“A EXPANSÃO DA GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NOS ANOS 2000: ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO DOCENTE DO ASSISTENTE SOCIAL” Valéria de Oliveira Albuquerque 1. Resumo Este artigo tem por objetivo refletir sobre a expansão do ensino superior no Brasil, via mercado da educação principalmente nos anos 1990 e 2000 e apontar algumas das implicações desse processo para o trabalho docente do assistente social. A metodologia adotada foi o estudo bibliográfico e o documental e viu-se que a expansão do ensino superior foi realizada com o objetivo de atender as exigências colocadas pelos organismos internacionais de regulação, a fim orientar a educação na lógica de acumulação flexível do capital em tempos de crise, a exemplo da América Latina no geral. Preserva velhas características da educação no Brasil, como a desigualdade no acesso e o disparate entre qualidade e quantidade. Ao mesmo tempo em que oportunizou a entrada de jovens e trabalhadores no ensino superior e a ampliação da contratação de assistentes sociais para a docência, precarizou o trabalho do docente bem como a formação profissional. INTRODUÇÃO No Brasil a Educação Superior passou por um período de expansão nos anos de 1990 e 2000, com aumento expressivo do número de matriculas de alunos por curso, aumento do número de instituições ofertando cursos de graduação, nas capitais e no interior dos estados, utilizando diferentes formas e modalidade de ensino, como a modalidade de ensino a distancia. O caso do Brasil se assemelha a outros países da América Latina, que nos anos 1990 aplicou as orientações do receituário neoliberal dos organismos de regulação internacional, como o FMI e OMC, para a reforma do Estado e das políticas sociais, como a saúde, previdência, assistência social, habitação e a educação. Dentre as diferentes orientações está a crescente mercantilização dos direitos sociais, transformando serviços essenciais em mercadorias e incorporando a lógica gerencial empresarial para as políticas sociais. Na área de Serviço Social a expansão dos cursos de graduação nos anos 2000 foi crescente em todas as regiões do país, revelando inclusive uma tendência de interiorização da formação profissional, via principalmente as instituições privadas de ensino. A cidade de São Paulo é um exemplo desse processo, pois, da década de 1930, quando foi criada a primeira escola de Serviço Social, até o final da década de 1990 havia três cursos de graduação na 1 Assistente Social, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social PEPGSS – PUCSP, sob orientação da Pro. Dr. Raquel Raichelis. [email protected] 2 cidade. Nos anos 2000, segundo Guimarães (2010) saltou para dezoito cursos de Serviço Social oferecidos na cidade, inclusive os cursos a distancia. Isso significa que são mais alunos ingressando nos cursos, um aumento significativo no número de formandos por ano entrando no mercado de trabalho e, por outro lado, uma demanda por mais assistentes sociais para ocuparem novos cargos como, coordenadores de cursos, supervisores de estágio, orientadores de monografias, professores, tutores, pesquisadores etc. A expansão do ensino superior nos anos 2000 propiciou a entrada de milhões de jovens e trabalhadores na educação superior, abriu a possibilidade de formação profissional para pleitear uma vaga mais qualificada no mercado de trabalho, algo tão valorado pelas famílias pobres como um mecanismo de ‘mudar de vida’, ou seja, uma perspectiva de mobilidade social em um país com tanta desigualdade de renda. Para a categoria dos assistentes sociais significou um alargamento dos espaços ocupacionais da profissão e a possibilidade de realização profissional no campo acadêmico, da pesquisa, da relação pedagógica e de exercício da dimensão educativa da profissão em um dos espaços privilegiados para tal, a Universidade. Entretanto, essas são possibilidades que, em meio a tantas controvérsias da Contrarreforma do ensino superior no Brasil encontra muitos limites. Os limites são de diversas ordens, principalmente no que diz respeito à expansão da educação via instituições privadas, que tem um trato mercantil com a educação. A lógica é de oferecer um produto de baixo custo – a formação – orientado para as necessidades do mercado. Baixo custo inclui pouco investimento em pesquisa, extensão, infraestrutura e no quadro docente. Este tem que atender as exigências mínimas dos padrões de avaliação externa e nas instituições privadas (como nas púbicas) tem-se cada vez mais um número maior de alunos por professor, desconexão entre o ensino, a pesquisa e a extensão universitária, acúmulo de funções (professor/orientador/coordenador), vínculos múltiplos e precários de trabalho dos docentes, jornadas extensas e um desgaste físico e mental dos trabalhadores da educação. Discutir algumas das implicações desse processo no trabalho docente do assistente social é o objetivo desse texto. Entretanto, é necessário esclarecer que esse estudo é parte integrante da pesquisa de Doutorado da autora e apresenta ainda caráter exploratório, por isso, serão problematizadas algumas questões pertinentes ao debate e que são fruto de pesquisa bibliográfica e documental, bem como das reflexões coletivas desenvolvidas no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisa: Trabalho e Profissão, do Programa de Pós em Serviço Social da PUC/SP, sem pretensão, portanto, de conclusões imediatas. O trabalho do assistente social no ensino superior sofreu uma ampliação rápida na década de 2000, incorporou muitos profissionais, inclusive os jovens recém-titulados da área, 3 entretanto, apresentou novas questões para reflexão da categoria, como as desafios da educação à distância, da formação fragmentada e das condições precárias de trabalho a que estão submetidas os profissionais que são contratados por essas novas instituições de ensino. Para compreender o contexto em que se desenvolve a atuação profissional do assistente social como docente, será necessário discutir de antemão o caráter da contrarreforma do ensino superior no Brasil, situando principalmente as ações do governo Lula. Nesse item será abordada a expansão da graduação em Serviço Social no Brasil, a partir do documento da ABEPSS “Sobre a incompatibilidade entre Educação à distancia e Serviço Social” 2 e dos dados dos Censos da Educação Superior, de responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), ligado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC). Em outra seção será feita uma breve apreciação sobre o trabalho do assistente social e a docência e, assim, situar a reflexão sobre as algumas das implicações desse processo no trabalho docente do assistente social nos anos 2000. 1 – A contrarreforma do Ensino Superior no Brasil e a expansão da graduação em Serviço Social nos anos 2000. A reforma da educação superior empreendida nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006, 2007-2010) e que tem continuidade no governo atual, de Dilma, para ser compreendida exige situá-la no contexto de reformas recentes do Estado capitalista e de seus desdobramentos, que se configuram em novas formas de enfrentamento da questão social por meio das políticas sociais. No entanto, a discussão sobre o caráter do Estado capitalista e a redefinição de seu papel está inserida em um movimento maior de reformas estruturais adotadas como estratégia para a superação das crises do capitalismo, principalmente a partir dos anos 1970, na perspectiva dos estudos de Harvey (1992), Meszáros (2000) e Antunes (2006). Tendo isso em vista e considerando também a análise sobre a política de ajuste fiscal na América Latina realizada por Trindade (2001), neste artigo adota-se o entendimento de que a crise conjuntural que afeta a educação superior no Brasil mantêm relação com esse movimento de reforma do Estado implementada pelos governos na América Latina, que chega a essa região “via acordos internacionais de ajustes, manutenção e controle da política 2 Esse documento expressa as posições do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), da Associação Brasileira de Ensino Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO) sobre a incompatibilidade entre graduação à distância e Serviço Social. A primeira edição foi publicada em novembro de 2010 e a segunda versão foi lançada em 2011 juntamente com a campanha nacional em defesa da formação com qualidade, que traz o slogan “Educação não é fast-food: diga não para a graduação à distância em Serviço Social” . 4 monetária, com foco no controle inflacionário e dinamização das exportações de commodities, abertura ao mercado estrangeiro” (ABEPSS/CFESS, 2011). Esta crise, portanto, tem razões econômicas, se manifesta de forma contraditória, com movimento de continuidade e descontinuidade, preservando particularidades em cada país, mas, evidenciando uma tensão contemporânea principalmente devido à supressão e/ou acesso precário aos vários direitos de cidadania, como a educação i. Segundo Cislaghi (2011) citando Trindade (2001, p. 29), o ensino superior na América Latina passou por duas fases principais, uma de massificação via setor público (décadas de 1960-1980) e outra de privatização (sobretudo década 1990). Ainda segundo Cislaghi (2011), considerando o período de 1981 a 1995, o total de instituições privadas fundadas para atuar no ensino superior é quatro vezes maior ao de públicas, transformando a América Latina no “maior percentual do mundo de estudantes em instituições privadas de ensino superior”. (op. Cit p. 245), o que revela o caráter mercadológico e privatista dessa expansão. No Brasil é importante ressaltar que é com a Ditadura Militar que o ensino superior passa a ser um campo de investimento de capitais, entretanto, como bem lembrou Netto (2000, p. 27) é no Governo Fernando Henrique Cardoso, que essa expansão alcançou níveis altíssimos e envolveu também a Pós-Graduação, sob o argumento de que as Universidades Públicas, por receberem financiamento do Estado, contribuíam para a crise fiscal. Foi nesse governo também que houve aprovação de inclusão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, que estabeleceu a diversificação das modalidades de ensino, por meio da organização diferenciada das instituições, como faculdades e centros universitários, quebrando a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão oferecidas por universidades, além de favorecer a expansão do ensino superior privado, principalmente nas modalidades à distância e cursos seqüenciais. Segundo dados do Inep/MEC 3, no ano de 1991 foram registrados 1.565.056 mil matrículas no ensino superior no Brasil. Em 1999 esse número saltou para 2.369.945 mil matrículas, considerando as cinco regiões do país e preservadas as diferenças e desigualdades históricas que concentra o maior número de matrículas na região sudeste, principalmente no estado de São Paulo. Como podemos observar nos dados apresentados na Tabela 1 a seguir: 3 Dados do INEP/MEC/DEED – “Tabela da Evolução do número de matrículas no primeiro semestre segundo a região e unidade da federação – Brasil – 1991 -1 2007” disponível http://portal.inep.gov.br/web/censo-daeducacao-superior/evolucao-1980-a-2007 acesso em 12/03/2012 5 TABELA 1 "Evolução do número de matrículas por região do país no período de 1991 a 2007". ANOS 1991 1999 2000 2007 Norte 51.821 94.411 115.058 303.984 E Nordeste 247.041 357.835 413.709 853.319 880.427 1.257.562 1.398.039 2.431.715 287.702 473.136 542.435 864.264 Centro Oeste 98.065 187.001 225.004 427.099 Brasil 1.565.056 2.369.945 2.694.245 4.880.381 R G I Sudeste Õ E Sul S Fonte: Censo da Educação de 2007 - MEC/INEP/DEED. Disponível em. http://inep.mec.gov.br/censo2. Acesso em 14 de março de 2012. Observando os dados da tabela acima nota-se que, de 1991 a 1999, que abarca o período do governo FHC, o número de matrículas aumentou cerca de 52% no ensino superior, saltando de 1.565.056 mil em 1991, para 2.369.945 mil em 1999, que em sua maioria esteve no ensino privado, com pequeno e inexpressivo número no setor público. Segundo Cislaghi (2011) em 2003 o Banco Mundial lançou um novo documento denominado “Construir sociedades de conhecimento: novos desafios para a educação terciária”. Nele o Banco apresenta novas e reforça antigas tendências, como: “o papel do conhecimento como motor do desenvolvimento, a internacionalização tanto dos provedores da educação terciária como o de um capital humano avançado, aumento do apoio técnico e financeiro do Banco aos países que queiram reformar e desenvolver a educação nessa perspectiva”. (Banco Mundial, 2003 citado por op.cit.). Essas orientações do Banco Mundial continuaram a ser implementadas no governo Lula, de acordo com a correlação de forças de cada conjuntura, no embate com sujeitos 6 coletivos com projetos de educação antagônicos. De fato a tendência de expansão do ensino superior se aprofundou e o número de matrículas nos ano 2000, segundo o INEP, chegou a 2.694.245 mil, como aponta a Tabela 1. Em seis anos esse número cresceu quase 87%, registrando no primeiro semestre de 2007 um total de 4.880.381 mil matrículas no ensino superior, nos cursos de graduação. A ampliação nesse período se deu principalmente pelos programas no governo Lula – como o PROUNI4 e o FIES 5 - que dadas às diferenças e especificidades preservaram características do governo anterior, como a transferência de responsabilidades para o setor privado e a lógica de mercado na gestão das instituições de ensino. Mesmo que o governo Lula tenha realizado a abertura de novas universidades federais, ampliado o número de vagas nas já existentes, via principalmente o REUNI 6, e isso tenha contribuído para ampliar o ensino superior também via o sistema público, ele foi bem menor se comparado com a expansão do ensino privado. Segundo dados do Inep/MEC citados por ABPESS/CFESS (2011), no ano de 2009 as instituições privadas de ensino superior correspondiam a 89,4% do total de instituições de ensino superior no país. Dessa forma, o “governo Lula estimula e incentiva a expansão do ensino superior privado, ligeiro, presencial ou a distancia de forma descontrolada e sem critérios”. (op cit, p. 789). Na área de Serviço Social o crescimento e a expansão refletiu a tendência nacional da educação superior. A expansão do número de vagas e de instituições ofertando o curso de Serviço Social nos anos 2000 foi acompanhada da diversificação e da diferenciação da formação profissional, com destaque para a atuação do setor privado com a modalidade de ensino à distância. Entre os três cursos que mais ofertam vagas na modalidade à distância, o 4 O ProUni – Programa Universidade para Todos foi criado pela MP nº 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa. 5 O FIES - Fundo de Financiamento Estudantil, criado em 1999, é um programa do Ministério da Educação que visa o financiamento da graduação no ensino superir para alunos regularmente matriculados em cursos de avaliação positiva. O Fundo Nacional da Educação (FNE) é quem opera o FIES e aplica juros de 3,4% ano. 6 O REUNI é o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Foi instituído pelo decreto presidencial nº 6096 de 24/05/2007 e visa à ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível da graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas Universidades Federais. Embora os objetivos sejam nobres, o que se tem questionado são os meios utilizados pelo Programa para alcançar suas metas, que compromete a qualidade. Segundo as entidades que questionam o programa, como a Associação dos Docentes do Ensino Superior – ANDES - o projeto almeja a elevação de uma média de conclusão de graduação para 90%, aumento da relação aluno/professor de 18 para 1, com um incremento de 20% no orçamento das Federais, tudo isso ao final de 5 anos, condicionado à disponibilidade de recursos do MEC e para as Universidades que aderirem, já que o Conselho Universitário que opta pelo adesão ou não ao programa . 7 Serviço Social aparece em terceiro lugar, ficando atrás apenas da Pedagogia e da Administração (Inep/MEC, 2010 citado por ABEPSS/CFESS, (2011) ). Ainda segundo o Inep/MEC (2011) 7, em 2011 havia 418 cursos de Serviço Social em funcionamento no Brasil, destes 367 privados, 66 públicos e 38 federais. Os cursos com oferta de EAD totalizaram 14, com a disponibilidade de 107.440 vagas e com apenas 22.811 ingressantes. O crescimento exponencial da EAD na área de Serviço Social indica que essa é uma tendência do processo de formação, mesmo com todos os problemas já apontados nos últimos documentos formulados pela ABEPSS, CFESS e ENESSO, que afirma a incompatibilidade entre a EAD e o Serviço Social, bem como os antagonismos com as Diretrizes Curriculares aprovadas em 1996. Há que se lembrar que o perfil profissional preconizado pelas Diretrizes prevê a formação que capacite para a defesa dos direitos sociais, para a ampliação da cidadania e consolidação da democracia, com competência teórico-prática, técnico-operativa e ético-política. O desenvolvimento dessas competências exige um rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social brasileira e da profissão e, isso é possível no ensino presencial precarizado ou mesmo à distância? Como participar do debate acadêmico e científico sem se apropriar de autores e obras clássicas? Sem um ambiente real de aprofundamento e reflexão das leituras? Com ambientes virtuais de ensino-aprendizagem na graduação e com a precarização que advém com essa modalidade, é possível formar profissionais na perspectiva do projeto de formação profissional construído pelo Serviço Social brasileiro? 2- O trabalho do assistente social e a docência: algumas considerações. Esse cenário de mudanças nas últimas décadas interpela o Serviço Social, principalmente pelas novas manifestações da questão social nesse contexto de crise do capital e de redefinição do sistema de proteção social e bem como das políticas sociais. Para compreender o Serviço Social e o trabalho do assistente social, é necessário situá-lo nesse complexo de relações sociais mais amplas e tentar compreender as determinações históricas da prática profissional, o que a condiciona e o modo de inserção dessa prática nas relações capitalistas de produção e reprodução social, na perspectiva apontada por Iamamoto 7 Disponível em: http//emec.mec.gov.br. Acesso em 14/12/2011 8 (2008), como uma prática em processo, em constante renovação na qual novas situações históricas obrigam a profissão a se redefinir. O processo de reconhecimento do Serviço Social como profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho está vinculado à criação das grandes instituições assistências na década de 1940, “quando o estado brasileiro se viu pressionado a desenvolver ações sociais (...) Passou a intervir diretamente nos processos de reprodução das relações sociais, (...) viabilizando tanto o processo de acumulação capitalista como o atendimento das necessidades da população”. (Yazbek, 2005). A natureza do trabalho do assistente social “advém de sua inserção nas estruturas institucionais prestadoras de serviços sociais, que perfazem os aparatos públicos e privados viabilizadores das políticas sociais” (Trindade, 2010 p.4). Embora o Serviço Social tenha sido regulamentado como profissão liberal no país, o assistente social não tem historicamente desenvolvido seu exercício como um autônomo, pelo contrário, não dispõe das condições materiais e organizacionais para o desempenho de suas atividades, não goza de total controle sobre seu processo de trabalho e nem para definir objetivo e público dos serviços que presta. Entretanto, a profissão dispõe de relativa autonomia e de características presente nas profissões liberais, como a relação singular com seus usuários, a presença do Código de Ética, lei que regulamenta a profissão, dentre outros. O mercado de trabalho do assistente social nos últimos anos sofreu um processo de mudança, fruto da reestruturação do capital pra enfrentar suas crises, das mudanças no interior do Estado e das novas configurações da questão social. As implicações desse processo são múltiplas e oferece conteúdo para um novo perfil da questão social, com a precarização, insegurança e a vulnerabilidade do trabalho. Contraditoriamente no mercado de trabalho do Serviço Social houve um “movimento de mudança e/ou redução de postos de trabalho em alguns campos (ex. empresas industriais), como também uma ampliação, como é o caso das políticas de seguridade social, (...) principalmente no âmbito municipal”. (Raichelis, 2011, p. 12). Além dos campos tradicionais da atuação profissional, a ampliação se deu em campos da assessoria e consultoria, acompanhamento e avaliação de políticas e projetos em diversas áreas, como a de Meio Ambiente, além do número expressivo de assistentes sociais atuando em instituições de ensino superior, desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa, coordenação de curso, supervisão de estágio e tutoria, função que ganha destaque com o avanço da educação à distância (EAD) no setor privado. 9 Entretanto, em que pese uma efetiva ampliação do mercado de trabalho profissional nas ultimas décadas, pesquisas recentes 8 tem revelado as intercorrências desastrosas das transformações recentes no âmbito do Serviço Social, apontando para precarização do espaço ocupacional via principalmente os processos de terceirização e subcontratação da força de trabalho do assistente social. Esse processo atinge tanto os assistentes sociais da esfera pública quanto da privada, os que estão na execução direta das políticas sociais, como os que estão em cargos de gestão, coordenação e avaliação de programas e projetos sociais, bem como os antigos e novos profissionais que atuam no campo da docência em Serviço Social. É necessário ressaltar que a natureza do trabalho docente guarda suas devidas diferenças com o trabalho do assistente social nas políticas sociais. Por outro lado, a classificação sociológica da função docente e sua classe social é algo muito polêmico. Entretanto, nesse trabalho entende-se o professor como um trabalhador que vende sua força de trabalho para uma instituição educacional (estatal ou privada) e que sobrevive desse trabalho. O professor realiza um trabalho útil, sendo remunerado para seu exercício na divisão social do trabalho. A exemplo dos assistentes sociais, os docentes são trabalhadores assalariados em quase sua totalidade, sem propriedade dos meios de produção, possuindo parcial controle do processo de trabalho e flexibilizado nas suas formas de contratação. (Miranda, 2005). Com isso, estão sujeitos aos mesmos constrangimentos e violações de direitos no trabalho, como os demais trabalhadores que participam do mercado como vendedores de força de trabalho em troca de salário. 3 – A contrarreforma do ensino superior no Brasil e algumas das implicações no trabalho do assistente social na docência. Como discutido até o momento, a contrarreforma do ensino superior no Brasil é uma expressão da reforma empreendida pelo Estado e do compromisso dos governos com o cumprimento de metas ditadas pelos organismos internacionais de regulação, que favoreceu a ampliação e a precarização do ensino de graduação no país. Os cursos de graduação em Serviço Social reproduzem características típicas desse processo de expansão, via instituição privada e incorporando a modalidade a distancia em seus currículos. Ao lado da EAD, “crescem os cursos privados, que muitas vezes são de baixa qualidade, em que pesem os esforços de jovens e comprometidos docentes, em função das 8 Para conhecimento dessas pesquisas consultar os trabalhos sobre o mercado de trabalho do assistente social disponíveis em www.coloquio-sso.blogspot.com/2010/04/coloquio.html 10 condições de trabalho: contrato horista, ausência de pesquisa e extensão, turmas enormes, estágios que não asseguram supervisão acadêmica e de campo articuladas”. (ABEPSS, CFESS, 2011). O ensino superior ofertado na cidade de São Paulo expressa as tendências nacionais e foi onde a educação privada mais expandiu suas vagas e sua base material como um todo. Segundo dados do Inep/ MEC citados por Guimarães (2010 p. 89), o cenário do ensino de graduação totaliza 197 instituições de ensino superior, das quais 189 são privadas e 8 de natureza pública (federais e estaduais). A cidade oferta 18 cursos de graduação em Serviço Social nas instituições privadas, distribuídas em 10 universidades, 7 centro-universitários e 6 cursos na modalidade à distância, além de cursos que mesclam as duas modalidades de ensino (presencial e à distância). Na sua tese de doutoramento apresentada à PUC/SP, Guimarães (2010) caracteriza 4 instituições de ensino na cidade para desenvolver seus estudos e as identifica no trabalho com as letras X, Y,Z e W. Dessa forma uma das instituições caracterizada foi a X, que entre vários elementos importantes levantados, destaca-se a carga horária do corpo docente do curso de Serviço Social. A coordenadora do curso, por exemplo: possui doutorado, com dedicação integral (40 horas semanais), assim distribuída: 10 horas para coordenação de curso, 12 horas para o ensino, 8 para extensão e 10 horas para a pós-graduação. A coordenadora do curso possui outro vínculo empregatício não relacionado ao ensino, com dedicação de 30 horas semanais em instituição pública. O caso dessa assistente social que coordena esse curso exemplifica a situação de muitas outras docentes na mesma condição, com altos índices de exercício profissional fora da docência, com duplos vínculos de trabalho, “o que implica em que os docentes tem dupla jornada de trabalho e que a docência não é sua principal atividade laboral, em termos de dedicação de horas trabalhadas” (Guimarães, 2010, p. 144 – 145). Esse quadro se agrava ainda mais se considerado o perfil profissional dessa categoria, formada por 97% de mulheres, que se autodenominam brancas, casadas e católicas (CFESS, 2005), o que significa o acúmulo do trabalho na esfera da reprodução, já que tradicionalmente na sociedade patriarcal capitalista, o trabalho doméstico e de cuidado com a família foi historicamente atribuído à mulher (Dias, 2010). Mesmo com tantas mudanças no mercado de trabalho profissional, inclusive com a feminização do mercado apontada por Nogueira (2006), esse trabalho permanece ainda como responsabilidade primeira da mulher, ainda que recentemente os homens tenha se disposto a participar mais da vida doméstica e dos assuntos da família, entretanto, ainda com caráter de ajuda à mulher e não como uma responsabilidade 11 compartilhada. Dessa forma, pode-se afirmar que o trabalho doméstico preserva características de não trabalho, ou como trabalho invisível, não reconhecido, não pago, implicando hoje em uma tripla jornada de trabalho para as mulheres que estão no mercado. (Nogueira, 2006.) Nas Universidades Públicas a situação da graduação em Serviço Social, em sua maioria de modalidade presencial, também guarda as devidas relações com o processo de expansão e precarização do trabalho docente e da formação profissional, com proporções e significados próprios às instituições dessa natureza nessa conjuntura atual. Mesmo antes da implantação do Reuni, já se evidenciava um crescimento desigual entre matrículas e concursos para docentes e isso tem se traduzido em uma superexploração do trabalho, por meio da extensão da jornada e da intensificação do trabalho por diferentes processos (como o uso da tecnologia de informação, da polivalência,) sob vínculos cada vez mais flexíveis de contratação dessa força de trabalho. Segundo a professora Janete Leite (2011), o espaço acadêmico hoje, tem assumido características de um ambiente marcado por pressões, pela competitividade, pelo desempenho quantitativo e o cumprimento de metas. O resultado é que os docentes estão consumindo mais álcool, tonificantes e drogas e estão propensos à depressão e ao suicídio. “É um quadro parecido com a Síndrome de Burnout, em que a pessoa se consome pelo trabalho. Ocorre como uma reação a fontes de estresses ocupacionais contínuas, que se acumulam”, constata a professora Janete Leite (2011 p.4). CONCLUSÃO A reforma do Estado brasileiro implementada na década de 1990 especialmente no governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio da adoção de uma série de ajustes estruturais na economia, implicou em consequências para a política educacional brasileira, com ênfase na educação superior. O movimento de privatização desse nível de ensino tem sido evidenciado tanto pela expansão do setor privado como pela privatização disfarçada das públicas, como há muito vem denunciando as forças de defesa do ensino publico no pais. Isso privilegia um modelo educacional que ressalta a mercantilização do ensino com baixa qualidade e muita quantidade, quadro pouco alterado nos Governos de Lula e da presidenta Dilma. Na área de Serviço Social, a expansão dos cursos graduação é induzida pela expansão do mercado do ensino superior, principalmente via a educação à distância, bem como pelo 12 aquecimento do mercado de trabalho. Pesquisas recentes tem demonstrado o alargamento do mercado de trabalho do assistente social, principalmente pela via das políticas sociais, o que acelera a corrida pela diplomação na área. A expansão do mercado de trabalho na área esteve associada à precarização dos espaços ocupacionais da profissão e a perda de direitos, principalmente porque essa expansão se deu via uma diversidade de vínculos trabalhistas, frágeis, instáveis, que não garantem direitos sociais e à custa de baixos salários, extensas e múltiplas jornadas e sobrecarga de trabalho, a exemplo do trabalho docente nas instituições de ensino superior. Essa situação se agrava entre os novos docentes, recém-titulados, que ingressam em condições mais aviltantes. Contraditoriamente, ao mesmo tempo, a categoria profissional conquista a jornada de trabalho de 30 horas semanais, sem redução salarial, por meio da aprovação de lei em 2010. Essas são questões recentes colocadas para a profissão, que ainda necessitam de pesquisas e maior reflexão coletiva da categoria para desvendar a exploração a que são submetidas às assistentes sociais que atuam no ensino superior privado e, assim, construir respostas coletivas de defesa dos direitos corporativos e do direito à educação pública de qualidade em todos os níveis de ensino, questão urgente de soberania nacional. Enfim, a expansão do ensino superior nos anos 1990 e 2000 propiciou a entrada de milhões de jovens e trabalhadores na educação superior e para os assistentes sociais significou um alargamento dos espaços ocupacionais da profissão e a possibilidade de realização profissional no campo acadêmico, entretanto, ao mesmo tempo em que essas mudanças ocorrem, são acompanhadas pela precarização do trabalho docente e da formação profissional em Serviço Social. REFERÊNCIAS ABEPSS/CFESS (2011). 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