Reuniões pedagógicas e a prática reflexiva Aline Oliveira Peixoto1 Cecy Maria Martins Marimon Gonçalves Inajara Meregalli de Jesus de Oliveira Janaína Miranda da Rosa Herborn Karen Soares Nunes Maria Inês Ferreira Resumo: O presente artigo é resultado de pesquisa realizada pela equipe pedagógica do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval, de Osório/RS, tendo como público-alvo professores da Educação Básica do Instituto e como temática a Reunião Pedagógica. Procurou-se, pelo estudo de referencial teórico sobre a prática reflexiva e através de uma investigação-ação, compreender a percepção dos professores do Instituto sobre a abrangência, pertinência e qualidade das reuniões pedagógicas e sua contribuição para a formação em serviço dos profissionais. Traçou-se um panorama a respeito da temática em questão e esboçou-se algumas ações necessárias para que tanto a equipe pedagógica quanto os docentes qualifiquem uma prática reflexiva, contribuindo para a melhoria dos processos educativos desenvolvidos. Palavras-chave: prática reflexiva, formação em serviço Introdução A delimitação da temática para este artigo partiu de questões suscitadas nas reuniões da equipe, com relação ao redimensionamento das ações pedagógicas do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval. Desenvolveu-se, então, um estudo fundamentado na ação – reflexão – ação, buscando alternativas de intervenção frente aos desafios que se apresentam em nossas práticas pedagógicas. Entende-se, para nortear este trabalho, que escola reflexiva é aquela que pensa sobre a sua prática e age, que trabalha concomitantemente a ação/reflexão, buscando qualificação dos processos. Ao longo do ano letivo de 2008, observou-se que muitos aspectos da prática, dos modelos de gestão e organização vigentes precisavam de análise e reformulação. Principalmente em relação ao trabalho com os docentes, observa-se a necessidade de ressignificação da dinâmica e dos 1 Equipe Pedagógica do Instituto Cenecista Marquês de Herval 171 enfoques das reuniões de professores, que acontecem mensalmente e são organizadas pela equipe pedagógica. A equipe pedagógica constatou, em alguns momentos daquele ano letivo, dificuldades no planejamento e execução das reuniões, preocupando-se em elaborar uma proposta desafiadora, que promovesse a sensibilização e o envolvimento dos professores, de forma a que participassem ativamente, com empenho e responsabilidade. Decidiu-se, então, fazer uma pesquisa com o corpo docente do Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval, tendo como foco específico as reuniões pedagógicas, visando a conhecer a percepção dos professores sobre estas reuniões e, como conseqüência, promover a ressignificação das ações pedagógicas de formação continuada, num processo em que a prática supervisora seja reflexiva, pautada em investigação e resolução dos problemas, buscando sentido e envolvimento no âmbito escolar. Os aspectos pesquisados, constantes no formulário em anexo, vão desde a opinião dos professores sobre as reuniões pedagógicas, duração, frequência, motivação em participar, bem como sugestões sobre a sistemática e dinâmica das reuniões, além de um questionamento específico ao professor, em uma autoavaliação sobre sua prática reflexiva. Desenvolvimento: Nossa sociedade hoje é uma sociedade de informação, em que se deve saber de tudo, num curto espaço de tempo. A aceleração de idéias, se assim podemos chamar, acelera as demandas escolares, professores e equipes pedagógicas se vêem em meio a uma enxurrada de tarefas, o que dificulta, muitas vezes, a expressão de alguns saberes importantes e necessários. Alarcão (2004) refere que o pensamento e a compreensão são fatores de desenvolvimento pessoal, social, institucional. Para viver nessa sociedade em 171 172 constantes mudanças, é preciso que o sujeito tenha competência, demandando uma necessidade de, além do conhecimento e da informação, desenvolver capacidades relacionadas aos quatro pilares da educação: saber fazer, aprender a aprender, aprender a conviver, e aprender a ser. A autora afirma que, para um bom desempenho na sociedade, há necessidade de compreender e utilizar as várias linguagens disponíveis, saber lidar com a informação, de forma flexível, sistematizando-a e recriando, uma vez que o contexto atual exige atitudes autônomas, colaborativas e dialogantes, em projetos que contemplem reflexão e pesquisa. Uma escola reflexiva, segundo Alarcão, É uma escola que sabe onde está e para onde quer ir. Pensa-se, tem um projeto orientador de ação e trabalha em equipe. É uma comunidade pensante. Ao pensar a escola, os seus membros enriquecem-se e qualificam-se a si próprios. Nessa medida, a escola é uma organização simultaneamente aprendente e qualificante (2004, p. 85) Durante o ano letivo de 2008, trabalhou-se na reorganização da proposta políticopedagógica da Escola, num processo de pensar a escola realizado de forma participativa. Constituiu-se um perfil de aluno almejado, um perfil de professor necessário e definiu-se os fundamentos educacionais para nortear o fazer pedagógico (HENGEMÜHLE, 2004). Em 2009, a equipe pedagógica focou seu trabalho na implementação dessa proposta. Para atingir esse objetivo, qualificar as reuniões de professores torna-se imprescindível. Com base no entendimento da necessidade da escola ser reflexiva e a partir das observações participantes realizadas e do questionário aplicado, pode-se levantar algumas considerações sobre as reuniões pedagógicas realizadas pelo Instituto de Educação Cenecista Marquês de Herval. A reunião pedagógica, que acontece mensalmente, com a participação de todos os professores da educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e curso normal, além do caráter informativo, propõe espaço para discussão e planejamento de ações coletivas. A observação sistemática das reuniões ocorreu de março a junho e, em setembro, foi elaborado e aplicado um questionário aos docentes, com o objetivo de melhor 172 173 explorar os dados, compará-los com as observações realizadas e contrastar com os referenciais teóricos. Do total de trinta e cinco professores da educação básica, obteve-se resposta a vinte e três questionários, número considerado significativo e expressivo. Durante o ano letivo de 2009, pode-se perceber uma crescente participação de professores nas reuniões pedagógicas, bem como uma diminuição nos atrasos na chegada às reuniões, em relação a 2008. De cada reunião participaram, em média, 25 a 30 professores, grande parte envolvidos, motivados e integrados à proposta. Dos docentes que responderam ao questionário, doze são professores em exercício há mais de dez anos; oito atuam no magistério há aproximadamente quatro anos; três são professores com cinco a dez anos de atuação docente. Desses, todos referem participar das reuniões pedagógicas mensalmente, ou a mais de uma reunião no mês2. A maioria considera que a duração da reunião é adequada, sentem-se motivados a participar e acreditam que a freqüência mensal está apropriada. Expressiva parcela dos docentes entende que a reunião pedagógica é produtiva, importante e necessária, trata de assuntos relevantes, favorece a interação entre os colegas, a troca de idéias, a reflexão sobre a prática pedagógica, e que reforça o sentimento de pertencer ao grupo, além do seu caráter informativo, visto ser importante saber o que acontece na Escola. Nesse sentido, confirmam a assertiva de Fullan e Hargreaves (2000), de que as reuniões pedagógicas são uma das ferramentas que oferecem ao docente uma melhor compreensão e a ressignificação do seu trabalho na Instituição. Considerando que uma prática reflexiva no espaço escolar propõe que se possa pensar sobre o contexto de ensino, procurando identificar os aspectos que ajudam e os que impedem que coloquemos em prática nossos propósitos, não se pode ter educação sem ação. Esse sentido dinâmico faz com que se entenda a escola como uma organização aprendente. Com a proposta de capacitação em serviço, através de reuniões mensais e grupos de estudos, os professores do Marquês têm 2 Provavelmente se referindo a reuniões pedagógicas em outras instituições. 173 174 oportunidades para buscar o aperfeiçoamento pessoal e profissional. O que se observa, no entanto, é que não há uma unanimidade nesse desejo de qualificação, pois há professores afirmando que as reuniões servem “para nos fazer trabalhar mais”3. Schön (1992) destaca a importância da reflexão sobre a ação, aspecto da prática docente, como subsídio para ampliação do conhecimento sobre seu trabalho, da capacidade de entender as situações e possibilidades da prática, resolvendo conflitos e superando esses limites. Já Tardif (2002) destaca a importância dos saberes da experiência incorporando a experiência individual e coletiva sob a forma de hábitos e habilidades, de saber – fazer e de saber-ser. Na observação sobre a prática da supervisão e NADi, percebese que, ao constatar os limites de sua prática docente, alguns professores, embora apresentando vontade para essa resolução, não utilizam níveis de iniciativa adequados para “entender as necessidades não-atendidas e os problemas nãoresolvidos” (COVEY, 2005), delegando às famílias ou aos serviços de apoio muitos encaminhamentos que poderiam facilmente ser feitos por professor e aluno. Essa forma de resolução, no entendimento da equipe pedagógica, muitas vezes contribui para dificultar o processo individual e coletivo de superação. Quanto ao tempo e à sistemática da reunião pedagógica, há divergências entre professores, enquanto alguns consideram o tempo suficiente e a forma de organização satisfatória, afirmando que devem “continuar como está, com informações e produção pedagógica”, outros consideram que “a demanda é muita, há necessidade de mais tempo para debates, pois as atividades exigem muita reflexão e análise” e que são necessárias “reuniões por área, por série ou disciplina; tempo para troca de experiências entre professores, leituras de aprofundamento; espaço mais amplo; mensagens e reflexões do NADi no início das reuniões; atividades e dinâmicas com produção e estímulos do professor”. Ao sugerirem “mais dinâmicas de grupo que gerem estimulo e produções posteriores, reflexões e sensibilizações”, os docentes sinalizam desejo de uma maior continência e presença da equipe. É de considerar que a escuta ao docente por 3 Em itálico, falas de professores, retiradas dos questionários da pesquisa. 174 175 parte da equipe pedagógica é fundamental, assim como é imprescindível que a equipe esteja implicada com os professores. Essas falas vêm ao encontro do que diz Fontana (1991) sobre importância da escola na vida das pessoas, visto que a escola possibilita ao corpo docente uma nova oportunidade de se relacionar e vivenciar experiências diferentes das vividas até então, entendendo que a escola deveria proporcionar um ambiente saudável e preventivo para todos. Diferentes autores, como Tardif (2002), Schön(1987; 2000) e Demo(2004), entre outros, se complementam e confirmam as necessidades apresentadas pelos professores, alertando constantemente para a importância de priorizar a qualidade e que qualidade só se consegue ao dar ênfase aos recursos humanos - quando olharmos para as pessoas - quando a “coisificação” diminuir e aumentarmos a autoeficácia dos professores, através da dialogicidade entre equipe diretiva, serviços de apoio e corpo docente. Hengemühle (2004) afirma que “se queremos que a escola toda caminhe para a qualificação e efetivação das metas, a equipe diretiva tem nas reuniões oportunidades ricas para refletir, analisar, avaliar o proposto pelo projeto pedagógico” e que “as reuniões devem ser oportunidades de construção e servir para disciplinar e comprometer a todos na efetivação do proposto”. Refletir sobre a prática é um conceito ligado ao modo como se lida com os problemas dessa prática. É preciso aceitar a incerteza que caracteriza a atuação do professor. O processo reflexivo parte do reconhecimento do problema, identificação do contexto e o diálogo com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações” que pontuam a prática docente (SCHÖN,1987, apud Oliveira e Serrazina, s.d.). Nesse ponto, dos vinte e três professores, quinze se consideram reflexivos e oito se consideram reflexivos, às vezes. Sob esse aspecto, durante as observações realizadas durante as reuniões, identificou-se que, de fato, muitos professores utilizam o espaço da reunião para crescimento pessoal e profissional, ao mesmo tempo em que alguns se mostram mais resistentes. Outros demonstram claramente a ambivalência presente nas intervenções coletivas: durante a reunião, se mostram 175 176 abertos e receptivos às propostas, depois apresentam falas negativas ou simplesmente ignoram os combinados. Considerações Provisórias: Ao afirmar que “todos nós refletimos na ação e sobre a ação, e nem por isso nos tornamos profissionais reflexivos. É preciso estabelecer a distinção entre a postura reflexiva do profissional e a reflexão episódica de todos nós sobre o que fazemos”, Perrenoud (2002) sinaliza uma demanda bastante importante para a equipe pedagógica. Poder repensar a si próprio e a sua prática não é uma tarefa fácil, e se torna mais difícil no espaço escolar, no qual além das características individuais, a ansiedade de competência se torna evidente. Mudar a forma de ver as coisas é um processo contínuo, dinâmico, em que se esperam insights, para que as situações problematizadoras possam ser repensadas. É preciso uma ação metacognitiva, o professor e a equipe pedagógica precisam pensar sobre o que sabem, visando a qualificação da sua prática. A prática reflexiva da supervisão escolar poderá, desta forma, contribuir com a gestão escolar, já que, segundo Alarcão, gerir essa escola reflexiva é considerar a experiência, utilizar-se da observação, conceptualização, generalização e experimentação na ação. É considerar a escola em desenvolvimento e aprendizado, é estar integrada às pessoas e processos. É ter no centro não somente o aluno, mas todo o elemento humano (2004). Nessa perspectiva, as reuniões deverão oportunizar mais espaço de escuta, propondo a integração do que se discute e o que se faz no cotidiano escolar, o atendimento às angústias dos professores frente à sua prática, a discussão dos acertos e erros, das mediações e avaliações sobre o trabalho docente, oferecendo feedback e ajudando na assertividade da prática pedagógica. Faz-se mister buscar sempre a otimização dos processos pedagógicos, através da qualificação da capacidade reflexiva da equipe, de maneira a adotar uma prática investigativa e transformadora, que pense e implemente encaminhamentos junto ao corpo docente, estimulando a autonomia, e reduzindo o distanciamento e a 176 177 dicotomia entre prática e teoria, de forma a promover a aproximação cada vez maior com o perfil de professor do Marquês de Herval, expresso na Proposta Político Pedagógica. Referências ALARCÃO, I. Professores reflexivos numa escola reflexiva. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2004. DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 13ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. DEMO, Pedro. Futuro e reconstrução do conhecimento. 4ª edição. Petrópolis RJ: Vozes, 2004. FONTANA, David. Psicologia para professores. São Paulo: Ed. Manole, 1991. FULLAN, M. e HARGREAVES, A. A escola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. OLIVEIRA, Isolina; SERRAZINA, Lurdes. A reflexão e o professor como investigador. Disponível em: ia.fc.ul.pt/redeic/textos%20teoricos/02-oliveira-serraz.doc COVEY, S. O 8º hábito: da eficácia à grandeza. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda. ... HENGEMÜHLE, A. Gestão de ensino e práticas pedagógicas. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004. PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão docente. Porto Alegre: Artmed, 2002. SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: ARMED, 2000. 177 178 ANEXO I Projeto “Grupo de Estudos com Professores em Serviço” Tema: O papel da equipe pedagógica na formação de uma Escola Reflexiva Pesquisa sobre a Reunião de Professores Há quanto tempo você é professor? ( ) 0 a 5 anos ( ) 5 a 10 anos ( ) mais de 10 anos Durante o tempo de profissão, sempre participou de Reuniões de Professores? ( não ( ) sim, mensalmente ( ) sim, mais que 1 reunião ao mês ) Qual sua opinião sobre Reuniões de Professores? Numere as alternativas que entenderes pertinentes, por ordem de importância. ( ) necessárias ( ) importantes ( ) produtivas ( ) mera obrigatoriedade ( ) cansativas ( ) improdutivas Sobre as Reuniões de Professores do Marquês, você se sente motivado em participar? ( ) sim Por quê? ___________________________________________________________________ ___ ( ) não Por quê? ___________________________________________________________________ ___ ( ) às vezes. Por quê? ___________________________________________________________________ Na sua opinião, as reuniões de professores deveriam ser: ( ) mensais – como são atualmente ( ) quinzenais ( ) semanais ( ) outra organização. Qual? ______________________________________________________________ O tempo da reunião de professores, atualmente de 1h e 30min é suficiente? ( ) sim Por quê? ___________________________________________________________________ ___ ( ) não Por quê? ___________________________________________________________________ ___ 178 179 Qual a sua sugestão para a sistemática e a dinâmica da reunião de professores? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ _________________________________________________________ Sobre os assuntos tratados nas reuniões de professores em 2009 (Análise da Proposta Político-Pedagógica, Ressignificação dos Conteúdos por Componente Curricular, Elaboração de Aula para o Desenvolvimento de um Conteúdo, Apresentação de Aula, Adaptação Curricular Individualizada, Planejamento e Ações para o ENEC, Planejamento e Ações de Eventos da Escola, entre outros) estes são adequados e necessários? ( ) sim ( ) não ( ) em parte. Por quê? ___________________________________________________________________ Que outros você sugere? _________________________________________________________________ Refletir sobre a prática é um conceito ligado ao modo com que se lida com os problemas dessa prática. Para essa reflexão, é preciso aceitar a incerteza que caracteriza a atuação do professor. O processo reflexivo parte do reconhecimento dos problemas, identificação dos contextos e o diálogo com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações” que pontuam a prática docente. (Schön, 1987). Nessa perspectiva, você se considera um professor reflexivo: ( ) sempre ( ) às vezes ( ) raramente Para priorizar o espaço de construção de uma prática reflexiva, as reuniões pedagógicas deveriam ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________ 179