anacosta revista médica Janeiro | Fevereiro | Março Revista Trimestral do Hospital Ana Costa - 2014 19.1 Revista Médica ISSN 1677-194X ANA COSTA Órgão Científico Oficial do Hospital Ana Costa Conselho Editorial Revista Médica Dr. Airton Zogaib Rodrigues, Santos - SP - Brasil Dr. André Vicente Guimarães, Santos - SP - Brasil Dr. Celso Afonso Gonçalves, Santos - SP - Brasil Dr. Evaldo Stanislau A. de Araújo, Santos - SP - Brasil Dr. Everson Artifon, Santos - SP - Brasil Dr. Luiz Alberto Oliveira Dallan, São Paulo - SP - Brasil Dr. Rider Nogueira de Brito Filho, Santos - SP - Brasil Dr. Rogério Aparecido Dedivitis, Santos - SP - Brasil Dr. Waldimir Carollo dos Santos, Santos - SP - Brasil Dr. Woite Antônio Bertoni Meloni, Santos - SP - Brasil Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa Rua Pedro Américo, 60 - Campo Grande, Santos/SP, Brasil e-mail: [email protected] www.anacosta.com.br Periodicidade: trimestral Tiragem: 500 exemplares Jornalista Responsável: Lucinaira Souza (Mtb: 40.248) Produção Gráfica: Comunicação e Marketing do Hospital Ana Costa A Revista Médica Ana Costa é distribuída gratuitamente para os membros do Corpo Clínico do Hospital Ana Costa, para bibliotecas e faculdades das áreas de saúde cadastradas. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos dessa revista, desde que citada a fonte. Revista Médica Ana Costa / Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A. v. 19, n. 1 (jan / fev / mar 2014). Santos: Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A., 2014. 23 p. :il. Periodicidade trimestral ISSN 1677 194X 1.Ciências Médicas. 2. Medicina CDD 610 CDU 616 Normas de Publicação A Revista Médica Ana Costa é publicada trimestralmente pelo Hospital Ana Costa e aceita artigos na área de saúde. Artigos de caráter comercial não serão aceitos. Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes categorias: a) artigos originais - trabalhos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, incluem análise descritiva e ou inferências de dados próprios. Sua estrutura deverá conter os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências; b) artigos de revisão - têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Apresenta síntese e análise crítica da literatura levantada e não pode ser confundido com artigo de atualização; c) artigos de atualização - destinados a relatar informações geralmente atuais sobre tema de interesse para determinada especialidade, uma nova técnica ou método, por exemplo, e que têm características distintas de um artigo de revisão, visto que não apresentam análise crítica da literatura; d) relato de caso - relata casos de uma determinada situação médica especialmente rara, descrevendo seus aspectos, história, condutas, etc, incluindo breve revisão da literatura, descrição do caso e discussão pertinente. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo e idade. Pode ser realizado em humano ou animal. c) indicação da instituição em que cada autor está afiliado, acompanhada do respectivo endereço; d) nome do departamento e da instituição no qual foi realizado; e) indicação do autor responsável para troca de correspondência (nome completo, endereço, telefones de contato e e-mail); f) quando houver, indicar as fontes de auxílio à pesquisa; g) se extraído de dissertação ou tese, indicar título, ano e instituição onde foi apresentada; EXEMPLOS h) se apresentado em reunião científica, indicar nome do evento, local e data de realização. Livros RESUMO - Todos os artigos submetidos deverão ter resumo em português e em inglês, com um mínimo de 150 e no máximo de 250 palavras. Para os artigos originais os resumos devem ser estruturados destacando: objetivos, métodos básicos adotados (informando local, população e amostragem da pesquisa), resultados e conclusões mais relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Para as demais categorias, o formato dos resumos deve ser o narrativo, mas com as mesmas informações. Capítulo de Livros Discussão: deve explorar adequada e objetivamente os resultados, discutidos à luz de outras observações já registradas na literatura. A primeira página deverá conter: b) nome completo de todos os autores; Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 01 - 31, jan / fev / mar 2014 Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p.93-113. Dissertações e Teses Silva LCB. Aspectos da fotoestimulação intermitente em pacientes com epilepsia: Teófilo Otoni [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 2000. Attenhofer Jost CH, Connolly HM, O'Leary PW, Warnes CA, Tajik AJ, Seward JB. Left heart lesions in patients with Ebstein anomaly. Mayo Clin Proc. 2005; 80(3):3618. Trabalhos de Congressos, Simpósios, Encontros, Seminários e outros APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO a) título do artigo (em português e em inglês); Adolfi M. A terapia familiar. Lisboa: Editorial Veja; 1982. Artigos de periódicos TERMOS DE INDEXAÇÃO - Deverão acompanhar o resumo, um mínimo de 3 e o máximo de 5 palavraschave descritoras do conteúdo do trabalho, utilizando os descritores em Ciência da Saúde - DeCS - da Bireme. Resultados: sempre que possível, os resultados devem ser apresentados em tabelas ou figuras, elaboradas de forma a serem auto-explicativas, e com análise estatística. Evitar repetir dados no texto. Tabelas, quadros e figuras devem ser limitadas a 5 no conjunto e numerados consecutiva e independentemente, com algarismos arábicos de acordo com a ordem de menção dos dados, e devem vir em folhas individuais e separadas, com indicação de sua localização no texto. O autor responsabiliza-se pela qualidade de desenhos, ilustrações e gráficos, que devem permitir redução sem perda de definição. Sugere-se impressão de alta qualidade. Ilustrações coloridas não são publicadas, a não ser que sejam custeadas pelos autores. PÁGINA DE TÍTULO A exatidão das referências é de responsabilidade dos autores. Citações bibliográficas no texto: deverão ser colocadas em ordem numérica, em algarismos arábicos, sobrescrito, após a citação e devem constar da lista de referências. SUBMISSÃO DOS ARTIGOS A submissão dos artigos à Revista Médica Ana Costa implica transferência dos direitos autorais da publicação. Os trabalhos submetidos devem ser originais e acompanhados por uma declaração dos autores de que o trabalho não será publicado em qualquer outra revista no formato impresso ou eletrônico. Os trabalhos serão avaliados por pelo menos dois revisores, em procedimento sigiloso quanto a identidade tanto do(s) autor(es) quanto dos revisores. Todo trabalho que envolva estudo em seres humanos deverá apresentar a carta de aprovação de Comitê de Ética e Pesquisa registrado no CONEP. Caso haja utilização de ilustrações, fotografias e tabelas devem ser de boa qualidade e marcadas no verso somente com o número da figura e o título do trabalho. As legendas devem ser impressas em folhas separadas. Modelo da carta de submissão Título do Artigo: Considerando a aceitação do trabalho acima, o(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) para a Revista Médica Ana Costa, todos os direitos autorais do artigo mencionado, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial em outro meio de divulgação. Declara(m) que o presente trabalho é original, sendo que seu conteúdo não foi ou está sendo considerado para publicação em outro periódico, quer no formato impresso ou eletrônico. Data: Assinatura (s) Os originais deverão ser enviados para o Hospital Ana Costa - Divisão de Ensino, rua Pedro Américo, 60 - 10º andar, CEP 11075-905, Santos/SP, Brasil. Enviar os manuscritos à Revista Médica Ana Costa em duas cópias, impressos em papel sulfite A4, preparados em espaço duplo, com fonte Times New Roman, tamanho 12. Após as correções sugeridas pelos revisores, a forma definitiva do trabalho deverá ser encaminhada em uma via impressa e em disquete 3 ½” ou em CD-ROM. Os originais não serão devolvidos. primeiros autores seguido de et al. As abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão estar de acordo com o Index Medicus. ESTRUTURA DO TEXTO Introdução: deve conter revisão da literatura atualizada e pertinente ao tema, adequada à apresentação do problema e que destaque sua relevância. Não deve ser extensa, a não ser em manuscritos submetidos como Artigo de Revisão. Metodologia: deve conter descrição clara e sucinta, acompanhada da correspondente citação bibliográfica, dos seguintes itens: · procedimentos adotados; Harnden P, Joffe JK, Jones WG, editors. Germ cell tumours V. Proceedings of the 5th Gern Cell Tumour Conference; 2001 Sep 13-15; Leeds, UK. New York: Springer; 2002. Material eletrônico Periódicos eletrônicos, artigos Sabbatini RME. A história da terapia por choque em psiquiatria. Cérebro & Mente [periódico online] dez. 1997/fev. 1998 [Acesso em 12 ago. 2000]; (4). Disponível em: · universo e amostra; http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm · instrumentos de medida e, se aplicável, método de validação, Monografia em um meio eletrônico · tratamento estatístico. Conclusão: apresentar as conclusões relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Se incluídas na seção Discussão, não devem ser repetidas. Agradecimentos: podem ser registrados agradecimentos, em parágrafo não superior a três linhas, dirigidos a instituições ou indivíduos que prestaram efetiva colaboração para o trabalho. Referências: devem ser numeradas consecutivamente na ordem em que foram mencionadas a primeira vez no texto, baseadas no estilo Vancouver. A ordem de citação no texto obedecerá esta numeração. Nas referências com 2 até o limite de 6 autores, citam-se todos os autores; acima de 6 autores, citam-se os 6 São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Entendendo o meio ambiente [monografia online]. São Paulo; 1999. [Acesso em: 8 mar. 1999]; v.1. Disponível em: http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm Anexos e/ou Apêndices: incluir apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto. Caberá à Comissão Editorial julgar a necessidade de sua publicação. Abreviaturas e Siglas: deverão ser utilizadas de forma padronizada, restringindo-se apenas àquelas usadas convencionalmente ou sancionadas pelo uso, acompanhadas do significado por extenso quando da primeira citação no texto. Não devem ser usadas no título e no resumo. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 01 - 31, jan / fev / mar 2014 Índice / Contents Artigo Original Alterações do mapeamento de retina em pacientes portadores de miopia........................................................01 Changes of retinal mapping in patients with myopia Christianne Neves Ruschi, Renata Angelini Morae, Luciana Garcia Iervolino, Paula Carneiro Felici, Érika Alessandra Silvino Rodrigues, Marcos Alonso Garcia e Celso Afonso Gonçalves Exérese de pterígio com transplante conjuntival autólogo: um ano de seguimento..........................................04 Pterygium surgery with conjunctival autograft transplantation: one year follow-up Luciana Garcia Iervolino, Lucas Holdack, Maria Lucia de Almeida David Gibelli e Erika Alessandra Galembeck Silvino Rodrigues Artigo de Revisão Arterite temporal...................................................................................................................................................07 Temporal arteritis Amanda Garcia de Brito, Lucas Holdack, Luciana Garcia Iervolino, Celso Afonso Gonçalves e Marcos Alonso Garcia Câncer de pulmão não pequenas células – novas estratégias de tratamento com terapia molecular.......................................................................................................................................11 Lung cancer non-small cell (NSCLC) - new treatment strategies with molecular therapy Nayara Zortéa Lima e Sueli Monterroso da Cruz Relato de Caso Síndrome da megabexiga-microcolo-hipoperistaltismo intestinal.......................................................................14 The megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome Bárbara Fernandes Carrasco da Silva e Rita de Cássia Fernandes Simões Torção de baço errante: causa rara de dor abdominal em crianças.....................................................................16 Torsion of wandering spleen: a rare cause of abdominal pain in children Clarissa Santos Souza e Rita de Cássia Fernandes Simões Doença de Werdnig-Hoffmann...............................................................................................................................19 Werdnig-Hoffmann disease Cláudia Maria Pechini Bento e Renata Almeida de Souza Carmo Incontinência urinária de esforço recidivada – opções terapêuticas: sling espiral...............................................22 Refractory stress urinary incontinence: spiral sling as therapeutic option Gabriel Marques Fávaro e André Luiz Farinhas Tomé Abdome agudo devido torção de ovário causado por teratoma de ovário em crianças......................................25 Acute abdomen due to ovarian torsion caused by ovarian teratoma in children Juliana Gasparina Gaspar Ribeiro e Juliana Ribeiro Cruz de Barros Implante de lente intra-ocular multifocal em paciente com distrofia endotelial de Fuchs..................................27 Multifocal IOL implant in a Fuchs endothelial distrophy patient Rodolpho Sueiro Felippe, Marcos Alonso Garcia e Celso Afonso Gonçalves3 Pleurostomia associada à tuberculose...................................................................................................................29 Tuberculosis associated with thoracostomy Beatriz Miyuki Kinjo e Egydio Pacheco Junior Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 01 - 31, jan / fev / mar 2014 2 Artigo Original Alterações do mapeamento de retina em pacientes portadores de miopia Changes of retinal mapping in patients with myopia Christianne Neves Ruschi1 Renata Angelini Moraes1 1 Luciana Garcia Iervolino 2 Paula Carneiro Felici Érika Alessandra Silvino Rodrigues3 Marcos Alonso Garcia3 4 Celso Afonso Gonçalves RESUMO Objetivo: descrever os achados do mapeamento de retina em pacientes portadores de miopia. Métodos: foi realizado um estudo prospectivo, em um período de quatro meses, em pacientes com indicação de mapeamento de retina no serviço de oftalmologia do Hospital Ana Costa e que apresentavam diagnóstico de miopia. Resultados: foram identificados 29 (83%) pacientes apresentando o mesmo tipo de miopia em ambos os olhos e 06 (17%) pacientes com classificação diferente de miopia nos dois olhos. Em 23 olhos (33%), foram encontrados fundos míopes, sendo que cinco olhos (7%) estavam relacionados à miopia baixa, nove olhos (13%) à miopia moderada e nove olhos (13%) à miopia alta. Em cinco olhos (7%), foram encontrados estafiloma, sendo que um olho (2%) estava relacionado à miopia baixa e quatro olhos (6%) relacionados à miopia alta. Em nove olhos (13%), foram encontrados crescente peripapilar, estando os 9 olhos (13%) relacionados à miopia alta. Em 19 olhos (27%) foram encontradas denegerações periféricas (lattice, opérculo, branco sem pressão, pavingstone, horseshoe), estando seis olhos (9%) relacionados com miopia média, sete olhos (10%) relacionados com miopia moderada e 6 olhos (9%) com miopia alta. Conclusão: o fundo míope foi o achado mais encontrado nos olhos examinados, em segundo lugar de frequência vieram as degenerações periféricas. Em seguida, observou-se o crescente papilar e, por último, o estafiloma. ABSTRACT Objective: To describe the findings of retinal mapping in patients with myopia. Methods: A prospective study was conducted in the eye clinic ofHospital Ana Costa during a period of 4 months in patients with indication for retinal mapping and a diagnosis of myopia. Results: 29 patients (83%) were identified with the same kind of myopia in both eyes and 6 of them (17%) with a different classification of myopia in both eyes. In 23 eyes (33%), myopic fundus were found, and that 5 eyes (7%) were related to low-myopia, 9 eyes (13%) to moderate-myopia and 9 eyes (13%) to high-myopia. In 5 eyes (7%) were found staphyloma and that 1 eye (2%) was related to low-myopia and four eyes (6%) related to high-myopia. In 9 eyes (13%) peripapillary crescents were found, with 9 eyes (13%) related to high myopia. In 19 eyes (27%) peripheral degeneration (lattice, operculum, white without pressure, pavingstone, horseshoe) was found, with 6 eyes (9%) related to low-myopia, 7 eyes (10%) related to moderate-myopia and 6 eyes (9%) with highmyopia. Conclusion: Myopic fund is the most common change, followed by peripheral degeneration, peripapillary crescent and staphyloma. Key words: Myopia/Retinal Mapping. Myopia/Complications. Myopia/Refraction. Myopia/Diopter. Descritores: Miopia/Mapeamento Retina. Miopia/Complicações. Miopia/Refração. Miopia/Dioptria. Introdução A miopia é uma das cinco maiores causas de cegueira legal em todo mundo1. O déficit visual ocorre em idade precoce, comparado com a faixa etária das outras quatro principais causas: catarata, retinopatia diabética, glaucoma e degeneração macular relacionada à idade, que ocorrem décadas depois. Do ponto de vista social, a miopia causa um enorme impacto, pois pode alterar o desempenho de indivíduos na etapa produtiva de suas vidas1. A miopia pode ser dividida em fisiológica e patológica. A miopia fisiológica, de longe a forma mais prevalente, é menor que –6 dioptrias esféricas (DE) em magnitude e considerada uma variação biológica normal. Olhos que apresentam erros refrativos maiores que –6 (DE) são definidos como altos míopes. Um subgrupo dos altos míopes tem comprimento axial que não se estabiliza durante a fase adulta. A fisiopatologia dessa forma progressiva e degenerativa de miopia é desconhecida. A miopia patológica, degenerativa ou progressiva apresenta-se mais frequentemente nas miopias maiores que - 6DE2,3. Duke-Elder define a miopia degenerativa como o tipo de miopia acompanhada por alterações degenerativas que ocorrem, particularmente, no segmento posterior do globo ocular 3 . A alta miopia é freqüentemente associada com prolongamento excessivo e progressivo do olho, resultando em uma variedade de alterações fundoscópicas, associadas com graus variáveis de perda visual4,5. Essas alterações acometem desde a fóvea até a periferia retiniana. A miopia, além de aumentar o risco de descolamento de retina (DR) , favorece o aparecimento precoce de lesão retiniana, por causa direta – pela deficiência da matriz que une os fotorreceptores ao epitélio pigmentado retiniano e/ou pela alteração do mecanismo de bomba do epitélio pigmentado retiniano; ou por causa indireta – 1) Residente de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Médica Estagiária do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 3) Médico oftalmologista, Preceptor de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 4) Mestre pelo Curso de Pós-Graduação em Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina; Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos e Assistente da Disciplina de Oftalmologia da Universidade Metropolitana de Santos. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Christianne Neves Ruschi - Rua José Caballero 60 – 11055-300 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/10/2013; aceito para publicação em: 12/04/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2014 01 pelo estiramento da retina, deixando-a suscetível a lesões degenerativas e roturas causadas por uma menor resistência à tração vítreo-retiniana6. Dentre as causas de cegueira associadas a olhos míopes, predominam as alterações do segmento posterior do bulbo ocular, como: descolamento regmatogênico da retina, alterações degenerativas maculares, estafilomas posteriores com ectasia macular, neovascularização subretiniana macular, buraco de mácula e glaucoma. O descolamento regmatogênico está associado às degenerações periféricas de retina, as quais são identificadas por meio da observação clínica, podendo ser classificadas pela morfologia, prognóstico e predisposição ou não ao descolamento regmatogênico de retina7. O objetivo deste estudo é avaliar o mapeamento de retina em pacientes portadores de miopia e relacioná-las às dioptrias. Em 23 olhos (33%), foram encontrados fundos míopes, sendo que cinco olhos (7%) estavam relacionados à miopia baixa, nove olhos (13%) à miopia moderada e nove olhos (13%) à miopia alta. Em cinco olhos (7%) foram encontrados estafiloma, sendo que um olho (2%) estava relacionado à miopia baixa e quatro olhos (6%) relacionados à miopia alta. Em nove olhos (13%), foram encontrados crescente peripapilar, estando os nove olhos (13%) relacionados à miopia alta. Em 19 olhos (27%) foram encontradas denegerações periféricas ( lattice, opérculo, branco sem pressão, pavingstone, horseshoe), estando seis olhos (9%) relacionados com miopia média, sete olhos (10%) relacionados com miopia moderada e 6 olhos (9%) com miopia alta – Tabela 2. Alterações fundoscópicas olhos fundo míope 23 olhos (33%) Métodos Foi realizado um estudo prospectivo, em um período de quatro meses, em pacientes com indicação de mapeamento de retina no Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa e que apresentavam diagnóstico de miopia. Os dados obtidos dos pacientes foram idade, sexo, achados no mapeamento de retina (MR) e refração. Utilizamos como critérios de exclusão história de cirurgia ocular prévia, diabetes e ceratocone. Foram submetidos a exame de mapeamento de polo posterior e periferia retiniana com colírio de ciclopentolato a 1% e fenilefrina a 10%. Todos os exames oftalmológicos foram realizados pelo mesmo examinador. Neste estudo foi utilizada a classificação de Otsuka8, que relaciona o grau de ametropia com as alterações retinianas anatômicas e estruturais, que segundo o exame de refração divide a miopia em três categorias dependendo do equivalente esférico: Miopia baixa (-1,00 e -3,00 dioptrias esféricas), Miopia moderada (-3,25 e -6,00 dioptrias esféricas.) e Miopia alta (superior a -6,00 dioptrias esféricas). miopia moderada: 9% miopia alta : 9% estafiloma 5 olhos (7%) miopia baixa: 1 miopia alta: 4% crescente peripapilar 9 olhos (13%) miopia alta: 9% degenerações periféricas 19 olhos (27%) miopia baixa: 6 % miopia moderada: 7% miopia alta: 6% Tabela 2 - Freqüência de alterações fundoscópicas encontradas na miopia. Resultados Foram examinados 70 olhos míopes de 35 pacientes, sendo 28 pacientes do sexo feminino e sete pacientes do masculino. A média de idade da população estudada foi de 33 anos, variando de 12 a 66 anos. O grau de miopia variou de -1,00 DE à -23,00 DE. De acordo com a classificação dos pacientes segundo tipo de miopia, foram identificados 29 (83%) pacientes apresentando o mesmo tipo de miopia em ambos os olhos e seis (17%) com classificação diferente de miopia nos dois olhos. A miopia baixa foi detectada em 14 pacientes – Tabela 1. Esse tipo de miopia ocorreu em ambos os olhos em 10 pacientes e em apenas um dos olhos em quatro pacientes, perfazendo um total de 24 (34%) olhos. A miopia moderada foi identificada em 14 pacientes, sendo em ambos os olhos em 10 pacientes e em apenas um dos olhos em 4 pacientes, somando 24 (34%) dos olhos. A miopia alta, identificada em 12 pacientes, era bilateral em 12 e unilateral em dois pacientes, totalizando 22 (32%) olhos. Classificação da miopia olhos miopia baixa 24 olhos (34 %) miopia moderada 24 olhos (34 %) miopia alta 22 olhos (32%) Tabela 1 – Distribuição dos olhos estudados segundo o tipo de miopia. 02 miopia baixa: 5% Discussão No estudo em questão foi verificado que dos pacientes míopes submetidos ao mapeamento de retina, 80 % destes eram do sexo feminino. Ao observar, porém, que o número de mulheres acometidas era superior aos homens9,10, faz-se algumas justificativas para tentar solucionar a questão. Devido à maioria dos costumeiros e culturais trabalhos femininos (costura, tricô, crochê, etc), as mulheres se esforçam mais visualmente que os homens; fatores hormonais diferentes; o não uso de óculos pelas mulheres; fatores genéticos e outros; poder-se-ia supor a justificativa adequada aos dados encontrados. Não se encontra, entretanto, embasamento científico na literatura para esclarecer melhor essas teorias11. Em comparação com a miopia simples, que envolve um baixo grau de ametropia e um fundo ocular relativamente saudável, a miopia patológica é caracterizada pela presença de alterações degenerativas que ocorrem no segmento posterior de olhos com miopia elevada. Este tipo de miopia encontra-se muitas vezes associado ao alongamento extremo do eixo ântero-posterior do globo ocular. Foram encontradas alterações fundoscópicas nas três categorias de miopia, porém das quatro alterações encontradas ( fundo míope, estafiloma, crescente peripapilar e degenerações eriféricas) todas estavam presentes na alta miopia. A presença e desenvolvimento das lesões acima referidas dependem do grau da ametropia em questão, sendo que um sujeito com miopia mais elevada está predisposto a desenvolver lesões mais graves12. Consideramos que é freqüente a presença de alterações fundoscópicas em pacientes com miopia e observamos que tais alterações podem, de forma variada, cursar com baixa visual. Devemos ter especial atenção nestes pacientes, devido ao risco Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2014 aumentado de descolamento de retina. O profissional que examina esses pacientes deve estar familiarizado com a diferenciação entre lesões predisponentes e não predisponentes, pois em boa parte das lesões esse diagnóstico vai ser importante. Desta forma, é preciso que seja feita uma avaliação de forma contínua para que se possa detectar qualquer anormalidade ou evolução de alterações já existentes, e se faça um acompanhamento adequado, podendo prevenir o desenvolvimento de alterações mais graves que levem à diminuição ou mesmo à perda da visão. Referências 1. Waring GO. Myopia. In: Myopia: surgery. St. Louis: Mosby; 1992. p. 4-15. 2. Lins AO, Going M, Garcia MA. Degenerações periféricas da retina em pacientes candidatos à cirurgia refrativa. Rev Méd Ana Costa. 2010;15(1):7-9. 3. Duke-Elder S. Pathological refractive errors. In: Duke-Elder S, ed. System of Ophthalmology. St. Louis: Mosby; 1970. 4. Tokoro T. On the definition of pathologic myopia in group studies. Acta Ophthalmol Suppl. 1988;185:107-8. 5. Tano Y. Pathologic myopia: where are we now? Am J Ophthalmol. 2002;134(5):645-60. 6. Buttram VC, Reiter RC. Uterine leiomyomata: etiology,symptomatology and management. FertilSteril. 1981;36:433-5. 7. Kansky JJ. The classification and terminology of peripheral retinal degenerations. Mod Probl Ophthalmol. 1975;15:103-11. 8. Otsuka J. Research on the etiology and treatment of myopia. Acta Soc Ophthalmol Jpn. 1967;71:13. 9. Moreira H, Maia M, Maia EM, Godoy G, Huss HHA. Aspectos sôcioeconômicos do uso dos óculos no Hospital de Clínicas da UFPR. Arq Bras Oftalmol. 1997;60(4):354. 10. Cavalcanti SJL, Lopes RACE, Carvalho RF. Anomalias refrativas em população escolar. Arq Bras Oftal. 1996;59(4):352. 11. Barros E, Dias V. Incidência das ametropias no Hospital Universitário em Campo Grande (MS) entre 1996 e 1998. Arq Bras Oftal. 2000;63(3):207. 12. Morales PHA, Farah ME, Lima AL, Alleman N, Bonomo PP. Degenerações Periféricas da retina em pacientes candidatos à cirurgia refrativa. Arq Bras Oftalmol. 2001;64:27-32. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 1 - 3, jan / fev / mar 2014 03 Artigo Original Exérese de pterígio com transplante conjuntival autólogo: um ano de seguimento Pterygium surgery with conjunctival autograft transplantation: one year follow-up 1 Luciana Garcia Iervolino Lucas Holdack1 2 Maria Lucia de Almeida David Gibelli 3 Erika Alessandra Galembeck Silvino Rodrigues RESUMO Objetivo: avaliar a taxa de recidiva e complicações pósoperatórias em exérese de pterígio com transplante autólogo de conjuntiva e comparar a evolução dos pacientes submetidos às técnicas de sutura do enxerto e de fixação com cola biológica. Métodos: estudo comparativo e prospectivo foi realizado em 42 olhos de 41 pacientes com pterígio primário. O grupo 1 foi constituído de 30 pacientes submetidos à fixação do enxerto com sutura simples, e o grupo 2 foi constituído de 11 pacientes com fixação com cola biológica. Resultados: apenas 27 pacientes seguiram acompanhamento após um ano do procedimento cirúrgico, totalizando 20 olhos do grupo 1 e oito do grupo 2. Entre esses pacientes, 64,28% tinham pterígio Grau II. A dor foi graduada de zero a dez de forma subjetiva pelos pacientes, com média de 7,15 no grupo 1 e de 4,87no grupo 2, avaliada no primeiro pós-operatório. A taxa de recidiva foi de 10,71% do total, com 15% no grupo 1 e 0% no grupo 2. Entre os três casos de recidiva, dois desses pacientes (66,67%), relatavam exposição solar maior que quatro horas diárias. Em todos os casos, a recidiva ocorreu em menor grau que o pterígio primário e em até seis meses de pós-operatório. Conclusão: o uso da cola biológica nas cirurgias de pterígio teve impacto positivo na sintomatologia dos pacientes no pósoperatório e benefício nos índices de recidiva pós-excisão cirúrgica, justificando a preferência de seu uso em relação à sutura, apesar do custo mais elevado. Descritores: Pterígio. Túnica Conjuntiva/Transplante. Adesivo Tecidual de Fibrina. Suturas. ABSTRACT Introduction: Pterygium is a fibrovascular neoformation that develops toward the cornea. Clinical therapy can be adopted, however, when surgery is indicated, pterygium surgery with conjunctival autograft transplantation is the method of choice. Methods: A prospective comparative study was performed on 42 eyes of 41 patients with primary pterygium. Group 1 consisted of 30 patients undergoing graft fixation with simple suture, and group 2 consisted of 11 patients with fixation with biological glue. Results: Only 27 patients were followed up one year after the surgical procedure, a total of 20 eyes in group 1 and 8 in group 2. Among these patients, 64.28% had Grade II pterygium. The pain was graded from zero to ten subjectively by patients, with a mean of 7.15 in group 1 and 4.87 in group 2, evaluated on the first postoperative. The recurrence rate was 10.71% of the total, with 15% in group 1 and 0% in group 2. Among the three cases of recurrence, two patients (66.67%) reported sun exposure for more than four hours daily. In all cases, the recurrence occurred to a lesser degree than the primary pterygium and until six months postoperatively. Conclusion: The the use of fibrin glue in pterygium surgery had a positive impact on the symptoms of patients postoperatively and benefit in the rates of recurrence after surgical excision, justifying the preference of its use in relation to the suture, despite the higher cost. Purpose: To evaluate the recurrence rate and postoperative complications for pterygium surgery with conjunctival autografts and compare the outcomes of patients undergoing the techniques of suturing the graft and fixation with biological glue. Key words: Pterygium. Conjunctiva/Transplantation. Fibrin Tissue Adhesive. Sutures. 1) Médico residente do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa , Santos/SP 2) Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos, Santos/SP. 3) Médica do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP; especialista em córnea pela Santa Casa de São Paulo. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Luciana Garcia Iervolino, Av. Bartolomeu de Gusmão, 16 ap. 22, 11045-400, Santos/SP. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 05/02/2013; publicado online em: 10/04/2014. 04 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2014 Introdução A palavra pterígio deriva do grego pterygion e significa asa1,2. Consiste em uma neoformação fibrovascular de formato triangular ou trapezoidal, que se desenvolve a partir da conjuntiva em direção à córnea, geralmente situado no setor nasal2. Acredita-se que seja causado e agravado pela exposição à radiação ultravioleta, microtraumatismos e inflamações crônicas3. A prevalência do pterígio varia de acordo com a população analisada, diferindo segundo raça, latitude e exposição solar, sendo que sua incidência pode variar de 4 a 11% em climas tropicais2,3. Em geral, terapia clínica pode ser adotada, porém, há indicação cirúrgica nas seguintes circunstâncias: perda visual induzida por astigmatismo ou acometimento do eixo visual, deformidade cosmética importante, desconforto e irritação ocular sem melhora com terapia clinica, limitação da motilidade ocular extrínseca e documentação de avanço da lesão até a proximidade do eixo visual2,4,5. Diferentes modalidades cirúrgicas existem para a abordagem terapêutica, entre elas destacam-se: excisão simples (esclera nua), excisão com rotação de retalho, excisão com ceratoplastia lamelar, transplante autólogo de conjuntiva e transplante de membrana amniótica4. A taxa de recorrência varia de técnica para técnica podendo chegar a 46% em um a sete anos, segundo estudo realizado em Queensland, Australia, que analisou diversas técnicas (exceto transplante autólogo). Em 1985, Kenyon et al. descreveram um taxa de recorrência de 5,3% em pacientes com pterígio primário ou recidivado, tratados com transplante autólogo. No entanto este estudo foi realizado em Boston, onde os níveis de ultravioleta são relativamente baixos. Posteriormente, um estudo com amostra menor, realizado no Caribe, demonstrou taxa de recidiva de 16%, revelando a maior recorrência em populações expostas a altos níveis de ultravioleta6. Estudos posteriores reforçaram esta correlação entre pterígio e radiação ultravioleta e destacaram, também, outros fatores genéticos, histopatológicos, angiográficos e morfológicos na patologia em questão7,8. Atualmente, a cirurgia de pterígio com transplante autólogo é o método cirúrgico de primeira escolha para pterígios primários e recorrentes, devido a sua baixa taxa de recidiva e complicações pós-operatórias. Possui, no entanto, inconvenientes inerentes à técnica, como longo tempo cirúrgico e desconforto devido às suturas do enxerto9. O presente estudo tem por objetivo avaliar a taxa de recidiva e complicações pós-operatórias em transplante autólogo de conjuntiva, com uso de nylon 10.0 para fixação do enxerto conjuntival, em pterígios primários. Visa também, comparar a evolução de pacientes submetidos à mesma técnica cirúrgica, todavia, com fixação com cola biológica. conjuntiva. Sequencialmente, foi realizado enxerto de conjuntiva ipsilateral superior, com fixação do mesmo no local de exérese através de sutura com fio mononylon 10.0. Em 11 desses pacientes, a fixação foi realizada com cola biológica ao invés da sutura simples, sendo que a escolha dos grupos foi aleatória (figs 1 e 2). Os pacientes foram avaliados quanto a idade, sexo, raça, historia familiar, exposição solar diária (menor que 2 horas, entre 2 e 4 horas e maior que 4 horas), graduação de dor no primeiro dia de pós operatório (0 a 10), complicações, grau de satisfação(0 a 10) e recidiva, sendo acompanhados por um ano. Figura 1 – Início do procedimento cirúrgico com remoção da porção corneana do pterígio com bisturi lâmina 15. Métodos Foram incluídos 42 olhos de 41 pacientes com pterígio primário, operados no período de março a novembro de 2011. Todos os pacientes procuraram espontaneamente o Serviço de Oftalmologia do Município de Bertioga, sendo provenientes da região e realizaram a cirurgia de pterígio no Hospital Municipal de Bertioga. Os pterígios foram graduados por meio de biomicroscopia, de acordo com sua extensão corneana a partir do limbo, em: Grau 1, quando o acometimento ocorria ate 2mm; Grau 2, entre 2 e 4mm e Grau 3, acima de 4mm. Foram excluídos do estudo pacientes portadores de glaucoma ou com pterígio recidivado. Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião, utilizando a técnica que se segue: após instilação de colírio anestésico de tetracaína 1% e anestesia local com lidocaína a 2% com vasoconstrictor, foi realizada a exérese do pterígio, iniciandose pela sua porção corneana com lâmina fria, seguida de remoção do corpo do pterígio e limpeza de cápsula de tenon com tesoura de Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2014 Figura 2 – Pterígio totalmente removido, com confecção de transplante conjuntival autólogo superior rebatido em direção á córnea. Resultados Dos 41 pacientes operados, apenas 27 (65,85%) seguiram acompanhamento após um ano do procedimento cirúrgico, totalizando 20 olhos operados com sutura simples (Grupo 1) e 8 operados com fixação do enxerto com cola biológica (Grupo 2). Foram avaliados 14 homens (51,85%) e 13 mulheres (48,15%). Quanto à raça, oito pacientes disseram-se caucasianos, 10 pardos 05 e nove negros. Do total, 64,28% dos pacientes tinham pterígio Grau II. A média de idade do grupo 1 foi 47,35 anos (28-72) e do grupo 2 foi 43,62 anos (23-72). A dor referida no primeiro pós-operatório pelos pacientes, graduada de forma subjetiva pelos paciente, de zero a dez, encontra-se na Tabela 1. similar, a terapia pós-operatória foi igual, os pacientes eram provenientes da mesma área geográfica e o período de seguimento foi igual para os dois grupos. Além da sutura, a quantidade de exposição solar também pode ser associada às taxas de recidiva, visto que 66,67% dos pacientes com recidiva relatavam exposição solar maior que quatro horas diárias. Atualmente, o distúrbio de células-tronco presentes no limbo causado pela exposição à radiação ultravioleta é a explicação mais aceita para a ocorrência do pterígio, podendo associar-se também com sua recidiva 7,8,11. Conclusão Tabela 1 – Graduação da dor referida pelos pacientes segundo técnica operatória. Dentre os olhos submetidos à excisão do pterígio, a taxa de recidiva foi de 10,71%. Comparando-se as técnicas operatórias, o índice de recidiva no presente estudo foi de 15% no grupo de sutura e 0% no grupo submetido à cola biológica. Houve três casos de recidiva, sendo que dois desses pacientes (66,67%), relatavam exposição solar maior que quatro horas diárias. Em todos esses casos, a recidiva ocorreu em menor grau que o pterígio primário e de forma precoce, em até seis meses de pós-operatório – Tabela 2. Tabela 2 – Características dos pacientes que apresentaram recidiva. Um paciente do estudo apresentou deiscência de sutura no terceiro dia de pós-operatório, após ter manipulado os olhos vigorosamente. Houve formação de granuloma no local do enxerto com três meses de pós-operatório e remoção cirúrgica do mesmo após seis meses, por falta de resposta a terapia tópica. Discussão A maioria das cirurgias do estudo foi realizada com sutura devido ao alto custo da cola biológica o que inviabiliza sua utilização corriqueira no Sistema Único de Saúde. A graduação de dor teve intensidade maior no Grupo 1, com sutura simples com nylon 10.0, do que no grupo dois, de cola biológica. O mesmo benefício foi encontrado por Koranyi et al, que comparou em seu estudo, sutura com vicryl 7.0 e cola biológica, constatando menos desconforto e menor tempo de cirurgia no grupo da cola10. A taxa de recidiva do estudo, 10,71%, está de acordo com a literatura, com variação de 2 a 39% dependendo da técnica cirúrgica utilizada, assim como o período de recorrência que ocorreu durante os seis primeiros meses pós- cirurgia1,9. Todas as recidivas do estudo ocorreram no grupo 1, o que poderia ser explicado pela maior inflamação induzida pela sutura.9 Segundo Lani et al., a taxa de recidiva pode ser influenciada por fatores relacionados com a resposta do hospedeiro, a idade, as variações da técnica empregada, uso de terapia adjuvante, diferentes medicações utilizadas no pós operatório, localização geográficas da população estudada, a duração do período de seguimento e pela definição de recorrência empregada.4 Cruz et al.8 demonstraram que a inflamação no pós-operatório aumentava a chance de recorrência, o que poderia explicar a diferença entre os dois grupos, visto que a média de idade dos pacientes era 06 O uso da cola biológica nas cirurgias de pterígio teve impacto positivo na sintomatologia dos pacientes no pós-operatório e benefício nos índices de recidiva pós-excisão cirúrgica, justificando a preferência de seu uso em relação à sutura, apesar do custo mais elevado. Referências 1. Miranda-Rollón MD, Perez Gonzalez LE, Omarrementería AS, Rodriguez RM, Hernández BP, Moreno JJ. Cirurgía Del Pterigión:Estudio Comparativo entre autoinjerto conjuntival con sutura y con adhesivo tisular. Arch Soc Esp Oftalmol. 2009;84:179-84. 2. Pastor- Vivas AI, Alba NA, Veja MIG, Arino-Gutiérrez M, Sandoval BG, Alfaro IJ. Cuantificación y cualificación del dolor postquirúrgico em la cirugía de pterigión con autoinjerto conjuntival. Arch Soc Esp Oftalmol. 2011;86(6):176-9. 3. Rubin MR, Dantas PEC, Nishiwaki-Dantas MC, Felberg S. Eficácia do adesivo tecidual de fibrina na fixação de enxerto conjuntival autógeno em cirurgias de pterígio primário. Arq Bras Oftalmol. 2011;74(2):123-6. 4. Lani AH, Lani LA. Transplante autólogo de conjuntiva em pterígio primário. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(1):99-102. 5. Ferraz FHS, Schellini SA, Hoyama E, Bernardes SR, Padovani CR. Pterígio e alterações da curvatura corneana. Arq Bras Oftalmol. 2002; 65:533-6. 6. Allan BDS, Short P, Crawford GJ, Barrett GD, Constable IJ. Pterygium excision with conjuntival autografting: an effective and safe technique. British Journal of Ophthalmology 1993;77:698-701. 7. Solomon AS. Pterygium. Br J Ophthalmol. 2006;90(6):665-6. 8. Cruz BA, Martorell JA. Factores predictivos de recurrencia del pterigium primário. Rev Cub Oftalmol. 2008;21(2). 9. Ghanem RC, Oliveira RF, Furlanetto E, Ghanem MA, Ghanem VC. Transplante autólogo de conjuntiva com uso de cola de fibrina em pterígios primários. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(4):350-3. 10. Koranyi G, Seregard S, Kopp ED. Cut and paste: a no suture, small incision approach to pterygium surgery. Br J Ophthalmol. 2004;88(7):911-4. 11. Cruz BA, Martorell JA. Relación de la radiación ultravioleta y el pterigión primário. Rev Cub Oftalmol. 2009; 22(1). Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 4 - 6, jan / fev / mar 2014 Artigo de Revisão Arterite temporal Temporal arteritis 1 Amanda Garcia de Brito Lucas Holdack1 Luciana Garcia Iervolino1 Celso Afonso Gonçalves3 2 Marcos Alonso Garcia RESUMO A arterite de células gigantes é uma vasculite de etiologia desconhecida que afeta artérias de médio e grande calibre em pacientes com idade acima de 50 anos, ocasionando grande variedade de sintomas e sinais, sendo os mais freqüentes adinamia, perda de peso, cefaléia, dolorimento do couro cabeludo, polimialgia reumática, perda de visão, febre e claudicação da mandíbula. A tríade de dor na região temporal, claudicação da mandíbula e perda de visão tem sido considerada altamente sugestiva do diagnóstico da ACG. Esses transtornos ocorrem em mulheres mais do que em homens e são propagados por mecanismos imunes celulares (Th1), estimulados por antígenos associados a marcadores genéticos específicos e são altamente responsivos a corticosteróides. A ACG difere das outras formas de vasculites porque a pele, pulmões e rins são raramente afetados. A doença pode começar abruptamente, ou pode se iniciar gradualmente, por períodos de meses, antes de se tornar clinicamente reconhecível. ABSTRACT The giant cell arteritis is a vasculitis of unknown etiology that affects arteries of medium and large caliber in patients aged over 50 years causing a variety of symptoms and signs, the most frequent weakness, weight loss, headache, soreness of scalp, polymyalgia rheumatica, vision loss, fever and claudication of the jaw. The triad of pain in the temporal region, jaw claudication and loss of vision has been considered highly suggestive of the diagnosis of GCA. These disorders occur in women more than men and are propagated by cellular immune mechanisms (Th1), stimulated by antigens associated with specific genetic markers and are highly responsive to corticosteroids. The GCA differs from other forms of vasculitis because skin, lungs, and kidneys are rarely affected. The illness begins abruptly or gradually, periods of months and before becoming clinically recognizable. Key words: Temporal Arteritis. Giant Cell Arteritis. Horton Disease. Descritores: Arterite Temporal. Arterite de Células Gigantes. Doença de Horton. Introdução A arterite temporal representa uma condição importante que deve ser lembrada frente a todo paciente com neuropatia óptica isquêmica. Também denominada arterite de células gigantes, doença de Horton ou arterite craniana, é uma vasculite granulomatosa crônica, da pessoa idosa com inúmeras manifestações clínicas sendo a principal delas a perda visual. Quando não tratada pode levar a cegueira irreversível em mais de 50% dos casos, o que geralmente pode ser evitado com o tratamento adequado. Representa, portanto, uma condição cujo diagnóstico e tratamento devem ser estabelecidos em caráter de urgência. Apesar de cursar com inúmeras manifestações sistêmicas, muitas delas levam a queixas inespecíficas que são difíceis de valorizar em um primeiro momento pela maioria dos médicos clínicos. Por outro lado, as manifestações neuroftamológicas, especialmente a NOIA, são muito sugestivas da doença e permitem que se levante a suspeita diagnóstica de imediato1,2. A arterite temporal aparentemente foi reconhecida desde a Antiguidade. Na idade moderna, mais especificamente na literatura de língua inglesa, a doença foi descrita pela primeira vez por Huctchinson, em 1890 e bem estabelecida como entidade nosológica, por meio da descrição do curso clínico característico e do relato anatomopatológico, por Horton em 1932. Apesar de tão antiga a doença ainda tem sua fisiopatologia pouco conhecida e continua a ser um desafio para neurologistas oftalmologistas, reumatologistas, clínicos gerais e todos aqueles envolvidos com pacientes geriátricos1. A mortalidade pela arterite temporal decorre principalmente de fatores secundários e raramente a fatores diretos, como a ruptura aórtica. Contudo, são cada vez maiores tanto a mortalidade quanto a morbidade associada a essa vasculite, devido principalmente as suas manifestações clínicas, a idade da população afetada e a relativa agressividade terapêutica2. Por tratar-se de uma doença multi-sistêmica, de diagnóstico tardio e crescente morbimortalidade, demonstra-se a necessidade da realização de uma revisão de literatura, buscando elucidar seus sinais e sintomas clínicos2. Revisão da literatura A arterite temporal acomete quase que exclusivamente pacientes 1) Residente de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Médico Oftalmologista, Preceptor de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 3) Médico Oftalmologista, Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – 10 andar, 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: /2013; publicado online em: /2013. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 7 - 10, jan / fev / mar 2014 07 idosos, sendo a idade média de início dos sintomas em torno de 70 anos. Raros são os relatos de afecção abaixo de 50 anos de idade e muitos deles questionáveis, possivelmente decorrentes de outras vasculites sistêmicas envolvendo a artéria temporal. Do ponto de vista prático, portanto, a doença deve ser considerada apenas em indivíduos acima de 50 anos e mais fortemente acima dos 60 anos de idade1. A incidência da doença situa-se entre 15 a 30 casos por 100.000 habitantes acima de 50 anos. Acredita-se que exista variação na incidência da afecção dependendo da população estudada, sendo mais freqüente em brancos de origem escandinava do que em africanos. De qualquer forma, a incidência aumenta muito com o avançar da idade. Alguns autores relataram uma incidência de 2,3 por 100.000 habitantes na sexta década de vida que subiu para 44,7 por 100.000 habitantes na nona década de vida. Em pacientes acima de 80 anos, a prevalência da afecção chega a 1%, o que é sugerido por estudos de necrópsia. A maioria das séries estudadas mostra uma predominância da afecção no sexo feminino. No Brasil, a condição já foi considerada muito rara no passado. Provavelmente, esse conceito deve-se ao pouco reconhecimento da afecção, aliado à menor longevidade da população brasileira naquela época. Atualmente, embora não haja dados populacionais a respeito, a arterite temporal deve ser lembrada em nosso meio, tanto quanto em outros países1 Fisiopatologia Embora a etiologia seja ainda desconhecida, sabe-se que a ACG acomete vasos cujas paredes contêm quantidade significante de tecido elástico e raramente afeta vasos com pouca elastina. Esse fato sugere que com a idade a elastina pode tornar-se antigênica e desencadear uma reação inflamatória imunomediada3. A ACG tende a envolver artérias de grande e médio calibre com lâmina elástica proeminente. Em estudo de autópsias de pacientes que morreram na fase ativa da ACG, determinaram as artérias mais afetadas pela doença4. A distribuição das lesões granulomatosas arteriais na ACG está relacionada com a quantidade de tecido elástico nas paredes arteriais. Como as artérias intracranianas têm pouco ou quase nenhum tecido elástico, elas são poupadas pelo processo inflamatório. Por outro lado, as artérias temporais superficiais e vertebrais são severamente acometidas em todos os casos – Tabela 1. As artérias oftálmicas e ciliares posteriores são envolvidas em 75% dos pacientes; os segmentos cavernoso e petroso da artéria carótida interna em cerca de 60% dos casos, enquanto o segmento cervical da artéria carótida interna e artéria carótida comum são envolvidos em menos de 25% dos pacientes3. O acometimento das artérias da cavidade orbitária também guarda relação com a quantidade de tecido elástico que as diferentes artérias contêm em suas paredes. Enquanto as artérias oftálmicas e ciliares posteriores contêm quantidade moderada de tecido elástico, a artéria central da retina contém pouca elastina, principalmente quando penetra na bainha do nervo óptico e, especialmente, após perfurar a substância do nervo. O acometimento da porção proximal da artéria central da retina é observado em 60% dos pacientes e, de sua porção intraneural, em apenas um terço dos casos3. O processo inflamatório típico da arterite de células gigantes está, em geral, superposto às alterações arterioscleróticas encontradas em adultos e pessoas idosas. As lesões inflamatórias são, em geral, distribuídas de maneira esparsa e irregular ao longo do curso dos vasos acometidos. Mais importante, entre todas as alterações, é o processo inflamatório granulomatoso em focos múltiplos, ao longo da lâmina elástica e envolvendo as camadas média e adventícia. Células gigantes multinucleadas são comumente vistas na vizinhança de células musculares degeneradas ou às vezes próximas à elástica fragmentada. A inflamação da adventícia é proeminente3. 08 O envolvimento de nervos e de terminações nervosas na parede e superfície da artéria é responsável pela dor espontânea e à pulsação da artéria3. Quadro clínico As manifestações clínicas podem ter início abrupto ou insidioso e os sintomas sistêmicos podem estar presentes várias semanas ou meses antes do diagnóstico ser suspeitado. Como se trata de uma vasculite sistêmica, os sintomas não oftalmológicos podem ser bastante diversos e incluem: cefaléia1;sensibilidade dolorosa no couro cabeludo, hiperemia na região da artéria temporal1; claudicação da musculatura da língua e da deglutição e espasmos dos músculos da mastigação, denominado de trismo5; claudicação da mandíbula: parece que "cai a mandíbula", sente muita dor e não consegue mastigar ou falar. Ocorre nos casos em que há arterite na artéria facial5; sintomas constitucionais: anorexia, perda de peso, febre, mal-estar; febre, adinamia, inapetência, perda de peso2; polimiagia reumática, mialgias inespecíficas, principalmente pela manhã (o paciente tem um despertar difícil), com rigidez do pescoço e da musculatura da cintura escapular e pélvica1-5; manifestações neurológicas: sintomas decorrentes de estenose, oclusão, embolização a partir das artérias carótida, vertebrais ou basilares e neuropatias periféricas; angina pectoris, insuficiência cardíaca congestiva ou enfarte do miocárdio por comprometimento das coronárias1; insuficiência circulatória em outras regiões, como os membros inferiores, os rins e o intestino1. A cefaléia é o sintoma mais importante e está presente em quase todos os pacientes. Geralmente é grave e tende a localizar-se na região das artérias do couro cabeludo. Pode ser de intensidade suficiente para impedir os pacientes de dormir. No entanto, pode ser mais discreta, transitória e, algumas vezes, manifestar-se de formas atípicas, como dor na região da orelha, da articulação têmporo-mandibular ou mesmo cefaléia inespecífica que pode confundir o diagnóstico. Muitos pacientes apresentam sensibilidade dolorosa ao toque na região do couro cabeludo, o que fica particularmente evidente ao pentear o cabelo. A claudicação da mandíbula, que se caracteriza por uma fadiga e dor na região da mandíbula ao mastigar, é um dos sintomas mais importantes, por ser relativamente específico para a doença. Decorre da isquemia dos músculos da mastigação e, quando presente, reforça muito a suspeita de arterite temporal. Os sintomas gerais tipo anorexia, perda de peso, febre, mal-estar, estão presentes em aproximadamente 50% dos casos, mas são muito inespecíficos e, por si só, dificilmente levam à suspeita diagnóstica. As manifestações neurológicas são menos comuns e resultam do comprometimento das artérias carótidas e vertebrais. Tal comprometimento pode ser causa de morte, da mesma forma que o envolvimento das artérias coronárias. A polimialgia reumática tem uma associação bem conhecida com a arterite temporal e caracteriza-se por dor e enrijecimento dos músculos da região do pescoço, quadris e membros. Essa condição pode ocorrer sem arterite temporal e neste caso responde a doses baixas de corticóide. Em uma pequena proporção, em torno de 10% dos pacientes, a polimialgia reumática se associa a arterite temporal1. Sinais oftalmológicos Críticos: defeito pupilar aferente; perda visual devastadora (freqüentemente conta dedos ou pior); disco edemaciado e pálido, freqüentemente com hemorragia chama de vela. Mais tarde atrofia óptica e escavação ocorrem assim que há a resolução do edema5. Outros: defeito de campo visual (comumente altitudinal ou envolvendo o campo visual central); artéria temporal palpável, dolorosa e não pulsátil; pode ocorrer oclusão da artéria central da retina ou uma paralisia de nervo craniano (especialmente paralisia do sexto nervo)5. As principais manifestações oftalmológicas da arterite temporal Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 7 - 10, jan / fev / mar 2014 são: oclusão da artéria central da retina; neuropatia óptica isquêmica anterior; neuropatia óptica isquêmica posterior; isquemia do quiasma óptico, amaurose fugaz; uveíte isquêmica, hipotonia, pupila tônica, alucinações visuais, ulceração da córnea; catarata, glaucoma, conjuntivite; miose, midríase, síndrome de Horner; diplopia, oftalmoplegia, nistagmo, ptose2,5,6. Embora a neuropatia óptica isquêmica deva sempre levar a suspeita de arterite temporal, deve ser lembrado que a maior parte dos indivíduos apresenta a forma não arterítica da doença (apenas 5 a 10% dos casos da NOIA são causados por arterite temporal). A maior parte dos pacientes com NOIA tem a forma não arterítica da neuropatia óptica isquêmica (NOIA-NA)1. Algumas características na neuropatia óptica isquêmica anterior podem auxiliar na diferenciação da forma arterítica (NOIA-A) (mais grave e de tratamento mais urgente) para a forma não arterítica (NOIA-NA). Assim, a perda visual costuma ser muito mais grave na NOIA-A do que na NOIA-NA. Outros dados auxiliam na diferenciação: a perda visual na NOIA-NA costuma a manifestar pela manhã ao acordar (acredita-se que a hipotensão noturna tenha um papel na sua gênese) enquanto que na arterítica não há preferência. Esta última, por sua vez, pode ser precedida de perda transitória da visão, o que é incomum na NOIA-NA. O disco óptico dos pacientes com NOIA-NA geralmente é pequeno (disco congenitamente cheio) uma vez que nesta afecção geralmente há um fator predisponente local do disco óptico, enquanto que na NOIA-A ocorre em qualquer tipo de papila óptica. Estes dados podem servir para reforçar ainda mais a suspeita de arterite temporal, que, no entanto, deve estar presente em todos indivíduos com neuropatia óptica isquêmica1. A perda visual na arterite temporal pode também decorrer de neuropática óptica isquêmica posterior (sem edema de papila na fase aguda), por oclusão da artéria central da retina ou por síndrome ocular isquêmica. A neuropatia óptica isquêmica posterior é muito menos comum que a anterior, mas também deve levar suspeita de arterite temporal, uma vez que raramente é causada por outra afecção. A oclusão da artéria central da retina deve levar a suspeita de arterite temporal em todo paciente idoso1. Perda transitória da visão pode preceder a NOIA ou a oclusão da artéria central da retina. Portanto, a arterite temporal deve sempre ser incluída no diagnóstico diferencial de amaurose fugaz no idoso1. Diplopia e oftalmoplegia devem levar a suspeita de arterite temporal no idoso, uma vez que ocorre em 12% dos indivíduos acometidos. A etiologia da diplopia pode ser a isquemia dos músculos extra-oculares na orbita, nos nervos oculomotores, troclear e abducente ou isquemia do tronco encefálico1. Dentre as manifestações neurológicas, a principal queixa é a cefaléia. A cefaléia apresentada é nova (iniciada há pouco tempo, em torno de 15 dias a um mês e diferente de outra dor de cabeça, que poderia ter anteriormente). Caracteriza-se por uma dor intensa, uni ou bilateral, com períodos de intensificação, superficial, piora com o contato (pentear cabelo, escovar os dentes, coçar a testa)2. Além desta, pode apresentar uma série de outras manifestações, como: depressão, confusão mental, demência, psicose; infarto ou hemorragia cerebral, episódios isquêmicos transitório; ataxia, tremor, surdez, tinitus, vertigem (manifestações relacionadas a artéria facial; paralisia facial; síncope, convulsões, meningismo, diabetes insípido; mielopatia transversa; neuropatias periféricas2. Essas outras manifestações não são tão freqüentes como a cefaléia, mas em alguns casos é a cefaléia que pode estar ausente, com a presença de outros sintomas (arterite de células gigantes oculta). A perda visual pode ser, neste caso, a primeira manifestação. Esta é uma característica importante, pois cerca de 32% das arterites de células gigantes pode cursar sem cefaléia2. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 7 - 10, jan / fev / mar 2014 Diagnóstico O diagnóstico deve ser suspeitado em todos os pacientes com mais de 50 anos e que apresentem as queixas visuais acima mencionadas e particularmente aqueles que têm neuropatia óptica isquêmica. Cefaléia, dor na região temporal, claudicação de mandíbula, e história de diplopia passageira e perda transitória da visão, bem como as demais queixas sistêmicas acima mencionadas, reforçam muito a suspeita diagnóstica1. Alguns exames laboratoriais são muito importantes no diagnóstico e devem ser solicitados de imediato antes da introdução da terapêutica com corticosteróides – Tabela 21). A velocidade de hemossedimentação (VHS) caracteristicamente se mostra elevada na doença. É difícil estabelecer um valor normal para VHS no idoso. O método mais aceito é que divide a idade do paciente por 2 para se obter o limite superior do valor normal. Nos indivíduos do sexo feminino acrescenta-se 10 à idade e, em seguida, divide-se por 2. Outros autores sugerem diferentes valores com limite superior. Foi sugerido que o valor limite do normal foi de 33 mm para homens e 35 mm para mulheres7. Usando esses valores em um grande numero de casos de arterite temporal, observou que o VHS tem sensibilidade de 92% e especificidade também de 92%. Os pacientes com arterite temporal geralmente apresentam valores muito elevados, mas deve ser lembrado que o VHS pode ser normal nesta doença, especialmente nas suas fases iniciais. Assim, VHS normal não deve servir para excluir definitivamente o diagnóstico em um paciente com características clinicas da doença1. A proteína C reativa é outro exame que pode ser útil na suspeita de arterite temporal. Normalmente presente em quantidades baixa no indivíduo normal, eleva-se quando há dano tissular. Acredita-se que a proteína C reativa é mais sensível (100%) do que a velocidade de hemossedimentação (92%) e que a combinação de ambos foi o que levou a maior especificidade (97%) no diagnóstico da afecção1,7. Os exames laboratoriais podem ainda demonstrar uma anemia moderada, elevação do fibrinogênio sérico e da proteína alfa2. Habitualmente solicitamos para os pacientes suspeitos: hemograma completo, VHS, proteína C reativa e eletroforese de proteínas. É importante salientar que é preferível o método Westergreen do VHS uma vez que pode evidenciar melhor elevação do VHS (os dados acima mencionados referem-se ao VHS por esse método). Outra observação é que, em nosso meio, alguns laboratórios ainda utilizam a determinação de VHS de duas horas, enquanto que os valores acima se referem à de uma hora, de acordo com quase todos os trabalhos nessa afecção. Com relação à proteína C reativa, deve-se salientar que ela é considerada positiva quando se mostra acima de 0,5 mg/dl. Esse valor foi utilizado (o que foi levado a sensibilidade de 100% ao teste), utilizando estes valores, a especificidade da proteína C reativa foi de 83% nas mulheres e 79% nos homens7. No entanto, quando analisou os dados, observou que um valor acima de 2,45 mg/dl é que foi considerado muito sugestivo da doença. Em decorrência disso, é interessante obter proteína C reativa em laboratório que fornecem a dosagem (algumas determinas apenas se é positiva ou negativa), tanto no diagnóstico como na monitoração do tratamento dos pacientes com arterite temporal1. A biópsia da artéria temporal deve ser realizada em todos os pacientes suspeitos da doença. A confirmação diagnóstica com estudo anatomopatológico é importante para justificar a colocação do paciente em regime terapêutico prolongado, com efeitos colaterais possíveis. O achado de artérias normais (sem espessamento, dor ou vermelhidão) ao exame clínico também não deve servir para afastar o diagnóstico de arterite temporal e nem para evitar a biópsia que é sensível em 95% dos casos e, em 100%, específico para a doença. A biópsia deve ser realizada no lado que houver a dor na região temporal e, se possível, no local doloroso. Quando não há dor nessa região, a biópsia inicialmente deve ser feita do lado da perda visual. Quando a biópsia for negativa e ainda 09 se suspeita fortemente do diagnóstico, esta pode ser repetida do lado contralateral ou até em um local diferente da artéria do mesmo lado já operado. É importante a remoção de um fragmento adequado de, pelo menos, 2,5 cm (se possível, 4cm ou maior) para aumentar a chance de positividade do estudo anatomopatológico. Quando o paciente apresenta biópsias negativas e persiste com VHS elevado é importante considerar outras causas para a elevação, como neoplasias, infecções ou outras doenças do tecido conectivo1. Avaliação da artéria temporal superficial à ultrassonografia com dupex colorida é empregada no diagnóstico de artrite temporal. Um halo hipoecóico em torno da artéria temporal superficial foi relatada em 73% dos pacientes com artrite temporal comprovada por biópsia. O halo representa edema da parede arterial, foi observado bilateralmente em um subconjunto significativo de pacientes e desapareceu, em media, 16 dias após o inicio dos corticosteróides. A presença de halo teve uma sensibilidade de 73% e uma especificidade de 100% para AT. A maioria dos reumatologistas ainda usa a biópsia como padrão ouro para diagnóstico de artrite temporal8. Tabela 1. As artérias mais freqüentemente envolvidas5: Diagnóstico diferencial Neuropatia óptica isquêmica não arterítica (pacientes pode ser jovens, geralmente com uma perda visual menos acentuada, não tem os sintomas associados de ACG enumerados anteriormente, e geralmente tem VHS normal5. Neurite óptica inflamatória (papilite) acomete um grupo etário mais jovem, tipicamente a perda visual é menos acentuada e de inicio tão súbito, dor a movimentação ocular, o edema do disco óptico é mais hemorrágico, células freqüentemente estão presentes no vítreo posterior, ausência de sintomas ACG. Tumor compressivo do nervo óptico perda visual lentamente progressiva, pouco ou nenhum sintoma em comum com a ACG. Oclusão da veia central da retina (perda visual acentuada pode ser acompanhada por um defeito pupilar aferente e edema de disco, mas a retina revela hemorragias difusas estendendo até a periferia). Oclusão da artéria central da retina (perda súbita, indolor e acentuada com defeito pupilar aferente, mas o disco não se mostra edemaciado e edema de retina com uma mancha vermelho cereja freqüentemente pode ser observado5. Tratamento A arterite de células gigantes responde ao tratamento com corticóides apresentando boa resposta, diminuição dos sintomas e melhora da qualidade de vida do paciente. A) Fase aguda2: · Prednisona: 1,5 a 2,0 mg/kg/dia, podendo aumentar até 60 mg se os sintomas não desaparecerem nos primeiros dias de tratamento; · Metilprednisona: em pacientes em via de terem uma perda visual, inicia-se o tratamento de forma mais agressiva com 250 mg EV 6/6 horas durante 5 dias, passando depois para a Prednisona. B) Manutenção2: Quando os sintomas desaparecem e o VHS começa a se normalizar, reduz-se a dose para 15 a 30 mg de Prednisona, mantendo por vários meses. Segundo alguns autores, quando há a associação com a Polimialgia Reumática, deve-se manter a medicação por vários anos. C) Seguimento2: · Monitorar o VHS semanalmente até o desaparecimento dos sintomas, depois quinzenalmente durante 2 meses; isto é muito importante, pois temos que ter a certeza de que as queixas dos pacientes se redimiram, assim como o processo inflamatório da arterite; · Monitorizar recorrências por 6 a 12 meses; A arterite de células gigantes pode continuar ativa por um período que varia de dois a 14 anos. 10 Tabela 2. Servem de auxílio para o diagnóstico, sendo de utilidade5 Considerações finais A artrite temporal apesar dos inúmeros sintomas é visto que muitos deles podem ser sutis, transitórios e bastante inespecíficos. Assim, a suspeita diagnóstica pode não ser feita por um clínico, mesmo que experiente. Se ainda estiver instalada a complicação mais temida, a neuropatia óptica isquêmica, o índice de cura será bastante baixo se as medidas profiláticas e as condutas terapêuticas forem observadas após os sinais e sintomas oftalmológicos. Referências 1. Monteiro MLRM, Zangalli AL. Série Oftalmologia Brasileira: Neuroftalmologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. 2. Palheta Neto FX, Carneiro KL, Rodrigues Jr OM, Rodrigues Jr AG, Jacob CCS, Palheta ACP. Aspectos clínicos da arterite temporal. @rq Int Otorrinolaringol. 2008;12(4):546-51. 3. Lana MA. Perda de visão e arterite de células gigantes. Soc Bras Retina e Vítreo. Conselho Brasileiro Oftalmologia. Belo Horizonte, 1998. Disponível em: http://www.cbo.com.br/cbo/sociedades/retina/artigos/cmtrato6.htm 4. Wilkinson IM, Russell RW. Arteries of the head and neck in giant cell arteritis. A pathological study to show the pattern of arterial involvement. Arch Neurol. Nov 1972;27(5):378-91. 5. 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O tabagismo é um dos principais fatores de risco e é um câncer diagnosticado na grande maioria das vezes como uma doença avançada. O tratamento pode ser realizado com cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapia-alvo molecular, esta última sendo o destaque no cenário metastático. Existem diversos alvos moleculares em estudos que têm sido usados como verdadeiros biomarcadores preditivos de resposta à terapêutica-alvo molecular, ou seja, quando há interação entre biomoléculas e o tratamento administrado ao paciente. Estudos analisados mostraram benefício na sobrevida e qualidade de vida com a terapia molecular em câncer de pulmão não pequenas células. A maioria dos cânceres de pulmão é diagnosticada em fase avançada. Estudos com a terapia-alvo molecular vêm sendo mais detalhados nestes estágios notando grandes benefícios. O Cetuximab parece não ter um papel no CPNPC, enquanto o Gefinitib teve aprovação em pacientes com EGFR mutado e o Erlotinib mostrou melhora na sobrevida global como terapia de manutenção. ABSTRACT Lung cancer incidence is increasing considerably around the world. Smoking is a major risk factor, and is a cancer diagnosed in most cases as an advanced disease. The treatment can be performed with surgery, chemotherapy, radiotherapy and molecular targeted therapy, this latter being the highlight in the metastatic setting. There are several studies on molecular targets that have been used as true biomarkers predictive of response to therapy molecular target, or when there is an interaction between biomolecules and treatment administered to the patient. Studies analyzed showed survival benefit and quality of life with the molecular therapy in non-small cell lung cancer. The majority of lung cancer is diagnosed at advanced stages and the studies with molecular targeted therapy have been noticing more detailed stages in these great benefits. Cetuximab appears not to have a role in NSCLC, whereas Gefinitib was approved in patients with mutated EGFR and Erlotinib showed improvement in overall survival as maintenance therapy. Key words: Lung Cancer. Molecular Targeted Therapy. Descritores: Câncer de Pulmão. Terapia-Alvo Molecular. Introdução Estimam-se 17.210 casos novos de câncer de pulmão em homens e 10.110 em mulheres, no Brasil, no ano de 20121. É o câncer que mais leva ao óbito, sendo a principal causa de morte em homens e, na mulher, só perde para câncer de mama1-3. O principal fator de risco é o tabagismo, tendo também exposição ao fumo passivo, DPOC, fibrose pulmonar, trabalho ocupacional (asbesto)1-3. Na prática, os carcinomas pulmonares são classificados em carcinomas de pequenas células e carcinomas não de pequenas células. Este último compreende o carcinoma de células escamosas ou espinocelular, adenocarcinoma e carcinoma indiferenciado de grandes células2. O tipo mais agressivo e com pior prognóstico é o tumor de pequenas células. O câncer de pulmão é clinicamente silencioso no maior período de sua evolução, os sintomas dependem localização do tumor, invasão tumoral das estruturas adjacentes e doença metastática. Os mais comuns são tosse, dispneia, hemoptise, dor torácica. Os principais sítios metastáticos são adrenais, fígado, cérebro e ossos1,3. O estadiamento é necessário para determinar prognóstico e tratamento do câncer do pulmão não pequenas células ( CPNPC). A sobrevida nos estádios iniciais é em torno de 40 a 75%, nos estádio IV à sobrevida é 1 a 5% em cinco anos1,2,4. O tratamento pode ser realizado com cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapia-alvo, dependendo do estadiamento e performance status do paciente4. A ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha, porém a maioria dos diagnósticos é em fase tardia, onde o tumor já se espalhou, sendo assim o objetivo do tratamento é o controle local e à distância (micro metástase)1-3. Com o advento de terapia-alvo molecular, a diferenciação entre os subtipos de câncer de pulmão não pequenas células tornou-se 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP 2) Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Nayara Zortéa Lima, Rua Pedro Américo, 60, Santos/SP. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 2014; publicado online em: 2014. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2014 11 fundamental para avaliação do prognóstico e a realização do tratamento, especialmente na doença metastática4. Os agentes biológicos de terapia-alvo molecular têm destacado-se no cenário metastático, enquanto que o tratamento adjuvante baseia-se principalmente em agentes quimioterápicos e/ou radioterapia4. Há poucas décadas iniciou-se um questionamento sobre o tratamento em estágios avançados de câncer de pulmão. Os pacientes, até então, realizavam tratamento com cisplatina, que mostrou efeito modesto sobre a sobrevida dos pacientes em média de seis semanas e uma taxa de sobrevivência em um ano de 20% em comparação com pacientes apenas tratado com paliativo. Métodos Foi realizada revisão bibliográfica sobre o novo tratamento de câncer de pulmão não pequenas células com a terapia-alvo molecular nas bases de dados do PubMed, SCIELO, UPTODATE, INCA e livros sobre câncer de pulmão os descritores de câncer de pulmão e terapia-alvo molecular. Discussão As novas drogas apresentadas ao mercado são os biomarcadores para a terapia-alvo. Atualmente, atuam em biomarcadores como oncogene C-erB-1(expressão de receptor de fator de crescimento), oncogene de fusão EML4-ALK(sua positiva indica menor resposta à platina)5,6, expressão de ERCC e RRM1 e finalmente mutação do K-Ras(25% dos adenocarcinoma e menor sobrevida)7. Cetuximabe: é um anticorpo monoclonal com alvo no receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) que é presente em 8085% dos pacientes com câncer de pulmão não pequenas células. Foram estudados idosos ECIII sem performance ou que optaram por não realizar QT padrão associado. Demonstraram-se pouca toxicidade e sobrevida livre de progressão em um ano e dois anos de 57,6% (IC 95%, 37,5-77,7%) e 46,6% (IC 95%, 25,2-67,9%)8. Já em outro grupo, com pacientes jovens, ECIII concomitante com QT (carboplatina + paclitaxel), houve 60% de toxicidade grau III e aumento na sobrevida global em dois anos de 49,3%(IC 95%, 38,3-59,3%) e na sobrevida livre de progressão em dois anos de 55,2% (IC 95%, 44,6-65,7%)9. Um novo estudo mostrou que a adição Cetuximab à quimioterapia Cisplatina e Vinorelbina houve melhora da sobrevida mediana de 10,1 meses para 11,3 meses em pacientes com NSCLC avançado e metastático. Com aumento de toxicidade com uso de Cetuximabe, como rash, neutropenia febril, diarreia e reações relacionadas à infusão10. Ao avaliar a quimioterapia (carboplatina+taxano) sem ou com associação com Cetuximabe em pacientes metastáticos no estudo BMS099, não houve diferença significativa quanto a sobrevida de livre de progressão (4,4 meses versus 4,2 meses; HR 0,90, IC95% 0,76-1,07) e sobrevida global (9,7 meses versus 8,4 meses; HR 0,89,IC95% 0,75-1,05)11. Inibidores da tirosina-quinase EGFR (gefitinibe e erlotinibe): a principal mutação no EGFR é a deleção do exon 19 e a mutação do exon 21. Ambas as mutações resultam na ativação do domínio intracelular da tirosina-quinase que é associado à sensibilidade dos agentes. Já a mutação T790M está associada à resistência à terapia com inibidor da tirosina-quinase, que progride com seu uso. A pesquisa de mutação do EGFR faz-se necessária12. -Gefitinibe: o uso de gefitinibe, em paciente mutados, apresentou taxa de resposta de 55%(IC 95%, 33-70) e sobrevida livre de progressão de 9,2 meses(IC 95%, 6,2-11,8)13. Em outro estudo com pacientes tratados com quimioterapia com ou sem erlotinibe, a presença de EGFR foi preditiva de melhor resposta ao uso do anticorpo14. O estudo IPASS selecionou pacientes não tabagistas, asiáticos 12 para o uso desta droga ou carboplatina e paclitaxel. Desses, 64% tinham a mutação do EGFR e receberam a droga após a quimioterapiasem eviência de melhora na sobrevida global; mas houve melhora neste grupo na sobrevida livre de progressão de doença (9,5 versus 6,3 meses; HR 0,48; IC 95% 0,34-0,67), menor sobrevida livre de progressão no grupo não mutado(1,5 versus 6,5 meses; HR 3,85, IC 95% 2,09-7,09)15. Gefitinibe comparado ao Docetaxel em pacientes inicialmente tratados com platina, apresentou melhora da sobrevida livre de progressão com Gefitinibe (p=0,0441) e melhor taxa de resposta(p=0,0007), porém, não houve diferença de sobrevida global (p=0,4370) e sim na qualidade de vida16. O estudo japonês WJTOG0203, comparou de três a seis ciclos de quimioterapia com platina com ou sem manutenção com Gefitinibe, mostrando melhora da sobrevida livre de progressão com Gefitinibe de manutenção, mas sem diferença na sobrevida global17. O estudo chinês INFORM, avaliou a manutenção de Gefitinibe versus placebo após quimioterapia de primeira linha, observou maior sobrevida livre de progressão com Gefitinibe (4,8 versus 2,6 meses, HR 0,42, IC 95% 0,33-0,55), contudo, houve mais efeitos adversos como rash, diarreia e elevação das transaminases18 Erlotimibe: o estudo OPTIMAL comparou Erlotimibe com a Gemcitamiba e Carboplatina em pacientes com EGRF mutado, demonstrando melhora da sobrevida livre de progressão (13,1 versus 4,6 meses, HR 0,6, IC 95% 0,10-0,26) e a qualidade de vida em comparação com Gemcitamiba e Carboplatina. Houve maior toxicidade graus 3 e 4 com a quimioterapia como a neutropenia trombocitopenia e, com Erlotimibe, as toxicidades graus 3 e 4, com elevação de transaminase e rash19. No estudo EURTAC, mostrou-se sobrevida livre de progressão com erlotimibe(9,7 versus 5,2 meses; HR 0,37, IC 95% 0,25-0,54) comparado com a quimioterapia à base de platina, não havendo diferença significativa na sobrevida global20. Na terapia de manutenção, o estudo SATURN observou pacientes que não progrediram ou tiveram a doença estável durante a primeira linha, foram alocados aleatoriamente para receber Erlotimibe ou placebo. Havendo maior sobrevida livre de progressão com Erlotimibe (2,3 versus 11,1 semanas; HR 0,71, IC 95% 0,62-0,82), sem diferença na sobrevida global (12 versus 11,1 semanas; HR 0,81, IC 95% 0,70-0,95)21. O estudo ATLAS avaliou o uso de Bevacizumabe associado ao Erlotimibe de manutenção versus Bevacizumabe associado a placebo, após quimioterapia baseada em platina e Bevacizumabe. Com maior sobrevida livre de progressão com Erlotimibe (4,8 versus 3,8 meses; HR 0,72, IC 95% 0,59-0,88)22. Afatinibe: é uma droga ainda não comercializada, e em estudos de cisplatina e pemetrexed em pacientes com EGFR mutado, mostrou maior sobrevida livre de progressão (11,1 versus 6,9 meses; HR 0,58, IC 95% 0,44-0,78)23. Bevacizumabe: é um anticorpo monoclonal recombinante que atua no fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) que, se positivo, confere pior prognóstico. O estudo E4599 onde foram estudados adenocarcinoma metastáticos, que foram tratados com carboplatina e paclitaxel com ou sem associação com bevacizumabe e sua manutenção ate sua progressão, evidenciou aumento na taxa de resposta (35% versus 15%), na sobrevida global (12,3 versus 10,3 meses; HR 0,79, IC 95% 0,67-0,92) e na sobrevida livre de progressão (6,2 versus 4,5 meses; HR 0,66). Em contrapartida, houve aumento de risco de sangramento e também o número elevado de mulheres no grupo com Bevacizumabe e ausência de dosagem de EGFR pode ser indício de viés24. O estudo AVAiL avaliou o tratamento com Cisplatina e Gencitamiba com Bevacizumabe que apresentou melhora da sobrevida livre doença (aproximadamente 1 mês) mas não na sobrevida global25. A toxicidade do bevacizumabe foi tromboembolismo, hipertensão, sangramento, proteinúria e hemorragia pulmonar Crizotinibe: é um inibidor do ALK e da MET tirosina-quinase. O Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 11 - 13, jan / fev / mar 2014 adenocarcinoma de pulmão, 2-7%, tem mutação do gene EML4ALK, sendo pacientes geralmente não fumantes e que não apresentam mutação do EGFR. O estudo PROFILE 1005 demonstrou aumento na sobrevida livre de progressão (8,5 meses, IC 95% 6,2-9,9), controle da doença em 12 semanas de 85% (IC 95% 80-89) e melhora clínica significativa, com efeitos colaterais graus 1-2 tendo efeitos visuais, náuseas, vômitos e diarreia, alem de pneumonite e neutropenia febril26. Considerações finais Na sua maioria, o câncer de pulmão (CPNPC) é diagnosticado em fase avançada. O tratamento nesses estágios, com adventos de drogas de alvos-moleculares específicos está trazendo benefício tanto do ponto de vista de resposta clínica como qualidade de vida. Necessitamos de mais estudos com novos biomarcadores para estas terapias alvos serem mais efetivas. O Gefinitib teve aprovação em pacientes com EGFR mutado e o Erlotinib mostrou melhora na sobrevida global como terapia de manutenção. Cetuximab parece não ter um papel no CPNPC. Referências 1. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer [Internet] Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011 Avaible from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf 2. Uehara C, Jamnik S, Santoro IL. Câncer de pulmão. Medicina (Ribeirão Preto) 1998;31:266-76. 3. Novaes FT, Cataneo DC, Ruiz Junior RL, Defaveri J, Michelin OC, Cataneo AJM. Câncer de pulmão: histologia, estádio, tratamento e sobrevida. J Bras Pneumol. 2008;34(8):595-600. 4. Younes R, Buzaid AC, Katz A. 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Overall survival (OS) results from OPTIMAL (CTONG0802), a phase III trial of erlotinib (E) versus carboplatin plus gemcitabine (GC) as fi rst-line treatment for Chinese patients with EGFR mutation-positive advanced non-small cell lung cancer (NSCLC). J Clin Oncol. 2012;30(suppl; abstr 7520). 20. Rosell R, Carcereny E, Gervais R, Vergnenegre A, Massuti B, Felip E, Palmero R, Garcia-Gomez R, Pallares C, Sanchez JM, Porta R, Cobo M, Garrido P, Longo F, Moran T, Insa A, De Marinis F, Corre R, Bover I, Illiano A, Dansin E, De Castro J, Milella M, Reguart N, Altavilla G, Jimenez U, Provencio M, Moreno MA, Terrasa J, Muñoz-Langa J, Valdivia J, Isla D, Domine M, Molinier O, Mazieres J, Baize N, Garcia-Campelo R, Robinet G, Rodrigue-Abreu D, Lopez-Vivanco G, Gebbia V, Ferrera-Delgado L, Bombaron P, Bernabe R, Bearz A, Artal A, Cortesi E, Rolfo C, SanchezRonco M, Drozdowskyj A, Qeralt C, De Aguirre I, Ramirez JL, Sanchez JJ, Molina MA, Taron M, Paz-Ares L. 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Ann Oncol. 2010;21:1804-9. 13 Relato de Caso Síndrome da megabexiga-microcolo -hipoperistaltismo intestinal The megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome 1 Bárbara Fernandes Carrasco da Silva 2 Rita de Cássia Fernandes Simões RESUMO ABSTRACT Introdução: a síndrome da megabexiga-microcólonhipoperistaltismo intestinal (MMIHS) é uma enfermidade rara, grave e congênita autossômica recessiva do recém-nascido, caracterizada por distensão vesical e diminuição ou ausência da peristalse intestinal, normalmente associado à rotação intestinal incompleta e microcólon. Possui baixa incidência e sobrevida restrita. A etiologia e patogênese não é toda conhecida. O diagnóstico é geralmente feito quando o recémnato apresenta abdômen agudo obstrutivo associado à anúria, na sua maioria. Porém tem-se realizado cada vez mais durante o pré-natal. O tratamento varia de acordo com as malformações apresentadas, podendo ser farmacológico ou cirúrgico o qual, quando bem sucedido, demonstra melhor prognóstico. Relato de caso: gestante de 40 anos de idade apresentou, à ultra-sonografia gestacional de 27 semanas, polidrâmnio, imagem cística volumosa sugestiva de megabexiga, hidronefrose bilateral e desvio do eixo cardíaco para a esquerda. O recém-nascido nasceu de parto cesariana com 32 semanas, sexo feminino, evoluindo com débito alto pela sonda orogástrica e ausência de eliminação de mecônio até o sexto dia de vida, sendo submetido a radiografia e ultra-sonografia do abdômen para elucidação do diagnóstico. Introduction: The megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome (MMIHS) is a rare, severe autosomal recessive congenital anomaly in the newborn. It is characterized by the distended bladder and decreased or absent intestinal peristalses, usually associated with incomplete intestinal rotation and microcolon. The etiology and pathogeneses are not fully known. In most cases, the diagnosis is normally made when the newborn presents acute abdominal obstruction and anuria. However, it has been more and more established prenatally. Depending on the types of malformations presented, the treatment varies and it can be either pharmacological or surgical, which demonstrates better overall prognosis when successfully carried out. Case report: A 40-year pregnant woman at 27 weeks gestation presented polyhydramnios, bulky cystic image suggestive of megacystis, bilateral hydronephrosis and cardiac axis deviation to the left to ultrasound. The female baby was delivered by cesarean section at 32 weeks, and developed high debt by orogastric and no passage of meconium until the sixth day of life being submitted to radiography and ultrasonography of the abdomen to elucidate diagnosis. Descritores: anormalidades do Colo. Anormalidades de Bexiga Urinária. Obstrução Intestinal. Recém-Nascido. Síndrome de Berdon. Megabexiga-MicrocólonHipoperistaltismo Intestinal. Key words: Colon Abnormalities. Urinary Abnormalities. Introdução A syndrome da megabexiga-microcólon-hipoperistaltismo intestinal (MMIHS) foi primeiramente descrito por Berdon et al., em 19761. Trata-se de uma doença rara, grave e congênita do recémnascido. Essa síndrome é caracterizada por obstrução intestinal funcional, associada à distensão abdominal, diminuição ou abolição do peristaltismo intestinal e dilatação vesical sem obstrução ureteral, associada muitas vezes à rotação incompleta do intestino com microcólon2,3. De acordo com revisão, há 227 casos relatados na literatura3. A prevalência é maior no gênero feminino (70,6%) e a sobrevida é restrita, sendo frequentemente fatal no primeiro ano de vida. As causas relacionadas à morte geralmente devem-se a sepse, insuficiência renal, desnutrição e Intestinal Obstruction. Newborn. Berdon Syndrome. penumonia3,4 . No que diz respeito à etiopatogenia, existem várias prováveis hipóteses, porém, nenhuma claramente elucidada. Talvez se relacione à falha no metabolismo da acetilcolina5 ou à síndrome à uma destruição vacuolar e neurogênica das células musculares das vísceras ocas6. A sintomatologia foi justificada pela má utilização do glicogênio pelas células musculares lisas7. Relatou-se a diminuição da expressão das células de Cajal no intestino e na bexiga urinária, que são células marcapasso que facilitam a propagação da neurotransmissão da contratilidade muscular8, bem como à deleção da parte proximal do braço longo do cromossomo 15. O diagnóstico é, na maioria dos casos, feito quando o recémnascido apresenta quadro de abdômen agudo obstrutivo e anúria. No entanto, tem-se observado um aumento do número de diagnós- 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Av. Conselheiro Nébias, 677 ap. 12 – 11045-003 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 17/01/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma 14 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 14 - 15 jan / fev / mar 2014 tico realizado durante o pré-natal, onde são visualizados hidronefrose e megabexiga na ultrassonografia4,9. O diagnóstico realizado por meio da ressonância magnética em uma gestante de terceiro trimestre foi primeiramente feito em 200911. O tratamento está diretamente relacionado ao grau das malformações vesical, intestinal, hepática e renal. O tratamento farmacológico baseia-se no uso de agente pró-cinéticos e hormônios gastrointestinais, associados à nutrição parenteral. O tratamento cirúrgico varia de intervenções paliativas a múltiplos transplantes de vísceras, que quando bem sucedido é o que apresenta melhor prognóstico2,4,10. Relato do caso Gestante G4P3A1, 40 anos de idade, apresentou, ao ultrassom gestacional de 27 semanas, polidrâmnio, imagem cística volumosa sugestiva de megabexiga, hidronefrose bilateral e desvio do eixo cardíaco para a esquerda. Foi submetida a duas amniodrenagens de 1,2 e 1,550 litros, respectivamente, em um intervalo de quatro semanas. Nesse mesmo intervalo, o feto foi submetido a três drenagens vesicais por meio de punções, a fim de diminuir possíveis lesões renais, sendo retirados 200, 600 e 605 ml, respectivamente. O RN nasceu de parto cesariana com 32 semanas, sexo feminino, grande para a idade gestacional e pesando 3270g, com Apgar 5 e 8, flacidez da parede abdominal ântero-lateral e hemangioma em região epigástrica. Apresentou desconforto respiratório, necessitando de intubação orotraqueal na sala de parto. Evoluiu com débito alto pela sonda orogástrica e ausência de eliminação de mecônio até o sexto dia de vida, sendo realizada radiografia simples de abdômen, que demonstrou má distribuição gasosa com grande distensão gástrica e de alças intestinais proximais. Ao enema opaco, observou-se presença de intenso microcolon. A ultrassonografia de abdômen demonstrou dilatação pielocalico-ureteral bilateral e volumosa imagem cística. No 15º dia de vida, foi realizada laparotomia onde se encontrou estenose de íleo terminal e microcolon com perviedade, realizouse enterectomia com anastomose intestinal. A paciente evoluiu com débito alto em sonda nasogástrica e ausência de trânsito intestinal, com impossibilidade de alimentação via oral por três semanas sendo então realizada nova, optando-se por gastrostomia, ileostomia e vesicostomia. Os segmentos ressecados foram enviados a exame anatomopatológico, que mostrou presença de células ganglionares e hipotrofia da camada muscular do cólon que associado às informações de imagem e exame físico concluiu-se que é um caso de MMIHS. A paciente encontra-se hoje com quatro meses de idade, mantendo NPP e discute-se com a família e equipe médica a possibilidade de transplante multivisceral. Discussão A dismotilidade gastrointestinal pode aparecer em diferentes fenótipos de doenças entéricas musculares globalmente conhecidas como pseudo-obstrução intestinais crônicas, que em sua maioria nos casos pediátricos são de causa primária. As condições congênitas são geralmente associadas a sintomas extraintestinais. Oitenta e cinco porcento dos pacientes com miopatia e dez por cento com neuropatia possuem megabexiga. A MMIHS é parte do espectro de defeitos de motilidade intestinal. Desde 1976, quando foi feita a primeira descrição de cinco casos de recém-natos femininas com megabexiga, hipoperistalse intestinal e microcólon1, pouquíssimos casos foram relatados. Portanto, o tratamento da síndrome de Berdon ainda é, nos dias atuais, um grande desafio aos cirurgiões pediátricos. O mesmo autor tratou as recém-nascidas com gastrostomia, enterostomia e cistostomia. Destes, dois pacientes evoluíram para óbito no primeiro pós-operatório e os outros faleceram nos primeiros meses de vida, evidenciando o frustrante prognóstico da síndrome1. Atualmente, as opções de tratamento são restritas e pouco resolutivas. Os hormônios gastrintestinais, como colecistoquinina Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 14 - 15 jan / fev / mar 2014 e gastrina, bem como os pró-cinéticos não têm mostrado grande benefício em relação ao prognóstico3,4. A nutrição parenteral (NPP) total ou parcial tem melhor resultado em sobrevida4. No entanto, relatam-se inúmeras complicações dessa opção quando utilizada em longo período de tempo, como hipertrigliceridemia, hepatotoxicidade e sepse secundária ao cateter utilizado para essa finalidade4,6. Na literatura, as intervenções cirúrgicas incluem gastrostomia, jejunostomia, ileostomia, cecostomia, ressecções segmentares de jejuno e íleo, além de vesicostomia4. Em 1999, foram relatados os primeiros casos de transplante multivisceral2. Segundo revisão, até 2011, havia 12 relatos desse procedimento (citando sobrevida de até 14 anos de idade), referindo a não necessidade de NPP, evitando, portanto, suas complicações2,3,10. Considerações finais O diagnóstico pré-natal de MMIHS é possível por meio de ultrasonografia pré-natal. Estudos que relatam a contribuição da RNM na investigação de anomalias do trato digestivo no período prénatal ainda são raros, ainda que a RNM pode também ser útil no diagnóstico de megabexiga associada, sugerindo MMIHS. A ultrasonografia realizada no período pré-natal, demonstrando uma bexiga urinária dilatada e uma massa intra-abdominal num feto do sexo feminino, deve alertar o médico para a possível presença de MMIHS. O aconselhamento clínico-genético torna-se indicado em futuras gravidezes. Referências 1. Berdon WE, Baker DH, Blanc WA, Gay B, Santulli TV, Donovan C. Megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome: a new cause of intestinal obstruction in the newborn. Report of radiologic findings in five newborn girls. AJR Am J Roentgenol. 1976;126:957-64. 2. Masetti M, Rodriguez MM, Thompson JF. Multivisceral transplantation for megacystis microcolon intestinal hypoperistalsis syndrome. Transplantation. 1999;68:228-32. 3. Gosemann JH, Puri P. Megacystis microcolon intestinal hypoperistalsis syndrome: systematic review of outcome. Pediatr Surg Int. 2011;27:1041-6. 4. Muñoz EL, Zarco AH. Ortiz AP, Moralez JV, Sánchez LM. 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J Urology. 2009;74:592-4. 15 Relato de Caso Torção de baço errante: causa rara de dor abdominal em crianças Torsion of wandering spleen: a rare cause of abdominal pain in children 1 Clarissa Santos Souza Rita de Cássia Fernandes Simões2 RESUMO Introdução: o baço errante representa uma condição rara causada por alterações nos ligamentos esplênicos que permitem a hipermobilidade do órgão. A apresentação clínica é variada, podendo incluir desde casos assintomáticos até um quadro de abdome agudo. Dentre as complicações possíveis, a principal é a torção do baço errante que, constitui um diagnóstico diferencial desafiador de dor abdominal aguda, especialmente em crianças. O diagnóstico e a intervenção precoces são necessários para a prevenção de graves complicações como o infarto e a ruptura esplênica. Os principais exames de imagem para diagnóstico de baço errante e torção esplênica são o ultrassom Doppler e a tomografia computadorizada. As opções de tratamento incluem esplenectomia e esplenopexia. Relato de caso: descrevemos o caso de uma menina de cinco anos de idade com quadro de dor abdominal aguda devido à torção de um baço errante, complicada por infarto esplênico. A paciente foi submetida à esplenectomia e evoluiu satisfatoriamente, com resolução da dor abdominal. ABSTRACT Introduction: The wandering spleen is a rare condition caused by a defect in the splenic fixating ligaments, which leads to a hypermobility of the organ. Clinical presentation is varied and may range from asymptomatic cases to an acute abdomen. Among the possible complications, the torsion of a wandering spleen is the most common of them and represents a challenging differential diagnosis of acute abdominal pain, especially in children. The early diagnosis and intervention are needed to prevent serious complications such as infarction and rupture. The diagnosis of wandering spleen and splenic torsion can usually be made by a Doppler ultrasound and abdominal CT. Treatment options include splenectomy and splenopexy. Case report: This case describes a 5-year-old girl with acute abdominal pain due to the torsion of a wandering spleen, complicated by splenic infarction. The patient was submited to a splenectomy and presented a satisfactory development, without abdominal pain. Key words: Wandering spleen. Torsion. Splenectom Descritores: Baço Errante. Torção. Esplenectomia. Introdução O baço errante é uma condição caracterizada pela ausência ou frouxidão dos ligamentos esplênicos de sustentação que podem levar a uma excessiva mobilidade e ao deslocamento do baço em relação à sua posição normal1-7. A ocorrência dessa condição é rara em adultos e ainda menos comum em crianças e sua apresentação clínica é bastante variada4,8. Devido à presença de um pedículo vascular alongado e à hipermobilidade esplênica, o baço pode torcer e produzir congestão venosa importante do órgão, com aumento de seu volume, e eventualmente, comprometimento arterial e infarto, causando um quadro de abdome agudo que necessita de intervenção cirúrgica urgente9,10. A torção do baço errante é considerada a principal complicação dessa entidade. No entanto, representa uma causa infrequente de abdome agudo e um diagnóstico diferencial desafiador de dor abdominal, especialmente em crianças1,2. O diagnóstico precoce e preciso é essencial para a prevenção de complicações como infarto esplênico, abscesso, hemorragia por varizes esofagogástricas, obstrução gastrintestinal e necrose da cauda do pâncreas. Além disso, o tratamento cirúrgico (esplenectomia ou esplenopexia) também deve ser realizado o mais precocemente possível, pois sérias complicações podem surgir em decorrência de um manejo expectante3,4. Relato de caso Paciente de 5 anos, do sexo feminino, apresentou-se ao serviço de emergência com história de dor abdominal associada a vômitos havia um dia. Os pais negaram a ocorrência de febre, tosse e diarreia. Não possuía história de infecção recente do trato respiratório superior, mudanças do hábito intestinal e de trauma abdominal. Ao exame físico, estava com sinais vitais normais, descorada e afebril. Apresentava abdome pouco distendido, doloroso à palpação em flanco esquerdo, com baço palpável a aproximadamente 8cm do rebordo costal esquerdo. Os exames laboratoriais iniciais incluíam leucócitos = 16000 (0M, 11B, 64S), PCR 100,1 e função hepática normal. Durante sua internação, foi iniciada antibioticoterapia com rocefin e flagyl. Realizou ultrasonografia Doppler de abdome, que evidenciou baço tópico de dimensões aumentadas, ecotextura heterogenia difusamente, com 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Clarissa Santos Souza, Av. Bernardino de Campos, 598 ap. 12 – CEP 11065-002 - Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 25/08/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma 16 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 16 - 18 jan / fev / mar 2014 área hipodensa, septada de aproximadamente 50 mm, presença de líquido livre perisplênico e acentuada redução da vascularização esplênica, demais órgãos sem alterações. Sua investigação diagnóstica incluiu também tomografia computadorizada de abdome que revelou baço de dimensões extremamente aumentadas, áreas sugestivas de infarto esplênico e pequena quantidade de líquido periesplênico. À laparotomia, foi identificado baço extremamente aumentado com coloração heterogênea de aspecto necrótico, além de torção do hilo esplênico de 360º associada à ausência dos ligamentos esplênicos. Após distorção do pedículo vascular, não houve alteração da coloração esplênica e, por isso, optou-se pela realização de esplenectomia. A paciente evoluiu satisfatoriamente, com resolução da dor abdominal e recebeu alta hospitalar no 4º dia de pós-operatório. O laudo anatomopatológico demonstrou baço de 354g com áreas de necrose substituídas por intensa hemorragia com predomínio na região subcapsular (necrose hemorrágica esplênica). Figura1. Baço errante torcido à laparatomia. Figura 2. Torção do hilo esplênico 360º. Discussão O baço errante é uma condição rara, presente em 0,1% a 0,2% de todas as esplenectomias2,11. Caracteriza-se pela ausência ou frouxidão dos ligamentos esplênicos que permitem a hipermobilidade do órgão e consequente torção do baço em seu próprio pedículo. Essa condição pode ocorrer em todas as idades, porém, prevalece em mulheres em idade fértil entre 20 e 40 anos (70% a 80%) e apenas um terço dos casos ocorre em crianças, Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 16 - 18 jan / fev / mar 2014 1,8-10,12 sendo a maioria (70%) acima dos 10 anos de idade . A etiologia dessa entidade pode ser multifatorial e é objeto de debate entre os estudos. A hipermobilidade esplênica pode ser decorrente de anomalia congênita durante o desenvolvimento do mesogástrio dorsal ou estar associada a condições adquiridas como fraqueza da parede abdominal, distensão gástrica, multiparidade, esplenomegalia e, principalmente, gravidez. Acredita-se que o período de gestação contribui para a frouxidão ligamentar pelas alterações hormonais por meio da ação direta do estrogênio. Em relação à etiologia congênita do baço errante, é sustentada a teoria que a ausência ou malformação dos ligamentos esplenocólico, esplenorrenal ou esplenofrênico indicam falha da fusão do mesogástrio dorsal com a parede abdominal posterior 1,3,10,12 durante o segundo mês de embriogênese . Essa teoria explica a ocorrência na população pediátrica. A apresentação clínica do baço errante é variável, podendo incluir desde casos assintomáticos, pacientes com desconforto abdominal vago até um quadro de abdome agudo. O sinal de apresentação mais frequente em adultos é a presença de massa abdominal com ou sem queixas gastrointestinais ou quadro de abdome agudo. Já a apresentação mais comum em crianças é dor 3,8,13 abdominal aguda . A tríade clássica do diagnóstico clínico foi reportada por Gindrey e Piquard em 1966: a) palpação de massa abdominal de forma ovóide com bordo arredondado; b) mobilidade especial da tumoração (movimentos não dolorosos em direção ao hipocôndrio esquerdo, mas doloroso e limitado em qualquer outra direção); e c) macicez à percussão do quadrante abdominal superior esquerdo. No entanto, a presença de tumor abdominal ao 3,8,10,13 exame físico parece ser o achado mais consistente . Nos estudos de revisão pesquisados, foi encontrada massa abdominal palpável com variação de 67% a 75% dos pacientes. Clinicamente, os pacientes podem apresentar também sintomas inespecíficos como náuseas, vômitos ou cólica abdominal. Algumas vezes, pacientes assintomáticos podem descobrir a patologia incidentalmente durante exame físico de rotina ou 3 exames de imagem . Geralmente, a presença de manifestações clínicas ocorre quando há complicação devido à torção do pedículo esplênico, produzindo congestão venosa, esplenomegalia e, em alguns casos, evolução para isquemia, infarto ou ruptura. A torção esplênica é a principal complicação do baço errante (incidência de 4,10 0,5%) e é considerada uma causa infrequente de abdome agudo . Podem ocorrer também outras complicações como: abscesso, hemorragia por varizes esofagogástricas, obstrução gastrintestinal e necrose da cauda do pâncreas Os exames laboratoriais usualmente são inespecíficos, mas ocasionalmente revelam evidências de hiperesplenismo ou asplenia funcional pela presença de corpos de Howell-Jolly no esfregaço sanguíneo. Como o diagnóstico clínico geralmente é difícil, exames de imagem não invasivos, como o ultrassom, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética são 3,4 modalidades comuns de diagnóstico . A ultra-sonografia é considerada o exame de escolha por ser o mais confiável para o estabelecimento do diagnóstico de baço errante e, apresenta como vantagens, ser não invasivo, barato e poder realizar o diagnóstico por si só. Além disso, consegue também determinar, por meio do estudo com Doppler, a presença de torção e de isquemia esplênica. Alguns autores descrevem a tomografia computadorizada como a melhor escolha para identificar esta condição rara; no entanto, em pacientes jovens, existe a desvantagem de ter que submeter a criança à anestesia geral e estar associada à exposição de 8,9,12 radiação . As características da torção do baço errante na TC contrastada incluem: a) baço localizado em posição anormal, em mesogástrio ou pelve; b) estrutura circular de bandas alternadas de radiolucência e radiodensidade, geralmente no hilo esplênico, representa a torção do pedículo esplênico; e c) um defeito intraluminal hiperdenso na artéria esplênica e veia podem ser vistos na trombose aguda. Essa informação é valiosa para a decisão cirúrgica entre esplenopexia e esplenectomia, especialmente em 2,11 crianças jovens . 17 As opções de tratamento incluem esplenectomia e esplenopexia. No passado, a esplenectomia era considerada o padrão-ouro de tratamento para baço errante, independente da presença ou ausência de torção. Recentemente, o conhecimento mais profundo sobre o papel do baço no sistema retículo-endotelial tornou sua remoção desnecessária, especialmente em crianças. O maior risco de realizar a esplenectomia, principalmente em pacientes jovens, é a sepse fulminante pós-esplenectomia que leva à alta mortalidade em crianças. Sendo assim, a esplenopexia é sugerida para casos não complicados e, com risco significativo de sepse pósesplenectomia. Além disso, pode ser considerada uma opção cirúrgica razoável, mesmo em pacientes apresentando abdome agudo, quando não houver evidência de infarto, suspeita de magnilidade, trombose ou hiperesplenismo. Nessas situações, assim como no caso relatado, a esplenectomia é a cirurgia da 2,9,12 escolha . Considerando que o baço errante e suas complicações são incomuns na população pediátrica, é importante o aumento da suspeição dessa condição, assim como o uso adequado dos exames de imagem para que haja um diagnóstico preciso e, tratamento adequado. Consequentemente, complicações da torção esplênica, como isquemia irreversível e perda da função esplênica, poderiam ser prevenidas por meio do diagnóstico precoce. Referências 3. Soleimani M, Mehrabi A, Kashfi A, Fonouni H, Büchler MW, Kraus TW. Surgical treatment of patients with wandering spleen: report of six cases with a review of the literature. Surg Today. 2007;37(3):261-9. 4. Romero JR, Barksdale EMJ. Wandering spleen: a rare cause of abdominal pain. Pediatr Emerg Care. 2003;19(6):412-4. 5. Maschio M, Cozzi G, Sanabor D, Zennaro F, Gloria P, Barbi E. Splenomegaly as presentation of a wandering spleen. J Pediatr. 2010;157(5):859. 6. Fiquet-Francois C, Belouadah M, Ludot H, Defauw B, Mcheik JN, Bonnet JP, Kanmegne CU, Weil D, Coupry L, Fremont B, Becmeur F, Lacreuse I, Montupet P, Rahal E, Botto N, Cheikhelard A, Sarnacki S, Petit T, Poli Merol ML. Wandering spleen in children: multicenter retrospective study. J Pediatr Surg. 2010;45(7):1519-24. 7. Dillman JR, Strouse PJ. Clinical image. The "wandering" spleen. Pediatr Radiol. 2010; 40(2):231. 8. Brown CV, Virgilio GR, Vazquez WD. Wandering spleen and its complications in children: a case series and review of the literature. J Pediatr Surg. 2003;38(11):1676-9. 9. Siverio NH, Moreno AB, Palma JP, Herrera I, Flores LD, Espinosa CG. Wandering spleen torsion. Cir Pediatr. 2005;18(2):101-3. 10. Montaño JP, Salazar W, Vilasmil ER, Bolívar JS. Torsión de bazo ectópico. Cir Esp. 2009;86(5):314-25. 11. Gayer GM. torsion of a wandering spleen. IMAJ. 2002;4:658-9. 12. Di Crosta I, Inserra A, Gil CP, Pisani M, Ponticelli A. Abdominal pain and wandering spleen in young children: the importance of an early diagnosis. J Pediatr Surg. 2009;44(7):1446-9. 13. Ajello A, Minniti A, Malatesta A, Federici Di Abriola G, Dall'Oglio L. The wandering spleen: something to bear in mind in the presence of a mobile abdominal mass. Eur J Pediatr. 2004;163(4-5):277-8. 1. Steinberg R, Karmazyn B, Dlugy E, Gelber E, Freud E, Horev G, Zer M. Clinical presentation of wandering spleen. J Pediatr Surg. 2002;37(10):E30. 2. Lien CH, Lee HC, Yeung CY, Chan WT, Wang NL. Acute torsion of wandering spleen: report of one case. Pediatr Neonatol. 2009;50(4):177-80. 18 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 16 - 18 jan / fev / mar 2014 Relato de Caso Doença de Werdnig-Hoffmann Werdnig-Hoffmann disease Cláudia Maria Pechini Bento 1 Renata Almeida de Souza Carmo2 RESUMO ABSTRACT Introdução: a doença de Werdnig-Hoffmann, também conhecida como atrofia espinhal infantil tipo I, é a alteração neuromuscular mais freqüente entre as responsáveis pela síndrome do recém-nascido hipotônico. É uma doença hereditária, autossômica recessiva, causada pela degeneração dos neurônios motores do corno anterior da medula. Pode estar presente logo ao nascimento ou manifestar-se dentro das primeiras semanas de vida, caracterizando-se por hipotonia extrema e paralisia dos membros. Sua evolução é fatal dentro dos três primeiros anos de vida. Relato de caso: relata-se o caso de uma paciente de sete meses de idade, com diagnóstico confirmado por pesquisa genética da doença de Werdnig-Hoffmann aos cinco meses. Com 15 dias de vida, sua mãe observou diminuição da movimentação dos membros inferiores, choro fraco e diminuição do tempo e da força de sucção em seio materno. Evoluiu para insuficiência respiratória crônica, encontrando-se em pós-operatório de gastrostomia e traqueostomia. Introduction: The Werdnig-Hoffmann disease, known as infantile spinal muscular atrophy type I, is the most common neuromuscular disorder among those responsible for the newborn hypotonic syndrome. This is an autosomal recessive hereditary disease and it is caused by the degeneration of the motor neurons in the anterior horn of the spinal cord. It may be present at birth or manifest within the first weeks of life, characterized by extreme hypotonia and paralysis in the limbs. Its evolution is fatal during the first three years of life. Case report: It is reported a case of a seven-month old patient presenting a confirmed diagnose, by a genetic research, of the Werdnig-Hoffmann disease at five months. When she was 15 days, her mother noticed the decrease of the lower limbs movements, besides of a weak cry and a diminishment of the time and the suction force in the maternal breast. Considering that this case evolved to a chronic respiratory failure, the patient is currently under our care due to postoperative tracheostomy and gastrostomy. Descritores: doença de Werdnig-Hoffmann. Atrofia Muscular Espinhal. Key words: Werdnig-Hoffmann Disease. Spinal Muscular Atrophy. Introdução A doença de Werdnig-Hoffmann, também conhecida como atrofia espinhal infantil tipo I (AME), é a alteração neuromuscular mais freqüente entre as responsáveis pela síndrome do recém-nascido hipotônico. É uma doença neurodegenerativa com herança genética autossômica recessiva 1 . É a segunda doença neuromuscular hereditária mais comum depois da distrofia de Duchenne2. Sua incidência é de 1: 6.000 a 1: 10.000 nascimentos. A frequência de indivíduos portadores (heterozigotos) da doença é de um para cada 40 a 60 indivíduos3. É causada pela degeneração dos neurônios motores do corno anterior da medula e dos núcleos motores de alguns nervos cranianos. Deve-se a mutações no gene SMN (survival motor neuron) situado no cromossomo 5q13.1, presente em 98% dos casos. Esse gene codifica a proteína de mesmo nome, fundamental para a manutenção trófica do neurônio motor. Ainda, em uma maioria dos casos, há mutações no gene NAIP (proteína inibidora da apoptose neuronal) situado no mesmo cromossomo que, como o nome indica, participa do ciclo vital do neurônio1. A AME apresenta amplo espectro fenotípico, cuja classificação é baseada na idade do início das manifestações clínicas. São conhecidos quatro tipos: o tipo I (doença de Werdnig-Hoffmann) é a forma infantil mais grave, diagnosticada até os seis meses de idade, com o lactente incapaz de sentar-se; o tipo II é a forma infantil crônica iniciada entre seis e 12 meses, sendo o lactente capaz de sentar-se, mas incapaz de andar; no tipo III (doença de KugelbergWelander), entre dois e 15 anos, é capaz de andar; o tipo IV apresenta início no adulto2. É uma desordem de difícil diagnóstico e de tratamento ainda incerto. Seu diagnóstico é dado pela evidência, tanto eletrofisiológica como histológica, de desnervação do músculo. Para confirmar o diagnóstico, é feita atualmente uma análise molecular, que detecta a ausência do éxon 7 do gene SMN1. Por ser uma doença neurodegenerativa progressiva, o paciente 1) Médica Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Médica do Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Cláudia Maria Pechini Bento, Rua Pedro Américo, 60 – Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 05/05/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 19 - 21 jan / fev / mar 2014 19 necessitará de vários cuidados especiais, que podem estacionar o progresso da doença assim como proporcionar melhor qualidade de vida. Apresentamos a seguir o caso de uma paciente portadora da doença de Werdnig-Hoffmann. Relato de caso Paciente do sexo feminino, sete meses de idade, com diagnóstico confirmado da doença de Werdnig-Hoffmann aos cinco meses. Apresentou duas internações anteriores por quadro de pneumonia provavelmente aspirativa e para realização de exames para investigação de refluxo, sendo realizada EED e posterior gastrostomia e traqueostomia. Nasceu de parto cesárea, a termo, 2.700g, sem intercorrências, tanto durante a gestação quanto no período pós-natal. A mãe refere que, em torno de 15 dias de vida, observou lactente com diminuição da movimentação dos membros inferiores, choro fraco e diminuição do tempo e da força de sucção em seio materno. Devido ao quadro ser semelhante ao de filha anterior já falecida, a genitora logo procurou atendimento neuropediátrico sendo, então, encaminhada ao serviço do Hospital das Clínicas de São Paulo. Neste, foi realizada pesquisa genética e confirmado o diagnóstico da doença de Werdnig-Hoffmann. Hoje faz acompanhamento com fisioterapeuta e fonoaudiólogo. Evoluindo para insuficiência respiratória crônica, a paciente encontra-se em nosso serviço devido a pós-operatório de gastrostomia e traqueostomia. A mãe relata que sua filha primogênita apresentou evolução semelhante, iniciando com hipotonia no primeiro mês de vida com rápida progressão após um mês, quando então foi encaminhada à neuropediatria já com ausência de movimentação de membros inferiores, movimentação presente, porém diminuída de membros superiores, sem sustentação cervical. Em São Paulo, foi solicitada eletroneuromiografia (ENMG), que se mostrou característica da doença em questão, sendo após isso realizada pesquisa genética que então confirmou o diagnóstico de AME tipo I. Após realização de traqueostomia e gastrostomia, aos 10 meses, manteve-se em casa com Home Care, vindo a falecer aos 10 anos de idade. A mãe nega casos semelhantes entre familiares e nega consangüinidade com o pai. Nossa paciente em questão, ao exame físico, apresentava-se com peso de 4,5kg, ativa, alerta, interage com o meio, mímica facial preservada, fasciculação de língua. Tinha abundante secreção oral, fontanelas normotensas, reflexos abolidos, tórax simétrico com discreta forma em sino, retração subcostal discreta. Na avaliação do aparelho locomotor, encontrava-se em atitude passiva, com quadro de hipotonia simétrica generalizada, sem hipotrofia, ausência de controle cervical e de tronco, com diminuição de força muscular globalmente. Os membros encontravam-se com alguma movimentação espontânea, levemente fletidos (cotovelos e joelhos), em rotação externa de quadril, com limitação da amplitude de extensão de joelho. Discussão Quadro Clínico A doença de Werdnig-Hoffmann já está presente ao nascimento ou manifesta-se dentro das primeiras poucas semanas de vida, caracterizando-se por hipotonia extrema e paralisia completa, ou quase, dos membros, permitindo ao recém-nascido apenas discretos movimentos de flexão e extensão dos artelhos e pulsos. A criança permanece quase inerte, em decúbito dorsal, com os membros inferiores fletidos e abduzidos, na clássica posição de rã. Em alguns casos mais raros, pelo menos no início da doença, os membros superiores podem estar bem menos comprometidos, permitindo à criança movimentos até contra a gravidade1. A motilidade do pescoço é nula e, quando se eleva, a criança pelos braços, a cabeça permanece pendida para trás. A sucção é débil e 20 a deglutição, difícil. Finas fasciculações linguais estão, geralmente, presentes e a motilidade facial acha-se quase sempre, preservada. Não há alteração da motilidade ocular extrínseca ou intrínseca. Um fino tremor das mãos pode estar presente. Normalmente não se observam contraturas articulares1. O exame neurológico revela, além de hipotonia extrema, paralisia do tipo flácido, ou seja, aquela caracterizada por atrofia muscular intensa e abolição universal dos reflexos profundos1. Não há evidência de comprometimento cerebral e o nível de inteligência é normal ou acima da média. O exame da sensibilidade é normal, não havendo comprometimento da coordenação motora4. Os músculos intercostais costumam ser intensamente afetados, prejudicando a renovação do ar alveolar levando a insuficiência respiratória crônica. A progressão das complicações respiratórias surge como conseqüência direta da fraqueza e da fadiga dos músculos respiratórios e pela incapacidade de se manter as vias aéreas livres de secreções. Essa fraqueza muscular levará a uma conformação do tórax em “sino” e à respiração paradoxal. A deformidade torácica secundária à cifoescoliose grave diminui a complacência pulmonar. A tosse ineficaz resulta em um clearence inadequado das vias aéreas. A ausência de inspirações profundas espontâneas leva à reinsuflação de zonas atelectásicas. Nesses pacientes, a insuficiência respiratória envolve, principalmente, os músculos intercostais com preservação relativa do diafragma5. Vários aspectos clínicos incomuns são observados na AME. Um deles é o padrão de distribuição da fraqueza muscular, que é mais compatível com uma desordem miopática do que neurogênica. Os músculos proximais estão mais envolvidos que os distais, as pernas são mais afetadas que os braços, e estes são mais acometidos do que face e diafragma, ou seja, não ocorre uma distribuição homogênea da fraqueza e atrofia muscular3. Diagnóstico A manifestação de sinais clínicos característicos na criança, como hipotonia, paresia, arreflexia e miofasciculações, deve ser investigada com cautela, uma vez que esses sinais clínicos podem estar presentes em outras neuropatologias. Os exames complementares, inclusive as enzimas séricas, são normais, com exceção da ENMG que revela processo neurogênico do tipo ponta anterior. As velocidades de condução são normais. A biópsia muscular revela atrofia intensa das fibras musculares do tipo neurogênico1. O estudo de genética molecular é o exame definitivo para o diagnóstico da AME e poderia até mesmo ser o único realizado, afinal é mais preciso e menos invasivo que os outros dois exames. Porém, ainda não está amplamente disponível no Brasil. Por meio deles, detecta-se a ausência completa do éxon 7 do gene SMN1. Essa alteração é responsável pela redução dos níveis da proteína de sobrevivência do motoneurônio (SMN), determinando, por conseguinte, degeneração de motoneurônios alfa, localizados no corno anterior da medula espinhal, resultando em fraqueza e paralisia muscular proximal progressiva e simétrica4. O estudo do portador, utilizado para identificar indivíduos assintomáticos, por meio do emprego de técnicas de PCR – quantitativas, permite a determinação do número de cópias do gene SMN14. Tratamento Pelo fato de estarmos diante de uma patologia neurodegenerativa progressiva, ainda sem tratamento farmacológico, o paciente necessita de vários cuidados especiais, principalmente a terapia de suporte, que podem estacionar o progresso da doença e prolongar a vida do indivíduo. A terapia de suporte envolve cuidados que abrangem suporte tanto respiratório quanto nutricional, além de cuidados ortopédicos e fisioterapêuticos, para que a criança não tenha um prejuízo postural3. A ventilação não invasiva proporciona melhor qualidade de vida Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 19 - 21 jan / fev / mar 2014 para esses pacientes, além de prolongar a sobrevivência e eliminar os sintomas de hipoventilação alveolar. Este suporte ventilatório mantém o transporte mucociliar normal, o fluxo da tosse assistida e os níveis de produção de muco, além de promover um melhor crescimento pulmonar e desenvolvimento da caixa torácica, devido à correção do pectus escavatum5. Para crianças totalmente dependentes do aparelho e com dificuldade de deglutição ou hipersecretoras deve ser considerada a realização de traqueostomia. Entretanto, a traqueostomia mantida por tempo prolongado está associada a inúmeras complicações como infecções, aumento da quantidade de secreção, prejuízo do transporte mucociliar, sangramentos, morte súbita por rolha de secreção e desconexões acidentais5. A fisioterapia contribui para que a criança responda a estímulos, além de auxiliar no desenvolvimento de seu raciocínio, na interação e no contato com as pessoas e com o ambiente que a cerca5. Devido às doenças pulmonares serem a principal causa de morbimortalidade nos pacientes com AME tipos I, os cuidados ao paciente incluem um rápido acesso às intervenções clínicas especiais e suporte respiratório quando necessário. Técnicas de limpeza das vias aéreas e de mobilização das secreções são muito úteis e incluem fisioterapia pulmonar e drenagem postural. Também deve ter um rápido acesso à antibioticoterapia, além de o paciente fazer parte de uma rotina de imunizações, abrangendo diversas vacinas contra agentes que podem causar infecções pulmonares graves3. Deve-se atentar também aos vários problemas gastrintestinais, como refluxo gastro-esofágico, constipação, distensão abdominal e esvaziamento gástrico retardado. Assim, torna-se importante evitar alimentos muito gordurosos, pois estes atrasam o esvaziamento gástrico e aumentam o risco de ocorrer refluxo. Como tratamento para o refluxo, podem-se utilizar inibidores da bomba de prótons, bloqueadores da histamina e agentes prócinéticos. Em casos graves, em que a criança não consegue alimentar-se por via enteral, deve ser considerada suplementação calórica via parenteral para evitar o catabolismo muscular. Em relação aos cuidados ortopédicos, devido à fraqueza dos músculos paraespinhais, a escoliose progride lentamente e deve ser monitorada com periodicidade. Podem ser feitas intervenções como controle postural, controle de dores e contraturas, adaptação das atividades diárias, mobilidade com cadeira de rodas ou andador, órteses nos membros e terapias que incentivem o desenvolvimento da mobilidade3. Infelizmente, nenhum tratamento farmacológico para a AME encontra-se hoje disponível. No entanto, algumas drogas que estão sendo testadas no tratamento de pacientes com AME têm como alvo terapêutico o gene SMN2. Drogas inibidoras da enzima histona desacetilase têm sido investigadas devido a sua habilidade em ativar a transcrição do gene SMN2, pois, quando a histona encontra-se acetilada (histona desacetilase inibina), os fatores de transcrição passam a ter uma maior acessibilidade a vários genes (dentre eles o SMN2), favorecendo a transcrição dos mesmos. Drogas clinicamente conhecidas, como o ácido valproico, o butirato de sódio e o fenilbutirato são exemplos de compostos que apresentam uma ação inibidora sobre a enzima histona desacetilase. Outras drogas que estão em fase de estudo são a hidroxiureia e as quinazolonas, que têm a capacidade de ativar a transcrição do gene SMN2 através de mecanismos que não interferem na atividade da enzima histona desacetilase3. A utilização das células-tronco vem sendo estudada como fonte celular promissora para o tratamento de desordens relacionadas com a perda dessas células exclusivas, como é o caso da AME. Assim, futuramente, as células-tronco poderão ser utilizadas na recuperação de desordens neuromusculares3. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 19 - 21 jan / fev / mar 2014 Considerações finais Devido à inexistência de um tratamento capaz de proporcionar a cura definitiva dessa doença, as terapias de suporte tornam-se muito importantes tendo como objetivo retardar o progresso da doença, melhorar a função muscular residual dos pacientes, proporcionando melhor qualidade e expectativa de vida. Concomitantemente, várias drogas assim como a utilização de células-tronco são fontes promissoras para uma possível cura. Um ponto importante a ser ressaltado, especialmente representado em nosso caso, é que, pelo fato da AME ser uma desordem de origem genética recessiva, o aconselhamento genético é um componente essencial para as famílias desses pacientes. É fundamental um aconselhamento genético aos pais antes de novas gestações, assim como se torna imperativo o planejamento familiar. Referências 1. Rosemberg S. Doença de Werdnig-Hoffmann. Neuropediatria, 2ª ed. São Paulo: Sarvier; 2010.pp.112-3. 2. Resende MAC, Silva EV, Nascimento OJM, Gemal AE, Quintanilha G, Vasconcelos EM. Anestesia venosa total (AVT) em lactente com doença de Werdnig-Hoffmann: relato de caso. Rev Bras Anestesiol. 2010;60 (2):170-2. 3. Baioni MTC, Ambiel CR. Atrofia muscular espinhal: diagnóstico, tratamento e perspectivas futuras. J Pediatr. 2010;86 (4):261-70. 4. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Sociedade Brasileira de Genética Médica e Academia Brasileira de Neurologia. Projeto Diretrizes. Amiotrofia Espinhal: Diagnóstico e Aconselhamento Genético. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes11/amiotrofia_espinhal_diagno stico_e_aconselhamento_genetico.pdf 5. Lima MB, Orrico KF, Moraes APF, Ribeiro CSNS. Atuação da fisioterapia na doença de Werdnig-Hofmann: relato de caso. Rev. Neurocienc. 2010;18(1):50-4. 21 Relato de Caso Incontinência urinária de esforço recidivada – opções terapêuticas: sling espiral Refractory stress urinary incontinence: spiral sling as therapeutic option 1 Gabriel Marques Fávaro 2 André Luiz Farinhas Tomé RESUMO Introdução: as pacientes com incontinência urinária por deficiência esfincteriana severa são um desafio cirúrgico ímpar. As derivações urinárias e a oclusão uretral são frequentemente a próxima etapa no tratamento quando as intervenções prévias não surtem bons resultados. Relato de caso: paciente de 52 anos, sexo feminino, foi submetida a tratamento cirúrgico para correção de incontinência urinária de esforço com sling retropúbico com tela de polipropileno, evoluindo com extrusão vaginal da tela. Foi realizada ressecção do segmento extruso, porém, com lesão do colo vesical, com correção por rafia primária. Um novo estudo urodinâmico evidenciou persistência das perdas urinárias aos esforços, sendo indicado sling retropúbico com aponeurose. No 90º PO evoluiu com sintomas de armazenamento vesical, sendo diagnosticada erosão de fio de prolene para o interior da bexiga, o qual foi retirado por cistoscopia. Evoluiu com perdas urinárias aos mínimos esforços, compatível com deficiência esfincteriana intrínseca severa. Optou-se pela realização de sling espiral aponeurótico. A paciente encontra-se no 3º ano pós-operatório e relata episódios eventuais de perdas urinárias aos grandes esforços, com sensação de esvaziamento completo e melhora da qualidade de vida. ABSTRACT Introduction: Patients with urinary incontinence due to severe sphincter deficiency are a unique surgical challenge. The urinary derivations and urethral occlusion are often the next step in treatment when previous interventions are not successful. Case report: A 52-year-old woman has been submitted to surgical treatment for correction of stress urinary incontinence with retropubic sling with a polypropylene mesh, evolving into vaginal extrusion of the mesh. Resected segment extrusion was accomplished, however, with injury of the bladder neck, with correction by primary suture. A new urodynamic study showed persistence of urinary incontinence to efforts, being indicated retropubic sling with aponeurosis. In the 90th PO, evolved to storage bladder symptoms, being diagnosed wire prolene erosion into the bladder, which was removed by cystoscopy. Postoperatively, the patient developed urinary losses to minimum efforts, consistent with severe intrinsic sphincter deficiency. It was decided for conducting spiral aponeurotic sling. The patient is on the 3rd postoperative year and report eventual episodes of urinary loss on efforts, with sensation of complete emptying and improved quality of life. Key words: Urinary Incontinence. Recurrence. Spiral Sling. Descritores: Incontinência Urinária. Recidiva. Sling Espiral. Introdução Estima-se que a incontinência urinária afeta cerca de 250.00 mulheres no Canadá e 8 milhões de americanas com mais de 65 anos1,2. Um estudo mostrou que 24% das mulheres com idade entre 18 e 44 anos e 37% das mulheres com 45 anos ou mais têm sintomas de incontinência urinária de esforço1. No que diz respeito às formas de tratamento, podem ser do tipo cirúrgico e não cirúrgico. O tratamento não cirúrgico baseia-se na utilização de fármacos como os agentes anticolinérgicos, relaxantes musculotrópicos, inibidores de prostaglandinas, agonistas beta e alfaadrenérgicos, antagonistas beta adrenérgicos, estrógeno e o hormônio antidiurético, além de fisioterapia do assoalho pélvico e a utilização de recursos mecânicos3. Já o tratamento cirúrgico envolve uma série de técnicas, tais como: a colpossuspensão de Burch, a suspensão endoscópica do colo vesical e o sling de parede vaginal, este com maior destaque3. Nessa técnica, a faixa sling - simula o mecanismo de suporte do ligamento pubo-uretral, fornecendo um ponto de ancoragem firme para os músculos associados ao fechamento uretral4. A abordagem pode ser do tipo supra-púbica, retro-púbica ou transobturatória. Apesar das diversas opções terapêuticas, pacientes com deficiência esfincteriana severa ainda representam um desafio cirúrgico ímpar. As derivações urinárias e a oclusão uretral são frequentemente a próxima etapa no tratamento de pacientes com incontinência urinária de esforço (IUE), quando os tratamentos prévios não surtem bons resultados5. O objetivo deste trabalho é discutir a técnica e indicações de sling espiral por meio de um relato de caso. Relato de caso Paciente de 52 anos, sexo feminino, caucasiana, com queixa de perdas urinárias involuntárias aos médios esforços, como rir e tossir, há 3 anos relatou trocas de forros (pads) de 4 a 5 vezes ao dia e troca de vestes de 2 a 3 vezes ao dia. Dentre os antecedentes 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Assistente do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 - 10º andar – 11075-905 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 01/11/2012; aceito para publicação em: 01/06/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 22 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 22 -24, jan / fev / mar 2014 pessoais, foram identificados: multiparidade (IV G, III Pn (I Pf), IA), hipertensão compensada e hipotireoidismo; além de ter sido submetida à colecistectomia e colpoperineoplastia. O cálculo do índice de massa corpórea (IMC) indicou sobrepeso. Em relação ao exame físico, não foram verificados prolapsos pélvicos clinicamente significativos. Há 4 anos, foi submetida a tratamento cirúrgico para correção de incontinência urinária de esforço com sling retropúbico com tela de polipropileno, evoluindo com extrusão vaginal da tela. Foi realizada ressecção do segmento extruso, porém, com lesão do colo vesical, com correção por rafia primária. Durante o pós-operatório, queixou-se, novamente, de perdas urinárias contigentes aos esforços. Em seguida, foi submetida a novo estudo urodinâmico, o qual evidenciou perdas urinárias com pressão de perda (VLPP) de 78cmH2O, sendo indicado e realizado sling retropúbico com aponeurose. No entanto, no 90º PO, a paciente evoluiu com sintomas de armazenamento vesical, sendo diagnosticada erosão de fio de prolene para o interior da bexiga, o qual foi retirado por cistoscopia. No seguimento do caso, evoluiu com perdas urinárias aos mínimos esforços, com pressão de perda de 10 cmH20 compatível com deficiência esfincteriana intrínseca severa. Optou-se pela realização de sling espiral com faixa de aponeurose abdominal, com 1 x 8 cm. Um mixter foi utilizado para passar a faixa entre a uretra e o púbis (Figura 1). As extremidades da faixa foram cruzadas na face ventral da uretra, criando-se um completo círculo ao redor da mesma (Figuras 2 e 3). As suturas foram realizadas com a própria faixa, sem tensão (Figura 4). O resultado cirúrgico foi determinado pela auto-avaliação da paciente e avaliações do resíduo pós-miccional e do trato urinário superior por meio de ultrassonografia. Figura 3 – Confecção do espiral com a faixa de aponeurose. Figura 4 – Sling espiral aponeurótico ao redor da uretra média, com fixação sem tensão. Figura 1 – Mixter orientado para passagem da faixa entre a uretra e o púbis após uretrólise. No momento, a paciente encontra-se no 3º ano pós-operatório e relata episódios de perdas urinárias eventuais aos grandes esforços e associadas à repleção vesical, com baixo débito, com sensação de esvaziamento vesical completo, sem a necessidade de uso de forros (pads), demonstrando no diário miccional intervalos diurnos a cada 3 horas e esvaziamento vesical completo ao ultra-som. Discussão Figura 2 – Apreensão do fio na extremidade da faixa. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 22 -24, jan / fev / mar 2014 O sling espiral é reservado para pacientes com uma uretra totalmente incompetente acompanhada de incontinência severa, na qual múltiplos procedimentos falharam e para quem a oclusão do colo vesical, o esfíncter artificial e um sling para obstrução do colo vesical com subsequente necessidade de cateterização são as únicas alternativas disponíveis5,6. Embora alguns autores sugiram o uso de slings pubovaginais autólogos oclusivos e cateterismo intermitente como alternativa para esta população, o objetivo do sling espiral é evitar a retenção urinária em pacientes com chances potenciais de cura da incontinência. Além disso, a natureza obstrutiva destes slings oclusivos pode levar não somente ao desenvolvimento de retenção urinária, mas também de hiperatividade detrusora e, ocasionalmente, erosão do sling5-7. Nessa difícil população, o suporte posterior da uretra não é suficiente para se obter a continência. A compressão circular da 23 uretra pode levar a resultados clínicos satisfatórios, evitando-se a erosão da uretra e a obstrução. Essa técnica foi descrita com a utilização de uma malha macia de polipropileno com 1 x 15 cm, que foi preparada com suturas de fio de poliglactin zero em cada uma de suas pontas8. Após o envolvimento da uretra na sua face ventral com a malha, os fios são transferidos para a região suprapúbica e amarrados sem tensão. Na sua casuística, para pacientes com sintomas severos por deficiência esfincteriana intrínseca refratária, o sling espiral de salvamento provou melhoras significativas no uso diário de forros (5,9 para 1,7), no escore do questionário de qualidade de vida – QOL (78% de melhora) e no escore do questionário de sintomas do trato urinário inferior (2,8 para 0,7)6. Optamos pelo uso de tecido autólogo pelos antecedentes cirúrgicos apresentados pela paciente. Referências 1. Medical Advisory Secretariat. Midurethral slings for women with stress urinary incontinence: an evidence-based analysis. Ontario Health Technology Assessment Series. 2006;6(3). 2. Perry S, Shaw C, Assassa P, Dallosso H, Williams K, Brittain KR, Mensah F, Smith N, Clarke M, Jagger C, Mayne C, Castleden CM, Jones J, McGrother C. An epidemiological study to establish the prevalence of 24 urinary symptoms and felt need in the community: the Leicestershire MRC Incontinence Study. Leicestershire MRC Incontinence Study Team. J Public Health Med. 2000;22(3):427-34. 3. Silva APM, Santos VLCG. Prevalência da incontinência urinária em adultos e idosos hospitalizados. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(1):36-45. 4. Atherton MJ, Stanton SL. The tension-free vaginal tape reviewed: an evidence-based review from inception to current status. BJOG. 2005;112(5):534-46. 5. Rutman MP, Deng DY, Shah SM, Raz S, Rodriguez LV. Spiral sling salvage anti-incontinence surgery in female patients with a nonfunctional urethra: technique and initial results. J Urol. 2006;175:1794-9. 6. Mourtzinos A, Maher MG, Raz S, Rodriguez LV. Spiral sling salvage antiincontinence surgery for women with refractory stress urinary incontinence: surgical outcome and satisfaction determined by patient-driven questionnaires. Urology. 2008;72:1044. 7. Gilling PJ. New treatments for recurrent stress incontinence. J Urol 2009;181:1992-3. 8. Rodriguez LV, Raz S. Prospective analysis of patients treated with a distal urethral polypropylene sling for semitons of stress urinary incontinence: surgical outcome and satisfaction determined by patient driven questionnaires. J Urol. 2003;170:857. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 22 -24, jan / fev / mar 2014 Relato de Caso Abdome agudo devido torção de ovário causado por teratoma de ovário em crianças Acute abdomen due to ovarian torsion caused by ovarian teratoma in children Juliana Gasparina Gaspar Ribeiro¹ Juliana Ribeiro Cruz de Barros² RESUMO Introdução: as doenças de ovário em crianças são raras. A torção de ovário em crianças devido a tumores que requerem cirurgia é mais comum. Relato de caso: a paciente relatada foi diagnosticada com abdome agudo devido torção de ovário por teratoma de ovário por meio do exame clínico, exames complementares e procedimento cirurgico. Considerações: esse relato tem como objetivo fazer uma revisão do tema, detalhando o diagnóstico, seguimento e tratamento nesses casos. ABSTRACT Introduction: Ovarian diseases in children are rare. The torsion of ovary due to ovarian tumors in children requiring surgery is more common. Case report: The reported patient was diagnosed with acute abdomen due to torsion of ovary because of teratoma of ovary, performed by clinical examination, laboratory tests and surgery. Considerations: This case report aims to make a revision of the theme, detailing the diagnosis, monitoring and treatment in these cases. Key words: Acute Abdomen. Ovary. Descritores: abdome Agudo; Ovário e torção. Introdução A torção de ovário é uma das causas mais comuns de dor abdominal de origem anexial, ocorrendo em pacientes jovens e necessitando de intervenção o mais precocemente possível, na tentativa de manter a viabilidade do ovário comprometido1. A manifestação ocorre quando o ovário e seu pedículo enrolam-se no ligamento suspensor do ovário2. Inicialmente, a torção compromete a drenagem linfática e venosa, ocasionando edema e aumento de volume do ovário comprometido e, com o passar do tempo, a circulação arterial também é acometida, resultando em trombose, isquemia e, por fim, infarto hemorrágico2. Quanto à etiopatogenia, em geral, a torção anexial ou a torção ovariana deve-se a tumor móvel, de médio volume, com pedículo longo, que sofre torção com movimentos corporais. Outras teorias falam a respeito de alterações circulatórias (venosas) que levam a torção do pedículo ou então se devem ao peristaltismo intestinal ou ainda a aderências ao epiploon e alças intestinais3. A torção anexial pode acontecer em anexos sãos ou patológicos. A causa mais comum é a torção de cisto ovário (cistoadenoma ou teratoma), pois a torção apenas da trompa é muito rara3. Patologias de ovários que requerem cirurgia em crianças são raras. O quadro clínico, quando ocorre no lado direito é comumente confundido com apendicite aguda. Os sintomas variam de acordo com as formas com que se torce o anexo, ou seja, lentamente, com intervalos assintomáticos ou de modo brusco3. O quadro começa com dor intensa e súbita no hipogastrico. Mais tarde, naúseas, vômitos, sinais de irritação peritoneal (sinal de Blomberg positivo, contratura muscular, meteorismo)3. A febre é incomum podendo ocorrer na presença de complicação como na necrose de anexo envolvido. Ao toque verifica-se tumor doloroso, de tamanho variável e concistência cística3. Em relação aos exames laboratoriais, o hemograma geralmente é normal, ocorrendo discreta queda dos valores de hemoglobina ou aparecimento de leucocitose em vigência de necrose, o que é incomum e auxilia no diagnóstico diferencial com quadro de afecção inflamatória pélvica aguda1. Relato de caso Paciente com 11 anos, sexo feminino, procurou pronto-socorro devido à presença de dor abdmoninal súbita com início havia sete horas, localizada em abdome à direita, associada a naúseas e vômitos. Negava sinais e sintomas associados. Apresentou episódio de dor abdominal havia um mês, semelhante à apresentada, com melhora por meio do uso de analgésicos. Foi realizada hidratação intravenosa, anti-hemético e analgesia. Devido à persistência do quadro, foi internada. Apresentava-se em regular estado geral, desidratada, corada, com fáceis de dor. A região abdominal estava com RHA normoativos, flácido, doloroso à palpação principalmente à D e com descompressão brusca negativa. Procedeu a investigação pela realização de exames complementares: HMG completo (11.600 leucócitos, sem desvio); PCR e urina I normais; bacterioscopia negativa; radiografia simples de abdome com imagem em calcificação em região de fossa ilíaca à direita; e ultra-sonografia mostrando presença de líquido livre em cavidade abdominal entre alças e fossa ilíaca à D. Devido à imagem calcificada à radiografia, realizou tomografia computadorizada, mostrando massa cística anexial à direita, de conteúdo misto, 1) Residente de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Pediatra no Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Pediatria do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Juliana Gasparina Gaspar Ribeiro, Rua Dr. Oswaldo Cruz, 506, apt. 33 – 11045-100, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 01/09/2012; aceito para publicação em: 01/06//2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 25 - 26, jan / fev / mar 2014 25 compatível com teratoma – Figura 1. Foi avaliada pela Cirurgia Pediátrica, que solicitou CA125 11U/ml; Alfa fetoproteina: 88,5 mg/dl; HCG: menor 2 mIU/ml; Desidrogenase lática: 237U/l. Indicado cirurgia devido a suspeita de torção de ovário à D por teratoma. Foi realizada videolaparoscopia diagnóstica com ooforectomia à D. Paciente evoluiu bem, com alta no terceiro dia de pós-operatório. O anatomopatológico mostrou teratoma cístico ovariano hemorrágico. Figura 1 – A seta mostra presença de massa cística em ovário. Discussão O diagnóstico é feito pela história clínica, toque genital, ultrassonografia, laparoscopia e em raras vezes, pela laparotomia exploradora. O tratamento sempre é cirúrgico e o mais precoce possível3. O diagnóstico é bem definido pela ultrassonografia (US) associada ao Doppler, restando aos métodos seccionais a indicação quando o quadro clínico for sugestivo de outras causas de dor abdominal, como apendicite ou quando a US não puder ser realizada (por exemplo, US endovaginal em pacientes virgens) ou quando seu resultado for inconclusivo4. Os achados de imagem dependem do tempo de evolução da torção ovariana e o sinal mais comum, porém, menos específico, é o aumento de volume do ovário comprometido. Essa especificidade aumenta se for evidenciado estroma central sem folículos, com os últimos dispostos perifericamente, o que é resultado de edema e hemorragia2. Esse achado pode ser bem caracterizado pela TC pós-contraste ou pelas sequências em T2 de RM sem saturação de gordura2,3. A detecção de hemorragia parenquimatosa ovariana é de grande valia e sua extensão depende do grau e da duração da torção. Assim, o infarto hemorrágico ocorre apenas nos estágios finais do processo e a presença de hematoma subagudo está altamente associada com infarto e necrose secundária do ovário envolvido2. À TC, observa-se frequentemente a presença de massa anexial separada do útero e, no caso de teratomas maduros como fator causal, a presença de componentes de gordura macroscópica é bastante útil nessa determinação5. O útero pode apresentar-se desviado para o lado da torção, e achados associados são frequentes, como ascite, obliteração dos planos adiposos adjacentes ou mesmo um ovário aumentado de volume e deslocado de sua posição habitual na fossa ovariana6, 7. Outro sinal bastante útil é a identificação do ovário torcido localizado na região anexial contralateral, o que pode ser apreciado em exames sequenciais antes e após o episódio de torção5. Além disso, a presença de hematoma ovariano, decorrente do infarto hemorrágico, pode ser bem caracterizada à TC sem o meio de contraste, pela presença de focos com alta densidade (30 a 50 UH), sendo que no caso de medidas de densidade maiores que 60 UH há um aumento importante na especificidade para componentes hemáticos2. A fase contrastada pode mostrar vasos sanguíneos alargados ao redor do anexo, o que é consistente com a congestão vascular 26 típica. Esses vasos podem apresentar aspecto espiralado, juntamente com a trompa ou o anexo correspondentes. Todavia, a identificação do "sinal do redemoinho", que representa o pedículo ovariano torcido ao redor de seu eixo, é muito incomum (menos de um terço dos casos) e de difícil caracterização, porém, quando presente, é patognomônico de torção ovariana2. Os achados de RM são muito semelhantes aos observados na TC, sendo que o método possui melhor resolução de contraste e pode determinar com a mesma clareza a existência de massa com conteúdo gorduroso pela presença de alto sinal T1, com queda nas sequências adquiridas com saturação de gordura, o que é compatível com teratoma maduro2 . Devido ao atraso diagnóstico, já que dor pélvica em crianças raramente é investigada de maneira rápida, uma quantidade muito pequena dos ovários torcidos pode ser salva durante a cirurgia. Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico da torção de ovário tem sido a ooforectomia8. As principais razões para esta conduta, são que o ovário de aspecto necrótico pode liberar fenômeno embólico após distorção, poderia ser sede de tumor ou se deixaria tecido necrótico abandonado na cavidade peritoneal9,10 . No entanto alguns autores não levam em consideração estes fatores de risco e preconizam a distorção11, 12. O tratamento cirúrgico é postergado quando a suspeita de processo tumoral. A incidência anual de neoplasia de ovário e 2,6 casos para cada 100.000 mulheres por ano. A maioria dos tumores e benigna, sendo que corresponde a apenas 1 % dos cânceres na infância7. Na última década, a videolaparoscopia representou uma evolução na tática cirúrgica, promovendo tratamento minimamente invasivo, e proporcionando breve recuperação dos pacientes. O tamanho do ovário entumecido, sua cápsula friável e a incerteza do correto diagnóstico, levam a cuidados extras como necessidade de incisão maior no momento da retirada da glândula da cavidade. Quando não se dispoe de “endo-bags” para manter o ovário isolado na cavidade principalmente em aspecto sugestivo de tumor, o melhor é converter a cirurgia para a técnica aberta e não correr o risco de rotura da cápsula de um tumor maligno e sua disseminação. No caso apresentado o diagnóstico foi definido após a realização de exames, pois somente com a clínica e exame físico, não ficou definido o diagnóstico. Após a realização dos exames, pode-se concluir que a paciente apresentava um tumor de ovário que levou à torção do anexo à direita, sendo indicada a cirurgia de urgência. Referências 1. McWilliams GD, Hill MJ, Dietrich CS. Gynecologic emergencies. Surg Clin North Am. 2008;88:265-83. 2. Duigenan S, Oliva E, Lee SI. Ovarian torsion: diagnostic features on CT and MRI with pathologic correlation. AJR Am J Roentgenol. 2012;198(2):W122-31. 3. Halbe HW. Tratado de Ginecologia. vol 1, 1ª ed. São Paulo: Roca; 1987. 4. Hiller N, Appelbaum L, Simanovsky N, Lev-Sagi A, Aharoni D, SellA T. CT features of adnexal torsion. AJR Am J Roentgenol. 2007;189(1):124-9. 5. Bennett GL, Slywatzky CM, Giovanniello G. Gynecologic causes of acute pevic pain: spectrum of CT findings. Radiographics. 2002;22:785-801. 6. Kimura I, Togashi K, Kawakami S, Takakura K, Mori T, Konishi J. Ovarian torsion: CT and MR imaging appearanees. Radiology. 1994;190:337-41. 7. Ghossain MA, Buy JN, Sciot C, Jacob D, Hugol D, Vadrot D. CT findings before and after adnexal torsion: rotation of a focal solid element of a cystic adjunctive sign in diagnosis. AJR Am J Roentgenol. 1997;169(5):1343-6. 8. Aziz D, Davis V, Allen L, Langer JC. Ovarian torsion in children: is oophorectomy necessary. J Pediatric Surg. 2004; 39:750 -3. 9. Skinner MA, Schlatter MG, Heifetz SA, Grosfeld JL. Ovarian neoplasm in children. Arch Surg. 1993;128(8):849-53. 10. Nicholas DH, Julian PJ. Torsion of the adnexa. Clin Obstet Gynecol. 1985;28:375-80. 11. Kokoska ER, Keller MS, Weber TR. Acute ovarian torsion in children. Am J Surg. 2000;180:462-5. 12. Dolgin SE, Lublin M, Shasko E. Maximizing ovarian salvagem when treating idiopathic adnexal torsion. J Pediatric Surg. 2000;35:624-6. 13. Dolgin SE. Acute ovarian torsion in children. Am J Surg. 2002;183(1):956. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 25 - 26, jan / fev / mar 2014 Relato de Caso Implante de lente intra-ocular multifocal em paciente com distrofia endotelial de Fuchs Multifocal IOL implant in a Fuchs endothelial distrophy patient 1 Rodolpho Sueiro Felippe 2 Marcos Alonso Garcia 3 Celso Afonso Gonçalves RESUMO Introdução: A opção por lentes intra-oculares multifocais tem sido bastante discutida em função dos critérios de seleção de pacientes para este tipo de procedimento. Relato de caso: Relata-se o caso de uma paciente portadora de distrofia endotelial de Fuchs que foi submetida à cirurgia de facoemulsificação com implante de LIO multifocal. Como consequência, teve aumento de halos, glare e visão borrada, sendo realizado o DSAEK para melhora dos sintomas. Descritores: Facoemulsificação/Distrofia Endotelial de Fuchs. LIO multifocal/indicações. DSAEK/Catarata. Introdução A opção de lentes intra-oculares (LIO) multifocais para pacientes submetidos à cirurgia de catarata aumentou consideravelmente nos últimos anos. Entretanto, os critérios de seleção de pacientes para implante de LIO multifocal têm sido objeto de frequentes discussões em função dos resultados obtidos. Visão borrada, glare e halos são queixas comuns desses pacientes, o que traduz alta taxa de insatisfação1,2. Com isso, pacientes com outras doenças oculares, como a distrofia endotelial de Fuchs não se apresentam como candidatos a esse tipo de procedimento, uma vez que essa distrofia também induz sintomas oculares, tais como glare, halos e visão borrada. Este artigo relata o caso de uma paciente que foi submetida à cirurgia de extração de catarata por facoemulsificação e implante de LIO multifocal sendo portadora de distrofia endotelial de Fuchs. Relato do caso Paciente de 70 anos, sexo feminino, natural de Miami, Florida, foi encaminhada para o Setor de Córnea do Massachussets Eye and Ear Infirmary para avaliação. Apresentava queixa principal de “borramento da visão” e história de blefaroplastia bilateral, em 2008 e facoemulsificação e implante de lente intra-ocular (LIO) multifocal AcrySof ReSTOR (Alcon Laboratories, Fort Worth, TX) no OS, em 2009. Era portadora de hipotireoidismo, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. Fazia uso de Sinvastatina, Levotiroxina e Furosemida. Tinha histórico de mãe com glaucoma. Ao exame oftalmológico, apresentava: AVcc 20/30 OD e Brightness Acuity Test OE 20/60; exame refratométrico de -0,50 0,25 65º OD, -0,75 -1,25 115º OE e adição de +2,75 AO; pupilas de ABSTRACT Introduction: The choice for multifocal IOL have been very discussed towards the selection of patients for this type of procedure. Case report: The case of a Fuchs endothelial dystrophy patient who underwent a phacoemulsification with a multifocal IOL implant is described. As a result, the patient had a increase of halos, glare and blurry vision and for this, a DSAEK have been done in order to solve the symptoms. Key words: Facoemulsification/Fuchs Endothelial Distrophy. Multifocal IOL/indications. DSAEK/Cataracts. 4mm AO, Tonometria de 16mmHg AO às 10:52 da manhã e motilidade ocular preservada. Apresentava pseudofácica OE com LIO AcrySof ReSTOR no saco capsular e fácica OD com opacidade de cristalino. Apresentava edema estromal corneano com Guttas e microbolhas OD e Guttas em OE. Ao exame fundoscópico, apresentava escavação de papila de 0,3 AO e não apresentava alterações de vítreo, mácula, vasos e periferia de retina AO. Foi realizada microscopia especular, com contagem celular de 1430 células/mm2 em OD e 1103 células/mm2 em OE, paquimetria ultrasônica com 562 micra OD e 573 micra OE. Planejou-se a realização de DSEK. Realizou-se o DSEK após um mês e não houve intercorrência. No entanto, no pós-operatório de sete dias, apresentava AVcc CD1m OE e, à lâmpada de fenda, notou-se que o transplante estava deslocado inferiormente. Optou-se pela realização de novo DSEK, sendo realizado após 14 dias, sem intercorrência. Sete dias após o novo DSEK, apresentava AVcc de 20/200 e foi verificada a presença de fluido na interface, sendo, então, realizada a injeção de ar no ambulatório. Com 21 dias após o segundo DSEK, apresentava AVcc 20/400 e ainda havia fluido na interface. No entanto, com 24 dias, apresentou AVcc 20/80 e não havia mais fluido na interface. No pós-operatório tardio de dois meses, apresentou AVcc 20/25OD e AVcc 20/30 OE, refração de 0,50 -0,75 75 OD e +2,25 -0,75 68, paquimetria de 533 micra OD e 532 micra OE, tonometria de 12 OD e 13 OE e, à lâmpada de fenda, opacidade de cristalino e Guttas difusas OD e transplante sem alterações em OE com LIO multifocal no saco capsular. No pósoperatório tardio de dois anos e dois meses, apresentou AVcc 20/30 OD e AVcc 20/30 OE, refração de -0,50 -1,00 85 OD e plano -0,25 95, paquimetria de 552 micra OD e 564 micra OE e tonometria 14 OD e 16,5 OE. À lâmpada de fenda, apresentou opacidade de cristalino e Guttae difusas OD (Figura 1) e transplante sem 1) Médico Residente de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Médico Oftalmologista, Preceptor da Residência de Oftalmologia do Hospital Ana Costa/Santos, SP, Brasil. 3) Médico Oftalmologista, Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Instituição: Serviço de Oftalmologia do Hospital Ana Costa, Santos, SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60, 10º andar, 11075-905, Santos, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 01/11/2012; aceito para publicação em: 19/04/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 27 - 28, jan / fev / mar 2014 27 alterações em OE com LIO multifocal no saco capsular (Figura 2). Nota-se que o fato de submeter à paciente ao DSEK alterou a refração da mesma. Entretanto, essa mudança foi benéfica, uma vez que a refração pré-operatória era de -0,75 de esférico em OE e no pós-operatório era plano, favorecendo a paciente ao uso da LIO multifocal. operatória em pacientes candidatos a implante de LIO multifocal é mandatória, a fim de se evitar resultados desfavoráveis. Exames que avaliam a córnea mostram-se como importantes ferramentas na escolha dos pacientes para este tipo de procedimento. A microscopia especular mostra-se imprescindível, pois avalia a vitalidade do endotélio corneano. Nota-se que pacientes com insatisfação em função do implante de LIO multifocal podem ser submetidos à explante da LIO e implante de LIO monofocal6. No entanto, a realização de outros procedimentos em detrimento do explante da LIO multifocal pode ter resultados satisfatórios. Referências Figura 1 – OS com implante de LIO multifocal e DSAEK. 1. Woodward MA, Randleman JB, Stulting RD. Dissatisfaction after multifocal intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg. 2009; 35(6):992-7. 2. de Vies NE, Webers CA, Touwslager WR, Bauer NJ, de Brabander J, Berendschot TT, Nuijts RM. Dissatisfaction after implantation of multifocal intraocular lenses. J Cataract Refract Surg. 2011;37(5):859-65. 3. Montés-Micó R, Alió JL. Distance and near contrast sensivity function after multifocal intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg. 2003;29(4):703-11. 4. Montes-Micó R, España E, Bueno I, Charman WN, Menezo JL. Visual performance with multifocal intraocular lenses: mesopic contrast sensivity under distance and near conditions. Ophthalmology. 2004;111(1):85-96. 5. Calladine D, Evans JR, Shah S, Leyland M. Multifocal versus monofocal intraocular lenses after cataract extraction. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 9. Art. No.: CD003169. DOI: 10.1002/14651858.CD003169.pub3 6. Bartholomeeusen E, Rozema J, Tassignon MJ. Outcome after multifocal intraocular lens exchange because of severely impaired quality of vision. Bull Soc Belge Ophthalmol. 2012;(319):43-50. Figura 2 – OD com Catarata e Guttae. Discussão Os implantes de LIO multifocal têm sido bastante discutidos atualmente em função da existência de resultados desfavoráveis com esse tipo de lente1,2. É notavel que a LIO multifocal é responsável por sintomas de halos, glare e diminuição da sensibilidade ao contraste3-5. Sabe-se também que a distrofia endotelial de Fuchs afeta a estrutura corneana, o que ocasiona sintomas de halos, glare e diminuição da sensibilidade ao contraste. Diante disso, sabe-se que uma aprofundada avaliação pré- 28 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 27 - 28, jan / fev / mar 2014 Relato de Caso Pleurostomia associada à tuberculose Tuberculosis associated with thoracostomy Beatriz Miyuki Kinjo¹ Egydio Pacheco Junior² RESUMO Introdução: a tuberculose é endêmica no Brasil e é mais que essencial que se tenha conhecimento não somente da doença, mas também de suas complicações cirúrgicas e o tratamento mais eficaz. Relato de caso: relata-se o caso de tuberculose pulmonar complicada com pneumotórax e empiema pleural, refratário ao tratamento com drenagem de tórax, sendo necessário o tratamento com pleurostomia. A paciente evoluiu com melhora do quadro clínico, recebeu alta com orientação de cuidados locais da pleurostomia e segue em acompanhamento ambulatorial para tratamento da tuberculose. Considerações finais: saber reconhecer qual o tratamento ideal para casos de empiema pleural decorrente de tuberculose é fundamental, pois diminui a morbimortalidade. ABSTRACT Introduction: Tuberculosis is endemic in Brazil and it is essential to be aware not only of the disease, but also of its surgical complications and of the most effective treatment for the case. Case report: A case of pulmonary tuberculosis complicated with pneumothorax and pleural empyema, refractory to chest drainage, requiring treatment with thoracostomy is reported. The patient had clinical improvement, being discharged with the guidance of thoracostomy local care and is under outpatient attendance for tuberculosis treatment. Final comments: It is essential to know how to recognize the ideal treatment for cases of pleural empyema caused by tuberculosis because it reduces the morbidity and mortality. Key words: Tuberculosis. Thoracostomy. Pneumothorax. Descritores: tuberculose. Pleurostomia. Pneumotórax. Introdução A tuberculose é uma infecção bacteriana crônica de distribuição mundial, sendo a segunda causa de morte por doença infecciosa no mundo1. Desde 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou-a uma emergência mundial. Há cerca de 75 mil novos casos por ano, sendo este dado subestimado, já que nem sempre a doença é notificada. O Brasil está entre os 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose, sendo o Estado do Rio de Janeiro o que tem maior taxa de mortalidade (7,0/100 mil habitantes). O governo adotou medidas de controle como o tratamento supervisionado e a municipalização do atendimento. Com isso, diminui significativamente o número de óbitos e de complicações2. Até a primeira metade do século 20, antes do surgimento dos fármacos antituberculose, o repouso e a colapsoterapia eram os tratamentos disponíveis para a tuberculose pulmonar1. A partir de 1960, com a descoberta e a incorporação no tratamento de novos e eficazes fármacos, a ressecção pulmonar foi perdendo espaço no tratamento da tuberculose pulmonar em atividade, porém, ainda mantém lugar cativo no tratamento das complicações que a tuberculose acarreta1. Atualmente se utiliza o seguinte esquema de tratamento, nos dois primeiros meses, pelo Coxcip 4 (comprimido contendo dose fixa combinada de rifampicina , isoniazida, pirazinamida e etambutol); e nos quatro últimos meses pela rifampicina e isoniazida (cápsula contendo 300mg de rifampicina e 200mg de isoniazida). A mudança do esquema terapêutico ocorreu em 2009, devido ao aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4% para 6%) e à isoniazida associada à rifampicina (de 1,1% para 1,4%), observado no II Inquérito Nacional de Resistência aos Fármacos anti_TB, realizado no período de 2007-2008, em comparação com os resultados do I Inquérito Nacional, conduzido em 1995 a 19973,4. Entretanto, em complicações como empiema pleural crônico o tratamento com pleurostomia se faz necessário, pois não há uma resposta favorável somente antibioticoterapia. Reconhecer essa condição diminui consideravelmente o tempo de internação assim como a morbimortalidade5,6. Relato de caso Paciente, 46 anos, masculino, casado, natural de Pernambuco, residente na cidade de Guarujá, diabético, tabagista, procura atendimento médico com queixa de dor no peito. Relata que há um mês iniciou quadro de tosse associada à expetoração esverdeada, dispnéia e hemoptise e que nas últimas duas semanas vem evoluindo com febre de 38º, de característica vespertina. Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral, lúcido, descorado, 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Médico Pneumologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Pneumologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Santos, 404 ap. 102 /SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 30/11/2012; aceito para publicação em: 05/08/2013; publicado online em: 10/04/2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 29 - 31, jan / fev / mar 2014 29 hidratado, acianótico, anictérico e dispnéico 2+/4+, ausculta pulmonar com murmúrio vesicular abolido em base de hemitórax esquerdo com sibilos. Demais sistemas sem alterações relevantes para o caso. Foi realizada radiografia simples de tórax (Figura 1) e tomografia computadorizada de tórax (Figura 2), mostrando pneumotórax à esquerda. O paciente foi internado em enfermaria onde foi submetido à drenagem pleural fechada à esquerda para fins terapêuticos. Figura 3 – Radiografia simples de tórax após realização de pleurostomia. Figura 1 – Radiografia simples de tórax evidenciando pneumotórax à esquerda. Figura 4 – Pleurostomia. Discussão Figura 2 - TC de tórax em corte transversal, mostrando pneumotórax à esquerda. Foi confirmada pela cultura de BAAR no escarro a infecção por Mycobacterium tuberculosis, sendo iniciado tratamento com esquema RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol). Mantém-se com grande desconforto respiratório e dor de forte intensidade na região do dreno, que responde mal a analgésico. Constatou-se diminuição da quantidade de secreção e ar drenado, sendo optado fechamento do dreno. Evolui mal, com dispnéia e constatado por exame radiológico aumento da área de pneumotórax, sendo necessário abrir o dreno novamente que apresentou saída de material purulento. Mesmo após abertura de dreno, evolui sem melhora do quadro clínico, mantendo febre, sendo optado o tratamento cirúrgico. Realiza-se pleurostomia com toracectomia parcial – Figura 3. Teve melhora progressiva do quadro clínico, tendo recebido alta com aconselhamento de cuidados no local da pleurostomia (Figura 4) e seguimento ambulatorial no tratamento da tuberculose. 30 O pneumotórax (presença ou acúmulo de ar na cavidade pleural) é uma das complicações cirúrgicas da tuberculose. Ocorre pela formação de fístula broncopleural produzida por ruptura de lesão subpleural infectada ou não ou por ruptura de abscesso tuberculoso para o espaço pleural. Seu diagnóstico é clínico-radiológico. Os principais sintomas são a dor torácica, de início agudo e de localização ipsilateral e a dispnéia. A conduta é determinada pela gravidade do caso7. No caso do pneumotórax, como o do paciente descrito, a grande maioria dos casos requer somente a drenagem pleural fechada como fase inicial do tratamento, exceto nos pacientes estáveis com pneumotórax de pequenas proporções. Foi feita a drenagem pleural fechada, porém, não ocorreu resultado satisfatório sendo necessária a realização de pleurostomia devido à empiema pleural crônico. A pleurostomia trata-se de um método de drenagem aberta, temporária ou permanente da cavidade pleural sem a utilização de drenos ou tubos, com a finalidade de prover a drenagem prolongada e saneamento do espaço pleural nos casos de empiema crônico. Está indicada como procedimento preferencial no empiema na fase crônica: quando ocorre espessamento pleural que resulta em encarceramento pulmonar e encistamento da coleção purulenta, usualmente em localização posterior, inferior e lateral na cavidade pleural; quando se vislumbra evolução lenta e hospitalização prolongada com outros métodos de drenagem pleural; ou quando se considera a indicação de procedimentos Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 1, p. 29 - 31, jan / fev / mar 2014 cirúrgicos mais agressivos, como a decorticação pulmonar ou a toracoplastia8. A toracotomia pode ser realizada póstero- lateral ou a transversa poupadora de músculos, bem como a longitudinal8. No caso foi escolhida a póstero-lateral. Diante dessas informações, pode-se compreender que conduzir alguns casos de tuberculose nem sempre é uma tarefa fácil, podendo haver diversas complicações e abordagens. Conduzir de maneira adequada casos de tuberculose é mais que essencial para a prática clínica. Para isso devemos saber reconhecer e tratar não somente sua forma simples, mas também sua possíveis complicações. Saber identificar a necessidade de tratamento cirúrgico diminui a morbimortalidade, fazendo com que haja melhora do quadro clínico e redução dos custos hospitalares, já que diminui o tempo de internação5,6. Com o caso descrito, foi visto que conduzir casos de pneumotórax e empiema pleural secundários à tuberculose somente com drenagem de tórax fechado, pode não ser eficaz e, que muitas vezes se faz necessário pleurostomia. Devemos tentar identificar essa condição o mais precocemente possível evitando seu adiamento, pois é determinante para a melhor resolução do caso. http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2005000200001&lng=en&nrm=iso 3. Secretaria de Estado da Saúde. Divisão de Tuberculose. Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac". Coordenadoria de Controle de Doenças. Mudanças no tratamento da tuberculose. Rev Saúde Públ. [online] 2010;44(1):197-9 [cited 2012-10-20]. Available from: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102010000100022&lng=en&nrm=iso 4. Barreira D, Grangeiro A. Avaliação das estratégias de controle da tuberculose no Brasil. Rev Saúde Públ. [online] 2007;41;(suppl.1):4-8 [cited 2 0 1 2 - 1 0 - 2 0 ] . A v a i l a b l e f r o m : http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102007000800002&lng=en&nrm=iso 5. Pinto Filho DR. Empiema pleural: a indicação do uso da pleuroscopia. Rev Ass Méd Caxias do Sul. 1992;18-22. 6. Lawrence DR, Ohri SK, Moxon RE, Fountain SW. Thoracoscopic debridement of empyema thoracis. Ann Thorac Surg. 1997; 64:1448-50. 7. Goble M, Iseman MD, Madsen LA et al. Treatment of 171 patients with pulmonary tuberculosis resistant to isoniazid and rifampin. N Engl J Med. 1993;328:527-32. 8. Andrade Filho LO, Milanez de Camos JR, Haddad R. Pneumotórax. J Bras Pneumol. 2006;32(Supl 4):S212-S216. 9. Pinto Filho DR. 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