o cordel no cotidiano escolar da eja

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ANAIS ELETRÔNICOS
ISSN 235709765
O CORDEL NO COTIDIANO ESCOLAR DA EJA
Rodrigo Nunes da SILVA
[email protected]
PPGFP da Universidade Estadual da Paraíba
Linduarte Pereira RODRIGUES
[email protected]
DLA e PPGFP da Universidade Estadual da Paraíba
RESUMO
A literatura de cordel é considerada como legítima manifestação da cultura popular
brasileira. De forma interdisciplinar, pode-se encontrar na sua riqueza temática uma
prática eficaz de letramento, o que permite à aquisição de conhecimentos múltiplos. O
trabalho busca refletir sobre formas de abordagens exitosas nas aulas de língua
materna. Para tanto, apresenta o relato de uma experiência de trabalho com folhetos
de cordéis numa turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de uma escola pública
do município de Soledade - PB. Compreende a EJA como um segmento de ensino da
rede pública da Educação Básica permeada por complexidades, envolvendo questões
que vão além do plano educacional. Diante disso, propõe uma reflexão voltada para o
desenvolvimento de uma educação de qualidade, vinculada a mudanças no cotidiano
da formação crítica/reflexiva dos alunos componentes da EJA. Propõe um projeto
pedagógico para o ensino língua portuguesa que enxerga o cordel como agente
textual/linguístico para se atingir os objetivos propostos. Como suporte teórico, parte
das leituras efetuadas em Bakhtin/Voloshinov (1999), Geraldi (2010), Kleiman &
Signorini (1995) e Street (2014). Atentando para o fato de que os estudos do
letramento ultrapassam o plano da escrita formal, perpassando à reflexão sobre a
própria linguagem dos sujeitos em contextos que extrapolam os muros da escola, o
estudo revelou o estabelecimento de conexões com textos orais e/ou escritos que
fazem parte do cotidiano das famílias dos alunos envolvidos num processo de
letramento desenvolvido com folhetos de cordel, evidenciando-se, assim, que esse
material sociocultural e sociolinguístico é prática discursiva que propicia o letramento
escolar na região campo da pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de língua portuguesa. Letramento. Cordel.
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1 INTRODUÇÃO
A literatura de cordel tem sido utilizada em muitas práticas e eventos de
letramento no cotidiano de escolas da região nordeste do Brasil. Para Kleiman &
Signorini (1995, p.20), a escola devia ser a mais importante agência de letramento
social, ou, pelo menos, a que se preocupe com aspectos da realidade social em que o
sujeito se insere, o que não ocorre na maioria das escolas.
Quando ampliamos o escopo dos estudos do letramento, veremos que o
letramento escolar é apenas um, em meio aos vários letramentos que não são levados
em consideração pelo Estado, e que o alunado tem acesso em suas práticas sociais.
Diante dessa constatação, cabe destacar que o termo letramento é foco de discussões
várias no meio acadêmico. De modo geral, o estudo do letramento vai além do
conhecimento do que seja um ser letrado. Ele desenha uma forma de pensar o sujeito
dentro da realidade contextual (social, histórica, cultural) que o indivíduo faz parte.
Street (2014) explica que os eventos de letramento são espaços de negociação
e de transformação dos sujeitos. Mediados por gêneros textuais, tais eventos
postulados pelo autor, são possíveis de desenvolvimento escolar no Nordeste
brasileiro mediante folhetos de cordel pelo simples fato de que o cordel pode
contribuir para a transformação e melhoria dos índices de aprendizagem dos alunos da
EJA. Em nossos estudos, identificamos que o cordel em sala de aula gera possibilidades
de despertar nos alunos da EJA o gosto pela leitura e a circulação na escola de outros
gêneros da sociedade, pois envolve o cotidiano dos alunos da EJA em diversas regiões
de nosso país. A partir do momento em que o cordel é abordado como objeto
linguístico/literário/textual, e não simplesmente na perspectiva de folclorização,
observamos que há um ganho potencializador de leituras estéticas e sociais, além de
conhecimentos culturais, essenciais ao ambiente escolar.
Tomamos por base os estudos realizados por Bakhtin/Voloshinov (1999),
Geraldi (2010), Kleiman & Signorini (1995) e Street (2014), apresentamos uma
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experiência de trabalho com folhetos de cordéis numa turma da EJA de uma escola
pública do município de Soledade - PB. Os cordéis utilizados nas oficinas de leitura
foram selecionados com vistas a atender a multiplicidade temática e cultural local de
nossa região. A partir de práticas e eventos de letramento com o cordel, apresentamos
um projeto pedagógico interdisciplinar que permitiu desenvolver conexões com textos
orais e/ou escritos que fazem parte do cotidiano das famílias dos alunos,
evidenciando-se, assim, que esse material sociocultural e sociolinguístico é prática
discursiva que propicia o letramento escolar na região campo da pesquisa.
Apoiados em Geraldi (2010), enfatizamos que projetos de letramentos para
nossa região não pode deixar de lado as tradições orais de transmissão cultural, a
exemplo da literatura de cordel. Acreditamos também que para que haja êxito numa
política de expansão de leitura, faz-se necessário pensar num trabalho de formação
docente atento as demandas de letramentos da contemporaneidade e suas
especificidades, como é o caso da EJA.
2 LETRAMENTOS
O estudo dos letramentos perpassa pela busca de explicações/descrições sobre
um fenômeno, com interesse social. Jogo de poder e ideologia também se farão
presentes nos estudos do impacto social da escrita (KLEIMAN & SIGNORINI, 1995). Um
dos pontos relevantes nos estudos do letramento diz respeito aos fatores locais (sóciohistóricos e culturais) de produção e recepção da "letra". Diferentes práticas de
letramento, a partir de métodos experimentais e etnográficos, vão desempenhar
consequências distintas nos sujeitos pesquisados, entendendo que essas práticas são
socialmente determinadas.
Kleiman & Signorini (1995, p.18) explica que “em certas classes sociais, as
crianças são letradas, no sentido de possuírem estratégias orais letradas, antes mesmo
de serem alfabetizadas”. Com o exposto, podemos distinguir o ser alfabetizado e o ser
letrado. Diante disso, evidencia-se que os estudos do letramento atravessam a
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realidade social do sujeito, para além do ambiente escolar. Muitas práticas de
letramento são vivenciadas no dia a dia, na prática cotidiana. Na escola, o tipo de
prática de letramento presente é de caráter dominante, na maioria das vezes
prescritivo/normativo.
Podemos conceituar e definir o termo letramento como um conjunto de
práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia em contextos
específicos e com objetivos específicos (SCRIBNER & COLE, 1981 apud Kleiman &
Signorini, 1995). A partir das contribuições desses estudos, o ato de ler e escrever
passou a ser considerado menos pelo seu caráter de codificar e decodificar letras e
números, que não surte efeitos satisfatórios, por estar desvinculado das práticas e
usos sociais efetivos da linguagem. É preciso, isto sim, saber fazer o uso adequado da
leitura e da escrita em meio social. Só assim o sujeito é considerado letrado em
determinada especificidade dos multiletramentos.
Quando revestido de prática social, os eventos de letramento presentes na
escola podem contribuir para uma Educação humanizadora (FREIRE, 1996). Sobre
eventos de letramento, Kleiman (2005, p. 22-23) diz que
Nos eventos de letramento da maioria das instituições, as pessoas
participam coletivamente, interagindo, enquanto nos eventos
escolares mais tradicionais o que ainda importa é a participação
individual do aluno. Isso, afortunadamente para o aluno está
mudando. Quanto mais a escola se aproxima das práticas sociais em
outras instituições, mais o aluno poderá trazer conhecimentos
relevantes das práticas que já conhece, e mais fácies serão as
adequações, adaptações e transferências que ele virá a fazer para
outras situações da vida real.
Street (2014, p. 43-44) apresenta duas concepções de letramento. A primeira,
denominado modelo autônomo, está ligada à concepção de letramento dominante na
sociedade; não abre espaço para a formação de sujeitos leitores competentes, que
sejam capazes de identificar e diferenciar como a língua é apropriada em diferentes
situações de interação, por ter uma visão única do ato do letrar, ligada a progressão
individual do sujeito. A segunda concepção, o modelo ideológico, contrapõe à primeira,
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ligando-se a práticas plurais de letramento, que “são social e culturalmente
determinadas, e, como tal, os significados específicos que a escrita assume para um
grupo social dependem dos contextos e instituições em que ela foi adquirida”.
A escola precisa abrir espaço para que se possa desenvolver projetos que visem
incorporar práticas de letramento que visualizem leitura, escrita, oralidade e análise
linguística dentro de contextos específicos de produção cultural. A partir dessas
práticas, em que os educandos se tornam protagonistas de seus discursos, veremos
que as práticas de letramento, aquelas que transpassam pelo modelo ideológico
apontado por Street (2014), promovem a capacidade de identificar e diferenciar a
apropriação da língua em diferentes situações de interação, desenvolvendo
habilidades e competências para uma tomada de decisões e mudança de vida.
3 BREVE CONTEXTO DA EJA
As transformações sociais, políticas, econômicas e culturais de nossa sociedade
repercutem drasticamente no conceito de que se entende por ensinar, principalmente
quando o cenário representado é a EJA. Já dizia Paulo Freire (1996) que ensinar
inexiste
sem
aprender
e
vice
versa.
Ele
explica
que
foi
aprendendo
socialmente/historicamente que homens e mulheres descobriram que era possível
ensinar.
Não podemos separar uma pessoa, enquanto sujeito marcado sócio-histórico e
culturalmente, de sua realidade, levando-a até salas de aulas para “ensinar” técnicas,
"macetes" de como fazer/dizer isso ou aquilo. Nas últimas décadas, o ensino de língua
materna tem sido alvo de muitas críticas. Como ensinar? Ensinar o que? Essas são
perguntas que movem o ideário de muitas pesquisas. O fato é que não há regra fixa de
ensino, o que temos são possibilidades e referências experimentais de adequação de
alguns modelos didáticos aos vários contextos de atuação do professor de língua
materna na sociedade da diversidade.
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Buscando dirigir nosso olhar para o ensino de língua(gens) em turmas da EJA
(Ensino Médio), avaliamos necessário perfazermos um percurso pela própria história
dessa modalidade de ensino, compreendendo o perfil dos educandos na atualidade,
atentando para as orientações das políticas educacionais e a organização curricular
presentes nas escolas que oferecem esta modalidade educacional.
Paulo Freire foi um marco quando se fala da EJA. No final da década de 1950,
cria uma nova perspectiva na educação brasileira. Ele desenvolveu uma prática
pedagógica voltada para as necessidades de camadas populares. Os princípios de
educação popular foram assim implantados às práticas de ensino da EJA. O golpe
militar, ocorrido em 1964, apagou muitas das experiências dessa nova abordagem de
ensino. Destaca-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), criado e
moldado por uma estrutura doutrinária e centralizadora que deixava de lado a
realidade dos alunos desfavorecidos.
Nesse período havia intensa migração rural-urbana, desconsiderado pelo
sistema educacional vigente. A prioridade era a implantação industrial-urbano,
moldada pelos padrões capitalistas. Na década de 1990 foi promulgada a lei que
considerou a EJA modalidade da Educação Básica, dentro das leis de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei n° 9394/96.
Como observado, a demanda de estudantes da EJA transpassa por contextos
culturais, históricos e sociais específicos/peculiares, que acompanham a história da
educação popular. Isso faz com que a escola busque outras maneiras/modos de
ensinar. No Ensino Médio EJA, a inserção cada vez mais cedo dos jovens no mercado
de trabalho, faz com que muitos procurem terminar seus estudos para se qualificarem.
Há maior parte do alunado da EJA pertence à classe trabalhadora. O ensino deve levar
em consideração esse fato, atendendo melhor essa demanda educacional. Quando
isso é possível, essa modalidade deixa de ser apenas aquela em que se ensina a ler e
escrever, passa a se tornar uma esperança para muitos alunos que esperam reaver o
tempo perdido e buscar uma vida social melhor, mais digna.
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Paulo Freire (2000, p.22) diz que “a leitura da palavra é precedida pela leitura
do mundo”. Segundo o autor, nossa primeira vivência com o mundo deveria ser o
universo de todas as pessoas, de todos os grupos, expressando a realidade de cada um
através de sua linguagem. Ensinar leitura, escrita ou oralidade na escola não pode
negligenciar e deixar de lado o dialogismo da língua (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1999), o
outro, que é sujeito do processo de construção dessas práticas.
As Diretrizes Nacionais em Educação (BRASIL, 2006, p.13), ao discorrer sobre a
Reorientação Curricular para EJA (Ensino Médio)1 apontam que a proposta para o
ensino de língua é justamente “criar as condições para que os alunos possam
comunicar-se em várias linguagens, respeitando as diferenças”. Essa proposta deve
fazer com que o aluno da EJA “se sinta protagonista no processo de produção e
recepção de conhecimentos”.
Sobre o direito que todos têm de manter a história viva, de aprender a se
tornar bons cidadãos, a respeitar o diferente, a cultura do Outro, a compartilhar
experiências, vale ressaltar o direcionamento dos PCN (BRASIL, 1998, p. 117):
A escola deve ser local de aprendizagem de que as regras do espaço
público permitem a coexistência, em igualdade, dos diferentes. O
trabalho com Pluralidade Cultural se dá a cada instante, exige que a
escola alimente uma 'Cultura da Paz', baseada na tolerância, no
respeito aos direitos humanos e na noção de cidadania
compartilhada por todos os brasileiros.
É preciso que seja estimulada uma prática social de letramento permanente,
movida pelo desejo de saber, de aperfeiçoar-se, rompendo silêncios impostos pelos
perversos processos de exclusão do sistema escolar.
1
1Disponível em: http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/downloads/LIVROVI_EJA_medio.pdf. Acesso
em 25/10/2015.
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4 CORDEL E ENSINO DE LINGUAGENS
As práticas de letramento mediadas por folhetos de cordel ocorrem através de
atividades variadas e multifacetadas, que decorrem de forma prazerosa, pelo fato de
essa forma de expressão popular ter como marca a tradição oral, o humor, entre
outros aspectos necessários ao desenvolvimento de práticas exitosas em ambiente
escolar que instiguem os alunos para uma aprendizagem satisfatória.
Segundo Lima (2000, p.19),
O cordel é uma das formas de expressão linguístico-cultural,
resultante de um vasto sistema de interferências do viver dos seus
produtores, leitores e ouvintes. Indivíduos quase sempre, oriundos
das camadas populares, que constroem em suas poesias uma trama
onde símbolos de suas identidades estão amalgamados aos símbolos
de suas experiências e trocas com as demais camadas da sociedade.
Rodrigues (2006; 2011) explica que o poeta popular transmite, por experiência
própria, os prazeres e augúrios do povo nordestino, atuando como instrumento de
uma memória coletiva através de temas que envolvem heroísmo, o sagrado, histórias
míticas/místicas e lendárias, que perpassam e entrelaçam o real e o ficcional. Para ele,
observa-se nesta expressão linguístico-literário grande variedade de temas,
tradicionais ou contemporâneos, que refletem a vivência popular, desde os problemas
atuais até a conservação de narrativas inspiradas no imaginário do povo e proveniente
da cultura oral.
Evaristo (2000, p.120) enfatiza que
Em termos atuais, pode-se dizer que o cordel mantém, enquanto
narrativa, algumas características de origem, como a função social
educativa, de ensinamento, aconselhamento, e não apenas
entretenimento ou fruição individual... O cordel absolveu algumas
tendências da modernidade, entre elas a veiculação de informações:
alguns fatos do cotidiano passam a constituir, muitas vezes, sua
temática.
Para atender as necessidades sóciocomunicativas do cotidiano, os alunos fazem
uso, lendo e escrevendo textos, muito antes de frequentarem a escola. Entendemos
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que a utilização do cordel em eventos de letramento escolar permite a realização de
práticas pedagógicas exitosas, principalmente quando nos dirigimos para o público da
EJA.
Como já evidenciamos, os cordelistas não tiveram acesso aos saberes escolares
(e mesmo acadêmicos), mas se utilizam da letra, da palavra, isto é, do cordel como
forma de interação, agindo linguisticamente para uma atuação profissional de
produzir, comercializar e permitir que essa tradição oral, evidenciada pela produção de
folhetos impressos, mantenha-se sócio-historicamente pela plasticidade cultural
(RODRIGUES, 2009; 2013). Eles fazem uso do cordel como prática sócio-comunicativa,
mesmo não desenvolvendo os letramentos que geralmente se encontram no ambiente
escolar.
Em trabalho anterior, Silva (2014, p.74) defende que o cordel é um importante
instrumento de representação da memória popular, revelando retratos de uma região
e de uma sociedade. O cordel descreve, de maneira significativa, valores, crenças e
costumes de um povo em contato com o meio social, a cultural regional e a história
que dá coerência aos seus atos e o faz conhecedor das coisas de um mundo.
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5 O CORDEL EM EVENTOS DE LETRAMENTO NA EJA – UM ESTUDO DE CASO
De forma didática, buscamos descrever algumas atividades realizadas a partir
de um trabalho com folhetos de cordel. O Projeto Paraíba minha Terra, minha Gente:
Literatura de cordel e interdisciplinaridades no cotidiano curricular e cultural na EJA
teve como meta e objetivo principal o fortalecimento das práticas de leitura, oralidade
e escrita numa turma de 2° ano médio EJA, da Escola Estadual Dr. Trajano Nóbrega,
Soledade - PB.
Inicialmente, elaboramos um cronograma, traçando metas e objetivos a serem
alcançados com o projeto, através de práticas e eventos de letramento. Através da
temática “Paraíba, minha terra, minha gente” entrelaçamos diversas atividades, para
propiciar ao aluno o contato com o maior número possível de gêneros textuais, além
dos cordéis. Outros professores da escola participaram das atividades, com o intuito
de promover o conhecimento de forma ampliada, interdisciplinar.
As imagens seguintes (figuras 1 e 2) demonstram o arranjo composicional da
cena que ilustra o desenvolvimento e o envolvimento do projeto descrito na escola
campo de nossa pesquisa:
Figura 1: Entrada da sala do projeto
Fonte: Acervo do pesquisador
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Figura 2: Alunos e professores2
Fonte: Acervo do pesquisador
Várias atividades foram realizadas no ambiente de sala de aula e também fora
dela, em atividades individuais e em grupo, para que o processo de ensino pudesse ser
mais prazeroso e assim realizar o desenvolvimento de um processo de letramento que
perpassasse a realidade social dos sujeitos envolvidos com a letra própria de sua
comunidade.
Seguimos com os trabalhos em equipe, que eram realizados tanto em sala de
aula como fora dela: pinturas, desenhos, confecção de cartazes, elaboração de roteiros
para apresentação do projeto, resumo e pesquisa sobre os principais cordelistas da
região, com destaque para Leandro Gomes de Barros, além de escritores consagrados
da literatura paraibana, a exemplo de Ariano Suassuna, José Lins do Rêgo e Augusto
dos Anjos.
Fizemos um momento de motivação inicial, ouvindo a canção "Paraíba joia
rara” do cantor paraibano Ton Oliveira. A música fala da riqueza e alegria de ser
paraibano. Através da exibição de um vídeo intitulado “Conheça a Paraíba”, os alunos
se motivaram grandemente para dar sequência às atividades. O vídeo apresenta a
Paraíba como um recanto bonito do Brasil, exibindo sua riqueza cultural, seus recursos
e encantos naturais, sua infraestrutura e hospitalidade das pessoas que habitam essa
região do Brasil. Foram destacados também os legados arqueológicos e, em seguida, a
apreciação do cardápio regional e da arte popular nordestina.
2
Atentando à ética científica, optamos por manter preservadas as identidades dos colaboradores da
pesquisa.
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Os alunos se encantaram com a região. Muitos não conheciam a capital do
estado, então decidimos fazer uma viagem a João Pessoa para conhecer alguns pontos
turísticos da cidade. Além de outros pontos turísticos, tais como: o vale dos
dinossauros em Sousa; o Pico do Jabre em Maturéia; Patos, conhecida como a morada
do Sol; e o Maior São João do Mundo em Campina Grande; com destaque para
Soledade, cidade natal dos envolvidos com esse processo de letramento.
Apoiados pelo material didático elaborado para o trabalho escolar, iniciamos
então atividades em sala de aula, no que se refere ao contexto cultural e histórico da
literatura na Paraíba, especialmente a literatura de cordel. Expomos um comentário
geral sobre o cordel: sua origem; os objetivos de produção; a linguagem; principais
temas e estrutura textual. Pensamos com a turma sobre o valor sociocultural e
histórico dos cordéis, sua função em nossa região como instrumento de
comunicação/interação.
É sabido que em projetos de leitura, escrita, etc. que se baseiam em imposições
de regras e normas técnicas ao aluno, em que o professor busca apenas o
cumprimento de um programa curricular, o aprendizado da língua se torna prática
desestimulante e improdutiva, por muitas vezes ficar distante da realidade e das
perspectivas dos alunos. Na nossa prática, ora relatada, o resultado foi diferente. Em
sala de aula foram lidos vários cordéis, que perfaziam o universo contextual dos
alunos. A partir de atividades direcionadas, fizemos leituras coletivas com os alunos
que se dispuseram a participar. É fato que o cordel atraiu a atenção do alunado.
Percebemos que o aluno entrou em contato direto com o texto, vivenciando a
experiência com a leitura, o que esta de acordo com o proposto nas OCEM (BRASIL,
2006, p.33), ao relatarem que o momento da leitura deve ser caracterizado como uma
situação significativa de interação entre o aluno e os mais diversos aspectos que
compõem o texto.
Os cordéis foram lidos e discutidos com atenção para expressões e palavras
utilizadas no nordeste brasileiro, algumas desconhecidas em outras regiões do país.
Desse modo, percebemos que o trabalho com cordéis desperta nos alunos a
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capacidade de observação da diversidade linguística, sociocultural, histórica, política e
econômica. O destaque para região Nordeste de nosso país, nos estudos realizados,
deu-se pelo fato de que o cordel encontrou condições favoráveis nesse região para a
produção e propagação desse gênero textual/literário. Por essa razão, enveredamos
também pelo estudo dos sentidos inerentes às expressões que caracterizam a
realidade local do povo paraibano/nordestino.
A experiência da leitura é uma tarefa árdua quando a praticamos para
preencher fichas de leitura, responder exercícios ou como pretexto para trabalhar a
gramática, atividades sem sentido para o aluno. Outro dado é que para muitos alunos,
a literatura pode ser "agradável" e "prazerosa"; já outros não conseguem enxergar
sentido na leitura dos textos literários, preferindo assistir televisão, ouvir música, fazer
outras atividades que exijam menos esforço de compreensão. Por essa razão, nos
encontros subsequentes fizemos uma apresentação sobre grandes nomes da literatura
de cordel, com destaque para poetas de nossa região. Buscamos trabalhar com
gêneros textuais variados e funcionais para a prática desenvolvida no projeto:
resumos, biografias, relatórios, entre outros.
Ao trabalharmos os textos dos escritores paraibanos buscamos realizar uma
metodologia inovadora em sala de aula, que atendesse a demanda dos alunos da EJA.
Sabemos que durante muito tempo, a leitura literária foi vista de maneira equivocada,
por não haver interesse significativo na busca pela compreensão do texto e seu
respectivo contexto. Trabalhamos também com grandes personalidades de nossa
terra, a exemplo dos cantores paraibanos Elba Ramalho, Zé Ramalho, Geraldo Vandré,
Jackson do Pandeiro, Flávio José, Ton Oliveira, entre outros. Ainda em sala de aula,
exibimos uma reportagem especial do programa Terra da gente sobre a Paraíba e
também outra reportagem exibida pelo programa Globo Rural sobre Leandro Gomes
de Barros, considerado pai do cordel no Brasil. Cada vez mais observávamos o
interesse dos alunos aumentar na participação das atividades do projeto.
As pesquisas realizadas pelos alunos foram socializadas através de seminários.
Os alunos formaram grupos, divididos por temáticas; eles teriam a liberdade de
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escolher a forma como socializar o conhecimento adquirido através das pesquisas:
poderiam trazer vídeos, cartazes, apresentação de peças teatrais, exibição de músicas,
documentários, entre outras práticas que compusessem seus eventos de letramento.
Todos se interessaram bastante e as atividades foram realizadas com sucesso. Cada
grupo tinha a oportunidade de se avaliar e podiam contribuir com a avaliação dos
demais colegas.
Durante a Semana Cultural promovida na cidade, a escola realizou mostras
culturais. Na oportunidade, o projeto em foco foi apresentado para a comunidade
escolar e local. Como ilustram as figuras subsequentes (figuras 3, 4 e 5):
Figura 3: Mapa da Paraíba com a variação linguística da região
Fonte: Acervo do pesquisador
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Figura 4: Histórico de governadores
Fonte: Acervo do pesquisador
Figura 5: Grandes nomes da literatura paraibana
Fonte: Acervo do pesquisador
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Os alunos se envolveram com o evento de letramento supracitado (Mostra
Cultural), apresentaram para as pessoas que visitaram a mostra pedagógica,
informando sobre a vida e obra dos poetas cordelistas da região, dentre outras
atividades. Aqueles que visitaram a sala recebiam mostras alimentares (rapadura e
mugunzá) que representavam a culinária local. Muitos alunos, pais, professores,
inclusive pessoas de outras cidades visitaram a mostra. Na banca de cordéis, elemento
exótico para muitos visitantes, as pessoas recebiam informações sobre esta forma
linguístico-literária de expressão cultural de nossa região.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na qualidade de professores de língua materna, precisamos repensar nossas
práticas tentando valorizar e explorar o vasto campo de possibilidades de leitura que
um texto permite, buscando estabelecer pontes capazes de fazer com que os alunos
percebam os diferentes sentidos, frutos da união do contexto de escrita e o contexto
do leitor, preparando-os como leitores perspicazes que busquem no texto sua
essência, tendo em mente a concepção de leitura como compreensão e interação do
mundo mediante outras leituras possíveis e/ou já realizadas.
Nosso trabalho apresentou o desenvolvimento de práticas e eventos de
letramento, sugerindo possibilidades para o incremento de atividades a partir de um
processo de letramento mediado por folhetos de cordel em ambiente escolar.
Constatamos que muitos alunos da EJA tinham aversão a ler, escrever e desenvolver a
competência oral e analítica/reflexiva da linguagem em práticas de letramento escolar.
Na escola, o motivo se dá pela falta de atividades que se relacionem com práticas
sociais de usos efetivos da língua. Cabe ao professor de língua materna oferecer
subsídios e propostas para solucionar problemas locais, possibilitando outras formas
de aprender, incrementadas no modelo ideológico de letramento.
O trabalho com cordéis em nossa prática de professor-pesquisador permitiu o
desenvolvimento de atividades diversas, destacando no campo de pesquisa a ação da
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cultura popular nordestina se efetivando em processo de letramento escolar/literário.
Diante da multiplicidade de temas trazidos por essa forma de expressão popular de
nossa região, demonstramos ser o cordel um elemento inerente a prática de ensinoaprendizagem língua materna no Nordeste, transformando o ambiente escolar em
espaço de legitimação da letra, fazendo com que alunos da EJA, professores e a
comunidade escolar atuem como protagonistas de uma ação sociocultural apoiada no
texto, dialogando tempo, espaço e sujeitos locais.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec,
1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino Fundamental de
Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1998.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações
Curriculares para o Ensino Médio, volume 1. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
EVARISTO, Marcela Cristina. O cordel em sala de aula. In: Gênero do discurso
na escola: mito, conto, cordel, discurso político, divulgação cientifica. São
Paulo:Cortez, 2000, p. 119-140.
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