Avaliação nutricional 1 . M. Isabel T.D. Correia Cirurgiã geral Doutora em Cirurgia do Aparelho Digestivo na Universidade de S. Paulo. Professora Titular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Grupo de Nutrição do Instituto Alfa de Gastroenterologia. Av. Carandaí 246 apt. 902 Belo Horizonte, MG, 30130-060 2. Sílvia Fernandes Maurício Nutritionista Mestranda em Ciências de Alimentos 1 Introdução O estado nutricional de enfermos deve ser rotineiramente avaliado. A presença de desnutrição está associada ao aumento de complicações, assim como a taxas mais elevadas de mortalidade. O tempo de internação prolongado e os custos expressivos são marcantes entre doentes desnutridos (1, 2). A desnutrição identificada há mais de um século, foi, inicialmente, descrita em crianças de países subdesenvolvidos. Contudo, muitos anos se passaram até que os efeitos deletérios desse estado carencial, assim como a alta prevalência, fossem associados a pacientes internados em hospitais de países industrializados (3). A desnutrição, segundo JELLIFE (4), é um estado mórbido secundário a uma deficiência ou excesso, relativo ou absoluto, de um ou mais nutrientes essenciais. As causas da desnutrição podem estar relacionadas com a doença de base, tal como câncer, doenças inflamatórias intestinais, enfermidade cardíaca, síndrome da imunodeficiência adquirida SIDA, dentre tantas outras. Porém, o componente iatrogênico involuntário do médico, quando mantém pacientes em jejum por tempo prolongado, ora para a realização de propedêutica, ora por desconhecimento das reais necessidades nutricionais dos enfermos deve ser destacado (5, 6). Em se tratando de pacientes cirúrgicos, deve-se, também, levar em consideração as alterações orgânicas induzidas pelo trauma operatório, geralmente caracterizadas por estado hipercatabólico com liberação de catecolaminas e citocinas. A proteólise, decorrente desta fase, com conseqüente balanço nitrogenado negativo, associada a jejum prolongado ou à diminuição da ingestão de alimentos, leva a deterioração do estado nutricional (7). A avaliação nutricional, além de definir o diagnóstico do estado nutricional do paciente, é capaz de identificar e de valorizar o potencial de cada indivíduo em adquirir esse estado carencial (8). O método ideal para a realização da avaliação nutricional deveria ser simples, de fácil execução pela maior parte dos profissionais de saúde e, contemplar a capacidade em prever complicações e mortalidade. Desta maneira, poder-se-ia intervir com a terapêutica adequada, o mais precocemente possível. O estado nutricional O estado nutricional de um ser humano é determinado pelo balanço entre o que se ingere e o que se gasta. A dieta saudável e balanceada proporciona oferta suficiente de nutrientes para a manutenção do equilíbrio nutricional do organismo, desde que não existam perdas outras, que não as fisiológicas. Nem sempre isto é possível. Um indivíduo doente, em geral, sofre modificações do metabolismo basal, não só pela própria doença, como também pelo tratamento efetuado (6). Esta situação pode determinar a diminuição de ingestão de alimentos ou até mesmo a ocorrência de jejum, acompanhado, em geral, do aumento das necessidades nutricionais. Ademais, pode coexistir a utilização inadequada de nutrientes, caracterizando desequilíbrio metabólico. Existe, consequentemente, na doença, grande potencial de alteração da composição corporal e das funções orgânicas do indivíduo. A este estado denomina-se desnutrição. A desnutrição, também classificada como aguda ou crônica, é marcada nos casos agudos por proteólise acentuada e edema generalizado secundário à perda de proteínas corporais. No caso da desnutrição crônica há predominantemente perda de depósitos de gordura. Avaliação nutricional Existem múltiplos métodos para realizar a avaliação nutricional, sem que no entanto, exista a técnica considerada padrão, ou seja, aquela que apresenta alta sensibilidade e especificidade (9). Na realidade, a avaliação nutricional ideal ainda não foi definida, talvez devido à complexidade das variações individuais em relação à composição corporal e à resposta de cada indivíduo às doenças e situações de estresse. Dever-se-ia, porém, preferir como a técnica mais adequada, aquela que fosse prática, fácil de ser realizada pela maioria dos analisadores, não fosse invasiva, não demandasse aparelhos, pudesse ser realizada à beira do leito e tivesse sensibilidade e especificidade apropriadas. 2 O objetivo da avaliação nutricional é o de diagnosticar o estado nutricional e, assim, identificar pacientes com risco aumentado de complicações devido ao estado carencial. Consequentemente, podem-se criar opções terapêuticas para diminuir a morbidade e a mortalidade (10). Até recentemente, as medidas antropométricas, como peso, altura, pregas cutâneas e circunferências musculares, assim como, os testes bioquímicos (principalmente, albumina e linfócitos) foram amplamente usados como forma de avaliar o estado nutricional. No entanto, esses métodos apresentam diversas desvantagens, fazendo com houvesse a necessidade de se desenvolverem técnicas que pudessem ser mais confiáveis para o melhor diagnóstico do estado nutricional. Assim, a avaliação do estado nutricional deve ser feita por abordagem multivariada e essencialmente clínica. A técnica de avaliação global subjetiva (11) é sinônimo de método de avaliação nutricional essencialmente clínico. Para tal, por meio de anamnese realizada com o paciente, obtem-se a história clínica completa, na qual a valorização da moléstia atual e da progressão de perda de peso do doente têm grande significado. Ainda de acordo com essa técnica, a existência de alterações do apetite, presença de sintomas gastrointestinais e mudanças da capacidade funcional são fatores relevantes que interferem no estado nutricional e que devem ser pesquisados. Antropometria As medidas antropométricas desenvolvidas para avaliar crianças desnutridas na África podem também ser usadas para se avaliar o estado nutricional de adultos. As mais comuns são peso, altura e pregas cutâneas tricipital e subescapular, além das circunferências musculares. A perda de peso involuntária tem sido associada com estado nutricional deficiente, morbidade e mortalidade aumentadas (12). A perda superior a 10% do peso usual sugere desnutrição e está associada com alta morbidade e mortalidade. Já a perda de mais de 1/3 do peso usual está relacionada com morte eminente. No entanto, nem sempre é possível determinar-se a perda de peso de maneira exata. Morgan et al (13) mostraram que a acurácia de se avaliar a perda de peso por meio da anamnese foi de 0,67 e que o poder preditivo foi de 0,75. Estes dados indicam que 33% daqueles pacientes que perderam peso não foram identificados e que 25% daqueles pacientes estáveis de peso foram diagnosticados como tendo perdido. Assim, a informação sobre a perda de peso isoladamente poderá não ter significado nutricional, uma vez que sofre a influência de grande variedade de fatores de confusão. Essencialmente, o conhecimento por parte do paciente do peso habitual prévio e as alterações da composição hídrica corporal são os fatores de confusão mais comuns. Por meio do peso e da altura, obtém-se o Índice de Massa Corporal - IMC 2 2 (peso/altura ), também chamado de Índice de Quetelet. A faixa situada entre 18 kg/m e 25 2 kg/m é considerada segura, em relação ao risco de desenvolvimento de doenças associadas 2 ao estado nutricional. O IMC entre 14 e 15 kg/m está associado a taxa de mortalidade alta (14). Usando-se o paquímetro de Lange ou Harpender, medem-se as pregas cutâneas, com a pretensão de se determinar por meio destes parâmetros a porcentagem de gordura corporal. Como a tela subcutânea representa aproximadamente 50 % das reservas de gordura do organismo, a medida das pregas é parâmetro razoável da quantidade de gordura corporal total. A técnica é fácil e não onerosa. A maior crítica a estas medidas é a grande variabilidade que apresentam, de acordo com quem as executa, salientando-se a importância de ser realizada por pessoa bem treinada. Outras críticas relacionam-se com o fato de que a medida das pregas cutâneas oferece dados de compartimentos corporais, enquanto que o efeito das doenças é determinado por função tecidual, ou seja, estas medidas podem representar boa correlação entre esses dois segmentos em indivíduos sadios, mas não em doentes. A medida da circunferência do braço é realizada por meio de fita métrica maleável convencional. Esta medida quando usada na fórmula, em conjunto com a medida da prega cutânea tricipital dá o valor da circunferência muscular do braço e da área muscular. Este dado fornece, também, por aproximação, o conteúdo da massa magra corporal, já que a musculatura esquelética representa 60% do conteúdo total de proteína corporal. A massa coporal é usada como principal fonte fornecedora de aminoácidos em períodos de estresse e jejum. Considera- 3 se significante o valor abaixo do percentil 10 de uma única medida de área muscular do braço ou, então, da medida da circunferência abaixo do percentil cinco (15). Além das dificuldades acima salientadas sobre as medidas de pregas e circunferências, a comparação dos dados encontrados é feita com tabelas de percentis geradas de estudos populacionais. De sorte que podem-se classificar de maneira errônea indivíduos que estejam fora do padrão esperado, apenas por apresentar um biótipo diferente. As duas tabelas mais comumente usadas são as de Jellife (16) e Frisancho (17), ambas muito questionáveis em relação ao método usado na confecção. Jellife (16) desenvolveu as tabelas ao medir um grupo de homens norte-americanos em serviço militar na Grécia e, um grupo de mulheres americanas de baixo poder aquisitivo. Já Frisancho (17) usou dados de mulheres e homens brancos que participarem no Inquérito Americano de Saúde entre 1971 e 1974. De acordo com Thuluvath e Triger (18) que usaram as tabelas previamente mencionadas, entre 20% e 30% de indivíduos sadios foram considerados desnutridos. Considera-se de valor, todavia, medidas que se encontrem abaixo do percentil 10. Por úlitmo, a espessura do músculo adutor do polegar, é uma medida que tem sido atualmente utilizada. O músculo adutor do polegar é o único músculo que permite adequada avaliação da espessura, por apresentar-se anatomicamente bem definido, ser plano e estar situado entre duas estruturas ósseas. A espessura do músculo adutor do polegar (EMAP) é medida direta, não havendo necessidade de aplicação de fórmulas para o cálculo do valor real, sendo facilmente reprodutível. Este músculo, como todos os músculos esqueléticos periféricos, também é consumido durante o catabolismo e atrofiado por inatividade. Poucos estudos recentes usaram tal medida como possível parâmetro de avaliação nutricional (19). A medida deve ser realizada com o indivíduo sentado, mão dominante repousando sobre o joelho homolateral, cotovelo em ângulo de aproximadamente noventa graus sobre o membro inferior. 2 O paquímetro deve ser utilizado, exercendo pressão contínua de 10g/mm , para pinçar o músculo adutor no vértice de um ângulo imaginário formado pela extensão do polegar e o dedo indicador. A média de três aferições é considerada como a medida da espessura do músculo adutor. O estudo de Lameu et. al. (20)fornece as primeiras estimativas da EMAP como parâmetro antropométrico em indivíduos saudáveis. Os valores adequados para a mão dominante em homens foram de 12,5 ± 2,8 mm (média ± desvio padrão), com 12 mm de mediana e para as mulheres de 10,5 ± 2,3 mm, com 10 mm mediana. (21)et al., compararam a medida da espessura do músculo adutor do polegar (EMAP) com outros parâmetros nutricionais, como avaliação global subjetiva (AGS), medidas antropométricas e concentração de albumina. Foram avaliados 87 pacientes candidatos a procedimento cirúrgico de grande porte sobre o trato gastrointestinal, dos quais 45 (51,7%) apresentaram neoplasias. Os achados deste estudo mostraram que a EMAP foi método confiável para avaliação do estado nutricional de pacientes cirúrgicos. Testes bioquímicos 3 A contagem total de linfócitos (valorizando-se o número inferior a 1.500 cel/mm como tendo significado), a dosagem de albumina sérica (valores inferiores a 3,5 g/dL são sugestivos de desnutrição), a dosagem de transferrina (inferior a 200 mg/dL), a pré-albumina, o retinol ligado à albumina e o colesterol têm também sido usados para realizar-se o diagnóstico do estado nutricional. Todos estes dados, contudo, podem estar alterados em outras doenças que não apenas desnutrição, tal como em neoplasias, doenças autoimunes, hepatopatias e nefropatias. O valor da albumina, apesar de ser um dado pobre para o diagnóstico do estado nutricional é, todavia, indicador prognóstico para o desenvolvimento de complicações e mortalidade (22). O índice de creatinina/altura é derivado da medida de 24 horas da excreção urinária de creatinina e, é posteriormente comparado com dados padrão para determinada altura. Por meio deste índice pode-se avaliar a proporção da massa corporal magra. Porém qualquer fator que interfira com a excreção urinária de creatinina, tal como idade, função renal, estresse e dieta, poderão interferir na interpretação. Balanço nitrogenado A excreção de nitrogênio urinário é uma forma de determinar o metabolismo proteico, 4 uma vez que no organismo humano, apenas as protéinas são formadas por nitrogênio. O balanço nitrogenado pode ser usado para acompanhar o estado metabólico, estimar necessidades nutricionais e avaliar a terapêutica nutricional. Um grama de nitrogênio representa 30 gramas de tecido magro. A proteína dietética contém aproximadamente 16% de nitrogênio. A maior parte do nitrogênio é perdido na urina sob a forma de uréia. Mínima porcentagem é perdida nas fezes e através da pele. Pacientes com fístulas e diarreia poderão ter perdas aumentadas. Ao medir o nitrogênio uréico na urina (NUU) e acrescentando um fator para as perdas não urinárias (geralmente, não mais que 4 g/dia) pode-se estimar a perda de nitrogênio/dia, com razoável certeza. O balanço nitrogenado é então calculado, com base no nitrogênio recebido e no perdido, pela seguinte fórmula: BN = (proteína dietética x 0.16) - (NUU + 2 g fezes + 2 g pele) A excreção de nitrogênio é obtida por medidas seriadas de urina de 24 horas (pelo menos três medidas) e isto demanda cooperação da equipe de enfermagem. Contudo, é técnica não invasiva e não dispendiosa, que poderá ser usada para avaliar o estresse metabólico. Testes de composição corporal A análise de impedância bioelétrica é técnica fácil, rápida, indolor e de custo relativamente baixo, usada no intuito de avaliar a composição corporal do paciente. Por meio de eletrodos, colocados nas extremidades do braço e da perna homolateral, é passada corrente elétrica de baixa intensidade que fornece dados referentes à resistência da passagem dessa corrente e à reactância, que é a oposição ao fluxo da mesma corrente. A grande quantidade de gordura corporal aumenta o valor da resistência, pois a gordura e osso são maus condutores, já os tecidos magros são altamente condutivos. No que se refere à reactância, a membrana celular é também um indicador de massa corporal magra. No entanto, em pacientes com distúrbios hídricos, este teste encontra-se muito alterado. Porém, o dado mais importante fornecido pela BIA é o ângulo de fase (AF, estimado pela relação direta entre resistência (R) e reatância (Xc) e, calculado como arco tangente da razão Xc/R em graus) (23). O AF avalia a distribuição de fluidos entre o meio intra e extracelular, podendo ser marcador de desnutrição (24). É formado quando parte da corrente elétrica é armazenada pelas membranas celulares, que funcionam como capacitores, criando mudança de fase. Ângulos de fase baixos sugerem morte celular ou decréscimo na integridade celular, enquanto ângulos de fase elevados sugerem grandes quantidades de membranas celulares intactas (25). Em relação a outros indicadores nutricionais, o AF tem a vantagem de ser útil mesmo naqueles pacientes com alterações de fluidos ou naqueles em que não é possível medir o peso corporal. Além disso, não depende de equações de regressão para ser obtido, diferentemente dos outros parâmetros da BIA, tais como a massa corporal magra (26). Estudos mostram que o ângulo de fase é fator prognóstico independente de morbidez e sobrevida em doentes com tipos distintos de câncer, como de pulmão, coloretal avançado e pâncreas (27). Em estudo realizado por PAIVA et al. (26)foi demonstrado que o AF, utilizado como ângulo de fase padronizado (standard phase angle - SPA), é um indicador prognóstico independente para complicações clínicas e mortalidade em pacientes oncológicos submetidos a tratamento quimioterápico. O SPA foi ajustado para sexo e idade a partir dos valores de referência para a população brasileira (28, 29). Para tal, foi estimado de acordo com a seguinte equação: subtraiu-se o valor de referência do AF, segundo sexo e idade, do valor de AF observado e, dividiu-se pelo respectivo desvio padrão. O ângulo de fase padronizado poderia ser usado para comparar estudos de diferentes populações, com diferentes distribuições de sexo e idade. O ponto de corte de -1,65 representa o percentil 5 e pode ser considerado como o limite inferior aceito para a população saudável (26). Doenças, desnutrição ou inatividade física prolongada podem resultar em distúrbios das propriedades elétricas dos tecidos que vão afetar diretamente o ângulo de fase. Em trabalho realizado por NORMAN et al. (30) foram avaliados 399 pacientes com tumores sólidos ou hematológicos. Os autores dividiram os pacientes em dois grupos (AF maior que o percentil 5 e AF menor que o percentil 5) e, verificaram que 78% dos pacientes que tiveram AF menor que o percentil 5 foram classificados como moderadamente ou gravemente desnutridos, segundo a AGS, em contraste aos 39,1% dos pacientes que tiveram AF maior que o percentil 5. Os pacientes com AF menor que o percentil 5 também apresentaram menor força de preensão manual. Outro dado interessante deste estudo é que quando comparados aqueles 5 pacientes com AF elevado com pacientes com AF abaixo do percentil 5, estes apresentaram maior número de comorbidades e maior consumo de medicamentos. Outros marcadores de composição corporal têm sido usados em laboratórios de pesquis que estudam a avaliação do estado nutricional. Citam-se a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a densitometria óssea, as medidas de potássio corporal total e a análise de ativação de nêutrons. Todos estes testes são deveras dispendiosos e demandam tempo grande de execução, tornando-os úteis apenas em laboratórios de pesquisa. Testes imunológicos A desnutrição interfere na resposta imunológica, como previamente mencionado. Por tal, medidas de testes cutâneos de hipersensibilidade tardia, via inoculação de antígenos tais como Candida, Tricophyton, caxumba e outros foram no passado muito usados para medir a competência imunológica e indiretamente, o estado nutricional. Todavia, porque enorme número de situações pode causar anergia, tais como drogas (especialmente os corticóides e drogas para transplante), a presença de infecção, de neoplasias e de queimaduras, entre outras, estes parâmetros foram praticamente abandonados na avaliação do estado nutricional. Calorimetria A calorimetria mede o gasto energético por meio da análise do consumo de oxigênio e da produção de dióxido de carbono, para atingir-se o coeficiente respiratório. Na prática clínica isto é realizado por aparelhos de calorimetria indireta, que medem o gasto energético de repouso (GER). Este representa a taxa de metabolismo de repouso e depende da massa muscular magra. Por este motivo, indiretamente, avalia o estado nutricional. No entanto, a calorimetria sofre a influência de vários fatores como o estado metabólico do paciente, a presença de febre, a temperatura ambiental e o efeito térmico da alimentação e a atividade física. Demanda tempo longo para a execução (pelo menos 20 minutos), com o paciente em estado de equilíbrio total, ou seja, em jejum e repouso absoluto. Pelas características, é melhor indicada como forma de monitorar a terapia nutricional do que como método de avaliação nutricional. Índices nutricionais O uso de índices nutricionais, tais como o Índice de Prognóstico nutricional, representa a utilização de fórmulas matemáticas derivadas de equações que combinam medidas de albumina sérica, prega cutânea tricipital, transferrina e testes de sensibilidade cutânea tardia. Cada um destes dados tem a própria restrição de uso, como anteriormente mencionado. Porém, quando usados em conjunto evidenciaram aumento na sensibilidade de prever morbidade em pacientes cirúrgicos(31). Testes funcionais A medida da força de contração do músculo adductor pollicis, a dinamometria, o teste ergométrico e a espirometria são medidas funcionais que indiretamente avaliam o estado nutricional. O princípio no qual se baseia a medida de contração do músculo adductor pollicis é o de que, como resposta à repleção nutricional de um paciente desnutrido, múltiplos elementos da massa muscular magra (composta por água, minerais, nitrogênio e glicogénio) são incorporados, incluindo o potássio. Em contrapartida, a nutrição hipocalórica resulta em potencial de membrana diminuído e em concentração de potássio intracelular também diminuída. Estes eventos sugerem que a incorporação de íons por parte da célula ocorra antes do fenômeno de síntese proteica após o início da terapia nutricional. Além do mais, a atividade muscular está diretamente ligada ao funcionamento energético da célula, e a função do músculo esquelético pode ser rapidamente alterada pela desnutrição, sem interferência de sepsis, trauma, insuficiência renal e administração de drogas. A ausência de aparelhos adequados e a falta de experiência com a técnica tem limitado o uso. Porém, é uma boa perspectiva para ser usada no futuro como forma de avaliar o estado nutricional e a terapia nutricional. 6 A aferição da força máxima voluntária de preensão manual, ou simplesmente dinamometria manual (DM), consiste em teste simples e objetivo que tem como princípio estimar a função do músculo esquelético (32). Trata-se de teste realizado geralmente com aparelho portátil – dinamômetro (FIG. 1) – sendo procedimento rápido, de baixo custo e pouco invasivo (33). FIGURA 1: Dinamômetro JAMAR® A função muscular esquelética é considerada como indicador útil do estado nutricional. Diminuição da funcionalidade e fraqueza muscular são características proeminentes em pacientes com câncer. Indicadores funcionais são de particular importância, uma vez que estão associados com complicações clínicas. A perda de função é um indicador de desnutrição, particularmente a perda de massa corporal magra. A recuperação funcional ocorre em poucos dias em resposta ao início de terapia nutricional, em contraste com a recuperação da massa corporal magra, que pode não ocorrer durante a doença ou demorar semanas para se fazer notar durante o período de recuperação. Valores de referência são necessários para permitir o uso da DM como ferramenta para avaliação da função muscular. Pontos de corte para dinamometria manual foram determinados BUDZIARECK et al. (2008) utilizando população de trezentos adultos saudáveis (150 homens e 150 mulheres) com idades entre 18 e 90 anos. Os valores foram descritos para a mão dominante e não dominante e, são específicos para cada grupo etário e sexo. Valores abaixo do percentil 5 da referência podem ser considerados valores anormais. BUDZIARECK et al. (34) demonstraram que a DM (0,71 e 0,70 para a mão dominante e não dominante, respectivamente) possui forte correlação com a espessura do musculo adutor do polegar (EMAP). Essa associação permaneceu significante depois de ajustada por variáveis como sexo, idade e IMC. Os autores sugerem que o uso combinado da DM e EMAP pode ser método útil para a avaliação nutricional. NORMAN et al. (35, 36) também verificaram que a desnutrição possui papel importante na alteração da função muscular. Os autores avaliaram 189 pacientes (idade 60,8 ± 12,7 anos) com vários tipos de câncer e, verificaram que a desnutrição, avaliada por meio da AGS, foi fator de risco independente para a redução da força muscular e o estado funcional em pacientes com câncer. Avaliação global subjetiva Um capítulo inteiro será dedicado a este método de avaliação nutricional. Referências bibliográficas 1. Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9. 2. Correia MI, Caiaffa WT, da Silva AL, Waitzberg DL. Risk factors for malnutrition in patients undergoing gastroenterological and hernia surgery: an analysis of 374 patients. Nutr Hosp. 2001;16(2):59-64. 3. Allison SP. Malnutrition, disease, and outcome. Nutrition. 2000;16(7-8):590-3. 4. JELLIFE DB. The assessment of the nutritional status of the community. 1966;World Health Organization. 7 5. 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