ALGUNS ASPECTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE A GLOBALIZAÇÃO E O INFORMACIONALISMO Igor Czermainski de Oliveira Justificativa Antes que uma organização possa se tornar global, é necessário que o empreendedor tenha consciência do caminho da sociedade rumo à valorização da informação. A internacionalização é, fundamentalmente, um processo de inovação, e para inovar é preciso conhecer. A seguir, dois fragmentos da obra Business Cycles: A Theoretical, Historical, and Statistical Analysis of the Capitalist Process, de Joseph Schumpeter (1939). A inovação é o fato mais extraordinário na história econômica da sociedade capitalista ou naquilo que é puramente econômico nessa história, e é também grandemente responsável pela maior parte daquilo que nós iríamos, à primeira vista, atribuir a outros fatores. Inovações individuais implicam, por natureza, em um grande passo e em uma grande mudança. Uma estrada de ferro, por exemplo, construída através de um país que ainda não as possuía, assim que se torna operacional, causa distúrbios em todas as condições locais, em todos os cálculos de custos e em todas as funções de produção que estejam no seu raio de influência. Dificilmente alguma “maneira de fazer coisas” que funcionava antes do acontecimento continua assim depois dele. Considerações Iniciais As rápidas transformações socioeconômicas que ocorrem no contexto global atual ocorrem, relevantemente, em duas frentes: a globalização econômica e o crescimento da Sociedade do Conhecimento. Ao mesmo tempo em que o mundo dirige-se para uma realidade de transações entre independentes de corporações governos, os supranacionais seres humanos cada vez agrupam-se mais em comunidades virtuais (Primo, 1997) e trabalham de maneira efêmera (Robbins, 2005), seguindo novas regras que priorizam a estratégia pessoal. A fusão entre essas duas tendências, se interpretadas pela ótica do Marketing Global, gera novas possibilidades de utilização da informação, sobretudo por meio de Sistemas de Informação aplicados a negócios internacionais. Em 1983, o professor da Harvard Business School, Theodore Levitt já descrevia a tecnologia como uma “força que leva o mundo a uma convergência comum”. Levitt sugeria às empresas que padronizassem seus produtos mundo afora. É verdade que seu artigo fora primordial, mas as organizações que tentaram seguir à risca essa indicação não obtiveram o sucesso imaginado (Lipman, 1988). Era apenas o princípio da relação entre a gestão da informação e as estratégias de Marketing Global. Atualmente, há uma especificidade muito maior para cada caso de internacionalização de um negócio. A obra Princípios de Marketing Global, de Warren J. Keegan e Mark C. Green, cita bastantes exemplos de organizações estadunidenses que alcançaram o sucesso global a partir da flexibilização das estratégias de vendas nos diversos mercados em que atuam. Informacionalismo Manuel Castells (1999), no primeiro volume de sua trilogia “A Era da Informação”, traz toda a conceitualização do fenômeno denominado informacionalismo. Trata-se da dependência que o ser humano passou a ter em relação ao fluxo de informações criado pela sociedade em rede. Contudo, Castells não se limita à análise dos efeitos observados no indivíduo, e traz uma descrição completa da economia global, que também é, segundo ele, informacional. Há uma oposição entre a Rede e o Ser, fundamentada pela perda de identidade e de personalidade. A confusão em meio ao excesso de informação parece óbvia, e torna-se ainda maior se considerarmos o pluriculturalismo. Em todo o planeta, as relações de trabalho estão tornando-se mais adversas para o Ser, que enfrenta a necessidade de acompanhar o ritmo de um mercado que demanda adaptações constantes e o chamado trabalho Just in Time. Assim como cada trabalhador está ligado aos outros por meio da informação, as organizações também dependem da eficiência na aplicação do conhecimento para obterem sucesso. São os meios da chamada economia informacional. A lucratividade das empresas, que é o fator incentivador da obtenção da informação, depende muito da própria tecnologia. Sem desenvolvimento não há lucro, sem lucro não há desenvolvimento. (Schumpeter, 1936) A economia do planeta ainda não é totalmente global, já que para isso precisa ter a capacidade de funcionar em tempo real no globo todo, de forma simultânea. Além disso, não há simetria na distribuição da informação e no investimento em pesquisa. Contudo, muitos fatores estão globalizados: as grandes organizações podem, hoje, instalar-se em qualquer parte do globo que ofereça, por exemplo, uma vantagem no quesito mão-de-obra. Algumas nações, por estarem excluídas das redes de informação, acabaram também marginalizadas no aspecto mercadológico, e a agora correm o risco de serem tratadas como totalmente insignificantes. Os países africanos, por exemplo, tendem, no decorrer do processo de crescimento do informacionalismo, a continuarem excluídos, e cada vez mais excluídos. A formação de redes entre empresas na economia global é organizada, segundo Dieter Ernst (1994), em cinco tipos diferentes de redes: Redes de Fornecedores Redes de Produtores Redes de Clientes Coalizões-padrão Redes de Cooperação Tecnológica Essas possibilidades permitem, a empresas de qualquer porte, uma troca de informações contidas em suas bases de dados, como no caso do cadastro de clientes, ou nos seus programas de Pesquisa e Desenvolvimento, nas Redes de Cooperação Tecnológica. Aparentemente, as redes poderiam significar uma crise no modelo que descrevia as transnacionais como partes fundamentais da economia mundial (Dunning, 1993), pois permitem a integração de organizações de pequeno é médio porte. Contudo, Castells (1999) argumenta que as redes costumam organizar-se em torno de uma grande companhia, já que a entrada nas redes requer recursos financeiros e tecnológicos que só as grandes possuem. Uma das questões centrais da trilogia de Castells (1999) é a detenção do poder de controle sobre o fluxo de informação das redes. Ainda na sua obra, ele argumenta que as multinacionais têm grande participação nas redes, e inegável poder sobre as economias mundiais. Assim, considerando o trabalho de Robert O. Keohane e Joseph S. Nye (1998), podemos atribuir, em muitos casos, o controle desse fluxo às próprias multinacionais. A influência delas pode estender-se a questões internas de um determinado país, como já advertia Teece (1985). Globalização Os aspectos globais da Era da Informação nos remetem a celebre definição do Fundo Monetário Nacional acerca da globalização: “uma interdependência crescente entre os países a partir do aumento das transações internacionais de bens e serviços, fluxo livre do capital, e maior difusão da tecnologia.” A tecnologia, aliás, tem sido o grande objeto de estudo de vários intelectuais do FMI. Tanzi (2000) “desenvolvimento tecnológico” no título de um incluiu o importantíssimo documento do Fundo. No mesmo artigo (2000), Vito Tanzi aborda um problema gigantesco: a manipulação das declarações de valores do comércio entre diversas unidades de multinacionais, para efeito de minimização da tributação nos seus balanços. O autor trata o fenômeno como um efeito do crescimento do comércio global, e especialmente das multinacionais. As multinacionais, por outro lado, ainda priorizam a eficiência operacional, deixando de lado a formulação de políticas para racionalizar o efeito da tributação. O desejo de diminuir ao máximo as despesas com impostos ainda os leva a práticas ilícitas. A complexidade das redes, dominadas pelas grandes organizações, também facilita as práticas de manipulação de resultados e de valores de transações. O custo operacional das operações financeiras tem caído no mundo todo, e as estruturas das multinacionais têm sido, cada vez mais, descentralizadas, de modo a estimular o fluxo de capital entre elas. O comércio eletrônico, empregado nas transações business-to-business (B2B) é um grande desafio para o controle tributário das transferências entre multis. No Brasil, os esforços para regulamentar essa atividade estão em fase de planejamento ainda. Há um grande debate e a certeza de que já há uma perda considerável, fundamentalmente no ICMS. (Silveira, 2000) Tornando-se global. Levitt (1983) demonstrou a tendência de procura pela variedade, existente em consumidores de diversos países. A “pluralização do consumo” trata, por exemplo, da difusão das culinárias de diferentes partes do mundo em mercados exóticos. Essa diversidade só é possível graças aos fluxos de informação que levam o consumidor ao conhecimento de produtos tão peculiares, a ponto de torná-lo parte do mercado potencial. A globalização levou as comidas típicas de muitas partes às metrópoles, onde estão indivíduos aptos a formarem uma comunidade de clientes para restaurantes que pareceriam mercadologicamente inviáveis há algumas décadas. Atualmente, fala-se em “comportamento de consumo semelhante”, ao invés da padronização mais rígida de Levitt (1983). Pode-se classificar esse comportamento no âmbito internacional – considerando as diferenças culturais – ou pode-se simplesmente identificar consumidores individuais dentro de países-alvo. Keegan (2003) aborda vários aspectos referentes à segmentação do mercado global. segmentação Propõe, entre demográfica, outros baseada métodos de basicamente análise, em uma fatores macroeconômicos: compara-se quesitos como o PIB per capita, o câmbio e a distribuição de renda a fim de determinar o destino do investimento. Keegan também considera a idade como um fator demográfico a ser considerado, e argumenta utilizando-se de um exemplo claro de mudança na característica de um segmento a partir de uma modificação na difusão da informação: a chegada dos meios de comunicação globais aos grandes mercados emergentes asiáticos, sobretudo através da televisão via satélite. Fenômenos como esse podem acelerar o desenvolvimento do chamado “consumidor global” (Hassan et al. 2003), provocando uma nova emergência da análise de fatores macro, país a país. (Sethi, 1971). A quantidade de valores universais, que fundamentam as estratégias de padronização, tende a aumentar com o crescimento do informacionalismo. Não somente o amor, a boa saúde e a família deverão continuar sendo comuns a várias culturas, como também, cada vez mais, padrões de beleza e de alimentação. No entanto, Hassan et al. (2003) propõe uma abordagem combinada: um consenso entre os intelectuais que almejam a adoção das formas segmentação via classificação de países e aqueles que preferem analisar variáveis microeconômicas, implantando os métodos mais tradicionais do marketing, independentemente do fator nacional. Huszagh et al. (1986) foi o pioneiro na determinação da relação entre tecnologia e segmentação de mercados internacionais. Hassan et al. (2003) demonstra a existência de uma linguagem específica entre usuários de produtos hi tech, mas argumenta que a comunicação entre os diversos segmentos de potenciais consumidores desses produtos contribui com os seus processos diversos de globalização. A formação de comunidades dessa natureza é prevista por Castells (1999), bem como a utilização de sinais especiais para cada uma delas. Os chamados “fóruns” da rede mundial de computadores são um exemplo claro da existência desse fenômeno. Existem grandes comunidades virtuais, por exemplo, de músicos, de fanáticos por computação e até mesmo de cientistas. Fluxo de informação dentro da organização O individualismo muitas vezes impede que determinados membros de organizações que lidam com a informação contribuam com a sua melhor utilização. Os recursos de tecnologia da informação costumeiramente subestimados e mal empregados nas empresas. são É necessário que o funcionário tenha uma idéia concreta do ambiente de competitividade, sobretudo no mercado global, para que possa avaliar a importância do envio de informações para as posições mais estratégicas da companhia. Um vendedor que não passa adiante as reações obtidas dos clientes está condenando toda a estratégia de marketing da empresa. (Miller, 2002) A burocracia, ou, pelo olhar de Castells (1999), a complexidade da Rede dificulta a utilização dos canais de fluxo de informação por parte de seus potenciais usuários. A Internet, que deveria servir como um fator facilitador, acaba, muitas vezes, burocratizando ainda mais as relações internas de uma organização. O investimento em SIM (Sistema de Informação de Marketing), que é parte importantíssima do processo de expansão das empresas globais (Keegan, 2003), pode acabar comprometido por ações que contrariam a coletividade nas equipes de trabalho. Apenas aquelas organizações que obterem sucesso em simplificar essas relações poderão competir no mercado global, a partir da difusão de uma cultura de compartilhamento de dados em prol do seu sucesso coletivo, em detrimento da retenção de informação como meio de promoção pessoal. Essa fórmula de sucesso constitui um dilema para a economia informacional, que prevê relações de trabalho cada vez mais efêmeras e individualizadas (Castells, 1999). Os administradores devem, portanto, tratar essa tendência sociológica como uma conseqüência indesejável para a Organização Global. 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