O Registro de Imóveis na perspectiva dos direitos fundamentais

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Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
ARTIGO
O Registro de Imóveis na
perspectiva dos direitos
fundamentais: apontamentos
para a construção de
uma teoria justificadora
// Luiz Egon Richter
Registrador de imóveis em Lajeado-RS, diretor legislativo do IRIB,
mestre em Desenvolvimento Regional, com ênfase em Político-Institucional,
pela Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC; doutorando em Direito
pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC; professor de
Direito Administrativo e Registros Públicos no Curso de Direito da
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC e professor de
Cursos de Especialização em Direito Imobiliário, Notarial e Registral.
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XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
Introdução
O título talvez possa parecer pretensioso demais e o conteúdo do texto absolutamente insuficiente, mas isto não
afasta a necessária aproximação doutrinária e hermenêutica do Registro de Imóveis com os princípios, objetivos e direitos fundamentais, porque o Registro de Imóveis
no Brasil tem tido, ao longo do tempo, importante função na proteção de direitos e garantias, notadamente no
âmbito dos direitos reais relacionados à propriedade imobiliária e também de outros atos e fatos que têm ingresso
permitido, com vistas a gerar efeitos constitutivos, declarativos ou de mera publicidade em face de terceiros. Tudo
isto em nome da certeza e da segurança jurídica!
A segurança jurídica é um tema que permeia, de certa
forma, todas as relações jurídicas, assim como as relações
entre sujeitos e bens. Embora não se apresente de forma
expressa no texto constitucional, parece certa e aceitável
a possibilidade de extração implícita do princípio da segurança jurídica. Não é uma meta ou um princípio moral,
mas um princípio jurídico que irradia seus efeitos para
toda a seara jurídica, por ser inerente ao Direito.
Assim como a justiça, também a segurança jurídica é
uma exigência da sociedade. Por isso, cabe ao Direito,
por meio de instrumentos e mecanismos jurídicos,
orientados pela racionalidade jurídica, estabelecer previsibilidades dos efeitos decorrentes da atuação estatal em benefício da proteção dos direitos,
notadamente dos direitos fundamentais consagrados
na Constituição federal.
Por isso, “a segurança jurídica pressupõe organização social, ordem eficaz e justa, dado objetivo, estado de fato
de que deriva a certeza jurídica, elemento este subjetivo,
a rigor reduzido ao conhecimento do conteúdo e das
fontes positivas das liberdades, dos direitos, das obrigações, em determinada sociedade política” (Dip, 1987).
É nesse contexto que se insere o Registro de Imóveis
no Brasil, como um instrumento, um meio, um método
de intervenção assecuratória do Estado na propriedade
imobiliária e nos demais direitos que, por força da lei e
do Direito, são cometidos a essa organização técnica e
administrativa destinada a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Por essas razões, far-se-ão alguns apontamentos que
podem servir para o início de uma construção teórica
que justifique a existência dos Registros Públicos como
um todo e o Registro de Imóveis em particular, a partir
dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais são
os consagrados na Constituição federal, que tem como
eixo principal a dignidade da pessoa humana, com efeitos irradiadores para todo o ordenamento jurídico e impõem, por um lado, obrigações de não fazer ao Estado
e, de outro, obrigações de fazer, notadamente quando
se fala nos direitos econômico-sociais, que exigem do
Estado uma intervenção concreta e objetiva.
impõe ao Estado criar mecanismos de proteção com
vista a proporcionar certa previsibilidade e, por consequência, estabilidade nas relações jurídicas. Esclarece-se, contudo, que a segurança, muito antes de ser
jurídica, cujo surgimento se deu com o Estado de Direito, já era uma preocupação do indivíduo. É a própria
autopreservação o principal pressuposto da segurança
visada pelo homem. Na pré-história, período que vai
do aparecimento dos seres humanos na Terra até o desenvolvimento da escrita, cerca de 3.500 anos a.C. e
anterior à escrita (período dividido em três fases: paleolítico, mesolítico e neolítico), o homem satisfazia
suas necessidades básicas junto à natureza.
Ao que tudo indica, o homem paleolítico ou da pedra
lascada, que viveu entre 3 milhões de anos atrás até
cerca de 10.000 a.C., preocupava-se, basicamente,
com as demandas de sobrevivência, notadamente alimentação e proteção do corpo. Por isso, habitava cavernas compartilhadas com animais selvagens. Tinha
uma vida nômade, portanto, sem habitação fixa, e alimentava-se da caça de animais de pequeno, médio e
grande porte, da pesca e da coleta de frutos e raízes.
A própria linguagem era pouco desenvolvida, baseada
em pouca quantidade de sons, sem a elaboração de
palavras. Uma das formas de comunicação eram as
pinturas rupestres. Através desse tipo de arte, o
homem trocava ideias e demonstrava sentimentos e
preocupações cotidianas. Supõe-se que a maior preocupação era com a segurança do próprio corpo.
Já o homem mesolítico – entre o paleolítico e o neolítico
– entre 10.000 a.C até 6.000 a.C, período diretamente ligado à Era Glacial, que provocou drásticas alterações
climáticas em alguns continentes – apresentou importante evolução em comparação com o homem paleolítico, porque desenvolveu meios de sobrevivência mais
segura. Dominou o fogo, desenvolveu a agricultura e a
domesticação dos animais. Isso fez com que o homem
diminuísse sua dependência em relação à natureza, o
que permitiu a fixação de residência, a divisão do trabalho por sexo. Mesmo com a evolução, a preocupação
ainda era com a sobrevivência.
E o homem pré-histórico, neolítico ou da idade da
pedra polida, atingiu um grau importante de desenvolvimento e estabilidade, porque fixou residência,
criou animais, cultivou a agricultura e desenvolveu a
metalurgia. Tudo isso potencializou as atividades desenvolvidas até então e, sobretudo, permitiu a produção de excedentes agrícolas e sua armazenagem,
garantindo o alimento necessário para os momentos
de seca ou inundações.
Apontamentos sobre a trajetória do
homem desde a Antiguidade
Nesse contexto, as comunidades foram crescendo e
logo surgiu a necessidade de trocas com outras comunidades, ocorrendo um intenso intercâmbio entre
vilas e pequenas cidades. Além disso, foi também
nessa época que surgiu “o movimento de apropriação
fundiária (...), com a construção das primeiras moradias permanentes e com o cercamento das primeiras
hortas e quintais privados” (Mazoyer, 010, p. 376). É
nesse período que o homem começa a se dar conta de
que precisa de segurança para os seus bens.
Embora não conste expressamente na Constituição, a
segurança jurídica é um direito fundamental, que
À medida que o homem abandona os primeiros estágios da pré-história, certamente a preocupação
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A Idade Média, que abrange o pecom a segurança aumenta. Se duríodo que vai do século V da era
rante o período paleolítico a preo"Assim como
cristã até a queda de Constantinopla,
cupação era com a segurança do
a justiça, também
capital do Império Romano do
próprio corpo, no sentido de
Oriente, em 1453, apresenta como
mantê-lo vivo por meio da alimena segurança
principais marcos a expansão dos reitação extraída da natureza e o
jurídica é uma
nos bárbaros na Europa, a transforabrigo em cavernas; no período
exigência da
mação do escravismo em feudalismo,
neolítico, especialmente a produo surgimento dos impérios feudais, a
ção do excedente e a apropriação
sociedade".
expansão do cristianismo e do islada terra fez nascer novas preocumismo, o renascimento do comércio
pações em termos de segurança.
e das cidades medievais e o apogeu da civilização maia,
Em razão disso, começa a desenvolver mecanismos
na América. Nesse período, havia várias ordens jurídicas,
de proteção.
muitas vezes se sobrepondo umas às outras.
No final da era neolítica, ou seja, da pré-história para a
antiguidade, surge a escrita ou, ao menos, os historiaHe aqui como debemos aproximarnos al
dores aceitam como certo o aparecimento da esDerecho medieval: como a una gran excrita na Mesopotâmia e no Egito. A partir desse
periência jurídica que alimenta en su seno
momento, o homem passa a dispor de um meio muito
una infinidad de ordenamientos, donde el
mais eficaz do que a comunicação verbal, porque a inDerecho – antes de ser norma y mandato
formação não se perde facilmente como ocorre com a
– es orden, orden de lo social, motor esfala, além de poder perpetuá-la no tempo e, com isso,
pontâneo, lo que nace de abajo, de una
alcançar um número maior de pessoas.
sociedad que se autotutela ante la litigiosidad de la incandescência cotidiana
Inicialmente surge a protoescrita, que ainda não pode
construyéndose esta autonomia, hornaser considerada uma forma escrita como conhecemos
cina propia y auténtica protectora del inhoje, porque não tinha significado linguístico, mas serdividuo y de los grupos. La sociedad se
viu de base para a criação da escrita. É a época dos
impregna de Derecho y sobrevive porque
ideogramas, mnemônicos, entre outras formas que
ella misma es, antes que nada, Derecho
serviam para registrar algum tipo de informação. É por
debido a su articulación en ordenamienvolta de 3.000 a.C. que surge a escrita hieroglífica no
tos jurídicos. (Grossi, 1996, p. 5)
Egito antigo, assim como outras formas escritas em diEsta infinidade de ordenamentos jurídicos existentes na
versos povos.
Idade Média acabou por estabelecer os fundamentos
dos ordenamentos jurídicos europeus, notadamente
A escrita permitiu um salto significativo, porque as fusobre as bases das sociedades romano-germânicas da
turas gerações passaram a tomar conhecimento da hisalta Idade Média.
tória das gerações anteriores, que deixavam registrados
atos e fatos. Nesse contexto, surgem os escribas, que
Os primórdios dos ordenamentos juríditiveram uma importância fundamental na construção de
cos europeus encontram-se nas formas
relatos escritos e na formulação de textos religiosos e
básicas de vida das sociedades romanoleis. Por isso, muitas vezes, são considerados os antegermânicas da alta Idade Média e nos três
cedentes dos atuais notários. Ao fazer o segundo breve
grandes poderes ordenadores que a antiregistro sobre as notas, Ricardo Dip aponta:
guidade tardia tinha deixado: os restos da
organização do império romano do ociO mais famoso ancestral dos notários padente, a igreja romana e a tradição escorece ter sido o célebre Thot, um escriba
lar da antiguidade tardia, restos que os
que na Grécia se confundiu com Trismenovos povos e tribos assentes no antigo
gisto (Hermes), que acompanhava as procorpo do império e no centro da Europa
cissões da deusa Ísis e talvez não passasse
receberam e de que se acabaram por
de um funcionário burocrático – embora
apropriar. (Wieacker, 1967, p. 15).
com caráter mítico-divino (sonho que
ainda hoje acalentam inúmeros burocraA pluralidade de ordenamentos jurídicos e a policentas) –, a serviço preferente dos interesses
tria do poder político não contribuíram para a instituido poder político (...). (Dip, 1988, p. 30)
ção de um sistema de segurança jurídica eficaz,
justamente em razão da fragmentação e da pluralidade
A escrita não deixa de ser uma forma de segurança,
de sistemas jurídicos. A segurança jurídica tem como
embora não necessariamente jurídica, a despeito de a
um de seus pressupostos a unicidade do Direito, o que
origem do Direito situar-se na formação das sociedasó começou a ser construído a partir da Idade Moderna
des. Isso remonta a épocas anteriores à própria escrita.
– período entre a queda do Império Romano do Oriente
O Direito surge com a finalidade de regular as relações
e a Revolução Francesa, em 1789, que tem como prinhumanas, visando à paz e à prosperidade social, com
cipais marcos o fortalecimento dos Estados nacionais
o objetivo de alcançar o bem comum e obter a justiça.
monárquicos, a expansão marítima e colonial, o fortaÉ a partir do Direito que surge a noção de segurança
lecimento e a expansão do capitalismo – que se torna
jurídica, ou seja, a segurança por meio do Direito. Esa forma de produção predominante –, o renascimento
clarece-se que a segurança jurídica como a conhececultural e científico, a fermentação revolucionária do
mos hoje foi uma construção histórica que passou por
iluminismo e a independência norte-americana.
diversos estágios.
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XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
Apontamentos sobre a
segurança jurídica
A segurança jurídica começa a ser moldada com a chegada do Iluminismo e da Revolução Francesa, quando
se buscou a segurança jurídica para defender os direitos fundamentais, notadamente o direito de propriedade. Portanto, é a partir da unicidade do Direito – e
sua codificação – que se buscou a segurança jurídica.
Esse processo condicionou a sociedade e o mundo jurídico, no sentido de que só o Direito pode assegurar a
ordem e a segurança necessárias ao progresso.
O resultado dessa nova percepção é o
abandono tanto da descentralização do
poder como do pluralismo de ordenamentos jurídicos, em busca de unificação
dos territórios, a fim de permitir a formação de um Estado Nacional soberano e
detentor do monopólio de produção das
normas jurídicas. (Maciel, 008)
Hoje, vivemos no contexto da Idade Contemporânea –
que cobre o período do final do século XVIII, a partir da
Revolução Francesa, até a atualidade. Os principais marcos são o período napoleônico (1799 a 1815), a restauração monárquica e as revoluções liberais (1800 a 1848), a
revolução industrial e a expansão do capitalismo (de
1790 em diante), a disseminação das nacionalidades e
das doutrinas sociais (a partir de 1789), o surgimento do
imperialismo, a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), as revoluções socialistas, a expansão da democracia, o surgimento do fascismo e do nazismo (1917-1938), a ª Guerra
Mundial (1939-1945), a Guerra Fria (1948-1990) e a desagregação da União Soviética (1991), no qual reaparece
o pluralismo jurídico, desafiando novamente a segurança
jurídica como um dos fins do Direito.
Em linhas gerais, o medo da morte fez com que o indivíduo procurasse segurança para proteger a vida; o
medo da destruição das coisas fez com que o indivíduo procurasse segurança para os seus bens; o medo
das forças da natureza e do desconhecido fez com que
o homem buscasse segurança na religião; o conceito
de segurança foi o pai da Arte, da Arquitetura, da Medicina, da Astronomia, da Matemática, da Física, do Direito e de todas as áreas do conhecimento; contudo, a
ideia de segurança está no Estado, com fundamento
em uma ordem jurídica. Por isso, Direito é, por excelência, o instrumento de segurança. (ávila, 011)
imprevisibilidad y la incertidumbre a que
está sometido la exigencia de seguridad
de orientación es, por eso, una de las necesidades humanas básicas que el Derecho trata de satisfacer a través de la
dimensión jurídica de la seguridad. (Perez
Luño, 000)
A incerteza acompanha o homem e, por mais paradoxal que possa parecer, ao mesmo tempo em que o
homem busca a segurança para resolver alguma insegurança, outras inseguranças vão surgindo, o que faz
que com busquemos mais segurança. Isso, de certa
forma, revela que a segurança jurídica apresenta um
grau de limitação. Contudo, a despeito desse cenário,
é no Estado de Direito e no seu sistema de segurança
jurídica que buscamos nos assegurar.
Cabe ao Estado de Direito assegurar os direitos, em
particular os direitos fundamentais, assim como os sociais fundamentais que, em face de sua dimensão objetiva, acabam por se irradiar a toda ordem jurídica.
Sem essa dinâmica, haverá desproteção aos referidos
direitos e não haverá imunização às ameaças e aos riscos. Por isso, a segurança jurídica converte-se em valor
jurídico para a concretização de todos os valores constitucionais. Nesse sentido, a segurança jurídica pode
ser considerada como um instrumento assecuratório
dos direitos que envolvem autonomia privada, notadamente, liberdade e propriedade.
Ao prever um direito, o ordenamento jurídico tem que
instrumentalizar a ordem jurídica, visando à proteção
e à eficácia desse direito. Quanto ao direito de propriedade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 17, prevê que “todo
indivíduo tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros, e ninguém será arbitrariamente privado da sua propriedade”. O direito de propriedade,
assim como os demais direitos, requer instrumentos
protetivos, que podem variar de país para país. O direito de propriedade, como direito fundamental, na sua
acepção objetiva, requer a instrumentalização protetiva, que se dá no plano organizacional e normativo.
Apontamentos históricos do direito de
propriedade e da proteção registral
Relatos históricos da humanidade indicam que a propriedade surge inicialmente como coletiva. Com o passar dos tempos, emerge o caráter familiar, passando
ao feudal e, posteriormente, ao caráter privado.
La formación conceptual de la seguridad
A concepção de propriedade privada
jurídica, como la de otras importantes caatrelada à religião, ou seja, à adoração
tegorías de la Filosofía y la Teoría del Dedos deuses do lar familiar, denota
recho, no ha sido la
uma interligação dos laços de sanconsecuencia de una
gue familiar entre a casa, a sepultura
elaboración lógica sino
e o campo, pois que, somente era
el resultado de las
"É a partir da
permitido aos membros da família
conquistas políticas de
unicidade do
assistir e participar do culto aos anla sociedad. La seguritepassados, o que visava restringir o
dad constituye un
Direito – e
acesso de terceiros aos cultos,
deseo arraigado en la
sua codificação –
dando origem às delimitações de
vida anímica de homque se buscou a
cada propriedade, seja através de
bre, que siente terror
cercas, muros ou fossos. (Compaante la inseguridad de
segurança jurídica".
rato, 1997, p. 93)
su existencia, ante la
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O caráter privativo da propriedade, tanto
em Roma quanto na Grécia, iniciou-se no
seio familiar e apresentava caráter sagrado, uma vez que as casas eram construídas junto ao local onde estavam
enterrados os antepassados de cada família e ali se estabelecia a propriedade,
pois era ali que estava o fogo doméstico. (Coulanges, 001, p. 55-56)
Ainda que com características diferentes das atuais, o
direito de propriedade existiu antes do Estado de Direito moderno, assim como a origem dos serviços de
registros imobiliários também é anterior ao próprio Estado, razão pela qual podem ser considerados como
atividades pré-jurídicas, isto é, pré-estatais. É com a
instauração do Estado de Direito que, aos poucos,
essas atividades vão sendo assumidas pelo Estado,
como guardião da segurança jurídica.
Acerca da publicidade registrária imobiliária na antiguidade, Ricardo Dip anota que a despeito da autorizada opinião de Coviello, para quem a publicidade
imobiliária “non è antichissima”,, remontando-a ao Direito medievo (...), parece mais acertado o entendimento de que as manifestações públicas de
transferência dominial, em povos da antiguidade, representassem verdadeira formalidade publicitária,
ainda que nelas acaso não se vislumbrasse a preocupação de garantir direitos de terceiros.
O autor relata, também, que na Babilônia, além dos cadastros e arquivos que, instituídos com finalidade administrativa, se prestavam a consultas para dirimir
conflitos referentes a situações prediais, outra forma
0
de notoriedade dominial de imóveis se manifestava
com as “pedras de limites” (koudourrous), que remontariam à ascensão dos cassitas (aproximadamente por
volta de 1750 a.C.). Tais pedras, que se colocavam
sobre os terrenos, ademais da finalidade religiosa de
atrair a proteção dos deuses, eram, nas palavras de Pugliatti, “mezzo di prova durevole”, realizando “una generica funzione pubblicitaria”.
Acrescenta que o Egito possuiu o mais perfeito sistema de publicidade imobiliária que o mundo antigo
conheceu. Cadastros e arquivos, voltados embora à finalidade primeiramente fiscal, foram instituídos também com relevância publicitária no âmbito das
situações jurídicas prediais.
Em Atenas, tabuletas de pedra (oroi) eram colocadas sobre os imóveis garantes de hipotecas, com
função publicitária da oneração real. Além do oros, o
Direito grego antigo possuía um sistema de publicidade de técnica semelhante aos registros modernos:
o anagraphe, inscrição dos contratos relativos, especialmente, às transferências dominiais. Em Rodes,
o anagraphe era condição de validade para a aquisição do direito.
No Direito romano, enquanto a res nec mancipi podia
adquirir-se por ato despido de publicidade, a res
mancipi sempre reclamava o que Colorni chamou de
nominatività, característica da forma solene de publicidade de sua transferência. Sabido que as res
mancipi, no Direito clássico, apresentavam muito
maior relevância do que as res nec mancipi, inferese a importância publicitária a que se destinava a
mancipatio.
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Por fim, no Direito germânico primitivo, a transmissão imobiliária realizava-se necessariamente diante de
testemunhas, entre as quais deviam
contar-se crianças, com a finalidade
de que memória houvesse, por mais
tempo, da transferência dominial. O
Direito medievo apresenta sistemas
publicitários muito próximos dos registros modernos. (Dip, 1988)
"O homem só
é livre se tiver
disponibilidade
sobre seus bens".
Feitas essas considerações sobre a trajetória do
homem na construção da sua história, relacionada em
particular com a apropriação privada de bens, que aos
poucos foi se transformando em propriedade, assim
como alguns apontamentos sobre instrumentos protetivos da propriedade, que em alguns casos se aproximam dos atuais registros públicos imobiliários, faz-se
a partir de agora uma breve incursão nos direitos fundamentais e a sua repercussão no direito de propriedade.
Apontamentos sobre os direitos fundamentais e a repercussão no direito de
propriedade
As principais perspectivas de abordagem dos direitos
fundamentais são: a filosófica ou jusnaturalista – para
a qual direitos de todos os homens, em todos os tempos e lugares; universalista ou internacionalista – para
a qual os direitos dos homens, em todos os lugares, em
um certo tempo e estatal ou constitucional – que reconhece os direitos dos homens, em um determinado
tempo e lugar.
Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de
Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado
constitucional, constituindo, nesse sentido, não apenas parte da constituição
formal, mas também elemento nuclear da
constituição material. (Sarlet, 007, p.70)
Todavia, foram os contratualistas que desenvolveram as
primeiras teorias acerca do reconhecimento de direitos,
com base no contrato social, com vistas a proteger os
direitos individuais, notadamente a liberdade. É no âmbito do direito fundamental à liberdade que se insere o
direito de propriedade, viabilizador dela. O homem só é
livre se tiver disponibilidade sobre seus bens!
O primeiro contratualista a reconhecer direitos fundamentais, inerentes à condição humana, foi Thomas
Hobbes – 1588 a 1679. Para ele, a sociedade civil se
forma pelo contrato social, em razão do medo que reside na condição humana, provocado pela discórdia
entre os homens, gerada pela competência, desconfiança e glória, o que impõe às pessoas a se organizarem politicamente. Todo o esforço é direcionado à
autopreservação e, nesse sentido, almeja um estado
civil de segurança, paz e estabilidade.
Para Hobbes, no estado de natureza cada coisa pertence a quem a tem e a conserva pela força, a qual
não é nem propriedade, nem comunidade, mas incer-
teza, portanto, impossível. “Pois,
embora qualquer homem possa
dizer, de qualquer coisa, ‘isto é meu’,
não poderá, porém, desfrutar dela,
porque seu vizinho, tendo igual direito e igual poder, irá pretender
que é dele essa mesma coisa” (Hobbes, 199, p.38).
Por essa razão, a propriedade somente é possível no estado civil. Mas, este mesmo
Estado pode suprimir a propriedade, o que deixa
claro que a propriedade é instituída pelo Estado. Portanto, na perspectiva hobbesiana, o Estado é que vai
garantir uma propriedade que ele próprio constitui,
porque ela é um efeito do Estado.
Outro foi John Locke – 163 a 1704 – para o qual a
propriedade existe no estado de natureza, como um
direito absoluto à posse, porém, existe incerteza
quanto à sua fruição, tornando-a muito insegura, arriscada, em face da potencial invasão de terceiros.
Para Locke, a propriedade é anterior à sociedade,
por isso, um direito natural e inviolável. “(...) é perfeitamente claro que Deus, como diz o Rei Davi (S1
115, 61), deu a terra aos filhos dos homens, deu-lhes
para a humanidade em comum” (Locke, 1998, 405406).
Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens,
cada homem tem uma propriedade em
sua própria pessoa. A esta ninguém tem
direito algum, além dele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos,
pode-se dizer, são propriamente dele.
(Locke, 1998, p.407-409).
Nesta última afirmação reside o fundamento da propriedade no trabalho, porque ao retirar da natureza um
bem qualquer, mediante seu trabalho, o homem dá início à propriedade.
Qualquer coisa que ele então retire do
estado com que a natureza proveu e deixou, mistura-a ele com seu trabalho e lhe
junta algo que é seu, transformando-a
em sua propriedade. (...) Por ser esse
trabalho propriedade inquestionável do
trabalhador, homem nenhum além dele
pode ter direito àquilo que a esse trabalho foi agregado, pelo menos enquanto
houver bastante e de igual qualidade
deixada em comum para os demais.
(Locke, 1998, p. 409)
Para Rousseau – 171 a 1778 – o estado de natureza era
o mais próprio à paz e o mais conveniente ao gênero
humano. Todavia, o homem é corrompido pela sociedade, o que gera conflitos e discórdias. O estabelecimento da propriedade privada é seu último termo.
Rousseau, diferentemente de Locke, não atribui à propriedade a categoria de direito natural. Para ele, “o direito de primeiro ocupante, embora mais real que o
do mais forte, só se torna um verdadeiro direito após
o estabelecimento do direito de propriedade” (Rousseau, 1998, p.7).
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A teoria rousseauniana impõe algumas condições autorizativas para que alguém possa exercer o direito de
ocupação, independentemente de título jurídico, sobre
um terreno qualquer:
Primeiro, que esse terreno não esteja ainda
habitado por ninguém; segundo, que dele
só se ocupe a porção de que se tem necessidade para substituir; terceiro, que
dele se tome posse, não por cerimônia vã,
mas pelo trabalho e o cultivo, únicos sinais
de propriedade que, na ausência de títulos jurídicos, devem ser respeitados pelos
outros. (Rousseau, 1998, 7-8)
avanço, porque serviu como ponto de referência para
alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como
o habeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade, que mais tarde tomariam caráter
universal.
A primeira declaração de direitos em sentido moderno
do termo surge na Virgínia, uma das 13 colônias inglesas na América, em 1/1/1776, portanto, anterior à Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Artigo 1° - Todos os homens nascem
igualmente livres e independentes, têm
direitos certos, essenciais e naturais, dos
quais não podem, por nenhum contrato,
privar nem despojar sua posteridade: tais
são o direito de gozar a vida e a liberdade
com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade
e a segurança.
Com o contrato social e o estabelecimento das leis, o
homem perde a liberdade natural e o direito ilimitado
a tudo, mas ganha a liberdade civil e a propriedade de
tudo o que possui – a liberdade natural é limitada pelas
forças do indivíduo, a liberdade civil é limitada pela liberdade geral e a posse, que não é senão o efeito da
força ou do direito do primeiro ocupante. (Rousseau,
1998, 6)
O direito de primeiro ocupante, ainda que
mais real que o do mais forte, só se torna
um verdadeiro direito após o estabelecimento de propriedade. Todo homem tem
naturalmente direito a tudo o que lhe é necessário; mas o ato positivo, que o torna
proprietário de qualquer bem, o exclui de
tudo o mais. Tomada a sua parte, deve limitar-se a ela, e já não goza de nenhum direito à comunidade. Eis por que o direito
de primeiro ocupante, tão frágil no estado
de natureza, é respeitável para todos os
homens civis. (Rousseau, 1998, 7).
Em síntese, pode-se dizer que, para Hobbes e Rousseau, não existe um direito natural à propriedade, porque ela precisa da sociedade civil para existir. Portanto,
a propriedade privada é um efeito do contrato social.
Locke, ao contrário, pensa que a propriedade é um direito natural do homem, e a primeira propriedade é o
próprio corpo. Ainda que os contratualistas partam de
premissas distintas, o certo é que uma das funções do
Estado é proteger a propriedade privada.
Artigo 7° - Nenhuma parte da propriedade de um vassalo pode ser tomada,
nem empregada para uso público, sem
seu próprio consentimento, ou de seus representantes legítimos; e o povo só está
obrigado pelas leis, da forma por ele consentida para o bem comum.
Artigo 13° - Nas causas que interessem à
propriedade ou os negócios pessoais, a
antiga forma de processo por jurados é
preferível a qualquer outra, e deve ser
considerada como sagrada.
Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão
Embora posterior às declarações americana e inglesa,
configura-se como a declaração de maior repercussão,
sobretudo devido a seu caráter universal. Aprovada na
França, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão foi marcada por profundo liberalismo e
pretensão de universalidade, buscando a libertação do
homem farto do absolutismo e do opressivo regime
feudal.
Nesse sentido, as teorias desenvolvidas pelos contratualistas contribuíram para o reconhecimento do direito de propriedade como um direito fundamental,
sem o qual o homem não teria como exercer outro direito fundamental, que é a liberdade. Nessa perspectiva, o direito de propriedade é condição para o gozo
da liberdade e, por isso, a necessidade de reconhecêlo como direito assegurado e protegido pelo Estado.
Antes, porém, da constitucionalização contemporânea dos direitos
fundamentais, alguns direitos fundamentais, notadamente os de primeira geração, que impõem ao
Estado obrigações de não fazer,
foram positivados em declarações
de direitos. Nesse sentido, temos a
Magna Carta, de 115, na Inglaterra,
a qual representou um grande
"Uma das
funções do
Estado é
proteger a
propriedade
privada".
Artigo 1º - Os homens nascem e são livres
e iguais em direitos. As distinções sociais
só podem fundamentar-se na utilidade
comum.
Artigo º - A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos
naturais e imprescritíveis do homem.
Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Artigo 17 - Como a propriedade é
um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não
ser quando a necessidade pública
legalmente comprovada o exigir e
sob condição de justa e prévia indenização.
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
nem a propriedade privada poderá
ser expropriada para uso público,
"Por meio de
sem justa indenização. A Constituiações concretas,
ção francesa de 1791, por sua vez, já
Em 10 de dezembro de 1948, foi
contemplava direitos fundameno Estado busca
proclamada a Declaração Universal
tais, destacando-se o artigo 3º, no
materializar o princípio
dos Direitos do Homem, não por
qual ficou estabelecido que a
um país como, até aquele moda igualdade em
Constituição garante a inviolabilimento, era a praxe jurídico-política,
dade das propriedades, ou a justa
sentido material".
mas pela Assembleia Geral das Nae prévia indenização daquelas proções Unidas.
priedades cuja necessidade pública, legalmente comprovada, exija o sacrifício.
Artigo 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em diA origem dos direitos fundamentais, como são vistos
reitos. Dotados de razão e de consciência,
hodiernamente, é resultado da reação que os colonos
devem agir uns para com os outros em
americanos opuseram à metrópole, a Inglaterra, em
espírito de fraternidade.
face do déficit de liberdade, porque eram submetidos
Declaração Universal dos
Direitos do Homem
Artigo º - Todos os seres humanos
podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração,
sem distinção alguma, nomeadamente de
raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de
nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita qualquer
distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja
esse país ou território independente, sob
tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.
Artigo 3º - Todo indivíduo tem direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 17 - Toda pessoa, individual ou coletivamente, tem direito à propriedade.
Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.
Convenção Americana dos
Direitos Humanos
Pacto de São José da Costa Rica – 1969.
Artigo 1. Direito à propriedade privada:
1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo
dos seus bens. A lei pode subordinar esse
uso e gozo ao interesse social. . Nenhuma pessoa pode ser privada de seus
bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade
pública ou de interesse social e nos casos
e na forma estabelecidos pela lei.
As Constituições americana e francesa foram as precursoras no reconhecimento de direitos fundamentais, destacando-se inicialmente a Constituição
americana de 1787. Embora não contivesse inicialmente uma declaração de direitos fundamentais, em
1791 foram aprovadas dez Emendas, às quais se acrescentaram outras, até 1975, constituindo o Bill of
Rights do povo americano. Na emenda ficou estabelecido, entre outros, que ninguém será privado da
vida, da liberdade ou dos bens, sem processo legal;
à Coroa Inglesa. Uma das características dos direitos
de liberdade ingleses era a de que estavam ancorados
apenas ao nível do direito comum e, portanto, não
constituíam uma defesa contra as limitações da liberdade decididas no parlamento. Os colonos americanos forçaram o rompimento com a metrópole,
apelando ao direito natural e à construção de um
poder estatal próprio. Nesse contexto, os direitos de liberdade ingleses, vigentes nas colônias, foram elevados à categoria constitucional, com escassas
modificações de conteúdo e opostos em face do
Poder Legislativo. Essa mudança tem uma importância política reconhecida há muito tempo, por ser uma
ordem social liberal protegida contra abusos do Estado, ou seja, existe uma defesa constitucional contra
a intervenção do Estado em face dos direitos fundamentais, como função original.
A França, país europeu onde se originaram os direitos
fundamentais, apresenta um cenário diferente. Podese dizer, por um lado, que a Revolução Francesa se assemelhou à americana quanto à eliminação do poder
estatal opressor, de maneira revolucionária, e erigindo
um novo, igualmente com base em uma constituição
escrita, que definiu as condições de legitimidade do
poder político, ao mesmo tempo em que fundava e limitava suas atribuições. Por outro lado, as revoluções
se diferenciaram no ponto de partida e nas metas: enquanto as colônias americanas desfrutavam, no século
XVIII, de uma ordem social consideravelmente liberal,
que só ocasionalmente foi perturbada pela metrópole,
a ordem social na França não se caracterizava pela liberdade nem pela igualdade, senão por deveres e obrigações, limites estamentais e privilégios.
Nesse contexto, as constituições contemporâneas passaram a dar um tratamento especial aos direitos fundamentais, alçando o cidadão como protagonista
político e jurídico, colocando a constituição como o
centro do ordenamento jurídico, e os direitos fundamentais, como o núcleo irradiador de comandos para
todo o ordenamento jurídico, inclusive na esfera privada, gerando o que se chama de eficácia horizontal.
Os direitos fundamentais apresentam um quadro teórico com três, às vezes, quatro dimensões. Nesse quadro, estão demarcados os direitos fundamentais de
primeira dimensão, marcadamente de cunho individual, como aqueles em que o cidadão se opõe em face
do Estado, por isso, qualificados como direitos de de-
3
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
fesa, demarcando a esfera da autonomia individual, com o afastamento da intervenção do Estado.
“Assumem relevo, no rol desses direitos, especialmente pela notória
inspiração jusnaturalista, os direitos
à vida, à liberdade, à propriedade e
à igualdade perante a Lei” (Sarlet,
007, p.56).
"As atividades
jurídicas executadas
pelo Estado têm
finalidade distinta
das atividades sociais
ou materiais".
Já os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos de natureza econômica, social e cultural, que exigem do Estado um
comportamento ativo na concretização da justiça social. “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e
perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio
do Estado” (Sarlet, 007, p.57). Por meio de ações
concretas, o Estado busca materializar o princípio da
igualdade em sentido material.
futuro, tal caráter institucional lhes
revela a função de propiciar unidade sistêmica à constituição e a
todo ordenamento jurídico. (Melo,
009, p.78)
O artigo 1º da Constituição federal
prevê expressamente que:
A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos
estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos: I - a
soberania; II - a cidadania; III - a dignidade
da pessoa humana; IV - os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa; e V - o
pluralismo político.
Já o artigo 3º da Constituição federal dispõe:
Os direitos fundamentais de terceira dimensão destinam-se à proteção de grupos humanos (família, povo,
nação) e caracterizam-se como direitos de titularidade
coletiva ou difusa. Os mais citados são: direitos à paz,
à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento,
ao meio ambiente e à qualidade de vida, bem como o
direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.
No contexto constitucional dos direitos fundamentais,
salienta-se a necessária dimensão objetiva dos princípios, objetivos e direitos fundamentais e a sua eficácia
irradiadora para todo o ordenamento jurídico. A eficácia dos direitos fundamentais ficaria prejudicada, se
não houvesse uma sintonia eficacial com os princípios
e objetivos fundamentais. Por essa razão, faremos breves comentários sobre a dimensão objetiva deles.
Apontamentos sobre os princípios, os
objetivos e os direitos fundamentais e
sua dimensão objetiva na Constituição
brasileira
A Constituição federal brasileira apresenta um conjunto de princípios, objetivos e direitos fundamentais
que irradiam eficácia para todo o ordenamento jurídico, tanto no momento da feitura da lei, quando de
sua aplicação, assim como da sua execução. Em outras
palavras, todos os atos e negócios jurídicos estão sujeitos à incidência dos princípios, objetivos e direitos
fundamentais, pouco importando se na esfera pública
ou privada.
A relação de recíproca afirmação entre os
direitos fundamentais dos indivíduos e a
estrutura organizacional do Estado corresponde ao duplo caráter dos direitos
fundamentais. De fato, além da dimensão
subjetiva ou individual, os direitos fundamentais assumem um aspecto institucional, na medida em que também atuam
como elementos conformadores da
ordem estatal e social. Eles tanto falam da
conformação presente da vida da comunidade, como indicam os fins e objetivos
perseguidos; e, falando do presente ou do
4
Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV - promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
E o artigo 5º da Constituição federal estabelece que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes (...).
Além dos artigos citados, também o artigo 170, ao estabelecer as diretrizes da ordem econômica, prevê que:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes
princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV – (...); V – (...); VI - defesa do
meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de
seus processos de elaboração e prestação.
E por fim, o artigo 5 da Constituição federal dispõe
que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
Após a transcrição desses artigos da Constituição, ao
menos duas observações se fazem necessárias: uma é
no sentido de que os artigos referidos não são os únicos que integram a estrutura constitucional irradiadora
de eficácia para o ordenamento jurídico; a outra é no
sentido de que a qualificação e a materialização dos
atos no Registro de Imóveis não podem ser feitas à margem dos princípios, objetivos e direitos fundamentais.
Ainda que a natureza dos atos praticados no Registro
de Imóveis seja administrativa, os atos não são de Administração Pública, porque a atividade registral se caracteriza como função jurídica, típica de Estado e não
se esgota na simples vinculação à lei. O oficial do Registro de Imóveis concretiza o Direito Registral Imobiliário no caso concreto, com fundamento na lei e no
Direito, o que compreende os princípios, os objetivos
e os direitos fundamentais.
Na sequência faremos breve abordagem do Registro
de Imóveis no Brasil, como um sistema de publicidade
que assegura a estabilidade das situações jurídico-prediais, notadamente na garantia do direito de propriedade constituído ou declarado por meio de ato
registral, assim como os demais direitos reais que recaem sobre o direito de propriedade, sem prejuízo assecuratório de outros direitos de matiz não real.
Apontamentos sobre o Registro
de Imóveis no Brasil
No cenário brasileiro, o Registro de Imóveis, instituição
jurídico-formal, é que tem por finalidade dar segurança
jurídica aos direitos e aos fatos inscritos. No plano organizacional, o Registro de Imóveis no Brasil, de organização técnica e administrativa, é destinado a garantir
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos
atos jurídicos que lhe competem. Já no plano normativo, a função registral imobiliária é tipicamente estatal,
portanto, jurídica.
Destaca-se que, a partir da vigência da Lei Imperial
nº 601/1850, a publicidade da legitimação de posse
dos imóveis passou a ser feita em livro da Paróquia Católica, o chamado registro do vigário. Portanto, não era
o Estado que assegurava a legitimidade da posse, mas
a Igreja. O Estado, por meio da Lei Orçamentária
nº 317/1843, regulamentada pelo Decreto nº 48/1846,
criou o registro de hipotecas como instrumento de segurança jurídica para o crédito. (Carvalho, 1997, p.-3)
lizadas, excetuados os Tabelionatos e os
Ofícios Distritais e de Sede Municipal, e os
respectivos cargos isolados, de provimento efetivo, serão providos mediante
concurso público, obedecidos os critérios
e exigências da lei. Além disso, as taxas e
custas previstas em lei serão recolhidas
aos cofres do Estado, salvante as custas
devidas aos tabeliães e aos oficiais Distritais e de Sede Municipal.
Esclarece-se que o artigo 15 e seu parágrafo único
têm a redação dada pela Lei Estadual nº 8.131/1986, anterior à Constituição federal de 1988, e permanecem
inalterados.
A partir da vigência da Constituição de 1988, instaurou-se uma nova ordem nessa matéria, em face de disposição expressa de que esses serviços são
executados por delegados. O artigo 36 da Constituição federal foi regulamentado pela Lei Federal
nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre
o estatuto do notário e do registrador público das pessoas naturais, das pessoas jurídicas, de títulos e documentos e de registro de imóveis.
Essa lei, contudo, não define de forma clara a natureza
jurídica do vínculo de delegação e, além disso, se o
serviço é federal ou estadual. Na perspectiva do Estado democrático de Direito, o Estado executa inúmeras funções públicas, com o fito de atender às
demandas públicas. Para tanto, utiliza o instrumental
que a ordem jurídica disponibiliza e executa atividades
tipicamente estatais e outras atípicas, mas de sua responsabilidade por imposição constitucional.
Atividades típicas de Estado são aquelas com expressão jurídica, ou seja, contribuem para a segurança jurídica do cidadão e da sociedade. Nesse sentido,
“atende-se à preservação do direito objetivo, à ordem
pública, à paz e à segurança coletivas” (Tácito, 1975,
p.198-199). Uma das características que diferenciam as
atividades típicas ou jurídicas do Estado das atividades atípicas ou sociais é a fruição indivisível pela sociedade, em benefício de seus interesses primários, em
oposição à fruição divisível que caracteriza os serviços
atípicos, em benefício de seus interesses secundários
(Moreira Neto, 006, p. 45).
Ordinariamente, as atividades jurídicas são consideradas como indelegáveis, pois, de acordo com Diogo de
O Estado brasileiro, ao assumir as atividades, repassou
Figueiredo Moreira Neto, são “impostas como próprias
a execução delas em favor de pessoas naturais, que,
do Estado, e necessária condição de sua existência”
embora atreladas ao Poder Judiciário, não faziam
(Moreira Neto, 006, p. 11). Essas atividades, a rigor,
parte do quadro de servidores titulares de cargos do
são executadas pelo próprio Estado ou de forma desJudiciário. No Estado do Rio Grande
centralizada por meio de entidades
do Sul, foram denominados de serautárquicas. Neste caso, o Estado,
ventuários do Foro Extrajudicial, tiao criar a autarquia, já lhe transfere
"A instituição Registro
tulares de cargos isolados, de
por força de lei a titularidade do seracordo com o Código de Organizaviço e a consequente execução.
de Imóveis tem por
ção Judiciária.
finalidade prevenir
Essas atividades não são consideraconflitos e dar
Esse Código, em seu artigo 15, predas serviço público em sentido técvia que:
nico, porque não contemplam ações
segurança jurídica
de natureza prestacional, capazes
em
face
dos
atos
e
As serventias do Foro
de serem fruídas individualmente.
fatos da vida civil".
Extrajudicial são oficiaAo contrário, as atividades jurídicas
5
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
visam imediatamente ao Estado ou à sociedade indistintamente considerada, assim como a atividade de
polícia administrativa (Aragão, 007, p. 167).
Efetivamente, as atividades jurídicas executadas pelo
Estado têm finalidade distinta das atividades sociais
ou materiais. A primeira é indelegável, porque é condição de manutenção da ordem jurídica e social, enquanto que a segunda visa a atender as demandas
públicas capazes de serem fruídas individualmente, a
despeito de entendimentos diversos na doutrina estrangeira.
No Direito italiano, por exemplo, forjou-se a separação
entre função pública e serviço público. De acordo com
Marçal Justen Filho, “essa divisão parece ter sido uma
necessidade para a qualificação técnico-jurídica das
atividades da Administração Pública” (Justen Filho,
003, p. 86-87). Na sequência, o autor explica de
modo genérico essa distinção, conforme a seguir
transcrito:
De modo genérico, difundiu-se que “a
função pública” compreenderia todo tipo
de atividade jurídica autoritativa, inerente
à soberania do Estado, tais como a polícia
e a diplomacia, destinada a satisfazer os
interesses da coletividade no seu conjunto. A função pública seria a expressão
do poder administrativo. Por serviço público, entendeu-se uma atividade social,
imputável, direta ou indiretamente, ao Es-
6
tado ou a um ente público, caracterizada
pela prestação técnica ou material em
favor dos cidadãos (segundo alguns, singularmente considerados). O serviço público, como atividade administrativa, não
estaria revestido de autoridade.
A instituição Registro de Imóveis tem por finalidade
prevenir conflitos e dar segurança jurídica em face dos
atos e fatos da vida civil. Ela compreende serviços voltados diretamente ao cidadão, por meio de instituições
(Cunha e Dip, 001, p. 61), denominadas instituições
da comunidade (Erpen, 199, p.103-104), que podem ser
consideradas como parcelas do Estado.
No plano doutrinário, as atividades registrais imobiliárias, assim como as notariais e dos demais registros
públicos, ainda carecedoras de estudos acadêmicos,
têm por objeto enfrentar questões como conceitualização, classificação, natureza jurídica, delegação,
entre outros pontos, o que gera controvérsias. Esse
fato é corroborado por José Afonso da Silva, ao asseverar que:
É antiga a controvérsia sobre a natureza
jurídica desses serviços. Não raro são
chamadas serventias de Justiça, de
acordo com a concepção de que seriam
auxiliares da Justiça. Mas, essa caracterização só tem sentido real em relação a
escrivães e secretários do juízo. O
mesmo, porém, não se dá em relação aos
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
notários e registradores, visto que, como
são profissionais autônomos pelos atos
de seu ofício, ‘gozam de independência
no exercício de suas atribuições’ – bem o
diz o art. 8 da Lei nº 8.935/1994. De fato,
a doutrina contemporânea excluiu do
quadro dos auxiliares da Justiça todos
aqueles que exerçam atividades que não
sejam inerentes às que se realizam no
processo, como são as serventias do foro
extrajudicial. (Silva, 005, p.873).
São atividades que contribuem para viabilizar a concretização dos direitos fundamentais do cidadão,
razão pela qual a natureza pública é inafastável. Contudo, não possuem natureza prestacional, como as atividades materiais que o Estado executa ou coloca à
disposição da sociedade para maior comodidade ou
utilidade pública. No plano conceitual, Celso Antônio
Bandeira de Mello afirma “que a atividade notarial e
de registro, embora não considerada um serviço público de ordem material (atividade de oferecimento
de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou
por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito
público), o é de ordem puramente jurídica” (Mello,
1979, p.17).
A Constituição federal - art. 36 - qualifica as atividades notariais e de registros públicos como serviços e
estabelece que sejam exercidas em caráter privado,
por delegação do poder público. Se a execução desses
serviços por particulares pressupõe prévia delegação,
induvidosamente, são considerados serviços públicos.
Na sequência, o parágrafo primeiro do artigo 36, dispõe que a lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais
de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Ou seja, a execução desses serviços está orientada e condicionada
pelo Direito, o que afirma sua natureza jurídica e,
ao mesmo tempo, ao controle do Poder Judiciário.
Ademais, os notários e os registradores públicos
estão sujeitos a um estatuto jurídico (Lei Federal
nº 8.935/1994) de Direito público, que estabelece os
direitos, obrigações, responsabilidades e impedimentos do vínculo de delegação.
A cobrança de emolumentos, que são considerados
taxas tanto pela doutrina e também pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não é de livre estipulação pelos
notários e registradores. A Lei Federal nº 10.169/000
dispõe a respeito das regras gerais, e os Estados da
Federação, por meio de leis estaduais, disciplinam a
cobrança, dispondo sobre os fatos geradores, bases de
cálculo, alíquotas e isenções.
atos e negócios, ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve
de suporte à prestação jurisdicional.
Nada impede que o legislador cobre
taxas pela prestação dos serviços públicos, específicos e divisíveis, ligados à certificação de atos e negócios ou ligados à
prestação jurisdicional. Nada o impede
de destinar a outros fins o produto arrecadado. O Estado não está obrigado a
aplicar apenas no setor público que a
gerou o produto da arrecadação da taxa
e, desde que a lei permita, poderá direcioná-lo até mesmo para pessoas (tabeliães) ou instituições, com o fito de
cooperar em fins assistenciais e previdenciários (fins públicos). É que para a
caracterização jurídica da taxa é irrelevante o destino de sua arrecadação.
O Supremo Tribunal Federal (STF – ADIN 1.378-5), em
face do regime jurídico dos serviços notariais e de registros públicos e da consequente natureza jurídica,
função revestida de estatalidade, sujeita a um regime
jurídico de Direito público, firmou entendimento no
sentido de que emolumentos possuem natureza de
taxa. A jurisprudência do STF firmou orientação no
sentido de que as custas judiciais e os emolumentos
concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas
remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se
(...) ao regime jurídico constitucional pertinente a essa
especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam,
dentre outras, as garantias essenciais da reserva de
competência impositiva, da legalidade, da isonomia e
da anterioridade. A atividade notarial e registral,
ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência
de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de Direito público.
Na mesma ADIN 1.378-5, o STF também concluiu que
os notários e os registradores públicos são órgãos da
fé pública, instituídos pelo Estado, e executam, nesse
contexto, atividade eminentemente pública, carregada
de estatalidade, qualificando-os como agentes públicos.
Os serviços notariais e de registros públicos são considerados como atividades jurídicas específicas, prestadas ou colocadas à disposição dos interessados, de
forma divisível. Logo, os emolumentos cobrados pela
sua prestação são taxas. Nesse sentido, averba-se o
entendimento de (Sacha, 1999, p. 44-45):
A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter
privado, por delegação do poder público” (CF, art.
36), não descaracteriza a natureza essencialmente
estatal dessas atividades de índole administrativa. As
serventias extrajudiciais, instituídas pelo poder público
para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei
nº 8.935/1994, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como
típicos servidores públicos.
Aceite-se que as custas e os emolumentos são taxas pela prestação dos serviços
públicos ora ligados à certificação dos
As atividades, por serem eminentemente públicas, são
executadas por agentes públicos, pessoas naturais que
executam funções regidas predominantemente por um
7
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
regime de Direito público. “A função
é o círculo de assuntos do Estado
que uma pessoa, ligada pela obrigação do direito público de servir ao
Estado, deve gerir”. (Cretella Júnior,
apud Mayer, 1999, p. 157)
"A aquisição do direito
não ocorre sem
que tenha havido
previamente o ato
registral de
publicidade
constitutiva".
A ideia de função está intimamente
ligada à noção de atividade, de um
facere e não é exclusivamente pública. É pública quando regida pelo
Direito público. Nesse sentido, (Cretella Júnior, apud
Basavilbaso, 1999, p. 157) afirma: “A ideia de função
implica, necessariamente, em atividade, e quando
esta se refere a órgãos do Estado (lato sensu) é pública ou estatal”.
Função pública, no entender de José Cretella Júnior, é
a “realização de qualquer ato juridicamente prescrito e,
portanto, relativo ao sistema do Estado considerado
em sua unidade, o que constitui o exercício duma função, e o agente que concorre para a perfeita integração do ato é órgão do Estado” (Cretella Júnior, 1999, p.
157). Exercer uma função pública também não é exclusividade de agente público titular de cargo público,
vinculado a órgãos do poder público central ou entidades de natureza autárquica, assim como de ocupantes de empregos públicos. Função pública pode,
também, ser desempenhada por agente delegado.
A despeito de opiniões em contrário, as expressões
função pública e funcionário público não são correlatas, porque “não só existem funções públicas que são
desempenhadas por agentes estranhos aos quadros
do funcionalismo como também inversamente, há funcionários que podem acidentalmente não estar, de
modo ativo, no desempenho de suas funções” (Cretella
Júnior, 1999, p. 157).
Induvidosamente, a atividade registral imobiliária é desempenhada no exercício de uma função pública, a
despeito de serem executadas a partir de cargos ou
empregos públicos, mas por força de delegação do
poder público. Corrobora, nesse sentido, as lições de
(Silva, 005, p. 873-874), a seguir transcritas:
É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e registrais exercem função
pública. Sua atividade é de natureza pública, tanto quanto o são as de telecomunicações, de radiodifusão, de energia
elétrica, de navegação aérea e aeroespacial e de transportes, consoante estatui a
Constituição (art. 1, XI e XII). A distinção
que se pode fazer consiste no fato de que
os últimos são serviços públicos de
ordem material, serviços de utilidade ou
comodidade material fruível diretamente
pelos administrados, enquanto que os
prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem jurídica ou
formal e, por isso, têm antes a característica de ofício ou de função pública, mediante a qual o Estado intervém em atos
ou negócios da vida privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica; por isso, sua prestação indireta
8
configura delegação de função ou
ofício público, e não concessão ou
permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação indireta de serviços materiais – consoante justa
observação de Celso Antônio Bandeira de Mello. Ou seja – conforme
Frederico Marques: o registro público desempenha uma função de
administração pública de interesses
privados.
O Registro de Imóveis é uma instituição que executa
serviço público de natureza jurídica, pois, de acordo
com Ricardo Dip, “assenta no seu caráter social e na sua
teleologia (ou enteléquia) de segurança jurídica, que
não se passa, em definitivo, em um âmbito de somatórios individuais” (Dip, 005, p. 186). O mesmo pode ser
dito em face da atividade notarial, que na sua teleologia
também tem compromisso com a segurança jurídica.
A despeito da natureza pública da função registral, nem
por isso, necessariamente, se trata de atividade estatal,
por ser “definido o caráter público das funções, atividades e serviços ordenados à segurança jurídica, (...) nem
por isso se hão de julgar necessariamente estatais esses
serviços, funções e atividades, com que se engastaria o
radical equívoco de supor que o direito público é o
mesmo que direito do Estado (...), ignorando o pluralismo jurídico, o amplificado papel (até mesmo normativo) dos corpos intermediários e as exigências do
princípio da subsidiariedade” (Dip, 005, p. 186).
Em nível de conclusão, (Silva, 005, p. 874) afirma que
“as serventias de notas e de registro público são organismos privados que prestam um serviço público, desempenham uma função pública” e que “atuando em
nome próprio e por sua conta e risco, desempenham
uma função em substituição da Administração Pública”.
O Registro de Imóveis pode ser conceituado como
uma instituição jurídico-formal, a cargo de um oficial
público por força de delegação, que tem por atribuição legal a capacidade para publicizar (registrar, averbar e informar) fatos jurídicos que dizem respeito a
bens imóveis, com efeitos constitutivos ou declaratórios do direito real de propriedade, ou direitos reais
que recaem sobre o direito real de propriedade imobiliária e, ainda, direito de natureza obrigacional, bem
como atos ou fatos que dizem respeito aos sujeitos
que figuram nos registros, sempre que a lei assim impuser ou autorizar, com a finalidade de dar autenticidade, segurança e eficácia jurídica.
Portanto, a instituição Registro de Imóveis no Brasil
compreende um conjunto de atividades jurídicas, qualificadas como função pública, regidas por leis e atos
administrativos normativos, notadamente das Corregedorias-Gerais de Justiças dos estados e do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), sob responsabilidade de
uma pessoa natural, delegatária de função pública,
cuja finalidade é dar segurança jurídica a atos e fatos
jurídicos, relacionados predominantemente a direitos
reais que envolvem imóveis.
Feitas essas considerações acerca da segurança jurídica e da instituição Registro de Imóveis, passaremos
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
às considerações sobre o direito de propriedade na
perspectiva constitucional, assim como o Código Civil
e a legislação que regra os mecanismos de proteção
do direito de propriedade, notadamente no âmbito do
Registro de Imóveis.
A Constituição federal, no artigo 5º, inciso XXII, prevê
expressamente que é garantido o direito de propriedade e, na sequência, expressa que a propriedade
deve se sujeitar à função social. Além da função social,
a propriedade tem uma função econômica, afirmação
que pode ser extraída do artigo 170 que inaugura a
Ordem Econômica, como também tem uma função
ambiental, pelo que se depreende do artigo 5 da
Constituição federal.
não haja acordo de vontade, a segurança jurídica dependerá, também, da validade do título apresentado
para a publicidade registral desses fatos.
O sistema Registral Imobiliário brasileiro, a despeito de
ser constitutivo, não adotou a eficácia saneadora, típica dos sistemas que adotaram a fé pública, que
opera efeitos juris et de jure. Adotou o princípio da legitimação registral que opera a eficácia juris tantum.
O sustentáculo da segurança jurídica dos atos jurídicos praticados no Registro de Imóveis, com a finalidade de proteger os direitos inscritos, reside na
presunção juris tantum que eles gozam.
A Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015/1973 – dispõe
em seu artigo 17 que:
Nesse cenário Constitucional, o Registro de Imóveis,
por meio de um sistema de publicidade, assegura a estabilidade das situações jurídico-prediais, notadamente na garantia do direito de propriedade
constituído ou declarado por meio de ato registral,
assim como os demais direitos reais que recaem sobre
o direito de propriedade, sem prejuízo assecuratório
de outros direitos de matiz não real.
Por isso, o Registro de Imóveis está voltado precipuamente para cumprir as exigências da segurança jurídica estática dos direitos reais inscritos, embora
estejamos caminhando para a segurança jurídica dinâmica - Lei Federal nº 13.097/015 -, que, segundo (DIP,
1987), é a que dá segurança jurídica “ao comércio e ao
crédito predial”.
O Código Civil contempla o direito material relacionado
aos direitos reais e à Lei de Registros Públicos - Lei
nº 6.015/1973, entre outras - e dispõe sobre o direito
adjetivo, ou seja, estabelece o regramento processual
que rege a inscrição dos atos e fatos jurídicos no Registro de Imóveis, com vistas à segurança jurídica.
No artigo nº 1.7, o Código Civil dispõe: “Os direitos
reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por atos
entre vivos só se adquirem com o registro no cartório
de Registro de Imóveis dos referidos títulos (artigos
1.45 a 1.47), salvo os casos expressos neste Código”.
O Brasil adotou um sistema registral imobiliário publicista-constitutivo, ou seja, as aquisições que têm como
causa um negócio jurídico entre vivos somente se
constituem por meio do ato registral no Registro de
Imóveis. Em outras palavras, a aquisição do direito não
ocorre sem que tenha havido previamente o ato registral de publicidade constitutiva. A segurança jurídica
dependerá não apenas do ato registral válido, mas também da validade do negócio jurídico causal, porque
todo ato registral constitutivo de direito real tem como fato gerador um
negócio jurídico.
Não dependem de publicidade
constitutiva as aquisições que decorrem de fatos, aos quais a própria
lei atribui o direito, independentemente de um ato de vontade, como
ocorre, por exemplo, com as aquisições por força de fato morte, usucapião, desapropriação etc. Embora
No Registro de Imóveis, serão feitos, nos
termos desta Lei, o registro e a averbação
dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos
reais sobre imóveis reconhecidos em lei,
inter vivos ou mortis causa quer para sua
constituição, transferência e extinção,
quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
A escrituração no âmbito do Registro de Imóveis é
feita por meio de atos de registro e de averbação. Os
primeiros são os principais, também chamados de autônomos, porque não são dependentes de outros atos,
razão pela qual são os praticados para a publicidade
constitutiva e declaratória de direitos, enquanto que
os atos de averbação são atos acessórios, que alteram,
modificam, cancelam, entre outros, outro ato registral
previamente existente.
Esclarece-se que o Registro Imobiliário brasileiro é inscritivo de atos e fatos jurídicos dos quais resultam direitos que gozam de presunção juris tantum, e
descritivo de fatos que não gozam de presunção juris
tantum. Os fatos compreendem o imóvel em termos
fáticos e sua configuração geodésica, assim como a
qualificação dos sujeitos, entre outros. A descrição
geodésica do imóvel na matrícula e os dados identificadores dos sujeitos não gozam da mesma presunção
que os direitos inscritos.
Por outro lado, a descrição correta dos elementos fáticos é imprescindível para a segurança jurídica dos direitos constituídos ou declarados por meio do ato
registral. Exemplificando, para a segurança jurídica de
um direito real é necessário que se saiba com exatidão
sobre qual bem real o direito incide. Por isso, a matrícula do imóvel - fólio real - exige a descrição geodésica
pormenorizada. Só assim será aumentada a certeza e, por consequência, a segurança, em termos de
"Tratando-se
incidência do direito sobre o bem
real.
de direitos
fundamentais,
é necessário que se
extraia a força
normativa da
Constituição".
Portanto, para a constituição, a
transferência e a extinção de direitos relacionados com o direito de
propriedade imobiliária é necessária
não apenas a publicidade registral,
mas que ela tenha como suporte fá-
9
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
tico e jurídico um fólio real com a especialização do
bem imóvel. Sem esses pressupostos não se torna seguro e oponível em relação a terceiros, sem afastar a
ideia de que a publicidade registral é indispensável
para a disponibilidade dos direitos.
Em uma perspectiva da segurança jurídica dinâmica,
ou seja, aquela que protege o comércio e o crédito
predial, tivemos recentemente uma inovação legislativa, a Lei nº 13.097/015, estabelecendo que os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir
ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes
em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses
em que não tenham sido registradas ou averbadas na
matrícula do imóvel informações que têm por objeto
citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
constrição judicial, ajuizamento de ação de execução
ou de fase de cumprimento de sentença; restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus,
quando previstos em lei; e decisão judicial comprovando a existência de outro tipo de ação, cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir
seu proprietário à insolvência.
Isso quer dizer que, se não forem averbadas as informações referidas, o terceiro que faz um negócio jurídico relacionado a determinado bem imóvel será
considerado de boa-fé, com base no princípio de que
aquilo que não consta no Registro de Imóveis não está
no mundo jurídico. Por isso, não poderão ser opostas
situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia
direitos reais sobre o imóvel, ressalvados os alcançados pela ineficácia, nos casos de decretação de falência e as hipóteses de aquisição e extinção da
propriedade que independam de registro de título de
imóvel.
Em rápidas conclusões pode-se afirmar que o Registro
de Imóveis brasileiro é uma instituição jurídica, que
tem por fim dar segurança jurídica aos direitos inscritos, gozando de presunção juris tantum, com oponibilidade em face de terceiros, salvo nas hipóteses em
que a própria lei a afasta, assim como certa segurança
jurídica de terceiros que realizam negócios jurídicos
prediais, em sintonia com os princípios, objetivos e direitos fundamentais.
Apontamentos sobre os direitos
fundamentais e a repercussão
no Registro de Imóveis
O Registro de Imóveis é uma instituição jurídica protetiva de direitos, notadamente do direito de propriedade como direito fundamental de primeira dimensão,
considerando que ela viabiliza a concreção do direito
à igualdade. É nessa perspectiva que o caput do artigo
5º prevê a inviolabilidade do direito de propriedade.
No mesmo artigo 5º, porém, no inciso XX, está prevista
a garantia do direito de propriedade, e no inciso XXIV,
a previsão de que a lei estabelecerá o procedimento
para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia
30
indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos na Constituição. No inciso XXV, está a previsão de
que, no caso de iminente perigo público, a autoridade
competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano. No inciso LIV, temos que ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal.
Portanto, aí estão os contornos e as diretrizes do conteúdo do direito de propriedade. Nesse cenário, o Registro de Imóveis é protagonista como instrumento de
segurança jurídica, ao constituir o direito de propriedade e não permitir que o direito de propriedade seja
afetado, salvo quando a lei e o Direito permitirem.
Nessa perspectiva, o Registro de Imóveis tem por finalidade a proteção do direito de propriedade e os direitos correlatos.
Além da função protetiva do direito de propriedade,
na perspectiva dos direitos fundamentais de primeira
dimensão, o Registro de Imóveis tem uma função viabilizadora da concretização dos direitos fundamentais
de segunda dimensão. Nesse sentido, o Registro de
Imóveis atuará no exercício de suas atribuições, na
perspectiva da igualdade alcançando direitos de natureza econômica, social e cultural. Por exemplo, o inciso
XXIII, do artigo 5º da Constituição prevê que a propriedade atenderá a sua função social. E em complemento a esse comando, vários outros dispositivos
constitucionais passaram a vincular a propriedade ao
cumprimento de vetores sociais, como ambiental (art.
186-II), econômico (art. 186-I), trabalhista (art. 186-III),
cultural (art. 16, parágrafo 1º), urbanístico (art. 18, parágrafo º) e preventivo criminal (art. 43).
Saliente-se, contudo, que, a exemplo dos
direitos de primeira dimensão, também os
direitos sociais (tomados no sentido
amplo, ora referidos) se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos com os direitos coletivos e/ou
difusos da terceira dimensão. (Sarlet,
007, p.57)
Dessa forma, o Registro de Imóveis é copartícipe de
políticas públicas, relacionadas com o direito social à
moradia, que se concretiza pela aquisição da propriedade, como, por exemplo, o Programa Minha Casa
Minha Vida; participa de políticas públicas relacionadas às regularizações fundiárias urbanas e agrárias,
entre outras. A concretização dos direitos fundamentais de segunda dimensão requer políticas públicas e aí
se abre um espaço importante para o Registro de Imóveis, atuando como copartícipe dos governos, seja por
imposição legal, convênios ou outros instrumentos jurídicos.
Acerca dos direitos fundamentais de terceira dimensão, o Registro de Imóveis também tem uma teleologia
viabilizadora de concretização dos direitos fundamentais, especialmente no âmbito dos direitos fundamentais ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à
qualidade de vida, bem como o direito à conservação
e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito à comunicação, no âmbito do qual está inserido
o direito à informação.
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
Podemos citar, nesse contexto, os atos relacionados ao
meio-ambiente, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o registro eletrônico e os
seus desdobramentos relacionados com o direito fundamental à informação. São direitos fundamentais que
transcendem a esfera individual para alcançar a esfera
dos grupos humanos, tais como a família, o povo, a
nação.
Cuida-se, na verdade, do resultado de
novas reivindicações fundamentais do ser
humano, geradas, dentre outros fatores,
pelo impacto tecnológico, pelo estado
crônico de beligerância, bem como pelo
processo de descolonização do segundo
pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos
na esfera dos direitos fundamentais.
(Sarlet, 007, p.58).
Ainda que sejam breves apontamentos, é possível demonstrar que o Registro de Imóveis é uma instituição,
cuja função vai além da mera constituição ou declaração de direitos reais ou obrigacionais previstos em lei,
porque tem a nobre função de contribuir para a viabilização e a concretização de direitos fundamentais. Todavia, para alcançar esse desiderato, é necessário
avançar no sentido de extrair a máxima efetividade das
normas constitucionais.
Apontamentos sobre o princípio da
máxima efetividade das normas
constitucionais – princípio da
supremacia da Constituição
A República Federativa do Brasil é democrática, porque o poder deriva do povo e em seu nome deve ser
exercido, orientado pelo princípio da supremacia da
Constituição, seja no âmbito dos direitos e interesses
de particulares quanto aos interesses públicos.
A supremacia da Constituição não só
impõe que toda atuação do poder público se conforme, material e formalmente, com os preceitos e diretrizes por
ela estabelecidos, como também determina [...] que o poder público obrigatoriamente atue quando para tanto for
exigido. A supremacia constitucional ficaria comprometida – e, de resto, toda
ordem jurídica – se as imposições constitucionais não fossem realizadas. Em consequência disso, todos os órgãos do
Poder Político – Legislativo, Executivo e
Judiciário – acham-se vinculados e obrigados a satisfazer os fins e tarefas impostas pelo texto magno. (Cunha Júnior,
004, p.5).
É no contexto da supremacia da Constituição que o
princípio da máxima efetividade, também denominado
de princípio da interpretação efetiva, orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido
que maior efetividade lhe dê, visando a otimizar ou
maximizar a norma para dela extrair todas as suas potencialidades. Mesmo não havendo lei editada, o princípio
da
máxima
efetividade
das
normas
constitucionais - da qual decorre a autoaplicabilidade
- autoriza a concretização de atos jurídicos, desde que
não haja fundamento insuperável a impedir que isso
ocorra.
O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais é uma decorrência do princípio da supremacia
da Constituição, cuja finalidade é a de concretização
31
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
dos direitos fundamentais, porque, além da autoaplicabilidade, precisam alcançar toda a sua potencialidade. Isso porque aceita-se a premissa de que todas
as normas constitucionais, inclusive aquelas que se expressam por meio de princípios, são dotadas de alguma eficácia.
Dessa eficácia das normas constitucionais, decorre naturalmente a vinculação dos órgãos e dos agentes públicos com o princípio da dignidade da pessoa
humana, eixo em torno do qual giram os direitos fundamentais, exigindo respeito e proteção de terceiros e
obrigação de concretização por parte do Estado.
Da concepção jusnaturalista remanesce,
sem dúvida, a constatação de que uma
Constituição que - de forma direta ou indireta - consagra a ideia da dignidade da
pessoa humana justamente parte do
pressuposto de que o homem, em virtude
tão somente de sua condição biológica
humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e
respeitados pelos seus semelhantes e
pelo Estado. (Sarlet, 007, p.117)
No Estado Constitucional, a propriedade é um fator de
liberdade (Melo, 009, p.85) “e a garantia dos direitos
de liberdade constituem uma das principais (se não a
principal) exigência do princípio da dignidade da pessoa humana” (Sarlet, 0007, p.119). Portanto, a dignidade da pessoa humana é um dos norteadores da
atuação do oficial do Registro de Imóveis.
A dignidade da pessoa humana é simultaneamente condição de limite e tarefa
dos poderes estatais. Na condição de limite da atividade dos poderes públicos, a
dignidade necessariamente é algo que
pertence a cada um e que não pode ser
perdido e alienado, porquanto, deixando
de existir, não haveria mais limite a ser
respeitado (considerado o elemento fixo
e imutável da dignidade). Como tarefa
imposta ao Estado, a dignidade da pessoa humana reclama que este guie as
suas ações, tanto no sentido de preservar
a dignidade existente ou até mesmo de
criar condições que possibilitem o pleno
exercício da dignidade (...). (Sarlet, 007,
p.119)
reside justamente na sua eficácia, ou seja, na capacidade de operar as mudanças na realidade.
O desenvolvimento da força normativa da
Constituição não depende, como dito, só
do conteúdo da Constituição, mas também de sua práxis. A concepção de vontade de Constituição deve ser partilhada
por todos os partícipes da vida constitucional. O comprovado respeito à Constituição
é
fundamental,
sobretudo
naquelas situações em que sua observância revela-se incômoda (exemplo: sacrifica-se um interesse, ou alguma vantagem
justa em favor da preservação de um
princípio constitucional). (Hesse, 1991,
p.1-).
Dessa forma, o oficial do Registro de Imóveis, ao desempenhar a função qualificadora do título, notadamente quando tiver por objeto a proteção de um
direito qualificado como fundamental pela Constituição federal, deverá se orientar, hermeneuticamente,
pelo princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, extraindo das regras e dos princípios constitucionais, assim como da legislação infraconstitucional, toda a força jurídica necessária para a concretização do direito e a sua proteção.
Apontamentos finais
Ainda que o título seja pretensioso e os apontamentos insuficientes para iniciar a construção de uma teoria justificadora do Registro de Imóveis com
fundamento nos direitos fundamentais, notadamente
o direito de propriedade imobiliária e os direitos fundamentais conexos, não se pode desconsiderar a relação que existe entre o direito fundamental à
propriedade e o Registro de Imóveis.
Essa relação se dá seja para constituir e declarar o direito de propriedade, seja para a proteção do próprio
direito constituído ou declarado, além da viabilização
e concretização de outros direitos fundamentais que
têm na propriedade o seu suporte, ainda que parcial,
como exemplificativamente pode se referir o direito à
liberdade e à moradia.
A teleologia justificadora do Registro de Imóveis sempre foi a segurança jurídica, assim considerada pela legislação e pela doutrina, que não está equivocada, até
porque a segurança jurídica é também um direito fundamental. Todavia, à luz da teoria dos direitos fundamentais é possível e, talvez, necessário construir uma
A materialização do princípio da dignidade da pessoa
justificativa ampliada, com amparo
humana pode exigir um trabalho
no direito de propriedade e em ouhermenêutico, como interpretação
tros direitos fundamentais conexos.
constitucional dos direitos funda"O princípio da
mentais. O ato de interpretar a
máxima efetividade
Trata-se de um desafio para os renorma jurídica impõe que se retire
gistradores de imóveis e os estudela os conteúdos formal e substandos direitos
diosos da matéria. A despeito de a
cial necessários para que se alcance
fundamentais é uma
Constituição federal já estar coma proteção do bem jurídico. Tradecorrência do
pletando quase 30 anos, ela contitando-se de direitos fundamentais, é
nua rendendo frutos, em particular
necessário que se extraia a força
princípio da
no núcleo dos direitos fundamennormativa da Constituição.
supremacia da
tais, cujo eixo principal é a digniConstituição".
dade da pessoa humana. A
A força normativa da Constituição
3
XLII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil
dignidade deve ser protegida e concretizada, de sorte
que, por um lado, o Estado e a sociedade devem se
abster de prejudicá-la e, por outro, devem desenvolver
todos os esforços para concretizá-la, notadamente no
tocante aos direitos de natureza socioeconômica.
Nessa perspectiva, o Registro de Imóveis, além de
constituir e proteger o direito de propriedade, pode
contribuir para a viabilização da concretização de direitos fundamentais de segunda dimensão, em particular àqueles que, em termos materiais, concretizam a
dignidade da pessoa humana, como é o caso do
acesso à moradia, via aquisição do direito de propriedade; do controle ambiental, como direito fundamental difuso; do acesso à informação, via registro
eletrônico; e da participação em políticas públicas.
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