CETOACIDOSE DIABÉTICA

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Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Medicina
Disciplina de Emergências Médicas
Cetoacidose diabética
Cetoacidose diabética (CAD) e Estado
Hiperosmolar Hiperglicêmico (EHH) no Adulto
American Diabetes Association: Clinical Practice Recommendations 2001 Hyperglycemic Crises in Patients
With Diabetes Mellitus. Position Statement. Clinical Diabetes 19:82-90, 2001.
<http://clinical.diabetesjournals.org/cgi/reprint/19/2/82.pdf> Acessado em 18/04/2006
Definições e Princípios Gerais
Cetoacidose diabética (CAD) e Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico (EHH) são as complicações metabólicas
agudas mais graves do diabete. Podem ocorrer tanto no diabete tipo 1 quanto no tipo 2.
A mortalidade da CAD é < 5% e do EHH permanece próxima a 15%. O prognóstico de ambas as
entidades é pior nos extremos de idade, na presença de coma e/ou de hipotensão.
Cetoacidose diabética consiste na tríade hiperglicemia, cetonemia e acidemia.
Critérios diagnósticos
A Tabela 1 mostra os critérios diagnósticos para CAD e EHH
Fatores precipitantes
Infecções
Principal causa de cetoacidose diabética, ocorrendo em cerca de 56% dos casos
As infecções mais freqüentemente associadas são pneumonia e infecções urinárias respondendo por 30 a
50% dos casos.
Privação de insulina
A interrupção do uso ou o uso de doses incorretas de insulina são causas freqüentes de CAD.
Diabete tipo 1 de início recente pode abrir o quadro com CAD.
Cetoacidose diabética pode resultar de resistência à insulina, casos em que doses maciças de insulina
podem falhar em reverter a cetoacidose.
Infarto do miocárdio
Risco aumentado de doença isquêmica do coração é uma complicação conhecida do diabete. Por outro
lado o infarto do miocárdio é um fator precipitante comum de cetoacidose diabética.
Drogas
Drogas que afetam o metabolismo de carboidratos como corticóides e tiazidas e agentes
simpaticomiméticos (dobutamina e terbutalina) podem precipitar CAD e EHH.
Psicológicos
Em jovens com diabete tipo 1, problemas psicológicos complicados com desordens alimentares podem ser
fator contribuinte em 20% dos casos de CAD recorrente.
Outras situações
Indivíduos idosos com diabete de início recente (particularmente residentes em asilos) ou com diabete
conhecido que se tornam hiperglicêmicos e não se dão conta ou são incapacitados para ingerir líquidos,
quando necessário, estão em risco de EHH.
Doenças cerebrovasculares
Abuso de álcool
Pancreatite
Traumas
Gravidez
Cetoacidose diabética complica cerca de 9% das gravidezes de diabéticas. Pacientes previamente bem
controladas podem perder o controle durante a gravidez.
Associada com mortalidade materna de 15%. A mortalidade fetal tem sido estimada em 35%.
Emese é o fator precipitante mais comum para cetoacidose diabética na gravidez, respondendo por 42%
dos casos.
Grávidas diabéticas são extremamente predispostas a cetogênese, podendo precipitar cetoacidose
diabética por doenças simples.
Infecções, particularmente do trato urinário, são mais comuns na grávida diabética e pode precipitar
cetoacidose diabética.
Quadro clínico
Paciente grávidas podem não se apresentar hiperglicêmicas em virtude de volemia aumentada e aumento
do clearance de glicose. A cetoacidose diabética pode desenvolver-se com níveis de glicose sérica de até
200 mg/dL.
As mudanças metabólicas refletem no feto. Hipocalemia pode levar a parada cardíaca fetal.
Cuidados
Monitorização cardíaca fetal é mandatória.
O tratamento usual pode reverter a cetoacidose diabética e interromper contrações uterinas.
O uso de agentes beta-adrenérgicos para suprimir trabalho de parto deve ser evitado pois pode exacerbar
a cetoacidose. Sulfato de magnésio é o tocolítico de escolha.
Evitar corticóides.
Diagnóstico diferencial
Metabólico
Hipoglicemia
No paciente sabidamente diabético a hipoglicemia é um diagnóstico diferencial importante
Hipoglicemia pode levar a coma, mas a desidratação em geral é ausente.
Hipoglicemia é prontamente diferenciada por nível sérico de glicose <40 mg%, pH normal e ausência de
cetonas ou glicose na urina.
Cetoacidose alcoólica
Geralmente ocorre em etilistas crônicos com história de vômitos e abstinência
Exame físico pode mostrar desidratação consequente aos vômitos e sinais de abstinência
Glicose sérica em geral é normal
Acidose láctica
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Tratamento
Não farmacológico
Garantir permeabilidade de vias aéreas
Monitorização ECG
ECG completo na admissão e monitorização contínua. Propósito primário é avaliar potassemia e infarto
agudo do miocárdio como fator predisponente
Sondagem nasogástrica
Indicada nos pacientes comatosos e com íleo adinâmico
Sondagem vesical
Avaliar em pacientes comatosos, com insuficiência renal e insuficiência cardíaca.
Pressão venosa central
Em casos selecionados para guiar a expansão volêmica
Pressão capilar pulmonar
Uso bastante controverso. Pode ser indicada nos pacientes com choque e instabilidade hemodinâmica.
Alimentação
Em geral, pode ser iniciada 12 horas após admissão (presumindo resolução da cetose). Contraindicada no
paciente com íleo, pancreatite, vômitos persistentes.
Tratamento farmacológico
Fluidos intravenosos
A reposição inicial de fluidos visa a expansão dos espaços intra e extravascular e a restauração da
perfusão renal
As perdas estimadas de água e eletrólitos são mostradas na Tabela 2.
No início do tratamento a correção do volume é mais importante que a correção da hipertonicidade
A gravidade da desidratação e da depleção de volume pode ser estimada clinicamente:
Um aumento ortostático da frequência de pulso sem variação na pressão arterial indica depleção de 10%
de diminuição do líquido extracelular (2litros)
Uma redução ortostática da pressão arterial (>15/10 mmHg) indica de 15-20% de perda do volume
extracelular (3-4litros)
Hipotensão supina indica perda de >20% de volume de fluido exttracelular (>4litros)
Recomendação:
Na ausência de comprometimento cardíaco, solução salina é infundida numa velocidade de 20ml/kg/hora
ou mais na primeira hora.
Em geral 1 litro de solução salina é administrada em 30 minutos. Dois a três litros adicionais são dados
nas próximas 3 a 5 horas, se a pressão arterial mantiver estável.
Se a desidratação não é grave pode-se iniciar 500 ml/hora por 4 horas e a partir daí 250 ml/hora
A decisão de quando alternar para solução hipotônia não é clara. Se a hipotensão é persistente ou o sódio
sérico é baixo deve-se continuar a solução salina. Se o sódio corrigido for normal ou elevado iniciar
solução de NaCl a 0.45% 4 a 14 ml/kg/hora.
O déficit estimado deve ser reposto nas primeiras 24 horas.
A osmolalidade não deve reduzir mais de 3 mOsm/hora.
Glicose
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Recomendação
Solução de glicose a 5% deve ser iniciada quando a glicose sérica atinge 250 mg/dl na CAD e ou 300
mg/dl no EHH. Previne hipoglicemia e tem contribuição osmolar para prevenir edema cerebral
Insulina
Indicações:
O mesmo esquema de insulina é indicado tanto na CAD quanto no EHH
Via
A absorção da insulina pelas vias subcutânea (SC) e intramuscular (IM) é comparável, sendo a injeção SC
menos dolorosa.
A via intravenosa é obrigatória nos casos de EHH e em pacientes com choque hipovolêmico. Nos outros
casos, exceto na cetoacidose diabética leve, a infusão IV contínua é apenas recomendada, pois permite
concentrações efetivas imediatas e rápidas mudanças de dosagem.
Infusão inicial
A insulina só deve ser iniciada após a dosagem de eletrólitos séricos e após a hidratação da primeira hora.
Iniciar com 0.15 U/kg ou 10 unidades IV em bolus intravenoso, seguida de 0.1 unidades/kilograma/hora
IV contínua ou 7-10 U SC ou IM por hora.
Antes de iniciar o gotejamento lavar o equipo com 50 ml de solução contendo insulina
Monitorar glicose sérica. Espera-se uma redução de 50 a 70 mg/dl/hora. Se esta redução não ocorrer,
dobrar a dose até obter a redução esperada
Insulina deve ser retardada ou interrompida se o potássio inicial for <3,3meq/l.
Manutenção
A velocidade de infusão deve ser diminuída tão logo os níveis séricos de glicose atinjam 250 mg%.
Adicione glicose 5% para manter níveis séricos de glicose entre 200 a 250 mg/dl.
Só interrompa a administração de insulina após surgimento dos sinais de correção da CAD (pH > 7.3,
HCO3> 18 mEq/l e diferença de anions < 12) ou do EHH (osmolalidade< 315 e paciente alerta).
Preparo da solução
50 unidades insulina para 250 millilitros de salina (0.2 unidades/mililitro) devendo ser administrada em via
separada.
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Situações especiais
Necessidade reduzida na insuficiência renal.
Precauções
Rebote hiperglicêmico (efeito Somogyi) exige redução da dose.
Necessidade de insulina aumenta no segundo e terceiro trimestres da gestação.
Resistência a insulina
Resistência a insulina é rara. Reconhecida pela permanência dos níveis séricos de glicose por 2 horas após
doses elevadas de insulina
Insulina regular subcutânea a cada 4 horas com incrementos de 5 unidades para cada 50 mg% acima de
150 mg%, no máximo 20 unidades para glicemias acima de 300mg%.
Potássio
Indicações:
Não se deve administrar potássio até se obter a dosagem do potássio, se o paciente estiver anúrico ou
existirem sinais de hipercalemia no ECG
Se hipocalemia é percebida no ECG inicial ou com níveis séricos administrar potássio imediatamente e
retardar o início da insulina até níveis séricos superiores a 3.3 mEq/litro.
Dosagem
Administrar 20 a 30 mEq para cada litro de solução infundida (2/3 cloreto de potássio e 1/3 de fosfato de
potássio)
Situações especiais
Reduzir a dose na insuficiência renal. Pacientes oligúricos também necessitam reposição de potássio.
Utilizar metade da dose com monitorização cuidadosa.
Precauções
Contraindicado na insuficiência renal grave.
Monitorização
Provas de função renal. Potássio sérico deve ser dosado a cada litro de fluidos infundidos. Iinfusões iguais
ou superiores a 40 meq/hora exigem monitorização ECG.
Bicarbonato de sódio
Indicações
O uso de bicarbonato na cetoacidose diabética é controverso. Em pacientes com ph > 7.0, o uso de
insulina e a correção de volume são suficientes para correção da acidose metabólica, dispensando o uso
de bicarbonato.
Dosagem
Em pacientes com ph < 6.9
Diluir 100 meq de bicarbonato de sódio em 400 ml de água estéril e infundir a 200 ml/hora
Em pacientes com ph  6.9 e 7.0
Diluir 50 meq de bicarbonato de sódio em 200 ml de água estéril e infundir a 200 ml/hora
Em pacientes com ph > 7.0 não administrar bicarbonato
Monitorização de gasometria. Objetivo é manter ph sérico de 7.15 ou mais.
Antibióticos
Usados de acordo com o diagnóstico firmado de infecção.
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Admissão
Todos os pacientes devem iniciar o tratamento na Unidade de Emergências
Critérios de alta
Os pacientes podem receber alta da terapia intensiva quando os seguintes critérios forem atingidos:
Nível de glicose sérica <300, pH normal, cetonemia ausente ou residual e nível de bicarbonato >18
meq/L.
Sinais vitais normais.
Causas precipitantes corrigidas
Paciente cooperativo.
Paciente podendo ingerir líquidos adequadamente.
Critérios de transferência
Pacientes instáveis não devem ser transferidos a não ser que seja absolutamente necessário. Nestes casos
devem ser removidos em veículos equipados, acompanhados por médico.
Em geral 4 a 6 horas de tratamento apropriado são suficientes para estabilizar os pacientes para
transferência.
Hipovolemia?
SIM
Solução salina
1000ml em 30 minutos
NÃO
Solução salina
500 ml/hora por 4 horas
+
250 ml/hora por 4 horas
SIM
Hipovolemia
corrigida?
NÃO
Solução salina
1000ml em 1 hora
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Insulina
Iniciar somente após dosagem de eletrólitos
e infusão de pelo menos 1 litro de solução
salina
Insulina regular
0.15 U/Kg ou 10U IV em bolus
A critério clínico
escolher entre
Infusão intravenosa contínua de
0.1 U/Kg/hora
Injeção intramuscular ou
subcutânea de 7-10 U/hora
Reavaliar após 1 hora
Glicemia reduziu em
50-70mg%?
NÃO
Aumentar a hidratação e rever
modo de preparo da solução de
insulina
Reavaliar após 1 hora
Considerar
Infecção não diagnosticada ou
não controlada
IAM
Resistência a insulina
SIM
Manter a infusão
Glicemia capilar de 1/ 1h
Diferença de ânions e
eletrólitos de 4/4 h
CAD
Glicemia reduziu em
50-70mg%?
SIM
NÃO
Dobrar a dose de insulina
Reavaliar após 1 hora
NÃO
EHH
Ph> 7.3
Anion gap < 12
HCO3 > 18
Osmolalidade < 315
Paciente alerta
SIM
Glicemia reduziu em
50-70mg%?
NÃO
SIM
SIM
NÃO
NÃO
Glicemia < 250
mg%?
Passar controle
para 4/4h
Insulina por via
subcutânea
SIM
Reduzir infusão à metade
Iniciar solução de glicose
a 5%
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Tabela 1 - Critérios diagnósticos para CAD e EHH
Cetoacidose diabética
Leve
Moderada
Grave
Estado Hiperosmolar
Glicemia (mg%)
> 250
> 250
> 250
> 600
pH arterial
7.25 – 7.30
7.00 – 7.24
< 7.00
> 7.30
HCO3 sérico (mEq/l)
15 – 18
10 - < 15
< 10
> 15
Cetonúria
Positiva
Positiva
Positiva
Discreta ou ausente
Positiva
Positiva
Positiva
Discreta ou ausente
Variável
Variável
Variável
> 320
> 10
> 12
> 12
< 12
Alerta
Sonolento
Estupor/coma
Estupor/coma
Cetonemia
Tonicidade
Hiato

aniônico
Sensório
 2 Na + glicose/ 18
 [Na] – [ Cl + HCO3]
Tabela 2 – Perdas estimadas
Cetoacidose
Estado hiperosmolar
6
9
Água (ml/kg)
100
100-200
Sódio (mEq/kg)
7-10
5-13
Cloro (mEq/kg)
3-5
5-15
Potássio (mEq/kg)
3-5
4-6
Fosfato (mEq/kg)
5-7
3-7
Magnésio (mEq/kg)
1-2
1-2
Cálcio (mEq/kg)
1-2
1-2
Água total (litros)
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