de largura do QRS resultou em 4 curvas de sobrevida distintas (Figura 1). Observamos que quando avaliado de forma isolada, quanto maior era largura do complexo QRS, menor a sobrevida, na população como um todo. No entanto quando considerado apenas os pacientes com disfunção Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 Revista Brasileira de Ecocardiografia TABELA 2. RESULTADOS DA ANÁLISE UNIVARIADA DE COX PARA PREDIÇÃO DE MORTALIDADE RELACIONADA À DOENÇA DE CHAGAS. VARIÁVEIS HR IC 95% WALD CLÍNICAS Idade (10 anos) 1,34 1,09 – 1,66 7,74 ◊ Sexo Masculino 1,31 0,80 – 2,16 1,15 Insuficiência Cardíaca (s/n) 12,34 7,49 – 20,32 97,41 * 6,86 – 19,83 82,25 * RADIOLÓGICAS 11,66 Cardiomegalia (s/n) ELETROCARDIOGRÁFICAS BRD isolado (s/n) 0,46 0,19 – 1,15 2,73 HBAE isolado (s/n) 5,00 2,37 – 10,53 17,92 * BRD + HBAE (s/n) 2,88 1,72 – 4,66 16,69 * BRE (s/n) 5,93 2,81 – 12,49 21,87 * Área Elétrica Inativa (s/n) 12,81 7,12 – 23,04 72,44 * Isquemia (s/n) 4,09 2,21 – 7,59 20,02 * EV (s/n) 5,12 3,09 – 8,49 40,17 * BAV 1º e 2º graus (s/n) 2,28 1,08 – 4,79 4,72 • Duração média QRS (10 ms) 1,33 1,21 – 1,46 34,31 * Duração máxima QRS (10 ms) 1,32 1,21 – 1,44 41,14 * ECOCARDIOGRÁFICAS VE diastólico (5 mm) 1,96 1,76 – 2,19 152,60 * VE sistólico (5 mm) 1,74 1,61 – 1,89 175,03 * Fração de Ejeção, 5% 0,64 0,59 – 0,68 152,77 * Disfunção do VE moderada/severa (s/n) 24,20 13,65 – 42,93 118,76 * Aneurisma do VE (s/n) 3,04 1,80 - 5,15 17,17 * (s/n) = sim/não. Outras abreviações na tabela 1. *p<0,001, ◊ p<0,01, • p<0,05 (n=109), não houve diferença significativa nas curvas de sobrevida de acordo com a largura do QRS (Figura 2). IV. DISCUSSÃO A insuficiência cardíaca de qualquer etiologia está relacionada a uma elevada morbi-mortalidade, mesmo com os recentes avanços na terapêutica clínica da disfunção sistólica (beta-bloqueadores, dose plena de inibidores de enzima de conversão de angiotensina, terapêutica tríplice de diuréticos, Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 além de aminas vasoativas e inotrópicas13-17. O alargamento do complexo QRS gera uma contração descoordenada, influenciando de forma negativa a função sistólica e favorece o desenvolvimento de regurgitação mitral18,19. O valor prognóstico do alargamento do complexo QRS, em pacientes com insuficiência cardíaca isquêmica e não isquêmica, têm sido demonstrado em vários estudos20-22. No estudo VEST, em pacientes com ICC classe funcional II a IV, foram digitalizados e analisados 3654 eletrocardiogramas. Ao final 57 Revista Brasileira de Ecocardiografia TABELA 3. ANÁLISE BIVARIADA DE COX PARA PREDIÇÃO DE MORTALIDADE RELACIONADA À DOENÇA DE CHAGAS: DISFUNÇÃO DO VE E DURAÇÃO DO COMPLEXO QRS AO ELETROCARDIOGRAMA. VARIÁVEL HR IC 95% VALOR p Duração máxima do QRS (10 ms) 1,059 (0,9960 – 1,01) 0,24 Disfunção do VE moderada/severa 30,4 (14 – 64) < 0,00001 VE= Ventrículo Esquerdo, HR= Harzard Ratio; IC= Intervalo de Confiança. TABELA 4. ANÁLISE BIVARIADA DE COX PARA PREDIÇÃO DE MORTALIDADE RELACIONADA À DOENÇA DE CHAGAS: FRAÇÃO DE EJEÇÃO DO VE E DURAÇÃO DO COMPLEXO QRS AO ELETROCARDIOGRAMA. VARIÁVEL HR IC 95% VALOR p Duração máxima do QRS (10 ms) 1,038 (0,99 – 1,01) 0,47 Fração de Ejeção 0,90 (0,89 – 0,92) < 0,00001 HR= Harzard Ratio; IC= Intervalo de Confiança. QRS (ms) ≤ 75 ms P: NS QRS (ms) ≤ 75 ms 80 a 85 ms 80 a 85 ms 90 a 120 ms 90 a 120 ms > 120 ms > 120 ms P < 0,0001 58 Figura 1: Curvas de Sobrevida da Coorte Estratificadas segundo a Duração do QRS (percentis). Figura 2: Curvas de Sobrevida do Subgrupo com Disfunção Moderada ou Grave Estratificadas Segundo a Duração do QRS (percentis). de 1 ano de acompanhamento, a duração do QRS foi um importante preditor independente de óbito, ao lado da idade, creatinina sérica, fração de ejeção do VE e frequência cardíaca. O risco relativo do grupo com QRS mais largo (> 220 ms), foi 5 vezes maior do que o grupo com QRS mais estreito (< 90 ms). Esses achados da literatura não foram confirmados no presente estudo, em pacientes com cardiopatia chagásica crônica: a largura do QRS não foi um fator prognóstico independente. Uma possível explicação para esse achado pode estar relacionado ao significado do distúrbio de condução intraventricular na doença de Chagas. Diferente de outras cardiopatias onde a presença de bloqueiro de ramo geralmente reflete um grau de acometimento miocárdico mais extenso, na cardiopatia chagásica o sistema de condução pode ser acometido precocemente e de forma isolada, sem alteração significativa Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 Revista Brasileira de Ecocardiografia no miocárdio contrátil. Dessa forma a largura do QRS perde seu significado prognóstico. Além disso, enquanto nas cardiopatias não chagásicas o alargamento do QRS é geralmente resultante de distúrbios de condução no ramo esquerdo, na cardiopatia chagásica o predomínio é de bloqueio de ramo direito, que pode acarretar em padrões de assincronia intra e interventricular distintos. Esses resultados sugerem que os critérios atuais empregados para a ressincronização ventricular, baseados fundamentalmente na largura do QRS, podem ser inadequados na cardiopatia chagásica crônica. Nessa população provavelmente será necessário a utilização de métodos capazes de identificar, de forma mais precisa que o eletrocardiograma, a presença e o grau de assincronismo cardíaco. O doppler tecidual, através da quantificação das velocidades nos diversos segmentos miocárdicos, poderá ser útil na identificação desta população. Considerando a alta prevalência de insuficiência cardíaca de etiologia chagásica em nosso meio e o alto custo da ressincronização, é primordial a realização de ensaios clínicos nesta população específica. V. CONCLUSÃO Até o momento, este é o primeiro estudo a investigar prospectivamente o valor prognóstico da largura do complexo QRS em pacientes com cardiopatia chagásica crônica e disfunção moderada a severa do ventrículo esquerdo. No presente estudo a largura do QRS não foi um preditor independente de mortalidade nesta população específica de cardiopatia chagásica crônica. O conhecimento do valor prognóstico do alargamento do QRS nos diversos padrões eletrocardiográficos da cardiopatia chagásica crônica é fundamental para que se possa avaliar o papel da terapêutica de ressincronização ventricular neste grupo específico de pacientes com insuficiência cardíaca. THE PROGNOSTIC VALUE OF THE QRS COMPLEX LENGTH ON THE CHRONIC CHAGASIC CARDIOMYOPATHY WITH SEVERE OR MODERATE VENTRICULAR DYSFUNCTION Sumary: Evaluate the prognostic value in relation to cardiac mortality of the QRS complex length (LQRS), in a cohort of patients with chronic chagasic cardiomyopathy and severe or moderate ventricular dysfunction (DISF). Methods: Prospective evaluation of 738 Chagas`disease patients recruted from 03/90 until 12/99 who underwent clinical evaluation electrocardiogram, chest X-ray and two-dimension echocardiography during admission. DISF was defined as ejection fraction < 45%. The bivariated analyses of Cox was done to evaluate the prognostic value of LQRS adjusted to the presence of DISF. Kaplan-Meier curves were built based on the LQRS. The Log-rank test was used to compare the curves. Results: The follow-up varied from 1 to 144 months (58 ± 39 months) with 87% of complete follow-up. Occurred 54 deaths from cardiac causes(8,4%) during this period. In univariate analyses, the LQRS was significantly higher on this group in comparisson to the survivors (126 ± 28ms vs 99 ± 25ms; p<0,00001). The stratification of the cohort based on the LQRS quartiles resulted in 4 distinct survival curves. When adjusted to the presence of DISF, the LQRS wasn´t a significant death predictor (HR, 1,0059; p= 0,24). The same way when the 109 patients with DISF were stratified based on the LQRS quartiles, there wasn`t significant difference between the survival curves. Conclusion: Unlike previous studies in non-chagasic cardiomyopathy, the LQRS wasn`t a prognostic predictor in patients with chagasic ethyological dysfunction. These results are important to better define the roll of the biventricular stimulli in patients with chronic chagasic cardiomyopathy, whose indication is based uppon LQRS. Descriptors: Chagas’disease, Chronic chagasic cardiomyopathy, Ventricular dysfunction. Ano XVI • nº 3 • Julho/Agosto/Setembro de 2003 59 Revista Brasileira de Ecocardiografia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. World Health Organization. Control of Chagas` disease: report of a WHO expert committee. Geneva, 1991: 1-95 (Technical Report Series, 811). 02. Dias JCP. 1993. A doença de Chagas e seu controle na América Latina. Uma análise de possibilidades. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro 9: 201-9. 03. Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. 1984. Inquérito sorológico da prevalência de infecção chagásica no Brasil: 1975-1980. 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