XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT 16: Hospitais e instituições de saúde: Um espaço inspirador para as pesquisas em Ciências Sociais Corpo, gênero, "caminho espiritual" e charlatanismo. Notas metodológicas sobre um campo amazônico Ana Gretel Echazú Böschemeier Universidade de Brasília [email protected] Corpo, gênero, "caminho espiritual" e charlatanismo. Notas metodológicas sobre um campo amazônico Ana Gretel Echazú Böschemeier Universidade de Brasília [email protected] Proposta No presente trabalho, gostaria de realizar uma reflexão sobre as implicações de ser mulher e trabalhar em contextos de pesquisa que envolvem a experiência com psicoativos, e o farei me focando no contexto do chamanismo que se pratica em cidades da Amazônia peruana. Tal chamanismo é centrado no diálogo com “plantas maestras” ou “plantas sagradas”, dentre as quais se conta, de maneira privilegiada, a ayahuasca. Nesse trabalho, me focarei nas questões de gênero em primeiro lugar, sendo a particularidade da experiência com psicoativos na pesquisa participativa uma questão que precisa de discussão e maior articulação com as questões que pretendo colocar aqui1. Para descrever alguns aspectos relativos a gênero do cenário onde se inscreve a presente discussão, trarei alguns elementos do meu próprio campo exploratório de pesquisa de início de 2012 na Amazônia peruana com curanderos que realizam cerimônias com ayahuasca e visitantes que participam delas. Finalmente, farei uma reflexão propondo alguns alinhamentos 1 A experiência com psicoativos em contexto chamánico se apresenta em si como um espaço polimorfo onde múltiplas concepções sobre gênero, corpo e pessoa se debruçam de acordo com o que elas significam e realizam em relação com os sujeitos envolvidos. Por sua vez, arrisco que a específica pesquisa participativa com psicoativos revela aspectos da experiência antropológica que foram pouco problematizados ao longo da história da nossa disciplina. Tais detalhes podem trazer para o debate questões não só metodológicas, mas também teóricas caras à disciplina. Poderia citar: critérios de distinção/indistinção entre diferentes “realidades”, a constituição da pessoa e a individualidade do corpo, a relatividade do self e os conflitos entre diferentes tipos de intelegibilidade, dentre os quais pode se incluir a racionalidade científica. Porém, deixaremos as especificidades desse tipo de questões para outra aproximação. para uma necessária discussão sobre gênero e pesquisa com experiências chamánicas2 e/ou que envolvem psicoativos em antropologia. Etnografia em centros ayahuasqueiros Estive na Amazônia peruana durante o início do ano 2012. Foi um trabalho de campo curto, embora intenso. Dessa experiência trouxe uma série de perguntas que desfizeram as próprias hipóteses com as quais parti para campo (Echazú, 2012a, 2012b), e abriram novos sentidos para continuar indagando a partir de buscas bibliográficas e experiências etnográficas. Uma das questões que mais ricas, ambíguas e conflitantes se apresentaram em campo é a referente à sexualidade, o corpo e o gênero. A princípio, ela se apresenta como uma reflexão metodológica, mas ela também tem implicações teóricas e inclusive epistemológicas. Começarei pela vivência e meu posicionamento dentro dela, pois confio em que a descrição-interpretação detida de determinados momentos que vivenciei em campo podem contribuir de maneira efetiva para apresentar o problema que aqui me concerne. Diversas dúvidas enquanto a escrita se me apresentaram ao longo do processo de construção desse texto. Escolhas e decisões foram tomadas, e tentarei explicitá-las aqui. Em primeiro lugar, quero dizer que enfatizarei um uso o mais vago possível das referências aos centros ayahuasqueiros nos quais trabalhei. O motivo dessa escolha é que salientarei aspectos que podem envolver questões problemáticas referentes às pessoas e ao trabalho que lá desenvolvem. Em razão do dilema entre “deixar pra trás” questões problemáticas ou de lhes dar forma ainda quando elas pudessem resultar ofensivas, tento aqui uma espécie de “caminho do meio”: colocar a 2 Como chamanismo entendo a diversidade de sujeitos e práticas extáticas vinculadas com diversas formas de intermediação com mundos não ordinários. A discussão sobre a pertinência e abrangência da categoria “chamanismo” não será realizada aqui. A tais efeitos, sugiro a leitura de Perrin (1997), Martínez González (2009) e Sidky (2010). Para o presente trabalho, me baseio, junto com Sidky (2010), na noção de que não existem critérios definitivos para definir, de forma externa, a existência ou não de “autênticos” chamanismos. Como proposta analítica, sustentarei o tratamento da questão a partir da sua matriz etnográfica, relevando a freqüente construção nativa do termo “chamã” por diferentes atores sociais (chamãs de origem peruana, visitantes estrangeiros de diferentes origens, e também peruanos) no contexto específico da terapêutica ayahuasqueira na Amazônia do Peru. minha reflexão nos termos mais genéricos possíveis, na medida em que a necessária localização das vozes etnográficas me permitisse fazê-lo. Ainda quando genericamente, torna-se imprescindível localizar o espaço em questão. Na atualidade, há nas principais cidades da selva peruana (Iquitos, Madre de Dios, Tarapoto, Pucallpa, Moyobamba) dezenas de chamãs, curanderos ou vegetalistas3 (são todos termos de uso local) que possuem seus próprios centros. Ali, eles desenvolvem suas atividades de forma continuada: dietas, purgas e ceremonias con ayahuasca. Essas casas muitas vezes contam com uma complexa organização da força laboral: nesses casos, ela envolve a colaboração estável dos chamãs com outros profissionais, como médicos/as, psicólogos/as, enfermeiros/as e outro tipo de terapeutas (como professores/as de yoga ou biodanza) e conta com pessoal administrativo, a partir de relações de trabalho mediadas por acordos salariais formais. Os centros realizam as ceremonias con ayahuasca periodicamente e de forma mais ou menos fixa, isto é, uma vez ou duas vezes na semana. Eles comercializam esse serviço: o preço das sessões varia enormemente, e vai entre 5 e 50 dólares. No que faz às práticas terapêuticas, uma gramática comum que é própria da medicina amazônica (tanto indígena quanto mestiça) se mantém: dietas, purgas e ceremonias de ayahuasca são três procedimentos medulares e fortemente relacionadas entre si, que se praticam de forma corriqueira em todos os espaços mencionados. Todas três estão fortemente relacionadas com a noção de limpeza, em todos os niveles. De acordo com o que tenho observado nos centros visitados, se considera que esses níveis são três: físico, mental (ou psicológico) e espiritual. As purgas e ceremonias de ayahuasca se efetuam de forma consecutiva (primeiro a purga com uma ou várias plantas maestras4, depois a toma da ayahuasca, considerada por muitos a “purga entre purgas”). A dieta, que é o tratamento mais longo em termos de tempo, se pratica com menos freqüência, mas é considerada fundamental na cura de desordens mais enraizadas, assim como é medular no próprio processo de formação do 3 Apesar de escutar com freqüência que há algumas, não cheguei a conhecer chamãs mulheres. Dessa maneira, todas as referências que aqui se farão são relativas a chamãs homens. 4 São chamadas dessa maneira o conjunto de plantas “que ensinam” com as quais trabalham os chamãs. Segundo as fontes, as plantas utilizadas por eles são ao redor de 90 espécies pertencentes a mais de 38 famílias (Riba, 2003). curandero. No que refere à modalidade de cada uma dessas práticas e da sua combinação para os pacientes⁄visitantes, cada curandero ou centro terapêutico realiza sua própria síntese. Outras terapêuticas que coadjuvam nesses três tratamentos principais são: banhos de vapor, banhos de florecimiento, banhos de asiento (onde a pessoa fica sentada sobre uma água preparada com determinados vegetais), preparos cicatrizantes feitos com o interior de uma madeira vegetal chamada “sangre de grado” para curar as feridas, massagens corporais com a finalidade de desbloquear regiões obstruídas ou acalmar as dores, banhos quentes com fricção de plantas no corpo, uso de resinas como emplastos (para reacomodar os ossos ou extrair o mal dos corpos), sopladas com tabaco, chupadas no corpo (para extrair o mal) e finalmente observei que muitas vezes acompanha o trabalho curanderil uma complexa listagem de bebidas afrodisíacas dos mais curiosos nomes, como RC ou Rompe Calzón (Quebra Cueca), Siete Veces Sin Sacar (Sete Vezes Sem Tirar), Levántate Lázaro, Achuni Ullo (feito com aguardente de cana e o pênis de um animal chamado Achuni) etc5. Focalizando a experiência do corpo em campo: interdições, excessos e “corações” É a respeito dessas ultimas, as bebidas afrodisíacas, que quero introduzir um fator que me pareceu diferenciador entre os próprios centros ayahuasqueiros, não só os visitados, mas também aqueles divulgados pela imprensa local. É preciso destacar que meu trabalho de campo se centrou em centros que, segundo fui descobrindo, estavam bastante institucionalizados, no sentido em que contavam com um diálogo forte com a biomedicina, por uma parte, e a também com a cultura da new age, pela outra. Os chamãs e pessoal de apoio de, ao menos, dois deles faziam referência explícita à não adesão a práticas mágicas ou divinatórias, como preparos afrodisíacos ou jogada de cartas de 5 Essas informações me foram fornecidas por dois irmãos que conheci no vôo Lima-Santiago, na minha volta do campo, e me ajudaram a sistematizar sentidos que tinham passado desapercebidos para mim a partir de anúncios de curandeiros na imprensa local e de conversas fragmentárias com pessoas do lugar. baralho. Porém, em jornais das cidades tenho visto freqüentes referências a esse tipo de práticas vinculadas também a curandeirismo, que pelo visto são amplamente utilizadas no meio local, porém afastadas dos interesses dos centros mais institucionalizados –os que, coincidentemente, gozam em maiores proporções de uma freguesia de “visitantes” estrangeiros/as6. Tais práticas locais, vinculadas à bruxaria e trabalhos afetivo-sexuais em relação com a ayahuasca permanecem como um espaço bastante interessante para tecer a análise em torno de concepções locais de corpo, gênero e a relação com plantas, animais e forças da natureza dos grupos sociais envolvidos. Mas isso permanece como uma intuição, pois não tenho tido acesso a esses centros durante a minha visita. Examinarei a minha experiência em três centros ayahuasqueiros a respeito dessas questões. Nos centros efetivamente visitados, me pareceu que as questões relativas à sexualidade eram colocadas sempre do lado da interdição. Assim, se enfatizava de forma explicita e repetidas vezes a importância de uma conduta sexual vinculada à abstinência por parte do curandero, e também a abstinência sexual daqueles/as que participem em dietas ou purgas, com a finalidade de manter uma espécie de fronteira do próprio corpo frente a relações que ensucian. Isso, junto com a abstinência de determinadas comidas como frituras e carne de porco, assim como o uso de perfumes e a proibição de falar em determinados momentos. Tudo isso faz parte do modelo de tratamento de afeições baseado na limpieza física, psíquica e espiritual que se apresenta, nos espaços visitados, como “tradicionalmente amazônico”. Para as mulheres, as restrições são maiores, já que quando estão menstruadas são impedidas de realizar dietas ou ceremonias con ayahuasca, e ainda de conviver com as pessoas que participam dessas atividades. Em um dos centros que visitei, as 6 Seguem alguns exemplos de jornais locais: “Brujo macumbero. Extermino tu enemigo y rival de amor. Absoluta discreción” (Jornal Trone, 13/01/2012;Ano 9 Ed. 3735; p. 2). “Huaringuero. Huancabambino. Curandero espiritista. Ojo yo soy el único registrado por INDECOMI. Nivel nacional e internacional” (ídem, p. 10). “Lily. Centro Esotérico Naturista. Lecturas del tarot, rituales y baños de florecimiento para el amor, dinero y salud. Terapia de regresiones” (Jornal Hoy, 15/01/2012; Ed. 1542; p. 5). “Amarres, rituales y pactos para el amor. Baruck, poseedor del Gran Libro de la Muerte para acabar com todos tus enemigos” (Jornal Ahora, 17/01/2012; Ano XVI Ed. 5099; p. 12). próprias terapeutas mulheres são orientadas para não ir a trabalhar durante os dias que estão menstruadas. Com o passar dos dias, observei que as restrições de gênero iam além de simples regras enunciadas nas falas de chamãs, terapeutas e administradores. Em um dos centros, que chamarei de Centro 1, se oferece a possibilidade de internação de pessoas que se reconhecem como “viciadas em drogas”. Porém, nele não se permite a internação de mulheres. Durante os nove meses que os pacientes homens permanecem ali dentro, lhes é proibido ter intercurso sexual algum. Mas porque se optou por tratar homens, e não mulheres? “Eran incompatibles con los hombres”, me comentou um psicoterapeuta do centro. Perante a minha surpresa, continuou: “Tuvimos problemas. Eran histéricas, problemáticas y difíciles de controlar. Hubo casos de mujeres que tuvieron relaciones con hombres aquí dentro del centro, eso interrumpe todo el tratamiento”. Perante a pergunta de por que se escolheu continuar trabalhando com homens e não com mulheres, um jovem que é da localidade e que já foi paciente internado ali enunciou a possibilidade de serem mais homens do que mulheres os que estatisticamente precisassem tratamento para “sair das drogas”7. Também circulava outra hipótese, centrada nos chamãs, e não nos pacientes. Um dos pacientes lá internados, de nacionalidade argentina, me disse que tal vez, devido a que os chamãs são sobretudo homens, o atual seria o modelo mais “compatível” para todos, pois estaria baseado em homens tratando homens. Uma maior afinidade genérica garantiria uma maior eficiência à cura? Por sua vez, dois terapeutas desse centro (um médico e um psicólogo, os doishomens –não tive a possibilidade de conversar com as duas únicas mulheres, que permaneceram menos acessíveis) ofereceram uma série de limitações a meu trabalho de campo. Eu, como “mujer-joven” (e eu agregaria “blanca”) devia ir com roupas que não fossem “provocativas”, pois os pacientes lá internados fazia tempo que “no han visto mujer”, encontrando-se em condições de abstinência sexual faz meses. No dizer desses terapeutas, 7 A esse respeito, a psicóloga de outro centro, o Centro 2, ao falar da não internação de mulheres no Centro 1, reforçou essa noção. Ela me disse: “probablemente no haya tantas mujeres en el tema de las drogas porque ellas están preocupadas con otras cosas, como la maternidad”. De acordo com essa fala, as mulheres é que teriam maior senso de “responsabilidade” de acordo com as suas próprias condições de gênero. também estavam tomando plantas maestras que podiam ter efeito afrodisíaco e piorar a situação. No Centro 2 fomos eu e a nova amiga que conheci na viagem8 para “conocer algo del trabajo” que lá estava sendo feito. A nossa intenção era comparar outros centros com o Centro 1, amplamente reconhecido no nível regional. Tivemos a oportunidade de encontrar o chamã que organiza o centro e seu único integrante visível, pois ele não trabalha no modelo conjunto de chamãs e psicoterapeutas, como nos outros dois centros que aqui analisamos (1 e 3). Ele nos convidou para conversar no interior do seu escritório. Ele era um homem de uns cinqüenta anos, com traços indígenas, vestia jaleco branco e, uma vez que nos convidou a nos sentarmos, se sentou por trás de uma escrivaninha forrada com fotos e objetos dos mais diversos, entre os quais se contava um imenso caracol petrificado, canetas, papéis e estatuetas de aparência indígena. Quero transcrever aqui uma parte da entrevista que gravei com a sua anuência: Yo te digo lo que sé, lo que he comprobado, lo que vivo! Y lo que vivo chamánicamente, cierto? (…) yo nací curandero, en realidad, porque mi madre fue… chamana! Descendiente de una tribu de los (…), que está al norte del país… y luego después increíble, pero a mí me jalaba eso! Entré a la universidad de Trujillo, estudié filosofía, me fui a Lima, estudié pedagogía, filosofía, antropología y todas las “gías”! (…) [en Lima] me doctoré y allí comienzan los cuarenta y tantos años de mi vida chamánica. Pero mi madre, descendiente de esta tribu, me enseñó desde niño a manejar algunas plantas, pero como ayudante! “hijito, tráeme tal plantita…” “tal plantita aquí, la plantita ésta”… Y yo escuchaba cómo les enseñaba a los pacientes a preparar! Y eso me encantaba! Cómo es eso de sanar problema de estómago, de intestino, de faringe etc…yo decía, es maravilloso! Entonces vine acá, y aquí fue donde encontré verdaderamente mi camino, no? (…) lo que yo he tenido que ir atrás de técnicas novedosas de innovación científica en la selva! Por eso es que le digo que mi técnica es investigar, pero probando las cosas! Vacunándome contra víboras con veneno de víboras, y después ir probando las medicinas que les estoy dando a mis pacientes para ver si funcionan en mi organismo (…) yo no estoy enfermo, pero yo lo siento! (…) He tenido sesenta maestros en las tribus amazónicas y también maestros en la ciudad de Iquitos que procedían de estas tribus, me iniciaron y me condujeron, y luego de diez años yo era un maestro chamán! Diez años de aprendizaje! (...) mire esta foto, es increíble! Es um grupo de rusos! Él es psiquiatra, él es neurólogo, él es doctor en medicina… (…) en otros lugares soy muchísimo más conocido! Miren [muestra más fotos] (…) mide un metro ochenta… ahí está con su peso ideal, pesaba ciento treinta quilos! Era un chancho! Con el pelo largo, la barba crecida, una desgracia! Y luego trajo un tumor en el estómago más grande que esto! [señala un caracol petrificado] Y la camisa… se le podía tocar el tumor por fuera! Y luego ustedes lo ven ahí, sin tumor, sin nada…[sin intervención quirúrgica?] no, no… absolutamente… (…) como ustedes comprenderán, porque estamos hablando entre 8 Ela é uma antropóloga européia, branca e com menos de trinta anos. Ela estava desenvolvendo sua pesquisa centrada nos usos das “plantas maestras” por curandeiros indígenas e mestiços. antropólogos…son canciones curativas! Así como la aromaterapia, la musicoterapia… ahí entran los ícaros! Hay que darles sones… yo toco los tambores! Toco los instrumentos… y la ceremonia… por eso yo les dije, siquiera hagan una ceremonia de manera que la entrevista no sea tan fría! Cosa que la digan ustedes, pero sintiendo! Una cosa es como yo hago ahorita bla bla bla bla pues, pero, y ya tomaste? “No, nunca he tomado, pero me han dicho!”. Ah, eres igual que ese señor que dice, pero no hace! Porque el que no sabe no puede! (…) el problemita del stress, es un juego para mí! Una ceremonia de ayahuasca, y no hay stress, no hay nada! (…) Decisión! La decisión se toma acá! [señala su cabeza] Algunos creen que se toma acá [apunta al corazón] no no no, el corazón no piensa, ni siente, ni nada! Cuando a ustedes les diga un varón “yo te quiero con todo mi corazón”, mándenlo a la mierda! No señor, quiéreme con tu cabeza, no con tu corazón… es como si me estuvieras queriendo con tus… pies. Hay que ser correctos. O sea que hay gente que malinterpreta! Y no solamente malinterpreta, sino que hace quedar mal al chamanismo. (…) Mire, tenemos una escuela de chamanismo amazónico, compuesta por cuarenta y tres profesionales. Y es lamentable decirlo, pero hay que decirlo porque es la verdad… todos ellos son extranjeros! (…) Tuve la posibilidad de hacer ceremonias en Barcelona, en Islas Baleares, en Madrid, en Dakar o sea en África ya…(…) yo tengo mucha familia en el mundo. Soy millonario! De hermanos y hermanas... A partir dessa narrativa, um tanto desordenada e apressada, podemos inferir que existe uma relação desse chamã com saberes da biomedicina e da cultura new age, embora não possamos saber detalhadamente como elas são de fato. Vemos traços desses dois referenciais “ocidentais” nas concepções do corpo e de cura que se exaltam. E, nesse marco de relações com Ocidente, vemos que aparecem as relações terapêuticas e comerciais entre locais e estrangeiros, assim como se enunciam certas redes informais dele como chamã que viaja no mundo, especialmente aquele compreendido como “civilizado”. Há tantas pontas a partir das quais poderíamos começar a tecer questões significativas! Porém, quero propor aqui o resgate do clima da entrevista, coisa que não é diretamente visível a partir da leitura do texto, mas que me parece é possível intuir, pela parte do/a leitor/a, talvez no entusiasmo exagerado, nos longos trechos, na exposição aberta dos mais diversos temas. Dessa maneira, a biografia pessoal dele se misturava com os conselhos relativos a relacionamentos que nos eram dirigidos. Em um clima cada vez mais ambíguo e desconfortável para nós, pedimos para tirar uma foto. Ele colocou um aparelho de auscultar e tirou duas fotos conosco como se fosse um doutor, colocando-o no meu peito. Enquanto pretendia nos auscultar, afirmava ser o “doctor corazón”. Eu estava visivelmente incomodada, mas não falei nada e até participei, mesmo que a desgosto, da tal performance. Por outra parte, o convite repetitivo para tomar ayahuasca, que eu percebi como clara pressão para participarmos, junto com a provocação de que “quem não prova, não sabe”, acabaram contornando o clima tenso da entrevista. Tempo depois, todas essas emoções que apareceram ambiguamente me pareceram sintomas de dos conflitos que surgiram da tensão entre pretender obter informação do chamã e o risco de fazê-lo contra as minhas próprias atitudes éticas de ser-nomundo. No Centro 3 o primeiro encontro com o chamã, um homem de uns quarenta anos, e a psicóloga, uma mulher de uns trinta e cinco nos sofás da recepção, foi agradável. Fomos, de novo, com a nova amiga antropóloga, com quem sentia que podia fazer mais à vontade um trabalho no qual solitariamente talvez teria me sentido mais vulnerável. Ela pensava da mesma maneira. Além de nos acompanharmos, compartilhávamos insights sobre nossos respectivos “campos” (constituídos tanto pelos espaços que visitávamos quanto pelo olhar diferente de cada uma a respeito deles) e caminhadas por feiras de artesanato, bares e restaurantes vegetarianos. O Centro 3 estava localizado na periferia da cidade, tinha uma “mesa de areia” para fazer desenhos à maneira da terapêutica jungiana, como soube depois. Tinha umas janelas enormes e os pássaros iam tocá-la o tempo todo. Do outro lado era espelhado, e os pássaros brincavam com isso. Nos encontramos, segundo combinado alguns dias antes, às 10 da manhã. O encontro durou até o meio-dia, enquanto tomávamos sedentamente uma deliciosa limonada, bem açucarada, que a esposa do chamã nos servia. Tínhamos comentado era para conhecer o trabalho que lá se fazia. Nos apresentamos explicitamente como antropólogas e também como potenciais interessadas em realizarmos cerimônias de ayahuasca como experiência “pessoal”. Tanto o chamã quanto a psicóloga e o administrador do centro nos falaram, como no Centro 1, acerca da importância da abstinência sexual durante os dias anteriores à cerimônia com ayahuasca. Da mesma maneira, ao tocar o tema da conduta do chamã, se enfatizou a importância de práticas de abstinência (alimentar e sexual) para poder levar a cabo um bom “trabajo espiritual” com as pessoas que requeressem seus serviços. O centro parecia equilibrar “saberes modernos” e “saberes tradicionais”, investidos na existência de um chamã homem trabalhando junto com uma psicoterapeuta mulher. Eles referenciavam esse equilíbrio como um avanço em termos do diálogo entre saberes. O “pacote” de serviços terapêuticos mais comum, e que foi nos oferecido, consistia em três encontros no total: uma sessão de psicoterapia com a terapeuta prévia à experiência com ayahuasca, a própria cerimônia com ayahuasca com o chamã, e finalmente outra sessão de psicoterapia, novamente com a psicoterapeuta. Eu e minha nova amiga decidimos “comprar o pacote”. Dessa maneira, cada uma de nós se encontrou separadamente com a psicoterapeuta em um bar da cidade, em encontros que duraram uma hora, onde foi possível falar do “objetivo personal” com o qual cada uma ia realizar o trabalho. Três dias depois, bem cedo no horário da manhã partimos para o local onde a experiência com ayahuasca se realizaria. Esse local ficava a mais de duas horas da cidade onde estávamos pernoitando, e para chegar lá era necessária pequena travessia que incluía trajetos de carro, de barco e também uma caminhada de uma hora aproximadamente. Uma vez que chegamos lá, passamos três dias no centro, o qual se encontrava relativamente isolado e sem mais do que “tambos”9 para dietar por perto. De manhã cedo, quando chegamos, começamos o trabajo. A minha amiga, um homem jovem de nacionalidade peruana e eu bebimos a nossa purga de tabaco e vomitamos copiosamente frente ao rio. Posteriormente, tivemos uma breve conversa com o chamã na cozinha aberta e com teto de palha, e ele nos instou a descansar para fazer “un buen trabajo a la noche”. Na noite do mesmo dia houve a cerimônia, na maior maloca do prédio, uma bela construção circular com teto de palha, colunas de madeira rústica e chão de cimento. No total, sete fomos os participantes da cerimônia: o chamã, um senhor que o ajudava (quem também era encarregado, junto com a sua família, de manter a limpeza do prédio), três jovens “estrangeiras” (eu e mais duas), e dois homens peruanos de media idade. A minha experiência com ayahuasca foi muito boa, mas não será narrada aqui – isso pertenceria ao momento da elaboração reflexiva do meu trip account, que deixarei para outro lugar. 9 Chamam-se dessa maneira as construções nas quais a pessoa se isola para dietar. No dia seguinte, o chamã nos recomendou que tomássemos banho no rio, para continuar com a limpieza. Com a minha amiga fizemos uma breve incursão rio arriba, conversando sobre nossas respectivas experiências. Os dois homens que tinham participado da cerimônia já tinham ido embora do centro. Ficamos lá somente nós duas. À tarde, pedi para o chamã conversar comigo sobre algumas visões e “enseñanzas” que eu tinha recebido durante a sessão de ayahuasca. Estava escurecendo e todas as pessoas foram descansar. Fomoz na cozinha, e nos sentamos lado a lado. Lhe comentei algumas das visões e sensações, consultei-lhe se isso poderia significar isto ou aquilo. E, quase sem eu percebê-lo, o tom do discurso do chamã começou a mudar. Quando percebi, foi de repente: “Ah, allá en tu tierra todos los hombres se deben enamorar de ti”. Não era a primeira vez que eu vivenciava uma “cantada”, mas sim a primeira vez que ela vinha de parte de um chamã. Corajosa, eu resolvi ficar conversando mais: “Y como hacen ustedes, curanderos, con los placeres de la vida?”. Ele falou: “Ah, nosotros somos como todos los otros, tenemos necesidades como cualquiera”. Aí eu quis saber mais. Naquela noite devemos ter conversado umas duas horas, nas quais ele me contou como tantas mulheres estrangeiras o “perseguían”. Me contou como nas suas viagens (que incluíam uma viagem para a França e outra para a Holanda) ele teve a possibilidade de conhecer muitas mulheres, “jóvenes, y tan bonitas! Para morirse, de lo lindas que eran”. E continuou: “Yo no entiendo cómo hacen para estar tan mal... pero lo están. Y buscan en mí el refugio. Si vieras, algunas me agarran, se me tiran encima!”. Ele comenta que também no próprio centro às vezes lhe acontecem esse tipo de coisas: “las mujeres vienen a dietar… una de las que vino a dietar, una francesa, me quiso hacer masajes, dijo que deseaba mi cuerpo... y yo qué le voy a hacer! Se lo entregué”. Eu lhe perguntei o que sua esposa achava disso todo. “Ah, yo no le cuento nada... yo creo que ‘ojos que no ven, corazón que no siente’… ella sabe que mi trabajo es difícil, que tengo que viajar mucho y que a veces tengo mis necesidades”… Depois, ele me contou de um relacionamento longo que manteve com uma mulher do Chile, ligada ao aprendizado do chamanismo. Viam-se depois dos encontros chamánicos, aos quais viajavam. Ela tinha a sua família e ele a sua, e ele tinha a sua profissão carregada de interdições sexuais, mas isso não impediu que se estabelecesse um relacionamento amoroso que durou, no total, algo assim como um ano. Ele evocava a essa mulher como a que “más placer me dió en la vida”. Já no final da conversa, voltaram os oferecimentos para mim, mas dessa vez sob uma iniciativa um tanto diferente. “Tú eres fuerte, tu poderias ser chamana. Quédate conmigo três años, aqui. Yo te paso mi saber. Te doy certificado. Eso si, no tendrías que tener marido ni nada. Tendrías que estar concentrada en el aprendizaje de las plantas, conmigo”. Eu continuava escutando, e lhe perguntando como é que seria isso. Quando a conversa se tornou suficientemente repetitiva, me despedi dele, lhe dei um abraço e ele me agradeceu pela escuta. Volvei para meu quarto surpreendida, e pensando como faria eu para ressaltar as experiências “espirituais” de um contexto onde o “corporal” tinha tanto valor intrínseco. No dia seguinte, quando a minha amiga e eu fomos embora, o chamã, que também morava na cidade onde já voltávamos, decidiu ficar no centro. Quando nos despediu (estávamos em cima do morro e já descíamos para tomar nosso bote no rio), ele disse para agente, em um tom que me pareceu um pouco risonho, um pouco sentido: “Yo voy a tener dos mujeres, una acá y la otra allá”. A pesar da repentina fala, a minha amiga não se surpreendeu: o chamã também tinha lhe feito oferecimentos parecidos com os meus em algum momento do nosso “retiro”. Ela me disse, desiludida: “él es como las otras personas de aqui, Le gusta tomar los fines de semana y es machista con las mujeres… él es un peruano más!”. Gênero, “Espiritualidade” e “corporalidade” na prática ayahuasqueira Questões referentes a uma “romantização” da prática chamánica são freqüentes nesse campo de estudos. Eu diria que quase constitutivas10. De 10 O termo “chamanismo” tem uma origem local – dentre os agentes de cura da Sibéria, mas posteriormente é tirado de seu contexto para definir as práticas de cura mais diversas. Mircea Eliade (1951), um autor clássico dentro do campo, assemelha o chamanismo a uma técnica de contato direto com certo ser Supremo Celestial. Porém, têm surgido outros/as pesquisadores/as que criticam essa suposta “espiritualidade universal” romantizada à qual acederiam os chamãs, caracterizando-a como uma projeção de Ocidente – que torna monoteísta, ainda quando místico, tudo aquilo no qual seus olhos pousam. Autores/as que criticam essa concepção propõem esquemas baseados na possessão de espíritos e, portanto, fato, quando vamos falar em chamanismo hoje, para interlocutores ocidentais, devemos ter cuidado com duas tendências: considerá-lo uma forma de charlatanagem ou sermos tentados pela excessiva romantização da prática chamánica (Dobkin de Rios e Rumrill, 2008). Tanto uma como outra tendência mostram as pontas de um discurso que aparece muito matizado, enunciado desde trajetórias e espaços de poder bastante desiguais. Por sua vez, como tem observado Colpron (2005), o lugar do gênero em relação com o chamanismo goza de certa “invisibilidade institucional” no campo da antropologia. A existência majoritária de chamãs-homens se coloca como um ponto fora da discussão, enquanto que a dicotomia homem/mulher própria de Ocidente tende a ser projetada de forma acrítica. Temas como a experiência situada no corpo, a afetividade e a sexualidade são marginalizados, quando não diretamente invissibilizados. Talvez isso tenha a ver com a direta relação de gênero com corpo, e com a distância que Ocidente concebe para a relação entre “corpo” e “espírito” –sendo no segundo grupo de problemas que ingressaria a prática chamánica. Corpo e o espírito foram, desde o medievo, considerados duas entidades com existência paralela, e o misticismo desprovido de toda ligação com a carne. Marcel Mauss, em seu já clássico ensaio sobre a noção de pessoa ([1938] 2003), coloca em questão a divisão entre essas categorias “que acreditamos inatas” (p.369), descrevendo um percurso possível para a constituição da indissolubilidade da pessoa a partir da divisão cristão primeiro, e depois cartesiana, entre “substância e modo, corpo e alma, consciência e ato” (p. 393). Porém, talvez desde o ponto de vista dos chamãs que comandam as cerimônias ayahuasqueiras nas urbes amazônicas, tal vez isso não seja necessariamente dessa exata maneira. Outras pesquisas desenvolveram questões a respeito da construção de uma noção de pessoa mais complexa vivenciada por povos indígenas amazônicos (Seeger, Da Matta e Viveiros de Castro, 1979; Guimarães, 2005)11, o que deixa a porta aberta sustentados na existência de múltiplas divindades no universo. Ver Lewis (1971) e Sidky (2010). 11 Porém, não podemos nos basear nessa informação sem antes testá-la etnograficamente. O espaço do “indígena” pode resultar inspirador, mas é preciso ter o cuidado de não colocá-lo como o fato básico “primordial” que os processos de mestiçagem foram distorcendo. De fato, as próprias comunidades indígenas amazônicas vêm sofrendo faz décadas a intensa pressão do capitalismo. Uma abordagem normativista da cultura impediria observar a riqueza dos para questionamentos referentes a uma relação diferente entre gênero, corpo, sexualidade e maneiras de vivenciar a espiritualidades. Por sua vez, talvez a própria “espiritualidade” que entendemos como ocidental não esteja tão desligada, na prática cotidiana, de certos usos do corpo e de esquemas de pessoa e gênero previamente existentes. Alguns autores observaram que o emergente campo da “espiritualidade new age” em Ocidente segue formas organizacionais altamente instáveis e seu domínio de autoridade se funda no intrínseco do sujeito (Heelas e Woodhead, 2008). Ao mesmo tempo que tais propostas pretendem alcançar dimensões cósmicas, são baseadas em concepções altamente individualizadas do ser e do viver (Langdon, 2010). Por sua vez, “la espiritualidad contemporánea tal vez debe menos a las tradiciones místicas que a la expansión del concepto de ‘bienestar’”, sugere Cornejo (2012: 331). É com a finalidade de atingir esse bem-estar que muitas pessoas perseguem a experiência chamánica em contextos distantes dos seus locais de origem. Há autoras que denunciaram a “retórica terapêutica” de certo feminismo que inventa um espaço imaginário do chamanismo no mundo não-ocidental12. E outros colocaram as diferenças de gênero que podem estar presentes no próprio modo de lidar com processos de adoecimento e buscas do “caminho espiritual”13, onde as mulheres são movidas por uma motivação e desejo de auto-transformação que seriam mais intensos e “radicalizados” que os dos homens. Todas essas são hipóteses que precisam ser contrastadas em situações de alteridade vivenciadas em campo. Mas o que posso dizer é que a observação e vivência das experiências compartilhadas por pessoas que pertencem a hibridismos (Langdon, 2010) que se tendem entre mundos, tanto indígenas quanto mestiços, com concepções diferentes de corpo, pessoa, gênero e processos corporais. 12 Laura Donaldson (1999) analisa as narrativas de escritoras feministas que bebem da espiritualidade nativa com o fim de empoderar às mulheres. Segundo Donaldson, esses trabalhos adolescem de “éticas do contexto” (1999:679), em prol de formas genéricas de espiritualidade e indianidade. Ela chama essas formas de chamanismo de “neocolonialismo pós-moderno”, associando-o com os processos de produção do capitalismo tardio e as formas de consumo que se desprendem dele. 13 Walter Frank (1993) observou em vários textos auto-biográficos que descrevem processos de adoecimento e cura que enquanto os homens tendem a relatar mudanças graduais, que ele chama de “cumulative epiphanies” (p.45), as mulheres tendem a relatar mudanças radicais, se colocarem como Fênix que a través da transformação radical da experiência da doença, renascem das cinzas da sua antiga identidade. diferentes “mundos” são um território muito promissor a respeito de hibridismos possíveis entre essas questões. É ali onde aparecem as nuances, as traduções, os trânsitos. Langdon (2010) sustém que assim como Ocidente bebeu do chamanismo para constituir as novas geografias da suas práticas espirituais, os chamãs locais também beberam de Ocidente, adaptando-se a ele das mais variadas maneiras. Para essa autora, o discurso da new age tende a colocar o chamã como “possuidor de poderes não usuais com uma espiritualidade primordial e universal” (2010: 164). Donaldson, por sua vez, critica (1999: 683, minha tradução): Como seu ancestral, o Nobre Selvagem, o Indígena da New Age é um ser inatamente espiritual que vive em perfeita harmonia igualitária com todas as formas de vida e, dessa maneira, reformula os erros do capitalismo patriarcal. Porém, há registros de uso da ayahuasca com finalidades que não poderiam ser definida como “netamente espirituais” de acordo com o cânone ocidental. Segundo Riba (p.7; tradução minha), há três grandes formas de prática ayahuasqueira encontradas entre os grupos indígenas da Amazônia: - Como forma de contato com o mundo supranatural, prática da divinação ou bruxaria, - Como forma de determinar as causas da doença, e curá-la, - Como forma de obter prazer, facilitar a atividade sexual e a interação social. No trabalho de campo, foi possível observar que as duas primeiras formas aparecem explicitamente, enquanto a terceira também aparece, só que de forma indireta ou solapada. De fato, a atividade dos centros que eu visitei, certamente os melhor organizados em termos de infra-estrutura, e também os mais acessíveis a turistas, está mais ligada à questões tais como “recuperação de aditos”, “evolução pessoal” ou “tratamento e cura” de diversas afeições (físicas, mentais ou espirituais, como temos colocado anteriormente). Todas as atividades estão fortemente ligadas à promoção de certo discurso relativo a uma “espiritualidade indígena” aprendida na selva com maestros respetados. Porém, questões relativas à gênero e sexualidade apareceram, de uma forma ou outra, em praticamente todos os cenários etnográficos visitados. Isso tem um interesse teórico para a antropologia. Aqui podemos colocar a questão do relativismo cultural a respeito dos comportamentos sexuais e dos esquemas de gênero que os regulam. De maneira preliminar, podemos inferir que circulam de maneira permanente uma série de códigos sobre gênero e sexualidade que são pouco enunciáveis, mas que fazem parte como força dentro das experiências e regem, de maneiras diversas, a posição de corpos, desejos e afetos no mundo social. Isso, não só respeito às regras e interdições rituais relativas a dietas, purgas e ceremonias con ayahuasca que os chamãs convidam a fazer aos e às “visitantes”; mas também nos comportamentos de fato observáveis nesses espaços de interação. Na imprensa local, nacional e internacional, relatos de mulheres-estrangeiras que denunciam “abusos sexuais” por parte de chamans homens não são infreqüentes14. Ao mesmo tempo, experiências sexuais “desejadas” com chamãs “nativos” também parecem não serem incomuns. Como é que pode começar a ser compreendida a complexidade desse tipo de experiência nesses contextos? Como criar uma relação produtiva entre modelos analíticos que organizem noções em torno das “espiritualidades” em consonância com modelos analíticos que se focalizem nas experiências-no-corpo? Como compreender os rituais com ayahuasca como espaço de potencial “cura” e também 14 como lócus de possíveis “abusos sexuais”? Como definir Pode-se seguir o caso do chamã peruano Carlos Clever na Espanha, e o “estupro” da turista alemã na Selva Peruana. A respeito do primeiro caso: - Un Chamán de “Manos Largas”. Diário De. 19-04-2011. Em: http://www.cuatro.com/diariode/chaman-manos-largas_0_1379262081.html - Procesan a chamán peruano em España. TV Peru, Notícias digitais. 15-02-2011. Em: http://www.tvperu.gob.pe/noticias/locales/policiales/18727-procesan-a-chaman-peruano-enespana.html - Carlos Clever, chamán peruano: "Lo que ha hecho Mercedes Milá me ha desprestigiado mucho". Jornal Periodista Digital. 25-04-2011. Em: http://www.periodistadigital.com/inmigrantes/vida-cotidiana/2011/04/25/chaman-peruano-todoha-sido-un-montaje-carlos-clever-apus-sexo-abuso-sexual-sevilla-brujeria-chacrasmontaje.shtml A respeito do segundo: - Cayó el ‘chamán’ que violo turista alemana. 23-03-2010. Perú 21. Em: http://peru21.pe/noticia/450826/tarapoto-cayo-uno-chamanes-que-golpeo-violo-turista-alemana - Joven alemana fue violada y golpeada salvajemente durante uma sesión de ayahuasca en Iquitos. El Comercio. 21-03-2010. Em: http://elcomercio.pe/comentarios/450258/joven-alemanafue-violada-golpeada-salvajemente-durante-sesion-ayahuasca-iquitos antropologicamente os limites, tensões e possibilidades da relação chamãpaciente na sessão ayahuasqueira e no marco ritual, quando quem participa é mulher e não-peruana? E quando ela é mulher e peruana? Limeña? Da própria selva? E quando o sujeito em questão é homem? As perguntas se sucedem. Inicialmente, posso dizer que não pode ser atribuída aleatoriedade a priori a essas práticas. Como sugere John Gagnon, a posta em prática da sexualidade exige a orquestração de “seqüência de atos interpessoais socialmente estruturados e [também] atenção para instruções culturais, não [é] o simples desdobrar de imperativos biológicos” (2005:373). Poderíamos sugerir que talvez os atos que se interpretam como “abusos sexuais” de acordo com o molde ocidental podem ser uma secreta forma de “iniciação”, entendida nos termos da antropologia clássica15, a saber, como a transmissão de certos saberes por parte de alguém já iniciado para um/a novício/a, dessa vez pela via de contatos corporais sexualizados? Isso chama a outras incursões a campo. À distância, surgem mais perguntas: como é possível “demonstrar a especificidade cultural da prática sexual” (Gagnon, 2006: 372) considerando também as violências de gênero que podem decorrer delas? Tal pergunta está contida numa questão mais ampla: como reconhecer a desigualdade de gênero em contextos de diferença cultural? Machado (2010) chama a atenção para o reducionismo que pode estar presente em análises de gênero que denunciem “abusos” a partir de modelos de justiça genérica baseados em um específico tipo de relacionamento entre homens e mulheres, pretensamente universalista, mas fundido sob a moldura de sujeitos capitalistas, brancos e ocidentais. Ela, assim como outras estudiosas do feminismo pós-colonial, assinala o risco do uso da linguagem acrítica de um “nós feminista, progressista e liberalista” (Machado, 2010: 5) para esse tipo de questões. Por sua vez, a ênfase excessiva na “violência de gênero” responderia aos mesmos modelos. Em contrapartida, que poderíamos ter para dizer sobre a “violência de classe” 15 Bastide (1999) escreve a respeito do termo “iniciação”: “S’est généralisé aujourd’hui pour signifier le fait de mettre au courant un individu aussi bien d’une science, d’un art que d’une profession (...) alors qu’il désignait primitivement et surtout l’ensemble des cérémonies par lesquelles on était admis à la connaissance de certains ‘mystères’”. nessas situações? As reflexões acadêmicas que incorporam a variável de classe no contexto da prática chamánica nas cidades amazônicas são infreqüentes. Há, porém, uma hipótese interessante, proposta por um pesquisador europeu. Ela é chamada de inversão ritual. François Demagne, (2002: 11), antropólogo que fez seu trabalho de campo com chamãs da alta Amazônia peruana, observa: No matter how respected a knowledgeable master healer may be in the vegetalista circle, he inevitably finds himself in a lower social scale than his western foreign apprentices. Their economic differences are sharply marked (…) their living conditions also differ greatly, as most foreigners live in the best neighborhoods of the city whilst indigenous healers lives in the poorer areas of the countryside (…) nevertheless, the economic difference between foreign apprentices and indigenous healers is reversed at the ritual level, and foreigners explicitly recognize their dependency upon their indigenous masters. O autor salienta que, ao mesmo tempo em que a condição de classe do estrangeiro (branco, capitalista, ocidental) é geralmente superior frente ao chamã, ocorre uma inversão dentro do próprio contexto ritual, tornando a sua situação de “superioridade” em “vulnerabilidade”. Essa vulnerabilidade é vista como o lugar onde ocorre uma possível inversão das assimetrias, e onde, por assim dizer, o poder de classe se veria contra-restado por um poder que devém do poder especifico do chamã, advindo da sua capacidade de “cura” por meio da interlocução com outras formas de realidade. A fortaleza de um se tornaria, assim, vulnerabilidade. Essa hipótese apresenta análises correlatas. De Rios e Rumrill (2008) chamam a atenção para os possíveis abusos decorrentes dessas pré-noções nas quais navegam os protagonistas do drug turism, onde não são infreqüentes situações nas que os chamãs se encontram perante “a näive and often troubled audience” (p. 3). Essa concentração de poder no contexto ritual pode trazer os variados problemas, refletidos nas mais diversas formas de manipulação, chantagem e abusos por parte de certos chamãs locais de “borrowed misticism” (p.2). Psico-tecnologias, sugestibilidades, cumplicidades, vulnerabilidades: quanto é que as expectativas de uns alimentam as expectativas dos/as outros/as? Como é que elas podem ser colocadas em contextos onde a experiência psicoativa, intrinsecamente desestruturadora, joga um importante papel? A questão não é absolutamente nova, e é vista como problemática por determinados agentes. Faz poucos anos, a UMIYAC, Unión de Médicos Indígenas Yageceros Colombianos16, elaborou um código de ética para o manejo do yagé, ou ayahuasca, em rituais chamánicos. Eles apresentam a interessante perspectiva de uma reflexão ética interna aos próprios chamãs associados: Todo conocimiento y todo regalo está sujeto a la libertad humana. El hombre tiene la autonomía de hacer un buen o mal uso. Así como un cuchillo es una herramienta valiosa para las actividades humanas, también puede ser un arma para atentar contra la vida. No por esto podemos calificar al cuchillo como algo contrario a la razón o a la moral. El problema no es del objeto, sino del corazón del hombre. Proponho uma reflexão que se situe além do modelo do “chamã charlatão” vs. o “chamã honesto”, problematizando todos os atores em cena e os modelos de compreensão do mundo desde donde eles/elas bebem, e a partir dos quais constroem a sua experiência e memória. Se quisermos levar em conta o “corazón del hombre” podemos nos perguntar: onde é que esses “corações” se encontram? É diferente o “corazón del hombre” daquele “da mulher”, das mulheres? O corpo em campo: interferência, oportunidade? Proponho que essa análise relativizadora e situada pode ser também feita no caso específico das antropólogas mulheres que ingressam em campo em espaços que poderiam trazer algum tipo de “risco” para os limites que a sua integridade culturalmente condicionada lhes impõe. No caso sob estudo, o trânsito nesses espaços sociais envolve, de maneira quase regulamentar, o uso de psicoativos –e eles são substâncias que alteram a percepção ordinária das coisas, e que poderiam permitir “aberturas morais” que mais tarde não possam ser ressignificadas como tais. Proponho pensar nessa relação a partir 16 Unión de Médicos Indígenas Yageceros de la Amazonía Colombiana. 2000. Código de ética de la medicina indígena del piedemonte amazónico colombiano. Disponível em: www.bialabate.net. Acesso em 09/06/2011. dos processos de “negociação da intimidade” (Moure, 2005: 52) que todo antropólogo/a vivencia no percurso de seu trabalho de campo. Finalmente, algumas palavras sobre o território em disputa: o corpo. Ele pode ser entendido não como tabula rasa sobre a qual a sociedade inscreve seus valores, mas como fonte de agência e intencionalidade. A partir desta perspectiva, o ele já não pode ser considerado um dado da natureza, mas uma noção inteiramente problemática: ele tem uma história e é produto de discursos historicamente situados. Começa a ser criado um espaço para que sejam estudadas as múltiplas imagens que estimulam necessidades e desejos corporais. Sem a objetividade monolítica da biologia o corpo é transformado de objeto em agente. Assim mesmo, ele já não pode ser considerado uma entidade fechada, pois seus limites são problematizados. Muito mais podemos encontrar dentro desse “campo metodológico indeterminado definido pela experiência perceptual e pelo modo de presença e engajamento no mundo” (Csordas, 1999, p. 182). É desde nossos corpos que enxergamos o mundo, e construímos a experiência nele. A análise se constrói a partir de nossos corpos sexuados e generizados, que são também, no caso sob estudo, os corpos que ingerem o psicoativo nos rituais chamánicos. Para as antropólogas-mulheresque-pesquisam-no-âmbito-dos-chamanismos, são várias as questões que podem definir riscos e espaços “seguros” no acesso a tais experiências. Dessa maneira, assim como ao nos aproximarmos ao chamanismo urbano amazônico podemos decidir narrar histórias “sanitizadas” onde todos esses elementos conflitantes sejam silenciados, também podemos optar pela labor de tecê-las a partir de novos biases de significado que contribuam à compreensão etnográfica do problema em suas múltiplas dimensões. Para isso, em termos metodológicos, é preciso caminhar a passos curtos e observando os detalhes da interação, incluindo as variáveis pertinentes não só no nível do discurso falado, mas também na “prática social, corporal, gramatical” (Fleischer, 2011:29) dos atores. Para o estudo do chamanismo no contexto analisado, considero importante trazer as variáveis de gênero e também de raça e classe. Devido ao poder desestabilizador dessas categorias em campos como aquele da “espiritualidade” ou da “autenticidade do indígena”, elas podem ampliar e enriquecer a discussão sobre a vivência mística e terapêutica das pessoas que fazem parte dos rituais ayahuasqueiros das urbes amazônicas. Referências bibliográficas BASTIDE, Roger. Inititation. In: Encyclopædia Universalis France. 1999. Disponível em: http://www.vadeker.net/corpus/initiation.html. Acesso em 09/06/2012. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Pontos de Vista sobre a floresta Amazônica: xamanismo e tradução. MANA 4(1):7-22, pp 8-22, 1998. COLPRON, Anne Marie. Monopólio masculino do xamanismo amazônico: o contra-exemplo das mulheres-xamã Shipibo-Conibo. In: MANA 11(1):95-128, 2005. CORNEJO, Mónica. Religión y espiritualidad, dos modelos enfrentados? Trayectorias poscatólicas entre budistas Soka Gakkai. Revista Internacional de Sociología (RIS), Vol.70, nº 2, Mayo-Agosto, pp. 327-346, 2012. CSORDAS, Thomas. 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