universidade federal do rio de janeiro centro de ciências de saúde

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DE SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENDOCRINOLOGIA
ESTUDO DA PREVALÊNCIA DE DISFUNÇÃO E AUTOIMUNIDADE TIREOIDEANA EM PACIENTES COM
PROLAPSO VALVAR MITRAL
MIRNA PIREDDA DA GRAÇA
Dissertação de mestrado apresentada
ao programa de Pós-Graduação em
Medicina, área de concentração em
Endocrinologia, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários para
a obtenção do título de mestre em
Endocrinologia.
Orientador: Prof. Dr. Alexandru Buescu
2005
Ficha Catalográfica
Graça, Mirna Piredda da.
Estudo da prevalência de disfunção e auto-imunidade
tireoideanas em pacientes com prolapso valvar mitral/ Mirna
Piredda da Graça.- Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de
Medicina, 2005.
xiii, 66f.: il.; 31cm.
Orientador: Alexandru Buescu
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Medicina, 2005.
Referências bibliográficas: f. 45-50.
1. Auto-imunidade tireoideana. 2. Prolapso valvar MitralDiagnóstico. 3. Ecocardiografia. 4. Endocrinologia – Tese. I.
Buescu, Alexandru. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Medicina, Endocrinologia. III. Título.
RESUMO
A auto-imunidade tireoideana é caracterizada pela presença de anticorpos antitireoideanos, podendo ou não levar à disfunção tireoideana. Como apresentações temos a
doença de Graves e a tireoidite de Hashimoto. O prolapso valvar mitral (PVM) apresenta
uma prevalência aumentada em pacientes com hipertireoidismo e hipotireoidismo.
Avaliamos a prevalência de disfunção e auto-imunidade tireoideana em pacientes
com PVM ecocardiográficamente comprovado (n=40), comparados a um grupo controle
(n=30). Verificamos que a média de idade entre os grupos foi semelhante, 49.6±15.1 no
prolapso e 45.2±13.8(p=0.21) no controle. O índice de massa corporal (IMC) também não
diferiu entre os grupos (26.8±3.7 no PVM x 26.3±4.6)(p=0.57). A média do TSH no grupo
do PVM foi de 2.97±8.2 e no controle de 1.77±1.12.(p=0.72). Dos pacientes com prolapso
e TSH anormal(n=7),todos subclínicos, exceto um. A prevalência de anticorpos antitireoperoxidase (ATPO) foi maior no grupo do prolapso (17.5%x 6.6%), porém sem
significância estatística (p=0.28). Dos 7 pacientes com prolapso e TSH anormal, 5( 71.4%)
apresentavam anticorpos positivos.
Os estudos realizados até hoje avaliaram apenas a associação de PVM com doenças
tireoideanas. Demonstramos a maior prevalência de disfunção e/ou auto-imunidade
tireoideanos em pacientes com PVM, porém sem alcançar significância estatística.
Palavras-Chave: Prolapso valvar mitral, auto-imunidade tireoideana, disfunção
tireoideana, anticorpos anti-tireoideanos.
ABSTRACT
Thyroid autoimmunity is defined by the presence of antithyroid antibodies, leading
or not to thyroid dysfunction. Common presentations are Graves` disease and Hashimoto`s
thyroiditis. Mitral valve prolapse (MVP) has a higher prevalence in patients with
hyperthyroidism and hypothyroidism.
We evaluated the prevalence of thyroid dysfunction and autoimmunity in patients
with echocardiographically proven MVP(n=40) as compared to a prolapse free control
group(n=30). The average age between the groups was similar (49.6±15.1 in the MVP
group
versus
45.2±13.8
in
the
controls).
Body
mass
index
(BMI) also did not differ (26.8± versus 26.3±4.6)(p=0.57). Average serum TSH was
2.9±8.2 in the MVP group and 1.77±1.12 in the control group(p=0.72). Seven patients with
MVP had abnormal TSH values, all suclinical except one. High titers of
antithyroperoxidase antibodies (ATPO) were found in 17.5% of the patients,but only in
6.6% of the controls, however without statistical significance(p=0.28). Positive antibodies
were found in 71.4% of the patients with MVP and abnormal TSH.
Published studies have looked only at the association of MVP and thyroid diseases.
We have demonstrated a higher prevalence of thyroid dysfunction and/or autoimmunity in
patients with MVP although without statistical significance.
Key-Words: Mitral valve prolapse, Thyroid autoimmunity, Thyroi dysfunction,
Antithyroid antibodies.
Índice:
pág.
RESUMO ..................................................................................................................... vi
ABSTRACT ................................................................................................................. vii
1- Introdução ......................................................................................................... 1
2- Objetivos ............................................................................................................ 4
3- Fundamentos teóricos ................................................................................... 5
3.1- Auto-imunidade ............................................................................................. 5
3.1.1- Linfócitos T e moléculas de superfície ..................................................... 5
3.1.2- Receptor de célula T ................................................................................. 6
3.1.3- Sistema HLA ............................................................................................ 7
3.1.4- Moléculas co-receptoras ........................................................................... 8
3.1.5- A resposta Imune ...................................................................................... 8
3.1.6- Apresentação do antígeno ......................................................................... 10
3.1.7- Resposta das células B e T ........................................................................ 11
3.1.8- Tolerância imunológica ............................................................................. 12
3.2- Auto-imunidade tireoideana ............................................................................. 13
3.2.1- Tireoglobulina ............................................................................................ 13
3.2.2- Receptor de TSH ........................................................................................ 13
3.2.3- Tireoperoxidase .......................................................................................... 14
3.2.4- Desenvolvimento da DTAI ......................................................................... 14
3.2.4.1-Fatores genéticos ................................................................................... 14
3.2.4.2- Fatores ambientais ............................................................................... 17
3.2.4.3- Sistema imunlógico .............................................................................. 17
3.3- Prolapso valvar mitral ...................................................................................... 20
3.3.1-Conceito ...................................................................................................... 20
3.3.2- Epidemiologia ............................................................................................ 20
3.3.3- Classificação do prolapso ........................................................................... 20
3.3.4- Etiologia ..................................................................................................... 21
3.3.5- Anatomopatologia ...................................................................................... 22
3.3.6- Quadro clínico ............................................................................................ 23
3.3.7- Diagnóstico ................................................................................................ 24
3.3.8- Ecocardiograma ......................................................................................... 26
3.3.9- História natural do prolapso ...................................................................... 26
3.4- Prolapso valvar mitral e doença tireoideana auto-imune ................................. 29
4- Pacientes e Métodos......... .............................................................................. 32
4.1- Descrição da amostra ......................................................................................... 32
4.1.1- Critérios de inclusão ...................................................................................... 32
4.1.2- Critérios de exclusão ................................................................................... 32
4.2- Metodologia ........................................................................................................ 33
4.2.1- Avaliação ecocardiográfica ........................................................................... 33
4.2.2- Avaliação clínica ............................................................................................ 33
4.2.3- Avaliação laboratorial .................................................................................... 34
4.3- Análise estatística ............................................................................................... 34
5- Resultados ......................................................................................................... 36
5.1- Distribuição por sexo ........................................................................................ 36
5.2- Idade ................................................................................................................. 36
5.3- Hormônio tireoestimulante .............................................................................. 36
5.4- Anticorpo anti-tireoperoxidase ........................................................................ 38
5.5- Correlação entre disfunção tireoideana e auto-imunidade ............................... 39
5.6- Índice de massa corporal .................................................................................. 40
5.7- Prolapso de valva mitral ................................................................................... 40
5.8- Sintomas relacionados ao prolapso ................................................................... 41
5.9- História de doença auto-imune .......................................................................... 41
6- Discussão ............................................................................................................ 42
7- Conclusões ......................................................................................................... 47
8- Referências Bibliográficas ........................................................................... 48
9- Anexos ................................................................................................................. 59
9.1- Características dos pacientes com prolapso .................................. 59
9.2- Características do grupo controle .................................................. 60
9.3- Consentimento informado do prolapso .........................................61
9.4- Consentimento informado do grupo controle ...............................62
9.5- Aprovação do Comitê de Ética e pesquisa ................................... 63
9.6- Ficha de dados dos pacientes ...................................................... 64
9.7- Trabalho apresentado em congresso ............................................ 66
1- INTRODUÇÃO:
A doença tireoideana auto-imune (DTAI) é caracterizada pela presença de anticorpos antitireoideanos, podendo levar ou não à disfunção tireoideana. Como apresentações clínicas de
DTAI temos a doença de Graves, tireoidite auto-imune crônica e tireoidite sub-aguda. A
tireoidite auto-imune crônica é caracterizada pela tireoidite de Hashimoto (bociogênica) e
tireoidite atrófica (não bociogênica). A tireoidite silenciosa é uma variação da tireoidite
auto-imune crônica, sendo de caráter transitório; podendo cursar com hipertireoidismo e/ou
hipotireoidismo. Quando esta ocorre no período pós-parto é denominada de tireoidite pós
parto. A doença de Graves cursa com bócio difuso tóxico, tireotoxicose, oftalmopatia e
dermopatia infiltrativa.
Sabe-se que na DTAI ocorre uma perda da tolerância aos antígenos tireoideanos. A tireóide
apresenta em seu interior moléculas que funcionam como antígenos, dentre eles destacamos
a tireoperoxidase, receptor de TSH, tireoglobulina, entre outros. O estudo NHANES III
encontrou hipotiroidismo em 4,6% da população dos Estados Unidos e hipertireoidismo em
1,3%. O anticorpo anti-TPO era positivo em 13% e anti-tireoglobulina 11,5%.[27] O estudo
do Colorado encontrou uma prevalência de 9,5% de níveis de TSH elevados e 2,2% de
TSH diminído.[12] Para que a DTAI se desenvolva é nescessário que haja um desequilíbrio
nas imunidades humoral e celular em associação a fatores genéticos e ambientais. Um
evento desencadeador inicial (por exemplo estresse ou infecção) promove uma diminuição
no número e função dos Linfócitos T CD8+ (supressor/ citotóxico) e aumento dos linfócitos
T CD4+ (helper). Os linfócitos T helper são subdivididos em Th1 e Th2; sendo a célula
Th1 responsável pela liberação de citocinas (IL-2, IL-12, INF-γ, TNF) e célula Th2 produz
interleucinas (IL-2, IL-4, IL-6) que ativam os linfócitos B a produzirem anticorpos contra
os antígenos tireoideanos.
Na doença de Graves o anticorpo se liga ao receptor de TSH (TSHRAbs) ativando o
receptor produzindo os mesmos efeitos do TSH.
Os anticorpos inibitórios também podem ser encontrados no Graves, em quantidade menor;
assim como o anticorpo anti-tireoglobulina.
Na tireoidite de Hashimoto o anticorpo se liga ao receptor de TSH de forma inibitória. O
anticorpo anti-tireoperoxidase (anti-TPO) e anti-tireoglobulina (anti-TG) podem ser
citotóxicos à célula tireoideana. O gene CTLA4 parece estar associado ao desenvolvimento
de anticorpos anti-tireoideanos, tanto na doença de Graves como na tireoidite autoimune.[3,43,58,59,60]
Existe uma associação do sistema HLA e DTAI. Na doença de Graves foi encontrada uma
alta incidência de HLA-B8, HLA-DR3, HLADQA1*0501 em caucasianos, HLA-BW46 e
HLA-B5 em chineses; HLA-B17 em negros. Na T. de Hashimoto atrófica HLA-B8 e HLADR3 foram encontrados em caucasianos e na tireoidite com bócio HLA-DR5 e HLADR3.[58,59]
A DTAI também pode estar associada a outras doenças auto-imunes como o Lúpus
eritematoso sistêmico, esclerodermia, artrite reumatóide, entre outras. [29,38 ]
Outros genes ainda em estudo parecem conferir uma suscetibilidade aumentada à doença
tireoideana como GD-1 (cromossoma 14q31),GD-2 (cromosoma 20) e no cromossoma
X.[59]
O prolapso valvar mitral (PVM) também parece estar associado a DTAI, pois é encontrado
com uma freqüência elevada tanto na doença de Graves como na t. de Hashimoto. Essa
associação tem sugerido o envolvimento de mecanismos auto-imunes na patogênese do
prolapso. [22]. Um aumento na secreção e acúmulo de glicoseaminoglicano (GAG) na
válvula cardíaca lidera o espessamento dos folhetos da valva mitral, caracterizando o
prolapso.[30]. Um distúrbio adicional da síntese do colágeno causa o prolapso redundante
para dentro do átrio esquerdo, também denominado de PVM mixomatoso. [30].
Desde a década de 90 que vários pesquisadores têm demonstrado uma prevalência
aumentada de PVM na DTAI. Channick e col, demonstraram uma prevalência aumentada
de PVM em pacientes com hipertireoidismo (43%) e hipotireoidismo (41%).[13,40]
Tanto a DTAI como o PVM, podem ser determinados geneticamente, pois estão associados
ao HLA.
3- FUNDAMENTOS TEÓRICOS
3.1- AUTO-IMUNIDADE
O sistema imunológico é caracterizado pela imunidade humoral e celular reagindo à
determinados antígenos. Os linfócitos B e T são responsáveis pelo reconhecimento dos
antígenos.
Os linfócitos T desenvolvem-se a partir de precursores de células tronco no fígado
fetal e medula óssea e durante sua permanência no timo se diferenciam em vários tipos
celulares. Os linfócitos T maduros estão presentes no timo, baço, linfonodos na pele e
outros órgãos linfóides; e no sangue periférico.
Os linfócitos B são provenientes de células precursoras no fígado fetal e medula
óssea e são encontrados em todos os órgãos linfóides e no sangue periférico.
Os linfócitos desenvolvem-se através de estágios direto de um “pool” de células que
podem ser operacionalmente definida e reconhecida por aquisição de determinantes
antigênicos específicos. Os linfócitos B e T expressam antígenos classe I (HLA-A, B, C) do
complexo de histocompatibilidade maior (MHC) na sua superfície; e as células B
expressam antígenos classe II (HLA-DR, DP, DQ). As células T ativadas também
expressam antígenos classe II na sua superfície e são descritas como “DR+” (ou Ia+).[63]
3.1.1- Linfócitos T e moléculas de superfície:
Os linfócitos T apresentam em sua superfície receptores
capazes de reconhecer o complexo antígeno/HLA (receptores de
célula T – TCR), moléculas acessórias que reconhecem
determinantes HLA, moléculas de adesão que reconhecem antígenos
presentes nas células APCs (células apresentadoras de antígenos).
No Timo os linfócitos T sofrem diferenciação em CD4+ (helper) e
CD8+ (citotóxico), para em seguida serem ativados na periferia.
Após a ativação, as células T apresentam novos receptores para
citocinas, produtos hormonais produzidos principalmente por
macrófagos e células T e B. Os linfócitos T podem ser classificados
em T helper1 (Th1) e T helepr2 (Th2). As células Th1 produzem
citocinas como interleucina 2 (IL-2), interleucina 12 (IL-12),
interferon-gama (INF-γ) e Fator de necrose tumoral (TNF) que
predominam em reações de hipersensibilidade retardada. As células
Th2 produzem IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e IL-13, que por sua vez
estimulam as células B a produzirem anticorpos, como acontece em
algumas doenças auto-imunes (lupus, artrite reumatóide, etc.) [38 ]
3.1.2-Receptor da célula T:
O receptor (TCR) consiste em heterodímeros ligados por
pontes dissulfeto e apresentam duas cadeias TCR-a e TCR-b que
acoplam cinco ou mais peptídeos, formado o complexo CD3. Uma
pequena proporção de células T possuem cadeias TCR-g e TCR-d.
As cadeias de peptídeos “a”, “b”, “g” e “d” são derivados de
rearranjos de genes codificados por proteínas que são únicas em
cada clone de célula. Os genes das cadeias TCR são extensos e
contém 40 a 100 segmentos diferenciados como: V (variável), D
(diverso), J (juncional), C (constante). Durante o desenvolvimento
de cada célula T os segmentos são rearranjados produzindo uma
única seqüência de genes. Essa combinação de diferentes segmentos
V, J, D, C e variações adicionais na seqüência de DNA introduzida
na região J e D durante a recombinação, promove uma enorme
diversidade de TCRs específicos para reconhecimento de antígenos
da célula T.
Os antígenos específicos dos TCRs são desenvolvidos devido instruções genéticas
intrínsecas, e não em resposta à exposição aos antígenos. Esse processo significa que todos
os indivíduos podem (antes da deleção clonal) ter formadoTCRs capazes de reconhecer
antígenos tireoideanos, assim como outros. O “set” de segmentos A, D, J presentes na
herança e as cadeias TCRa, b, g diferem de outros genes individuais adquiridos. Cada
célulaT individual e sua progenitora tem o gene re-arranjado com uma única combinação
de segmentos V, D e J. Baseado em estudos, é evidente que segmentos V específicos são
preferencialmente usados em resposta a certos antígenos. A variabilidade de cada segmento
V no repertório do TCR favorece uma resposta imune a cada antígeno específico, incluindo
um auto-antígeno. Cada TCR reconhece uma seqüência antigênica específica, que consiste
em 8-9 aminoácidos da classe I restrito à célula T, e 13-17 aminoácidos da classe II. A
resposta de cada célula T individual (e de cada célula B) é extremamente específica, mas o
efeito combinado de várias células T e B agindo juntas é observado numa resposta final
“policlonal”.[37,63]
As células T reconhecem o antígeno em associação à moléculas do sistema HLA
(Human Leucocyte Antigens). O TCR se liga à moléculas HLA para reconhecer antígenos
pequenos e solúveis.[37,63]
3.1.3- Sistema HLA:
O sistema HLA localiza-se no braço curto do cromossomo 6, e seus genes são
classificados em classe I, II e III. Os genes da classe I codificam moléculas A, B, C, E, F,
G, H, J, K e L; sendo encontradas na superfície das células nucleadas. As moléculas classe I
apresentam duas cadeias: uma cadeia pesada α, que se subdivide em α1, α2, α3 e a cadeia
leve da β2 microglobulina. A cadeia α é altamente polimórfica, especialmente α1 e α2. A
sua função juntamente com as moléculas da classe II, é distribuir um peptídio derivado de
antígenos estranhos para a superfície celular, visando ao reconhecimento por linfócitos T.
Os genes da classe II codificam moléculas DR, DQ, DP, DO, DM encontradas em células
apresentadoras de antígenos (APCs) como macrófagos, linfócitos B, células dendríticas. As
moléculas da classe II são heterodímeros constituídos por uma cadeia α (α1/α2)e uma
cadeia β (β1/β2). A classe III apresentam moléculas que são componentes do sistema do
complemento e algumas citocinas como: C4 e C2,
fator
B da via alternativa do
complemento, fator de necrose tumoral (TNF-α e TNF-β) e citocinas (IL-2, IL-6,
etc).[23,37,63]
3.1.4- Moléculas co-receptoras:
Na superfície dos linfócitos T existem moléculas CD4 e CD8 que subdividem as
células T em dois grupos. As moléculas CD4 e CD8 se ligam ao complexo TCR-CD3 e
participam da adesão e transdução do sinal, durante o reconhecimento do antígeno. O CD4
encontra-se na superfície das células T helper e tem a capacidade de se ligar a moléculas
HLA classe II; enquanto o CD8 é encontrado na superfície de células T citotóxicas,
ligando-se a moléculas HLA classe I.
Existem moléculas que auxiliam o complexo peptídeo-MHC a estimular as células
T. Um ligante importante é o B7, encontrado nas células de apresentação ao antígeno
(APCs) e capaz de estimular a ativação e crescimento das células T. N a célula T o B7 se
liga ao receptor CD28. O receptor quando é ligado ao B7 ou a anticorpos age estimulando
as células T. Quando anticorpos se ligam ao B7 inibindo seu acoplamento ao receptor
CD28, inibem as células T. Após ativação das células T, estas expressam um outro receptor
denominado CTLA-4 (antígeno 4 do linfócito T citotóxico ), que se liga a B7 com maior
afinidade.[63]
3.1.5- A resposta imune:
As células T reconhecem o antígeno em associação com uma molécula HLA. As
células T CD4+ reconhecem moléculas classe II (HLA-DR, DP, DQ) juntamente com
antígeno, e as células T CD8+ reconhecem moléculas classe I (HLA-A, B,C) ativadas por
antígenos. O antígeno permanece dentro de uma fenda na molécula HLA-DR. Os peptídeos
associados ao complexo CD3 são transdutores de sinais e iniciam o evento intracelular,
seguindo o reconhecimento do antígeno. A resposta normal procede via reconhecimento do
antígeno via TCR, ativação da célula T através do efeito combinado do reconhecimento do
antígeno com sinais coestimulatórios incluindo interleucinas (IL-1), liderando secreção de
células T e IL-2, expressão de receptor de IL-2 seguido pela proliferação de células T a
partir de um clone ativado. Em seguida ocorre uma proliferação de células B e produção de
imunoglobulinas (anticorpos). [36,63]
O desenvolvimento dos linfócitos é controlado por citocinas liberadas pelos
macrófagos, linfócitos e outras células. Ambas células T e B liberam uma larga variedade
de citocinas que carregam suas funções efetoras e alteram a função de outras células. Como
os linfócitos maturam no timo e se tornam ativadas em exposição ao antígeno, o tipo de
citocina com o qual eles respondem e produzem se tornam alteradas.
Como dito
anteriormente, os tipos de linfócitos podem ser operacionalmente definidos pelas citocinas
produzidas. As células Th1 produzem IL-2, IFN-γ e TNF, enquanto as células Th2
produzem IL-4 e IL-5. As citocinas produzidas por células Th1 melhoram a atividade dessa
subunidade, mas inibe a célula Th2 e vice-versa. Esse tipo de regulação pode ser crítico em
determinar uma resposta imune e fenômeno supressor.
Cada célula B produz uma única imunoglobulina (Ig) programada por um gene da
Ig que tem sido rearranjado dos segmentos germinativos V, D, J e C; promovendo uma
diversidade de famílias de Igs. Algumas imunoglobulinas podem ser anticorpos e outras
reconhecem outros antígenos, incluindo antígenos “self ” (próprio).[37,63]
As células B secretam suas imunoglobulinas dentro de fluidos, e a maioria é
remanejada para a superfície; onde podem se ligar ao antígeno com o qual é reconhecido
por uma Ig específica. A imunoglobulina de superfície é um receptor de célula B para
antígeno, apresentando uma face específica ou “idiotipo” que encaixa com a conformação
da molécula do antígeno “epítopo”.
3.1.6-Apresentação do antígeno:
Os antígenos originados dentro da célula são preferencialmente presenciados por
moléculas classe I através CD8+. As moléculas classe II estão diretamente na apresentação
de antígenos externos ou aloantígenos às células CD4+.
O antígeno pode ser apresentado às células T CD4+ por APCs convencionais,
particularmente células dendríticas e também por células B e T ativadas; e menos
efetivamente por uma variedade de outras células (fibroblastos, células gliais, tirócitos). Os
APCs não-clássicos não podem originar os sinais co-estimulatórios necessários, incluindo
B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86) que se ligam a CD28 na célula T; sendo necessárias para
ativação de algumas células T. Caso a molécula de B7 se ligue ao CTLA-4 (CD152), a
resposta imune é terminada. Não se sabe ao certo qual a função de B7-1 e B7-2.
As células B captam o antígeno através da ligação da imunoglobulina (Ig) com a
superfície do antígeno e internaliza o complexo imunoglobulina-antígeno. Na célula B o
antígeno é degradado em peptídeos que podem ser destruídos ou reaproveitados, e surgem
na superfície da célula T como epítopos do antígeno.
O antígeno (Ag) segue normalmente a via do Ag-APC-célula T, mas pode seguir o
caminho Ag-célula B-célula T; pois a célula B apresenta imunoglobulina na sua superfície
que a torna capaz de captar o antígeno para apresentá-lo à célula T.[63]
3.1.7- Resposta das células B e T:
A apresentação do antígeno, e do sinal secundário são necessários para ativação das
células T e iniciar a resposta imune. A co-estimulação é feita por B7 ou CTLA-4,
juntamente com moléculas de adesão (LFA-1, ICAM-1, ICAM-2). Após o reconhecimento
do antígeno a célula T ocorre, a produção de IL-1, que leva a estimulação da célula T; que
por sua vez expressa receptores para IL-2 e secreta ela mesma IL-2. Ocorre a proliferação
de outras células T nas proximidades. Além de secretar IL-2, a célula T secreta IL-4, IL-5 e
IL-6. A IL-4 e CD40 estimulam a proliferação de células B. As células B secretam
citocinas próprias que podem regular para mais ou para menos a resposta imune.[36,63]
Algumas células T CD4+ e CD8+ parecem prover sinais supressores. A resposta
supressora parece envolver a formação de anticorpos via célula B direto para a célula T,
causando destruição da mesma. As células CD4+ e CD25+ podem ser determinadas como
regulatórias ou “treg cells”, que podem prevenir auto-imunidade. A supressão parece
depender do APC, pois sua ativação libera IL-6 que favorece a predominância de células T
sobre os “treg cells”. O receptor CD28 é necessário para o desenvolvimento e manutenção
das células “treg”.
As células Th1 e Th2 podem servir como modelo de supressão. As células Th2
podem apresentar função efetora patológica ou reguladora da resposta Th1.
3.1.8-Tolerância imunológica:
O desenvolvimento da tolerância está fortemente associado com restrição ao TCR
em reconhecer o antígeno quando apresentado à molécula HLA. O antígeno pode estar no
timo ou na circulação periférica. Algumas células T reagem com moléculas MHC e
antígeno,e são deletadas, enquanto outras são retidas. Mecanismos que agem fora do timo
completam a seleção de células T. As células “treg” quando estimuladas por B7-1 inibem
sua função supressora, enquanto B7-2 ativam essa função. A IL-2 é importante para o
desenvolvimento e expansão do “treg” e representa um papel relevante na resposta autoimune.[63]
Durante a maturação no timo, muitos linfócitos produzidos são selecionados
negativamente e morrem através de um processo descrito como “morte celular
programada” ou “apoptose”. Esse processo envolve vários genes como Fas, sendo que
defeitos neste promovem proliferação de células T.
3.2- AUTO-IMUNIDADE TIREOIDEANA
Como citado anteriormente a DTAI se desenvolve a partir da produção de
anticorpos contra antígenos tireoideanos. Os três antígenos mais importantes são: a
tireoglobulina, o receptor de TSH e a tireoperoxidase.
3.2.1- Tireoglobulina:
A molécula de tireoglobulina é uma glicoproteína com peso molecular elevado (670
Kda), sintetizada pelas células tireoideanas na qual T3 (triiodotironina) e T4
(tetraiodotironina) são produzidas. Apresenta em sua molécula 140 resíduos tirosil e cerca
de 10% de carboidratos na forma de manose, N-acetilglicoseamina, galactose, fucose, ácido
siálico e sulfato de condroitina. Na sua extremidade amino localiza-se um sítio para
hormonogênese, outros três sítios localizam-se na extremidade carboxil. Sua estrutura
difere de uma pessoa para outra, e apresenta homologia com a molécula da
acetilcolinesterase. A tireoglobulina tem função de armazenar os hormônios tireoideanos
T3(triiodotironina), T4 (tiroxina) e MIT(monoiodotirosina) e DIT(diiodotirosina). Alguns
estudos em animais sugeriram que a sua antigenicidade está no conteúdo do iodo, mas
estudos em humanos não confirmaram essa hipótese. O anticorpo anti-tireoglobulina (antiTg) é detectado na maioria dos pacientes com GD e HT. O gene da tireoglobulina está
localizado no cromossomo 8q24.[26, 35, 63 ]
3.2.2-Receptor de TSH:
O receptor de TSH (TSH-R) é uma glicoproteína de 764 aminoácidos, sendo uma
seqüência de 744 aminoácidos e 20 aminoácidos sinalizadores. O TSH-R é caracterizado
por uma porção extra-membranosa, sete alças trans-membrana e um domínio intra-celular
que se liga a subunidade GS da adenilciclase. Segmentos do domínio extra-celular
comportam a subunidade “A”, incluindo aminoácido 12-30 e 324-344 envolvidos na
ligação do TSH. Os anticorpos reconhecem a área estimulatória da extremidade NH2terminal, e se ligam próximo à superfície na região dos aminoácidos 261-370 ou 388-403/
funcionando como TS-+Ab. Um anticorpo reconhece preferencialmente a subunidade “A”,
e não todo o receptor. Isso sugere que a subunidade “A” pode iniciar e amplificar a resposta
imune. Pacientes com doença tireoideana auto-imune podem apresentar anticorpos
estimulatórios (TSAb ) ou inibitórios (TBII), e o quadro clinico vai depender da potência
relativa de cada espécie.[35,63 ]
3.2.3- Tireoperoxidase:
A tireoperoxidase (TPO) é uma proteína de 110Kda, presente na membrana da
célula folicular tireoideana. Tem a função de promover a oxidação de íons iodeto quanto à
incorporação de iodo aos resíduos tirosina da tireoglobulina. Sua síntese é estimulada pelo
TSH. O anticorpo anti-tireoperoxidase era conhecido como anti-microssomal.[61] O
anticorpo anti-TPO juntamente com o anticorpo anti-tireoglobulina promovem a destruição
da célula tireoideana. O anti-TPO também é encontrado em indivíduos sem doença
tireoideana (prevalência de 12-26%)[49], e em outras doenças auto-imunes como Lúpus
eritematoso sistêmico, esclerodermia, síndrome de Sjogren, etc.[38 ]
3.2.4-Desenvolvimento da DTAI:
Para que ocorra a DTAI é necessário que haja um desequilíbrio do sistema
imunológico (imunidades humoral e celular), juntamente com fatores genéticos e
ambientais.
3.2.4.1-Fatores genéticos:
O sistema HLA está associado tanto à doença de Graves como à tireoidite de
Hashimoto. Na doença de Graves (GD), foi encontrado inicialmente uma associação com
HLA-B8 em caucasianos. Posteriormente o HLA-DR3 foi considerado mais importante. A
freqüência de HLA-DR3 na doença de Graves é de 40-55%. Nos japoneses o HLA-B35
tem forte associação com a doença de Graves, enquanto a população chinesa tem uma
freqüência maior de HLA-BW46. Os afro-americanos apresentam uma associação maior de
GD com HLA-DRB3* 0202. Na população brasileira o HLA-DR3 foi o principal. Dentre
os caucasianos o HLA-DQA1*0501 também foi relacionado com a doença de Graves. [58 ]
Na tireoidite de Hashimoto (HT) pesquisou-se a associação do HLA com a tireoidite
bociogênica ou atrófica. O HLA-DR5 está relacionado à tireoidite com bócio, enquanto o
HLA-DR3 com a forma atrófica da doença. O HLA-DQW7(DQB1*0301) também foi
reportado nos caucasianos. Na população não-caucasiana, o HLA-DRW53 foi descrito nos
japoneses.[58]
O antígeno-4 do linfócito T citotóxico (CTLA-4) parece conferir suscetibilidade
aumentada à DTAI.[ 3,19, 58,60] Mutações que alterem a sua expressão e/ou função podem
resultar em uma ativação exagerada da célula T e desenvolver a auto-imunidade, podendo
estar associado tanto à GD como à tireoidite de Hashimoto. Alguns estudos têm
demonstrado que o CTLA-4 confere uma suscetibilidade para a produção de anticorpos
anti-tireoideanos.[3, 58,60]
Alguns pesquisadores têm sugerido, que dependendo do tipo de polimorfismo do
CTLA-4, o mesmo pode contribuir para a severidade da tireotoxicose. O CTLA-4 tem sido
associado à GD em crianças. [ 58 ] Vaidya e col. reportaram uma ligação entre a região do
gene CTLA-4 no cromossomo 2q33 em famílias com GD, embora essa região contenha
outros genes reguladores do sistema imune como o CD28. [60 ]
Algumas regiões cromossômicas tem sido associadas à DTAI como o cromossomo
X, região 14q, 20q, lócus do IDDM (diabetes mellitus tipo 1).[58 ]
O cromossomo X foi sugerido, pois a DTAI é cinco vezes mais freqüente em
mulheres. O estrogênio para alguns pesquisadores parece colaborar com a DTAI, enquanto
para outros não. Anormalidades no cromossomo X podem ser responsáveis pela incidência
aumentada de DTAI nas mulheres. Na síndrome de Turner existe uma prevalência
aumentada de anticorpos anti-tireoideanos e desenvolvimento da DTAI.[4] O lócus do
cromossomo Xq21 e Xp11 também são candidatos para a DTAI, mas dependem de
confirmação. [4]
O IDDM também está associado com DTAI, pois muitos pacientes apresentam
anticorpos anti-tireoideanos e podem desenvolver DTAI. Um lócus do gene do CTLA-4 é
compartilhado pelo IDDM e DTAI. O cromossomo 18q também foi relatado num estudo no
Reino Unido.[5 8]
A região 14q que abriga o gene do receptor de TSH foi relacionada com GD, mas
necessita de confirmação.[58]
A região 20q11 abriga o gene da molécula CD40, e está
fortemente associada à GD, mas não à HT. [4,,58]
A IL-4 está fortemente associada ao desenvolvimento da
AITD, uma baixa atividade da IL-4 pode resultar no
desenvolvimento maior de imunoglobulinas (IgG1). Polimorfismos
no gene da IL-4 podem desencadear a doença de Graves. [28 ]
Tomer descreveu sete lócus relacionados à DTAI: três ligados
à doença de Graves (GD), GD-1 no cromossomo 14q31, GD-2 no
cromossomo 20q11 e GD-3 no cromossomo Xq21; e dois ligados à
tireoidite de Hashimoto (HT), HT-1 no cromossomo 13q32 e HT-2
no cromossomo 12q22. Um lócus no cromossomo 6p estava ligado à
GD e HT, e outro no cromossomo 2q33 associado à anticorpos antitireoideanos.[59]
3.2.4.2- Fatores ambientais:
Dentre os fatores ambientais destacamos o estresse, infecção,
gestação, uso de iodo ou drogas que contenham iodo ou radiação.
A infecção da própria glândula tireóide (tireoidite) pode estar
associada a fenômeno auto-imune. A infecção pela Y. enterocolitica
também foi relacionada à DTAI, pois esta pode mimetizar antígenos
tireoideanos.
O estresse pode suprimir a resposta imune devido aos efeitos
do cortisol e do ACTH (hormônio liberador de corticotrofina). Após
o período do estresse existe uma recuperação em excesso do sistema
imunológico, o que precipita a doença tireoideana. Durante a
gravidez ocorre também uma supressão do sistema imunológico, e à
medida que a gestação progride a doença tende a melhorar. No
período pós-parto ocorre um rebote e a resposta imune se exacerba.
O uso de iodo ou drogas como amiodarona podem precipitar a
doença de Graves, principalmente em áreas deficientes em iodo;
permitindo que anticorpos estimuladores do TSHR sejam mais
efetivos em estimular a síntese de hormônio tireoideano.
3.2.4.3-Sistema imunológico:
Para que ocorra o desenvolvimento da DTAI deve haver inicialmente a apresentação
do antígeno às células T, através dos APCs. O antígeno no receptor da célula T é
reconhecido com a ajuda de moléculas HLA. As células CD8+ reconhecem antígeno na
presença de proteínas HLA classe I (HLA-A, B, C), e CD4+ com a presença de proteínas
classe II (HLA-DR, DQ,DP). Ocorre uma diminuição do número e função dos linfócitos T
CD8+ (supressor/citotóxico) e um aumento dos linfócitos T CD4+ (helper). Os linfócitos T
helper podem ser classificados em Th1 e Th2; sendo a célula Th1 responsável pela
liberação de citocinas (IL-2, IL-12, INF-γ, TNF) e as células Th2 produzem IL-2, IL-4, IL6 as quais ativam os linfócitos B a produzirem imunoglobulinas (anticorpos) contra os
antígenos tireoideanos. Os anticorpos que se ligam a um epítopo importante do receptor de
TSH (TSH-R) e ativam o receptor produzindo os mesmos efeitos do TSH, podem ser
referidos como TSI ou TSAB (thyroid stimulating immunoglobulins or thyroid stimulating
antibodies). Outros anticorpos podem se ligar de modo diferente ao receptor e são
conhecidos como TBI (thyroid biding inibitory immunoglobulins). O TSI (TSAB) causa
estimulação da função tireoideana não TSH dependente, causando hipertireoidismo. O TBI
caracteriza anticorpos bloqueadores do TSH. A predominância do TSI caracteriza a doença
de Graves e
TBI podem ser encontrados no Graves, T. de Hashimoto e mixedema
primário.
As citocinas desempenham um papel importante no processo auto-imune, podendo
ter efeitos diretos ou indiretos. O interferon-γ (INF-γ), é produzido na tireóide através da
infiltração de linfócitos T e causa a expressão de moléculas HLA classe I na superfície da
célula tireoideana que inicia e aumenta a expressão de moléculas HLA classe II. O INF-γ
também apresenta função inibitória direta na iodação e síntese de tireoglobulina. Ele não é
essencial para o desenvolvimento da DTAI, mas exacerba a atividade da doença. A IL-2
pode ativar os linfócitos a produzirem INF-γ e ativar células T CD4+.O fator de necrose
tumoral (TNF) é produzido pelos macrófagos e potencialmente citotóxico à célula
tireoideana. A IL-1 ativa mais células T. A IL-6 estimula mais células T e B. A
manifestação clínica da doença vai depender em parte do tipo de anticorpo que predomina
na tireóide; se estimulatório ou inibitório.
A apoptose celular envolvendo o Fas e Fasl
desencadeia a Tireoidite de Hashimoto. Na doença de Graves a célula folicular tireoideana
não expressa moléculas Fas funcionantes, além das células Th2 e tireoideanas serem
resistentes ao Fasl (ligante do Fas). A resistência à apoptose é dirigida pelas citocinas
lilberadas pelas células Th2, como IL-4 e IL-10. O resultado é uma destruição das células T
e sobrevivência das células tireoideanas. Na T. de Hashimoto a célula folicular tireoideana
expressa moléculas Fas funcionantes , induzidas pelo INF-γ liberado pela célula Th1. A
expressão do Fas na célula tireoideana induz apoptose via Fasl da própria célula folicular
ou do Fasl da célula Th1. Ocorre a destruição da célula tireoideana e proliferação das
células T.[35,43]
Durante o desenvolvimento da T. de Hashimoto a via do complemento pode ser
ativada pela via clássica dependente do anticorpo ou pela via da TPO, que procede com C4
ligando-se à TPO. A expressão do C4 no tecido é induzida pelo INF-γ. [7 ]
Sabemos que CD28-CTLA-4 moléculas B7 desempenham um papel importante
como co-estimuladores das células T. Existem duas moléculas B7, denominadas B7.1
(CD80) e B7.2 (CD86). O gene do CD86 está localizado no cromossomo 3q13-q23, e do
CD80 no cromossomo 3q13-q21. Battifora demonstrou a presença de moléculas coestimulatórias B7.1 nas células foliculares tireoideanas na T. de Hashimoto e não na
doença de Graves. [6 ]
3.3-PROLAPSO VALVAR MITRAL
3.3.1-Conceito:
O prolapso da valva mitral (PVM) é também conhecido como
síndrome de Barlow, síndrome do estalido sistólico, da cúspide
mitral crescida, da valva mitral mixomatosa, da valva frouxa ou da
cúspide redundante.[11] É uma afecção benigna, caracterizada pelo
abaulamento sistólico de uma ou ambas cúspides para o interior do
átrio esquerdo (AE); sendo atribuído a um enfraquecimento das
cúspides em conseqüência de processo degenerativo: a degeneração
mixomatosa.[11]
3.3.2- Epidemiologia:
Sua prevalência é de 3 a 5%, sendo duas vezes mais freqüente
nas mulheres que em homens.[11, 42 ]. A faixa etária mais
prevalente é de 14 a 30 anos, podendo se estender para outras faixas
etárias.[ 10 ]
O estudo de Framingham demonstrou a prevalência de PVM
em 5% dos 4967 indivíduos avaliados. A prevalência de PVM nas
mulheres variava de 3% (idosas) e 7% nas jovens. Nos homens
permanecia em torno de 2-4%.[53]
3.3.3- Classificação do prolapso:
O PVM pode ser denominado de clássico quando apresenta um abaulamento de um
ou ambos folhetos mitrais acima de 2mm, e um espessamento superior a 5mm. O PVM não
clássico é definido como um abaulamento superior a 2mm e um espessamento inferior a
5mm.[ 24].
O PVM pode ser classificado em primário e secundário.[5,11 ] O prolapso primário
tem como base anatomopatológica a degeneração mixomatosa; tendo como exemplo a
síndrome de Marfan, Ehlers Danlos, osteogênesis imperfecta, pseudoxantoma elástico,
periarterite nodosa, distrofia miotônica, hipertireoidismo, doenças do tecido conectivo. No
PVM secundário não ocorre proliferação da região esponjosa da valva mitral; e o prolapso
é produzido por redução da cavidade do VE, desalinhamento dos músculos papilares,
sobrecarga volumétrica do VD, seja em doenças congênitas (comunicação inter-atrial) ou
adquiridas (febre reumática, insuficiência coronariana).[45 ]
3.3.4- Etiologia:
O prolapso é mais freqüentemente uma condição primária, não associado a outras
doenças[11],
mas
pode
ocorrer
nos
distúrbios
do
tecido
conjuntivo
citados
anteriormente.[11]. King, estudando a morfologia e histologia de valvas com PVM em
pacientes com regurgitação mitral severa, submetidos à troca valvar; observou que
dissolução do colágeno na valva complica o prolapso.[32]
O prolapso é uma anormalidade do tecido conectivo, caracterizado por um aumento
do tecido da esponjosa com invasão da fibrosa. A interrupção da continuidade fibrosa
parece ser a base para o enfraquecimento do folheto valvar.[48]
A etiologia do prolapso é incerta, existindo várias hipóteses. Em 1998, Kyndt e cols
avaliando pacientes com hemofilia do tipo A e distrofia valvular mixomatosa ligada ao
cromossomo X(XMVD), encontraram no cromossomo Xq28 um intervalo entre DXS8011
e Xqter uma área para a XMVD.[34]
Recentemente Chou e cols demonstraram que polimorfismos T4065C do gene do
ativador plasminogênio –uroquinase (PLAU T4065C) conferiam um risco aumentado de
PVM em chineses de Taiwan.[15] O mesmo pesquisador tentou encontrar no gene perlecan
(cromossomo 1p36.1-p35) uma região polimórfica (intron 6 BamHI), responsável pelo
PVM, mas não obteve êxito.[14] Avaliou também a possibilidade de polimorfismo no
códon 727 e 52 do gene do receptor de TSH, estar associado à síndrome do prolapso valvar
mitral numa população chinesa; mas também não obteve êxito.[16 ]
Szombathy e cols avaliando pacientes brancos com PVM, encontraram no gene do
receptor de angiotensina tipo II um polimorfismo (A-C1166) responsável pelo
prolapso.[56]
3.3.5-Anatomopatologia:
O critério macroscópico para PVM é um aumento da área do folheto, folhetos
opacos e espessos, corda tendínea alongada e fina e anulo mitral dilatado comparado a
indivíduos normais.[10] Ocorre uma proliferação mixomatosa, onde o componente
esponjoso não é muito acentuado, e aumento de mucopolissacarídeo, diminuição do
colágeno tipo III.[11,44].
À microscopia eletrônica na área mixomatosa da esponjosa as fibras elásticas estão
aumentadas em número, mas são menores e mais finas; dilaceradas e finamente granular.
Ocorre o acúmulo de proteoglicanos nos folhetos da valva e corda tendínea. As fibras
colágenas e fibras elásticas são separadas por esse material de proteoglicanos, que formam
grânulos brilhantes, uma malha de filamentos ou espículas e componentes amorfos. Os
componentes amorfos das fibras elásticas são fragmentados, de aparência granular e
demarcação pobre. As fibras colágenas são esparsas, irregulares e estrutura espiralada (mais
larga em diâmetro).[57]
Um estudo realizado por Rabkin e col, com tecido de valvas mixomatosas de
pacientes em troca valvar ou reparo comparado a valvas normais obtidas em autópsia;
observou
que as células intersticiais apresentavam miofibroblastos ativados e várias
enzimas catabólicas (catepsinas , IL-1β) que não alteram colágeno.[50 ]
Curti e col, estudando corações com prolapso, obtidos em autópsia constatou um
aumento do tecido elástico nas zonas de coaptação, sendo a maior parte do tecido valvar
constituído por tecido conjuntivo denso interposto por áreas de tecido mixomatoso.[18]
3.3.6-Quadro clínico:
A maioria dos pacientes permanece assintomática. Uma variedade de sintomas está
associada com PVM: dor torácica atípica, taquicardia, fadiga, fraqueza, dispnéia, síncope,
episódios neurológicos focais, amaurose fugaz, vertigem e distúrbios psicológicos. [47].
Em torno de 65% dos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico. Os
sintomas geralmente estão associados a arritmias ou regurgitação mitral.
Ao exame físico os pacientes geralmente apresentam baixo peso corpóreo, pressão
sanguínea normal ou baixa; anormalidades torácicas (pectus excavatum, escoliose). Alguns
apresentam hipotensão ortostática.
À ausculta cardíaca observa-se estalido sistólico logo após B1 (primeira bulha
cardíaca). Pode haver estalido meso ou telessistólico na borda esternal esquerda inferior. O
estalido pode vir acompanhado de sopro meso a telessistólico em crescendo até A2
(fechamento da valva aórtica). Quando o sopro se estender até o final da sístole, a
regurgitação mitral é grave.[ 11]
O estudo de Framingham comparando pacientes com PVM e indivíduos normais,
encontrou um aumento de oito vezes em mulheres e 20 vezes em homens de cliques
sistólicos nos pacientes com PVM [ 52], sendo em 8% das mulheres e 13% dos homens. O
sopro sistólico foi encontrado em 8% de ambos os sexos.[52]
As arritmias são muito comuns no PVM e incluem contrações atrial e ventricular
prematuras, taquiarritmias supra e ventricular, assim como bradiarritmias. A taquicardia
supraventricular paroxística é a mais comum das taquiarritmias. Gooch avaliou pacientes
com PVM com eletrocardiograma (ECG) em repouso e durante teste de esforço físico; e
observou que as arritmias diminuíam durante o teste de esforço e reapareciam
imediatamente após o exercício.[25]
O estudo de Framingham também avaliou a prevalência de arritmias nos pacientes
com PVM. Os indivíduos eram avaliados com ECG em repouso e monitorização de 24h
com ECG (Holter). A despolarização supraventricular prematura foi encontrada em 90%
dos pacientes com PVM, enquanto a despolarização ventricular em 89%. Apesar dos
resultados obtidos, os mesmos não foram considerados significativos, pois também eram
comuns nos indivíduos sem PVM. [54]
DeMaria e cols, também realizaram Holter e teste de esforço nos pacientes com e
sem PVM. O ECG em repouso demonstrou anormalidades no complexo QRS ou segmento
ST e onda T. A maioria apresentava depressão do segmento ST e inversão da onda T nas
derivações II, III e aVF. [20]
3.3.7-Diagnóstico:
Em 1986 e 1987 Perloff publicou os novos critérios para o diagnóstico clínico do
prolapso.[46,47 ] O mesmo subdividia os critérios em não–específicos, critérios maiores e
menores.
Os achados inespecíficos consistiam em:
-
Sintomas: dor torácica atípica, dispnéia, fadiga, fraqueza, vertigem, síncope, distúrbios
psicológicos.
-
Aparência física: anormalidades da caixa torácica, hipomastia.
-
Eletrocardiograma: inversão de onda T nas derivações de membro inferior, ou
precordiais laterais. Batimentos ventriculares prematuros no repouso, durante
exercício, ou no ECG ambulatorial. Taquicardia supraventricular.
-
Radiografia de tórax: escoliose, pectus excavatum ou carinatum ou perda de cifose
torácica.
-
Ecocardiograma: deslocamento sistólico superior e leve dos folhetos mitrais anterior ou
ântero-posterior.
Os critérios maiores são os seguintes:
-
Ausculta: Estalidos meso ou telessistólicos e sopro sistólico tardio, ou estridor isolado
ou em combinação no ápice cardíaco.
-
Ecocardiograma bidimensional: Deslocamento sistólico superior crítico dos folhetos
mitrais com ponto de coaptação no plano anular ou superior, deslocamento sistólico
superior leve a moderado dos folhetos mitrais com: ruptura de corda, regurgitação
mitral no Doppler, dilatação do anel.
-
Ecocardiograma mais ausculta: Deslocamento sistólico superior leve a moderado dos
folhetos mitrais com: estalidos proeminentes meso a telessistólicos no ápice cardíaco,
sopro holossistólico ou telessistólico apical no jovem, estridor telessistólico.
Critérios menores:
-
Ausculta: Primeira bulha cardíaca alta com um sopro holossistólico apical
-
Ecocardiograma bidimensional: Deslocamento sistólico superior leve a moderado
isolado do folheto mitral posterior, deslocamento sistólico superior moderado de
ambos os folhetos mitrais.
-
Ecocardiograma mais história de: Deslocamento sistólico superior leve a moderado de
folhetos mitrais com: Ataques neurológicos focais ou amaurose fugaz no jovem,
parentes de primeiro grau com os critérios principais.
3.3.8-Ecocardiograma:
O prolapso é melhor visualizado pelo ecocardiograma bidimensional, onde permitese observar um ou ambos os folhetos da valva mitral elevando-se para dentro do AE.
O ecocardiograma unidimensional observa-se um movimento posterior do folheto
posterior ou ambos os folhetos na mesossístole, com interface do folheto superior a 2mm
posterior à linha CD; ocorrendo simultaneamente com o estalido.
Os cortes ecocardiográficos que melhor demonstram o prolapso são o paraesternal
longitudinal, e apical de duas câmaras, longitudinal do VE e quatro câmaras (o mais
sensível). Os cortes longitudinais, paraesternal ou apical mostram o segmento posterior, o
apical de duas câmaras mostra o segmento medial e o apical de quatro câmaras o segmento
lateral do folheto posterior. O mais comum é o prolapso do folheto anterior.[41]
O pesquisador Wan comparou o diagnóstico de PVM pelo eco uni e bidimensional,
assim como entre observadores diferentes e o mesmo observador. O resultado obtido foi
que um mesmo observador diagnosticava um maior número de prolapso no eco bi
dimensional nos mesmos pacientes, em relação ao unidimensional. E o diagnóstico variava
entre observadores.[62]O diagnóstico de prolapso não deve se basear apenas no achado
ecocardiográfico e sim na síndrome.
3.3.9- História natural do prolapso:
A maioria dos pacientes é assintomática, e assim permanecem por muitos anos. A
complicação mais grave é a regurgitação mitral, podendo ser progressiva. A incidência
maior de regurgitação ocorre em pacientes com estalido e sopro associados. O grau de
regurgitação mitral depende da extensão do espessamento da valva e redundância. São
preditores para cirurgia valvar: regurgitação mitral severa, folheto mitral redundante e
espesso, idade do paciente, sexo masculino, evidência de dilatação ventricular e atrial
esquerda. A progressão da severidade da regurgitação aumenta com a idade.[10 ]
O risco de arritmias e morte súbita está aumentado nos pacientes com PVM. A
regurgitação mitral severa e folheto mitral redundante são fatores de risco para morte
súbita.[10] Avierino e cols, verificaram que além da RM, uma fração de ejeção <50%são
fatores de risco para a morte súbita.[2,55] Arritmias atriais complexas ocorrem nos
pacientes mais idosos com regurgitação mitral e dilatação atrial e ventricular
esquerda.[10] O risco arritmia ventricular e regurgitação mitral dependeriam do grau de
deslocamento do folheto mitral.[51,64 ]
Weissman relatou em pacientes com prolapso sem regurgitação mitral, folhetos
espessos, folheto anterior alongado e diâmetro anular largo; enquanto pacientes com
regurgitação tinham folhetos espessos e folheto posterior alongado.[64]
A prevalência de fenômenos embólicos pode estar aumentada em pacientes com PVM.
A endocardite é mais encontrada nos pacientes com regurgitação e sopro sistólico.[10]
Zuppiroli e cols avaliaram 316 pacientes com PVM durante o período de 1979 a 1986, e
confirmaram que as complicações do prolapso são mais freqüentes em homens, pacientes
mais idosos e com regurgitação mitral severa. Durante o “follow-up” onze pacientes
necessitaram de cirurgia valvar, 06 morreram de causas cardíacas, 07 desenvolveram
isquemia cerebral e 02 endocardite. [65]
Malkowski comparou 68 pacientes normais (sem PVM) com 58 pacientes com
prolapso mitral e avaliou espessura do folheto mitral, comprimento do folheto,
comprimento da corda e diâmetro anular. Esses parâmetros encontravam-se aumentados
nos pacientes com PVM e regurgitação mitral.[39]
3.4- PROLASPO VALVAR MITRAL E DOENÇA TIREOIDEANA AUTO-IMUNE
Sabe-se que tanto o hipertireoidismo como o hipotireoidismo, apresentam
manifestações cardíacas. A tireotoxicose pode cursar com sopros sistólicos de ejeção,
arritmias, hiperfonese de bulhas cardíacas, pressão arterial divergente, prolapso valvar
mitral entre outros.[17] O hipotireoidismo é caracterizado por bradicardia, hipofonese de
bulhas, pulsos periféricos fracos, pressão arterial convergente, estenose subaórtica
hipertrófica, prolapso da valva mitral etc.[17 ]
O prolapso na DTAI pode ser conseqüente à dilatação ventricular ou alterações
intrínsecas da valva mitral.
Na década de 90 vários pesquisadores estudaram DTAI e o prolapso, deixando em
dúvida a etiologia do mesmo. O prolapso é conseqüente às alterações hormonais
(hiper/hipotireoidismo) ou faz parte também da síndrome auto-imune?
Em 1981 Channick comparou pacientes com hipertireoidismo e indivíduos controle,
para a presença de prolapso; através de ecocardiograma uni e bidimensional. Os pacientes
com
hipertireoidismo
(n=40) eram
separados
em
dois
grupos:
pacientes
em
hipertireoidismo no momento do estudo (n=9) e pacientes em eutireoidismo (n=31). Desses
pacientes 17 (43%) tinham PVM enquanto 18% dos controles apresentavam essa
patologia.[13] A prevalência de prolapso não diferiu entre aqueles que eram ou foram
hipertireoideos. O mesmo pesquisador avaliou a prevalência de PVM em pacientes com
tireoidite linfocítica crônica e indivíduos controle. A prevalência de prolapso está
aumentada (41%) nos pacientes com tireoidite crônica comparado ao outro grupo (8%).
Nenhuma correlação foi encontrada entre a prevalência de PVM e a presença de
hipotireoidismo e níveis anticorpos anti-tireoideanos ou duração da tireoidite de
Hashimoto.[40] Kahali encontrou uma prevalência de 36% de PVM nos pacientes com
tireoidite crônica.[30]
Alvarado e cols, avaliaram a função tireoideana e o prolapso na doença de Graves.
Os portadores de Graves eram separados em dois grupos: eutireoideanos (n=16) e
hipertireoideos (n=16). A freqüência do prolapso em ambos os grupos foi similar (25% x
31%), enquanto no grupo controle (n=40) foi de 5%. A freqüência de anticorpo antimicrossomal foi semelhante entre os dois grupos com a doença de Graves.[ 1 ]
Brauman avaliou a prevalência de prolapso em pacientes com tireoidite linfocítica
crônica auto-imune (n=87), hipotireoidismo sem bócio (n=50) e indivíduos controle
(n=111). O prolapso foi encontrado em 16% dos pacientes com tireoidite crônica, 6% dos
hipotireoideos sem bócio e 5,4% do grupo controle.[ 9 ]
O prolapso mitral parece ser pouco freqüente na tireoidite auto-imune juvenil (JAT),
como observado por Blumberg. A incidência de prolapso na JAT foi de 4,3%; semelhante
ao da população juvenil normal.[ 8]
No músculo cardíaco encontramos o receptor de TSH (TSH-R), que sofrendo a ação
de anticorpos estimulatórios ou inibitórios alteram a função cardíaca.[21 ]
Khoo investigou uma família chinesa com doença de Graves. Dos quatro membros
portadores de Graves, três apresentaram prolapso. Uma mutação ativadora do receptor de
TSH, a substituição da serina por prolina na posição 639 (P639S) no sexto segmento transmembrana foi encontrado. A ativação do receptor de TSH poderia aumentar a expressão
clínica do prolapso em indivíduos com predisposição genética.[31 ]
Evangelopoulou avaliou a associação de PVM em pacientes com Doença de Graves
e T. de Hashimoto com índices auto-imunes como: anticorpo anti-nuclear (ANA),
anticorpo extraído do antígeno nuclear (ENA),anticorpo anti-músculo liso (SMA), antiDNA, fator reumatóide, anticorpo anti-fosfolipídio (aCL), imunoglobulinas, C3, C4, antiTPO, anti-tireoglobulina. O pesquisador observou que a prevalência de PVM era
aumentada nos pacientes com doença de Graves (28%) e com Tireoidite de Hashimoto
(23%), comparado ao grupo controle. Nos pacientes com HT e PVM foi detectada uma
incidência aumentada de ANA e ENA. Os níveis de fator reumatóide eram elevados nos
pacientes com prolapso. A incidência de aCL foi maior nos pacientes com HT e PVM,
comparado aos pacientes com HT e sem prolapso.[22 ]
Mesmo com alguns estudos ainda não podemos afirmar com certeza que o prolapso seja um
componente de uma síndrome auto-imune.
2- OBJETIVOS
Os objetivos do estudo são:
1. Avaliar a prevalência de disfunção tireoideana em pacientes portadores de prolapso
valvar mitral comparados a um grupo controle (indivíduos sem prolapso).
2. Avaliar a prevalência de auto-imunidade nos portadores de prolapso valvar mitral
quando comparados a um grupo controle.
4- PACIENTES E MÉTODOS
4.1- Descrição da amostra:
Foram estudados 70 pacientes de ambos os sexos, idade entre 18 e 75 anos, sem
história prévia de doença tireoideana.
Os pacientes foram divididos em dois grupos:
Grupo I: 40 pacientes com PVM
Grupo II: 30 controles (indivíduos sem prolapso)
Os pacientes com prolapso foram selecionados a partir do livro de registro do
serviço de Ecocardiografia (exames realizados no período de 2001, 2002, 2003) do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho- UFRJ. Os controles foram selecionados a partir do
serviço de Ecocardiografia de clínicas particulares, com a colaboração do Dr. Rodrigo
Fraguas França (médico ecocardiografista).
4.1.1- Critérios de inclusão:
1- pacientes de ambos os sexos
2- idade entre 18 e 75 anos
3- pacientes sem história prévia de doença tireoideana
4.1.2- Critérios de exclusão:
1- pacientes acima de 75 anos
2- crianças
3- gestantes
4- indivíduos com hepatopatias
5- indivíduos com insuficiência renal crônica
6- pacientes em uso de drogas que possam alterar as dosagens do Hormônio
tireoestimulante (TSH) e anticorpo anti-tireoperoxidase (ATPO), como por exemplo
amiodarona, AAS, heparina, entre outras.
7- História de disfunção tireoideana prévia
4.2- Metodologia
Foi realizado um estudo de coorte transversal, onde os pacientes eram avaliados
com uma única dosagem de TSH e ATPO. Alguns pacientes não necessitaram das
dosagens, pois apresentavam exames recentes no prontuário.
Após preencherem os critérios de inclusão ou exclusão, os pacientes eram informados
sobre a metodologia do estudo e do termo de consentimento livre e esclarecido-TCLS
(anexos 9.3 e 9.4). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho-UFRJ (anexo 9.5).
4.2.1- Avaliação Ecocardiográfica
O ecocardiograma era realizado com o paciente em posição supina ou em decúbito
lateral esquerdo a 30º. O diagnóstico de prolapso se baseia na visualização direta de um ou
ambos os folhetos da valva ultrapassando o plano do anel mitral durante a sístole e se
projetando para o interior da cavidade atrial esquerda em maior ou menor grau. O aparelho
de ecocardiograma utilizado foi Apogee 800.
4.2.2- Avaliação clínica
Foi realizada uma avaliação clínica visando identificar no início do estudo possíveis
sintomas relacionados ao hipo e hipertireoidismo, assim como sintomas relacionados ao
prolapso. Os dados dos pacientes eram transferidos para uma ficha. (anexo 9.6).
4.2.3- Avaliação laboratorial
Foram colhidas amostras de sangue (10ml) de cada paciente de ambos os grupos.
O sangue era centrifugado durante 5 min numa rotação de 25000rpm, sendo o soro
armazenado e congelado no freezer a – 70ºC no laboratório de imunologia.
O hormônio tireoestimulante (TSH) foi dosado pelo método de quimioluminescência, tendo
como valor de referência 0,4 a 4,0mcU/Ml (Immulite 2000, 3ª geração). Sensibilidade
analítica de 0,004mcU/ml. Variação intra-ensaio de 0,016±0,002 a 39±2mcU/ml e interensaio de 0,016±0,002 a 39±2,5mcU/ml.
O anticorpo anti-tireoperoxidase (ATPO) também dosado pelo método de
quimioluminescência com valor de referência de 35UI/mL (Immulite DPC). Sensibilidade
analítica de 7UI/ml. Variação intra-ensaio de 54±2,3 a 825±46UI/ml e inter-ensaio de 57±6
a 619±65UI/ml.
4.3- Análise estatística
Foi utilizado o programa estatístico GraphPad InStat 3.00 para Windows 95
(GraphPad Software, San Diego, Califórnia, USA).
Os indivíduos com prolapso da valva mitral foram comparados com o grupo controle
utilizando o teste “t de Student” não pareado e bi-caudado para variáveis contínuas
paramétricas e o teste de Mann-Whitney para variáveis não paramétricas. O teste de Fischer
foi utilizado para a análise das variáveis categoriais. O limite de significância foi de 5%.
5- RESULTADOS
Nos anexo 9.1, 9.2 e encontram-se as características dos pacientes de ambos os
grupos estudados, onde destaca-se idade, sexo, a presença ou não de prolapso valvar mitral,
tipo de prolaspo, níveis de TSH e ATPO, índice de massa corpórea ( IMC ), etc.
Tabela 1: Resultados
Sexo (F/M)
Idade (anos)
IMC (Kg/m2)
TSH
Anti-TPO > 35
Controle
23/7
45,2 ± 13,8
26,3 ± 4,6
1,77 ± 1,12
2 em 30
Prolapso Mitral
33/7
49,6 ± 15,1
26,8 ± 3,7
2,97 ± 8,2
7 em 40
p
0,56
0,21
0,57
0,72
0,28
5.1- Distribuição por sexo:
No grupo do prolapso, dos 40 pacientes 33 (82,5 %) eram do
sexo feminino e 7 (17,5%) do sexo masculino. No grupo controle,
dos 30 indivíduos, 23 (76,6%) eram do sexo feminino e 7 (23,4%)
do sexo masculino.
5.2-Idade:
A idade dos pacientes com prolapso variou entre 18 e 75 com
uma média de 49,6±15,1 enquanto no outro grupo a média foi de
45,2±13,8.
5.3- Hormônio tireoestimulante:
Nos pacientes com prolapso o hormônio tireoestimulante (TSH) variou entre 0,004
e 53,4mcU/mL. No grupo controle o TSH variou entre 0,5 e 5,2mcU/ml. (Ver gráficos nº1
e nº 2 a seguir)
GRUPO DO PROLAPSO
10
33
37
41
45
25
28
31
34
29
25
21
17
0,1
13
9
5
1
1
VALOR DE TSH
100
0,01
0,001
GRUPO CONTROLE
22
19
16
13
10
7
4
1
1
VALOR DE TSH
10
0,1
A média do TSH situou-se em torno de 2,97±8,2. Dos 7 (17,5%) pacientes que
apresentavam TSH anormal, 4 (10%) apresentavam TSH menor que 0,4mcU/ mL e 3
(7,5%) maior que 4,0mcU/Ml; sendo 2 subclínicos (TSH 4,96 e 5,65) e 1 maior que
50mcu/ml. No grupo controle o TSH a média do TSH foi de 1,77±1,12.
Apenas encontramos valores grosseiramente anormais de TSH em nossos pacientes com
PVM. No grupo controle 2 indivíduos apresentam TSH de 4,5 e 5,2
Podemos observar a prevalência de disfunção tireoideana no gráfico nº 3 abaixo:
PREVALÊNCIA DE DISFUNÇÃO
TIREOIDEANA
100,00%
80,00%
60,00%
PVM
CONTROLE
40,00%
20,00%
0,00%
tsh
normal
tsh >4,0
tsh <0,4
5.4- Anticorpo anti-tireoperoxidase:
A prevalência de anticorpo anti-tireoperoxidase positivo no grupo do prolapso foi de
17,5%, ou seja, 7 dos 40 pacientes; dos quais 6 fortemente positivos (5 com ATPO >1000 E
1 ATPO >500).No grupo controle a prevalência de anticorpo positivo foi de 6,6% (2
pacientes do total de 30)., com apenas 1 fortemente positivo(ATPO>1000).Ver gráfico nº 4
a seguir
PREVALÊNCIA DE ANTICORPO
POSITIVO
20,00%
17,50%
15,00%
10,00%
6,60%
5,00%
0,00%
PVM
CONTROLE
5.5- Correlação entre disfunção tireoideana e auto-imunidade:
Dos pacientes com prolapso (n=7) e TSH anormal, 5 apresentavam anticorpos
fortemente positivos (ATPO >1000UI/ml).
No grupo controle apenas 2 (6,6%)paciente apresentava valor de TSH acima do limite
superior do método, porém sem níveis detectáveis de anticorpos. Ver tabela a seguir:
Tabela 2: Correlação entre disfunção tireoideana e anticorpos anti-tireoideanos
Identificação Idade
Sexo
PVM
TSH
ATPO
IMC
P2
55
M
Posterior
0,25
14
30,1
P5
67
F
Anterior
4,96
>1000
31,3
P6
44
F
A-posterior
5,65
>1000
30,2
P27
71
F
Anterior
0,05
21
23,8
P32
71
M
Anterior
0,005
>1000
26
P34
54
M
Anterior
0,004
>1000
25
P36
58
F
A-posterior
53,4
>1000
24
PVM: prolapso valvar mitral, TSH: hormônio tireoestimulante
ATPO: anticorpo anti-tireoperoxidase, IMC: índice de massa corporal
F: feminino, M: masculino
A-posterior: ântero-posterior
5.6- Índice de massa corporal ( IMC):
O IMC não variou muito entre os dois grupos estudados. No grupo controle o IMC
permaneceu em torno de 26,3±4,6 a média; enquanto no PVM foi de 26,8±3,71.
5.7- Prolapso de valva mitral:
O tipo de prolapso mais freqüente foi o do folheto anterior (50%), seguido pelo
folheto ântero-posterior (30%) e posterior (20%). Dos sete pacientes com disfunção
tireoideana, quatro (57%) apresentavam prolapso do folheto anterior.
5.8- Sintomas relacionados ao prolapso:
A maioria dos pacientes queixava-se de taquicardia (42,5%), seguida por dispnéia
(35%), dor torácica (15%). O percentual de pacientes assintomáticos situou-se em torno de
47,5%.
5.9- História de doença auto-imune:
Apenas cinco pacientes apresentavam doença auto-imune associada. O lúpus
eritematoso sistêmico foi encontrado em três (60%) pacientes, vitiligo em um; e artrite
reumatóide mais síndrome de Sjogren em um. Nenhum desses pacientes apresentou
disfunção tireoideana ou anticorpo anti-TPO positivo.
Tabela 3: Correlação entre doenças auto-imunes e auto-imunidade tireoideana
Identificação Idade Sexo
PVM
TSH ATPO DAI
P13
60
F
Anterior
1,56
<10
AR/SS
P15
45
F
Anterior
2,24
10
LES
P17
62
F
Anterior
1,19
<10
Vitiligo
P33
46
F
Anterior
2,39
<10
LES
P38
50
F
Posterior
1,43
24
LES
PVM: prolapso valvar mitral, TSH: hormônio tireoestimulante
ATPO: anticorpo anti-tireoperoxidase, DAI: doença auto-imune
F: feminino, M: masculino
6- DISCUSSÃO:
Sabemos que o prolapso valvar mitral é uma doença de curso benigno, cuja
prevalência varia de 3 a15% de acordo com a série estudada. [11,53] Em várias amostras o
prolapso é mais freqüente no sexo feminino que no masculino, em torno de duas vezes
mais. A faixa etária mais acometida é de 20 a 30 anos [53], podendo se estender a qualquer
idade. O prolapso do folheto anterior é mais comum.
Em nosso estudo também prevaleceu o sexo feminino (82,5%), coincidindo com os
dados da literatura. [53]
A faixa etária dos nossos pacientes variou entre 18 e 75 anos,
mas a média situou-se entre 49,6±15,1; sendo mais elevada que em
muitas séries.[53] A maioria dos pacientes (62,5%) tem idade acima
de 40 anos. No estudo de Framingham a prevalência de PVM vai
decaindo com o avançar da idade, sendo mais acentuada a partir da
50ª década. Freed e col. Também encontraram prolapso valvar
clássico numa idade mais avançada (56,7±1,5). Os nossos pacientes
são mais idosos, talvez porque foram selecionados de um Hospital
universitário e não de uma população em geral.
O prolapso valvar mitral do folheto anterior também foi mais freqüente (50%),
assim como na literatura.
A sintomatologia do prolapso é muito ampla, podendo ser assintomático ou cursar
com taquicardia, dispnéia, dor torácica, fadiga, vertigem, síncope, ansiedade, entre
outros.[11] Em nosso estudo a maioria relatava taquicardia (42,5%), em seguida dispnéia
(35%) e dor torácica (15%). Freed e col. Encontraram uma prevalência maior de dispnéia e
dor torácica.
Alguns estudos de base relatam que os pacientes com PVM apresentam um índice
de massa corporal (IMC) baixo, e pouca gordura subcutânea[53], e apresentam biótipo
longilíneo. O IMC da nossa amostra permaneceu em torno de 26,8±3,7; contrariando
algumas referências.[ 10,11]
Desde a década de 90 que estudiosos têm associado o prolapso valvar mitral com a
doença tireoideana auto-imune (DTAI), tanto a doença de Graves como a tireoidite de
Hashimoto. Channick e col, avaliaram a prevalência de PVM nas duas afecções. Os
pacientes com t. de Hashimoto (n=75) eram submetidos a exame ecocardiográfico mono e
bidimensional, assim como o grupo controle (n=50). A prevalência de PVM nos pacientes
com tireoidite linfocítica crônica foi de 41%, enquanto no grupo controle foi de 8%.O
anticorpo anti-tireoglobulina foi detectado em 17(23%) dos 75 pacientes, e antimicrossomal
em 44(59%). Os níveis de anticorpos antimicrossomal não diferiam entre os pacientes com
e sem PVM, embora os pacientes com prolapso apresentassem níveis mais elevados de
anticorpos anti-tireoglobulina (p< 0.005). Um aumento significativo do acúmulo de
mucopolissacarídeo normalmente encontrado na superfície da válvula, talvez possa ser
mediado por auto-anticorpos.[40] Em outro estudo o mesmo pesquisador avaliou a
prevalência de prolapso em pacientes com doença de Graves (n=40) comparados a um
grupo controle (n=40). Alguns pacientes com doença de Graves, no momento do estudo
estavam em hipertireoidismo (n=9), enquanto a maioria (n=31) já havia recebido
tratamento ( radiodo, cirurgia ou droga antitireoideana ) e não estava em hipertireoidismo.
Dos 40 pacientes com doença de Graves, 17(43%) tinham PVM; e no grupo controle
apenas 7(18%).
A prevalência do prolapso não diferiu entre aqueles que eram
hipertireoideos no momento da avaliação, aqueles que foram no passado, ou aqueles em
hipotireoidismo após o tratamento. [13] No Brasil, Alvarado e col. estudaram 32 pacientes
com doença de Graves em várias fases (eutireoidismo e hipertireoidismo) comparado a um
grupo controle (n=40), sendo que a freqüência de prolapso nos pacientes com Graves não
diferiu entre os dois grupos, mas era maior que no grupo controle. Os pacientes eram
divididos em dois grupos: 16 em hipertiroidismo, e 16 em eutireoidismo (por droga
antitireoideana ou cirurgia). A freqüência de anticorpo anti-microssomal foi similar entre os
dois grupos de pacientes com doença de Graves. A freqüência de PVM em hipertireoideos
(31%) não foi significativamente diferente dos eutireoideanos(25%). O estudo levantou a
hipótese do prolapso não depender do estado da função tireoideana, o mesmo poderia ser
devido a depósito de glicoseaminoglicano na válvula; conseqüente ao aumento do tônus
adrenérgico, anormalidades parassimpáticas ou alto “turnover” do tecido conectivo durante
o estado de tireotoxicose.[1]
Evangelopoulou e col. relacionaram o prolapso e AITD com vários índices de
doenças auto-imunes. Os pacientes foram separados em quatro grupos: 29 com doença de
Graves, 35 com T. de Hashimoto, 20 com bócio de origem não auto-imune e 30 indivíduos
normais. Todos foram submetidos a ecocardiograma mono e bidimensional, para avaliar a
presença de prolapso mitral. O prolapso foi encontrado em 8(28%) dos pacientes com
doença de Graves, em 8(23%) com tireoidite de Hashimoto, em 2(10%) com bócio e
nenhum no grupo controle. Encontraram aumento de anticorpo anti-nuclear(ANA) nos
pacientes com prolapso e T. de Hashimoto, assim como uma incidência maior de anticorpo
anti-cardiolipina. A associação do PVM com anticorpos de doenças auto-imunes não-órgão
específicas sugere que este possa ser uma doença auto-imune. O folheto mitral anterior era
mais espesso nos pacientes com Graves e t. de Hashimoto.[22]
Em nosso estudo invertemos a situação, e avaliamos a disfunção tireoideana e
presença de auto-imunidade tireoideana nos pacientes com prolapso comparados a um
grupo controle. O nosso objetivo é saber se o PVM pode ser uma doença auto-imune, e se
cursa com alteração da função tireoideana. Utilizamos as dosagens de TSH para avaliar o
grau de disfunção tireoideana e ATPO como marcador de auto-imunidade.
Dos 40 pacientes com PVM, 7 apresentavam níveis anormais de TSH; sendo 4
(10%) com TSH menor que 0,4mcU/Ml e 3 (7,5%) maior que 4,0mcU/ml. O
hipertireoidismo subclínico foi mais prevalente. O estudo do Colorado encontrou uma
prevalência de 9,5% de níveis de TSH elevados e 2,2% de TSH diminuído.[12]
A prevalência de anticorpo anti-tireoperoxidase positivo, que caracterizaria a doença
tireoideana auto-imune foi maior no grupo do prolapso (17,5%), comparado ao grupo
controle(6,6%). A nossa prevalência coincide com a mesma descrita por Prummel, onde
varia de 12-26% em indivíduos eutireoideanos.[49] O estudo NHANES III relatou que
11,3% dos 17000 indivíduos sem doença tireoideana conhecida, apresentavam anti-TPO
positivo.[27] O anticorpo era mais freqüente com uma idade mais avançada. Nossos
pacientes apresentam no geral uma idade mais avançada.
Correlacionamos a disfunção e auto-imunidade tireoideana nos pacientes com PVM.
Observamos que dos sete (17,5%) pacientes com níveis anormais de TSH, cinco
apresentavam anticorpo anti-tireoperoxidase positivo. Desses 5 pacientes, 3 apresentavam
prolapso do folheto anterior da valva mitral.
Alguns dos nossos pacientes também apresentam outras doenças auto-imunes como,
lúpus eritematoso sistêmico (LES), artrite reumatóide (AR), síndrome de Sjogren (SS) e
vitiligo. Dos cinco pacientes com prolapso e doença auto-imune não-órgão específica,
nenhum apresentou disfunção tireoideana ou auto-imunidade tireoideana.
Sabemos que as doenças auto-imunes não-órgão específicas podem evoluir com
disfunção e/ou auto-imunidade tireoideana[29], e o inverso também pode acontecer.
Em nosso estudo apesar da prevalência elevada de anticorpos (p=0,28), e de
disfunção tireoideana (p=0,72) não podemos considerar o resultado significativo; pois a
amostra é pequena. O estudo de coorte é transversal, apenas com uma única dosagem de
TSH e anti-TPO. Talvez com estudo longitudinal o resultado possa ser diferente. Não
sabemos se o PVM precede ou não o aparecimento de disfunção e/ou auto-imunidade
tireoideana.
7- CONCLUSÕES:
1- Em nossa amostra prevaleceu o sexo feminino, no grupo do prolapso e no grupo
controle.
2- Encontramos uma prevalência similar entre os valores de TSH acima de 4mcU/ml
nosdois grupos, valores abaixo de 0,4mcU/ml foram encontrados apenas no grupo do
prolapso.
3- A prevalência de anticorpo anti-tireoperoxidase no grupo do prolapso foi maior, embora
não considerado estatísticamente significativo.
4- A maioria dos pacientes com prolapso e disfunção tireoideana, apresentava anticorpos
anti-tireoperoxidase positivos.
5- Apesar de alguns pacientes com prolapso apresentarem doenças auto-imunes
sistêmicas, nenhum apresentava disfunção tireoideana ou anticorpo positivo.
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