a explosão da Internet e a sociedade em rede.

Propaganda
# Conexões infinitas: a explosão da Internet e a sociedade em rede.
“Mas a internet é mais do que um mero instrumento útil a ser usado porque está lá. Ela se ajusta às
características básicas do tipo de movimento social que está surgindo na Era da Informação. E como
encontram nela seu meio apropriado de organização, esses movimentos abriram e desenvolveram
novas avenidas de troca social que, por sua vez, aumentaram o papel da Internet como sua mídia
privilegiada.” (CASTELLS, 2001: p.115)
Se fosse possível definir o espaço onde vivemos atualmente ou, mais especificamente, os processos
pelos quais houve a alteração do modo de produção desse espaço, sobretudo no decorrer do século XX e mais
vigorosamente no final, talvez seja o signo da interconexão a imagem que mais se aproxima do emaranhado que
envolve espaços virtuais e concretos, capazes de criar dutos de circulação de infinitas matrizes de dados –
potencialmente informacionais – e de transformar com especial destreza, informação em mercadoria. De fato,
existe a dificuldade de definição de uma época onde muitos teóricos preferiram chamar de pós-industrial –
embora ocorra certa dificuldade de utilização desse termo, como aponta Jameson (1996), já que não foram
extintos os processos industriais propriamente ditos, mas re-estruturados, dadas às novas condições e meios,
não somente técnicos, mas também de conteúdos, visto que a própria mercadoria e forma de interação com o
consumidor/usuário, se alterou após explosão das ferramentas de comunicação em massa.
Se hoje são redundantes as noções de conectividade e o excesso de informação/imagem, sobretudo
com a Internet, anteriormente podemos demarcar algumas passagens importantes para a elaboração desse
contexto, sobretudo do desenvolvimento de tecnologias de comunicação e seus embates nos modos de vida. A
entrada dos eletrodomésticos e o crescimento da indústria do entretenimento nos anos 60 foram grandes
impulsos para a relação direta entre euforia/tecnologia. Um modo de vida ideal – o americano, é claro – passou
a ser vendido na esteira do desenvolvimento contínuo das tecnologias de informação e comunicação, balizando
uma fórmula de sucesso: quanto mais conectado o mundo, quanto mais fluida a circulação de tendências, mais
próximo estaríamos do que McLuhan chamou de “aldeia global” onde a base de todo o conteúdo divulgado tem
origem e filtros claramente demarcados – indispensável dizer, americano. Ícone desse processo, como coloca
Castells (1999), a televisão tornou-se o “epicentro cultural” da sociedade e, portanto, ferramenta de importante
influência no comportamento e na relação do indivíduo com o espaço. Como coloca:
“Liderada pela televisão, houve uma explosão da comunicação no mundo todo, nas últimas três
décadas. No país mais voltado para a TV, os EUA, no final dos anos 80 a TV apresentou 3600
imagens por minutos, por canal. (...) O padrão comportamental mundial predominante parece ser
que, nas sociedades urbanas, o consumo da mídia é a segunda maior categoria de atividade depois do
trabalho e, certamente, a atividade predominante nas casas. Essa observação, no entanto, deve ser
avaliada para o verdadeiro entendimento do papel da mídia em nossa cultura: ser espectador/ouvinte
da mídia absolutamente não se constitui uma atividade exclusiva. Em geral é combinada com o
desempenho de tarefas domésticas, refeições familiares, interação social. É a presença de fundo
quase constante, o tecido de nossas vidas. Vivemos com a mídia e pela mídia.” (CASTELLS, 1999:
p.418)
Embora a televisão tenha sido subestimada no período de seu surgimento, com afirmações como a
do filósofo e matemático Bertrand Russell:
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
22
“(...) embora houvessem construído um aparelho “capaz de transmitir imagens mais ou menos
reconhecidas de naturezas-mortas, como um desenho, uma pagina escrita ou face estaticamente
iluminada”, não “existe nem provavelmente existirá no futuro próximo, pelo menos que se possa
prever, aparelho algum capaz de transmitir uma imagem da vida real com movimento, como uma
corrida de barcos ou de cavalos...De fato, o público deveria ser advertido para não levar em
consideração as imaginosas previsões sobre o assunto que aparecem na imprensa especializada.“
(BRIGGS, BURKE, 2004: p.181)
Como salienta Briggs e Burke (2004), a radiodifusão estava por volta de 1930, tão bem estruturada
que era difícil para aqueles envolvidos migrarem para um sistema ainda em ascensão como a televisão. Além do
mais, a situação econômica da época era desfavorável a grandes empreitadas como essa; nos Estados Unidos,
por exemplo, o New Deal passava por anos de depressão. Segundo Briggs e Burke (2004) existiam alguns
conceitos errôneos no círculo de discussão informacional:
“Acreditava-se que somente grupos de alto rendimento pudessem ser atraídos por ela [televisão].
Essa crença, porém, mostrou-se totalmente incorreta, mesmo antes do fim do congelamento. Com a
oferta de poucos programas, a produção de aparelhos cresceu consideravelmente entre 1947 e 1952,
de 178 mil para 15 milhões; em 1948 havia mais de 20 milhões de aparelhos em uso. Mais de um
terço da população norte-americana tinha um. (...) mesmo em 1948, a Business Week, impelida pela
explosão de crescimento pós-guerra, chamou a televisão de “o mais recente e valorizado bem de luxo
do cidadão comum”, e proclamou aquele como o ano da televisão.” (BRIGGS, BURKE, 2004: p.238)
Instrumento foco de polêmica, a televisão – “chiclete para os olhos”, como advertiu Frank Lloyd
Wright, foi sem dúvida a mídia em desenvolvimento em meados do século XX que, se assim podemos dizer,
mais representou a ponta de lança das tecnologias de informação e comunicação em termos de conectividade
informacional. E mais além, como Briggs e Burk também apontam, as discussões em torno de inúmeros temas,
como sexo, violência, códigos e leis nunca foram tão levados a tona de uma só vez em tantos países. Mas
também:
“A demanda por “soberania cultural” foi um protesto contra o “imperialismo cultural”(...). Na
América Latina, onde o imperialismo cultural estava no centro dos estudos de mídia e de
comunicação, a televisão comercial era o alvo de ataque mais visível. Nas fortes palavras do delegado
chileno a um Grupo de Trabalho das Nações Unidas, a televisão competitiva, comercial, “baixando
padrões e oferecendo refugos da cultura de massa”, constituía uma “fonte de preocupação para
nossos educadores, sociólogos, estatísticos e para todos nós que participamos de uma política cultural
em busca de enobrecer, e não de degradar o nosso povo.” (BRIGGS, BURKE, 2004: p.261)
A produção de conteúdo que, embora hoje apresente matrizes diversas de criação, quase que em
sua totalidade, guardam em algum lugar a reprodução do perfil estereotipado norte-americano, com eficazes
estratégias de marketing em escala global. A era da imagem vivia aí o início do seu triunfo, como apontaria
Debord (1970) na medida em que a sociedade vive pelo acúmulo do que chamou de espetáculo, a imagem se
torna a mais nova forma-mercadoria do capitalismo avançado: um mundo formado por simulações de toda
ordem onde, como colocou Baudrillard, houve “a dissolução da televisão na vida” e vice-versa.
Na busca de novas possibilidades para a televisão, com o desenvolvimento a tecnologia de
transmissão pelo cabo, foi possível a transferência de “dados visuais”, como, por exemplo, o “teletexto”, um
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
23
sistema responsável pela transmissão de páginas de informação. Mais tarde, o videotexto que “era o envio pela
linha telefônica ou por cabo de informações arquivadas por computador para uma tela de televisão” (BRIGGS,
BURKE, 2004: p.303) antecipou o que seria a Internet e a Word Wide Web: “Será que dados visuais tornariam
“uma mídia de massa ou um meio individual; ou, como dizem os japoneses, uma mídia individual de massa?”
(BRIGGS, BURKE, 2004: p.303).
Adiante na questão da conectividade, é fácil entender que, se na então chamada “sociedade da
informação” (como proposto por Daniel Bell) o que vale é colocar fluxos (sejam eles informacionais,
mercadorias, etc.) em movimento, a televisão já guardava consigo um possível embrião do que mais tarde a
Internet buscaria incessantemente: transmissão de conteúdo e de comunicação, em suas múltiplas formas, com
indiscutível potencial imagético. Mais além, a própria noção de “rede” tornou-se elemento chave (causa e
conseqüência) para desenvolvimento de tecnologias, cuja mais solicitada, a Internet, tornou-se estrutural para o
processo de “convergência”1 de mídias que ainda hoje encontra-se em constante transformação2. Em 1992, um
artigo publicado pelo Financial Times, declarava “a lenta, mais inevitável, convergência entre a computação e as
telecomunicações, ”acrescentando que supriria a “força motriz” para “uma implosão de novas tecnologias e
práticas de processamento de informação.” (BRIGGS, BURKE, 2004: p.292)
Imagem14: Número de Computadores pessoais em 1998, por 1000 habitantes
A elaboração do conceito de rede nas tecnologias de informação e comunicação, que, segundo
Castells é a forma organizacional da Era da Informação, foi possível principalmente graças ao desenvolvimento
1
“Desde a década de 1990 ela é aplicada ao desenvolvimento tecnológico digital, à integração de texto, números, imagens,
sons e a diversos elementos na mídia (...). No entanto, em 1970, a palavra era usada com uma abrangência mais ampla, em
particular no que Alan Stone chamou de “um casamento perfeito” ente os computadores – parceiros também de outros
casamentos – e as telecomunicações. Inicialmente, a palavra “compunicações”, híbrida, mas pouco apropriada, descrevia essa
parceria.” (BRIGGS, BURKE, 2004: p.270)
2
Sobre esse assunto, veja a questão da “multimídia”: “Durante toda a década de 1990, futurólogos, tecnólogos e magnatas
da mídia perseguiam o sonho da convergência entre computadores, a Internet e a mídia. A palavra chave era “multimídia” e
sua materialização era a caixa mágica que se materializaria na sala de estar e poderia, a nosso comando, abrir uma janela
global para infinitas possibilidades de comunicação interativa em formato de vídeo, áudio e texto.” (CASTELLS, 2001: p.155)
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
24
da Internet – foco da discussão proposta anteriormente sobre como se configuraria a produção do espaço num
mundo que vive sob a ótica da interconexão. Como coloca Castells, “a Internet poderia ser equiparada tanto a
uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por
todo domínio da atividade humana.” (CASTELLS, 2001: p.7). A nova estrutura social que, segundo Castells
(2001) no final do século XX estava baseada na organização de redes, compreende três processos:
“(...) as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da
produção e do comércio; as demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da
comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e nas
telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica.” (CASTELLS, 2001: p.8)
O desenvolvimento das tecnologias que levariam à Internet baseou-se na crença e na cooperação
acadêmica de cientistas que, incluídos em agências de pesquisa e laboratórios, ligados principalmente ao
Departamento de Defesa dos Estados Unidos, foram capazes de reconhecer que o amálgama entre as
tecnologias da computação e a possibilidade de transmissão de dados e comunicação era a fórmula perfeita para
a formação do paradigma da rede, embora pouco se imaginava sobre o grau de desenvolvimento que tal sistema
alcançaria.
Os primeiros insumos para o desenvolvimento da internet vieram na década de 1960, com a
Arpanet3, que de cara já instalava uma revolução na comunicação: a transmissão de dados por pacotes, onde “o
sistema de envio quebrava a informação em peças codificadas, e o sistema receptor juntava-a novamente, depois
de ter viajado até seu destino” (BRIGGS, BURKE, 2004: p.311). A Arpanet foi desenvolvida pela ARPA (Advanced
Research Projects Agency), instituição ligada ao Departamento de Defesa americano e que era responsável por
angariar pesquisa e conhecimento principalmente do setor universitário para o desenvolvimento de novas
tecnologias, garantindo assim, a superioridade tecnológica dos Estados Unidos frente à União Soviética no
período da Guerra Fria. Dentro das universidades foi desenvolvida, por exemplo, a padronização de protocolos
de comunicação em TCP/IP. Em 1990, como coloca Castells (2001) a Arpanet já era obsoleta e foi retirada de
operação, mas com a tecnologia de conexão de computadores em domínio público, foi possível o
desenvolvimento de inúmeras redes particulares, principalmente comerciais:
“A partir de então, a Internet cresceu rapidamente como uma rede global de rede de computadores.
O que tornou isso possível foi o projeto original da Arpanet, baseado numa arquitetura em múltiplas
camadas, descentralizada, e protocolos de comunicação abertos. Nessas condições a Net pôde se
expandir pela adição de novos nós e a reconfiguração infinita da rede para acomodar necessidades de
comunicação.” (CASTELLS, 2001: p.15)
3
“(...) a montagem da Arpanet foi justificada como uma maneira de permitir aos vários centros de computadores e grupos
de pesquisa que trabalhavam para a agência compartilhar on-line tempo de computação.” (CASTELLS, 2001: p.14)
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
25
Imagem15: total de domínios em Julho de 2000.
Com o desenvolvimento do UNIX nos anos 60 e 70 pelos Laboratórios Bell e posteriormente a
liberação do seu código fonte entre universidades, foi possível o desenvolvimento de outros programas capazes
de manter comunicação entre computadores: o Usenet News difundiu-se rapidamente e, nos anos 80, um grupo
de estudantes da Universidade da Califórnia - Berkeley que desenvolvia aplicações para o UNIX, conseguiu
vincular as redes Usenet e Arpanet (a universidade em questão era um nó da última) abrindo caminho para a
conexão de inúmeros computadores e garantindo a formação plena do que conhecemos como Internet. Como
Castells (2001) coloca, a onda UNIX forneceu as bases para o nascimento das tecnologias de fonte aberta, que
previa o acesso irrestrito de informação de sistemas de software, que culminou mais tarde a criação do sistema
operacional Linux, sendo gratuitamente distribuído pela Internet e que, atualmente, se tornou o mais robusto
sistema operacional livre e que recebe aperfeiçoamento de milhares de pessoas de todo o mundo.
Na continuação da formação de redes, a criação da World Wide Web (www) em 1990 pelo
programador Tim Berners-Lee foi um passo fundamental, na medida em que compreendia a formação de um
programa hipertextual, e daí a explosão da rede mundial de computadores, principalmente pelo aparecimento
dos navegadores mais populares – o Netscape Navigator desenvolvido pela Netscape (cujo dono já havia
desenvolvido o Mosaic, anteriormente em 1993) e logo mais o Internet Explorer, pela Microsoft. Como colocam
Briggs e Burk:
“Para Berners-Lee, “tecer” a rede (...) não era inicialmente uma tarefa lucrativa ou de alta segurança,
mas um meio de ampliar oportunidades. Ele desejava conservar a Web sem proprietários, aberta e
livre. Contudo, como os empreendedores norte-americanos que desenvolveram a Internet buscando
lucro, ele era movido por uma crença firme no seu potencial global de uso: ela podia e devia ser “world
wide”. O desenvolvimento de hiperlinks, o destaque de palavras ou símbolos dentro de documentos
“clicando sobre eles”, isso já era a chave de todo o progresso futuro”. (BRIGGS, BURKE, 2004:
p.312)
Desta forma, em 1990 a Internet já tinha uma estrutura sólida e já estava dotada de interesses diversos.
Era capaz de bombear na sociedade uma infinidade de expressões e conceitos até então pouco utilizados,
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
26
abrindo caminho para o comércio eletrônico, as comunidades virtuais, os sistemas de comunicação de
mensagens instantâneas, áudio e vídeo em tempo real, ou seja, “por em relação” mais do que a convergência de
tecnologias computacionais e de comunicação, o envolvimento da vida em seus múltiplos aspectos, numa infinita
conexão de dados e culturas: “a Internet como meio de comunicação está entrelaçado à pratica
multidimensional da vida” (CASTELLS, 2001). Mas se de fato com a Internet existe uma nova produção de
cultura (no cerne no que estamos chamando de espaço da interconexão), como propõe Castells, como isso se
configura, no que ele mesmo chama de “sociedade em rede”?
Imagem16: População on-line relativa a cada país e distribuição dos usuários em Setembro de 2000.
Para Castells, como “os sistemas tecnológicos são socialmente produzidos” e a “produção social é
estruturada culturalmente”, é possível falar de uma cultura da Internet formada pelo embate
produtores/usuários e consumidores/usuários4. Essa cultura seria composta por quatro camadas que são
interdependentes e dão a rede a ideologia da liberdade: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura
comunitária virtual e a cultura empresarial. Especificando:
“(...) a cultura tecnomeritocrática5 especifica-se como uma cultura hacker ao incorporar normas e
costumes a redes de cooperação voltadas para projetos tecnológicos. A cultura comunitária virtual
acrescenta uma dimensão social ao compartilhamento tecnológico, fazendo da Internet um meio de
interação social seletiva e de interação simbólica. A cultura empresarial trabalha, ao lado da cultura
hacker e da cultura comunitária, para difundir práticas da Internet em todos os domínios da sociedade
como meio de ganhar dinheiro.” (CASTELLS, 2001: p.34)
4
Por produtores/usuários, Castells entende “àqueles cuja prática da Internet é diretamente reintroduzida no sistema
tecnológico” e por consumidores/usuários, “aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente
com o desenvolvimento da Internet, embora seus usos tenham certamente um efeito agregado sobre a evolução do
sistema”.
5
Castells especifica posteriormente dizendo que “trata-se de uma cultura da crença no bem inerente ao desenvolvimento
cientifico e tecnológico como um elemento decisivo no progresso da humanidade.(...) Sua especificidade, porém, está na
definição de uma comunidade de membros tecnologicamente competentes, reconhecido como pares pela comunidade.
Nessa cultura, o mérito resulta da contribuição para o avanço de um sistema tecnológico que proporciona um bem comum
para a comunidade de seus descobridores. Esse sistema tecnológico é a interconexão de computadores, que é a essência da
Internet. (CASTELLS, 2001: p.36)
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
27
Em sua definição:
“A cultura da Internet é uma cultura feita de uma crença tecnocrática no progresso dos seres
humanos através da tecnologia, levado a cabo por comunidades de hackers que prosperam na
criatividade tecnológica livre e aberta, incrustada em redes virtuais que pretendem reinventar a
sociedade, e materializada por empresários movidos a dinheiro nas engrenagens da nova economia.”
(CASTELLS, 2001: p.53)
Imagem17: População on-line relativa a cada país e distribuição dos usuários em Setembro de 2004.
Assim, se a essência da Internet está no compartilhamento de informações que realimentam e
novamente desenvolvem o sistema, como propõe a cultura tecnomeritocrática, os hackers são figuras
fundamentais na medida em que são peritos altamente especializados, responsáveis pela atualização contínua do
sistema de conexão de computadores, sua base material, gozando, como propõe Castells, de “autonomia dos
projetos em relação às atribuições de tarefas por instituições ou corporações (CASTELLS, 2001), contrariando a
idéia difundida pela mídia de uma tribo de inconseqüentes em busca de quebra de códigos e invasões às fontes
de informação alheias.
Mas se tratando de cooperação e formas de sociabilização na Internet, talvez um dos aspectos mais chamam a
atenção para a base do que chamamos de estado de interconexão, seja a difusão e fortalecimento de
comunidades virtuais. Para Castells, enquanto a cultura hacker forneceu as bases tecnológicas, “a cultura
comunitária moldou suas formas sociais, processos e usos”. Citando Rheingold, Castells define comunidade
virtual como: “uma rede eletrônica autodefinida de comunicações interativas e organizadas ao redor de
interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria meta.” (CASTELLS, 1999:
p.443). Segundo Castells, as comunidades virtuais tiveram origens semelhantes aos movimentos de contracultura na década de 1960, mas, a partir do momento que se ampliaram, essas conexões originais se perderam.
São tão diversas as comunidades quanto à multiplicação de falsas personalidades – testes e representações de
papéis de todos os tipos que, segundo Castells, como o mundo social da Internet é de organização tão complexa
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
28
quanto à sociedade, “a cacofonia das comunidades virtuais não representa um sistema relativamente coerente
de valores e normas sociais, como é o caso da cultura hacker.” Mas, nesse sentido, a Internet abre caminhos,
como a comunicação livre e a possibilidade de formação autônoma de redes6:
“(...) a publicação autônoma, a auto-organização e autopublicação, bem como a formação autônoma
de redes constitui um padrão de comportamento que permeia a Internet e se difunde a partir dela
para todo o domínio social. Assim, embora extremamente diversa em seu conteúdo, a fonte
comunitária da Internet a caracteriza de fato como um meio tecnológico para a comunicação
horizontal e uma nova forma de livre expressão. Assenta também as bases para a formação autônoma
de redes como um instrumento de organização, ação coletiva e construção de significado.”
(CASTELLS, 2001: p.49)
Castells, no primeiro volume de sua trilogia “A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura”,
denominado “A Sociedade em Rede”, analisa de que forma a sociedade atual se organiza (em suas múltiplas
dimensões) na morfologia de redes, tendo como pano de fundo o paradigma das tecnologias da informação e
comunicação e a dinamicidade de fluxos globais (informacionais, financeiros, etc.) que estão na matriz do que
define como a Era da Informação. Definindo então, a rede é formada por nós interconectados, sendo que o nó é
definido de acordo com a rede analisada, sendo desde bolsas de valores, órgãos administrativos do Estado,
campos de coca, laboratórios clandestinos, até sistemas de televisão, meios de computação gráfica, etc. E esta
morfologia, se assim podemos dizer, é a responsável pela estruturação do capital financeiro, dependente das
tecnologias da informação. Como Castells mesmo analisa:
“Em razão da convergência da evolução histórica e da transformação tecnológica, entramos em um
modelo genuinamente cultural de interação e organização social. Por isso é que a informação
representa o principal ingrediente de nossa organização social, e os fluxos de mensagens e imagens
entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social.” (CASTELLS, 1999:
p.573)
Assim, a produção do espaço envolto por essa malha infinita de intercruzamentos (de informações, de
interesses) sofre sensivelmente pela atualização das tecnologias de informação e comunicação que são capazes
de mobilizar, assim como outrora fizeram outras tecnologias, as diversas camadas que compõe a cidade,
prioritariamente em conflito. Mas se são hoje, estas tecnologias, de grande influência na conformação da
sociedade em rede, vale a pena tentar entender esse espaço interconectado do qual falamos, que adicionam
novos paradigmas projetuais à Arquitetura e Urbanismo contemporâneos e propõe uma discussão ainda mais
intensa sobre suas formas de produção e seus processos de concepção, apoiados por essas novas mídias.
6
Segundo Castells, o mito de que a Internet acabaria por eliminar as relações sociais, caiu por terra na medida em que
diversas pesquisas mostraram que o número de redes de interação social de usuários da Internet cresce significativamente
em relação aos não-usuários. Como coloca: “contrariando alegações de que a Internet seria uma fonte de comunitarismo
renovado ou uma causa da alienação do mundo real, a interação social na Internet não parece ter um efeito direto sobre a
configuração da vida cotidiana em geral, exceto por adicionar interação on-line às relações sócias existentes.” (CASTELLS,
2001: p. 101). Ver também a parte: “A Sociedade Interativa”, em “A Sociedade em Rede” (CASTELLS, 1999: p. 442)
D.O.S.
RELATÓRIO FAPESP [2008]
29
Download