Artigo - Rede de Estudos do Trabalho

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“A EXPANSÃO DA GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NOS ANOS 2000:
ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE DO ASSISTENTE
SOCIAL”
Valéria de Oliveira Albuquerque 1.
Resumo
Este artigo tem por objetivo refletir sobre a expansão do ensino superior no Brasil, via
mercado da educação principalmente nos anos 1990 e 2000 e apontar algumas das
implicações desse processo para o trabalho docente do assistente social. A metodologia
adotada foi o estudo bibliográfico e o documental e viu-se que a expansão do ensino superior
foi realizada com o objetivo de atender as exigências colocadas pelos organismos
internacionais de regulação, a fim orientar a educação na lógica de acumulação flexível do
capital em tempos de crise, a exemplo da América Latina no geral. Preserva velhas
características da educação no Brasil, como a desigualdade no acesso e o disparate entre
qualidade e quantidade. Ao mesmo tempo em que oportunizou a entrada de jovens e
trabalhadores no ensino superior e a ampliação da contratação de assistentes sociais para a
docência, precarizou o trabalho do docente bem como a formação profissional.
INTRODUÇÃO
No Brasil a Educação Superior passou por um período de expansão nos anos de 1990 e
2000, com aumento expressivo do número de matriculas de alunos por curso, aumento do
número de instituições ofertando cursos de graduação, nas capitais e no interior dos estados,
utilizando diferentes formas e modalidade de ensino, como a modalidade de ensino a
distancia. O caso do Brasil se assemelha a outros países da América Latina, que nos anos
1990 aplicou as orientações do receituário neoliberal dos organismos de regulação
internacional, como o FMI e OMC, para a reforma do Estado e das políticas sociais, como a
saúde, previdência, assistência social, habitação e a educação. Dentre as diferentes orientações
está a crescente mercantilização dos direitos sociais, transformando serviços essenciais em
mercadorias e incorporando a lógica gerencial empresarial para as políticas sociais.
Na área de Serviço Social a expansão dos cursos de graduação nos anos 2000 foi
crescente em todas as regiões do país, revelando inclusive uma tendência de interiorização da
formação profissional, via principalmente as instituições privadas de ensino. A cidade de São
Paulo é um exemplo desse processo, pois, da década de 1930, quando foi criada a primeira
escola de Serviço Social, até o final da década de 1990 havia três cursos de graduação na
1
Assistente Social, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social PEPGSS – PUCSP, sob
orientação da Pro. Dr. Raquel Raichelis. [email protected]
2
cidade. Nos anos 2000, segundo Guimarães (2010) saltou para dezoito cursos de Serviço
Social oferecidos na cidade, inclusive os cursos a distancia. Isso significa que são mais alunos
ingressando nos cursos, um aumento significativo no número de formandos por ano entrando
no mercado de trabalho e, por outro lado, uma demanda por mais assistentes sociais para
ocuparem novos cargos como, coordenadores de cursos, supervisores de estágio, orientadores
de monografias, professores, tutores, pesquisadores etc.
A expansão do ensino superior nos anos 2000 propiciou a entrada de milhões de
jovens e trabalhadores na educação superior, abriu a possibilidade de formação profissional
para pleitear uma vaga mais qualificada no mercado de trabalho, algo tão valorado pelas
famílias pobres como um mecanismo de ‘mudar de vida’, ou seja, uma perspectiva de
mobilidade social em um país com tanta desigualdade de renda. Para a categoria dos
assistentes sociais significou um alargamento dos espaços ocupacionais da profissão e a
possibilidade de realização profissional no campo acadêmico, da pesquisa, da relação
pedagógica e de exercício da dimensão educativa da profissão em um dos espaços
privilegiados para tal, a Universidade. Entretanto, essas são possibilidades que, em meio a
tantas controvérsias da Contrarreforma do ensino superior no Brasil encontra muitos limites.
Os limites são de diversas ordens, principalmente no que diz respeito à expansão da educação
via instituições privadas, que tem um trato mercantil com a educação. A lógica é de oferecer
um produto de baixo custo – a formação – orientado para as necessidades do mercado. Baixo
custo inclui pouco investimento em pesquisa, extensão, infraestrutura e no quadro docente.
Este tem que atender as exigências mínimas dos padrões de avaliação externa e nas
instituições privadas (como nas púbicas) tem-se cada vez mais um número maior de alunos
por professor, desconexão entre o ensino, a pesquisa e a extensão universitária, acúmulo de
funções (professor/orientador/coordenador), vínculos múltiplos e precários de trabalho dos
docentes, jornadas extensas e um desgaste físico e mental dos trabalhadores da educação.
Discutir algumas das implicações desse processo no trabalho docente do assistente social é o
objetivo desse texto. Entretanto, é necessário esclarecer que esse estudo é parte integrante da
pesquisa de Doutorado da autora e apresenta ainda caráter exploratório, por isso, serão
problematizadas algumas questões pertinentes ao debate e que são fruto de pesquisa
bibliográfica e documental, bem como das reflexões coletivas desenvolvidas no âmbito do
Núcleo de Estudos e Pesquisa: Trabalho e Profissão, do Programa de Pós em Serviço Social
da PUC/SP, sem pretensão, portanto, de conclusões imediatas.
O trabalho do assistente social no ensino superior sofreu uma ampliação rápida na
década de 2000, incorporou muitos profissionais, inclusive os jovens recém-titulados da área,
3
entretanto, apresentou novas questões para reflexão da categoria, como as desafios da
educação à distância, da formação fragmentada e das condições precárias de trabalho a que
estão submetidas os profissionais que são contratados por essas novas instituições de ensino.
Para compreender o contexto em que se desenvolve a atuação profissional do
assistente social como docente, será necessário discutir de antemão o caráter da
contrarreforma do ensino superior no Brasil, situando principalmente as ações do governo
Lula. Nesse item será abordada a expansão da graduação em Serviço Social no Brasil, a partir
do documento da ABEPSS “Sobre a incompatibilidade entre Educação à distancia e Serviço
Social” 2 e dos dados dos Censos da Educação Superior, de responsabilidade do Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), ligado ao Ministério de Educação e Cultura
(MEC). Em outra seção será feita uma breve apreciação sobre o trabalho do assistente social e
a docência e, assim, situar a reflexão sobre as algumas das implicações desse processo no
trabalho docente do assistente social nos anos 2000.
1 – A contrarreforma do Ensino Superior no Brasil e a expansão da graduação em Serviço
Social nos anos 2000.
A reforma da educação superior empreendida nos governos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006, 2007-2010) e que tem
continuidade no governo atual, de Dilma, para ser compreendida exige situá-la no contexto de
reformas recentes do Estado capitalista e de seus desdobramentos, que se configuram em
novas formas de enfrentamento da questão social por meio das políticas sociais. No entanto, a
discussão sobre o caráter do Estado capitalista e a redefinição de seu papel está inserida em
um movimento maior de reformas estruturais adotadas como estratégia para a superação das
crises do capitalismo, principalmente a partir dos anos 1970, na perspectiva dos estudos de
Harvey (1992), Meszáros (2000) e Antunes (2006).
Tendo isso em vista e considerando também a análise sobre a política de ajuste fiscal na
América Latina realizada por Trindade (2001), neste artigo adota-se o entendimento de que a
crise conjuntural que afeta a educação superior no Brasil mantêm relação com esse
movimento de reforma do Estado implementada pelos governos na América Latina, que chega
a essa região “via acordos internacionais de ajustes, manutenção e controle da política
2
Esse documento expressa as posições do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), dos Conselhos
Regionais de Serviço Social (CRESS), da Associação Brasileira de Ensino Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) e da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO) sobre a incompatibilidade entre
graduação à distância e Serviço Social. A primeira edição foi publicada em novembro de 2010 e a segunda
versão foi lançada em 2011 juntamente com a campanha nacional em defesa da formação com qualidade, que
traz o slogan “Educação não é fast-food: diga não para a graduação à distância em Serviço Social” .
4
monetária, com foco no controle inflacionário e dinamização das exportações de commodities,
abertura ao mercado estrangeiro” (ABEPSS/CFESS, 2011). Esta crise, portanto, tem razões
econômicas, se manifesta de forma contraditória, com movimento de continuidade e
descontinuidade, preservando particularidades em cada país, mas, evidenciando uma tensão
contemporânea principalmente devido à supressão e/ou acesso precário aos vários direitos de
cidadania, como a educação i.
Segundo Cislaghi (2011) citando Trindade (2001, p. 29), o ensino superior na América
Latina passou por duas fases principais, uma de massificação via setor público (décadas de
1960-1980) e outra de privatização (sobretudo década 1990). Ainda segundo Cislaghi (2011),
considerando o período de 1981 a 1995, o total de instituições privadas fundadas para atuar no
ensino superior é quatro vezes maior ao de públicas, transformando a América Latina no
“maior percentual do mundo de estudantes em instituições privadas de ensino superior”. (op.
Cit p. 245), o que revela o caráter mercadológico e privatista dessa expansão.
No Brasil é importante ressaltar que é com a Ditadura Militar que o ensino superior
passa a ser um campo de investimento de capitais, entretanto, como bem lembrou Netto
(2000, p. 27) é no Governo Fernando Henrique Cardoso, que essa expansão alcançou níveis
altíssimos e envolveu também a Pós-Graduação, sob o argumento de que as Universidades
Públicas, por receberem financiamento do Estado, contribuíam para a crise fiscal. Foi nesse
governo também que houve aprovação de inclusão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) em 1996, que estabeleceu a diversificação das modalidades de ensino, por
meio da organização diferenciada das instituições, como faculdades e centros universitários,
quebrando a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão oferecidas por universidades,
além de favorecer a expansão do ensino superior privado, principalmente nas modalidades à
distância e cursos seqüenciais. Segundo dados do Inep/MEC 3, no ano de 1991 foram
registrados 1.565.056 mil matrículas no ensino superior no Brasil. Em 1999 esse número
saltou para 2.369.945 mil matrículas, considerando as cinco regiões do país e preservadas as
diferenças e desigualdades históricas que concentra o maior número de matrículas na região
sudeste, principalmente no estado de São Paulo. Como podemos observar nos dados
apresentados na Tabela 1 a seguir:
3
Dados do INEP/MEC/DEED – “Tabela da Evolução do número de matrículas no primeiro semestre segundo a
região e unidade da federação – Brasil – 1991 -1 2007” disponível http://portal.inep.gov.br/web/censo-daeducacao-superior/evolucao-1980-a-2007 acesso em 12/03/2012
5
TABELA 1 "Evolução do número de matrículas por região do país no período de
1991 a 2007".
ANOS
1991
1999
2000
2007
Norte
51.821
94.411
115.058
303.984
E Nordeste
247.041
357.835
413.709
853.319
880.427
1.257.562
1.398.039
2.431.715
287.702
473.136
542.435
864.264
Centro Oeste
98.065
187.001
225.004
427.099
Brasil
1.565.056
2.369.945
2.694.245
4.880.381
R
G
I
Sudeste
Õ
E Sul
S
Fonte:
Censo
da
Educação
de
2007
-
MEC/INEP/DEED.
Disponível
em.
http://inep.mec.gov.br/censo2. Acesso em 14 de março de 2012.
Observando os dados da tabela acima nota-se que, de 1991 a 1999, que abarca o
período do governo FHC, o número de matrículas aumentou cerca de 52% no ensino superior,
saltando de 1.565.056 mil em 1991, para 2.369.945 mil em 1999, que em sua maioria esteve
no ensino privado, com pequeno e inexpressivo número no setor público.
Segundo Cislaghi (2011) em 2003 o Banco Mundial lançou um novo documento denominado
“Construir sociedades de conhecimento: novos desafios para a educação terciária”. Nele o
Banco apresenta novas e reforça antigas tendências, como: “o papel do conhecimento como
motor do desenvolvimento, a internacionalização tanto dos provedores da educação terciária
como o de um capital humano avançado, aumento do apoio técnico e financeiro do Banco aos
países que queiram reformar e desenvolver a educação nessa perspectiva”. (Banco Mundial,
2003 citado por op.cit.).
Essas orientações do Banco Mundial continuaram a ser implementadas no governo
Lula, de acordo com a correlação de forças de cada conjuntura, no embate com sujeitos
6
coletivos com projetos de educação antagônicos. De fato a tendência de expansão do ensino
superior se aprofundou e o número de matrículas nos ano 2000, segundo o INEP, chegou a
2.694.245 mil, como aponta a Tabela 1. Em seis anos esse número cresceu quase 87%,
registrando no primeiro semestre de 2007 um total de 4.880.381 mil matrículas no ensino
superior, nos cursos de graduação.
A ampliação nesse período se deu principalmente pelos programas no governo Lula –
como o PROUNI4 e o FIES 5 - que dadas às diferenças e especificidades preservaram
características do governo anterior, como a transferência de responsabilidades para o setor
privado e a lógica de mercado na gestão das instituições de ensino. Mesmo que o governo
Lula tenha realizado a abertura de novas universidades federais, ampliado o número de vagas
nas já existentes, via principalmente o REUNI 6, e isso tenha contribuído para ampliar o
ensino superior também via o sistema público, ele foi bem menor se comparado com a
expansão do ensino privado. Segundo dados do Inep/MEC citados por ABPESS/CFESS
(2011), no ano de 2009 as instituições privadas de ensino superior correspondiam a 89,4% do
total de instituições de ensino superior no país. Dessa forma, o “governo Lula estimula e
incentiva a expansão do ensino superior privado, ligeiro, presencial ou a distancia de forma
descontrolada e sem critérios”. (op cit, p. 789).
Na área de Serviço Social o crescimento e a expansão refletiu a tendência nacional da
educação superior. A expansão do número de vagas e de instituições ofertando o curso de
Serviço Social nos anos 2000 foi acompanhada da diversificação e da diferenciação da
formação profissional, com destaque para a atuação do setor privado com a modalidade de
ensino à distância. Entre os três cursos que mais ofertam vagas na modalidade à distância, o
4
O ProUni – Programa Universidade para Todos foi criado pela MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº
11.096, de 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a
estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições
privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao
Programa.
5
O FIES - Fundo de Financiamento Estudantil, criado em 1999, é um programa do Ministério da Educação que
visa o financiamento da graduação no ensino superir para alunos regularmente matriculados em cursos de
avaliação positiva. O Fundo Nacional da Educação (FNE) é quem opera o FIES e aplica juros de 3,4% ano.
6
O REUNI é o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Foi
instituído pelo decreto presidencial nº 6096 de 24/05/2007 e visa à ampliação do acesso e permanência na
educação superior, no nível da graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos
humanos existentes nas Universidades Federais. Embora os objetivos sejam nobres, o que se tem questionado
são os meios utilizados pelo Programa para alcançar suas metas, que compromete a qualidade. Segundo as
entidades que questionam o programa, como a Associação dos Docentes do Ensino Superior – ANDES - o
projeto almeja a elevação de uma média de conclusão de graduação para 90%, aumento da relação
aluno/professor de 18 para 1, com um incremento de 20% no orçamento das Federais, tudo isso ao final de 5
anos, condicionado à disponibilidade de recursos do MEC e para as Universidades que aderirem, já que o
Conselho Universitário que opta pelo adesão ou não ao programa .
7
Serviço Social aparece em terceiro lugar, ficando atrás apenas da Pedagogia e da
Administração (Inep/MEC, 2010 citado por ABEPSS/CFESS, (2011) ).
Ainda segundo o Inep/MEC (2011) 7, em 2011 havia 418 cursos de Serviço Social em
funcionamento no Brasil, destes 367 privados, 66 públicos e 38 federais. Os cursos com oferta
de EAD totalizaram 14, com a disponibilidade de 107.440 vagas e com apenas 22.811
ingressantes. O crescimento exponencial da EAD na área de Serviço Social indica que essa é
uma tendência do processo de formação, mesmo com todos os problemas já apontados nos
últimos documentos formulados pela ABEPSS, CFESS e ENESSO, que afirma a
incompatibilidade entre a EAD e o Serviço Social, bem como os antagonismos com as
Diretrizes Curriculares aprovadas em 1996.
Há que se lembrar que o perfil profissional preconizado pelas Diretrizes prevê a formação que
capacite para a defesa dos direitos sociais, para a ampliação da cidadania e consolidação da
democracia, com competência teórico-prática, técnico-operativa e ético-política. O
desenvolvimento dessas competências exige um rigoroso trato teórico, histórico e
metodológico da realidade social brasileira e da profissão e, isso é possível no ensino
presencial precarizado ou mesmo à distância? Como participar do debate acadêmico e
científico sem se apropriar de autores e obras clássicas? Sem um ambiente real de
aprofundamento e reflexão das leituras? Com ambientes virtuais de ensino-aprendizagem na
graduação e com a precarização que advém com essa modalidade, é possível formar
profissionais na perspectiva do projeto de formação profissional construído pelo Serviço
Social brasileiro?
2- O trabalho do assistente social e a docência: algumas considerações.
Esse cenário de mudanças nas últimas décadas interpela o Serviço Social,
principalmente pelas novas manifestações da questão social nesse contexto de crise do capital
e de redefinição do sistema de proteção social e bem como das políticas sociais.
Para compreender o Serviço Social e o trabalho do assistente social, é necessário situá-lo
nesse complexo de relações sociais mais amplas e tentar compreender as determinações
históricas da prática profissional, o que a condiciona e o modo de inserção dessa prática nas
relações capitalistas de produção e reprodução social, na perspectiva apontada por Iamamoto
7
Disponível em: http//emec.mec.gov.br. Acesso em 14/12/2011
8
(2008), como uma prática em processo, em constante renovação na qual novas situações
históricas obrigam a profissão a se redefinir.
O processo de reconhecimento do Serviço Social como profissão inserida na divisão
social e técnica do trabalho está vinculado à criação das grandes instituições assistências na
década de 1940, “quando o estado brasileiro se viu pressionado a desenvolver ações sociais
(...) Passou a intervir diretamente nos processos de reprodução das relações sociais, (...)
viabilizando tanto o processo de acumulação capitalista como o atendimento das necessidades
da população”. (Yazbek, 2005).
A natureza do trabalho do assistente social “advém de sua inserção nas estruturas
institucionais prestadoras de serviços sociais, que perfazem os aparatos públicos e privados
viabilizadores das políticas sociais” (Trindade, 2010 p.4).
Embora o Serviço Social tenha sido regulamentado como profissão liberal no país, o
assistente social não tem historicamente desenvolvido seu exercício como um autônomo, pelo
contrário, não dispõe das condições materiais e organizacionais para o desempenho de suas
atividades, não goza de total controle sobre seu processo de trabalho e nem para definir
objetivo e público dos serviços que presta. Entretanto, a profissão dispõe de relativa
autonomia e de características presente nas profissões liberais, como a relação singular com
seus usuários, a presença do Código de Ética, lei que regulamenta a profissão, dentre outros.
O mercado de trabalho do assistente social nos últimos anos sofreu um processo de
mudança, fruto da reestruturação do capital pra enfrentar suas crises, das mudanças no interior
do Estado e das novas configurações da questão social. As implicações desse processo são
múltiplas e oferece conteúdo para um novo perfil da questão social, com a precarização,
insegurança e a vulnerabilidade do trabalho. Contraditoriamente no mercado de trabalho do
Serviço Social houve um “movimento de mudança e/ou redução de postos de trabalho em
alguns campos (ex. empresas industriais), como também uma ampliação, como é o caso das
políticas de seguridade social, (...) principalmente no âmbito municipal”. (Raichelis, 2011, p.
12). Além dos campos tradicionais da atuação profissional, a ampliação se deu em campos da
assessoria e consultoria, acompanhamento e avaliação de políticas e projetos em diversas
áreas, como a de Meio Ambiente, além do número expressivo de assistentes sociais atuando
em instituições de ensino superior, desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa,
coordenação de curso, supervisão de estágio e tutoria, função que ganha destaque com o
avanço da educação à distância (EAD) no setor privado.
9
Entretanto, em que pese uma efetiva ampliação do mercado de trabalho profissional
nas ultimas décadas, pesquisas recentes 8 tem revelado as intercorrências desastrosas das
transformações recentes no âmbito do Serviço Social, apontando para precarização do espaço
ocupacional via principalmente os processos de terceirização e subcontratação da força de
trabalho do assistente social. Esse processo atinge tanto os assistentes sociais da esfera
pública quanto da privada, os que estão na execução direta das políticas sociais, como os que
estão em cargos de gestão, coordenação e avaliação de programas e projetos sociais, bem
como os antigos e novos profissionais que atuam no campo da docência em Serviço Social.
É necessário ressaltar que a natureza do trabalho docente guarda suas devidas
diferenças com o trabalho do assistente social nas políticas sociais. Por outro lado, a
classificação sociológica da função docente e sua classe social é algo muito polêmico.
Entretanto, nesse trabalho entende-se o professor como um trabalhador que vende sua força
de trabalho para uma instituição educacional (estatal ou privada) e que sobrevive desse
trabalho. O professor realiza um trabalho útil, sendo remunerado para seu exercício na divisão
social do trabalho. A exemplo dos assistentes sociais, os docentes são trabalhadores
assalariados em quase sua totalidade, sem propriedade dos meios de produção, possuindo
parcial controle do processo de trabalho e flexibilizado nas suas formas de contratação.
(Miranda, 2005). Com isso, estão sujeitos aos mesmos constrangimentos e violações de
direitos no trabalho, como os demais trabalhadores que participam do mercado como
vendedores de força de trabalho em troca de salário.
3 – A contrarreforma do ensino superior no Brasil e algumas das implicações no trabalho do
assistente social na docência.
Como discutido até o momento, a contrarreforma do ensino superior no Brasil é uma
expressão da reforma empreendida pelo Estado e do compromisso dos governos com o
cumprimento de metas ditadas pelos organismos internacionais de regulação, que favoreceu a
ampliação e a precarização do ensino de graduação no país.
Os cursos de graduação em Serviço Social reproduzem características típicas desse
processo de expansão, via instituição privada e incorporando a modalidade a distancia em
seus currículos. Ao lado da EAD, “crescem os cursos privados, que muitas vezes são de baixa
qualidade, em que pesem os esforços de jovens e comprometidos docentes, em função das
8
Para conhecimento dessas pesquisas consultar os trabalhos sobre o mercado de trabalho do assistente social
disponíveis em www.coloquio-sso.blogspot.com/2010/04/coloquio.html
10
condições de trabalho: contrato horista, ausência de pesquisa e extensão, turmas enormes,
estágios que não asseguram supervisão acadêmica e de campo articuladas”. (ABEPSS,
CFESS, 2011).
O ensino superior ofertado na cidade de São Paulo expressa as tendências nacionais e
foi onde a educação privada mais expandiu suas vagas e sua base material como um todo.
Segundo dados do Inep/ MEC citados por Guimarães (2010 p. 89), o cenário do ensino de
graduação totaliza 197 instituições de ensino superior, das quais 189 são privadas e 8 de
natureza pública (federais e estaduais). A cidade oferta 18 cursos de graduação em Serviço
Social nas instituições privadas, distribuídas em 10 universidades, 7 centro-universitários e 6
cursos na modalidade à distância, além de cursos que mesclam as duas modalidades de ensino
(presencial e à distância).
Na sua tese de doutoramento apresentada à PUC/SP, Guimarães (2010) caracteriza 4
instituições de ensino na cidade para desenvolver seus estudos e as identifica no trabalho com
as letras X, Y,Z e W. Dessa forma uma das instituições caracterizada foi a X, que entre vários
elementos importantes levantados, destaca-se a carga horária do corpo docente do curso de
Serviço Social. A coordenadora do curso, por exemplo: possui doutorado, com dedicação
integral (40 horas semanais), assim distribuída: 10 horas para coordenação de curso, 12 horas
para o ensino, 8 para extensão e 10 horas para a pós-graduação. A coordenadora do curso
possui outro vínculo empregatício não relacionado ao ensino, com dedicação de 30 horas
semanais em instituição pública.
O caso dessa assistente social que coordena esse curso exemplifica a situação de
muitas outras docentes na mesma condição, com altos índices de exercício profissional fora
da docência, com duplos vínculos de trabalho, “o que implica em que os docentes tem dupla
jornada de trabalho e que a docência não é sua principal atividade laboral, em termos de
dedicação de horas trabalhadas” (Guimarães, 2010, p. 144 – 145). Esse quadro se agrava
ainda mais se considerado o perfil profissional dessa categoria, formada por 97% de mulheres,
que se autodenominam brancas, casadas e católicas (CFESS, 2005), o que significa o acúmulo
do trabalho na esfera da reprodução, já que tradicionalmente na sociedade patriarcal
capitalista, o trabalho doméstico e de cuidado com a família foi historicamente atribuído à
mulher (Dias, 2010). Mesmo com tantas mudanças no mercado de trabalho profissional,
inclusive com a feminização do mercado apontada por Nogueira (2006), esse trabalho
permanece ainda como responsabilidade primeira da mulher, ainda que recentemente os
homens tenha se disposto a participar mais da vida doméstica e dos assuntos da família,
entretanto, ainda com caráter de ajuda à mulher e não como uma responsabilidade
11
compartilhada. Dessa forma, pode-se afirmar que o trabalho doméstico preserva
características de não trabalho, ou como trabalho invisível, não reconhecido, não pago,
implicando hoje em uma tripla jornada de trabalho para as mulheres que estão no mercado.
(Nogueira, 2006.)
Nas Universidades Públicas a situação da graduação em Serviço Social, em sua
maioria de modalidade presencial, também guarda as devidas relações com o processo de
expansão e precarização do trabalho docente e da formação profissional, com proporções e
significados próprios às instituições dessa natureza nessa conjuntura atual. Mesmo antes da
implantação do Reuni, já se evidenciava um crescimento desigual entre matrículas e
concursos para docentes e isso tem se traduzido em uma superexploração do trabalho, por
meio da extensão da jornada e da intensificação do trabalho por diferentes processos (como o
uso da tecnologia de informação, da polivalência,) sob vínculos cada vez mais flexíveis de
contratação dessa força de trabalho.
Segundo a professora Janete Leite (2011), o espaço acadêmico hoje, tem assumido
características de um ambiente marcado por pressões, pela competitividade, pelo desempenho
quantitativo e o cumprimento de metas. O resultado é que os docentes estão consumindo mais
álcool, tonificantes e drogas e estão propensos à depressão e ao suicídio. “É um quadro
parecido com a Síndrome de Burnout, em que a pessoa se consome pelo trabalho. Ocorre
como uma reação a fontes de estresses ocupacionais contínuas, que se acumulam”, constata a
professora Janete Leite (2011 p.4).
CONCLUSÃO
A reforma do Estado brasileiro implementada na década de 1990 especialmente no
governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio da adoção de uma série de ajustes
estruturais na economia, implicou em consequências para a política educacional brasileira,
com ênfase na educação superior. O movimento de privatização desse nível de ensino tem
sido evidenciado tanto pela expansão do setor privado como pela privatização disfarçada das
públicas, como há muito vem denunciando as forças de defesa do ensino publico no pais. Isso
privilegia um modelo educacional que ressalta a mercantilização do ensino com baixa
qualidade e muita quantidade, quadro pouco alterado nos Governos de Lula e da presidenta
Dilma.
Na área de Serviço Social, a expansão dos cursos graduação é induzida pela expansão
do mercado do ensino superior, principalmente via a educação à distância, bem como pelo
12
aquecimento do mercado de trabalho. Pesquisas recentes tem demonstrado o alargamento do
mercado de trabalho do assistente social, principalmente pela via das políticas sociais, o que
acelera a corrida pela diplomação na área.
A expansão do mercado de trabalho na área esteve associada à precarização dos espaços
ocupacionais da profissão e a perda de direitos, principalmente porque essa expansão se deu
via uma diversidade de vínculos trabalhistas, frágeis, instáveis, que não garantem direitos
sociais e à custa de baixos salários, extensas e múltiplas jornadas e sobrecarga de trabalho, a
exemplo do trabalho docente nas instituições de ensino superior. Essa situação se agrava entre
os novos docentes, recém-titulados, que ingressam em condições mais aviltantes.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo, a categoria profissional conquista a jornada de trabalho
de 30 horas semanais, sem redução salarial, por meio da aprovação de lei em 2010.
Essas são questões recentes colocadas para a profissão, que ainda necessitam de
pesquisas e maior reflexão coletiva da categoria para desvendar a exploração a que são
submetidas às assistentes sociais que atuam no ensino superior privado e, assim, construir
respostas coletivas de defesa dos direitos corporativos e do direito à educação pública de
qualidade em todos os níveis de ensino, questão urgente de soberania nacional.
Enfim, a expansão do ensino superior nos anos 1990 e 2000 propiciou a entrada de
milhões de jovens e trabalhadores na educação superior e para os assistentes sociais significou
um alargamento dos espaços ocupacionais da profissão e a possibilidade de realização
profissional no campo acadêmico, entretanto, ao mesmo tempo em que essas mudanças
ocorrem, são acompanhadas pela precarização do trabalho docente e da formação profissional
em Serviço Social.
REFERÊNCIAS
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