vamos filosofar - Lino News

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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
“ENSAIOS DE INTRODUÇÃO À FILOSOFIA” OU
“DE COMO SE DEU A ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO
RACIONAL”
CONTEÚDOS PARA 1º ANO DO ENSINO MÉDIO
COMPILADO, ADAPTADO, SISTEMATIZADO E ELABORADO DE ACORDO
COM O REFERENCIAL CURRICULAR 2012 DO ENSINO MÉDIO / SED/MS.
OLÍVIO MANGOLIM
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.
Nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
(VINICIUS DE MORAES).
Ler e meditar, pensar e escrever é o sangue e o ar de minha vida.
Quando não posso fazê-lo, não me sinto vivo.
Este livro é dedicado para a mulher amada, minha única e especial
professora de matemática: Luzinete Souza Vilasboas.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
“Não se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar” (IMMANUEL KANT).
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Vale-se a pena ensinar a filosofar!
Posso dizer que aprendi como se ensina.
Então: vamos filosofar! É uma delícia!
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Filosofar é ter uma concepção do mundo e da vida;
Filosofar é ter e sentir amor ao buscar a sabedoria;
Filosofar é fazer uma reflexão crítica e investigativa do conhecimento;
Filosofar é, para além de todas as vontades de possuir, ter e dominar, a
necessidade imperativa do ser.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Penso logo não me arrependo.
Pensar é produzir conhecimento, é ação sobre a realidade circundante.
Arrependo por não executar o que penso, por executar diferente do
pensado, ou executar sem ter planejado.
Recordo-me de ter pensado e isto é conhecimento de fato.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 11
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA ......................................................................................................... 18
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA .............................................................................. 24
1.2. O QUE É FILOSOFIA? ............................................................................................................. 25
1.3. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA ........................................................................................... 27
1.4. CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO ........................................................ 28
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIÃO E RAZÃO. .............................................................................. 29
1.5.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE MITO E FILOSOFIA? .......................................................... 31
1.5.1.1. MITO ................................................................................................................................... 31
1.5.1.2. FILOSOFIA ......................................................................................................................... 34
1.6. NATUREZA E CULTURA ......................................................................................................... 35
1.7. A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS NA CONSTITUIÇÃO DA FILOSOFIA............................ 39
1.7.1. TALES DE MILETO (623-546 a.C.)....................................................................................... 41
1.7.2. ANAXIMANDRO (610-545 a.C.)............................................................................................ 42
1.7.3. ANAXÍMENES (585-524 a.C.) ............................................................................................... 43
1.7.4. PITÁGORAS (570-490 a.C.) .................................................................................................. 45
1.7.5. HERÁCLITO (535-475 a.C.) .................................................................................................. 46
1.7.6. PARMÊNIDES (540-460 a.C.) ............................................................................................... 47
1.7.7. EMPÉDOCLES (490-430 a.C.) .............................................................................................. 48
1.7.8. DEMÓCRITO (460-370 a.C.) ................................................................................................. 50
1.8. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA. ........................................................................................... 51
CONCLUINDO ................................................................................................................................. 52
2. TEORIA DO CONHECIMENTO NA ANTIGUIDADE E NA IDADE MÉDIA................................ 55
2.1. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS. .................................................................................... 55
2.2. OS SOFISTAS E O PENSAMENTO SOCRÁTICO.................................................................. 57
2.2.1. OS SOFISTAS ....................................................................................................................... 57
2.2.2. AS IDÉIAS DE SÓCRATES .................................................................................................. 59
2.2.1. DIFERENÇAS ENTRE SÓCRATES E OS SOFISTAS ......................................................... 61
2.3. A CONTRIBUIÇÃO DE PLATÃO. ............................................................................................ 62
2.3.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAÇÃO. ................................................. 64
2.3.1.1. ALEGORIA (MITO) DA CAVERNA .................................................................................... 64
2.3.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRÍTICO OU FILOSÓFICO ......................................... 67
2.4. AS IDÉIAS DE ARISTÓTELES. ............................................................................................... 71
2.4.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAÇÃO. ................................................. 72
2.4.1.1. O PAPEL DA RAZÃO ........................................................................................................ 73
2.4.1.2. ATO OU POTÊNCIA ........................................................................................................... 74
2.4.1.3. QUAL A CAUSA? .............................................................................................................. 74
2.5. A PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA ........................................................................................... 75
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
2.5.1. SANTO AGOSTINHO (354-430) ........................................................................................... 77
2.5.2. SANTO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274): O ARISTOTELISMO CRISTÃO. .................... 78
CONCLUINDO ................................................................................................................................. 80
3. TEORIA DO CONHECIMENTO NA IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA. ..................... 82
3.1. HUMANISMO ............................................................................................................................ 84
3.1.1. O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DO HUMANISMO .................................... 84
3.1.2. O HUMANISMO FILOSÓFICO .............................................................................................. 86
3.2. RACIONALISMO E EMPIRISMO ............................................................................................. 87
3.2.1. RACIONALISMO: A CONFIANÇA EXCLUSIVA NA RAZÃO. ............................................. 87
3.2.2. EMPIRISMO: A VALORIZAÇÃO DOS SENTIDOS COMO FONTE PRIMORDIAL DO
CONHECIMENTO. ........................................................................................................................... 88
3.2.3. REVISANDO E COMPARANDO AS DUAS TEORIAS......................................................... 89
3.3. IDEALISMO E MATERALISMO ............................................................................................... 95
3.3.1. IDEALISMO ........................................................................................................................... 95
3.3.2. MATERIALISMO.................................................................................................................... 96
3.4. ILUMINISMO ............................................................................................................................. 98
3.5. POSITIVISMO E MARXISMO................................................................................................. 101
3.5.1. POSITIVISMO ...................................................................................................................... 101
3.5.2. MARXISMO.......................................................................................................................... 103
3.5.3. FENOMENOLOGIA ............................................................................................................. 105
3.5.4. EXISTENCIALISMO ............................................................................................................ 114
3.5.5. ESCOLA DE FRANKFURT ................................................................................................. 116
CONCLUINDO ............................................................................................................................... 120
4. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO. ............................................................... 122
4.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA ..................................................................... 123
4.2. A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM A CULTURA .............................................................. 126
4.3. A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM O CONHECIMENTO.................................................. 127
CONCLUINDO ............................................................................................................................... 129
CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 131
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 133
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
APRESENTAÇÃO
“Se não tivermos presente a tradição histórica, seremos como
selvagens modernos na selva da cidade” (JOSTEIN GAARDER).
Eis que, afinal, consegui compilar, adaptar, sistematizar e elaborar um
pequeno livro de Filosofia para os alunos do 1º ano do Ensino Médio. Aqui vocês
terão nas mãos o conhecimento dos conteúdos básicos de Filosofia que permita
o desenvolvimento do raciocínio lógico, aprofundado, sistemático, questionador.
Trata-se da disciplina Filosofia e pretende-se apresentar aqueles aspectos
que darão uma contribuição importante na formação dos estudantes em relação
ao pensar, ao aprender, ao conhecer e o falar. Não se ensina e não se aprende
a Filosofia. Aprende-se a filosofar. Kant, filósofo alemão do século XVIII, assim se
refere ao filosofar:
“[...] não é possível aprender qualquer Filosofia; [...] só é possível aprender a filosofar, ou
seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir os seus princípios universais em certas
tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de investigar
1
aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os” .
Por isso o título deste livro é um convite: VAMOS FILOSOFAR? O
importante é descobrir nossas próprias conclusões. Se para René Descartes
(1596-1650), físico, matemático e filósofo francês, fundador da Filosofia Moderna,
o “penso, logo existo”, para pensar é necessário utilizar o argumento da dúvida,
portanto, duvidar é o momento mais importante da atividade do pensamento, pois
estabelece a prova, a razão da nossa existência. Nunca devemos andar como
piolho na cabeça dos outros. Nunca devemos confiar plenamente naquilo que nos
é passado como verdade absoluta. Duvidar, duvidar e duvidar para nos aproximar
cada vez mais da verdade.
Ensaios porque as atividades do aprender a aprender, do conhecer como
se conhece, do saber como se sabe, serão feitas coletivamente, reelaborando o
conhecimento a partir da contribuição de cada estudante. Introdução, do latim
Intus (dentro) cere (conduzir), porque coloca os estudantes em contato com a
1
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura, p. 407.
9
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
ciência do ser e do pensar. Na introdução se apresenta os fundamentos. Eles
dizem respeito às bases, aos pilares, aos alicerces ou, ainda, à razão de alguma
coisa ser como é. E, finalmente, a Filosofia. O conhecer é obra dos que pensam,
querem e sentem. Na medida em que se vive se Filosofa. Filosofia é uma
atividade do ser humano, é a dinâmica do ser. É a idéia, sangue do meu sangue.
Produzir a idéia, o pensamento. Não ser apenas meros repetidores. Filosofia é ser
e pensar. Consegue viver melhor quem pensa. Portanto, Filosofia é aprendizado
do saber em proveito do homem (Platão). Viver é uma delícia! Filosofar é uma
delícia!
A coruja na capa é o símbolo da Filosofia, pois consegue enxergar o
mundo mesmo nas noites mais escuras. É o símbolo da sabedoria, pois na Grécia
antiga, tinha-se na noite o momento de revelação intelectual e do pensamento
filosófico e ela por ter hábitos noturnos, acabou representando a sabedoria e a
busca pelo saber. A constituição física de seu pescoço permite que ela veja tudo
a sua volta. Essa seria a pretensão da Filosofia, por meio da razão poder ver
racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais obscuros. E
ainda, procurar enxergá-lo sob os mais diversos ângulos possíveis. Somente
assim teríamos a possibilidade de uma atuação mais contundente na sociedade
que vivemos e construindo um Mato Grosso do Sul melhor para todos, e,
consequentemente o Brasil para todos. É a Filosofia a serviço da vida.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
INTRODUÇÃO
“Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar” (ARISTÓTELES).
O ano de 2008 marcou definitivamente minha vida enquanto professor de
Filosofia para alunos do ensino médio na Rede Estadual de Ensino em Mato
Grosso do Sul. Ensinar é uma arte. Aprender é possuir a arte das artes. O desafio
de trabalhar com a essência do conhecimento para uma geração extremamente
desconfiada e questionadora faz com que o filósofo se ressente de duas atitudes:
apreensão e estímulo.
Apreensivo porque na maioria das vezes se têm a idéia, que a muito vem
sendo disseminada, de que a Filosofia é coisa de maluco, árida e de nenhuma
utilidade para a vida. A primeira pergunta que o adolescente faz2, quando se
depara no Ensino Médio com essa nova matéria é: Para que serve a Filosofia?
Pergunta feita com muita ira, e a resposta subentendida "de que não serve para
nada". Por aí pode começar uma ótima aula. Esse pode ser o começo da
apreciação à Filosofia, desde que o professor seja honesto e responda
exatamente o que o aluno quer (coincidentemente o aluno está certo!): filosofia
não serve para nada! A resposta será surpreendente. Ele vai querer entender isso
melhor. Virão as seguintes questões: Como o professor ainda confirma o que ele
suspeitava? Como inserem uma disciplina em seu currículo que não serve para
nada? O que ele está fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui? Pronto,
começou a Filosofia! Já disse Aristóteles, que foi do espanto, da admiração, do
estranhamento, que o homem começou a filosofar.
“A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a
filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois,
avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as
fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar
uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante” (ARISTÓTELES, Metafísica: 982
b13).
Filosofia não serve mesmo para nada, pois se servisse não seria Filosofia.
Se servisse, não seria um fim em si mesmo. Se fosse útil, seria mais uma ciência
2
Texto sistematizado a partir de CHAUI (2011: 20) e do artigo de Ulisses Fonseca da Silva,
Filosofia para Adolescentes, disponível em <http://artigos.netsaber.com.br/>, acessado em 30 de
dezembro de 2010 às 16h19min.
11
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
particular e limitada, utilizada para algo, instrumentalizada para algum objetivo. A
grandeza da Filosofia está mesmo nessa inutilidade, pois assim, torna-se nobre.
Parece paradoxal: "o que não serve para nada", vale mais, é mais nobre, do que
"o útil". Os alunos vão aprender o que seu professor já sabe: "o que serve",
sempre é "meio" para alguma coisa e não "fim em si mesmo", seria de uma
importância muito significativa para sua vida, não só para compreender a filosofia,
mas para entender o "utilitarismo" do mundo em que vivemos, aplicando esse
conhecimento em sua rotina diária e na preparação do seu futuro. É de uma
dimensão incrível essa conceituação de "meio" e "fim". Capaz de mudar toda a
compreensão da nossa existência. É conhecida aquela definição de que “Filosofia
é uma ciência que com a qual ou sem a qual o mundo vai permanecer tal e qual” 3.
Por isso há os que zombam. Mas como disse Pascal: “Zombar da Filosofia já é
filosofar”4.
Estimulado por buscar na Filosofia a razão última das coisas. Com
sabedoria afirmou o cineasta americano John Huston: “O futuro do homem não
poderá estar dissociado de seu retorno às origens”5. O eterno menino que há em
nós. A eterna criança que somos. Que tudo pergunta. Que tudo quer saber. Que
nunca está satisfeito com as respostas que recebe porque sempre há algo a
perguntar.
A grande busca da contemporaneidade é a questão da qualidade.
Qualidade em educação, qualidade de vida, qualidade total, etc. Lá na Grécia
Antiga encontramos Platão introspectivo na discussão de como administrar a
Polis (cidade) com justiça, buscando sempre com sabedoria o melhor caminho.
Foi o próprio Platão quem propôs que a Cidade, o Estado deveria ser governado
não pelos mais ricos, nem pelos mais ambiciosos ou os mais astutos e sim pelos
mais sábios. Assim a Filosofia hoje há que se preocupar com um elemento muito
importante: o ser humano, aquele que cria, ama e busca ser amado. O amor, a
vida e o cumprimento de todos os nossos sonhos valem mais que o ouro e a
3
Gregório Marañon (1887-1960), nota à margem de uma de suas obras, Apud. PAULO RÓNAI,
Dicionário universal de citações, p. 374.
4
Pensamentos I, 4.
5
Apud Irene Tavares de Sá, Você também faz a história, p. 58.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
prata. Daí a necessidade de que o ato de aprender a filosofar para nossos jovens
seja atraente, agradável, motivador.
Ensinar a filosofar implica em transmitir um conhecimento, mais que um
conhecimento, ferramentas, instrumentais para que os estudantes aprendam a
fazer o uso livre de sua razão. A Filosofia como componente curricular não
merece continuar na esterilidade. A fertilidade da Filosofia conduzirá para o
interesse dos estudantes, assim como a fertilidade da história, da matemática, da
literatura, etc., a Filosofia a serviço da formação do cidadão integral, aquele que
cria e reproduz cultura, atitudes éticas, a qualidade, etc. Por isso queremos trazêla para a vida prática dos nossos adolescentes e jovens. Estimular a fazer
perguntas, a pensar, a criar um senso crítico, por isso VAMOS FILOSOFAR? Não
vamos decorar. Não vamos aceitar o que já vem pronto. Vamos criticar e
ressignificar, refazer o caminho ou quem sabe descobrir um novo. Eis a tarefa do
verdadeiro filósofo: refazer por si mesmo o caminho percorrido pela Filosofia
desde seu nascedouro. Filosofar é uma delícia!
Engana-se o professor quando diz: “os estudantes não querem nada com
nada! Não pensam! Não querem ler! Não se motivam!”. Na sociedade informática
em que vivemos, temos que nos dar conta que ao encontrar nossos alunos em
sala de aula, às vezes, nossas informações, nossos conteúdos, nossas
metodologias, nossas aulas estão defasadas. Somos nós que não os
conseguimos motivar. Somos nós que não cativamos nossos alunos. No dizer da
raposa ao pequeno príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas” (ANTOINE DE SAINT-EXUPERY). A raposa diz ao pequeno príncipe que
os homens esqueceram-se dessa verdade, mas que ele não deverá esquecê-la. E
o que é preciso para cativar? A gente só conhece bem as coisas que cativou.
A cada dia que passa é maior a necessidade de que os indivíduos sejam
sujeitos de si mesmos conscientes de sua história. Aí se encaixa o trabalho da
Filosofia. A preocupação da Filosofia é com a formação de um indivíduo crítico e
responsável socialmente pelos seus atos. Assim é tarefa da Filosofia garantir a
visão de totalidade da história e do processo do conhecimento e juntamente com
13
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
outras disciplinas auxiliar os jovens a descobrir o melhor caminho historicamente
possível para a organização da vida em sociedade.
Desta forma, a disciplina Filosofia busca fornecer ao estudante do Ensino
Médio o instrumental básico à elaboração de uma reflexão sobre o mundo, e
sobre si mesmo no mundo, de forma a possibilitar-lhe a conquista de uma
autonomia crescente no seu pensar e agir.
Ao escrever estas anotações de aulas de Filosofia tínhamos sempre em
mente aquelas competências e habilidades que nossos estudantes deveriam
atingir ao longo dos três anos do ensino médio6:

Debater os conhecimentos de Filosofia e suas utilizações, assumindo
uma postura a partir das orientações dos educadores.

Analisar a participação dos gregos na historia da Filosofia,
comparando com o mundo atual.

Refletir sobre a importância da cultura na construção humana.

Contextualizar os conhecimentos de Filosofia através de pensamentos
de filósofos renomados e com referência na educação.

Reconhecer o nascimento da Filosofia como a passagem do
conhecimento mitológico para o conhecimento racional.

Entender de que forma os pensadores daquela época discutiam em
seu meio social os problemas como justiça, coragem e conhecimento.

Compreender de que maneira os pensadores gregos discutiam os
diversos problemas ligados ao conhecimento.

Debater com fundamentação nos filósofos, em pauta, para melhor
compreensão e comparação dos problemas atuais.

Analisar e explorar os conhecimentos e procedimentos dos temas
apresentados.

Contextualizar e aplicar com argumentos os fatos apresentados,
relacionando e comparando com os dias atuais.
6
Conferir SED/MS, 2012: 251-261.
14
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!

OLÍVIO MANGOLIM
Conhecer as diferentes formas de pensar a possibilidade, a origem, e
a essência do conhecimento.

Debater sobre os vários posicionamentos a respeito do conhecimento
na Idade Moderna e Contemporânea.

Compreender através da linguagem e do conhecimento o papel da
atividade humana, pois é o problema mais antigo da Filosofia.

Reconhecer a importância da linguagem na sociedade e as diferenças
simbólicas existentes entre as culturas.

Discutir a relação existente entre a linguagem e o conhecimento.

Desenvolver e compreender a importância da ciência em todos os
níveis culturais de uma sociedade, para melhor entendimento,
buscando soluções para os problemas apresentados.

Discutir a relação entre ciência e poder.

Analisar
os
pensadores
propostos
para
uma
compreensão
fundamentada em suas teorias, relacionando e compreendendo a sua
utilização em nosso meio social.

Entender o papel científico das tendências atuais como agentes
transformadores de uma sociedade.

Debater em torno dos filósofos da Época Moderna, comparando seus
pensamentos e diferentes visões da sociedade no período em que
viveram.

Interpretar as ideias dos pensadores Antigos e Medievais, analisando
e comparando suas posições, com possível confronto de ideias que
divergem em seu meio social.

Debater de que forma a política e o poder podem transformar uma
sociedade em todos os aspectos.

Conhecer
a
importância
das
desenvolvimento da coletividade.
15
questões
políticas
para
o
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!

OLÍVIO MANGOLIM
Compreender as teorias políticas e a relação destas com a nossa
realidade.

Discutir as teorias contratualistas para compreender melhor a
formação das sociedades políticas.

Debater as questões mais relevantes da política no século XX.

Identificar problemáticas da política na atualidade e possíveis
caminhos para soluções.

Elaborar e analisar as diversas formas de respostas dos filósofos
sobre a ética e moral.

Debater os conceitos variados sobre o tema, analisando os
conhecimentos adquiridos em busca de aplicabilidade em seu meio
social.

Compreender a relação entre liberdade e responsabilidade.

Compreender a importância da cidadania na vida social.

Aplicar o conceito de democracia como sendo algo necessário na
pratica governamental de uma nação, mostrando seus benefícios e
manifestações.

Debater todas as formas de governo, demonstrando, com exemplos,
tanto as virtudes como os erros.

Debater as diferentes visões sobre as questões éticas da atualidade.

Identificar as grandes questões ambientais da atualidade e suas
possíveis soluções.

Discutir
as
mudanças
necessárias
na
sociedade
para
um
desenvolvimento sustentável.

Explorar as questões ligadas a lógica dialética de Platão.

Despertar as proposições e os argumentos da lógica formal
Aristotélica.
16
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!

OLÍVIO MANGOLIM
Aplicar os conhecimentos da arte de pensar para tornar-se algo
comum na educação, estudando as leis do pensamento.

Debater a necessidade da arte da argumentação como o caminho
mais eficiente para o raciocínio lógico.

Explorar o conceito de estética em toda plenitude, despertando
ansiedade e desejo de conhecer o belo e as demais características do
tema.

Debater as diferentes visões estéticas em suas dimensões históricas
e artísticas.

Abordar e entender a importância da Filosofia na América Latina.

Conhecer a História da Filosofia no Brasil.
Este é o caminho que devemos percorrer. A esperança de caminhar nas
linhas que traçamos é infinda, esperamos consegui-lo, senão o conseguir na
totalidade, ao menos em parte. Obviamente que todas estas habilidades e
competências deverão ser atingidas no decorrer e ao término dos três anos do
Ensino Médio. Este livro aborda os temas a serem estudados no primeiro ano do
Ensino Médio de acordo com o Referencial Curricular da Rede Estadual de
Ensino de Mato Grosso do Sul.
17
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
1. A ORIGEM DA FILOSOFIA
“Tudo o que existe tem que ter um começo” (GAARDER, 2001: 9).
Um dia ao adentrar numa das salas de 1º ano do Ensino Médio na Escola
Estadual Lino Villachá, Nova Lima em Campo Grande/MS, os alunos olharam
para mim e disseram: VAMOS FILOSOFAR. Aí surgiu a idéia do título deste
pequeno livro. Pois bem, disse. Então vamos pensar. O que é pensar? Um grande
silêncio reinou entre todos os estudantes. Então alguém disse: então professor o
que é pensar? Sugeri fazer então uma socialização sobre o conceito de pensar. E
ao final daquela aula quando todos expuseram suas idéias, uma era bem notável,
diferencial. Disse o aluno: “pensei, pensei, pensei (...) e descobri que não sei o
que é pensar”. Daí a necessidade de se estudar Filosofia. A mesma Filosofia que
teve seu nascimento lá na Grécia no século VI antes de Cristo.
Os gregos começaram a explicar o mundo de uma forma diferente da
explicação mitológica. Em outros termos, o que tornou possível a passagem da
cosmogonia7 à cosmologia8? Alguns autores dizem ser “o milagre grego” a
passagem da mentalidade mítica para o pensamento racional, como se isso fosse
possível ocorrer apenar num estalar dos dedos ou no piscar dos olhos. Seria uma
7
Significa a formação do mundo através dos mitos. Narrativa da origem do kósmos através das
relações sexuais entre os deuses ou os elementos naturais enquanto forças vitais que engendram
ou procriam todos os seres. A Filosofia procede de um estudo denominado cosmologia (grego
kosmología, do grego kósmos „lei, ordem, mundo, universo‟ + radical grego logia „tratado, ciência,
discurso‟). Portanto, a Filosofia nasce do exercício racional na busca de uma ordem do mundo ou
do universo. O mito por sua vez narra a origem das coisas por meio de lutas e relações sexuais
entre as forças que governam o universo, por isso, são chamadas cosmogonias e teogonias. A
literatura grega narra a origem do universo utilizando-se de figuras de linguagem, enquanto os
físicos – como também eram denominados os pré-socráticos – procuravam explicações a partir da
natureza – physis em grego.
8
Explicação racional sobre a origem e ordem do mundo natural ou natureza, sobre as causas das
transformações, geração e perecimento de todos os seres. Os pré-socráticos buscavam, além de
falar sobre a origem das coisas, mostrar que a physis (naturezas) passava por constantes
mudanças e que essas eram provocadas por alguma coisa que tentavam conhecer. Por causa das
viagens marítimas, da invenção do calendário, da invenção da moeda, do surgimento das polis, da
invenção da escrita e da política os gregos passaram a perceber que nada ocorria por acaso e que
não existia a interferência de deuses relatados no período mitológico. A cosmologia surgiu como a
parte da Filosofia que estuda a estrutura, a evolução e composição do universo, sendo a primeira
expressão filosófica apresentada no Período pré-socrático ou cosmológico. Suas principais
características são: a substituição da explicação da origem e transformação da natureza através
de mitos e divindades por explicações racionais que identificam as causas de tais alterações,
defende a criação do mundo a partir de um princípio natural e que a natureza cria seres mortais a
partir de sua imortalidade (Disponível em <http:/www/sanfilosofia.wordpress.com/category/aulasde-filosofia/>, acessado em 25 de dezembro de 2010 às 09h00min).
18
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
visão simplista e a-histórica. A Filosofia grega é a culminância de um processo
gestado ao longo dos tempos. Alguns elementos da história da Grécia antiga,
principalmente do período arcaico (séculos VIII a VI a.C.) ajudaram a alterar a
visão mítica para o aparecimento dos filósofos. De maneira geral podemos dizer
que a partir do século VII a.C. há uma revolução monetária da Grécia e seguiramse a ela inovações científicas. Essas transformações contribuíram para a
elaboração de uma nova forma de pensar: mais racional.
São várias causas para a origem da Filosofia9 e, agora, vamos analisar
algumas delas. Perceba como cada uma delas operou uma mudança significativa
no modo de pensar do homem na Antigüidade grega, permitindo a formação de
coisas novas como a Filosofia, segundo Jean-Pierre Vernant10.
1) Navegações: uma parte considerável da vida dos gregos relacionava-se
com o mar, era de onde, por exemplo, conseguiam obter parte significativa de sua
alimentação. Vivendo muito no mar, os gregos não encontraram muitos dos
monstros marinhos narrados pela história oral e nem vivenciaram seres e histórias
narradas por poetas (como Homero e Hesíodo). Assim, as navegações
contribuíram para o que Max Weber chamou mais tarde de “desencantamento do
9
Texto sistematizado pelo professor Leonardo Oliveira de Vasconcelos, disponível no Blog
<http://blogpensar.blogspot.com/2007/09/1o-ano.html>, acessado em 25 de dezembro de 2010 às
08h18min. Também sistematizado pelo professor Anderson Alves Esteves, disponível em
<http://www.consciencia.org/materialanderson3.shtml#_ftn5>, acessado em 19 de janeiro de 2011
às 23h14min.
10
O professor Jean-Pierre Vernant faleceu em 9 de janeiro de 2007, aos 93 anos. Vernant foi
responsável por uma modificação significativa em nossa compreensão das origens do
pensamento grego, substituindo o mito do “milagre grego” pela análise concreta das condições
históricas que deram nascimento à Filosofia. Nascimento associado ao da Cidade grega, em
particular da democracia, este regime em que, diz ele, o poder está “no centro”, eqüidistante de
todos, de modo que, ao contrário de qualquer outra formação histórica, torna necessário o recurso
à razão para fazer valer uma determinada posição. Do mesmo modo que a Cidade grega já não se
subordina à autoridade do déspota, que dá ordens, sem necessidade de argumentar, o filósofo
não se contenta com a autoridade tradicional e divina do mito. A compreensão das modificações
históricas que propiciaram o surgimento da Cidade, por sua vez, exige a análise da especificidade
grega, da radical novidade do regime de escravidão até, no limite, a consideração do tipo
particular de produção de ferro. Um programa assumidamente “materialista”, chamado por Vernant
de “psicologia histórica”, que soube se manter ao largo da vulgaridade e que se estende pela
longa produção de dezenas de livros, muitas vezes regida pela análise do mito: “Mito e
Pensamento”, “Mito e Trabalho”, “Mito e Sociedade”, “Mito e Tragédia” etc. Ou melhor, Entre mito
e política, como no título de sua “autobiografia” (publicada em 1996 e traduzida pela Edusp em
2001), na realidade, um extraordinário “memorial” de sua vida acadêmica e política (Disponível em
<http://sanfilosofia.wordpress.com/2010/03/13/mythos/>, acessado em 25 de dezembro de 2010
às 09h20min).
19
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
mundo”. Fazia-se necessário um saber que explicasse os fatos ocorridos na
natureza que não recorresse a histórias sobrenaturais.
2) Calendário e moeda: viver podendo pensar o tempo abstratamente e
quantificando valores para realizar trocas não é algo que sempre ocorreu na
história da humanidade. Quando os gregos passaram utilizar o calendário e a
moeda11, introduzida pelos fenícios, conseguiram abstrair valores como símbolo
para as coisas, fazendo avançar a capacidade de matematizar e de
representação.
Tudo
isso
favoreceu
um
desenvolvimento
mental
muito
significativo e com grande capacidade de abstração.
3) Escrita: outro fator que potencializou em grande medida o poder de
abstração12 do homem grego foi transcrever a palavra e o pensamento com
símbolos: eis o alfabeto. A escrita permite o pensamento mais aguçado sobre
algo quando ficamos lendo e analisando alguma coisa, como, por exemplo, uma
lei. Ao ser fixada, a lei fica exposta como um bem comum de toda a cidade, um
saber que não é secreto como um saber vinculado ao exercício de um sacerdote,
mas propriamente público, além de estabelecer uma nova noção na atividade
jurídica, a saber, uma verdade objetiva. A escrita favorece o crescimento
intelectual porque exige de quem escreve uma postura diferente daquela de quem
apenas fala. A fala é a explicitação do conhecimento acumulado, porém de menor
rigor. A escrita exige maior rigor e clareza porque fixa a palavra. Palavra que com
certeza será revisitada e revista e, portanto, tem a possibilidade de sofrer
alterações em sua estrutura de pensamento.
11
“A moeda apareceu na Grécia por volta do século VII a.C., vindo facilitar os negócios e
impulsionar o comércio, ao funcionar como valor universal das mercadorias. Emitida e garantida
pela polis, a moeda fazia reverter seus benefícios para a própria comunidade. Além desse efeito
político da democratização, a moeda sobrepunha aos símbolos sagrados e afetivos o caráter
racional de sua concepção: a moeda se constitui convenção humana, noção abstrata de valor que
estabelece a medida comum entre valores diferentes. Nesse sentido, a invenção da moeda
desempenha papel revolucionário, por vincular-se ao nascimento do pensamento racional crítico”
(ARANHA, 2008: 17).
12
Abstrair em Filosofia significa: separar para estudar cada elemento separadamente, afim de que
possamos aprofundar o conhecimento geral sobre aquela coisa total. Do grego aphairesis,
separação conceitual do assunto no estudo dos objetos da matemática. Consiste em separar
(abstrahere = arrancar, desligar) pelo pensamento, ou considerar separadamente, o que não pode
ser dado separadamente, na realidade. Abstração é à base da formação das idéias gerais.
Separar o estudo em partes para compreender melhor o todo.
20
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
4) Política: esta é a principal causa para a origem da Filosofia (e da Ética).
Na Grécia antiga houve três legisladores que deram uma importante contribuição
para a transformação da polis: Drácon (século VII a.C.), Sólon e Clístenes (século
VI a.C.). Esses legisladores,
“[...] que sinalizaram uma nova era: a justiça, até então dependente da interpretação da
vontade divina ou da arbitrariedade dos reis, torna-se codificada numa legislação escrita.
Regra comum a todos, norma racional, sujeita à discussão e à modificação, a lei escrita
passa a encarnar uma dimensão propriamente humana” (ARANHA, 2008: 18).
A Filosofia é uma invenção genuinamente grega. Note que a palavra
política13 é formada pelo termo grego polis, cujo significado é cidade, cidadeestado, conjunto de cidadãos que vivem em um mesmo lugar e uma mesma lei. E
o mais importante: são os cidadãos que faziam suas próprias leis mediante uma
assembléia. A originalidade da cidade grega é que ela estava centralizada na
ágora (praça pública), espaço onde eram debatidos os problemas de interesse
comum. Esta prática teve início com os guerreiros que, juntos, discutiam o melhor
modo de vencer ao inimigo, cada um dos guerreiros tinha o direito de falar,
bastando para isso ir ao centro do círculo formado na assembléia; ao final da
guerra, outras assembléias eram feitas para dividir o que foi ganho. Isto é, ocorre
a prática do diálogo para a decisão, dando a todos o direito de falar e a condição
de serem iguais uns aos outros e à lei partilhada entre eles. Aquele que conseguir
convencer a maioria de que sua proposta é a que se aproxima mais da verdade
de como vencer aos inimigos, receberá maior número de votos. Ora, é esta a
prática que o filósofo adotou mais tarde: escrevendo ou discursando, tornava
pública sua idéia por considerá-las verdadeiras, por pretender encontrar a
harmonia perdida do debate entre opiniões divergentes. Debater, trocar opiniões,
argumentar, eis a prática democrática, eis à prática filosófica. A Filosofia nasce
como uma filha da polis, como uma filha da democracia.
13
“A política, como a entendemos hoje, nasceu na Grécia. E esse elemento foi importante para o
desenvolvimento da filosofia. Principalmente por que se deu a partir de um processo de
reorganização das relações de poder. As tribos e clãs se reestruturaram dando origem às cidadesestado. O poder que era exercido pelo “patriarca” ou pelo irmão mais velho, passou a ser
questionado e, na cidade (polis) organizaram-se as assembléias dos cidadãos (homens livres,
ricos e que tinham nascido naquela cidade). Devemos notar que dessas assembléias, que
aconteciam em praça pública onde se reuniam os cidadãos com direito a voz e voto, estavam
excluídos: mulheres, crianças, estrangeiros e escravos. Nas assembléias da praça eram tomadas
as decisões a partir dos debates, das argumentações pró e contra. As decisões nasciam dos
debates” (CARNEIRO, 2008).
21
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Eis o que Jean Pierre Vernant chamou de um “universo espiritual da polis”
(2000: 41), trata-se de um lugar com proeminência da palavra – a palavra aberta
a todos e com igualdade no seu uso era o modo de fazer política; com publicidade
– separação entre questões privadas e questões públicas, estabelecendo práticas
abertas e democráticas em oposição aos processos secretos; com isonomia –
todos eram iguais no exercício do poder e diante das leis que criaram. Além disso,
este novo universo espiritual esteve acompanhado e propiciou uma “mutação
mental” (VERNANT, 1973: 453) nos homens: agora era possível explicar o mundo
abstratamente excluindo o sobrenatural.
O homem é caracterizado como um ser que pensa e cria explicações.
Criando explicações, cria pensamentos. Ao explicar as coisas, os acontecimentos
e pensamentos, revelam tanto a base mitológica quanto racional do seu
pensamento. A partir desta raiz o homem pensa, interliga suas idéias, criando
sistemas, elabora códigos e desenvolve práticas.
É certo que a sobreposição da razão frente ao mito realizada pelos gregos
foi decisiva para o desenvolvimento dos elementos culturais da civilização
ocidental. Cravaram na história de todos os processos humanos posteriores a
logomarca dos gregos (logos). Os gregos em grande parte nos inventaram.
Sobretudo ao definir um tipo de vida coletiva, um tipo de atitude religiosa e
também uma forma de pensamento, de inteligência, de técnicas intelectuais, de
que lhes somos em grande parte devedores14.
A passagem do mito à Filosofia, sobretudo o conhecimento que se tem
sobre o como ocorreu esta passagem, esclarecem, tornam sensíveis, todas as
formas possíveis que temos de se conhecer à realidade. Em outras palavras: é
possível de se conhecer o mundo através do mito, da Filosofia, do senso comum,
da arte e da ciência (e ainda há outras possibilidades).
Estas formas de conhecer o mundo ou possibilidades de conhecer a
realidade são também definidas na Filosofia como teoria do conhecimento ou
métodos de abordagem. A partir do capítulo segundo deste livro estaremos
14
Conferir entrevista com Jean-Pierre Vernant, O Estado de São Paulo – Caderno 2 – 05/08/2001.
22
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
concentrados em estudar a teoria do conhecimento nos diferentes períodos
históricos e nas suas diferentes abordagens metodológicas.
Delimitar, estabelecer a diferença entre o pensamento mítico e o
pensamento racional15 é extremamente importante hoje como o foi para os gregos
da Antiguidade, para que possamos compreender os problemas enfrentados pela
sociedade atual.
Compreender o que é Filosofia hoje e sua importância tornar-se-á uma
facilidade quando entendermos as circunstâncias em que ela surgiu.
“A Filosofia surgiu na Grécia Antiga com o propósito de libertar o pensamento de suas
bases míticas, para dar à vida explicações diferentes daquelas que dependiam de deuses
e superstições. Era uma atividade dos homens sábios (philos = amigo ou amante; Sophia
= sabedoria) que se punham a pensar sobre conceitos estabelecidos, buscando novos
entendimentos. Ou seja, a Filosofia tem início quando não mais consideramos as coisas
como certas, passando e formular questões sobre elas e a procurar respostas. Faz-se
Filosofia colocando perguntas, propondo idéias, argumentando e pensando em possíveis
argumentos contrários, procurando saber como funcionam realmente os conceitos, para
chegar mais próximo da verdade. Seu objetivo é avançar no conhecimento da vida e de
nós mesmos. A atividade filosófica (e conseqüentemente, a atitude filosófica) se
caracteriza pela busca de sentido mais profundo da realidade, transformando uma simples
16
experiência ou idéia num “saber” sobre a experiência e a idéia“ .
O que o filósofo mais faz é refletir. Ele põe em causa o próprio pensar.
Quando estamos diante de um espelho vemos nossa imagem refletida nele. Na
verdade há um desdobramento: estamos aqui e estamos lá no espelho. Nossa
15
O pensamento racional tem um registro civil: conhece-se a sua data e o seu lugar de
nascimento. Foi no século VI antes da nossa era, nas cidades gregas da Ásia Menor, que surgiu
uma forma de reflexão nova, inteiramente positiva, sobre a natureza. Burnet exprime a opinião
corrente quando observa a este propósito: “Os filósofos jônios abriram o caminho que a ciência
não fez depois senão seguir”. O nascimento da filosofia, na Grécia, marca assim o começo do
pensamento científico, – poder-se-ia dizer simplesmente: do pensamento. Na Escola de Mileto, o
logos ter-se-ia pela primeira vez libertado do mito como as escaras caem dos olhos do cego. Mais
do que uma mudança de atitude intelectual, do que uma mutação mental, tratar-se-ia de uma
revelação decisiva e definitiva: a descoberta do espírito. Seria por isso vão procurar no passado as
origens do pensamento racional. O pensamento verdadeiro não poderia ter outra origem senão ele
próprio. É exterior à história, que só pode, no desenvolvimento do espírito, dar a razão de
obstáculos, de erros e de ilusões sucessivas. Tal é o sentido do “milagre” grego: através da
Filosofia dos jônios, reconhece-se a Razão intemporal encarnada no tempo. O aparecimento do
logos introduziria, portanto, na história uma descontinuidade radical. Viajante sem bagagem, a
Filosofia viria ao mundo sem passado, sem pais, sem família; seria um começo absoluto. Nesta
perspectiva, o homem grego acha-se assim elevado acima de todos os outros povos,
predestinado; nele se encarnou o logos. “Se inventou a Filosofia, opinava ainda Burnet, deve-o às
suas qualidades de inteligência excepcionais: o espírito de observação aliado ao poder do
raciocínio”. E, para além da Filosofia grega, esta superioridade quase providencial transmite-se a
todo
o
pensamento
ocidental,
surto
do
helenismo
(Disponível
em
<http://sanfilosofia.wordpress.com/> e acessado em 25 de dezembro de 2010 às 09h29min).
16
Rita Foelker, Disponível em <http:www.edicoesgil.com.br/educador/filosofia/oqueefilosofia.html>,
acessado em 20 de julho de 2010 às 15h30min.
23
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
imagem refletida pela luz vai até o espelho e retorna (reflectere, em latim, significa
voltar sobre. Voltar atrás, fazer retroceder), repassando suas experiências e suas
idéias para entendê-las melhor e para confirmá-las. Portanto refletir é retomar o
próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e questionar o já
conhecido.
“A Filosofia nasceu para que, usando a razão 'natural', nós pudéssemos discutir,
desenvolver e aplicar critérios de julgamento, a fim de avaliar o valor de verdade do
conteúdo das nossas crenças e a validade, ou a legitimidade das normas, hábitos e
costumes que regulam as nossas ações e comportamentos. Temos crenças e em função
delas agimos. Filosofamos para avaliar o quanto nossas crenças são sólidas e o quanto
17
nossos comportamentos são justificáveis” .
1.1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FILOSOFIA
Toda Filosofia que se preza procura resolver
os problemas mais inquietantes de sua época.
A palavra é formada por dois termos gregos: philos (υίλος) e sophia
(σουία). A primeira é uma derivação de philia (υιλία) que significa amizade, amor
fraterno e respeito entre os iguais; a segunda significa sabedoria ou simplesmente
saber. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo
saber; e o filósofo, por sua vez, seria aquele que ama e busca a sabedoria, tem
amizade pelo saber, deseja saber18. Se conseguirmos pronunciar a palavra
philosophia como os gregos antigos por sua aprendizagem a conheceram, não
seria preciso explicá-la, pois a língua grega, por se ter formado a partir da
experiência originária das palavras, tem o privilégio de expressar seu sentido no
ato de pronunciá-las. Nós hoje ouvimos primeiro a explicação etimológica da
palavra philosophia e com dificuldade transpomos o simples ouvir ou ver a palavra
em busca daquele sentido primeiro investigado e apreendido pelos antigos
gregos.
A primeira definição de Filosofia que conhecemos é a de Pitágoras (570490 a.C.)19. Ele dizia que o filósofo é “amigo e desejoso da sabedoria”. Relutava
17
Cunha, José Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialógica de investigação. Transcrição
da palestra proferida na Mesa-Redonda 'Racionalidade, Ética e Educação', II Encontro Nacional
de Educação para o Pensar. Leia o texto integral em <www.cbfc.com.br>. (Clique em "Biblioteca
CBFC" e em "Volume 3").
18
Conferir <http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia>, acessado em 25 de dezembro de 2010 às
17h36min.
19
Cícero. Tusc. disput. lib. V, c. 3. Apud. Antônio Xavier Teles, Introdução ao estudo de Filosofia.
p. 10.
24
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
que não se tratava de uma sabedoria sobrenatural ou divina, e sim que um
filósofo é um homem humanamente sábio, e, por isso mesmo, é de sua obrigação
fornecer aos homens luzes humanas mais profundas sobre os grandes problemas
que afligem a humanidade.
Foi Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) quem presumivelmente criou o termo
“filósofo”. Em grego, philosophon que se compõe de philos que significa amigo, e
sophon, que significa o todo (hen panta). Filósofo, portanto, é amigo do todo.
Onde está o todo com quem o filósofo mantém laços de amizade?
O todo está no próprio pensamento que pensa! Quando pensa, o
pensamento se torna “luz” do real. Podemos traduzir o termo sophon como “o
pensamento pensando o real”. Ou ainda: sophon é o real luzindo no pensamento.
Quando o pensamento aprende a apreciar o múltiplo real, quando sabe vêlo ou lê-lo em sua “transparência”, possui o sophon. Esta aprendizagem ou
sabedoria se parece com o clarear do dia que acorda a noite para a luz da
madrugada. A luz da manhã é o pensamento; a realidade, à noite de seu
entusiasmo.
O filósofo seria um pretendente à sabedoria, uma pessoa aficionada pelo
saber, e não um detentor de todo saber como injustamente, às vezes, lhe é
atribuído. A primeira vez que a palavra apareceu foi sob a forma verbal filosofar
com o significado de esforçar-se por adquirir novos conhecimentos (Heródoto,
484-425 a.C.). Tudo o que você quer desde que seja agradável aos olhos de
Deus, você consegue mesmo antes do seu querer.
1.2. O QUE É FILOSOFIA?
“A verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo” (MERLEAU-PONTY).
Para ser amigo e desejoso da sabedoria é preciso vencer a “tragédia”.
Começar a pensar, eis a tarefa. A Filosofia deve ser o pensar real. Por que isso?
Porque entre nós perdemos o contato com a realidade em torno, e até muitas
vezes desconhecemos nossa própria realidade, vivemos de uma forma como se
não fôssemos nós, assumimos ser outro. Como podemos deixar de sermos nós
25
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
mesmos? A Filosofia é o pensar solícito e liberado à verdade do ser que destina o
homem ao seu ser mais próprio.
Ela convoca o homem ao mais íntimo de si, leva-o a refletir sobre seus
problemas e os problemas do contexto que o envolve. De modo que podemos
afirmar que a Filosofia libera o homem da conjuntura social, enviando-o ao mais
próprio do social, econômico, político e ideológico.
A Filosofia é, ao mesmo tempo, interpretação do já vivido e das aspirações
e desejos do que está por vir, do que está para chegar. Ela é uma força na luta
pela vida e pela emancipação humana. Portanto Filosofia é o que se pensa.
Pensar o que somos e como somos.
A Filosofia é como uma obra de arte ou ainda uma bela jogada de futebol.
Impossível defini-la antes de fazê-la, como não se pode definir em geral nenhuma
ciência, nenhuma disciplina, antes de entrar diretamente no trabalho de fazê-la.
Qualquer ciência, um “fazer” humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua
noção precisa, quando o homem domina este fazer. O que é dominado, o que é
apreendido, então é definido. Não existem definições no vazio, no nada. Só se
sabe o que é Filosofia quando se é realmente um filósofo. Isto quer dizer que a
Filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser vivida. Vivência
significa o que temos realmente em nosso ser psíquico; o que real e
verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra ter.
Adentremos, pois, num exemplo concreto, que nos permita compreender a
amplitude da palavra vivência. Uma pessoa pode estudar detalhadamente o mapa
do Pantanal20 sulmatogrossense; estudá-lo muito bem; observar um por um os
diferentes nomes dos rios; depois estudar uma por uma o nome das espécies
animais, vegetais, principalmente aqueles que se dizem em extinção; pode depois
ir à Morada dos Baís e revisitar, rever, observar uma a uma as fotos existentes.
20
O Pantanal é a maior planície de inundação contínua do mundo, formada principalmente pelas
cheias do rio Paraguai e afluentes. A região tem cerca de 250 mil Km², sendo que mais de 80%
fica no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O restante fica principalmente na Bolívia e uma
pequena parte ao Paraguai, onde recebe o nome de Chaco. Possui uma impressionante
diversidade na fauna e flora. Segundo a WWF, existem no Pantanal 1.132 espécies de borboletas,
656 de aves, 122 de mamíferos, 263 de peixes e 93 de répteis. Na época das chuvas, entre
outubro e fevereiro, o Pantanal fica praticamente intransitável por terra. No restante do ano, o solo
forma um excelente pasto para o gado.
26
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Igualmente no Museu Dom Bosco encontrará vestígios de espécies antigas, da
presença indígena que ocupara a região, etc. A partir disto pode reconstruir a
visão panorâmica do Pantanal. E assim ir aprofundando os estudos de maneira
cada vez mais minuciosa; mas sempre será uma simples idéia.
Ao contrário doze (12) horas de passeio de barco pelo Pantanal é uma
vivência. Entre doze (12) horas de passeio de barco e a mais vasta coleção de
fotografia do pantanal, há um abismo. Isto é uma simples idéia, uma
representação, um conceito, uma elaboração intelectual; enquanto que aquilo é
colocar-se realmente em presença do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo
própria e realmente na vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia; não
o mapa, não o esquema, que o substitua, mas ele próprio. Pois o que nós vamos
fazer é viver a Filosofia. E para vivê-la é necessário entrar nela para explorá-la.
“Qual é a coisa mais importante da vida? Se fazemos esta pergunta a uma pessoa de um
país assolado pela fome, a resposta será: a comida. Se fazemos a mesma pergunta a
quem está morrendo de frio, então a resposta será: o calor. E quando perguntamos a
alguém que se sente sozinho e isolado, então certamente a resposta será: a companhia
de outras pessoas. Mas, uma vez satisfeitas todas as necessidades, será que ainda resta
alguma coisa de que todo mundo precise? Os filósofos acham que sim. Eles acham que o
ser humano não vive apenas de pão. É claro que todo mundo precisa comer. E precisa
também de amor e cuidado. Mas ainda há uma coisa de que todos nós precisamos. Nós
temos a necessidade de descobrir quem somos e porque vivemos” (GAARDER, 2001: 24).
A vida é uma Filosofia. A Filosofia é vivência. Estudar é uma Filosofia de
vida. Portanto a Filosofia durante o processo formativo há de propiciar que o
estudante de hoje e profissional de amanhã seja melhor qualificado para a vida e
para o mercado de trabalho. Afinal o estudante deve exercer o seu papel de
“prever, organizar, pesquisar, discutir, estudar”.
1.3. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA
“É igualmente proveitosa aos pobres e aos ricos, e, quando desprezada,
prejudicará igualmente meninos e velhos” (HORÁCIO, Epístolas, I).
Na linguagem comum de uso corrente, Filosofia é uma visão de mundo,
uma concepção de vida, que o homem adota para uso pessoal. De maneira que
qualquer profissional poderá adotar para si ou assumir uma Filosofia de vida mais
pessimista ou mais otimista, menos séria ou mais, progressista ou retrógrada,
motivadora de ação ou inibidora.
27
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
De fato é no período que vai da adolescência para a juventude que criamos
uma Filosofia de vida para nós, uma concepção de vida e de mundo que irá
interferir em nossas atitudes e modo de ser. Todos nós temos uma Filosofia
subjacente às nossas atitudes perante o mundo e a vida.
Todos nós devemos ser filósofos. Devemos filosofar, pois filosofar é arte
das artes: o exercício de pensar por nós mesmos. A Filosofia de vida de cada um
resume o significado mais amplo que atribuímos às experiências do dia-a-dia para
dar-lhes sentido.
Assim todo profissional tem sua Filosofia de trabalho, mesmo que não
esteja explicitada, elaborada, é seguida como doutrina.
Os que jamais tiveram ou seguiram uma Filosofia foram fadados ao
fracasso, pois a prática sem teoria é uma roda sem eixo, desgovernada e sem
rumo. E a teoria sem prática é um semovente a caminho; necessariamente tem
alguém a guiá-lo. Quem não pensa por si só é como piolho: anda na cabeça dos
outros.
1.4. CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO
“‟Tudo era um caos até que se ergueu a Mente para pôr ordem nas coisas‟ escrevia
Anaxágoras, convencido da força da razão que filosofava” (TELES, 1982: 19).
A Filosofia é uma forma de saber que se distingue daquele comum porque
é radical, sistemático e rigoroso, e daquele científico porque é exaustivo, com total
abrangência inclusiva e explicativa (de conjunto)21. A exaustividade desta ciência
faz com que a nossa investigação avance em direção ao aprender como se
aprende ao saber como se sabe e ao conhecer como se conhece.
“Com efeito, se a Filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a realidade
apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma reflexão possa
ser adjetivada de filosófica, é preciso que se satisfaça uma série de exigências que vou
resumir em apenas três requisitos: a radicalidade, o rigor e a globalidade. Quero dizer, em
suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto.
Radical: Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais,
entendida a palavra radical no seu sentido mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso
que se vá até às raízes da questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se
21
Dermeval Saviani em seu livro Educação brasileira: estrutura e sistema, na tentativa de se
aproximar de uma definição possível, conceitua a Filosofia como uma reflexão radical, rigorosa e
de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta.
28
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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que se opere uma reflexão em profundidade. Rigorosa: Em segundo lugar e como que
para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente,
segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria
popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar. De conjunto: Em
terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo pardal, mas numa
perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos
do contexto em que está inserido. É neste ponto que a Filosofia se distingue da ciência de
um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência, a Filosofia não tem objeto
determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da realidade, desde que seja problemático;
seu campo de ação é o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de
ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele está; por isso se diz que a
filosofia é busca. E é nesse sentido também que se pode dizer que a filosofia abre
caminho para a ciência; através da reflexão, ela localiza o problema tornando possível a
sua delimitação na área de tal ou qual ciência que pode então analisá-lo e, quiçá,
solucioná-lo. Além disso, enquanto a ciência isola o seu aspecto do contexto e o analisa
separadamente, a Filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da
22
realidade, insere-a no contexto e a examina em função do conjunto” .
Entre as inúmeras definições que foram dadas à Filosofia é digna de
particular menção a dos estóicos23: “A Filosofia é ciência das coisas humanas e
divinas e de suas causas”. Tudo é suscetível de investigação filosófica; por esta
razão dá-se uma Filosofia do homem, uma Filosofia do mundo, uma Filosofia da
arte, da religião, da história, da cultura, do esporte, da técnica, do trabalho, do
direito, etc. Mas são terrenos privilegiados e também objetivo principal da Filosofia
os problemas últimos: a origem das coisas, o sentido da história, o valor do
conhecimento, a causa do mal etc.
Coerentes com estas definições, até hoje, os filósofos estudaram todas as
coisas. A Filosofia é a ciência dos objetos do ponto de vista da totalidade,
enquanto que as ciências particulares são os setores parciais do ser, províncias
recortadas dentro do continente total do ser. A Filosofia é a disciplina que
considera o seu objeto sempre do ponto de vista universal e da totalidade.
Enquanto que qualquer outra disciplina, que não seja a Filosofia, o considera de
um ponto de vista parcial e derivado. Concluímos então que a Filosofia estuda
tudo.
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIÃO E RAZÃO.
Quando falamos do mito e da Filosofia falamos do problema da ordem e da
desordem no mundo.
22
Dermeval Saviani, Educação: do senso comum à consciência filosófica. Disponível em:
<http://www.scribd.com/doc/7298667/>, acessado em 25 de dezembro de 2010 às 19h10min.
23
ESTÓICA: escola filosófica que procura a felicidade através da supressão dos prazeres.
29
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
“É certo que as tradições, os mitos, e a religiosidade respondiam a todos os
questionamentos. Contudo, essas explicações não davam mais conta de problemas,
como a permanência, a mudança, a continuidade dos seres entre outras questões. Suas
respostas perderam convencimento e não respondiam aos interesses da aristocracia
que se estabelecia na polis” (SEED/PR, 2006: 16).
O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a
Filosofia. Muitos povos da Antigüidade experimentaram o mito, que é um
pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a experiência, de ordenar o
mundo por meio do Mito. Eles perceberam que o mito era um jeito de ordenar o
mundo.
A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do
pensamento como logos (razão), pois a vida na polis impôs exigências que o mito
já não satisfazia24. Mas será que com a Filosofia o mito desaparece? Será que em
nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mítico?
O nascimento da Filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma
nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma de pensar
dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de um conjunto de narrativas
contadas de geração a geração por séculos e que transmitiam aos jovens a
experiência dos anciãos. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis
de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos
práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais antigas.
Nesse contexto, os mitos era um modo de pensamento essencial à vida da
comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que constituía a sua
experiência. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de entender o mundo
que foi sendo construído a cada nova narração. As crenças que eles transmitiam
ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da realidade e um
solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religião politeísta, sem
doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo
sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que
24
Conferir SEED/PR: p. 12-13.
30
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OLÍVIO MANGOLIM
se entende por teogonia25. Vale salientar que essas narrativas foram
sistematizadas no século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C.
Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que
o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva.
Os gregos a partir do século V a.C., viveram uma experiência social que
modificou a cotidianidade grega: a vivência do espaço público e da cidadania. A
cidade constituía-se da união de seus membros para os quais tudo era comum. O
sentimento que ligava os cidadãos entre si era a amizade, a filia, resultado de
uma vida compartilhada (a política como causa da filosofia).
1.5.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE MITO E FILOSOFIA?
1.5.1.1. MITO
“Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar
porque a vida é assim como é” (GAARDER, 2001:35).
O pensamento mítico é por natureza uma explicação da realidade que não
necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela
tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais.
Mas existe razão nos mitos? Não seria também a racionalidade, um mito moderno
disfarçado?
Assim como na Antigüidade, o mito estava a serviço dos interesses da
aristocracia rural e, portanto não interessava à aristocracia ateniense, surgindo
assim o pensamento racional ligado à “polis”, no mundo contemporâneo, não
estariam o pensamento tecnicista e a ciência, a serviço do capital e das elites que
financiam a produção do conhecimento científico?
O mito é um contexto explicativo feito para esclarecer um fato até então
desconhecido. É o pensamento anterior à reflexão mais crítica. A explicação
mitológica nasceu de uma atitude primária diante das coisas, do homem, do
mundo, explicações sem rigor racional e sem crítica pessoal. O mito é um
conjunto fechado de conhecimentos, capaz de explicar a realidade do meio.
Quando pergunto a um índio guarani porque se dizem que foram os primeiros
25
Genealogia de deuses, surgimento dos deuses.
31
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criados por Deus (Nhandejara), a resposta é sempre a mesma. Porque foram. Os
outros vieram depois. Tenta explicar a realidade pela própria realidade. Trabalha
com o conceito, através dos sentidos. Um mito é uma narrativa tradicional com
caráter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada
cultura e/ou religião. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida,
o fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses,
semideuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o
mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade.
Vamos verificar o que é um mito a partir da pré-história de Mato Grosso do
Sul. Habitavam esta região antes da chegada do homem branco (mineiros,
paulistas, gaúchos, japoneses) os povos indígenas. Dentre estas muitas tribos
(Guaicuru, Guaná, Guarani, Guató, Kadivéu, Kaiowá, Laiana, Ofaié, Paiaguá,
Terena, Xamacoco), cada uma tinha e tem sua maneira de explicar sua origem,
seu mito da criação.
Segundo a tradição dos terena, os professores da aldeia de cachoeirinha
(Miranda-MS), em 1995, resumiram assim a criação de seu povo:
“Havia um homem chamado Oreka Yuvakae. Este homem ninguém sabia de sua origem,
não tinha pai nem mãe, era um homem que não era conhecido de ninguém. Ele andava
caminhando no mundo. Andando num caminho, ouviu um grito de passarinho olhando
como que com medo para o chão. Este passarinho era o bem te vi. Este homem, por
curiosidade, começou a chegar perto. Viu um feixe de capim, e em baixo, num buraco,
havia uma multidão, eram os povos terena. Estes homens não se comunicavam e ficavam
trêmulos. Ai Oreka Yuvakae, segurando em suas mãos tirou todos eles do buraco. Oreka
Yuvakae, preocupado, queria comunicar-se com eles e não conseguia. Pensando, ele
resolveu convocar vários animais para tentar fazer essas pessoas falarem. Aconteceram
várias tentativas, e nada. Finalmente ele convidou o sapo para fazer a apresentação na
sua frente, o sapo teve sucesso pois todos esses povos deram gargalhada, a partir daí
eles começaram a se comunicar e falaram para Oreka Yuvakae que estavam com muito
frio“ (BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 22-23).
A outra versão para esta lenda foi documentada pelo estudioso Herbert
Baldus, antropólogo que trabalhou com os Terena durante muito tempo. Esta
versão é assim:
“Diz que antigamente não havia gente. Bem-te-vi Uítuka, descobriu onde havia gente
debaixo do brejo, Bem-te-vi marcou o lugar aos Orekajuvakái, que eram dois homens, e
estes tiraram a gente do buraco. Antigamente, Orekajuvakái era um só e quando moço
sua mãe ficou brava, pois Orekajuvakái não queria ir junto com ela à roça. Ela foi à roça
tirou a foice e cortou com ela Orekajuvakái em dois pedaços. Cada pedaço virou uma
pessoa diferente. Orekajuvakái sempre pensaram em como fazer essa gente falar.
Mandaram-na entrar em fileira um atrás do outro. Orekajuvakái chamaram lobinho (Okué),
para fazer rir a gente. Lobinho fez macacada, mordeu no próprio rabo, mas não conseguiu
32
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fazer rir. Orekajuvakái, chamaram sapinho, aquele vermelho (Kalaláke). Este andou como
sempre anda e a gente começou a dar risada. Sapinho passou ida e volta ao longo da fila
três vezes. Ai a gente começou a falar e dar risada. Ouviram que cada um da gente falou
diferente do outro. Aí separaram cada um a um lado. Eram gente de toda raça. Como o
mundo era pequeno. Orekajuvakái aumentou o mundo para o pessoal caber. Orekajuvakái
deu uns carocinhos de feijão e milho e deu mandioca também e ensinou como se planta.
Deu também semente de algodão e ensinou como tecer faixa. Ensinou fazer arco e flecha,
ranchinho, roçar e plantar” (Relato oral de Antônio Lulu Kaliketé, traduzido para o
Português por Ladislau Haháoti) (BITTENCOURT & LADEIRA, 2000: 23-24).
Nas duas versões do mito que conta a criação do povo terena é clara a sua
ligação a terra-mãe. A terra é mãe, e quando falamos desta maternidade não nos
referimos a uma alegoria, e sim a uma maternidade natural. Os Terena se
chamam a si mesmos de “poké’e”, que quer dizer terra. Quando perguntamos a
eles pela explicação disso, respondem:
“Poké‟e vituko vîha vo‟oku voxunoe enomonemaka úkea enomone maka vóvo ne
poké‟e, pone poké‟e hane noxó íxea kuteti koeku vêno enomone indúko nbeno,
enomone óvo ne inhénoxapa; undi íhaeneye” [“nosso nome é „poké‟e‟ porque nossos
antepassados saíram da terra e porque nós vivemos na terra, é da terra que
sobrevivemos; desta mesma terra construí minha casa, tenho meus vizinhos; eu sou daqui
26
mesmo” (“Poké‟e” = terra = Terena = filho natural da terra) (informação verbal)]
(MANGOLIM, 1999: 17).
Essa identificação precisa dos terena com a terra é contada no mito da
criação terena (podemos por analogia averiguar o mito da criação divina contado
no primeiro livro da Bíblia: Deus fez o 1º homem – Adão – a partir do barro). Os
terena foram tirados da terra. E é da terra que sobrevive. A lavoura é a principal
forma de atividade econômica, sendo fundamental para a religião Terena.
Cultivam, sobretudo, o arroz, feijão, milho, mandioca. Algumas aldeias estão
diversificando com amendoim, criação de gado e pequenos animais. A cana-deaçúcar é um produto muito utilizado para a produção de doces. Todas as aldeias
Terena são ricas em produção de frutas como a manga, caju, tamarindo, laranja,
banana.
Essa explicação mitológica da realidade feita pelos terena, remonta à
época em que em todo o Mato Grosso do Sul pouco mais de 3.000 indígenas
26
Os Terena acreditam que antes de haver os índios, já todos os animais viviam na terra. Os
índios viviam quase que como bichos debaixo da terra. Os Vanone saíram da terra antes dos
índios. Os Vanone eram uma tribo grande, eram numerosos, pequenos e como bichos; falavam
como passarinho, faziam só “hó hó hó”, não diziam outra coisa. Mas podiam se entender com os
índios. Chamaram os índios, para subir. Os Vanone ensinavam a falar todas as tribos e davamlhes uma língua, depois voltavam para dentro da terra. Provavelmente ainda estão lá, porque aqui
não aparecem mais. Diferentes animais traziam sementes e ensinavam a plantar. O fogo, isto é,
os pauzinhos para produzir o fogo, os Terena receberam-nos dos Vanone.
33
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deste povo aqui habitava. E este território que hoje comporta mais de dois (2)
milhões de habitantes27 dos quais aproximadamente vinte e quatro mim (24.000)
indígenas terena. Hoje os terena ocupam pouco mais de 20 mil hectares de terra,
não alcançando um (1) hectare por pessoa. Da mesma maneira que os gregos
fizeram a passagem de um entendimento mitológico da realidade para um
entendimento filosófico (racional), os terena estão buscando um rigor racional na
releitura que estão fazendo de sua realidade vivida hoje. Estão a partir da reflexão
crítica (filosófica) buscando novas alternativas de sobrevivência.
1.5.1.2. FILOSOFIA
“A Filosofia é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. A Filosofia não um
conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é
[...] um modo de se colocar diante da realidade, procurando refletir sobre os
acontecimentos a partir de certas posições teóricas. Essa reflexão permite ir além da pura
aparência dos fenômenos, em busca de suas raízes e de sua contextualização em um
horizonte amplo, que abrange os valores sociais, históricos, econômicos, políticos, éticos e
estéticos. Por essa razão, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência,
seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode
pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma
canção popular podem ser objetos da reflexão filosófica” (ARANHA & MARTINS, 1992).
Conhecimento objetivo, caracterizado pela razão, preocupa-se com a
essência das coisas. A explicação mítica é contrária à explicação filosófica. A
filosofia procura, através de discussões, reflexões e argumentos, saber e explicar
a realidade com razão e lógica enquanto que o mito não explica racionalmente a
realidade, procura interpretá-la a partir de lendas e de histórias sagradas, não
tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretação.
Filosofia é uma ação que nos levar a pensar diferente. Como os primeiros
filósofos gregos fizeram. Pensar de modo qualificado e cuidadoso. Envolve
atenção ao que ocorre. E isso é o que não ocorre hoje. Como diz a filósofa
gaúcha Márcia Tiburi:
“Filosofia [...] é resistência, é coragem de levar adiante a chance de que o mundo que
pensamos conhecer possa ser diferente do que suspeitamos. Temos receio de pensar
diferente. [...] Filosofia é conversação, troca de experiências de saber, vontade de
conhecimento sistemática. [...] O raciocínio é uma busca. Mas a Filosofia tem muito mais a
ver com „trabalho do conceito‟, com tentativa de pensar encontrando caminhos próprios.
Ela é próxima da literatura por isso, porque também é criação da linguagem, muito mais
do que apenas aplicação de técnicas lógicas previamente estabelecidas” (2007: 7-9).
27
IBGE 2010.
34
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1.6. NATUREZA E CULTURA
No cabedal da literatura contemporânea e, sobretudo, no âmbito da
Filosofia e Sociologia como ciências autônomas a cultura é tudo (produção
humana milenar). Natureza também é tudo (enquanto phisis). Mas não são
palavras sinônimas. Ambas são ricas de conteúdo. Na ausência do homem a
natureza existe, e a cultura? Seria a cultura toda a natureza filtrada pelo homem.
A natureza pré-existe ao homem, enquanto a cultura é sempre um produto da
sociedade humana. A cultura é posterior ao trabalho humano. Uma caverna
cavada pela erosão é natural, mas, não cultural. Os trabalhos da arquitetura são
culturais. Pode a cultura absorver toda a natureza? Eis que a natureza contém
toda a cultura.
Quando falamos em “natureza”28, atualmente, pensamos logo na realidade
exterior, no meio ambiente em que nascemos e vivemos, e que marcamos tão
fortemente com nossa presença, nossas técnicas, esse mundo natural no qual
construímos nossas cidades, que cortamos com nossas estradas, e cuja
existência acreditamos estar ameaçada, por causa de nossa atitude predatória
com relação a ele.
No entanto, a natureza pode ser compreendida de maneira mais ampla, ou
seja, como abarcando mais do que esse “lugar” ou essa “exterioridade” que
recebemos de presente quando nascemos. É muito importante percebermos que,
na verdade, os termos natureza e natural referem-se àquilo que nos é dado (ou
imposto), não só externa, mas também internamente, como determinações que
nos definem e que não podemos alterar ou que, para serem alteradas exigem
muita inventividade ou técnica.
Nessa perspectiva temos pelo menos três âmbitos do que pode ser
chamado de natural:
1. A natureza exterior (os recursos naturais, o mundo tal como o
encontramos, "lugar" ou "exterioridade");
28
Baseado no texto sistematizado por Marcelo P. Marques. Módulo didático: Natureza e Cultura.
Centro de Referência Virtual do Professor - SEE-MG / fevereiro 2010. Disponível em
http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/documentos/md/em/filosofia/2010-08/md-em-fl-02.pdf e
acessado em 17 de julho de 2012 às 21h25min.
35
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2. A natureza enquanto as características internas dos seres em geral,
aquelas com as quais eles nascem (por pertencerem a uma espécie); seriam
aquelas características que, juntas e articuladas, formariam o que se poderia
chamar
de
constituição
inata,
que
incluiria
tendências,
potencialidades,
disposições ou estruturas tais que permitiriam (ou impediriam) o desenvolvimento
de certos modos de ser. No caso do ser humano, em geral, seu corpo (mortal,
sexuado, dotado de alguns sentidos e não de outros) e suas características
psíquicas, com suas potencialidades (capacidade de raciocínio, de desenvolver
linguagem e de fabricar cultura);
3. Podemos ainda pensar na natureza particular de cada indivíduo (que
inclui este ou aquele tamanho, marcas próprias singulares, maior ou menor
aptidão para aprender alguma coisa, ser magro ou gordo, ser homem ou mulher,
etc.).
Se o âmbito da natureza é fonte de determinações que não dependem de
nossa vontade ou escolha, já o âmbito da cultura é, num primeiro sentido,
fabricado por nós mesmos, ou seja, a cultura é tanto o processo como o resultado
da ação criadora por parte dos seres humanos. Nessa primeira formulação, a
cultura inclui tudo o que não é natural, ou seja, tudo o que os diferentes grupos
humanos inventam, produz, fabricam, criam, escolhem e estabelecem para si
próprios.
Cultura são as cidades, as indústrias, as técnicas e os produtos das
técnicas, os materiais e objetos fabricados; e também as línguas, os códigos, os
livros, as leis, os costumes, a memória dos costumes, as regras, as artes, os
objetos das artes, as imagens, as convenções, os comportamentos, etc.
Na verdade, a distinção entre natureza e cultura é muito difícil de ser feita,
porque, como veremos muitas dessas "produções" humanas só são possíveis por
contarem com certas disposições naturais. Mas é importante pensar sobre essas
dimensões da realidade, separadamente e em suas relações, para que possamos
formular alguns problemas fundamentais, compreendê-los e, eventualmente,
tomar decisões em nossas vidas, individuais e coletivas.
36
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A relação entre as esferas da natureza e da cultura é uma dos temas
principais da Filosofia ocidental desde os gregos antigos. Tomar consciência de
sua diferença e tentar compreender os modos como se relacionam são tarefas
que geram uma série de questões e debates, problemas que recebem múltiplas
versões e formulações ao longo da história das técnicas, das ciências, das artes e
da Filosofia.
Algumas coisas nos parecem certas, atualmente: não se trata de se
sobrepor a cultura à natureza, como duas camadas justapostas, nem de reduzir
ou assimilar uma dimensão à outra, como se a natureza se dissolvesse na
cultura, ou como se fosse possível naturalizar totalmente a complexidade do
mundo cultural. É preciso compreender cada uma das duas esferas, nelas
mesmas e também nas suas relações. É difícil pensá-las separadamente, mas o
esforço é instrutivo, ou seja, vale a pena tentar diferenciá-las através da pesquisa,
da reflexão e do diálogo; mas, acima de tudo, é preciso vivenciar suas relações
como problemas, para sermos capazes de vislumbrar seu alcance e sua
importância para nossas vidas.
O que surge dessa experiência reflexiva é a compreensão de que o que
parece estar em questão na discussão é nosso interesse em sabermos o que,
afinal de contas, é o ser humano! E essa é uma tarefa que não podemos evitar:
para vivermos bem (ou melhor), temos que pensar certos problemas, seja no
plano instrumental (técnico e operacional), seja no plano comunicativo (moral e
político).
Vejamos algumas questões que servirão para nos mostrar a importância
vital da reflexão filosófica sobre a relação entre natureza e cultura.
Ecológicas
Os grupos humanos podem usufruir dos recursos naturais sem pensar nos
seus limites?
Um fazendeiro pode utilizar a água do rio que passa em sua propriedade,
do modo como quiser?
37
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A dona de casa pode continuar lavando o passeio com a mangueira de
água?
De que maneiras, ao usufruirmos dos bens de consumo, estamos
contribuindo para o esgotamento dos recursos naturais?
De que maneiras a satisfação de nossas demandas conduzem ao
aquecimento excessivo do planeta, esse lugar que é nossa residência natural?
Antropológicas
O que distingue o ser humano de outros animais?
O que aproxima o ser humano de outros animais?
Existe uma natureza (essência) humana?
Num ser humano, é possível distinguir o que é natural do que é cultural?
Num ser humano, como se relacionam fragilidade e força, precariedade e
riqueza?
Culturais
Como explicar a diversidade das línguas e das culturas?
Como explicar que os seres humanos, geneticamente os mesmos, se
adaptem a circunstâncias naturais tão distintas e adversas, como o deserto e a
floresta tropical?
Existem culturas inferiores ou superiores, umas às outras?
Pedagógicas
É possível mudar o comportamento de alguém que tem tendências
agressivas?
Uma criança pode ser obrigada a aprender a jogar futebol?
Uma menina tem que, necessariamente, gostar de ser mãe?
Um menino que se torna pai deve ser obrigado a sustentar seu filho?
A sexualidade é uma orientação natural a ser aceita ou uma escolha?
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Éticas
Enquanto determinado por fatores naturais (sexo, cor da pele, força física,
altura, etc.) um indivíduo deve ter certas funções sociais previamente
estabelecidas?
Alguém pode ser valorizado ou desvalorizado por ser indígena, oriental ou
negro?
Alguém pode ser prejudicado por ter menos força física?
Jurídicas
As leis devem ser aplicadas a todos os indivíduos igualmente, sem levar
em conta as diferenças dos ambientes naturais em que vivem?
Os indivíduos devem ser julgados sem se levar em conta as
particularidades culturais nas quais foram educados?
Atividade
Formule mais questões ou problemas que põem em jogo a relação entre
natureza e cultura e classifique-os de acordo com as categorias listadas acima.
1.7. A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS NA CONSTITUIÇÃO DA
FILOSOFIA.
Os pré-socráticos são filósofos que viveram na Grécia Antiga e nas suas
colônias (ver mapa na página seguinte). Assim são chamados porque vieram
antes de Sócrates, considerado um divisor de águas na Filosofia. Muito pouco de
suas obras está disponível, restando apenas fragmentos.
Os filósofos pré-socráticos foram os primeiros pensadores que, por volta do
século VI a.C., procuraram desenvolver formas de explicação da realidade
natural, do mundo que os cercava, independentemente do apelo a divindades e a
forças sobrenaturais.
São chamados de filósofos da natureza, pois investigaram questões
pertinentes a esta, tal como: de que é feito o mundo? Seu pensamento naturalista
visava explicar a natureza a partir dela própria. Romperam com a visão mítica e
39
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religiosa da natureza que prevalecia na época, adotando uma forma científica de
pensar. Alguns se propuseram a explicar as transformações da natureza.
A filosofia pré-socrática se desenvolve em cidades da Jônia (na Ásia Menor): Mileto, Éfeso, Samos e Clazômena;
em cidades da Magna Grécia (ou seja, no sul da Itália e Sicília): Crotona, Tareno, Eléia e Agrigento e na cidade de
Abdera, na Trácia.
As informações e o conhecimento a respeito dos filósofos pré-socráticos
foram preservados a partir das anotações de Aristóteles, Platão, Simplício e na
obra de Diógenes Laércio (século III d.C.).
A grande questão que motivou o início da Filosofia grega foi: o que é a
realidade. Os primeiros filósofos gregos sentiram a necessidade de explicar esta
realidade (o conjunto de todas as coisas que nos envolvem) que estava a sua
volta, buscaram estabelecer um princípio, para, a partir dele, poder pensar
racionalmente a realidade existente e tirar conclusões válidas.
Segundo Aristóteles, a maioria dos filósofos primitivos queria encontrar o
princípio de todas as coisas existentes. Eles acreditavam que “nada pode surgir
do nada”. Os filósofos pré-socráticos tiveram uma preocupação cosmológica,
buscaram a resposta para duas questões essenciais: Quem sou eu? De onde
vem o mundo? A seguir vamos nos ater a alguns desses filósofos para
compreender melhor o contexto em que nasceu a Filosofia como resposta
racional aos problemas enfrentados pelo ser humano.
40
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1.7.1. TALES DE MILETO (623-546 a.C.)29
“A água é o princípio de todas as coisas”.
Tales é considerado o pai da Filosofia grega, o primeiro homem sábio30. Foi
um homem que viajou muito. Os pensadores de Mileto iniciaram uma física e uma
cosmologia. Segundo Aristóteles, Tales afirmava que a substância original, o
princípio de todas as coisas, onde as demais coisas têm um ser derivado é a
água. De fato, Tales atribuiu uma causa material para a origem do universo. É
com Tales de Mileto que a razão humana resolve investigar os princípios e as
causas das coisas, saber do que é feita tal coisa.
Tales inspirando em muitos antigos que atribuíam às águas primordiais a
origem de todas as coisas e observando que as plantas e os animais nutrem-se
de umidade, que os germes vivos são úmidos, chegou à conclusão que a água é
substância única. Princípio primário, a água não se deriva de nada. São elemento
e princípios absolutos. Em sua última realidade deveria ser algo eterno para ser
agente de tamanhas transformações.
Em palavras mais simples, talvez pudéssemos traduzir a Filosofia de Tales
na seguinte explicação: a água se transforma em gelo, o gelo em cristal, este em
rocha, esta em areia, terra etc. A água, por sua vez, se transforma em vapor, este
em ar. Por outro lado como homem do litoral, impressionado com a observação
da “água-viva” que é um animal, não teve dificuldade em estabelecer também à
evolução da vida a partir da água. Assim, a água seria a origem de tudo. A regra
estabelecida: o transformismo.
29
A história atesta que Tales viajou por todo o Egito onde realizou estudos e entrou em contato
com os mistérios da religião egípcia. Além de grande pensador (um dos sete sábios da Grécia) foi
matemático, astrônomo, geômetra e físico. Foi o fundador da escola jônica, escola de pensamento
dedicada à investigação da origem do universo e de outras questões filosóficas, entre elas a
natureza e a validade das propriedades matemáticas dos números e das figuras. O que sabemos
a respeito de Tales é baseado em antigas referências gregas à história da matemática que
atribuem à ele um bom número de descobertas matemáticas definidas. Supõe-se que começou
sua vida como mercador, tornando-se rico o suficiente para dedicar a parte final de sua vida ao
estudo e a realização de algumas viagens. Supõe-se que viveu algum tempo no Egito onde
provavelmente aprendeu geometria e na Babilônia onde entrou em contato com tabelas e
instrumentos astronômicos. Faz parte do seu mito o fato de ter previsto o eclipse solar de 585
a.C., embora muitos historiadores da ciência duvidem que os meios existentes na época
permitissem tal proeza. Acredita-se que obteve seus resultados mediante alguns raciocínios
lógicos e não apenas por intuição ou experimentação.
30
Confira no final deste capítulo uma tabela sobre os sete sábios da Grécia e suas máximas (p.
53).
41
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Atribui-se a Tales o cálculo da altura das pirâmides, bem como o cálculo da
distância até navios no mar, por triangulação. Tales foi o primeiro personagem
conhecido a quem se associam descobertas matemáticas.
Os fatos geométricos cuja descoberta é atribuída a Tales são:

A demonstração de que os ângulos da base dos triângulos isósceles
são iguais;

A demonstração do seguinte teorema: se dois triângulos tem dois
ângulos e um lado respectivamente iguais, então são iguais;

A demonstração de que todo diâmetro divide um círculo em duas partes
iguais;

A demonstração de que ao unir-se qualquer ponto de uma
circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo
retângulo em C31.
1.7.2. ANAXIMANDRO (610-545 a.C.)
“O que vem antes e depois do finito, tende a ser infinito”.
Filósofo natural de Mileto e discípulo de Tales. Além de filósofo, foi
geógrafo, matemático, astrônomo e político. Escreveu um livro sobre a natureza
que se perdeu.
Para Anaximandro32 todos os elementos conhecidos estavam em luta. Ele
também acreditava que o princípio de todas as coisas era algo material. Mas esse
31
Provavelmente, para demonstrar este teorema, Tales usou também o fato de que a soma dos
ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos retos. O filósofo chamou a atenção de seus
conterrâneos para o fato de que se duas retas se cortam, então os ângulos opostos pelo vértice
são iguais (Sistematização disponível em <http://www.portalsaofrancisco.com.br>, acessado em
28 de dezembro de 2010 às 15h58min, cfr. Também <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tales_de_Mileto
e www.gregosetroianos.mat.br>).
32
Alguns anos mais jovem que o seu mestre Tales, morreram mais ou menos no mesmo ano.
Nasceu na Cidade de Mileto em 610 a.C. Anaximandro foi político, professor, administrador e
construtor de relógios solares, há quem diga que ele foi o inventor dos Gnômons (Relógios
Solares), mas é uma teoria bastante discutível uma vez que os gregos adotaram essa tecnologia
além das dozes horas do dia dos babilônicos. Mas de qualquer forma, foi Anaximandro quem
introduziu os Gnômons na Grécia. A Tradição considera Anaximandro, antes de tudo, um filósofo,
sucessor e discípulo de Tales, cuja Filosofia devemos interpretar como um desenvolvimento
interno do racionalismo de seu mestre (Disponível em <http://www.templodeapolo.net/> acessado
em 28 de dezembro de 2010 às 16h42min).
42
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elemento não podia ser nem a água, nem o ar, nem o fogo, porque o ar é frio, a
água é úmida, o fogo é quente. Esses elementos são, pois, antagônicos entre si.
Se um deles fosse o princípio, infinito, universal, os outros não existiriam. Nessa
luta cósmica, a substância primária deve ser, portanto, neutra. Esse princípio ou
elemento tinha em si, em potência, a possibilidade de que dele se derivassem as
demais coisas. Ele o chamou de ápeiron, uma substância etérea, infinita,
invisível, que não se deriva de nada. Ápeiron33 em grego quer dizer infinito. É um
elemento e um princípio, a partir da qual se desenvolviam todos os mundos. O
mundo se dissolveria nele também. É apenas um mundo dentre muitos. Ao
contrário de Tales não deu à gênese um caráter material. O apeíron é eterno e
indivisível, infinito e indestrutível. O princípio é o fundamento da geração de todas
as coisas, a ordem do mundo evoluiu do caos em virtude deste princípio.
1.7.3. ANAXÍMENES (585-524 a.C.)34
“[...] Do ar nascem todas as coisas existentes, as que foram e as
que serão, os deuses e as coisas divinas [...].[...] O Ar é Deus [...]”.
Foi um filósofo da escola jônica, que tem como característica básica
explicar a origem do universo a partir de uma substância única fundamental.
Refutando a teoria da água de Tales, e do ápeiron de Anaximandro, Anaxímenes
ensinava que essa substância era o ar infinito, pneuma ápeiron.
A alma é ar, o fogo, ar rarefeito. Quando o ar se condensa, transforma-se
primeiro em água, depois, condensa ainda mais em terra e, por fim, em pedra etc.
De maneira que o mérito de Anaxímenes foi o de ter corrigido o “princípio” de
Tales, escolhendo um outro princípio que fosse menos material.
33
Etimologicamente ápeiron significa sem limites, o infinito.
Anaxímenes de Mileto foi discípulo de Anaximandro. Nasceu quando Anaximandro tinha 25
anos, possivelmente no ano 585 a.C., no mesmo ano do eclipse previsto por Tales. Anaxímenes
nasceu, quando Mileto ainda era florescente cidade independente e liderava as cidades da
confederação jônica. O verdadeiro significado de Anaxímenes está em haver dado continuidade à
ciência e à Filosofia em curso. Anaxímenes deu continuidade aos estudos de seus antecessores:
Tales e Anaximandro. Ele fez avançar a ciência e a Filosofia, já nascidas, definitivamente por fora
das tradições dogmáticas mitológicas. A influência de Anaxímenes ocorreu sobre os mais diversos
filósofos, como por exemplo Pitágoras, Melisso, Anaxágoras, Demócrito, Diógenes de Apolônia.
(Disponível em <http://www.templodeapolo.net/> acessado em 28 de dezembro de 2010 às
16h16min).
34
43
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Anaxímenes também buscou uma coisa material como origem (arché)35 de
todas as demais, como única existente em si e por si. O elemento de Anaxímenes
o pneuma apeíron é um elemento eterno.
Dedicou-se à meteorologia, foi o primeiro a considerar que a lua recebe a
luz do sol. Era companheiro de Anaximandro. Hegel36 diz que Anaxímenes ensina
35
Arché é um termo fundamental na linguagem dos filósofos pré-socráticos, dado que é
caracterizado pela procura da substância inicial de onde tudo deriva e é também a idéia mais
antiga na filosofia, já que se tornou no ponto de passagem do pensamento mítico para o
pensamento racional. Os filósofos pré-socráticos tentaram estabelecer um "princípio" (arché) da
origem e composição do Universo, recorrendo para isso à natureza (physis). Arché é o princípio
absoluto (primeiro e último) de tudo o que existe. A arché é o que vem e está antes de tudo, no
começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as
coisas, que as faz surgir e as governa. É a origem, mas não como algo que ficou no passado e
sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente. Tales de Mileto,
Anaximandro de Mileto e Anaxímenes de Mileto acreditavam que as coisas têm por trás de si um
princípio físico, material, chamado arché. Tales de Mileto pensava este princípio ou arché como se
da água se tratasse. A água seria a substância última da constituição das coisas. Tales afirmou
que a água possui vida e movimento próprios. Já que a água é subjacente a todas as coisas,
poder-se-ia dizer que tudo está vivo e animado. Tales chega a uma grande abstração: "tudo é
um", ou seja, todas as coisas são redutíveis ao seu elemento fundamental, neste caso, a água.
Segundo Tales, a terra flutua sobre a água; assim sendo, a água é a causa material de todas as
coisas. Para Anaximandro, o princípio das coisas não era algo visível, era uma substância etérea,
infinita e indeterminada. Por fim, para Anaxímenes de Mileto, arché seria o ar e as coisas da
natureza. Da mesma maneira que a nossa alma, que é ar, nos sustenta, também um sopro e o ar
envolvem o mundo inteiro. Concluindo: arché é o princípio e realidade fundamental, aquilo de que
provêm todas as outras coisas, a gênesis (Cfr. <URL:http://www.infopedia.pt/$arche>).
36
“Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart na Alemanha em 27 de agosto de 1770 e
faleceu em Berlin em 1830. Em 1788 entrou para um seminário de teologia protestante em
Tübingen. Nesse seminário travou amizade com Schelling e Hölderlin. Em 1793 Hegel renunciou à
profissão de pastor e até 1796 trabalhou como preceptor em Berna, na Suíça. Depois disso,
mudou-se para Frankfurt onde permaneceu até 1800 - ainda como preceptor. Em 1801 ingressou
como livre-docente da Universidade de Jena e em 1816 foi nomeado professor na Universidade de
Heildeberg. Em 1818 transferiu-se para a Universidade de Berlim da qual se tornou reitor em
1829. O objetivo que impulsionou originalmente a Filosofia de Hegel foi a reconstituição de um
ideal cristalizado na imagem da Grécia Antiga. Esse ideal personificava a busca da liberdade. Não
a liberdade subjetiva e privada como nós a entendemos hoje. O que esse ideal personificava era
uma noção de liberdade completa sem a presença da alteridade e da diferença. Uma liberdade,
portanto, que pelas suas próprias características implicava uma consumação ligada ao infinito: sua
realização deveria eliminar toda espécie de separação entre as dimensões da vida. Assim, em
contraposição a um presente caracterizado pela cisão entre governados e governantes, entre
Deus e os homens e entre Política e Religião, a Grécia Antiga representava, para Hegel e muitos
de sua geração, um ideal de harmonia e de identidade entre esses vários aspectos. Liberdade,
então significava uma vida plena ou o restabelecimento da juventude perdida da civilização
ocidental. Entretanto, o amadurecimento do pensamento de Hegel conduziu-o a uma posição
diferente e antagônica com relação à restauração do mundo grego. A noção de retorno cedeu
terreno ao reconhecimento da riqueza e da peculiaridade do presente histórico. Também tornou-se
evidente a precariedade da liberdade antiga. Mesmo abandonando a busca pela restauração da
Grécia Antiga, o objetivo da liberdade ou da vida plena, permaneceu orientando a Filosofia de
Hegel em sua formulação definitiva” (Ronie Alexsandro Teles da Silveira, A Filosofia de Hegel.
Disponível em: http://ghiraldelli.files.wordpress.com/2008/07/silveira_hegel.pdf e acessado em 22
de julho de 2012 às 17h49min.
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que nossa alma é ar, e ele nos mantém unidos, assim um espírito e o ar mantêm
unido o mundo inteiro. Espírito e ar são a mesma coisa.
A substância da origem volta a ser uma coisa determinada como em Tales.
Anaxímenes identificou o ar porque tenha visto seu movimento incessante, e que
a vida e o ar andam juntos, na maioria dos casos.
A respiração é um processo vivificante, dependemos dela durante toda a
nossa vida. Ele via que no céu existem nuvens, e que a matéria possui diferentes
graus de solidez.
1.7.4. PITÁGORAS (570-490 a.C.)37
“Todas as coisas são números”.
Pitágoras foi um homem considerado gênio para seu tempo, porque é o
primeiro filósofo grego a quem ocorre à idéia de que o princípio donde tudo o mais
se deriva, aquilo que existe de verdade, o verdadeiro ser, o ser em si, não é
nenhuma coisa; ou, melhor dito, é uma coisa; porém, que não se vê, nem se
ouve, nem se toca, nem se cheira, que não é acessível aos sentidos. Essa coisa é
“número”. Para Pitágoras a essência última de todo o ser, dos que percebemos
pelos sentidos, é o número. As coisas são números, escondem dentro de si
37
Pitágoras de Samos, foi filósofo e matemático, moralista e fundador no sul da Itália de uma
comunidade religiosa, denominada por isso mesmo pitagórica, ou simplesmente escola itálica.
Ainda que não tenha deixado escritos, sua doutrina se transferiu oralmente ao que o seguiram.
Fosse através da comunidade que fundou, fosse através dos escritos criados neste contexto,
Pitágoras influenciou toda a antiguidade, inclusive ao cristianismo e ainda hoje continua a inspirar
algumas organizações sociais de cunho místico. A biografia de Pitágoras contém episódios
lendários, os quais todavia confirmam haver sido pessoa tida em alto apreço e influência.
Pitágoras está entre os filósofos pré-socráticos sobre os quais Diógenes Laércio, do século III
a.C., mais vastamente informou. Platão citou Pitágoras apenas uma vez e aos pitagóricos também
somente uma vez. Todavia Platão foi diretamente influenciado pelo pitagorismo. Contatou aos
mesmos pitagóricos. A estes citou pelos seus nomes pessoais, como dialogantes em seu livro
Fédon. Também citou pelos nomes pessoais aos discípulos do pitagórico Filolau (Fédon, 61).
Aristóteles somente menciona aos pitagóricos (Metafísica, 985b 20), em vez de Pitágoras. Os
informes doxográficos crescem somente com os autores tardios, situados já ao tempo da era
cristã, quando o pitagorismo já assumia as novas formas do neopitagorismo e mesmo do
neoplatonismo, num contexto moral e religioso, típico do período helênico-romano. Datam deste
tempo tardio Apolônio de Thyana e Nicômaco de Gerasa, estes neopitagóricos, sobre os quais
logo se apoiarão Diógenes Laércio (VII, 1-50), Porfirio (Vivo de Pitagoro), Jâmblico (Vida de
Pitágoras). As aproximações entre pitagorismo e cristianismo, bem como oposições, fizeram com
que algumas informações sobre o referido pitagorismo fossem dados por autores cristãos
(Disponível em <http://www.templodeapolo.net>, acessado em 28 de dezembro de 2010 às
17h10min).
45
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números. As coisas são distintas umas das outras pela diferença quantitativa e
numérica.
A influência de Pitágoras perpetuou no mundo do saber e fora dele. Estão
ligados ao seu nome tanto teoremas matemáticos como dogmas religiosos. Sua
Filosofia, como teoria saída do pensamento abstrato, esteve ligada à sua
matemática.
No campo intelectual, valorizou e exaltou a pesquisa desinteressada do
saber. O maior exemplo disto foram suas descobertas matemáticas, sendo a mais
conhecida a referente a triângulos retângulos, de que “a soma dos quadrados dos
catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”. Os egípcios já sabiam que um
triângulo cujos lados são 3, 4 e 5 tem um ângulo reto. Contudo, somente depois
de Pitágoras é que se provou por que 3 2 + 42 = 52. Fez-se assim uma prova de
natureza muito geral, mesmo universal.
No campo religioso criou um movimento que na era cristã corresponde ao
espiritismo. Dizia ele: “tudo o que nasce torna a nascer nas revoluções de um
determinado ciclo, até se libertar efetivamente da roda dos nascimentos”.
1.7.5. HERÁCLITO (535-475 a.C.)38
“Tudo muda nada é”.
Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, descendente do fundador da
cidade. É considerado o mais importante dos pré-socráticos. É dele a frase de
que tudo flui. Não entramos no mesmo rio duas vezes e o sol é novo a cada dia.
Este filósofo foi apelidado por seus contemporâneos de “o obscuro”, o
“filósofo do humor negro”. Para ele, o devir, isto é, as contínuas transformações é
38
Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas
reais (descendentes do fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e melancólico ficou
proverbial em toda a antigüidade. Desprezava a plebe. Recusou-se sempre a intervir na política.
Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filósofos de seu tempo e até contra a religião.
Sem ter sido mestre, Heráclito escreveu um livro Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico,
mas de forma tão concisa que recebeu o cognome de Skoteinós, o Obscuro. Heráclito é por
muitos considerado o mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema
da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e
transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os
acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões,
"como a do arco e da lira" (Disponível em <http://www.mundodosfilosofos.com.br/heraclito.htm.>,
acessado em 31 de dezembro de 2010 às 10h47min).
46
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a lei fundamental do universo. Heráclito viu na contínua mudança a transformação
de todas as coisas, a lei mais geral do universo. Essas transformações como as
que ocorrem em nós (nascer, crescer, declinar e morrer) se fazem de acordo com
uma lei: Logos39.
Nunca vemos duas vezes a mesma coisa, por próximos que sejam os
momentos ou, como dizia na sua linguagem metafórica e mística: “Nunca nos
banhamos duas vezes no mesmo rio”. As coisas são as gotas d‟água nos rios,
que passam e não voltam nunca mais. Não podemos entrar duas vezes no
mesmo rio porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto ele já
estamos mudado.
O que há é um ser dinâmico. Nada existe, porque tudo o que existe, existe
um instante e no instante seguinte já não existe, antes é outra coisa a que
existe40. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e nãosendo, um devir perfeito, um constante fluir. A verdade se encontra no devir, não
no ser. Com sentidos poderosos, poderíamos vê-lo. O pensamento humano
participa e é parte do pensamento universal.
1.7.6. PARMÊNIDES (540-460 a.C.)41
“Pensar e ser é o mesmo”.
Todos nós conhecemos a frase: “só acredito vendo”. Mas Parmênides não
acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão
enganosa do mundo; uma visão que não está em conformidade com o que nos
diz a razão. Para se chegar à verdade não podemos confiar nos dados empíricos,
temos de recorrer à razão. Como filósofo, ele achava que sua tarefa consistia em
39
O princípio cósmico que confere ordem e racionalidade ao mundo, em analogia com o modo
como a razão humana ordena a ação humana. Princípio oculto e organizador do universo.
40
Como veremos mais adiante ao estudar a teoria do conhecimento na Antiguidade, esta
dinamicidade do ser nos impede de obter um conhecimento da realidade concreta, porque,
segundo Heráclito, existiria uma diferença entre o que percebemos e o que temos a capacidade
de entender. Como a natureza está perpétua mudança, tudo se modifica mais rápido do que
temos a capacidade de entender.
41
Nascido na cidade de Eléia, hoje Vília na Itália. Ele foi admirado por seus contemporâneos por
ter levado uma vida regrada e exemplar. Pouco se conhece sobre sua vida. Sabe-se que ele
esteve em Atenas, no ano em que completou 65 anos (por volta da metade do século V a.C.), e ali
conheceu e se tornou amigo do jovem Sócrates. Parmênides foi o mais influente dos filósofos que
precederam Platão. Ele propôs que tudo o que existe é eterno, imutável, indestrutível, indivisível e,
portanto, imóvel.
47
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desvendar todas as formas de “ilusão dos sentidos”. E a primeira de todas as
ilusões a que se confrontou é que não havia, segundo ele, mudança nas coisas.
“O ser é e o não ser não é”.
Parmênides considera que o pensamento humano pode atingir o
conhecimento genuíno e a compreensão. Essa percepção do domínio do "ser"
corresponde às coisas que são percebidas pela mente.
O que é percebido pelas sensações, por outro lado, é, segundo ele,
enganoso e falso, e pertence ao domínio do não-ser. Trata-se de uma oposição
direta ao mobilismo defendido por Heráclito de Éfeso, para quem "tudo passa,
nada permanece". Seu pensamento influenciou a chamada "teoria das formas",
de Platão.
1.7.7. EMPÉDOCLES (490-430 a.C.)42
“O mundo evoluiu da água por processos naturais”.
Como vimos, Parmênides e Heráclito pensavam de maneira totalmente
oposta. A razão de Parmênides deixava claro que nada pode mudar. Mas as
experiências sensoriais de Heráclito deixavam igualmente claro que a natureza
está em constante transformação. Qual dos dois tinha razão: será que devemos
confiar no que nos diz a razão, ou será que devemos confiar nos sentidos?
Tanto Parmênides quanto Heráclito fazem duas afirmações:
Parmênides diz:
a) Que nada pode mudar, e,
42
Político, filósofo, médico, místico e poeta grego, nascido em Aeragas, hoje Agrigento, na Sicília,
cidade colonial grega no litoral sul da Sicília, então parte da Magna Grécia, no Mar Mediterrâneo,
um dos notáveis defensores da teoria da constituição da matéria de Pitágoras, um profundo
teórico da evolução dos seres vivos e considerado o primeiro sanitarista da história. Primeiro
filósofo nascido no Ocidente, para estabelecer um compromisso entre a doutrina eleática e a
evidência comum dos sentidos, adotou todos os pontos até então considerados básicos e
acrescentou-lhes um quarto, chamando-os de raízes das coisas, rizomata, que Aristóteles mais
tarde os denominou de elementos. Substituiu, pois, a busca dos jônicos de um único princípio das
coisas para interpretação do universo pelo de que "todos os fenômenos da natureza são resultado
da mistura de quatro elementos: água, fogo, ar e terra". Na sua concepção cosmológica com
essas quatro substâncias, elas se uniriam sob a força de algo que os misturasse das várias
formas. Para que isso ocorresse teorizou os seus dois princípios: o amor como fator de união, e o
influxo do ódio para a divisão.
48
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b) Que, por isso mesmo, as impressões dos sentidos não são dignas de
confiança.
Heráclito, ao contrário afirma:
a) Que tudo se transforma (“tudo flui”), e,
b) Que as impressões dos sentidos são confiáveis.
Empédocles apontou o caminho que tiraria a Filosofia deste impasse. Ele
achava que tanto Parmênides quanto Heráclito tinham razão em uma das suas
afirmações, mas estavam totalmente enganados quanto a outra. O Ponto de
partida dos dois filósofos estava equivocado. Não existe apenas um elemento
constituinte das coisas. Para Empédocles os elementos primordiais, elementos
constituintes das coisas são quatro: terra, ar água e fogo.
Todas as transformações da natureza seria resultado da combinação
desses quatro elementos, que, depois, novamente se separavam um do outro.
Pois tudo consiste em terra, ar, fogo e água, só que em diferentes
proporções de mistura. Quando uma flor ou um animal morrem, esses quatro
elementos voltam a se separar. Essas transformações podem ser percebidas por
nós a olho nu. No entanto, terra, ar, fogo e água continuam a ser o que são
inalterados. Não é certo afirmar então que “tudo muda”. O que determinava a
união e a separação entre os quatro elementos eram dois princípios
abstratos: o amor e o ódio. Por sua causa todas as substâncias compostas são
pouco duradouras.
Para Empédocles, há duas forças fundamentais responsáveis pela
manutenção do universo: O AMOR que unia os elementos (raízes) e o ÓDIO que
os separava. O amor agiria como força de atração e união, o ódio como força de
dissolução. A morte para ele era simplesmente a desagregação dos elementos.
Segundo ele, todos nós fazíamos parte do todo que se renovava em ciclos;
reunindo-se (nascimento) e separando-se (morte).
“Empédocles deve ter percebido que amor e ódio aproximam e afastam os seres humanos
e por isso elevou-os à categoria de forças antagônicas cósmicas capazes de realizar o
processo de atração e repulsão. Para nosso filósofo, os opostos não se atraem, mas pelo
contrário, o semelhante atrai o semelhante e o dessemelhante repulsa o dessemelhante. E
esse movimento é considerado eterno, um ciclo constante no qual quando prevalece a
harmonia é porque o Amor está atuando. Quando é a desarmonia ou desequilíbrio que
49
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prevalece (seja na política, na saúde, no emocional etc.) é porque o Ódio está atuando”
(CABRAL,
Disponível
em:
http://www.brasilescola.com/filosofia/empedocles.htm.
Acessado em 22 de julho de 2012 às 18h40min).
1.7.8. DEMÓCRITO (460-370 a.C.)43
“O homem é um microcosmo”.
Este filósofo foi o criador da palavra átomo. Em Demócrito o átomo era
uma suposição inacessível; hoje é uma realidade palpável. Para Demócrito tudo o
que existe é composto de átomo. Sua atomística se aproxima da ciência
moderna, se bem que com Demócrito era uma especulação filosófica, ao passo
que, hoje, é uma comprovação científica.
Átomo, do grego: a (alfa) = não e tomos= divisão, divisível. Tomo existe
tal qual em português com o significado de divisão, quando dizemos: esta obra se
apresenta em três tomos, isto é, em três divisões. Segundo Demócrito em todo o
universo só existe átomos e vácuo. A própria alma era constituída de átomos,
assim como todas as coisas.
Para resolver o impasse surgido nas teorias de Heráclito e Parmênides,
desenvolve a teoria de que tudo seria composto por partículas minúsculas
indivisíveis e invisíveis a olho nu, inclusive a alma. Os átomos da alma se
desintegrariam no momento da morte. Portanto, não acredita na imortalidade da
alma, embora gostasse de Pitágoras.
Trabalhou muito, dizia que os trabalhos feitos de bom grado fazem mais
leves as cargas dos impostos a contragosto. Na sua Filosofia, o trabalho
continuado torna-se mais leve por causa do átomo. Um trabalho bem feito e
terminado dá mais satisfação que o descanso, e um trabalho em que não há
retorno causa muito desprazer. O homem sensato dosa a avareza com o gasto, e
suporta com brandura a pobreza.
O homem é infeliz porque não conhece a natureza. Temos de nos
contentar com o mundo tal como ele é. Os átomos constituem a explicação última
da natureza. Foi o mais lógico dos pré-socráticos.
43
Nascido em Abdera, Demócrito viajou pelo Egito e pela Ásia e teve uma vida extremamente
longa. Escreveu numa prosa arcaica, mas bem elaborada, elogiada por Cícero e Plutarco, sobre
filosofia da natureza, matemática, ética e música. Restam-nos de suas obras somente curtos
fragmentos, mas Aristóteles analisou sua doutrina filosófica.
50
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1.8. O NASCIMENTO DA FILOSOFIA.
A Filosofia teve seu início propriamente dito com os sábios gregos,
aproximadamente no século VI e V antes de Cristo. De imediato estes sábios
tinham um objetivo bem definido que era melhorar os costumes de seus
concidadãos. A Filosofia grega forma-se a partir da crítica e do combate à
mitologia popular e aparece como operação própria da razão.
“[...] os mitos primitivos, a Filosofia, a ciência [...] são [...] explicações, ampliações da
nossa experiência das coisas e do mundo. De todas estas explicações, a científica é a
mais objetiva, porque, por meio da experimentação, a que submete o fato ou o fenômeno,
obriga-o a revelar-se tal qual é” (TELES, 1982: 12).
O mito é o pensamento na sua fase primitiva, anterior à reflexão mais
crítica. A Filosofia é reflexão crítica e meditação ativa com rigor racional. O que
motivou o surgimento da Filosofia, ou a passagem do pensamento mítico para
Filosofia foram, realizando uma síntese de acordo com o estudo anterior, duas
causas:
a) a primeira delas foi à nova ordem social estabelecida no mundo pela
evolução de sociedades primitivas para sociedades mais complexas com
organização de polis (cidades) e conseqüentemente uma nova dinâmica social;
b) e em segundo lugar aparece à própria contradição dos mitos. Os grupos
humanos entraram em contato mais intenso e às vezes um mesmo fato era
explicado por vários mitos diferentes e até opostos.
O primeiro esforço filosófico do homem foi feito pelos gregos e começou
sendo um esforço para discernir entre aquilo que tem uma existência
meramente aparente e aquilo que tem uma existência real em si. Foram os
gregos que, pela primeira vez, buscaram, com o pensamento racional, encontrar o
que as coisas são, averiguaram o último fundo das coisas. Estas coisas que
tinham existência em si os gregos as chamaram de princípio; nos dois sentidos
do termo: como começo e como fundamento de todas as coisas. Em outras
palavras, a Filosofia grega nasceu procurando desenvolver o saber racional
(logos) em contraste com o saber alegórico (mito).
51
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CONCLUINDO
Este primeiro capítulo nos ajudou a descobrir, compreender, contextualizar
historicamente o nascimento da Filosofia na Grécia. Possibilitou uma analogia
com a importância e seu significado para o mundo grego e para nós hoje: que
importância tem a Filosofia para nossa vida? Reconhecemos as principais
características do pensamento filosófico em oposição à fase mítica do
pensamento (as primeiras explicações acerca da existência humana).
Os gregos foram os que primeiro se deram conta do potencial humano para
a razão decidindo-se a enfrentá-lo. Os primeiros filósofos gregos se negavam a
serem, simplesmente, os sábios.
“Negavam o saber que se dava ares de dádiva. A filosofia não era mito, não era poesia,
não era tragédia, não era religião, não era retórica. Nem era iluminação, nem inspiração.
Era a negação nascente de todo dogma e de toda resposta aceita, de toda ilusão, de toda
encenação que acobertasse o fio cortante do Logos. A capacidade de linguagem e razão
do humano que se realizava como dever saber, tal era o que significava sua busca, já era
o trabalho da compreensão que exige a palavra autocrítica para alcançar a verdade. O
amor ao saber era compromisso. A verdade seria o magma encontrado após a retirada de
todos os véus, o que equivalia a negar com veemência a explicação já dada e avançar na
pergunta” (TIBURI, 2006).
O exercício do logos ligava-se a Eros44 como desejo de saber, e, muito
mais, ao compromisso com o saber, o sentido mais acurado da Philia grega, a
amizade como implicação de vidas. Filósofos eram aqueles que buscavam o
saber no ato conjunto do diálogo (IBID).
A Filosofia, primeiro foi especulação sobre o sentido último das coisas
(metafísica), foi descoberta da reflexão sobre a ação (ética), mas foi, sobretudo,
diálogo, ou seja, experiência de encontro de diferenças em torno da linguagem (o
nome mais próprio do Logos), de suas possibilidades, da atitude crítica e
luminosa que ela fazia nascer. Tudo o que nasce tem um objetivo. Assim como a
verdadeira Palavra, Aquela palavra que no dizer de São Paulo, o primeiro
representante da Patrística, Aquele que era totalmente divino se tornou humano
para que nós humanos nos tornássemos divinos.
44
Em grego:”ἔρως", é o amor apaixonado, com desejo e atração sensual. Eros pode também ser
definido como a atração para a perfeição ou integralidade, e é usado para descrever a satisfação
entre o homem/mulher e o homem/deus. Aqui há uma transposição para o conhecimento. O Eros
é contrastado frequentemente com termos gregos paralelos “philia” e “ágape”, significando,
aproximadamente, amizade e afeto (ternura), respectivamente.
52
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A experiência da Filosofia grega é devedora da democracia como partilha
no campo do saber. Só a Filosofia seria capaz de manter o seu sentido. O que
nasceu Filosofia permanece como algo originário na Filosofia de hoje que nos
obriga sempre a uma retomada genealógica. Ela é diálogo como ação crítica e
reconstrutiva do sentido do estar junto do outro: a experiência política genuína.
Termino o capítulo que explicita a origem da Filosofia na Grécia Antiga
como experiência política, ética, busca de saber, vivência de cidadania, fazendo
uma ponte com os dias atuais. Explicitando a partir de filósofas genuinamente
brasileiras.
“A Filosofia é um jogo irreverente que parte do que existe, critica, coloca em dúvida, faz
perguntas importunas, abre as portas das possibilidades, faz-nos entrever outros mundos
e outros modos de compreender a vida. A Filosofia incomoda porque questiona o modo de
ser das pessoas, das culturas, do mundo. Questiona as práticas política, científica,
técnica, ética, econômica, cultural e artística. Não há área em que ela não se meta, não
indague, não perturbe. E, nesse sentido, a Filosofia é perigosa, subversiva, pois vira a
ordem estabelecida de cabeça para baixo” (ARANHA & MARTINS, 1992).
53
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OLÍVIO MANGOLIM
OS SETE SÁBIOS DA GRÉCIA – A lenda relaciona entre si sete nomes de figuras antigas, grupo
de filósofos e estadistas gregos, dos séculos VII-VI a.C., que granjearam grande prestígio e se
distinguiram pela sua sabedoria. O nome dos sábios varia, conforme a fonte que os nomeia. Mas o
texto mais antigo que refere aos Sete Sábios da Grécia é o Protágoras (342e-343b) de Platão, que
diz que o grupo é constituído por: Tales de Mileto, Pítaco de Mitilene, Bias de Priene, Sólon de
Atenas, Cleobulo de Lindos, Míson de Queneia (noutros textos aparece Periandro de Corinto) e
Quílon de Lacedemónia. A eles atribuem-se breves sentenças morais (ou máximas), algumas das
quais se tornaram famosas. As frases são todas, como se observará, de natureza prática e moral.
45
E demonstram que a reflexão filosófica, na Grécia, situava-se no campo da sageza da vida, e
não tanto na pura contemplação, como mais tarde virá a acontecer.
SÁBIO
1. Tales de Mileto
MÁXIMAS
1.
2.
3.
4.
5.
2. Pítaco de Mitilene
1.
2.
3.
4.
5.
3. Bias de Priene
4. Sólon de Atenas
1.
2.
3.
4.
5.
1.
2.
3.
4.
5.
5. Cleobulo de Lindos
1.
2.
3.
4.
5.
6. Míson de Queneia
7. Quílon de Lacedemónia
1.
2.
3.
4.
5.
1.
2.
3.
4.
5.
A ignorância é incomoda.
Espera receber de teus filhos, quando fores velho, o mesmo
tratamento que dispensaste a teus pais.
Evita as palavras que possam ferir os amigos.
Evita enriquecer por vias desonestas.
Perto ou longe, importa lembrar os amigos.
A ambição é insaciável.
Ama a educação, a temperança, a prudência, a verdade, a
fidelidade, a experiência, a gentileza, a companhia dos
outros, a exatidão, os cuidados domésticos, a arte e a
piedade.
Dá-te ao respeito.
Não faças o que não gostares que te façam.
Sábio é quem sabe discernir o futuro; o passado é passado,
mas o porvir é incerto.
A maioria é perversa.
Aprende a saber ouvir.
Fala sempre com propósito.
Não sejas, nem mau, nem tolo.
Persuade pelo bem, e nunca pela força.
Aconselha o que for justo, não o que aches agradável.
Evita o prazer, se ele for causa de remorso.
Guia-te pela razão.
Procura ser honesto, porque a honestidade é melhor do que
uma palavra honrada.
Quando souberes obedecer, saberás chefiar.
A sabedoria é preferível à ignorância.
Casa com uma mulher da tua condição; se casares com uma
rica, em vez de sogros arranjarás patrões.
Considera inimigo público quem odiar o povo.
Cuidado com a língua.
Evita acariciar a tua esposa em público; quem a desfruta em
público procede mal, mas quem a acaricia, desperta paixões
fúteis.
A democracia é preferível à tirania.
Guarda os segredos.
O estudo abarca todas as coisas.
Os prazeres são mortais, as virtudes, imortais.
Um lucro desonesto é uma calúnia contra o espírito.
Cuida de ti mesmo.
Foge dos intriguistas.
Não desejes o impossível.
Põe a razão antes da língua.
Quando beberes, fala pouco para não cometeres
indiscrições.
45
Significa caráter do que ou daquele que é sage. E sage, por sua vez, é aquele que alia a virtude
à sabedoria; aquele cujos juízos e cujo comportamento são inspirados e governados pela retidão
de espírito, pelo bom senso; aquele que só estima os verdadeiros bens e, por isso, vive sem as
ambições, as inquietações e as decepções que perturbam a existência do homem comum;
filósofo.
54
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2. TEORIA DO CONHECIMENTO NA ANTIGUIDADE E NA
IDADE MÉDIA
O homem possui a capacidade especial de pensar, o que lhe permite não
apenas conviver com a realidade, mas também conhecê-la. Conhecer a realidade
significa compreendê-la e explicá-la. Conhecimento é a relação que se estabelece
entre sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou que
se dá a conhecer.
O conhecimento humano tem dois elementos básicos: um sujeito e um
objeto. O sujeito é o homem, o ser racional que quer conhecer (sujeito
cognoscente). O objeto é a realidade (as coisas, os fatos, os fenômenos) com que
convivemos. O homem só se torna sujeito do conhecimento quando está diante
do objeto a ser conhecido. A realidade só se torna objeto do conhecimento
perante um sujeito que queira conhecê-la. O próprio homem pode ser objeto do
conhecimento humano.
O fenômeno se dá a conhecer da seguinte maneira: o sujeito capta as
características e propriedades do objeto, formando dele uma imagem mental. Por
meio da imagem, o sujeito apodera-se de propriedades que antes pertenciam
apenas ao objeto. É a posse das características e propriedades do objeto que nos
permite o entendimento e a explicação da realidade. Por isso, quanto mais
semelhantes forem a imagem e seu respectivo objeto, maior será a objetividade
do conhecimento.
Conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente. A
representação é o processo pelo qual a mente torna presente diante de si a
imagem, a idéia ou o conceito de algum objeto.
Portanto, para que exista conhecimento, sempre será necessária a relação
entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa
mente) e um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).
Só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto é,
conseguir representá-lo mentalmente.
55
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2.1. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS.
“Tudo é vir-a-ser, tudo muda, tudo se transforma” (HERÁCLITO).
Os pré-socráticos46, notadamente três pensadores que viveram na Grécia
do século IV. a.C., iniciaram a discussão em torno da Teoria do Conhecimento,
sob a égide da epistemologia: Heráclito, Parmênides e Demócrito.
Para Heráclito, seria impossível conhecer a realidade concreta, pois
existiria uma diferença entre o que percebemos e o que temos a capacidade de
entender. Isto porque a natureza está em fluxo perpétuo, tudo se modifica mais
rápido do que temos a capacidade de entender. A partir deste raciocínio, ele criou
a teoria do Devir, uma palavra que em grego significa mudança constante, usando
a famosa analogia do rio. Um homem não pode atravessar o mesmo rio duas
vezes, pois as águas já não são as mesmas, já que o liquido corre, assim como o
homem não é o mesmo, pois ele também se modifica.
Parmênides chegou à mesma conclusão por um caminho diferente, embora
parecido. Para ele só seria possível conhecer aquilo que permanece imutável,
pois estando o mundo em constante mudança, o que o pensamento entende já
não corresponde à realidade, já passou. Em outras palavras, ao beber a água de
um rio, é impossível dizer se dita água é boa, pois ao fazer esta afirmação, a água
que corre pelo rio já não é a mesma que foi ingerida. Portanto, só podemos dizer
o que foi e não o que é. Uma conclusão diferente da idéia defendida por Heráclito,
uma vez que, para este, o que a razão entende não é o que passou, mas sim algo
que não corresponde à realidade porque reflete o que os sentidos percebem
como real, sem que exista correspondência com a realidade.
No entanto, para Parmênides, observando o que está por trás das
aparências é possível entender a realidade, o que implica em descobrir a
essência das coisas perguntando: “O que é?” É a partir desta premissa que
Parmênides criou a teoria do ser, segundo a qual toda mudança é ilusória, pois a
46
Texto sistematizado pelo Professor Doutor Fábio Pestana Ramos, Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jan., Série 17/01, 2011, p.01-08. A Teoria do
Conhecimento na antiguidade: contribuições para o pensamento filosófico na Idade Moderna.
Disponível
em
http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/01/teoria-do-conhecimento-naantiguidade.html e acessado em 22 de Julho de 2012 às 21h55min.
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essência do ser é sempre a mesma, permanece imutável. É por isto que o ser é
definido simplesmente como aquilo que é. Dentro deste raciocínio, Parmênides
dizia que tudo é ser e não ser, a despeito de existir também o vir a ser; ou seja, os
sentidos enganam, mas a razão pode identificar o que é ou não e deduzir o que
pode se tornar.
Entretanto, Heráclito e Parmênides chegaram a uma mesma conclusão:
existe um descompasso entre a realidade e o entendimento, seja este tributário
dos sentidos ou da razão. Na realidade, com estes pensadores, são fundadas
duas tradições: a partir de Heráclito baseada na confiança nos sentidos, o que
seria continuado pelos empiristas na entrada da modernidade; enquanto
Parmênides estabelece a centralização na razão, um prelúdio do racionalismo
cartesiano.
Diferente dos dois, Demócrito estabeleceu a teoria conhecida como
atomismo, à realidade constituída por átomos, aquilo que não pode ser dividido.
Para ele, sendo o mundo constituído por diferentes átomos, os quais são
imutáveis, o mundo e o conhecimento dele é concreto, portanto real.
Temos a impressão de mudanças conforme os átomos sofrem re-arranjos
de combinações, mas os átomos permanecem os mesmos. A percepção não é
ilusória, os sentidos percebem aquilo que realmente é, embora somente o
pensamento, a razão, seria capaz de observar os reajustes dos átomos e a
realidade. Em certa medida, Demócrito funda a tradição que seria seguida por
Kant no século XVIII, ao mesmo tempo, também seguida pelo iluminismo.
2.2. OS SOFISTAS E O PENSAMENTO SOCRÁTICO.
2.2.1. OS SOFISTAS
“O homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto
são, e das que não são, enquanto não são” (PROTÁGORAS).
Os sofistas foram os primeiros políticos e advogados do mundo Ocidental,
compunham um grupo que cobrava para ensinar e defender pontos de vista,
57
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sendo considerados guardiões da democracia em Atenas e os primeiros
professores remunerados.
Dentre os sofistas, destacaram-se Protágoras47, Górgias e Isócrates. Todos
viveram na Grécia do século V a.C. Refletindo sobre o antagonismo entre os
filósofos anteriores, os sofistas terminaram concluindo que o conhecimento é
relativo, podendo refletir múltiplas opiniões, isto porque essência da realidade não
pode ser conhecida.
Górgias48, por exemplo, colocou-se contra Parmênides, afirmando que o
ser não existia, pois seria impossível determinar a essência das coisas. Para ele
não é possível dizer o que uma coisa é ou não é, já que poderia ser muitas coisas
ou nada.
Na opinião dos sofistas, tudo era apenas uma questão de retórica,
linguagem manipulada para modificar a percepção da realidade, os interlocutores
percebem o mundo de acordo com a construção do discurso.
Os sofistas defendiam o relativismo, Protágoras cunhou a frase “o homem
é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que
não são, enquanto não são”. Tentava expressar a idéia de que tudo é conhecido
de forma particular por cada um, não existindo conceito absoluto. Dentro deste
47
Protágoras nasceu em Abdera em 480 a.C. - pátria de Demócrito, cuja escola conheceu – entre
os sofistas é o mais conhecido. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua cidade natal, na
Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve grande êxito, sobretudo entre os jovens, e
foi honrado e procurado por Péricles e Eurípedes. Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas,
onde foi processado e condenado por impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada em
praça pública. Refugiou-se então na Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.), dos quais,
quarenta dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e das variações da sensação,
conforme as disposições subjetivas dos órgãos, inferiu Protágoras a relatividade do conhecimento.
Esta doutrina enunciou-a com a célebre fórmula; o homem é a medida de todas as coisas.
48
Górgias nasceu na Sicília, em Leontinos no ano 487 a.C.. Em 427 a.C. quando Leontinos foi
ameaçada por Siracusa, foi encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro.
Górgias defende a causa da sua pátria perante a Assembléia do Povo, em Atenas, onde alcança
um grande sucesso pela sua eloqüência. O seu estilo é tão pessoal que os gregos criaram o termo
"gorgianizar" para designar "falar à maneira de Górgias". Com o seu estilo, Górgias conquista para
o seu ensino vários atenienses da alta sociedade e percorre toda a Grécia sem se fixar. Na
Tessália ensinou Isócrates, que veio a fundar em Atenas uma escola rival da Academia. Parece
ter ficado celibatário e ter passado o fim da sua vida na Tessália, onde morre mais que centenário.
A sua audiência e celebridade era tão grande na Grécia que lhe ergueram uma estátua de ouro
maciço em Olímpia. Foi, sem dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes de
Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas. Existem até certas obras em
extenso, como é o caso de "O Elogio de Helena" e de "A Defesa de Palamedes”.
58
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contexto, Górgias49 se notabilizou por responder questões, sem preparo algum,
usando apenas a arte da retórica, defendendo idéias absurdas e fazendo os
ouvintes chegarem à conclusão de que eram possíveis. Ele persuadia o
interlocutor usando o controle das emoções, envolvendo os sujeitos para
convencer.
Isócrates também usou a arte da retórica para persuadir, utilizando a
mitologia para validar sua argumentação, inaugurando a manipulação política do
povo pelo orador, fundando uma escola de eloqüência. Um estilo de construção
do raciocínio que iludia as pessoas, levando a aceitar fatos totalmente destoantes
da realidade.
2.2.2. AS IDÉIAS DE SÓCRATES50
“Conhece-te a ti mesmo” (SÓCRATES). Uma vida sem
reflexão, sem busca, sem exame, não é digna de ser vivida”.
Justamente diante da utilização política da linguagem pelos sofistas, o
pensamento socrático tencionava demonstrar como a realidade era mais
complexa do que aparentava. Para conhecer a realidade, seria necessário afastar
49
Para Górgias o bom orador era capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa. Ele
mesmo foi considerado um dos grandes oradores da Grécia. Aprofundou o subjetivismo relativista
de Protágoras a ponto de defender um ceticismo absoluto. Afirmava que: Nada existia; Se
existisse, não poderia ser conhecido; Mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a
ninguém.
50
“Sócrates nasceu em 469 a.C. em Atenas, quando a cidade já tinha atingido o máximo de seu
esplendor artístico e o vértice de seu poderio militar e econômico. Seu pai, Sofronisco, era
escultor, e sua mãe, Fenareta, parteira. Sócrates cresceu forte e robusto, mas sua aparência não
primava pela beleza. Dotado de grande resistência física, não se abatia nem com o trabalho nem
com as dificuldades. Andava descalço tanto no inverno quanto no verão e se vestia do mesmo
modo em todas as estações do ano. Começou o estudo de filosofia ainda jovem. O acontecimento
decisivo de sua vida deu-se quando o oráculo de Delfos revelou a um seu amigo que nenhum
homem era mais sábio do que ele. Procurou interpretar o significado do oráculo e concluiu que ele
era o mais sábio porque tinha consciência de sua própria ignorância. O oráculo colocou Sócrates
no caminho de sua vocação: ensinar a verdade aos homens. Desposou uma mulher chamada
Xantipa. Tomou parte em várias campanhas militares, demonstrando sempre grande coragem e
heroísmo. Mostrou sua inteireza moral quando, em 406, recusou-se a dar seu voto pela
condenação de oito comandantes derrotados em Arginusa. Teve a mesma atitude em 404, quando
lhe foi pedido que votasse pela condenação à morte de Leão de Salamina. Em 400 a.C. foi
acusado de impiedade e de corrupção da juventude. Os acusadores pediram a pena de morte,
esperando que Sócrates se salvasse indo para o exílio antes da instauração do processo. Mas ele
enfrentou o processo e serenamente fez sua própria defesa. Foi condenado à morte. Podendo
propor uma pena alternativa, sugeriu um pequena importância em dinheiro. Irritado, o tribunal
confirmou a sentença de morte, que o próprio Sócrates executou, bebendo a cicuta” (MONDIN,
1981: 44-45).
59
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as ilusões perpetuadas pela linguagem e os sentidos, o que é expresso pela
famosa alegoria do mito da caverna.
O personagem Sócrates duvidava que a Filosofia pudesse ser ensinada,
como propunham os sofistas, achava que as inquietações deveriam brotar de
dentro de cada um. Também ao contrário dos sofistas, a tradição socrática
buscava um conhecimento absoluto e inquestionável, julgando que era possível
sim conhecer a realidade, bastava sair da caverna, buscar a verdade por trás das
aparências. Neste sentido, o conhecimento só era limitado pela própria ignorância
do sujeito. O que é expresso pela frase: “só sei que nada sei”. Simbolismo que
significa que quanto mais aprendemos, mais percebemos saber pouco, pois ainda
resta muito a conhecer.
A idéia é que, ao sentir-se ignorante, o sujeito se coloca em uma postura
de constante aprendizado, sendo possível conhecer realidades provisórias que
vão se substituindo e expandindo o conhecimento acumulado.
A grande novidade de seu método era: as pessoas geralmente começam
a pensar a partir do que conhecem. Sócrates começava pelo que não
conhecia – pela ignorância. Era um trabalho de detetive intelectual. Este também
começa pelo que não sabe: - “Quem cometeu o crime?”. A partir daí usa o que
sabe, para descobrir o que não sabe (TELES, 1982: 33). Daí sua afirmação: “a
única coisa que sei realmente é que não sei”. Sócrates queria que seus alunos
concebessem suas próprias idéias. E buscasse o melhor caminho para o futuro
individual e coletivo.
Na realidade um principio básico que iria forjar o que entendemos por
ciência hoje, afinal o que são teorias se não verdades provisórias adotadas até
que outras venham substituí-las.
60
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2.2.1. DIFERENÇAS ENTRE SÓCRATES E OS SOFISTAS
SOFISTA
- É um professor ambulante.
SÓCRATES
- É alguém ligado aos destinos de sua
cidade.
- Buscam o sucesso e ensinam como - Busca a verdade e incita seus discípulos
consegui-lo.
a descobri-la.
- Os discípulos dos Sofistas dialogavam - Seus discípulos se reuniam em locais
em locais fechados.
públicos com Sócrates.
- Eles ensinavam sempre sem contra- - A filosofia de Sócrates era baseada em
argumentações por parte de seus alunos.
diálogos.
- Gabam-se de saberem tudo e de - Tem a convicção de que ninguém pode
ensinarem a todos.
ser mestre dos outros. Ele não é mestre,
não ensina a verdade, mas ajuda os seus
discípulos a descobri-la neles mesmos.
- Usavam o poder da retórica, não
importando qual o meio para o
convencimento, não visavam o bem ou o
mal. Eram chamados de advogados
profissionais da época.
- Investiga a natureza, investiga a
constituição das coisas, o ser com seu
conhecimento, faz muitas criticas políticas
e sociais e desenvolve os filósofos ou
pensadores.
- Para se ter sucesso é necessário fazer - Para se chegar à verdade, é necessário
carreira.
desapegar-se das riquezas, das honras,
dos prazeres, reentrar no próprio espírito,
analisar sinceramente a própria alma,
conhecer a si mesmo, reconhecer a própria
ignorância.
- Mostravam as pessoas como defender - Vive sua vida e essa se confunde com a
seu interesse particular e cobram para vida filosófica: Filosofar é atividade do
ensinar.
homem livre.
- Consideravam-se sábios. “Sabe tudo” e
transmite um saber pronto, sem crítica
(que Platão identifica com uma mercadoria,
que o sofista exibe e vende).
- Considerava-se um ignorante a respeito
das coisas. Diz nada saber e, colocandose no nível de seu interlocutor, dirige uma
aventura dialética em busca da verdade,
que está no interior de cada um.
- Faz retórica (discurso de forma
primorosa, porém vazio de conteúdo). Na
retórica o ouvinte é levado por uma
enxurrada
de
palavras
que,
se
adequadamente compostas, persuadem
sem transmitir conhecimento algum.
- Faz dialética (bons argumentos). Na
dialética, que opera por perguntas e
respostas, a pesquisa segue passo a
passo e não é possível ir adiante sem
deixar esclarecido o que ficou para trás.
- Refuta por refutar, para ganhar a disputa - Refuta para purificar a alma de sua
verbal. Estavam preocupados apenas a ignorância.
Estava
preocupado
em
rebater qualquer argumento.
descobrir a verdade a respeito das coisas.
61
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2.3. A CONTRIBUIÇÃO DE PLATÃO.
51
Platão
viveu
A Filosofia é uma atividade que se ocupa da busca incansável pelo
saber.
O saberna
deve
ser em no
busca
do proveito
humano.
em Atenas,
Grécia,
século
V. a. do
C.,ser
era
de origem
nobre, descendia da alta aristocracia; viajou pelo Egito e Península Itálica,
acabando escravizado em Siracusa, onde foi comprado e libertado por um amigo,
quando voltou para sua cidade natal.
Seu verdadeiro nome era Arístocles, Platão era um apelido, que significava
ombros largos, um atributo considerado muito atraente entre os gregos na época.
51
Platão nasceu em Atenas, em 428 a.C.. Filho de pais aristocráticos e abastados.
Temperamento artístico e dialético - manifestação característica e suma do gênio grego - deu, na
mocidade, livre curso ao seu talento poético, que o acompanhou durante a vida toda,
manifestando-se na expressão estética de seus escritos; entretanto isto prejudicou sem dúvida a
precisão e a ordem do seu pensamento, tanto assim que várias partes de suas obras não têm
verdadeira importância e valor filosófico. Aos vinte anos, Platão travou relação com Sócrates mais velho do que ele quarenta anos - e gozou por oito anos do ensinamento e da amizade do
mestre. Quando discípulo de Sócrates e ainda depois, Platão estudou também os maiores présocráticos. Depois da morte do mestre, Platão retirou-se com outros socráticos para junto de
Euclides, em Mégara. Daí deu início a suas viagens, e fez um vasto giro pelo mundo para se
instruir (390-388). Visitou o Egito, de que admirou a veneranda antigüidade e estabilidade política;
a Itália meridional, onde teve ocasião de travar relações com os pitagóricos (tal contato será
fecundo para o desenvolvimento do seu pensamento); a Sicília, onde conheceu Dionísio o Antigo,
tirano de Siracusa e travou amizade profunda com Dion, cunhado daquele. Caído, porém, na
desgraça do tirano pela sua fraqueza, foi vendido como escravo. Libertado graças a um amigo,
voltou a Atenas. Em Atenas, pelo ano de 387, Platão fundava a sua célebre escola, que, dos
jardins de Academo, onde surgiu, tomou o nome famoso de Academia. Adquiriu, perto de Colona,
povoado da Ática, uma herdade, onde levantou um templo às Musas, que se tornou propriedade
coletiva da escola e foi por ela conservada durante quase um milênio, até o tempo do imperador
Justiniano (529 d.C.). Platão, ao contrário de Sócrates, interessou-se vivamente pela política e
pela filosofia política. Foi assim que o filósofo, após a morte de Dionísio o Antigo, voltou duas
vezes - em 366 e em 361 - à Dion, esperando poder experimentar o seu ideal político e realizar a
sua política utopista. Estas duas viagens políticas a Siracusa, porém, não tiveram melhor êxito do
que a precedente: a primeira viagem terminou com desterro de Dion; na segunda, Platão foi preso
por Dionísio, e foi libertado por Arquitas e pelos seus amigos, estando, então, Arquitas no governo
do poderoso estado de Tarento. Voltando para Atenas, Platão dedicou-se inteiramente à
especulação metafísica, ao ensino filosófico e à redação de suas obras, atividade que não foi
interrompida a não ser pela morte. Esta veio operar aquela libertação definitiva do cárcere do
corpo, da qual a filosofia - como lemos no Fédon - não é senão uma assídua preparação e
realização no tempo. Platão faleceu em 348 a.C., com oitenta anos de idade. Platão é o primeiro
filósofo antigo de quem possuímos as obras completas. Dos 35 diálogos, porém, que correm sob o
seu nome, muitos são apócrifos, outros de autenticidade duvidosa. A forma dos escritos platônicos
é o diálogo, transição espontânea entre o ensinamento oral e fragmentário de Sócrates e o
método estritamente didático de Aristóteles. No fundador da Academia, o mito e a poesia
confundem-se muitas vezes com os elementos puramente racionais do sistema. Faltam-lhe ainda
o rigor, a precisão, o método, a terminologia científica que tanto caracterizam os escritos de
Aristóteles (Disponível em <www.mundodosfilosofos.com.br.>, acessado em 30 de dezembro de
2010 às 00h01min).
62
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Em Atenas, de volta da aventura, fundou a Academia, uma escola que
seria conservada funcionando pelos próximos mil anos. Platão demonstrou
grande preocupação pelo cárcere representado pelo corpo, defendendo a idéia de
que a morte era a libertação definitiva de um mundo ilusório. Para ele, a realidade
percebida pelos sentidos é apenas uma cópia imperfeita daquilo que existe no
pensamento, já que o percebido não passa de aparência.
Existiriam dois mundos diferentes:
1) Mundo Sensível, o qual muda constantemente, puro devir, percebido
pelos sentidos, onde se passam os fenômenos, sendo apenas uma
cópia imperfeita da realidade.
2) Mundo Inteligível ou das Idéias, livre de mudanças e presente no
pensamento, refletindo a verdadeira realidade, enxergando por trás
das aparências.
Esta concepção faz parte da hierarquização do mundo presente na
essência de todo o pensamento platônico, já que existiriam graus de
conhecimento entre o mundo sensível e inteligível.
A matemática estaria no grau mais puro e verdadeiro do conhecimento da
realidade, pertencendo completamente ao contexto das idéias, sendo pura
abstração. Platão tentou resolver a oposição entre Heráclito e Parmênides,
buscando uma solução para a oposição entre a idéia de que tudo é movimento e
de que isto é uma ilusão, pois a essência não muda. Para isto elaborou uma
teoria gnosiológica (gnosis = conhecimento), demonstrando preocupação com a
validade da construção do conhecimento.
Pensou na afirmação de Heráclito de que é impossível dizer o que é uma
árvore, uma vez que ela muda conforme cresce existem muitas espécies.
Contraposta à idéia de Parmênides de que a árvore muda desde a semente até
morrer, existindo muitas espécies, mas sua essência é ser árvore.
Platão resolveu a questão de forma diferente de Demócrito, não usando o
subterfúgio do átomo. Para ele, a árvore muda porque não é apenas uma idéia,
mas uma representação do pensamento, uma cópia imperfeita da realidade.
63
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Platão usa um mito para explicar este conceito, supondo que, antes de nascer, a
alma vivia em uma estrela, onde se localizavam as idéias.
Ao nascer, o impacto leva ao esquecimento, mas a anamnesis
(reminiscência) conduz a recordar a partir das cópias imperfeitas da realidade.
Portanto, é impossível conhecer a realidade vivendo neste plano térreo de
existência, o que pensamos saber é apenas uma sombra da verdade.
O conhecimento mais próximo da realidade concreta está apenas no
mundo das idéias, daí inclusive a expressão amor platônico significando
originalmente que o verdadeiro amor pertence aquilo que é imaginado e não ao
vivido. Uma vez que o imaginado é real para quem imagina, enquanto o vivido
pode parecer real para mim, mas não ser para o outro.
2.3.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAÇÃO.
“Você pode facilmente perdoar uma criança
por ter medo do escuro. A real tragédia da
vida é quando os homens têm medo da luz”.
Você já se perguntou o que é a realidade? E a verdade? Imagine se você
estivesse dormindo, e não conseguisse acordar, como você saberia o que é
realidade e o que é sonho? No capitulo VII da obra República, Platão elabora a
alegoria da caverna, como metáfora de uma situação nas quais os homens vivem
na aparência acreditando ser a realidade. Assim, tudo que vêem, fazem e sentem
não passam de sombras. Esta alegoria faz alusão ao advento do pensamento
racional. Portanto, estamos diante de um paradoxo: por que Platão, na busca de
desenvolver o pensamento racional, usa constantemente os mitos para filosofar?
2.3.1.1. ALEGORIA (MITO) DA CAVERNA
“Vamos, amigos! Abram os olhos devagar! E aproveitem para ver tudo que existe aqui
fora!” (MAURICIO DE SOUZA – As sombras da vida com PITECO).
Este é seguramente o texto mais conhecido de Platão e um dos mais
comentados em toda a história da Filosofia, o que releva a enorme riqueza das
questões que coloca. Relata um diálogo entre Sócrates e seu amigo Glauco sobre
64
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a importância do conhecimento filosófico, do ser filosófico, ao se assumir uma
atividade educativa no setor público da sociedade.
O Mito da Caverna é uma alegoria da teoria do conhecimento e da
Paidéia52 platônicas. Esta alegoria (o Mito da Caverna) é apenas um fragmento
presente numa obra de 352 páginas do livro VII da obra A República, dividido em
dez livros (transcrevemos a seguir o relato fiel da alegoria).
Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à
ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz;
esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem
mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz
chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros
passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro,
semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem
as suas maravilhas.
Glauco – Estou vendo.
Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie,
que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria;
naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.
Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez
visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da
caverna que lhes fica defronte?
Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos
reais as sombras que veriam?
Glauco - É bem possível.
Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse,
não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco - Sim, por Zeus!
Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?
Glauco - Assim terá de ser.
Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e
curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se
imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes
movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras.
Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora,
mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe
cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará
embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe
mostram agora?
Glauco - Muito mais verdadeiras.
52
“Paidéia é a formação do homem. Para Platão, o homem deve ser educado não em uma única
disciplina ou forma de pensamento, ele deve ser educado num contexto mais amplo, onde através
do exercício da arte, justiça, beleza, política, cultura, etc., o homem possa purificar sua alma e
caminhar rumo á direção do bem. Desta maneira, o homem é um ser de várias dimensões que
somente são incorporadas e entendidas quando ele as vive na prática, construindo para si um
caráter social e intelectual que o conduz à justiça, beleza e bondade que culminarão no bem
absoluto. O único homem que para Platão alcançou a beleza, justiça e bondade, foi Sócrates. Este
foi seu mestre e através de sua vivência, deixou para seus discípulos, inclusive Platão, algumas
máximas a qual marcaram e demonstraram o status de filósofo que Sócrates possuía, não por
mérito próprio, mas pela sua vida pública” (Disponível em: <http://www.webartigos.com/>,
acessado em 31 de dezembro de 2010 às 11h44min).
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Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para
voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe
mostram?
Glauco - Com toda a certeza.
Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não
o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais
violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só
das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.
Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por
distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se
refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros
e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o
dia, o Sol e sua luz.
Glauco - Sem dúvida.
Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra
coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.
Glauco - Necessariamente.
Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que
governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus
companheiros, na caverna.
Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.
Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que
foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá
ficaram?
Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se
apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que
costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em
adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e
poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer
tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará
com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco - Por certo que sim.
Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas
correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham
recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à
sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar
subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazêlo?
Glauco - Sem nenhuma dúvida.
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e
comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força
do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a
ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu
desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo
inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem
concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela
engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso
vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
A alegoria define a realidade como sendo composta de dois domínios, o
domínio das coisas sensíveis e o domínio das idéias. Para Platão, a maioria da
humanidade vive na infeliz condição da ignorância, ou seja, vive no mundo
ilusório das coisas sensíveis que são mutáveis, não são universais e nem
necessárias e, por isso, não são objetos de conhecimento. Este mundo das
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idéias, percebido pela razão, está acima do sensível (dominado pela
subjetividade) que só existe na medida em que participa do primeiro, sendo
apenas sombra dele.
O filósofo, para Sócrates, é aquele que, através de um processo dialético,
se liberta das correntes que o prende, saindo assim da ignorância para a opinião
e, depois, para o conhecimento.
Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de
Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de
Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a
visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua
eterna busca da verdade.
Por analogia se pode afirmar que o trabalho do professor hoje seria como o
trabalho do filósofo para Platão. Os estudantes não estão ainda acostumados
com a claridade da luz. É necessário abrir os olhos devagar. Daí a organização do
currículo, a seqüência.
Platão propõe em sua teoria a existência de duas dimensões do
conhecimento: o sensível e o inteligível. De acordo com esta alegoria, o
conhecimento sensível é semelhante a uma caverna onde os homens estão
presos às percepções que recebem dos seus sentidos. Para eles isto seria a
única verdade possível. Um deles se liberta e sai da caverna. Num primeiro
momento sua visão fica ofuscada, pois ele se depara com a luz do sol, em
seguida habitua-se à luz reconhecendo o conhecimento inteligível.
2.3.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRÍTICO OU FILOSÓFICO
“O cansaço físico, mesmo que suportado forçosamente,
não prejudica o corpo, enquanto o conhecimento imposto
à força não pode permanecer na alma por muito tempo”.
Vejamos como a alegoria da caverna é interpretada na sociologia53:
Aqueles homens da caverna, acorrentados, cujas faces estão voltadas para
uma parede de pedra à sua frente. Atrás deles está uma fonte de luz que não
53
Sistematizado por Tony Mendes, disponível em <http://filosofandoehistoriando.blogspot.com>,
acessado em 30 de dezembro de 2010 às 00h47min.
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podem ver. Ocupam-se apenas das imagens em sombras que essa luz lança
sobre a parede e buscam estabelecer-lhes inter-relações. Finalmente, um deles
consegue libertar-se dos grilhões, volta-se, vê o sol. Cego, tateia e gagueja uma
descrição do que viu. Os outros dizem que ele delira. Gradualmente, porém, ele
aprende a ver a luz, e então sua tarefa é descer até os homens da caverna e
levá-los para a luz. Ele é o filósofo; o sol, porém, é a verdade da ciência, a única
que reflete não ilusões e sombras, mas o verdadeiro ser (WEBER, 1982: 166 e
167). Observe que para o ex-prisioneiro, não é suficiente a sua libertação, pois ele
volta, desce “até os homens da caverna e quer levá-los para a luz”.
Com esta atitude, fica evidente a preocupação do homem com seus pares,
pois ao tomar consciência da verdade sente necessidade de socializar o
conhecimento no intuito de libertá-los das sombras da ignorância. Ou seja, há,
além da dimensão do conhecimento, mitológico, uma dimensão política e
sociológica na atitude do homem que retorna à caverna, pois é um sujeito que
está preocupado com a liberdade dos outros. A volta do filósofo à caverna para
sociabilizar o saber torna-se um ato político, já que o interesse é o bem comum.
No texto lido apresentam-se dois tipos de conhecimento: o dos homens comuns,
cujo saber é produzido por meio das percepções sensíveis e imediatas; e o saber
filosófico ou científico, fruto de uma metodologia orientada pela razão e pela
pesquisa reflexiva e prática. O filósofo tem a incumbência de questionar essa
realidade das aparências que, na alegoria da caverna coloca-se como mundo de
sombras, de ilusões dos sentidos (no contexto da obra de Platão), abrindo a
perspectiva do logos. Em nosso dia-a-dia formulamos uma série de opiniões a
respeito de tudo que nos cerca.
São descrições imprecisas ou relatos de fatos e acontecimentos abordados
de maneira superficial impregnados de opiniões, que geram uma infinidade de
conceitos pré-concebidos os quais aos poucos vão se tornando parte do
conhecimento popular. Contudo, nem todos os conhecimentos integrantes do
senso comum são irrelevantes, já que partem da própria realidade, algumas
concepções são de fato precisas, faltando a elas, sobretudo, o rigor, o método, a
objetividade e a coerência típicas do senso crítico.
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Na obra República de Platão, a questão da passagem do senso comum
para o senso crítico ocorre no contexto da formação social e política do cidadão.
O ideal de república platônica apresenta-se também um projeto pedagógico, por
meio do quais os produtores encarregados do trabalho, os guardas que velam
pelo bem público, sob a égide da gestão racional dos filósofos magistrados, são
formados para desempenhar estas funções sociais.
Na polis grega, a educação dos jovens era responsabilidade do Estado, os
estudantes que se destacavam dos demais prosseguiam seus estudos e
poderiam chegar a serem governantes após uma longa aprendizagem e uma
rigorosa educação moral e intelectual.
Um dos objetos desta educação é a superação do senso comum (o campo
das opiniões) para o conhecimento crítico. Conforme Geniéve Droz, pensador
contemporâneo, no mito platônico o conhecimento progride do sensível para o
intelectual, a inteligência vai do aparente para o essencial, do obscuro para o
luminoso, sendo as Idéias, elas próprias, iluminadas pela fonte de toda luz, o Bem
(DROZ, 1977: 77).
Como se elabora o conhecimento crítico em Platão? A Filosofia é a única
forma de buscar por esse conhecimento? Para Platão, sim, uma vez que seja
possível, com a metodologia apropriada, superar o nível das opiniões. De onde
vem o desejo e a atração pelo mundo inteligível que possuem alguns homens, se
tecnicamente nunca tiveram contato com o mesmo? Como explicar a vontade do
prisioneiro que não conhece o lado de fora da caverna de sair dela?
O amor que deseja a sabedoria é a própria Filosofia (literalmente amor ao
saber). Gradualmente, à medida que o homem conhece, o próprio conhecimento
desperta o desejo contínuo de saber. Após deixar a caverna este humano sofre a
cegueira, pois não tivera antes contato com tal luz, e o abandono de seu antigo
estado causa medo e dor, mas ele é convidado a continuar sua ascese superando
o mundo sensível, apreendendo os movimentos do sol, as estações e suas
conseqüências.
Desta forma, a conquista da sabedoria e da felicidade carece de
incansáveis esforços na aprendizagem das ciências e das artes. É um processo
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OLÍVIO MANGOLIM
contínuo de auto-superação. Ele se habitua aos objetos reais do mundo fora da
caverna, mas a ascensão é apenas um momento de depuração pessoal. A
filosofia na tradição platônica não tende a algum tipo de ostracismo intelectual,
depois da contemplação da luz é necessário o retorno para dentro da caverna
para despertar os outros para este conhecimento, isto é, o filósofo para Platão,
tem um compromisso social e político. Platão tentou concretizar sua idéia de nova
sociedade no final de sua vida atuando politicamente.
Conhecer para Platão é o sumo bem, e o bem está na organização da
cidade de acordo com este conhecimento e não de acordo com as opiniões.
Podemos comparar o ideal de homem que habita o interior da caverna, com o
senso comum, ambos estão apegados às impressões sensíveis e não se
permitem enxergar outras realidades senão as impostas pelas circunstâncias. Na
polis grega, os homens que se negavam a participar da vida pública, eram
chamados de idiotés54, porque se deixavam representar por outrem. Ao negar a
própria vontade se submetiam e deixavam a responsabilidade de decidir o destino
da cidade para os outros.
54
É comum de todos nós utilizarmos a palavra "idiota" como um adjetivo pejorativo, mesmo não
sabendo sua verdadeira etimologia. Esta palavra provém da palavra grega "idiótes”, que os gregos
utilizavam para designar todos aqueles que não participavam da vida pública na polis (cidade em
grego). Idiota para os gregos eram todos aqueles que não se importavam com o destino da
cidade, vivendo assim um solipsismo social. Em tempos de decisões políticas creio que retomar o
sentido verdadeiro da palavra, pode nos ajudar a uma tomada de consciência em relação as
nossas atitudes diante da dura realidade que se põe diante de nossos olhos. Contemplamos uma
corja de ladrões, que perpetuam seu nefasto trabalho, pela falta de consciência política de uma
massa de brasileiros. Muitos deles se orgulham por sua apatia política, dizendo que política é
coisa de político, e o povo não pode e não deve fazer nada, pois de nada adiantará, somos
apenas mais um no meio de uma massa de alienados. Enquanto este tipo de pensamento
continuar se consolidando em nossa sociedade, continuaremos caminhando para um futuro caos
nacional. Se faz necessário que cada brasileiro possa conscientizar-se de sua importância no
destino de nossa nação. Não somos apenas mais um, somos parte integrante da atual conjuntura
política de nosso país e decidimos pelo futuro do mesmo. Creio que a palavra grega "idiótes",
utilizada pelos gregos para designar todos aqueles que não se importavam com a problemática
política, se faz atual ainda. Infelizmente contemplamos "idiótes" assumidos e orgulhosos de sua
idiotice. Nosso país precisa mudar, mas a efetiva mudança só pode acontecer a partir de nós
mesmos. Política não é questão de luxo ou de gosto, é questão de necessidade, é uma obrigação
que nos é imposta e requer uma seriedade ímpar em relação à mesma, pois estamos decidindo o
futuro de uma nação, milhões de pessoas sofrerão com a nossa decisão. Não podemos ser
irresponsáveis neste momento. O Brasil precisa de nossa consciência crítica, de nosso amor, de
nossa doação (Diego Vainer, Idiótes, 2007. Disponível em <http://literar.org/text/2h75glqp-idiotes>,
acessado em 15 de janeiro de 2011 às 12h24min).
70
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2.4. AS IDÉIAS DE ARISTÓTELES.
A Filosofia como conhecimento da verdade. Educar para uma vida feliz e virtuosa.
Um bom projeto educacional emerge do entrelaçamento da ética e da política.
Aristóteles55 nasceu em Estagira no século IV. a.C., filho do médico pessoal
do rei da Macedônia, na Grécia, indo para Atenas aos dezesseis anos de idade
para estudar na Academia de Platão. Mais tarde, foi professor de Alexandre, o
Grande, filho do rei da Macedônia de quem o pai de Aristóteles foi médico.
55
Aristóteles foi um filósofo grego nascido na cidade de Estagira, na Calcídica, Macedônia,
distante 320 quilômetros de Atenas. Essa cidade foi por muito tempo colonizada pelos jônicos, e
em virtude disto ali se falava um dialeto jônico. O nome do pai de Aristóteles era Nicômaco, um
médico. Aristóteles foi criado junto com um grupo de médicos, amigos de seu pai. Nicômaco
chegou a servir a corte macedônica, a serviço do rei Amintas, pai de Felipe, futuro rei. Na sua
juventude teria jogado fora seu patrimônio e aos dezoito anos foi para Atenas, a fim de aperfeiçoar
sua espiritualidade, e lá ingressou na Academia, onde se tornou discípulo de Platão, o que
marcaria profundamente sua biografia. Na Academia, Aristóteles amadureceu e consolidou sua
vocação para filósofo. Teria freqüentado-a por cerca de vinte anos, aproveitando em muito o
convívio com o mestre. Foi um discípulo brilhante inicialmente, e professor de retórica depois. Não
se sabe ao certo seu papel na Academia, mas deve ter se ocupado dos diversos assuntos que a
Academia investigava e tratava com toda a sociedade ateniense e com ilustres personagens da
cultura grega da época, como por exemplo, o eminente cientista Eudóxio. Durante este período na
Academia, o jovem Aristóteles chegou a defender os princípios platônicos em alguns escritos. Mas
sua inteligência e disciplina extraordinária o faziam discordar em muitos pontos da doutrina do
mestre. Na obra Parmênides, de Platão, aparece a figura do jovem Aristóteles. Esse diálogo foi
feito para responder a algumas críticas que a Teoria da Idéias vinha sofrendo. De fato, Aristóteles
foi um dos primeiros e o maior crítico da teoria platônica das Idéias, com demonstra em muitas
obras, principalmente na Metafísica. Aristóteles organizou uma biblioteca. De fato, era um homem
que passava grande parte do tempo estudando, e Platão chegou a critica-lo por estar sempre em
companhia dos livros, enquanto Aristóteles critica Platão por mitificar a realidade. Sua obra aborda
vários ramos do saber: política, zoologia, botânica, física, metafísica, filosofia e outros. Depois da
morte de Platão, Aristóteles dirigiu-se à Ásia Menor. Junto com o colega de Academia Xenócrates,
estabeleceu-se em Assos, onde permaneceu por três anos. Em 343/342 Aristóteles é chamado
por Felipe, o Macedônio (aquele mesmo que era filho do rei Amintas que tinha como médico
Nicômaco, pai de Aristóteles) para ser preceptor do jovem Alexandre, o Grande. É provável que
Aristóteles tenha conhecido Felipe quando criança, na corte macedônica. Começou a ensinar
Alexandre quando este tinha treze anos, e era um irrequieto jovem. Aos quinze anos este
abandonou a filosofia e começou sua ascensão. Existem duas datas prováveis para a saída de
Aristóteles da Macedônia e de seu cargo de preceptor: 336 a.C. ou 340 a.C. Aristóteles voltou a
Atenas em 334 a.C. e seus últimos doze anos a os mais fecundos literariamente. Fundou sua
própria escola, o Liceu quando tinha cerca de cinqüenta e um anos de idade. Para começar com
essa escola que seria a rival da já meio decadente Academia, Aristóteles alugou alguns edifícios
próximos ao templo em honra a Apolo Lício. Por causa disso, a escola de Aristóteles ficou sendo
conhecida como Liceu. Os estudantes receberam o nome de Peripatéticos, pois aprendiam
passeando com o seu mestre nos jardins do Liceu. A pesquisa realizada por Aristóteles e seus
discípulos foi um projeto monumental. Conta-se que Alexandre, já homem feito e com o trono
imperial assumido, teria dado indicações aos seus súditos para ajudar Aristóteles a colher material
botânico em um enorme espaço geográfico. Devido a essa ligação com o Império Macedônico,
Aristóteles sofreu com a reação que houve em Atenas depois da morte de Alexandre, sob a
alegação de ter sido o mestre daquele que conquistara a Grécia. Para fugir dos inimigos, foi para
Calcídia, onde sua mãe tinha alguns bens. Morreu em 322 a.C., poucos meses depois de ter se
exilado (Disponível em: <http://www.consciencia.org/aristoteles.shtml>. Acessado em 30 de
dezembro de 2010 às 15h04min).
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O pensamento aristotélico parte do mesmo principio hierarquizado das
idéias platônicas, distinguindo graus de conhecimento que transitam entre o
mundo sensível e inteligível. No entanto, diferente de Platão, Aristóteles afirma
que a realidade é formada pelo acumulo de graus.
Embora as idéias expressem a verdade, este conhecimento é inútil, pois a
realidade é uma junção de graus. Isto porque, além da razão e dos sentidos, para
conhecer é necessário usar a intuição, um raciocínio inconsciente, uma suposição
sobre o que pode ser. A matemática insere-se, neste contexto, como grau mais
puro de conhecimento.
Diferente de Platão, Aristóteles não considera que a matemática pertence
ao mundo das idéias, sendo puramente intuitiva, precisando da soma dos graus
para existir como conhecimento. A matemática necessitaria da razão, dos
sentidos e da intuição como instrumentos que ajudam a pensar sem equívocos. O
que, por sua vez, originou a idéia de que não é possível encontrar a essência das
coisas.
Assim, a questões éticas não seriam possíveis de aplicação prática, já que
não é possível definir “o que é”. Para estas questões, Aristóteles encontrou como
solução a repetição das ações para garantir a ordem das coisas e atingir a
felicidade. Não sendo possível dizer o que é imutável, como definir, por exemplo,
o que é a virtude? O virtuoso se torna o que está convencionado pela repetição
dos atos. O que originou o silogismo, a demonstração do raciocínio dedutivo por
meio de operações do pensamento, envolvendo premissas que permitem chegar
a uma conclusão. Um raciocínio que, segundo Aristóteles, permite se aproximar
do conhecimento da realidade.
2.4.1. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO E DA EDUCAÇÃO.
“Todos os homens têm o desejo natural de conhecer”.
Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos, Aristóteles
diverge profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento56. Isso
pode ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza
56
O texto sobre Aristóteles foi sistematizado pelo professor Josué Cândido da Silva da
Universidade Estadual de Santa Cruz/Ilhéus (BA). Disponível em <http://educacao.uol.com.br/>
acessado em 31 de dezembro de 2010 às 12h16min.
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(ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar dos
assuntos humanos, como a ética e a política. Platão é uma racionalista e
Aristóteles um empirista.
Para Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das
idéias era um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o
conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa
alma com o mundo das idéias, mas da experiência sensível. "Nada está no
intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.
Isso significa que não posso ter idéia de um jacaré sem ter observado um
diretamente ou por meio de uma pesquisa científica. Sem isso, "jacaré" é apenas
uma palavra vazia de significado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se não
fosse preenchido pelas informações que os sentidos nos trazem.
Mas nossa razão não é apenas receptora de informações. Aliás, o que nos
distingue como seres racionais é a capacidade de conhecer. E conhecer está
ligado à capacidade de entender o que a coisa é no que ela tem de essencial.
Por exemplo, se digo que "todos os cavalos são brancos", vou deixar de
fora um grande número de animais que poderiam ser considerados cavalos, mas
que não são brancos. Por isso, ser branco não é algo essencial em um cavalo,
mas você nunca encontrará um cavalo que não seja mamífero, quadrúpede e
herbívoro.
2.4.1.1. O PAPEL DA RAZÃO
Conhecer é perceber o que acontece sempre ou frequentemente. As coisas
que acontecem de modo esporádico ou ao acaso, como o fato de uma pessoa ser
baixa ou alta, ter cabelos castanhos ou escuros, nada disso é essencial.
Aristóteles chama essas características de acidentes.
O erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) é o de tomar algo
acidental como sendo a essência. Através desse artifício, diziam que não se pode
determinar quem é Sócrates, porque se Sócrates é músico, então não é filósofo,
se é filósofo, então não é músico. Ora, Sócrates pode ser várias coisas sem que
isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser um animal racional como todos
73
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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nós. Mas como nós fazemos para conhecer a definição de algo e separar a
essência dos acidentes? Aí está o papel da razão.
A razão abstrai, ou seja, classifica, separa e organiza os objetos segundo
critérios. Observando os insetos, percebo que eles são muito diferentes uns dos
outros, mas será que existe algo que todos tenham em comum que me permita
classificar uma barata, um besouro ou um gafanhoto como insetos? Sim, há:
todos têm seis pernas. Se abstrairmos mais um pouco, perceberemos que os
insetos são animais, como os peixes, as aves...
2.4.1.2. ATO OU POTÊNCIA
E poderíamos ir mais longe, separando o que é ser, do que não é. E aqui
chegamos à outra grande contribuição de Aristóteles: se o ser é e o não-ser não
é, como dizia Parmênides, então como é possível o movimento?
Segundo Aristóteles, as coisas podem estar em ato ou em potência. Por
exemplo, uma semente é uma árvore em potência, mas não em ato. Quando
germina, a semente torna-se árvore em ato. O movimento é a passagem do ato à
potência e da potência ao ato.
2.4.1.3. QUAL A CAUSA?
Por outro lado, se as coisas mudassem completamente ao acaso, não
poderíamos conhecê-las. Conhecer é saber qual a causa de algo. Se tenho uma
dor de estômago, mas não sei a causa, também não posso tratar-me.
Conhecendo a causa é possível saber não só o que a coisa é, mas o que se
tornará no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de uma
determinada causa, então podemos estabelecer leis e regras, tal como se opera
nos vários ramos da ciência.
Existem quatro tipos de causas: a causa final, a causa eficiente, a causa
formal e a causa material. Por exemplo, se examinarmos uma estátua, o mármore
é a causa material, a causa eficiente é o escultor, a causa formal é o modelo que
serviu de base para escultura e a causa final é o propósito, que pode ser vender a
obra ou enfeitar a praça.
74
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Há uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante.
A ciência que estuda as causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso,
a tradição costuma situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de todas
as ciências, por ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais gerais
e abstratas.
2.5. A PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA57
“Um pouco de Filosofia inclina o espírito da gente para o ateísmo;
mas a profundidade em filosofia leva o espírito das pessoas para a
religião” (FRANCIS BACON, Ensaios: “Do Ateísmo”).
Com os gregos a Filosofia comporta todos os saberes: matemática,
astronomia, geometria são exemplos de conhecimentos que surgiram juntamente
com o questionamento filosófico. Na Idade Média, a filosofia torna-se um
instrumento da teologia, isto é, uma vez que o conhecimento estava restrito aos
monastérios58. A ciência é conhecimento inspirado, ou de origem divina. O
conhecimento recebido de Deus torna-se superior ao conhecimento racional.
Os padres da igreja foram os filósofos que durante o primeiro milênio que
se seguiu ao nascimento de Cristo, lutaram para conciliar a herança clássica
greco-romana, com o pensamento cristão medieval.
Deu-se o nome a essa corrente filosófica de patrística. A Filosofia patrística
começa com as epístolas de São Paulo e o evangelho de São João. Essa
doutrina tinha também um propósito evangelizador: converter os pagãos à nova
religião cristã.
Surgiram idéias e conceitos novos, como os de criação do mundo, pecado
original, trindade de Deus, juízo final e ressurreição dos mortos. As questões
teológicas, relativas às relações entre fé e razão, ocuparam as reflexões dos
principais pensadores da filosofia cristã.
57
A Escolástica é um movimento doutrinal que se caracteriza como estudo da Revelação, tendo
por instrumento, sobretudo, a Filosofia de Aristóteles. É um ensinamento doutrinário da Escola, na
Europa Medieval, a partir do século IX até o século XVII aproximadamente. Trata-se de conciliar fé
e luz natural (razão).
58
Monastérios ou Mosteiro é um termo derivado da palavra grega μοναστήριον monastērion.
Indica a habitação e local de trabalho de uma comunidade de monges ou freiras.
75
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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A invasão dos bárbaros59, no século V, destruiu no Ocidente a civilização
romana e iniciou a Idade Média. Os bárbaros, que irromperam de todos os lados,
provocaram novas condições políticas e sociais adversas à conservação e ao
desenvolvimento da cultura intelectual. Por isso, os quatro primeiros séculos da
Idade Média são obscuros, um período de estagnação intelectual em que não
houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os restos
da cultura que estava sendo arruinada pelas hordas dos visigodos, suevos,
ostrogodos, francos e principalmente vândalos.
O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais,
portanto, não foi criador, mas compilador. E este trabalho se deve principalmente
aos monges, que recolheram em seus conventos muitos manuscritos antigos, que
encerravam as sabedorias dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os
bárbaros, vencedores, acomodaram-se à nova situação política e passaram a
aceitar os usos e costumes dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao
Cristianismo. Com isso houve um ressurgimento da cultura e gradativamente as
manifestações científicas e filosóficas apareceram, predominando então a
"Escolástica", como principal corrente filosófica.
59
Assim eram chamados porque viviam fora dos critérios culturais romanos. A palavra "bárbaro"
provem do grego antigo, βάρβαρος, e significa "não grego". Era como os gregos designavam os
estrangeiros, as pessoas que não eram gregas e aqueles povos cuja língua materna não era a
língua grega. Principiou por ser uma alusão aos persas, cujo idioma cultural os gregos entendiam
como "bar-bar-bar". Os romanos também passaram a ser chamados de bárbaros pelos gregos.
Porém, foi no Império Romano que a expressão passou a ser usada com a conotação de "nãoromano" ou "incivilizado". O preconceito perante os povos que não compartilhavam os mesmos
hábitos e costumes é natural dos habitantes dos grandes centros econômicos, sociais e culturais,
e caracteriza-se pelo etnocentrismo. Era um termo pejorativo que não condizia com a realidade,
pois, apesar de não compartilharem de alguns aspectos da cultura romana e não falarem o latim,
tais povos tinham cultura e costumes próprios. Cada um dos povos chamados "bárbaros" era
bastante distinto e esta designação abrangia tanto os hunos, de origem oriental, como povos
germânicos, como os godos, e celtas, como os gauleses. Particularmente foram chamados de
bárbaros os povos de origem germânica que, entre 409 e 711, nas migrações dos povos bárbaros,
invadiram o Império Romano do Ocidente, causando sua queda em 476 d.C.. As invasões se
deram em duas ondas principais. A primeira com penetração dos bárbaros e a assimilação cultural
romana. Os bárbaros tiveram uma certa "receptividade" a ponto de receber pequenas áreas de
terra. Com o passar do tempo, seus costumes foram mesclando-se com os costumes romanos.
Uma segunda leva foi mais vagarosa, não teve os mesmos benefícios dos ganhos de terra e teve
seu contingente de pessoas aumentado devido à proximidade das terras ocupadas com as
fronteiras internas do Império Romano. Os chamados bárbaros também foram responsáveis por
algumas mudanças físicas e culturais da própria Grécia, já que, ao haver algumas "invasões
concedidas" pelo próprio comando da Grécia, alguns povos não-gregos foram à cidade, lá
estabeleceram estadia e, de lá, promoveram construções importantes e contribuíram de alguma
forma com a cultura do local (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bárbaros, acessado em 15
de janeiro de 2011 às 15h30min).
76
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
A partir do século XII, a filosofia medieval é conhecida como escolástica.
Surgem às universidades e os centros de ensino e o conhecimento são
guardados e transmitidos de forma sistemática. Platão e Aristóteles, os grandes
pensadores da Antiguidade, também foram as principais influências da Filosofia
escolástica.
Nesse
período,
a
Filosofia
cristã
alcançou
um
notável
desenvolvimento. Criou-se uma teologia, preocupada em provar a existência de
Deus e da alma.
Estudaremos a seguir o maior representante da patrística, Santo Agostinho
e o grande expoente da escolástica, Santo Tomás de Aquino.
2.5.1. SANTO AGOSTINHO (354-430)
“A fé e a razão caminham juntas, mas a fé vai mais longe”.
Sendo um profundo estudioso Agostinho descobriu (principalmente quando
leu Cícero) que é bom educar formalmente o espírito para chegarmos a pensar e
falar claro e bem.
Para santo Agostinho60 a Filosofia deve servir para fecundar os princípios
especulativos da fé, isto é, ajudar a compreender-lhe o sentido, a conexão, a
estrutura, a sistemática, os fundamentos e as conseqüências, de modo lógicoracional tanto quanto possível. E então a fé vem a ser verdadeiramente uma fé
científica. E agora surge a expressão que, a partir deste momento, serviu de fio
condutor a toda a Filosofia medieval: “Intellige ut credas, crede ut intelligas”. Isto
é, lê no íntimo do ser para creres e crê para poderes atingir o íntimo, do ser.
Nesse tempo algumas correntes filosóficas alegavam que a fonte de todo o
conhecimento era a percepção sensível, na qual não se poderia encontrar
60
A vida de Agostinho pode ser dividida em dois períodos claramente distintos: antes e depois da
sua conversão. Antes interessava-se por retórica e filosofia. Depois na Sagrada Escritura e na
Teologia. Não foi sempre cristão: converteu-se à religião por volta dos 30 anos e chegou a ser
bispo. Na busca incessante da verdade aderiu ao cristianismo. E mais tarde professou: Tarde Vos
amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá
fora, a procurar-Vos! Assim como Santo Tomás de Aquino, tentou dar uma explicação racional
para a fé. Ele acreditava que, sem ela, a razão não é capaz de trazer a felicidade, e refletiu sobre a
natureza humana e o amor. “Amar não é mais do que desejar uma coisa em si mesma”, escreveu.
Mesmo depois de virar religioso, Santo Agostinho não conseguia parar de cometer um pecadinho
que o preocupava: comer muito doce após as refeições.
77
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OLÍVIO MANGOLIM
qualquer fundamento para a certeza, já que os sentidos forneciam dados
variáveis e, portanto, imperfeitos.
Agostinho, através de engenhosa argumentação, reabilitaria os sentidos
como fonte de verdade. O erro, diz ele, provém dos juízos que se fazem sobre as
sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é
querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito.
De tal forma, a idéia que emerge é a da transcendência hierárquica da
alma sobre o corpo. Presente em sua morada terrena, a alma teria funções ativas
em relação ao corpo. Os órgãos sensoriais sofreriam as ações dos objetos
exteriores, mas com a alma isso não poderia acontecer, pois o inferior não pode
agir sobre o superior. Ela, no entanto, não deixaria passar despercebidas as
modificações do corpo e, sem nada sofrer, tiraria de sua própria substância uma
imagem semelhante ao objeto.
Agostinho conclui que existem dois tipos inteiramente diferentes de
conhecimento: o primeiro limitado aos sentidos e referentes aos objetos exteriores
ou suas imagens; o segundo imutável e eterno, que é o conhecimento verdadeiro
recebido pelo homem pela iluminação divina.
2.5.2. SANTO TOMÁS DE AQUINO61 (1225-1274): O ARISTOTELISMO
CRISTÃO.
“A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria”.
A Escolástica é o conjunto de doutrinas teológico-filosóficas dominantes na
Idade Média, dos séculos IX ao XVII, caracterizadas, sobretudo, pelo problema da
relação entre a fé e a razão. A principal idéia do pensamento escolástico é que
podemos descrever o universo inteiro por meio do pensamento. Há uma
hierarquia no universo. No topo está Deus. Logo abaixo estão os anjos, seguidos
dos seres humanos, dos animais, das plantas e das pedras. E, baseando-se
nesse sistema, seria possível explicar o porquê de todas as coisas.
61
“Tomás de Aquino nasceu em 1225 na região de Nápoles (Itália). De família muito rica, Santo
Tomás abandonou tudo para virar padre. Foi um dos pensadores mais destacados da Escolástica,
movimento filosófico do final da Idade Média, ligado às universidades. Ficou conhecido como “o
mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios”.
78
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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Iniciam-se um período de florescimento intelectual, no século XIII, o século
clássico da Idade Média e um dos mais importantes da história da Filosofia. A
Filosofia escolástica cristã, a Filosofia árabe e a judaica, mais o aristotelismo
passaram a ser as grandes fontes da Escolástica. É um período de esplendor em
todas as manifestações humanas: na arquitetura, na pintura, na literatura, nas
ciências é o século da introdução da álgebra e dos algarismos arábicos no
Ocidente e do emprego da bússola. É também este o período de esplendor da
Escolástica. Para isso, três foram os fatores fundamentais: a fundação das
Universidades, o estabelecimento das ordens mendicantes dos dominicanos e
dos franciscanos e o conhecimento da obra filosófica de Aristóteles.
No início do século XIII, surgiu a Universidade de Paris, resultado da
reunião das quatro faculdades: de teologia, de artes (Filosofia), de direito e de
medicina. Pouco depois, mais ou menos modeladas na de Paris, surgem as
Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Bolonha e Pádua, na Itália;
Salamanca, na Espanha; Colônia e Heidelberg, na Alemanha, e Coimbra em
Portugal. Nessas universidades, grandes centros intelectuais que perduram até
hoje, mantinham-se vivas as tradições platônicas e agostinianas e cultivava-se o
aristotelismo.
Em princípios do século XIII, fundaram-se as duas grandes ordens
mendicantes dos franciscanos e dos dominicanos. Após grandes polêmicas com
os seculares, conseguem estes padres algumas cátedras na Universidade de
Paris e acabam depois dominando o ambiente universitário. Dentre os maiores
filósofos franciscanos apareceram: Alexandre de Halles, o primeiro mestre
franciscano; São Boaventura, Rogério Bacon, Duns Scoto e Guilherme de Occam.
Dentre os dominicanos: São Alberto Magno, São Tomás de Aquino e o mestre
Eckehart.
O conhecimento de Aristóteles foi o fator mais importante para o apogeu da
Escolástica do século XIII. Nos séculos anteriores, a única obra conhecida de
Aristóteles era o "Organon". Em princípios do século XIII toda a enciclopédia
aristotélica foi divulgada. A princípio, passando por traduções imperfeitas,
oriundas do árabe ou hebraica, foram proibidas pelas autoridades eclesiásticas
79
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OLÍVIO MANGOLIM
em 1215, sendo mais tarde, por volta de 1254, traduzidas diretamente do grego,
sendo incorporadas pela Universidade de Paris.
Depois de uma época de decadência (século XVIII e primeira metade do
século XIX) o tomismo renasceu sob a denominação de neotomismo. Objeto de
condenações da autoridade eclesiástica, em vida de santo, tornar-se-ia mais
tarde, sem excluir totalmente o agostinismo, a filosofia oficial da Igreja, cujo
estudo seria recomendado pelo papa Leão XIII.
CONCLUINDO
Neste capítulo estudamos a teoria do conhecimento na Antiguidade e na
Idade Média. Para compreender a si e o mundo, os homens sempre querem
entender a sua própria capacidade de entender. O que é conhecimento? É
possível o conhecimento? Qual é o fundamento do conhecimento? A teoria do
conhecimento pode ser definida como a investigação acerca das condições do
conhecimento verdadeiro com o objetivo de investigar as origens, as
possibilidades, os fundamentos, a extensão e o valor do conhecimento.
O homem possui a capacidade especial de pensar, o que lhe permite não
apenas conviver com a realidade, mas também conhecê-la. Conhecer a realidade
significa compreendê-la e explicá-la. Conhecimento é a relação que se estabelece
entre sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou que
se dá a conhecer.
Para fazer este estudo com segurança fomos buscar o conhecimento
daquela Filosofia criada/elaborada pelos gregos como leitura, interpretação,
conhecimento racional da realidade que encontrou a sua primeira crise com os
sofistas que deram uma nova configuração a ela, especificamente na sua
utilização enquanto mercadoria de bem estar pessoal. Mas como toda crise não
significa apenas queda, derrubada, prejuízo, e sim, momento muito especial para
crescimento, revigoramento, momento especial de retomada, o confronto de
Sócrates com esta classe de filósofos (SOFISTAS) significou esta possibilidade e
muito mais, já que o próprio Sócrates foi o filosofar em pessoa: exemplo vivo das
virtudes apreciadas em uma sociedade e é tomado como referência por seus
sucessores.
80
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
O Estudo de Platão e Aristóteles nos permitiu conhecer e apreender o
cabedal de influência do qual somos herdeiros em toda cultura grega. Deram
corpo à teoria do conhecimento (racionalista e empirista) do qual somos
herdeiros.
Agostinho e Tomás de Aquino (como verdadeiros representantes da
Patrística e Escolástica) são os braços da herança romanizada da cultura
helênica. Assim entramos em contato com a totalidade do processo histórico
vivido e que nos orientam para a ressignificação e reelaboração do nosso pensar.
Estamos preparados agora para compreender a Filosofia na Idade Moderna e
Contemporânea.
81
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
3. TEORIA DO CONHECIMENTO NA IDADE MODERNA E
CONTEMPORÂNEA.
A despeito da discussão iniciada na antiguidade, durante a Idade Média, o
cristianismo interrompeu o debate em torno da possibilidade de conhecer. Isto
porque o cristianismo medieval distinguiu as verdades de fé, reveladas, e a
realidade racional. Em outras palavras, a realidade passou a ser aquela que Deus
permite conhecer, revelada pelo poder eclesiástico.
Esta forma de enxergar o mundo só começou a mudar a partir da
contestação de alguns pensadores, entre eles, nos século XVII, René Descartes
na França e John Locke na Inglaterra. Os dois, conforme a corrente teórica
(racionalismo e/ou empirismo) são considerados fundadores da moderna teoria do
conhecimento.
Entretanto, Descartes segue uma tradição iniciada na antiguidade por
Parmênides, baseada na razão, representando o racionalismo. Locke continuou a
vertente iniciada por Heráclito, baseada nos sentidos, originando, junto com
outros filósofos de sua época, empirismo.
Assim, ao observar o pensamento filosófico na Idade Moderna, deveremos
ter em mente a forte contribuição de uma discussão densa iniciada na
antiguidade.
Modernamente62, a Teoria do Conhecimento é um ramo da Filosofia que
estuda a possibilidade e a capacidade humana de conhecer a realidade, opondose a metafísica. Neste sentido, utiliza a axiologia (do grego axios = valor),
questionando a construção dos valores humanos.
Uma postura fundada por René Descartes, o pai do racionalismo, embora
exista uma corrente teórica que defende John Locke como sendo o verdadeiro
fundador da moderna Teoria do Conhecimento. No entanto, apesar de não existir
ainda nominalmente, as questões em torno da Teoria do Conhecimento remontam
62
Texto sistematizado pelo Professor Doutor Fábio Pestana Ramos, Para entender a
história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jan., Série 17/01, 2011, p.01-08. A Teoria do
Conhecimento na antiguidade: contribuições para o pensamento filosófico na Idade Moderna.
Disponível
em
http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/01/teoria-do-conhecimento-naantiguidade.html e acessado em 22 de Julho de 2012 às 21h55min.
82
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
a Antiguidade. Foi quando se estabeleceram as bases que permitiriam aprofundar
o debate sobre a possibilidade de conhecer a realidade.
Entretanto, para os gregos antigos a Teoria do Conhecimento era chamada
de epistemologia. Uma palavra derivada a partir de outra, do grego episteme, que
significa ciência, conhecimento ou discurso. Portanto, a análise da construção do
discurso e, simultaneamente, o estudo da construção do conhecimento. Nada
mais natural, até porque é próprio da filosofia considerar qualquer teoria como
não mais que um discurso bem construído, não possuindo necessariamente
correspondência com a realidade.
Uma concepção um pouco diferente da moderna Teoria do Conhecimento,
a qual considera a observação da realidade, enquanto um ponto de intersecção
entre verdade e senso comum, para tentar entender como o conhecimento é
construído. É interessante notar que a ciência é outro ponto de intersecção
possível entre verdade e senso comum, assim também fazendo parte da Teoria
do Conhecimento.
O que é o saber? É uma das perguntas fundamentais que vêm
perseguindo o ser humano há muitos séculos. As respostas têm sido as mais
diversas, dependendo da cultura, do período histórico, do próprio saber
acumulado, da estrutura social, econômica e política da sociedade, do aparato
tecnológico etc. No campo filosófico é da natureza humana buscar o saber. Há
sempre a necessidade natural de conhecer. No campo da ciência moderna saber
é conhecer63. Toda ciência, na verdade, é um conhecimento, embora nem todo
conhecimento humano seja ciência.
O que é o saber? O que é o conhecer? Francis Bacon (1561-1626)64
acreditava que saber é poder, poder, sobretudo de dominar ou transformar a
natureza em benefício da humanidade.
63
Conhecer em ciência é tornar o mundo compreensível. O homem domina a natureza pela
compreensão.
64
Bacon é o primeiro de três famosos filósofos cortesãos que se sucedem na corte inglesa:
Bacon, Hobbes e Locke. Francis Bacon viveu à época de Isabel (ou Elizabete) I. Nasceu em
Londres em 22 de janeiro de 1561. O pai guardião era incumbido da redação dos escritos da
corte, e tinha sob sua custódia o selo ou instrumento de imprimir o sinal do Rei sobre o lacre de
autenticação dos documentos reais. Sua mãe era intelectual puritana e o vigiava quanto a
83
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Passaremos agora a verificar as várias formas de se chegar ao
conhecimento utilizado durante a Idade Moderna e Contemporânea: notadamente
o Humanismo, o Racionalismo e Empirismo, o Idealismo e Materialismo, o
Iluminismo, o Positivismo e Marxismo, a Fenomenologia, o Existencialismo e a
Escola de Frankfurt.
3.1. HUMANISMO65
O verdadeiro humanismo não tem fronteiras, nem o
céu lhe impõe limites.
3.1.1. O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DO HUMANISMO
A Idade Média (476-1453) marcou uma série de mudanças na sociedade,
algumas das quais sentimos ainda hoje seus impactos. Conhecido também como
Idade das Trevas esse período histórico concretizou sistemas políticos e iniciou o
processo que suscitou a efetivação das bases do capitalismo. Além disso, a Idade
Média foi marcada também pela construção de concepções ideológicas que
serviram para introduzir o homem no contexto social e filosófico da humanidade.
A Igreja Católica, além de possuir o domínio territorial em grande parte da
Europa, tinha também o poder de estabelecer os critérios e os rumos para a
pesquisa científica. Praticamente todo pensamento científico da Idade Média
estava subordinado aos interesses da religião. Para solidificar sua ideologia
religiosa a Igreja difundia a teoria teocêntrica, onde defendia que Deus seria a
explicação para a origem e o destino dos seres humanos, por exemplo. O homem
amizades e leituras, sem no entanto conseguir que fosse um puritano exemplar. Naquela época a
Inglaterra já apontava como a mais poderosa nação da era moderna. Com seus 12 anos, o
pequeno Bacon foi enviado ao Trinity College, Cambridge, onde mais tarde estudaria o filósofo e
matemático Bertrand Russell. Desde cedo Bacon interessou-se pela filosofia, pela política e pela
ciência. O filósofo foi amigo do rei Jaime I e do Duque de Buckingham. Sempre próximo ao poder,
Bacon tomou assento na Câmara dos Comuns em 1584, como representante de um pequeno
Distrito. Sob o reinado de Jaime I, foi nomeado Lorde Conselheiro (1616), Lorde Guardião (1617)
e Lorde Chanceler (1618). Os biógrafos de Bacon, não raramente, se referem ao desvio de
conduta ética do filósofo quando ocupava um importante cargo público. Mesmo ocupando cargos
públicos, Bacon nunca abandonou a vida intelectual. O filósofo acreditava ser necessário uma
revolução implacável nos métodos de pesquisa e pensamento de seu tempo, bem como, uma
revolução no sistema de ciência e de lógica. Para o pensador inglês, o erro dos filósofos gregos foi
ter dedicado muito tempo à teoria e tão pouco tempo à observação (Jairo de Lima Alves, Resumo
de Francis Bacon – Biografia. Disponível em <http://pt.shvoong.com/humanities/1775168-francisbacon-biografia/>, acessado em 28 de dezembro de 2010 às 13h35min).
65
Texto sistematizado por Valter Pereira, colunista Brasil Escola, disponível em
<http://contextopolitico.blogspot.com/2009/04/o-humanismo-historia-virtual.html>, acessado em 01
de janeiro de 2011 às 11h21min.
84
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
estava submetido ao poder de Deus, enquanto este guiava o rumo de sua vida.
Sempre colocado pela religião em segundo plano, o homem era um agente
passivo mediante o poder divino que concretizava alianças monárquicas e
militares e incitava a caça aos hereges.
Todo esse poder exercido pela Igreja foi, ao longo dos anos, ganhando
força, enquanto espalhava seus domínios pelo continente europeu. Entretanto,
quando as bases do sistema feudal começavam a ruir, movimentos revoltosos de
camponeses eclodiam em alguns pontos da Europa. Começariam a surgir
questionamentos sobre o teocentrismo e o homem passava então a pensar o
mundo sob o ponto de vista humanista.
A teoria humanista veio surgir somente no início do século XIV quando o
italiano Francesco Petrarca66 (1304-1374) colocou o homem como centro de toda
ação e como agente principal no processo de mudanças sociais. Essa posição de
alguns pensadores causou impactos na Igreja. No entanto o humanismo em
nenhum momento renegou o catolicismo. Humanistas como Petrarca eram
religiosos, porém não aceitava apenas uma explicação como verdade plena.
O pensamento humanista baseou-se no antropocentrismo. Se antes Deus
e a Igreja guiavam o homem e seus passos, agora o homem, por si só, obedecia
à reflexão mais aprofundada para discernir seus caminhos. O pensamento
humanista fez ressurgir na cultura européia a filosofia greco-romana. Não
obstante o grande avanço do pensamento humanista, este se restringiu à filosofia
e à literatura, não englobando outros setores como as artes plásticas, por
exemplo.
Petrarca, como fundador do humanismo, é figura central no processo de
revolução do pensamento europeu que culminou com o movimento conhecido
como Iluminismo. Foi ele o primeiro humanista do Renascimento.
66
Francesco Petrarca (escritor e poeta italiano) nasceu em Arezzo aos 20 de julho de 1304 e
faleceu em Pádua aos 19 de julho de 1304. Petrarca é tradicionalmente chamado o pai do
humanismo. Ele inspirou a filosofia humanista que levou à Renascença. Ele acreditava no imenso
valor prático e na imensa moral do estudo da História Antiga e da Literatura Antiga - isto é, o
estudo do pensamento e da ação humana (Cfr. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Francesco_Petrarca>,
acessado em16 de janeiro de 2011 às 10h55min).
85
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Este momento histórico-social é tido como um período de transição. Marca
a passagem do fim da Idade Média para a Idade Moderna. Com o crescimento
das cidades e do comércio, o regime feudal enfraqueceu. Os servos podiam
vender sua colheita e conseguir dinheiro para pagar os serviços que deviam ao
senhor feudal; podiam ir para a cidade ou conhecer novas terras. O desejo de
liberdade se concretizava.
Os senhores feudais, aos poucos, foram perdendo suas terras e seus
servos. Neste momento, o rei, que era uma autoridade simbólica, fortalece-se, à
medida que se aliava a uma classe social emergente, a burguesia, formada por
artesãos e comerciantes, detentores do dinheiro, que viviam nas cidades.
No momento em que o rei consegue centralizar o poder, tendo como
alicerce a teoria do direito divino, à igreja Romana interessa defender a estrutura
feudal, por possuir uma quantidade bastante grande de terras. Com isso, a igreja
deixou de ser a única responsável pelo monopólio da cultura, formando-se
bibliotecas fora dos mosteiros e dos conventos.
São também frutos dessa época, os humanistas, homens cultos e
admiradores da cultura antiga. Eram individualistas, davam maior importância aos
direitos de cada indivíduo do que à sociedade. Acreditavam no progresso,
rejeitando a hierarquia feudal.
Através do contexto histórico, podemos perceber que o homem da época
rompe com o sistema feudal e com a visão teocêntrica do mundo determinada
pela igreja e vai em busca de si mesmo, de novas descobertas e novos valores. O
momento é de transição. O homem começa a se valorizar, sem, contudo
abandonar por completo o temor a Deus e a submissão.
3.1.2. O HUMANISMO FILOSÓFICO67
“Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio, tão vário na
capacidade; em forma o movimento, tão preciso e admirável; na
ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza
do mundo, o exemplo dos animais” (WILLIAM SHAKESPEARE).
67
Um belo texto sobre o humanismo contemporalizando todos os seus aspectos foi escrito por
Fred Edwords e está disponível no site <http://www.humanismosecular.org/humanismo>.
86
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O humanismo é uma filosofia de vida centrada no homem e nos valores do
mundo enquanto mundo habitado pelos homens e onde os homens se realizam a
partir da transformação deste mesmo mundo em benefício próprio e de seus
concidadãos.
O humanismo é um dos mais belos conceitos filosóficos que conhecemos.
O humanismo é uma filosofia para quem está apaixonado pela vida, pelo mundo,
pelo semelhante. Os humanistas assumem responsabilidade pelas suas próprias
vidas e saboreiam a aventura de serem parte de novas descobertas, procurando
novos conhecimentos, explorando novas opções. Em vez de encontrarem
conforto em respostas pré-fabricadas às grandes questões da vida, os
humanistas apreciam a abertura de uma procura sem fim determinado e a
liberdade de descoberta que dela advém.
O humanismo moderno nos possibilita uma postura perante a vida ou uma
visão do mundo que está em sintonia com o conhecimento moderno; é inspirador,
socialmente consciente e com significado pessoal. Não é apenas a atitude da
pessoa que pensa, mas também da pessoa que sente, já que inspirou as artes
tanto quanto inspirou as ciências; filantropia tanto quanto crítica. E mesmo na
crítica é tolerante, defendendo os direitos de todas as pessoas em escolher outros
caminhos, em falarem e escreverem livremente, em viverem as suas vidas de
acordo com as suas luzes.
Graças a este movimento filosófico foi possível de se garantir a vida do
homem em muitos lugares do planeta terra. Se bem que muitas vezes o
humanismo tem sido desrespeitado em prejuízo do homem.
3.2. RACIONALISMO E EMPIRISMO
De onde se originam as idéias, os conceitos, as representações? De onde
se originam os conhecimentos? Há duas correntes filosóficas que deram
respostas a esse problema: o empirismo e o racionalismo. Na sequência
aprofundaremos estas duas correntes filosóficas.
3.2.1. RACIONALISMO: A CONFIANÇA EXCLUSIVA NA RAZÃO.
“Buscar e aprender, na realidade, não
são mais do que recordar” (PLATÃO).
87
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
O racionalismo é a doutrina que atribui exclusiva confiança na razão
humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Como afirmou
Descartes: “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa
razão”. Para os racionalistas os sentidos não são confiáveis porque podem nos
fornecer ilusão da realidade como, por exemplo, o bastão que, mergulhado na
água, parece estar quebrado.
Os racionalistas afirmam que os princípios lógicos fundamentais seriam
inatos, isto é, eles já estão na mente do homem desde o seu nascimento
(tese/teoria). Daí porque a razão deve ser considerada como fonte básica do
conhecimento (princípios independentes da experiência). Platão e Descartes são
os mais renomados representantes desta teoria.
Os argumentos utilizados para justificar a teoria racionalista são: através
das idéias inatas (que já nascem conosco) a razão humana pode chegar ao
conhecimento; através da razão, métodos lógicos e análise crítica (só há
conhecimento quando este é logicamente necessário e universalmente válido). A
razão humana se basta para alcançar o conhecimento verdadeiro, no dizer de
Descartes: “só através da luz natural se chega à verdade”. Descartes afirmava
que, para conhecer a verdade, é preciso, de início, colocar todos os nossos
conhecimentos
em
dúvida.
É
necessário
questionar
tudo
e
analisar,
criteriosamente, se existe algo na realidade de que possamos ter plena certeza.
Finalmente estabeleceu que a única verdade totalmente livre de dúvida era a
seguinte: meus pensamentos existem. E em seguida observou que a existência
desses pensamentos se confundia com a essência de sua própria existência
como ser pensante. Disso decorreu a célebre conclusão de Descartes: “Cogito
ergo sum” - “Penso, logo existo”.
3.2.2. EMPIRISMO: A VALORIZAÇÃO DOS SENTIDOS COMO FONTE
PRIMORDIAL DO CONHECIMENTO.
“O homem nasce como se fosse uma
„folha em branco‟” (JOHN LOCKE).
Todas as nossas idéias são provenientes de nossas percepções sensoriais
(visão, audição, tato, paladar, olfato). Em outras palavras, ditas por Locke: “nada
88
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
vem à mente sem ter passado pelos sentidos”. Para este filósofo quando
nascemos nossa mente é como um papel em branco, completamente desprovida
de idéias. De onde provém, então, o vasto conhecimento de idéias que existe na
mente humana? Da experiência, que resulta da observação dos dados sensoriais.
Para a tese/teoria empirista a origem do conhecimento deriva da
experiência. O processo de saber, conhecer e agir é por tentativa e erro. Numa
seqüência linear temos os seguintes filósofos como representantes do empirismo:
Aristóteles, Francis Bacon, João Locke e David Hume. Segundo a teoria do
empirismo o espírito humano é como uma tábua rasa onde a experiência se
escreve.
Os argumentos utilizados para justificar a tese são os seguintes: o
conhecimento começa com as percepções da experiência sensível (impressões e
idéias); toda a atividade mental consiste em fazer associações de percepções
derivadas da experiência (conhecimento não é alcançado à priori).
3.2.3. REVISANDO E COMPARANDO AS DUAS TEORIAS.
Até hoje os estudiosos do conhecimento estabeleceram a diferença entre
as teorias do conhecimento racionalista e empirista. Já sabemos que o
conhecimento é a relação entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e, o
objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer. No capítulo anterior fizemos um
retorno à Grécia Antiga pontuando as visões e métodos de conhecimento de
Sócrates, baseada na ironia e na maiêutica; de Platão, baseada na Doxa (ciência
baseada na opinião) e; Aristóteles, fundamentada na Episteme (ciência baseada
89
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
na observação e na experiência). A Idade Média fez da ciência um conhecimento
inspirado, ou de origem divina. O conhecimento recebido de Deus tornou-se
superior ao conhecimento racional e, portanto um mundo teocêntrico.
A primeira revolução científica promoveu diversas mudanças para o
pensamento, dentre as quais a mudança da visão de mundo do teocentrismo para
o antropocentrismo (de Deus como o centro do conhecimento para o homem
como tal centro). E os precursores dessa revolução Copérnico, Galileu e Newton
auxiliaram fortemente no estabelecimento de uma nova postura de investigação
científica.
Sabemos que podemos obter conhecimento através da razão. Mas
conforme o diagrama da página anterior, esse conhecimento vem da reflexão feita
sobre aquilo que já desenvolvemos perceptualmente. Pensar é exercitar áreas do
cérebro que também são usadas para o processamento de sinais sensórios.
Evidências neurocientíficas recentes, por exemplo, Kosslyn (1996) e Zeki (1993)
apontam para o uso, durante exercícios de visualização, das mesmas áreas
neurais empregadas pela visão normal. Ou seja, quando imaginamos um elefante,
estamos ativando muitas das mesmas áreas do cérebro que empregamos quando
observamos um elefante.
No Empirismo, o conhecimento provém dos sentidos. Realmente temos
como obter conhecimento dos sentidos e esse conhecimento não consegue ser
explicitado de forma simbólica, pois é em grande parte constituído de relações
estatísticas entre itens perceptuais. Observando o diagrama da página anterior
verifica-se que a seta mostra que nossa visão de realidade é moldada pelas
sucessivas experiências sensórias a que somos submetidos desde nossa
infância.
90
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Análise comparativa das duas teorias filosóficas acerca do conhecimento68
Problema
Tese/Teoria
Argumentos
Representantes
Através das idéias
inatas (que já nascem
RACIONALISMO
Origem do
O conhecimento
conhecimento
tem origem na
(iniciou-se com
razão (princípios
a definição de
independentes da
raciocínio).
experiência).
conosco) a razão
humana pode chegar
Platão.
ao conhecimento.
Descartes:
Através da razão,
Só através da luz
métodos lógicos e
natural se chega à
análise crítica: só há
verdade.
conhecimento quando
este é logicamente
necessário e
universalmente válido.
O conhecimento
começa com
EMPIRISMO
(deriva da
Origem do
conhecimento
experiência):
processo de
saber, conhecer e
agir é por tentativa
e erro!
percepções da
experiência sensível
(impressões e idéias);
Toda atividade mental
consiste em fazer
associações de
percepções derivadas
da experiência
Aristóteles.
Francis Bacon.
David Hume
John Locke: O
espírito humano é
como uma tábua
rasa onde a
experiência se
escreve.
(conhecimento não é
alcançado à priori).
68
As imagens elucidativas da página anterior foram buscadas em Sergio Navega, A natureza da
inteligência, 2003, capítulo 8 – O berço dos símbolos, disponível em http://www.intelliwise.com.br/,
acessado dia 15 de janeiro de 2011 às 17h21min. O quadro da análise comparativa entre
racionalismo e empirismo foi acessado no site <http:/www.resumo.net>, acessado em 15 de
janeiro de 2011 às 17h28min.
91
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Ao atentarmos para o racionalismo, é possível notar que nele há uma
argumentação no sentido de que a obtenção do conhecimento científico se dá
pelas idéias inatas (pensamentos existentes no homem desde sua origem que o
tornariam capazes de deduzir as demais coisas do mundo). Para os racionalistas,
essas idéias inatas seriam o fundamento da Ciência.
Em contrapartida, para o empirismo e seus seguidores, os empiristas, a
experiência é à base do conhecimento científico, ou seja, adquire-se a sabedoria
por intermédio da percepção do Mundo externo, ou então do exame da atividade
da nossa mente, que abstrai a realidade que nos é exterior e as modifica
internamente.
Portanto, os empiristas apontam que a única maneira de se compreender
um dado acontecimento é vivenciar (experiência) uma situação/conhecimento, a
fim de que o sujeito possa internalizá-lo (caráter bastante individualista de
aprendizagem).
A concepção racionalista afirma a razão como única faculdade de propiciar
o conhecimento adequado da realidade. A razão, por iluminar o real e perceber as
conexões e relações que o constituem, é a capacidade de apreender ou de ver as
coisas em suas articulações ou interdependência em que se encontram umas
com as outras.
Ao partir do pressuposto de que o pensamento coincide com o ser, a
filosofia ocidental, desde suas origens, percebe que há concordância entre a
estrutura da razão e a estrutura análoga do real, pois, caso houvesse total
desacordo entre a razão e a realidade, o real seria incognoscível e nada se
poderia dizer a respeito.
O
racionalismo
gnosiológico
ou
epistemológico
é
inseparável
do
racionalismo ontológico ou metafísico, que enfoca a questão do ser, pois o ser
está implicado no pensamento do ser. Ciência e Filosofia caminham juntas. São
inseparáveis, interdependentes. Declarar que o real tem esta ou aquela estrutura
implica em admitir, por parte da razão, enquanto faculdade cognitiva do ser
humano, a capacidade de apreender o real e de revelar a sua estrutura. O
92
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
conhecimento, ao se distinguir da produção e da criação de objetos, implica a
Causa e Efeito
Origem das Idéias
possibilidade de reproduzir o real no pensamento, sem alterá-lo ou modificá-lo.
Racionalismo69
Para os racionalistas, as idéias do
mundo exterior são tecidas pela
captação da realidade do mundo
externo pelo indivíduo. Também
pode ser provenientes da ação
imaginativa e, pelas idéias inatas
(nascem com o sujeito), tidas como
base da razão.
A partir do inatismo é dado ao
indivíduo conhecer as leis naturais,
criadas por um ser criador.
Tal princípio parte da certeza do
pensamento para afirmar qualquer
outra realidade.
Empirismo
Os empiristas apontam a origem
das idéias como fruto de um
processo
de
abstração.
Tal
processo deveria se iniciar com a
percepção a partir da qual os
sentidos do indivíduo interagem
com o ambiente.
A grande diferenciação com relação
ao racionalismo está em não focar a
„coisa‟ em si (fator objetivo), nem
tampouco a idéia que se faz
(atribuição da razão) a esta coisa;
mas puramente como se percebe
esta coisa, ou como chega até nós
através dos sentidos70.
As relações de causa e efeito são
vistas pelo racionalismo como
obedientes ao Mecanicismo71.
Estas
relações
podem
ser
expressas pelo rigor matemático,
com
objetividade
bastante
destacada. De modo sintético, os
racionalistas viam que as relações
observadas do comportamento
humano são inerentes aos objetos
em si e à Mecânica da Natureza,
como engrenagens que obedecem
a uma ordem preestabelecida.
Para empiristas, esta relação é
apenas resultado de nossa maneira
comum e habitual de compreender
fenômenos e os correlacionar como
causa e conseqüência através de
uma repetição constante.
Ou seja, as leis da Natureza só
seriam leis porque se observaram
repetidamente pelos homens. Neste
ponto, seria o mesmo que deduzir
após muito observar a existência de
cisnes brancos, sem jamais notar
um de outra forma que todos são
brancos. Há uma indução a um erro
(pelo método indutivo).
69
Quadro foi elaborado por Ilan de Souza, disponível em http://profesron.spaceblog.com.br/,
acessado em 02 de janeiro de 2011 às 17h21min.
70
Em uma área de Psicologia focada na Educação, a Psicologia Educacional, existem teóricos
que apontam que o conhecimento se dá de dentro para fora e outros que dizem que se dá de fora
para dentro (internalização). O primeiro caso é o de Piaget, que aponta que para amadurecer o
indivíduo têm de ser colocado em situação que o auxilie a passar para um nível de maior
conhecimento; já no segundo caso destaca-se Vygotsky, com sua teoria sócio-interacionista ou
sócio-cultural.
71
Teóricos também estudados em Psicologia da Educação, tais com Pavlov, Skinner e Watson
trabalharam suas pesquisas no sentido de modular comportamentos ou compreender a
modulação do pensamento, com estímulos. O saber de modo mecânico, sem a internalização do
conhecimento tem raízes nesta linha de pesquisa em Psicologia.
93
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Dois elementos marcariam o desenvolvimento da Filosofia racionalista
clássica no século XVII. De um lado, a confiança na capacidade do pensamento
matemático, símbolo da autonomia da razão, para interpretar adequadamente o
mundo; de outro, a necessidade de conferir ao conhecimento racional uma
fundamentação metafísica que garantisse sua certeza.
Ambas as questões conformaram a idéia basilar do Discurso sobre o
método (1637) de Descartes, texto central do racionalismo tanto metafísico
quanto epistemológico. Para Descartes, a realidade física coincide com o
pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e equações matemáticas.
Descartes estava convicto também de que todo conhecimento procede de idéias
inatas - postas na mente por Deus - que correspondem aos fundamentos
racionais da realidade.
A razão cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade do real
mediante "longas cadeias de razões", é a razão lógico-matemática e não a razão
vital e, muito menos, a razão histórica e dialética.
Sob uma perspectiva contrária, os empiristas britânicos refutaram a
existência das idéias inatas e postularam que a mente é uma tabula rasa ou
página em branco, cujo material provém da experiência.
A oposição tradicional entre racionalismo e empirismo, no entanto, está
longe de ser absoluta, pois filósofos empiristas como John Locke e, com maior
dose de ceticismo, David Hume, embora insistissem em que todo conhecimento
deve provir de uma "sensação", não negaram o papel da razão como
organizadora dos dados dos sentidos.
O próprio fato de haver toda esta controvérsia em torno da problemática
suscitada por Descartes revela a importância crucial das teses racionalistas. O
racionalismo cartesiano e o empirismo inglês desembocaram no Iluminismo do
século XVIII. A razão e a experiência de que resulta o conhecimento científico do
mundo e da sociedade bem como a possibilidade de transformá-los são
instâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores do mundo
medieval.
94
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
3.3. IDEALISMO E MATERALISMO
3.3.1. IDEALISMO
“[...] os ideais, em todas as crenças, representam o resultado
mais alto da função de pensar” (JOSÉ INGENIEROS).
O Idealismo é uma corrente filosófica que desabrochou apenas com o
advento da modernidade, uma vez que a posição central da subjetividade é
fundamental. Seu oposto é o materialismo. O idealismo é a corrente filosófica que
dá maior importância ao sujeito que conhece. Para o idealismo o sujeito é que
predomina em relação ao objeto. A percepção da realidade é construída pelas
nossas idéias, pela nossa consciência. Assim, os objetos seriam construídos de
acordo com a capacidade de percepção do sujeito. O que existiria como realidade
é a representação que o sujeito faz do objeto.
“Tendo suas origens a partir da revolução filosófica iniciada por Descartes e o seu cogito,
é nos pensadores alemães que o Idealismo está em geral associado, desde Kant até
Hegel, que seria talvez o último grande idealista da modernidade. Muitos, ainda, acreditam
que a teoria das idéias de Platão é historicamente o primeiro dos idealismos, em que a
verdadeira realidade está no mundo das idéias, das formas inteligíveis, acessíveis apenas
à razão” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Idealismo).
Corrente filosófica anticientífica e com viés metafísico que resolve o
problema fundamental da relação entre o ser e o pensar fazendo da consciência
do espírito, o dado primário, original. O Idealismo considera o mundo como
encarnação da consciência, da "Idéia Absoluta", do "Espírito Universal". Somente
a consciência teria existência real e o mundo material, o ser, a natureza, seriam
apenas reflexo da Idéia, das sensações, das representações, dos conceitos. O
Idealismo está, de modo geral, estreitamente ligado à religião e leva, de uma ou
de outra forma, à pressuposição de um Criador, portanto, da relação CriadorCriatura. O Idealismo tem como uma de suas bases o Agnosticismo.
O Agnosticismo é uma teoria idealista que afirma que o mundo não pode
ser conhecido pela razão humana, já que esta é limitada e incapaz de conhecer
qualquer coisa além das sensações. Os filósofos que negam a possibilidade de
conhecer o mundo são chamados de agnósticos.
95
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
72
“O agnóstico sustenta que o conhecimento humano é limitado ao mundo natural, que a
mente é incapaz do conhecimento do sobrenatural. Compreendido assim, um agnóstico
poderia também ser um teísta ou um ateu. O primeiro seria chamado de fideísta, alguém
que acredita em Deus puramente por fé. O segundo é às vezes acusado pelos teístas de
ter fé na inexistência de Deus, mas a acusação é absurda e a expressão não faz sentido.
O ateu agnóstico simplesmente não encontra nenhuma razão convincente para acreditar
em Deus” (<http://brazil.skepdic.com/agnosticismo.html>).
Para eles o homem pode conhecer apenas as propriedades de uma coisa,
os seus fenômenos e não a coisa em si. A razão humana, a mente, para eles, só
é capaz de perceber o que ela própria contém, ou seja, os reflexos dos
fenômenos.
3.3.2. MATERIALISMO
“A matéria é a realidade objetiva, que nos é dada nas sensações” (LENIN).
O materialismo é a corrente filosófica que resolve cientificamente o
problema fundamental da Filosofia, o da relação entre o ser e o pensar.
Contrariamente ao idealismo, o materialismo considera a matéria como o dado
primário, original, e a consciência, o pensamento, como o reflexo da relação do
ser com mundo. O realismo ou materialismo é a corrente filosófica que dá maior
importância ao objeto que é conhecido. Para o realismo os objetos é que
determinam o conhecimento.
Ao colocar na base do mundo diversos elementos materiais, os filósofos o
consideram como um todo unido, com um processo de mudanças e
72
O termo 'agnóstico' foi criado por T. H. Huxley (1825-1895), inspirado por David Hume e
Immanuel Kant. Huxley afirma que inventou o termo para descrever o que ele pensava torná-lo
único entre seus colegas pensadores: Eles estavam seguros de ter alcançado uma certa "gnose" - tinham resolvido de forma mais ou menos bem sucedida o problema da existência, enquanto eu
estava bem certo de que não tinha, e estava bastante convicto de que o problema era insolúvel.
'Agnóstico' veio à mente, ele diz, porque o termo era “sugestivamente antitético aos 'gnósticos' da
história da Igreja, que professavam saber tanto sobre exatamente as coisas a respeito das quais
eu era ignorante...." Huxley parece ter tido a intenção de que o termo significasse que a metafísica
é, mais ou menos, bobagem. Em resumo, ele parece ter concordado com a conclusão de Hume
no final de Investigação Sobre o Entendimento Humano: “Quando percorrermos bibliotecas,
convencidos por esses princípios, que destruição temos que fazer? Se tomarmos nas mãos
qualquer volume, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, perguntemos: Ele contém
algum raciocínio abstrato a respeito de quantidades ou números? Não. Contém algum raciocínio
experimental a respeito de questões de fato ou existência? Não. Então lancemo-lo às chamas,
pois não pode conter nada além de sofismas e ilusões”. A Crítica da Razão Pura de Kant resolveu
algumas das principais questões epistemológicas levantadas por Hume, mas ao custo de rejeitar a
possibilidade do conhecimento de qualquer coisa além das aparências dos fenômenos. Não
podemos conhecer Deus, mas a idéia de Deus é uma necessidade prática, segundo Kant
(Disponível em <http://brazil.skepdic.com/agnosticismo.html>, acessado em 16 de janeiro de 2011
às 15h12min).
96
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
transformações permanentes, sendo que muitos desses filósofos chegaram a
vislumbrar a função do átomo na organização da matéria.
Na Filosofia marxista, o conceito de matéria é empregado no sentido mais
amplo para designar tudo o que existe objetivamente, isto é, independentemente
da consciência, e que se reflete nas sensações humanas.
O impasse entre idealismo e materialismo perpassou a História, e mesmo
hoje grande parte dos pensadores continua dando uma explicação idealista do
mundo e da sociedade, na medida em que colocam a natureza e o homem,
inserido nela, como criação de um ser transcendente e eterno, que desde sempre
e para sempre determina o papel que os indivíduos devem representar no mundo.
Esta concepção admite que a ação dos homens na sociedade é
predeterminada, que sua consciência é igualmente dada e transcendente e que,
portanto, seja qual for a posição que ele ocupe na sociedade, isso deve ser aceito
com conformidade, pois não cabe a ele se insurgir contra uma forma de
organização que reflete uma vontade superior. Essa dicotomia: ser criado-criador
afasta, liminarmente, a possibilidade de que se possa transformar radicalmente a
sociedade, já que esta é apenas a representação da vontade transcendente.
No século XIX surge outro pensador - Hegel - que reconstrói o edifício da
Filosofia. Ele foi o maior filósofo idealista depois de Aristóteles, e também ele
acreditava no Espírito Universal como causa primária de todas as coisas, sendo a
natureza algo secundário e apenas um reflexo do Espírito, o "Espírito Absoluto".
O Espírito Universal hegeliano não é senão um conceito abstrato, elevado
à categoria de absoluto e que Hegel apresenta como essência isolada e
independente, que constitui a base dos fenômenos da natureza e da sociedade. E
para Hegel não é o pensamento que é um reflexo da natureza, do mundo; mas o
contrário, a natureza, em seu conjunto, é que é uma manifestação do
pensamento, pensamento esse que Hegel concebe coma uma essência sobrehumana e transcendente.
Hegel afirma a existência da dialética, ou seja, do movimento e do
desenvolvimento, mas os coloca apenas no Espírito, na Idéia, que ao se bipartir
nas várias representações do real não comunica a este as mesmas propriedades
97
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
- dai o mundo e o homem serem imperfeitos. Ele destaca as categorias dialéticas
da tese e da antítese, onde existem contradição e negação do velho pelo novo,
mas essas contradições se conciliam na síntese, que se dá no Espírito Absoluto.
Como a realidade nada mais é do que o reflexo do Espírito, onde todas as
contradições se resolvem, ele atribui ao Estado o papel, também, do grande
conciliador, pois "a vontade universal não cria forma mais adequada à sua
natureza a não ser no direito e no Estado".
Este último é, portanto, para Hegel, a realidade concreta da vontade
universal e abrange todas, as formas particulares, ou seja, abstratas, de sua
própria manifestação. Como, pois, o movimento só existe no Espírito, a dialética
nada mais faz do que se refletir e aparecer confusamente no mundo.
Surge contemporaneamente a Hegel, outro filósofo - Feuerbach -, que
centra sua critica na teologia, no dogma cristão da imortalidade da alma e
defende conceitos novos, como os da mortalidade do gênero humano, da razão
universal e da consciência genérica. Demonstra que o mundo é material, e que a
natureza preexiste à consciência e ao surgimento da Filosofia. A natureza, para
ele, não foi criada, é causa de si mesma e o fundamento de sua existência reside
nela própria. "A natureza é corpórea, material, sensível", afirmou.
Reconhece, assim, que a natureza tem leis objetivas, causalidade objetiva,
e que há uma realidade objetiva no mundo exterior, dos objetos, dos corpos, das
coisas, refletidos por nossa consciência (pensamento). Mas mesmo Feuerbach
viu apenas a influência da natureza sobre o homem, mas não sua contrapartida, a
influência do homem sobre a natureza e sua capacidade de transformá-la, ao
estabelecer a relação dialética Homem-Natureza-Homem.
3.4. ILUMINISMO
“A razão é a grande agente ordenadora do conhecimento” (D‟Alembert).
Nos séculos XVI e XVII países como França, Inglaterra e Holanda foram
cenários de uma revolução cultural chamada Iluminismo. Os elementos principais
do Iluminismo foram: valorização da razão, valorização do questionamento, da
investigação e da experiência como forma de conhecimento; crença nas leis
naturais, crença nos direitos naturais; crítica ao absolutismo, ao mercantilismo e
98
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
aos privilégios da nobreza e do clero; defesa da liberdade política e econômica e
da igualdade de todos perante a lei; crítica à Igreja Católica, apesar de se manter
a fé em Deus (cfr. FILHO, 1993).
O iluminismo gerou a primeira Enciclopédia. Como nos conta o historiador
que estudou a trajetória econômica e editorial da Enciclopédia, Robert Danton,
quando os franceses fizeram a primeira impressão da obra (1751), logo
perceberam que se tratava de uma empresa “perigosa”:
“Não se tratava meramente de uma coleção, em ordem alfabética, de informações a
respeito de tudo; a obra registrava o conhecimento segundo os princípios filosóficos
expostos por D‟Alembert no Discurso Preliminar. Embora reconhecesse formalmente a
autoridade da Igreja, D‟Alembert deixava claro que o conhecimento provinha dos sentidos,
e não de Roma ou da Revelação. O grande agente ordenador era a Razão, que
combinava as informações dos sentidos, trabalhando com as faculdades irmãs, memória e
imaginação” (DARNTON, 1996: 18).
Immanuel Kant (1724-1804) definiu, em 1783, no opúsculo intitulado Was
ist Aufklärung? (O que é a Ilustração?), o que entendia por Iluminismo: “O que é a
Ilustração? – perguntava o filósofo, e respondia: - É a saída do homem da sua
menoridade, ou seja, da incapacidade de se servir do seu entendimento sem a
orientação de outrem, menoridade da qual ele mesmo é responsável, pois a
causa reside não na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem
para se servir dele sem a tutela do outro. Sapere aude! Tem coragem para te
servir do teu próprio entendimento. Essa é a divisa das Luzes!”
Os pensadores do século XVII desenvolveram as teses do Iluminismo por
dois caminhos73:
1) O Racionalismo (especialmente na França e na Alemanha). Os
principais representantes desta corrente defendiam a possibilidade de conhecer a
estrutura da realidade, a partir dos puros princípios do pensamento. A ordem
lógica do mundo tornava possível o seu conhecimento dedutivo. O modelo
consistia no método das matemáticas, que faz deduções a partir de alguns
axiomas seguros. A realidade torna-se compreensível a partir de dois princípios
73
Texto sistematizado pelo professor Ricardo Vélez-Rodriguez da Universidade Federal de Juiz de
Fora - MG, disponível em http://teoriadoconhecimentoii.blogspot.com.br/2011/05/o-clima-doiluminismo-e-as-principais.html e acessado em 17 de julho de 2012 às 12h30min.
99
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OLÍVIO MANGOLIM
(Descartes), um princípio (Espinosa) ou vários princípios substanciais (Leibniz), e
é totalmente organizada por Deus.
2) O Empirismo (especialmente na Inglaterra e, mais tarde, na França). A
partir de Francis Bacon, passando por Hobbes, Locke, Berkeley e chegando até
Hume, esta corrente considerava que o fundamento do conhecimento encontravase na experiência sensível. Somente são reais os objetos singulares e os
fenômenos. O adequado uso da razão pode ordená-los e daí tirar, indutivamente,
conclusões mais gerais. A eficácia deste princípio aplicava-se, antes de tudo, ao
nascimento da ciência, mas também à formulação da filosofia do direito, bem
como à filosofia política.
Somente na segunda metade do século XVIII, com Immanuel Kant, vamos
encontrar uma adequada sistematização dos princípios do Iluminismo, superando
(na perspectiva transcendental, sistematizada por ele na Crítica da Razão Pura)
os princípios do Racionalismo e do Empirismo.
A nova interpretação dada à teoria do conhecimento pelo filósofo alemão
Immanuel Kant, ao desenvolver seu idealismo crítico, representou uma tentativa
de superar a controvérsia entre as propostas racionalistas e empiristas extremas.
Entendido como posição filosófica que sustenta a racionalidade do mundo natural
e do mundo humano, o racionalismo corresponde a uma exigência fundamental
da ciência: discursos lógicos, verificáveis, que pretendem apreender e enunciar a
racionalidade ou inteligibilidade do real.
Ao postular a identidade do pensamento e do ser, o racionalismo sustenta
que a razão é a unidade não só do pensamento consigo mesmo, mas a unidade
do mundo e do espírito, o fundamento substancial tanto da consciência quanto do
exterior e da natureza, pressuposto que assegura a possibilidade do
conhecimento e da ação humana coerente.
Para além de seus possíveis elementos dogmáticos, a filosofia racionalista,
ao ressaltar o problema da fundamentação do conhecimento como base da
especulação filosófica, marcou os rumos do pensamento ocidental.
100
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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3.5. POSITIVISMO E MARXISMO
3.5.1. POSITIVISMO74
“Todos os bons intelectos têm repetido, desde o tempo de
Bacon, que não pode haver qualquer conhecimento real
senão aquele baseado em fatos observáveis” (COMTE).
O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no começo do
século XIX. Os principais idealizadores do positivismo foram os pensadores
Augusto Comte (1798-1857) e John Stuart Mill. Esta escola filosófica ganhou
força na Europa na segunda metade do século XIX e começo do XX, período em
que chegou ao Brasil.
O positivismo defende a idéia de que o conhecimento científico é a única
forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente podese afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos
científicos válidos.
Não consideram os conhecimentos ligados às crenças, superstições ou
quaisquer outros que não possam ser comprovadas cientificamente. Para eles, o
progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
Esta
doutrina
filosófica,
sociológica
e
política,
surgiram
como
desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises sociais e moral do fim da
Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram
como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele
propõe à existência humana, valores completamente humanos, afastando
radicalmente a teologia e a metafísica. Em outras palavras, os positivistas
abandonaram a busca pela explicação de fenômenos externos, como a criação do
homem, por exemplo, para buscar explicar coisas mais práticas e presentes na
vida do homem, como no caso das leis, das relações sociais e da ética.
A idéia-chave do Positivismo comtiano é a Lei dos Três Estados, de acordo
com a qual o homem passou e passa por três estágios em suas concepções, isto
é, na forma de conceber as suas idéias:
74
Sistematizado a partir do texto encontrado em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>,
acessado em 01 de janeiro de 2011 às 21h32min.
101
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OLÍVIO MANGOLIM
Teológico: o ser humano explica a realidade apelando para entidades
supranaturais (os "deuses"), buscando responder a questões como "de onde
viemos" e "para onde vamos"; além disso, busca-se o absoluto;
Metafísico: é uma espécie de meio-termo entre a teologia e a positividade.
No lugar dos deuses há entidades abstratas para explicar a realidade. Continuase a procurar respostas a questões como "de onde viemos" e "para onde vamos";
Positivo: etapa final e definitiva, não se busca mais o "por que" das coisas,
mas sim o "como", com as leis naturais, ou seja, relações constantes de sucessão
ou de coexistência. As pessoas são tolerantes, complacentes. A imaginação
subordina-se à observação e busca-se apenas o relativo.
Além de ser uma reação contra o idealismo, o positivismo se deu devido ao
grande progresso das ciências naturais, particularmente das biológicas. Tenta-se
aplicar os princípios e os métodos das ciências à filosofia, como resolvedora do
problema do mundo e da vida, com a esperança de conseguir os mesmos
fecundos resultados.
Enfim, o positivismo teve impulso, graças ao desenvolvimento dos
problemas econômico-sociais, que dominaram o mesmo século XIX. Sendo
grandemente valorizada a atividade econômica, produtora de bens materiais, é
natural se procure uma base filosófica positiva, naturalista, materialista, para as
ideologias econômico-sociais.
Na democracia moderna - que é a concepção política, em que a soberania
é atribuída ao povo, à massa - a vontade popular se manifesta através do
número, da quantidade, da enumeração material dos votos (sufrágio universal).
O liberalismo, que sustenta a liberdade completa do indivíduo - enquanto
não lesar a liberdade alheia - sustenta também a livre concorrência econômica
através da lida mecânica, do conflito material das forças econômicas.
Para o socialismo, enfim, o centro da vida humana está na atividade
econômica, produtora de bens materiais, e a história da humanidade é acionada
por interesses materiais, utilitários, econômicos (materialismo histórico), e não por
interesses espirituais, morais e religiosos.
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OLÍVIO MANGOLIM
O positivismo teve influência fundamental nos eventos que levaram à
proclamação da República no Brasil, destacando-se o Coronel Benjamim
Constant, Marechal Cândido Rondon, Euclides da Cunha.
A conformação atual da Bandeira do Brasil é um reflexo dessa influência na
política nacional e foi elaborada por Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927). Na
bandeira lê-se a máxima política positivista “Ordem e Progresso”. A divisa
comtiana era “O amor por princípio e a ordem por base; o Progresso por fim”.
A nossa prestigiada Universidade de São Paulo-USP, fundada em 1935,
traz no seu brasão, a frase em latim: “Scientia Vinces”, que se traduz por: “Pela
ciência Viverás”.
3.5.2. MARXISMO
“Os filósofos até o momento só fizeram interpretar o mundo,
o mais importante não fizeram, que é transformá-lo” (MARX).
Nos meados do século XX surge um outro pensador que vai criticar e
reformular todas as teorias até então existentes, começando pela Filosofia: Karl
Marx. Coube a Marx elaborar as leis do materialismo filosófico, dando-lhe um
cunho científico sobre as bases do método dialético, contrapondo-se a Hegel e
criticando suas concepções idealistas, e afirmando que a dialética existe não só
na natureza, mas também na sociedade, possuindo ambas as leis próprias de
desenvolvimento.
Essas leis mostram a inter-relação estreita existente entre todas as coisas,
natureza-homem, homem-natureza, pois os homens não se limitam a contemplar
o mundo em que vivem, como sempre pensaram os idealistas, mas o
transformam permanentemente e concomitantemente sofrem os efeitos dessas
transformações.
Marx elabora, então, toda uma nova concepção do mundo, a partir do
princípio de que a matéria em perpétuo movimento, com leis próprias que se
fazem sentir na natureza e na sociedade, é que é o princípio de todas as coisas.
Portanto, a sociedade e o Estado, suas leis e suas normas nada mais são do que
criação do homem. Desta forma, Marx reconstrói o edifício da Filosofia e elabora
103
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OLÍVIO MANGOLIM
um novo método para melhor entender os fenômenos que ocorrem na natureza e
na sociedade - o método do materialismo dialético.
O método é um instrumento de análise, maneira de abordar a realidade, de
estudar os fenômenos da natureza e da sociedade. A concepção marxista de
método difere, fundamentalmente, da concepção idealista. Para os idealistas, o
método é um conjunto de regras, estabelecidas arbitrariamente pelo espírito
humano, para aferir o conhecimento. Para eles o método é considerado como
uma categoria puramente subjetiva. Para os marxistas, o método só é correto
quando reflete as leis objetivas da própria realidade. Somente o conhecimento
dessas leis permite estudar cientificamente os fenômenos da natureza e da
sociedade. O método deve ser não um conjunto de regras criadas aleatoriamente
pelo espírito humano, mas a ciência das leis mais gerais da natureza, da
sociedade e do pensamento.
O método pode ser metafísico ou dialético. O metafísico é anticientífico ao
abordar os fenômenos da natureza e da realidade, e de estudá-los isoladamente
entre si e de considerá-los invariáveis. Esse método considera separadamente os
objetos sem levar em conta suas mudanças, seu devir. O metafísico crê que os
objetos e suas imagens no pensamento, em forma de conceitos, são objetos de
investigação isolados, fixos, imóveis, enfocados, um atrás do outro, como algo
dado e perene.
O dialético é o único método cientifico de conhecimento, é a ciência das
leis mais gerais do desenvolvimento da natureza, da sociedade e do pensamento,
e leva em conta o processo permanente de mudanças, de perene transformação
de todas as coisas, do eterno vir-a-ser. É parte integrante da Filosofia marxista e
se constitui num guia para a ação revolucionária do partido proletário. Contrapõese a toda metafísica e, ainda, ao método dialético idealista de Hegel. Para o
método do materialismo dialético a base do desenvolvimento do mundo é objetiva
e real, a natureza é material, enquanto que a consciência e as idéias são reflexos
do mundo. A oposição entre o método dialético marxista e o método idealista
hegeliano expressa a oposição entre as concepções do mundo da burguesia e da
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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classe operária. "Não é a consciência que determina o ser, mas o ser que
determina a consciência" (Marx, Contribuição à Crítica da Economia Política).
Em síntese a produção de idéias, para Marx, “está relacionada com a
atividade material e a troca deste material entre os homens como exemplo a
linguagem da vida real”.
3.5.3. FENOMENOLOGIA
“Um objeto, para a consciência, não é um objeto representado apenas,
porque há na consciência um conteúdo de alguma forma semelhante ao
próprio „objeto transcendente‟. Toda a relação da consciência com a sua
objetividade está incluída na „essência fenomenológica‟ da consciência
formada em si mesma, justamente como relação a uma coisa
„transcendente‟” (HUSSERL).
A fenomenologia75 é o estudo da consciência e dos objetos da consciência.
É neste contexto que a redução fenomenológica, é o processo pelo qual tudo que
é informado pelos sentidos é mudado em uma experiência de consciência, em um
fenômeno que consiste em se estar consciente de algo.
Assim, acredita-se que quando intencionamos as coisas, situações, fatos e
quaisquer tipos de objetos como imagens, fantasias, atos, relações, pensamentos
eventos, memórias, sentimentos, e assim sucessivamente, que constituem
nossas experiências de consciência, ou seja, é o modo como o conhecimento do
mundo acontece, a visão do mundo que o indivíduo tem.
Como se vê, é certo que o método fenomenológico se define como uma
volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à
consciência, que se dá como objeto intencional. Para esclarecer, Danilo
Marcondes analisa em seu texto "Os Herdeiros da Modernidade" que "O lema
básico da fenomenologia é "de volta às coisas mesmas", procurando com isso a
superação da oposição entre realismo e idealismo, entre o sujeito e o objeto, a
consciência e o mundo" (MARCONDES, 2004: 257-258).
A Fenomenologia é uma corrente filosófica que concebe ao pensamento a
certeza de reter só o essencial do fenômeno em questão, e o método
75
Baseado na sistematização de Luciano Agra, A teoria do conhecimento fenomenológico na
contemporaneidade. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/a-teoria-do-conhecimentofenomenologico-na-contemporaneidade/26349/ e acessado em 17 de julho de 2012 às 16h31min.
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OLÍVIO MANGOLIM
fenomenológico é aquele que oferece uma técnica de busca da essência dos
fenômenos. Apesar da fenomenologia estar caracterizada como uma Filosofia
essencialista a sua finalidade era a de ser uma solução objetiva para todo o
subjetivismo intelectual em voga na época de sua idealização. O seu precursor,
Edmund Husserl, objetivava criar uma corrente filosófica que desse uma base
sólida para a Filosofia e para as ciências, sendo uma solução definitiva para o
caos intelectual do final do século XIX e do início do XX.
Vale salientar que a fenomenologia para Husserl almeja o estudo das
essências, isto é, respondo-as na existência, pois ela não existe independente do
objeto sendo invariável. A mesma é a ciência das essências, que são maneiras
que relatam o fenômeno, por isso, não é adquirida da comparação e da abstração
dos objetos em si. Com isso, é necessário ao retorno da coisa mesma, que busca
filosofar seguindo os problemas que estão na vivência da consciência prescindido
o mundo exterior e às discussões feitas por outros teóricos, essas teorias podem
ser de grande ajudas para se chegar aos fenômenos, ou seja, a coisa mesma.
No âmbito da história da Filosofia, o termo fenomenologia é muito anterior
a Husserl e transita na obra de grandes pensadores. Martin Heidegger (2005a)
em a "Introduction to phenomenological research: Indiana" coloca que:
“A expressão 'fenomenologia' aparece pela primeira vez no século XVIII na escola de
Christian Wolff, no Neues Oragnon de Lambert, diretamente ligada à desenvolvimentos
análogos populares naquela época, tais como dianologia e alethiologia, e significava a
própria teoria da ilusão, uma doutrina para evitar as ilusões. Algo parecido aparece em
Kant. Em uma carta à Johann Heinrich Lambert, ele escreve: 'Isso (a fenomenologia)
aparece de um modo bastante particular, como uma disciplina propedêutica que deve
preceder a metafísica, onde os valores e limites do principio da sensibilidade são
determinados.' Mais tarde, 'fenomenologia' é título da maior obra de Hegel. (...)
'Fenomenologia' aparece também nas conferencias de Franz Bretano acerca da
metafísica" (HEIDEGGER, 2005a:3).
Neste fragmento acima, podemos perceber que todo caminho traçado pelo
sentido da expressão não rejeitava o passado ao dar um passo à frente. É
evidente que desde o tempo em que foi apresentado o termo fenomenologia,
suas conceituações se transformaram sem descarte. Trata-se de uma maneira
de
pensar
que
procura
tanto evitar
as
ilusões
quanto driblar a
superficialidade da metafísica em relação à compreensão do saber pelos
sentidos. Desta forma, ao propor seu conceito de fenomenologia, Edmund
106
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Husserl o apresenta como um contraponto à crise das ciências modernas, a
saber, o naturalismo e o psicologismo puramente empirista emergente na época,
que desejava ser à base de todas as ciências humanas. A fenomenologia
husserliana difere das constituídas por Kant e Hegel, de modo estrutural, isto é,
no que diz respeito à própria questão do ser ou, ainda, em relação a uma teoria
do ser absoluto ou ontologia. Diante disto, em seu livro "O que é a
fenomenologia?" André Dartigues (1992) coloca o seguinte:
“Se, no entanto, compararmos Husserl a Kant e a Hegel, com os quais seria permitido
aproximá-lo quanto aos vários pontos particulares, podemos notar que, com respeito ao
problema ontológico, sua tentativa representa algo como uma terceira via: enquanto a
fenomenologia de tipo kantiana concebe o ser como o que limita a pretensão do fenômeno
ao mesmo tempo em que ele próprio permanece fora de alcance, enquanto inversamente,
na fenomenologia hegeliana, o fenômeno é reabsorvido num conhecimento sistemático do
ser, a fenomenologia husserliana se propõe como fazendo ela própria, as vezes, de
ontologia pois, segundo Husserl, o sentido do ser e o fenômeno não podem ser
dissociados. Husserl procura substituir uma fenomenologia limitada por uma ontologia
impossível e outra que absorve e ultrapassa a fenomenologia por uma fenomenologia que
dispenda a ontologia como disciplina distinta, que seja, pois, a sua maneira, ontologia ciência do ser” (DARTIGUES, 1992: 4).
O fenômeno, portanto, segundo Hegel, citado por Dartigues, é reabsorvido
num conhecimento sistemático do Ser. Em sua introdução, Dartigues reporta-se
como Kant, Hegel e Husserl concebem o fenômeno. Em primeiro lugar Kant
concebe o Ser como o que limita a pretensão do fenômeno, e ao mesmo tempo
em que ele próprio permanece fora do alcance. No segundo lugar Hegel enfoca
que a fenomenologia é uma Filosofia do absoluto ou do espírito enquanto que o
fenômeno é reabsorvido num conhecimento sistemático do Ser, e por fim Husserl
propõe-se como fazendo ela própria (a fenomenologia) de Ontologia, pois o
sentido do Ser e do fenômeno não pode ser dissociado.
Com isso, a base da idéia da fenomenologia de Husserl é o próprio afronte
à tradição metafísica, ou seja, a contraria a separação estrutural das coisas do
mundo, da consciência, do espírito e do saber em sujeito e objeto. Em outras
palavras, Husserl motivado pela inquietude da insatisfação com a superficialidade
das ciências modernas e a tradição metafísica, que há tempos fechava-se em
construções
teóricas e
interpretações antecipadas,
propõe
seu
método
investigativo pautado na extinção do dualismo tradicional que cristaliza e
segmenta os entes como coisas e o ser destes como um ente também. No caso,
107
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
tudo passa a ser estratificado para objetificar, para ser capaz de conhecer e,
dessa forma, teorizar para saber, separando o ser do ente e, conseqüentemente,
o fenômeno ele mesmo de seu sentido/essência primordial.
Para Robert Sokolowski (2004), esta atividade de dar conta é o significado
do termo fenomenologia. Esta atividade de dar conta proporciona um logos, de
vários fenômenos e dos vários modos em que as coisas podem aparecer.
Podemos explorar todos os fenômenos, quando percebemos a intencionalidade
de nossa consciência em direção ao fenômeno. Analisando o que nos revela o
autor entendemos que a fenomenologia se preocupa tão somente com o fato
isolado, puro, desprezando as bases cognitivas do sujeito, mas também como seu
processo histórico e seus valores culturais. Robert Sokolowski (2004) nos traz que
a analise fenomenológica parte da intencionalidade. A Fenomenologia afirma a
importância dos fenômenos da consciência os quais devem ser estudados em si
mesmos, tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a
esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra
que representa a sua essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia
são dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir
estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas que
correspondem a elas (noema).
A Fenomenologia representou uma reação à pretensão dos cientistas de
eliminar a metafísica. É interessante assinalar que Robert Sokolowski (2004) em
seu texto "Introdução à Fenomenologia: Uma Declaração inicial do que é a
fenomenologia", dizendo o seguinte:
“O termo „noema‟ se refere aos correlatos objetivos das intencionalidades; refere-se a tudo
o que é intencionado pelas intenções de nossa atitude natural: um objeto material, um
retrato, uma palavra, uma entidade matemática, outra pessoa. Porém, mais
especificamente, refere-se a tais correlatos objetivos precisamente como sendo vistos
desde a atitude transcendental. Refere-se a eles como tendo sido postos entre colchetes
pela redução transcendental-fenomenológica. [...] O uso do termo „noema‟ é sinal de que
estamos na fenomenologia, no discurso filosófico, e de que as coisas que estão sendo
ditas estão sendo debatidas a partir de um ponto de vista filosófico, não de um ponto de
vista da atitude natural” (SOKOLOWSKI, 2004: 68).
Nesse modo de conceber a realidade, vemos a coexistência de aspectos
subjetivos e objetivos. Noesis, que se refere ao aspecto subjetivo, é a atividade da
consciência na experiência vivida e a atividade intelectual da interpretação e
108
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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comunicação. Noema, que se refere ao objetivo, é o produto da vivência, não é o
próprio objeto, mas o complexo de predicados dele. Assim, a descrição, a mais
fiel possível da realidade percebida, requer uma reflexão sobre o vivido, o
realizado. Requer um movimento que parte do Noema para o Noesis, isto é,
requer dar um passo atrás e olhar a experiência vivida, para perceber como e por
que vimos o que vimos. Na busca da crítica do conhecimento, transcendemos a
própria experiência que o possibilitou. Esse é o sentido de transcendência da
Fenomenologia. Os objetos da fenomenologia são dados absolutos apreendidos
em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos
(noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema). Noema
significa a impossibilidade de acesso ao mundo tal qual ele é. Mas significa
também a possibilidade de conhecer esse mundo de um modo pessoal. Operando
sobre o noema, transcendendo-o, construindo representações, comunicando-as,
submetendo-as a diferentes interlocutores, seria possível construir uma certeza
compartilhada. Nesse domínio das trocas entre pessoas que se comunicam,
realizar a objetividade.
Todavia, Fenomenologia afirma a importância dos fenômenos da
consciência os quais devem ser estudados em si mesmos tudo que podemos
saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que
existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua
essência, sua "significação". Os objetos da Fenomenologia são dados absolutos
apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais
dos atos (noesis) e as entidades objetivas que correspondem a elas (noema). A
Fenomenologia representou uma reação à pretensão dos cientistas de eliminar a
metafísica ela não pode ser confundida com o Fenomenalismo. Para Sokolowski
o termo intenção é a relação da consciência que nós temos para com o objeto.
Ainda ele também nos traz que para entendermos a fenomenologia devemos
fazer uma distinção entre duas atitudes ou perspectivas, a atitude natural e a
atitude fenomenológica. Sobre a atitude natural, Robert Sokolowski (2004) em seu
texto "Introdução à Fenomenologia: Uma Declaração inicial do que é a
fenomenologia", argumenta que:
109
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
“A fim de compreender o que é a fenomenologia, devemos fazer uma distinção entre duas
atitudes ou perspectivas que podemos adotar. Devemos distinguir a atitude natural da
atitude fenomenológica. A atitude natural é o foco que temos quando estamos imersos em
nossa postura original, orientada para o mundo, quando intencionamos coisas, situações,
fatos e quaisquer outros tipos de objetos. [...] A atitude fenomenológica, por outro lado, é o
foco que temos quando refletimos sobre a atitude natural e todas as intencionalidades que
ocorrem dentro dela. É dentro de atitude fenomenológica que levamos a cabo as análises
filosóficas. A atitude fenomenológica é também algumas vezes chamada de atitude
transcendental” (SOKOLOWSKI, 2004: 51).
Nessa visada, a tarefa da Fenomenologia Transcendental seria justamente
a de preparar o terreno para o aparecimento de uma compreensão mais apurada
dos atos intencionais que constituem a consciência, e isto de tal modo a se poder
instituir um conhecimento filosófico independente do conhecimento produzido
pelas ciências da natureza. Trata-se, no caso, de um projeto transcendental
capaz de validar uma autêntica ciência filosófica, ciência ocupada com a "crítica
da própria consciência", que se impõe a tarefa de esclarecer cada vez mais e
melhor a própria consciência dos objetos na sua constituição fenomenal. Segundo
Husserl, a chamada redução fenomenológica proporciona o acesso ao "modo de
consideração transcendental", ou seja, o "retorno à consciência". Assim, através
da "redução fenomenológica" os objetos se revelam na sua constituição.
Retornando à consciência, os objetos aparecem na sua constituição, ou seja,
como correlatos da consciência. O retorno, portanto, permite dissolver o ser na
consciência, isto é, permite que o ser se torne consciência.
No caso, esse retorno pressupõe a redução fenomenológica. Trata-se,
portanto, de um pôr-se no caminho das próprias coisas, isto é, de "retornar" a
elas. Neste sentido, a "redução" se confundiria com o próprio método
fenomenológico, pois seria um "caminho" para se alcançar e clarificar
filosoficamente a essência universal do conhecimento absoluto. Entretanto, na
"atitude fenomenológica" a "atitude natural" é posta em questão, o que significa o
exercício crítico do próprio conhecimento. Assim, uma das grandes tarefas da
"redução fenomenológica" é a superação do próprio horizonte do "conhecimento
natural", o que implica no aparecimento de complexas tensões e obscuros
problemas
gnosiológicos.
É
interessante
notar
que
a
concepção
de
intencionalidade de Husserl é entendida como um modo de estabelecer a relação
entre subjetividade e objetividade. A primeira é vista como atos transcendentais,
110
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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no entanto, a segunda refere-se aos objetos ideais. Esse entendimento se
respalda, tendo como ponto de partida fundamentação da gnosiologia, na qual
não seria possível sem o entendimento do que seria a idéia de lógica pura.
É evidente que a atitude filosófica, por outro lado, refere-se a uma metaperspectiva, uma atitude que é a atitude natural em que nos encontramos é
comumente despreendida e uma reflexiva são assumidas a partir do qual a
atitude natural e tudo nele, incluindo a sua crença no mundo subjacente, são
refletidas. Assim, acredita-se que é dentro da atividade filosófica que habita a
fenomenologia. É preciso lembrar ainda que é através da adoção de uma atitude
filosófica, que a fenomenologia tornou-se uma ciência verdade dos estudos. Vale
ressaltar que é preciso um passo para trás com a intervenção racional da atitude
natural. É nesse ponto que a fenomenologia, ao que parece, tem como foco as
percepções subjetivas e realidades internas de indivíduos e mantém a hipótese
de que uma experiência particular é melhor contada e entendida do quadro de
referencia do indivíduo experimental.
Ressalte-se, ainda, que a fenomenologia, entende-se por fenômeno o
mesmo que vivência intencional, mas o modo como são vividos. Isto significa
dizer que não se trata, pois, de descrever objetos de uma consciência intencional,
mas as vivências que suportam o objeto assim intencionado. Note-se, em terceiro
lugar, que descrever as vivências intencionais é torná-las explícitas, temas da
atenção de uma consciência, ao contrário do que sucede na atitude natural em
que "passam" de forma inapercebida. Por isso, distingue-se uma atitude
fenomenológica de uma atitude natural. Por fim, passar desta àquela atitude é o
trabalho da reflexão em sentido fenomenológico e todas as intencionalidades que
ocorrem dentro dela, não é o mesmo que introspecção; antes consiste em tomar
um ato de consciência, um ato intencional, como tema de um outro ato de
consciência que, dessa maneira, o conseguem visar. Sobre a nossa postura
original entendemos que todo o conteúdo que temos de alguma coisa
naturalmente, podem ser considerados de atividades naturais. Para o Robert
Sokolowski as atitudes fenomenológicas partem das atitudes naturais. Ele pontua:
“A volta à atitude fenomenológica é chamada de redução fenomenológica, um termo que
significa a „retirada‟ dos alvos naturais de nosso interesse, „em direção‟ ao que parece ser
111
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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mais um ponto de vista restritivo, simplesmente um daqueles alvos das intencionalidades
mesmas” (SOKOLOWSKI, 2004: 58).
Desse modo, pode-se dizer que a redução fenomenológica é o estudo da
consciência e dos objetos da consciência. Como já se disse, a redução
fenomenológica é o processo pelo qual tudo que é informado pelos sentidos é
mudado em uma experiência de consciência, em um fenômeno que consiste em
se estar consciente de algo, tomando, por exemplo, coisas, imagens, fantasias,
atos,
relações,
pensamentos
eventos,
memórias,
sentimentos,
e
assim
sucessivamente, que a constituem nossas experiências de consciência.
Por outro lado, as reduções, através da "epoché" visavam basicamente à
mudança de atitude fenomenológica, contudo, é um movimento do tipo "tudo ou
nada" que se liberta completamente da atitude natural e se fixa, de um modo
reflexivo, em tudo da atitude natural, incluindo a subjacente crença no mundo, ou
seja, percorrer para atitude fenomenológica não é tornar-se um especialista em
uma forma de conhecimento ou outro, e sim, tornar-se um filósofo. A epoché na
fenomenologia é simplesmente a neutralização das intenções naturais que deve
ocorrer quanto contemplamos essas intenções. Compartilha-se a afirmação de
que a atitude natural, onde vivemos espontaneamente e consideramos os objetos
como exteriores à consciência, existentes em si, deve transformar-se, pelas
reduções, numa atitude transcendental para a qual a realidade exterior, dos
objetos era colocada entre parênteses, pela suspensão do juízo sobre sua
existência real, sendo, então, estes objetos considerados como meramente
significados dos objetos intencionados. Considerando este horizonte de sentido,
que Hans - Georg Gadamer em seu texto "2. Fenomenologia, hermenêutica e
metafísica (1983)” analisa que:
“Para tais verdades essenciais, Husserl valeu-se do termo evidencia, denominado uma tal
configuração essencial do objeto o objeto intencionado, isto é, aquilo que é visado
enquanto tal pela consciência e por seu ato intencional. Fenômenos são tais „dados
essenciais‟, cuja descrição a partir da intencionalidade da consciência é ao mesmo tempo
a sua única justificação possível. Husserl acreditava poder constituir dessa maneira aquilo
que é fenomenologicamente sustentável nas grandes realizações de pensamento da
história da filosofia. Assim, ele viu no caráter contínuo dos sombreamentos, nos quais um
objeto da percepção „aparece‟, o sentido fenomenológico da ‟coisa em si‟" (GADAMER,
2007: 31-32).
112
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Em suma, a concepção do senso comum é chamada por Husserl de atitude
natural. Compreender a atitude natural à consciência (ingênua) vê os objetos
como sendo exteriores e reais. Nessa linha do pensamento, afirma-se com
convicção que a atitude natural Husserl opõe a atitude fenomenológica, segundo
a qual o mundo é simplesmente o que ele é para a consciência, ou seja,
fenômeno. Verifica-se então que se, por um lado, a atitude fenomenológica não
nega o mundo, apenas não se preocupa com que ele seja real.
Daí poder-se dizer que a redução fenomenológica ou transcendental é
também chamada de epoqué, palavra que significava "suspensão do julgamento"
na Filosofia grega. Levando-se em conta que o que está sendo referido no
conceito da redução fenomenológica é o método básico da investigação
fenomenológica, tal como Husserl o desenvolveu, tendo trabalhado nele durante
toda sua carreira. Assim, podemos perceber que Husserl desenvolveu dois modos
de redução que são o ontológico e o cartesiano.
Pode-se
vislumbrar,
portanto,
que
na
redução
fenomenológica,
suspendemos nossas crenças na tradição e nas ciências, com tudo que possam
ter de importante, que são colocados entre parêntesis, juntamente com quaisquer
concepções, e também todas as crenças acerca da existência externa dos objetos
da consciência. É importante destacar que o mundo natural não fica negado, nem
se duvida de sua existência. Destacamos também que a redução fenomenológica
não se compara nem com a dúvida cartesiana, nem com a negação da realidade.
Evidencia-se que a fenomenologia surge como uma tentativa de reconciliar
homem e mundo, pois uma cisão entre ambos não entende a íntima relação entre
historicidade, natureza e ego. Deste modo o novo modo de conceber noções
filosóficas de sujeito, objeto e também a de transcendental, fazendo com que
delas brote aquilo que há de mais bruto, no sentido daquilo que se acha intocado,
inalterado, que está como existe na natureza, enfim, é o que se conhece como o
ir às coisas mesmas da fenomenologia. A fenomenologia tem por idéia
fundamental, básica, a intencionalidade da consciência, entendida como a direção
da consciência para compreender o mundo. Mediante a intencionalidade da
113
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consciência todos os atos, gestos, hábitos e qualquer ação humana têm um
significado.
Nota-se que a descrição fenomenológica é o momento resultante da
relação dos sujeitos pesquisados com o pesquisador. Isto significa dizer que deve
retratar e expressar a experiência consciente do sujeito. É importante perceber
que a redução fenomenológica é o momento em que são captadas as partes da
descrição que são consideradas essenciais e aquelas que não são, por meio da
variação imaginativa, ou seja, a compreensão e a interpretação fenomenológica
trata-se de interpretar o que foi descrito, de descobrir o sentido da existência.
Portanto, Gadamer em seu texto "2. Fenomenologia, hermenêutica e metafísica
(1983)” aponta que "a fenomenologia é incontestável umas das correntes
essenciais na filosofia do século XX" (GADAMER, 2007: 29), e ainda coloca que
"Husserl, o fundador do movimento fenomenológico, ajudou uma vez mais o
apriorismo clássico da tradição idealista a alcançar uma vitória, ao pôr um termo
na invasão da Filosofia por elementos alheios oriundos da psicologia orientada
pela ciência natural" (IDEM).
3.5.4. EXISTENCIALISMO
"A existência precede a essência" (SARTRE).
Eis a frase fundamental do existencialismo. Para melhor compreender o
significado dela, é preciso rever o que quer dizer essência. A essência é o que faz
com que uma coisa seja o que é, e não outra coisa. Por exemplo, a essência de
uma mesa é o ser mesmo da mesa, aquilo que faz com que ela seja mesa e não
cadeira. Não importa que seja de madeira, fórmica ou vidro, que seja grande ou
pequena; importa que tenha as características que nos permitam usá-la como
mesa.
No famoso texto O existencialismo é um humanismo, Sartre usa como
exemplo um objeto fabricado qualquer, como um livro ou um corta-papel: neles a
essência precede a existência; da mesma forma, se imaginarmos um Deus
criador, o identificamos a um artífice superior que cria o homem segundo um
modelo, tal qual o artífice fabrica um corta-papel. Daí deriva a noção de que o
homem tem uma natureza humana, encontrada igualmente em todos os homens.
114
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Portanto, nessa concepção, a essência do homem precederia a existência. Não é
essa, no entanto, a posição de Sartre ao afirmar que a existência precede a
essência: "Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no
mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o
existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois
será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza
humana, visto que não há Deus para concebê-la. O homem é, não apenas como
ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da
existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não
é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo".
Todos os indivíduos dotados de autoconsciência podem compreender ou
intuir a sua própria existência e liberdade, daí que não devam deixar que as suas
escolhas sejam limitadas por nada - nem pela razão, nem pela moral. Esta
liberdade para escolher conduz à noção de "não-ser", ou "nada", que pode
provocar a angústia ou o medo. O existencialismo possui muitas variantes.
Kierkegaard salientou a importância da escolha pura na ética e na crença cristã,
Sartre procurou combinar o existencialismo com o marxismo.
O pensamento filosófico dos autores existencialistas não se caracteriza
nem por uma sistematização racional sobre a vida nem por reflexão abstrata e
logicizante acerca do ser humano. O homem é o problema central do
existencialismo, não enquanto ser abstrato, com uma natureza definida, mas
como um ser concreto, que sofre, trabalha e ama.
Para os filósofos existencialistas contemporâneos, a existência humana é
entendida como algo demasiado fluído e rico e, por isso, escapa a todas as
sistematizações abstratas. Assim, para estes autores, acima de tudo a vida é para
ser vivida. Faz parte inerente da existência humana o devir, a inquietação, o
desespero e a angústia. A existência é algo em aberto, sempre em mudança, e
não há nenhum tipo de determinismo ou fatalismo.
A negação de um destino faz da vida um jogo de possíveis entre possíveis.
Cabe ao homem, a cada instante, escolher, optar e, por isso mesmo, ele torna-se
115
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
um
ser responsável pela
OLÍVIO MANGOLIM
sua
vida. A
escolha
humana traz consigo
inevitavelmente a angústia e muitas vezes o desespero.
Para os existencialistas, o indivíduo não pode ser diluído e apagado num
todo, uma vez que cada um é um ser concreto, único e de valor insubstituível. Por
isso, nesta reflexão, o homem é sempre entendido como um ser individual e
concreto, na sua vida quotidiana, no seu contexto particular, e nunca entendido
como uma entidade metafísica e abstrata. Nesta medida, os autores
existencialistas são aqueles que colocam a existência do homem no plano central
das suas reflexões, como dirá Sartre, a existência precede a essência. O homem
à partida não está definido, ele é um projeto em construção, cada pessoa é aquilo
em que se torna consoante aquilo que faz.
3.5.5. ESCOLA DE FRANKFURT
“O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o
seu lazer se torna uma extensão do trabalho” (THEODOR ADORNO).
A escola de Frankfurt76 é composta de autores de diferentes influências
teóricas e origens intelectuais que, a partir de 1923, se reuniram nessa cidade
alemã com o intuito de realizarem uma ampla e radical reflexão crítica da
realidade da época. Entre eles estava Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert
Marcuse, Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Franz Neumann, Erich Fromm, Otto
Kirchkeimer, Karl Wittfogel, Friedrick Pollock e, posteriormente, Jürgen Habermas.
Membros filiados a essa escola objetivaram realizar uma sistemática crítica
ao positivismo e à racionalidade iluminista. Sem constituírem um bloco de
fundamentação epistemológica homogênea, postulam posições algumas vezes
não convergentes, mas com um mesmo denominador comum: o questionamento
com base filosófica. Por caminhos diversos, manifestaram-se desiludidos, como a
grande maioria de intelectuais de sua época, com as transformações do mundo
em que viviam, questionando com ceticismo tanto a validade da militância política
quanto o desejo de autonomia e independência do pensamento. Ao apontarem
para a centralidade dada ao método no positivismo, procuram observar o método
para as ciências sociais sob outro ponto de vista.
76
Baseado no trabalho de Roberto Heloani, A valorização da reflexão – o melhor antídoto contra o
dogmatismo. Disponível em http://www.sepq.org.br/IIsipeq/anais/pdf/gt4/05.pdf e acessado em 18
de julho de 2012 às 14h12min.
116
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Ideologicamente falando, os integrantes da Escola de Frankfurt constituíam
um grupo de intelectuais marxistas heterodoxos que, no começo do século XX,
olhavam com certa desconfiança a interpretação marxista tradicional de mundo
tanto no sentido de sua fundamentação teórica quanto na sua atuação política
(FREITAG, 1990: 10).
Mas aqueles que pensam que a origem dessa Escola foi puramente
filosófica
enganam-se.
O
que
esses
intelectuais
buscavam
era
uma
documentação reflexiva sobre os movimentos sociais do operariado europeu.
Com esse objetivo, por iniciativa de Felix Weil, filho de um grande
negociante de grãos de trigo na Argentina, foi criado, em 1924, um Instituto de
Pesquisa Social vinculado à Universidade de Frankfurt. Não obstante o assédio
nazista, o grupo sobreviveu de forma aguerrida e “fez escola”, valorizando a
reflexão filosófica acadêmica. Esse instituto, que bem mais tarde (na década de
1950) receberia a denominação de Escola de Frankfurt, até certo ponto foi
produto de uma demanda da formal e aristocrática universidade alemã que havia
se “esquecido” da história do movimento trabalhista e do socialismo.
Seu primeiro diretor (de 1923 a 1930) foi Carl Grünberg, economista
austríaco, substituído, em 1931, por Horkheimer, que passa a dirigir o instituto,
agora um verdadeiro centro de pesquisa. Esse teórico preocupa-se com uma
análise crítica dos problemas do capitalismo moderno, que procura otimizar a
estrutura ideológica a seu favor. Pesquisadores e críticos ligados a esse instituto
elaboraram uma Teoria Crítica com o intuito de fazer um contraponto
argumentativo em oposição ao que chamavam de Teoria Tradicional, cujo
fundamento se ancora na não-contradição, na permanência e na concepção das
formações identitárias como igualdades imutáveis (MATOS, 1993:12-13).
Aproveitando-se do pensamento de filósofos “tradicionais” e valorizados
historicamente como Platão, Kant, Hegel, Marx, Heidegger, Schopenhauer e
Bergson, coloca-os em xeque, em uma verdadeira acareação com as vicissitudes
e os problemas da sociedade atual. Para tanto, pesquisadores e críticos ligados a
esse instituto criaram a Revista de Pesquisa Social, que veio substituir os
Arquivos Grünberg, primeiro órgão de divulgação do grupo.
117
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Poderíamos dizer que a teoria crítica da Escola de Frankfurt foi concebida
e desenvolvida em três grandes momentos. No primeiro, período de antes e
durante a Segunda Guerra Mundial, época da perseguição nazista, Horkheimer
exerce a principal influência sobre o andamento dos trabalhos. No segundo,
Adorno assume a direção intelectual do Instituto, introduz o tema da cultura e
desenvolvimento em sua teoria estética, uma versão especial da teoria crítica. Já
no terceiro momento, a liderança passa a Habermas que, pela discussão da
crítica, buscará com sua teoria da ação comunicativa uma saída para os
impasses criados por Horkheimer e Adorno, por meio da proposta de um novo
paradigma: o da razão comunicativa.
Segundo Barbara Freitag (1990: 32), os temas mais estudados pelos
frankfurtianos entre 1920 e 1985 foram os seguintes: a dialética da razão
iluminista e a crítica à ciência; a dupla face da cultura e a discussão da indústria
cultural; a questão do Estado e suas formas de legitimação na moderna
sociedade de consumo. Além disso, a Teoria Crítica, como foi concebida pelos
membros do instituto, está bastante permeada pelo desencanto com a realidade,
o que faz com que Matos (1993: 18) considere que, em larga medida, ela seja
uma “escola do desencantamento”. Remetamo-nos a suas palavras:
“A crítica à racionalidade que desencanta o mundo dos frankfurtianos encontra elementos
de redenção nos românticos. O romantismo é „a noite encantada à luz do luar‟. Um
aspecto importante do romantismo, mais tarde restabelecido pela Teoria Crítica, é o
reencantamento do mundo pela imaginação, em particular a imaginação na arte”.
Sem constituírem um bloco de fundamentação epistemológica homogênea,
postulam posições algumas vezes não convergentes, mas com um mesmo
denominador comum: o questionamento como base filosófica.
O questionamento como base filosófica exprime a crise da razão, que se
apresenta no positivismo e que alguns se negavam a reconhecer. O escopo
principal dessa tendência frankfurtiana é lutar no campo da teoria crítica do
conhecimento (para esses teóricos, a crítica concerne à aceitação da existência
da contradição e da negatividade no processo epistemológico) contra a perigosa
naturalização da realidade social, ou melhor, provocar um debate sobre os
princípios e pressupostos vigentes no modelo positivista de ciência.
118
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Em seu texto O ensaio como forma em Sociologia, Adorno (1986: 172) faz
uma crítica severa a uma elite filosófica que considera que o pensamento é uma
fonte de controle dos conhecimentos e deve subordinar-se à razão sem que
“ultrapasse as linhas-limite culturalmente confirmadas da cultura oficial”, e
concebe todo conhecimento como ciência em potencial. Adorno é a favor do
pensar reflexivo, que interpreta em vez de ordenar, pois, segundo ele, “basta
deixar-se aterrorizar pela proibição de pensar além do que já se encontrava
pensados para transigir com a falsa intenção que homens e coisas nutrem de si
mesmos” (ADORNO, 1986: 168).
O que ocorre é que a produção do conhecimento científico, não sendo
neutra, pois envolve uma certa “interpessoalidade” entre sujeito e objeto,
compreende questões políticas e éticas e acaba por tornar parte da ideologia
conceitos como ciência e técnica. No que concerne à razão técnica, Habermas
(1997: 46-47) faz uso literal das palavras de Marcuse “O conceito de razão
técnica é talvez também em si mesmo ideologia. Não só a sua aplicação, mas já a
própria técnica é dominação metódica, científica, calculada e calculante (sobre a
natureza e sobre o homem). Determinados fins e interesses da dominação não
são outorgados à técnica apenas „posteriormente‟ e a partir de fora – inserem-se
já na própria construção do aparelho técnico; a técnica é, em cada passo, um
projeto histórico-social; nele se projeta o que uma sociedade e os interesses nela
dominantes pensam fazer com os homens e com as coisas. Um tal fim de
dominação é „material‟ e, neste sentido, pertence à própria forma da razão
técnica”.
Em nosso entender, o grande mérito dos filósofos da Escola de Frankfurt
está em seu sempre atual questionamento a respeito da necessidade do pensar,
do refletir, sobre qualquer verdade pronta ou dogma que alguma instituição,
sistema ou meio de comunicação procure impor à massa popular como lógica
absolutizada (no mercado todas as teorias podem ter igual valor...). Fugindo dos
instrumentos de dominação pela indagação, talvez consigamos desenvolver
traços positivos (e não positivistas) que venham conduzir-nos a um real progresso
da coletividade humana.
119
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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CONCLUINDO
Ao estudar a filosofia na Idade Moderna e Contemporânea fechamos o
circulo da orientação de toda elaboração do pensamento na história da
humanidade. São inúmeras as possibilidades do ser humano de obter
conhecimento. Assim como são diversos os caminhos que poderão ser
percorridos para alcançá-lo. Entramos em contato com as principais teorias
elaboradas em relação às possibilidades de construção do conhecimento. Agora
já estamos aptos para reelaborar de modo qualificado e cuidadoso qualquer
conhecimento proposto.
Estamos qualificados para compreender as reelaborações e aplicações das
teorias feitas no decorrer de toda a história e que, ainda hoje, são aplicadas nos
modelos educacionais vigentes, como o Construtivismo e outras teorias com
variantes.
Racionalistas, empiristas, criticistas, positivistas, idealistas, humanistas,
materialistas, fenomenologistas qualquer uma destas abordagens podem ser
visualizadas e compreendidas no seu contexto. Poderão ser analisadas com
conhecimento de causa, sem ser refutadas por desconhecimento ou aceitas por
imposição. Conhecer já é uma forma de apropriar para refletir e propor.
O homem moderno continua ainda a mover-se em direção a um valor que o
apaixona e só posteriormente é que busca explicitá-lo pela razão. Entende-se,
pois, que o mito manifesta-se por meio de elementos figurativos, enquanto que o
logos utiliza-se de elementos racionais, portanto é preciso deixar bem claro que
não se pretende aqui colocar o pensamento racional no mesmo plano do
pensamento mítico, mas sim, que a partir de uma releitura percebemos que o
Iluminismo não deu conta nem mesmo de realizar a tarefa de que se propôs:
iluminar as trevas da ignorância; quanto mais dissolver os mitos e anular a
imaginação.
A esperança ainda é o motor da busca por conhecimentos mais
interessantes para que não continuemos a confiar nos caminhos descobertos até
agora como os únicos verdadeiros e que sempre há novas possibilidades a se
trilhar. Em outras palavras: toda Filosofia necessita ser constantemente revisitada
120
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
pela nossa crítica, é a partir da crítica que construímos novas teorias filosóficas e
científicas e nos prevenirmos contra as opiniões prontas.
De qualquer modo digo: Todo dogma, toda verdade fechada é perigosa
porque destrói a possibilidade da liberdade no ser humano. Recuso-me a crer em
verdades estabelecidas que não possam ser sujeitas à revisão e crítica.
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OLÍVIO MANGOLIM
4. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO.
“A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos
séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado” (ANDRÉ MALRAUX).
Que relação há entre linguagem, conhecimento, pensamento e cultura? 77 A
língua que eu falo Influência a maneira que eu penso? Não é propriamente a
língua que falamos que define o modo como pensamos, mas sim o interrelacionamento da cultura, do pensamento e da linguagem de tal forma que um
interfere no outro, e o conjunto dos três irá determinar como pensamos.
Nada impede que se possa pensar em algo mesmo que não se tenha uma
palavra específica para designar isso. Ao mesmo tempo, o fato de não se ter uma
palavra para designar algo pode significar que, culturalmente, o povo que criou
aquela língua não sentiu a necessidade de criar essa palavra porque não pensava
no que ela significa. É mais ou menos assim: só porque os outros idiomas não
têm a palavra saudade, isso não quer dizer que as pessoas que vivam em outros
contextos culturais que não o Brasil não sinta saudades umas das outras. Elas
apenas não possuem uma palavra para nomear esse sentimento; mas ele existe.
Ou melhor, a existência ou não desse sentimento vai depender da cultura. E dá
para sentir e pensar em saudade mesmo sem se ter uma palavra específica.
Da mesma forma, a gente aprende a selecionar objetos semelhantes em
grupos, mas o que é considerado similar em um idioma vai depender de aspectos
culturais, o que faz com que esses grupos de elementos variem de idioma para
idioma. Essas diferenças na divisão da realidade em categorias provocam
diferenças na forma de pensamento (e pensar diferente leva a uma cultura
diferente, que por sua vez leva a uma linguagem distinta – acho que já deu para
entender isso). Um dos exemplos citados no texto é a divisão do dia em horas,
minutos e segundos. Isso cria em nós a ilusão de que o tempo é algo que pode
77
Para a elaboração deste capítulo contamos com as importantes contribuições dos textos de
ARANHA, M.L.A. & MARTINS, M.H.P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 4 ed. SP: Moderna,
2009, sobretudo o capítulo 5 – Linguagem e Pensamento, p. 54-65 e CHAUI, Marilena. Iniciação à
Filosofia. Volume Único. Ensino Médio. SP: Ática, 2011, sobretudo o capítulo 17 – Linguagem e
Pensamento, p. 159-170. Parte da reflexão se encontra no blog da professora desbravadora.
Disponível em: http://professoradesbravadora.blogspot.com.br/2010/09/relacao-entre-pensamentolinguagem-e.html e acessado em 17 de julho de 2012 às 23h11min.
122
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
ser fragmentado e compartimentalizado, como se as divisões do tempo fossem
„coisas‟ a serem preenchidas. Em outras culturas, o tempo não é dividido da
mesma forma (a linguagem o trata com algo sucessivo e contínuo).
E sabe aquela história de que os esquimós teriam dezenas, ou até
centenas de palavras para se referir à neve? Isso também decorreria da cultura –
para eles, é relevante saber distinguir entre os tipos de neve, porque eles
convivem o tempo todo com isso. Mas até esse mito pode ser desconstruído a
partir de uma análise mais atenta do processo de formação de palavras da
linguagem esquimó (na verdade, o que para eles é uma palavra, para nós seria a
combinação de duas ou três, o que no fundo reforça a idéia de que linguagem,
cultura e pensamento dependem um do outro).
Na educação hoje se fala muito em pedagogia de projetos, este é uma
abordagem nova, que leva em consideração trabalhar metodologicamente o
conhecimento escolar através de projetos de forma interdisciplinar. Mas, o que
percebemos, a realidade não é bem essa, observamos práticas pedagógicas
arraigadas às metodologias tradicionais, em que o conhecimento do aluno não é
levado em consideração. Encontramos muitas barreiras em trabalhar projetos na
escola, tenho como exemplo a escola que trabalho, tentamos trabalhar através de
projetos e encontramos muita resistência, o professor se diz sem tempo, sem
preparo. Acha muito cômodo trabalhar de forma tradicional, apenas repassar o
conhecimento, e cobrá-lo posteriormente. Com isso fica difícil construir
conhecimentos de forma significativa para o aluno, em que sua participação é
essencial para a sua aprendizagem.
4.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA
“A linguagem é o bem mais precioso e também o mais
perigoso que foi dado ao homem” (FRIEDRICH HOLDERLIN).
Linguagem é um sistema simbólico. O homem é o único animal capaz de
criar símbolos. Quando falamos explicitamos o nível de conhecimento que
atingimos. Através da fala, da linguagem, nos revelamos. Cada palavra é plena de
significados. Nossos pronunciamentos envolvem todo nosso ser. A sabedoria
popular acumulada já explicitou: quando soubermos o real significado do que
123
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
pronunciamos, haveremos de tomar muito cuidado com o que vamos dizer, pois
uma palavra que fere não poderá ser corrigida com outras mil palavras.
É próprio da natureza humana não apenas sobreviver e se reproduzir,
como também buscar explicações para tudo. Quer vivamos em sociedades
dominadas pelo comércio, quer em comunidade relativamente intocada, estamos
rodeados por sinais, imagens e idéias, em geral altamente simbólicos.
A maioria das pessoas desconhece o significado e a importância – até
mesmo a presença – de grande parte desse simbolismo, e assim uma área de
grande riqueza permanece fechada para nós.
Um sinal é um objeto ou idéia que indica ou representa de forma direta
alguma coisa. Um anúncio, por exemplo, nos faz lembrar um produto, uma placa
de trânsito indica o que se pode ou não fazer com o carro nas ruas e um gesto
expressa um estado de espírito.
A função do símbolo tem certa analogia com a do sinal e os dois termos
costumam ser usados indistintamente; o símbolo, porém, geralmente tem um
significado mais profundo. Trata-se de algo que, pela natureza ou aparência,
reflete algo mais abrangente. O fogo, por exemplo, pode simbolizar o sol, que por
sua vez indica luz, calor e poder criativo, relacionando-se, a partir disso, com a
força da vida e da criatividade masculina.
O homem é um ser que fala. A palavra se encontra no limiar do universo
humano, pois caracteriza fundamentalmente o homem e o distingue do animal. Se
criássemos junto um bebê humano e um macaquinho, não veríamos muitas
diferenças nas reações de cada um nos primeiros contatos com o mundo e as
pessoas. O desenvolvimento da percepção, da preensão dos objetos, do jogo
com os adultos é feito de forma similar, até que em dado momento, por volta dos
dezoito meses, o progresso do bebê humano torna impossível prosseguirmos na
comparação com o macaco, devido à capacidade que o homem tem de
ultrapassar os limites da vida animal ao entrar no mundo do símbolo. Poderíamos
dizer, porém, que os animais também têm linguagem. Mas a natureza dessa
comunicação não se compara à revolução que a linguagem humana provoca na
relação do homem com o mundo.
124
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
É interessante o estudo da "linguagem" das abelhas, que dançando
"comunicam" às outras onde acharam pólen. Ninguém pode negar que o cachorro
expressa a emoção por sons que nos permitem identificar medo, dor, prazer.
Quando abana o rabo ou rosna arreganhando os dentes, o cão nos diz coisas; e
quando pronunciamos a expressão "vamos passear", ele nos aguarda
alegremente junto à porta. No exemplo das abelhas, estamos diante da linguagem
programada biologicamente, idêntica na espécie. No segundo exemplo, o do
cachorro, a manifestação não se separa da experiência vivida; ao contrário, se
esgota
nela
mesma,
e
o
animal
não
faz
uso
dos
"gestos
vocais"
independentemente da situação na qual surgem. Quanto a entender o que o dono
diz, isso se deve ao adestramento, e os resultados são sempre medíocres,
porque mecânicos, rígidos, geralmente obtidos mediante aprendizagem por
reflexo condicionado.
A diferença entre a linguagem humana e a do animal está no fato de que
este não conhece o símbolo, mas somente o índice. O índice está relacionado de
forma fixa e única com a coisa a que se refere. Por exemplo, as frases com que
adestramos o cachorro devem ser sempre as mesmas, pois são índices, isto é,
indicam alguma coisa muito específica. Por outro lado, o símbolo é universal,
convencional, versátil e flexível. Considere-mos a palavra cruz. Além de ser uma
convenção é de certa forma arbitrária (é assim em português; o inglês diz cross, e
o francês croix). Mas a palavra cruz não tem um sentido unívoco, na medida em
que faz lembrar um instrumento usado para executar os condenados à morte;
pode representar o cristianismo; referir-se à morte (ver seção de necrologia dos
jornais); se usada de cabeça para baixo, adquire outro significado para certos
roqueiros; pode significar apenas uma encruzilhada de caminhos; ou um enfeite, e
assim por diante, com múltiplas, infindáveis e inimagináveis significações.
Assim, a linguagem animal visa a adaptação à situação concreta, enquanto
a linguagem humana intervém como uma forma abstrata que distancia o homem
da experiência vivida, tornando-o capaz de reorganizá-la numa outra totalidade e
Ihe dar novo sentido. É pela palavra que somos capazes de nos situar no tempo,
lembrando o que ocorreu no passado e antecipando o futuro pelo pensamento.
Enquanto o animal vive sempre no presente, as dimensões humanas se ampliam
125
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
para além de cada momento. É por isso que podemos dizer que, mesmo quando
o animal consegue resolver problemas, sua inteligência é ainda concreta. Já o
homem, pelo poder do símbolo, tem inteligência abstrata. Se a linguagem, por
meio da representação simbólica e abstrata, permite o distanciamento do homem
em relação ao mundo, também é o que possibilitará seu retorno ao mundo para
transformá-lo. Portanto, se não tem oportunidade de desenvolver e enriquecer a
linguagem, o homem torna-se incapaz de compreender e agir sobre o mundo que
o cerca.
Na literatura, é belo (e triste) o exemplo que Graciliano Ramos nos dá com
Fabiano protagonista de Vidas Secas. A pobreza de vocabulário da personagem
prejudica a tomada de consciência da exploração a que é submetida, e a intuição
que tem da situação não é suficiente para ajudá-la a reagir de outro modo.
Exemplo semelhante está no livro 1984, do inglês George Orwell, cuja história se
passa num mundo do futuro dominado pelo poder totalitário, no qual uma das
tentativas de esmagamento da oposição crítica consiste na simplificação do
vocabulário realizada pela "novilíngua". Toda gama de sinônimos é reduzida cada
vez mais: pobreza no falar, pobreza no pensar, impotência no agir. Se a palavra,
que distingue o homem de todos os seres vivos, se encontra enfraquecida na
possibilidade de expressão, é o próprio homem que se desumaniza.
4.2. A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM A CULTURA
Seria pouco concluir daí que a diferença entre homem e animal estaria no
fato de o homem ser um animal que pensa e fala. O significado dos símbolos se
desenvolve ao longo dos séculos, mudando conforme o contexto cultural e
ganhando complexidade. Em todo o mundo, os símbolos têm relação com as
verdades mais profundas e é um componente importante na formação da
personalidade e na visão de mundo pessoal. Somos produtos de conceitos e
simbologias que desde o nascimento vão moldando e orientando nossas
escolhas, nossas opiniões a cerca da realidade.
De fato, a linguagem humana permite a melhor ação transformadora do
homem sobre o mundo, e com isso completamos a distinção: o homem é um ser
que trabalha e produz o mundo e a si mesmo. O animal não produz a sua
126
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
existência, mas apenas a conserva agindo instintivamente ou, quando se trata de
animais de maior complexidade orgânica, "resolvendo" problemas de maneira
inteligente. Esses atos visam a defesa, a procura de alimentos e de abrigo, e não
devemos pensar que o castor, ao construir o dique, e o joão-de-barro, a sua
casinha, estejam "trabalhando".
Se o trabalho é a ação transformadora da realidade, na verdade o animal
não trabalha, mesmo quando cria resultados materiais com essa atividade, pois
sua ação não é deliberada, intencional. O trabalho humano é a ação dirigida por
finalidades conscientes, a resposta aos desafios da natureza na luta pela
sobrevivência.
Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras
novas, a ação humana se torna fonte de idéias e ao mesmo tempo uma
experiência propriamente dita. O trabalho, ao mesmo tempo em que transforma a
natureza, adaptando-a as necessidades humanas, altera o próprio homem,
desenvolvendo suas faculdades. Isso significa que, pelo trabalho, o homem se
autoproduz. Enquanto o animal permanece sempre o mesmo na sua essência, já
que repete os gestos comuns à espécie, o homem muda as maneiras pelas quais
age sobre o mundo, estabelecendo relações também mutáveis, que por sua vez
alteram sua maneira de perceber, de pensar e de sentir.
Por ser uma atividade relacional, o trabalho, além de desenvolver
habilidades, permite que a convivência não só facilite a aprendizagem e o
aperfeiçoamento dos instrumentos, mas também enriqueça a afetividade
resultante do relacionamento humano: experimentando emoções de expectativa,
desejo, prazer, medo, inveja, o homem aprende a conhecer a natureza, as
pessoas e a si mesmo. O trabalho é a atividade humana por excelência, pela qual
o homem intervém na natureza e em si mesmo. O trabalho é condição de
transcendência e, portanto, é expressão da liberdade.
4.3. A RELAÇÃO DA LINGUAGEM COM O CONHECIMENTO
O texto que segue apresenta a relação entre conhecimento e linguagem a
partir de uma concepção pragmatista de ambos. A relação entre nosso
conhecimento do mundo e as frases através das quais tal conhecimento é
127
VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
transmitido é explicita: não podemos pensar, ou pelo menos transmitir o conteúdo
de nossos pensamentos, senão através de palavras. Todavia, durante muito
tempo acreditou-se que as frases através das quais tal conhecimento era
expresso destinavam-se a fornecer um reflexo acurado do mundo, uma
representação correta deste. Segundo esse ponto de vista o conhecimento era
algo como uma imagem mental correta do mundo, a qual a linguagem poderia
transmitir de forma apropriada ou não. Essa concepção trazia consigo a
consequência de que o conhecimento não possuiria uma relação necessária com
nossas ações. Um determinado conhecimento poderia não possuir nenhuma
implicação prática e a verdade não possuiria uma relação intrínseca com sua
utilidade, sendo ele uma mera constatação de como as coisas são. Mais do que
isso, a atividade especulativa deveria ser concebida com uma forma totalmente
impessoal e contemplativa de ação.
A concepção mentalista do significado, desenvolvida por filósofos como
René Descartes, parte de pressupostos como o de que nossas relações com o
mundo são, sobretudo, relações de representação. Também é um pressuposto
central a tal concepção o de que o conhecimento, entendido como uma
apreensão verdadeira do mundo constitui-se como uma atividade central e
privilegiada do ser humano. O conhecimento assim compreendido teria na
linguagem seu veículo, não chegando ao entanto a identificar-se totalmente com
esta. Em síntese: ao menos em tese poderiam existir verdades que a linguagem
não poderia transmitir. Aceitando esses pressupostos poderíamos chegar a um
ponto, como realmente chegaram filósofos como Schopenhauer, em que a
verdade sobre o mundo poderia nos reduzir a mais absoluta. Também poderia
ocorrer que devido à relação contingente entre verdade e utilidade resolvêssemos
abrir mão de justificar nossas afirmações de cunho ético, o que levaria esvaziar a
razão de seu potencial prático.
A concepção pragmatista de verdade propõe-se a resignificar as
pretensões de universalidade da Filosofia de viés mentalista e correspondentista
ao mesmo tempo em que naturaliza nossa compreensão da relação entre
linguagem e conhecimento. Tal concepção esquiva-se a questionamentos
essencialistas que pressupõem que a verdade de uma sentença é a sua
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
correspondência ao modo como as coisas realmente são. No lugar de tal
pressuposição o pragmatismo coloca a de que “O verdadeiro é apenas aquilo que
se mostra bom no sentido da crença”, conforme Wiliam James o expressou. A
concepção pragmatista de conhecimento também se propõe a substituir as
relações de representação entre os Homens e o mundo por relações causais, o
que teria profundas consequências no campo ético e epistemológico. Para o
pragmatismo a relação entre nosso conhecimento do mundo e nossa linguagem é
quase de identidade, apenas o que podemos expressar sobre o mundo constitui o
seu conteúdo verdadeiro. O mundo, no entanto, permanece existindo para além
das nossas frases sobre ele, contudo não há nada que se possa dizer disto.
CONCLUINDO
O exercício da Filosofia supõe uma seqüência de atividades executadas
pelo ser humano. Primeiramente o pensar como atividade da razão. Somente o
homem é ávido por investigar as razões do desconhecido, do que lhe causa
estranheza, do que o estimula a dar suas próprias significações. E tendo
buscando com insistência e sistematicamente, interioriza e exterioriza o
conhecimento adquirido e acumulado sobre suas investigações. É nesse
momento que ocorre o aprendizado. Momento esse que no dizer de René
Descartes é a prova de nossa existência, pois pensar é investigar. E investigar é
colocar em dúvida. Quando duvido me dou conta da própria existência, pois
“penso, logo existo”.
Seguindo as etapas do raciocínio me percebo objetivando e subjetivando.
Os meus pensamentos vão se adequando ao objeto pensado, à reflexão feita. Eu
me sinto realizado com a investigação, com o estudo que realizei, com as
reflexões que fiz e às conclusões que cheguei.
E finalmente a linguagem. O falar é a expressão do pensamento, do
aprendizado, do conhecimento. Quando falo efetivamente denoto que houve
pensar, o aprender e o conhecer. É o momento da subjetivação, o esclarecimento
do aprendizado.
Como o conhecimento se manifesta? Todo conhecimento manifesta-se por
meio do pensamento. Pensar é ligar ou unir as representações em cadeias.
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
Representações que fazemos a partir das imagens, sinais que transportamos
para nosso cérebro.
Podemos pensar de forma abstrata, fazendo uso de idéias e conceitos
mais gerais. Nesse caso, utilizamo-nos de linguagens – como as da matemática,
da química, da linguagem verbal, isto é, da própria palavra – que permitem um
maior grau de abstração.
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CONCLUSÃO
“Não há mestre que não possa ser aluno” (BALTAZAR GRACIAN).
Não se transforma o Homem em verdadeiro cidadão com processos
educativos repressivos ou de dominação. Nem tampouco com processos
educativos altamente libertadores sendo manipulados por pessoas dominadoras e
repressivas. Verdadeiros processos educativos que visem à transformação da
sociedade em que vivemos, necessariamente, advirão de experiências de grupos
concretos, onde o processo da construção dessa experiência de verdadeiros
cidadãos seja coletivo, tanto na formação dos educadores quanto dos educandos,
no caso, o cidadão brasileiro em geral.
“O homem é a única criatura que precisa ser educada [...] Por ser dotado de instinto, um
animal, ao nascer, já é tudo o que pode ser; uma razão alheia já cuidou de tudo para ele.
O homem, porém deve servir-se de sua própria razão. Não tem instinto e deve determinar
ele próprio o plano de sua conduta. Ora, por não ter de imediato capacidade para fazê-lo,
mas, ao contrário, entrar no mundo, por assim dizer, em estado bruto, é preciso que outros
o façam para ele” (Kant, fim do século XVIII).
Nós somos protagonistas da história e como disse o pequeno príncipe: “tu
te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Ou em outras palavras
ditas pelo primeiro e grande educador popular da França Celestin Freinet: “Se não
encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação,
continuaremos a forjar almas de escravos em nossos filhos”. Segundo Freinet,
está fadado ao fracasso qualquer método que pretenda fazer “beber água o
cavalo que não tem sede”. A volta da Filosofia ao Ensino Médio quer ser o
despertar desta sede. A Filosofia é, na verdade, a ciência que volta para auxiliar
na descomplicação da aprendizagem.
A aprendizagem não mora no podium, ela mora no trajeto. A aprendizagem
não se dá na conquista ela se dá na luta. A aprendizagem é um processo.
Respostas prontas aprisionam. Nosso papel é libertar. A necessidade de atividade
para a construção do conhecimento demanda práticas objetivas do aluno e não só
o “prestar atenção” ou fazer tarefas. Cabe ao professor descobrir novas formas ou
velhas formas que ainda fazem sentido para ensinar sem complicar ou ensinar
com alegria. Já dizia Platão: “Não ensine aos meninos pela força e severidade,
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
OLÍVIO MANGOLIM
mas leve-os por aquilo que os diverte, para que possam descobrir a inclinação de
suas mentes” (PLATÃO, A República: VII). Afinal aquilo que aprendemos vale
bem mais do que aquilo que nos ensinam. Não existe ensino sem aprendizagem.
É preciso criar condições para que os alunos possam refletir antes de mergulhar
nos textos filosóficos, ou como diria Paulo Freire: é preciso fazer primeiro a leitura
do mundo para depois fazer a leitura da palavra. Então: VAMOS FILOSOFAR.
FILOSOFAR É UMA DELÍCIA!
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VAMOS FILOSOFAR? É UMA DELÍCIA!
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OLÍVIO MANGOLIM
Possui LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA pela PONTÍFICIA
UNIVERSIDADE
CATÓLICA
INSTITUCIONAL
DE
DO
PARANÁ
TEOLOGIA
pelo
(1981)
STUDIUM
e
CURSO
THEOLOGICUM
agregado à PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
(1985). É MESTRE em Educação pela UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM
BOSCO (1999). Tem experiência na área de Educação, com ênfase na
Área de Concentração: EDUCAÇÃO ESCOLAR e FORMAÇÃO DE
PROFESSORES,
TRABALHAR
atuando
COM
principalmente
PROJETOS
EM
nos
SALA
seguintes
DE
AULA,
temas:
NOVAS
METODOLOGIAS PARA UM ENSINO SEMPRE RENOVADO, A ARTE DE
ENSINAR
SEMPRE
COM
ALEGRIA.
É
professor
de
Filosofia,
Sociologia e História na Escola Estadual Lino Villachá do Bairro Nova
Lima em Campo Grande/MS.
olí[email protected] ou [email protected]
(067) 3354-9265 – (067) 9284-0544
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