Avaliação de um Sistema de Produção Própria de Alho-Semente de Alta Qualidade Sanitária e Fisiológica Por Pequenos Produtores da Bahia. Francisco V. Resende1; Antônio C. Torres1; José A. Buso1; Anelise F. Orílio1,2; André N. Dusi1 1Embrapa Hortaliças, Caixa Postal 218, CEP 70359-970, Brasília – DF; 2 Universidade Católica de Brasília RESUMO Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar um sistema de produção de alhosemente livre de vírus por parte de pequenos produtores de alho-consumo. A concepção desse sistema é para torná-los independentes de semente externa, cuja qualidade fitossanitária é desconhecida. O sistema consiste de um pequeno telado antiafídeos com aproximadamente 18 m2 de área total, com capacidade de suporte para o plantio de 1.800 a 2.000 bulbilhos livres de vírus e dois campos isolados com capacidade para multiplicação 9.000 e 63.000 bulbilhos respectivamente. Este sistema fornece no final do terceiro ciclo de multiplicação aproximadamente 440.000 bulbilhos de boa qualidade fitossanitária suficientes para plantio de 1 ha de lavoura comercial. O trabalho esta sendo realizado no município de Cristópolis (BA) com pequenos produtores de alho comum (70% das propriedades com área inferior a 1 ha). Em 2002 foi instalada uma unidade de validação completa e cinco campos com alho livre de vírus como unidades de observação. Em 2003 foram instaladas cinco unidades completas em propriedades com sistema de produção representativo da região. Estas unidades constaram do telado onde foram plantados 2.000 bulbilhos e do primeiro campo de multiplicação com 10.000 bulbilhos. Em 2004, a partir do primeiro campo será instalado uma nova área que corresponde ao segundo ciclo de multiplicação no campo, onde serão plantados 60.000 bulbilhos. Deste campo resultarão 400.000 bulbilhos para plantio de um hectare de alho comercial em 2005. Estão sendo coletadas informações sobre a viabilidade econômica do processo proposto, está-se aferindo a taxa de multiplicação do sistema e os níveis de produtividade em cada etapa estão sendo avaliados. A cada ano serão implementadas modificações que visem melhorar a eficiência do sistema. O sistema de produção própria de alho-semente livre de vírus mostrou-se, até o momento, plenamente exeqüível nas condições do produtor rural e a tecnologia esta tendo boa aceitação pela maioria dos produtores que se dispuseram a avaliar o sistema. Em termos de produtividade o alho livre de vírus produziu em média 100% a mais que no sistema convencional do produtor nas condições de Cristópolis (BA). O nível de infeção nos telados fechados foi mantido em zero em três unidades de validação e 10 e 100% nas outras duas, respectivamente. Nas áreas externas a recontaminação variou de zero a 90%, dependendo do ano de exposição e do produtor. Palavras-Chaves: Allium sativum L., vírus, sistema de multiplicação. ABSTRACT Evaluation of a garlic-seed production system with high sanitary and physiological quality for small growers of Bahia State, Brazil. This work aimed to evaluate a virus-free garlic-seed production system at a farm level within a family farming system. The concept of this system is to allow the growers to be independent from seed produced elsewhere with unknown phytossanitary status. The system consisted of an aphid-proof screenhouse with circa 18 m2 with capacity for 1.800 to 2.000 virus-free cloves and two fields of 100 m2 and 1.000 m2 with capacity for 9.000 and 63.000 cloves derived from the screenhouse and first year field multiplication, respectively. This system is expected to result in seed enough for 1 ha in the third year. The work is being conducted in the county of Cristópolis (BA) with common garlic growers (70% of the properties with area below 1 ha). In the year 2002 one complete system for validation and five 100 m2 fields with virus-free garlic were planted. In the year 2003, five complete validation unities were intalled in five different fields, chosen to represent the diversity of the growers in the region. These unities consisted of 2.000 virus-free cloven inside the aphidproof screenhouse and circa 10.000 virus-free cloves in the field. In the year 2004, from the material produced in the first field, the second multiplication fields will be planted with circa 60.000 cloves. From these second year multiplication fields it is expected to have seed enough for 1 ha per field in the year 2005. Information on economic viability is being collected, as well as the multiplication rate and yield at each step of the process. This proposed seed-production system is up to now well accepted by the growers and seems to work at farm level. In the years 2002 and 2003, the yield of the first year (virus-free) fields were at least 100% above the average yield of the region with common seed. Infection levels of the seeds in close aphid-proof screenhouses were zero in three unities, 10 and 100% in the other two. In the open field areas, infection rates ranged from zero to 90%, depending on the exposing year and the grower. Key words: Allium sativum L., virus, multiplication system O alho é uma espécie propagada vegetativamente e as viroses assumem um papel preponderante na redução da produção e qualidade do alho produzido no Brasil. Este tipo de propagação favorece a transmissão de pragas e doenças em plantios sucessivos, acarretando uma perda gradual da capacidade produtiva da planta e na longevidade dos bulbos em armazenamento (Carvalho, 1986; Dusi, 1995). Na Embrapa Hortaliças foram desenvolvidos produtos (alho-semente livre de vírus, anti-soros e kits de diagnóstico) e um conceito de produção própria de alho-semente por parte dos produtores. Como conseqüência destes trabalhos, há hoje na Embrapa Hortaliças uma capacidade instalada de produção de 400.000 bulbilhos por ano da cv. Amarante. Este conceito necessita ter sua validação continuada em meio real de produção, com a participação efetiva de produtores de regiões representativas ou potenciais de produção de alho no país. A participação dos produtores nas fases de multiplicações sucessivas em campo até a venda da produção comercial, em um sistema contínuo de produção de material de propagação, poderá contribuir para o aumento da produtividade, da qualidade e da competitividade da produção regional. Segundo Ashby (1993) a participação dos produtores como participantes ativos na avaliação de inovações tecnológicas podem ter numerosos benefícios para a geração de tecnologia em programas de pesquisa agropecuária. As avaliações junto aos produtores proporcionam informações sobre quais características de uma tecnologia os produtores consideram importante, como os produtores ordenam preferencialmente as alternativas tecnológicas, por que os produtores preferem uma tecnologia a outra e se os produtores estão dispostos a adotar uma nova tecnologia. Neste trabalho foram implementadas unidades de observação, de validação e de demonstração com o objetivo de avaliar um conceito de sistema de produção de alhosemente livre de vírus por parte de pequenos produtores de alho-consumo, de forma a torná-los independentes de obtenção externa de material de multiplicação com qualidade fitossanitária adequada. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados bulbilhos-semente de alho da cultivar Amarante (identidade genética garantida, Buso et al., 2003), provenientes de multiplicações em condições fitossanitárias controladas, de material de propagação proveniente de matrizes originárias de plantas indexadas para ausência de viroses. As Unidades de Observação ou de Validação foram instaladas em cinco propriedades produtoras de alho do município de Cristópolis (BA) que utilizam um sistema de produção representativo da região. Os trabalhos estão sendo realizados com apoio da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Sebrae-BA e Prefeitura Municipal de Cristópolis. As atividades tiveram início em 2002 quando foram instaladas unidades para demonstração do potencial produtivo do alho livre de vírus e o cultivo em telados foi introduzido a partir de 2003. O sistema elaborado requer a aquisição de um pequeno telado pelo produtor especialmente construído com telas antiafídeos. Os bulbilhos livres de vírus são multiplicados em condições controladas na Embrapa Hortaliças e são fornecidos ao produtor para plantio do telado. Além do telado são necessários três ciclos multiplicação em campo, com o terceiro sendo colocada no mercado como alho-consumo. O telado tem aproximadamente 18 m2 de área total com capacidade de suporte para o plantio de 1.800 a 2.000 bulbilhos livres de vírus por ciclo. Foram fornecidos ao produtores responsáveis pelas unidades 1800 bulbilhos para plantio do telado e 9.000 para o primeiro ciclo no campo. Nos telados são obtidos aproximadamente 11.000 bulbilhos. No ano seguinte 10.000 bulbilhos são plantados no campo e de 1.800 a 2.000 bulbilhos voltam ao telado. No primeiro ciclo no campo são obtidos 60.000 bulbilhos para plantio do segundo ciclo e deste 400.000 para o terceiro ciclo que corresponde a aproximadamente 1 ha, gerando um fluxo contínuo de produção de alho semente livre de vírus conforme proposto na Tabela 1. Como o sistema visa apenas a produção de alho-semente foram adotados espaçamentos inferiores aos recomendados em plantios comerciais, tanto nos telados quanto nos ciclos de multiplicação no campo. Desta forma os espaçamentos utilizados nos telados foram de 0,08 x 0,10 m ou 0,10 x 0,10 m; no primeiro ciclo de campo de 0,10 m x 0,10 m ou 0,10 x 0,15 m e no segundo ciclo de 0,10 x 0,15 m ou 0,10 x 0,20 m. As unidades de validação de alho semente livre de vírus foram avaliadas através de amostragens nos campos de alho oriundo de semente livre de vírus e nos campos de produção de alho comum dos produtores. Foram feitas quatro amostras de 1 m2, avaliandose o peso das plantas (parte aérea, bulbos e raízes) e estande final. Após a colheita das unidades avaliou-se também o número de réstias produzidas, e a porcentagem de infecção por vírus com anti-soros contra o Onion yellow dwarf virus (OYDV), Leek yellow stripe virus (LYSV) e um anti-soro polivalente para potyvírus, carlavírus e allexivírus, em dez bulbilhos por tratamento por UV Estão sendo coletadas informações sobre a viabilidade econômica do processo proposto, está-se aferindo a taxa de multiplicação do sistema e os níveis de produtividade em cada etapa estão sendo avaliados. A cada ano serão implementadas modificações que visem melhorar a eficiência do sistema. Tabela 1. Fluxograma do sistema de produção de alho-semente livre de vírus por pequenos produtores. Ano Telado Campo o 1 Ciclo 2o Ciclo 3o Ciclo 1 2.000 12.000 10.000 60.000 2 2.000 12.000 10.000 60.000 400.000 60.000 3 2.000 12.000 10.000 60.000 400.000 400.000 = 1,0 ha de alho consumo 60.000 Figura 1. Desenho esquemático das etapas de produção de alho-semente livre de vírus até chegar em 1 ha para produção comercial. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em junho de 2002 foram montadas duas unidades de observação/demonstração plantadas com alho Amarante livre de vírus em Cristópolis (BA). Apesar do plantio tardio, a produtividade variou de 7,0 a 11,7 t/ha. A média municipal neste mesmo ano foi 4,5 t/ha. A taxa de multiplicação do Amarante livre vírus nesta região variou de 9:1 a 20:1. Os resultados das unidades demonstrativas foram o ponto chave para convencer os produtores da qualidade fisiológica e produção do alho livre de vírus e facilitar a introdução do sistema de multiplicação de alho-semente deste material. Em algumas propriedades, o alho obtido nas unidades de observação de 2002 foram novamente plantados em 2003, caracterizando alho semente de segunda geração no campo. Os aumentos médios na produtividade em 2003 em relação ao alho do produtor foram 35,3% para o alho de primeira geração e 92,0% para o alho de segunda geração (Tabela 2). O alho-semente é plantado nos telados no espaçamento de 10 x 10 cm. Essa elevada densidade de plantio no telado resulta na produção de bulbos de pequeno tamanho, não permitindo a expressão do potencial máximo de produção do material. no primeiro ciclo no campo. As unidades foram avaliadas também para número de réstias produzidas (Tabela 3), que é a forma como o alho é armazenado e/ou comercializado na região. Na unidade 05 avaliou-se apenas a produção final de réstias, pois a unidade foi colhida sem a presença dos técnicos da EBDA e o produtor não segregou as amostras conforme recomendado para gerar as repetições. Na unidade 03, o produtor não acondicionou o alho colhido em réstias até o dia da avaliação da unidade. Na unidade 02 ocorreu alta incidência de doenças foliares (mancha púrpura) prejudicando muito a produtividade. Entretanto ainda foi possível colher sementes para continuidade do projeto no próximo ano. A taxa de contaminação por vírus é apresentada na tabela 4. Em dois telados, ocorreu contaminação interna, indicando problemas no manejo dos mesmos. A área plantada com alho semente livre de vírus em Cristópolis no ano de 2003 foi estimada em cerca de 0,5 ha. Com a semente colhida nesta área serão plantados de 5 a 6 ha em 2004, 50 a 60 ha em 2005 e cerca de 600 ha em 2006. Assim, todo o alho-semente em uso na região será substituído, em um período de quatro anos, pela semente oriunda do alho livre de vírus. O sistema de produção própria de alho-semente livre de vírus mostra-se, até o momento, plenamente exeqüível nas condições do pequeno produtor rural e a tecnologia esta tendo boa aceitação pela maioria dos produtores que se dispuseram a avaliar o sistema. Em termos de produtividade o alho livre de vírus mostrou-se amplamente superior ao alho-semente convencional do produtor nas condições de Cristópolis. Tabela 2. Médias do peso de planta (folhas+bulbos+raízes), em g/m2, e número de plantas colhidas (NPC) de alho do produtor e oriundos de alho semente livres de vírus em 1ª (1) e 2ª (2) exposição ao campo nas unidades de validação (UV) de Cristópolis – BA. Tipos de alho semente UV 01 Peso UV 02 NPC Peso NPC UV 03 Peso UV 04 NPC Peso UV 05 NPC Peso NPC Produtor 1753,2 65 297,0 34 769,0 41 941,0 40 - - 1 exposição em campo 1888,6 66 261,0 38 1231,2 51 1749,2 47 - - - 558,2 48 1507,6 56 - - - - a 2a exposição em campo - Tabela 3. Número de réstias colhidas (50 bulbos/réstia) nas unidades de validação (UV) de alho-semente livre de vírus em Cristópolis – BA. Tipos de alho semente UV 01 UV 02 UV 03 UV 04 UV 05 Telados 16 14 - 10 14 1 exposição em campo 124 25 - 109 55 a 2a exposição em campo 290 2 2 Área telado = 18 m ; Área campo 1 = 100 a 150 m ; Área campo 2 = 1.000 a 1200 m2 Tabela 4. Porcentagem de infeção por vírus nas UV. Valores consolidados das detecções com os anti-soros polivalente, OYDV e LYSV. UV telado testemunha 1o ano no campo 2o ano no campo 01 0 100 10 02 100 100 20 0 03 0 100 20 90 04 0 100 40 05 10 100 0 (a) LITERATURA CITADA Ashby, J. A. Manual para evaluación de tecnologias com produtores. Cali:CIAT, Publicación 188, 1993, 102p. BUSO, G. S. C.; DUSI, A. N.; PAIVA, M. R.; LOPES, F. F. R.; CERQUEIRA, (b) A. A.; AMORIM, J. C.; AMARAL, Z. P. S.; BUSO, J. A. Identificação de marcadores RAPD no controle de qualidade de produção de alho-semente da cultivar Amarante e análise de diversidade de cultivares de alho. In: IV SIMPOSIO DE RECURSOS GENÉTICOS PARA AMÉRICA (c)Libro de resúmenes doIV LATINA Y EL CARIBE, 2003, 2003, Mar del Plata, Argentina. Simposio de recursos genéticos para América Latina y el Caribe. 2003. 2003. v. 1, p. 141141. Carvalho, M. G. Viroses do alho. Informe Agropecuário, Belo Horizonte,. v.12, n.142, p.4146, 1986. Dusi, A. N. . Doencas causadas por vírus em alho. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.17, n.183, p.19-21, 1995.