PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Da Frustração ao Entusiasmo: Uma Análise da Relação entre Fãs e Spoilers no Twitter1 Melina Meimaridis2 Marcelo Alves dos Santos Junior3 Universidade Federal Fluminense Resumo Este trabalho realizou uma análise empírica da produção de sentido nas mídias sociais sobre Grey’s Anatomy, lançando evidências da relação complexa dos fãs com paratextos, mais especificamente os spoilers. Esse tipo de paratexto é culturalmente culpado por prejudicar o consumo de séries ficcionais televisivas. Buscando aprofundar as discussões em torno dessa questão, a presente análise demonstra empiricamente reações distintas por parte do fandom ao consumirem spoilers. Os dados corroboram a noção clássica do consumo de spoilers, encontrando grande reação negativa pelos fãs, entretanto foi identificado um engajamento positivo por parte de um grupo dentro do fandom, além de dinâmicas de solidariedade e de conflito entre os fãs. Ao final, o trabalho faz uma proposta de contribuição teórica e de modelo de análise dos spoilers para futuros estudos. Palavras-chave: Spoilers; Consumo; Fãs; Séries; Twitter. “Mas To sofrendo tanto esperando pelo próximo episódio de Grey's Anatomy, que estou procurando desesperadamente por spoilers”. @ luizacarvalhaes, twitter, 2015 Introdução É culturalmente aceito que spoilers4 “estragam” a experiência de consumo de um texto (HASSOUN, 2013, p. 349; JOHNSON & ROSENBAUM, 2014, p. 4; GRAY & MITTELL, 2007, p. 2). Diversos autores já abordaram o tema utilizando 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 06 COMUNICAÇÃO, CONSUMO E SUBJETIVIDADES, do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fluminense, email: [email protected]. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fluminense, email: [email protected]. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. 4 Informações sobre o que vai acontecer em um filme, uma série de televisão etc. antes de ser mostrado ao público. Dicionário Oxford. Disponível em: < http://www.oxfordlearnersdictionaries.com/us/definition/american_english/spoiler> Última visualização: 26/05/2015 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) métodos e produtos culturais distintos, desde contos (LEAVITT & CHRISTENFELD, 2011), novelas (BAYM, 2000; FORD, KOSNIK, HARRINGTON, 2011), séries televisivas (GÜRSIMSEK & DROTNER, 2014) e até quadrinhos (HASSOUN, 2013). Em sua maior parte, a bibliografia reflete a visão negativa em torno da recepção dos spoilers. Entretanto, estudos recentes têm levantado questionamentos, sugerindo relações de consumo com nuances mais complexas do que positivas e negativas. Este trabalho pretende dialogar com essa nova abordagem, buscando demonstrar empiricamente a complexidade na recepção e no consumo desse tipo de paratexto5. A intensa circulação de spoilers nas mídias sociais tem gerado calorosos debates entre fãs nos últimos anos. Entretanto, a academia não tem dado devida atenção à questão (HASSOUN, 2013, p. 3). O spoiler é um paratexto que influencia a forma como o espectador recebe o texto, assim ele é tão importante quanto o próprio texto (GRAY, 2010). A hipótese deste trabalho é que as reações da audiência ao receber spoiler possuem modulações mais complexas do que a frustração. Nesse sentido, defendemos que o spoiler é o adiantamento de uma peça do roteiro fora da ordem original, mas que pode gerar, além de frustração, o engajamento do público e dinâmicas de cooperação e de conflito entre os fãs. Entendendo a existência de uma complexidade em torno da questão, esse trabalho se propõe a identificar a existência de fãs de spoilers no contexto brasileiro e destrinchar a reação negativa de modo a contribuir com futuros estudos. Para isso, foram realizadas análise de coocorrência e análise de conteúdo de uma amostra aleatória de tweets (n=217, margem de erro de 5%) acerca do vigésimo primeiro episódio “How to Save a Life” da décima primeira temporada de Grey’s Anatomy6 (2005-presente). No caso analisado, a amostra traz dinâmicas de sociabilidade com ações comunicativas de solidariedade e de conflito entre fãs, haters, e pessoas que 5 Todos os produtos externos ao texto que agregam algum tipo de sentido na experiência da obra, como promos (trailers televisivos), extras de DVD’s, spoilers, críticas de fãs, entre outros (GRAY, 2010). 6 Série criada pela showrunner Shonda Rhimes, que narra a vida complicada de Meredith Grey, uma residente de cirurgia no Seattle Grace Memorial Hospital. O primeiro episódio foi ao ar em 27 de março de 2005 no canal ABC. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) nem acompanham a série. Isso aconteceu, em grande parte, porque o spoiler da morte do personagem vazou prematuramente horas antes da exibição do episódio nos Estados Unidos. O artigo foi organizado da seguinte forma: na primeira, apresenta-se um levantamento bibliográfico sobre spoilers, apontando os principais pontos de vista em torno do consumo desse paratexto. A segunda parte, por sua vez, descreve o caso analisado. Em seguida, explica-se o desenho metodológico aplicado. Depois, aplica-se o método de mineração de dados de mídias sociais, seguido da análise semântica. A discussão retoma as questões levantadas pela bibliografia e sugere a existência de um grupo que consome spoilers de forma positiva. Além disso, ainda destrincha a reação negativa em modulações mais complexas, que vão da frustração a revolta. Sugerimos que o consumo de spoilers não é unânime em estragar a experiência de consumir produtos culturais, mas, por vezes, a complementa, fazendo parte de uma extensão textual relativa à Grey’s Anatomy em outras mídias. 1. Fandom, spoilers e a experiência de consumo televisivo Desde antes da internet, os fãs buscavam formas de estender os universos narrativos das séries (BROOKER, 2001). Atualmente, com os avanços tecnológicos, o aparecimento da internet e das mídias sociais, os fãs possuem diversos espaços de participação online. Alguns gerados pelos próprios fãs-usuários e outros elaborados estrategicamente pelos produtores das séries (ANDREJEVIC, 2008, p.24-25). Desse modo, a experiência de consumo do texto e a experiência atrelada a ela não estão mais restritos ao meio televisivo. Para Brooker, as estratégias mercadológicas das emissoras, ao buscarem prolongar a experiência dos programas, permitem que as narrativas façam parte do cotidiano do fã (BROOKER, 2001). Assim, os episódios já não conseguem conter todo o conteúdo textual, que toma outras mídias, processo que ele denomina “Overflow” (BROOKER, 2001, p. 458). Como mencionado na introdução desse trabalho, a bibliografia acerca da questão dos spoilers em sua maior parte aborda a questão pelo viés negativo. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Entretanto, pesquisadores têm buscado complexificar essa visão pessimista e culturalmente aceita. Antes, porém, é necessário entender o spoiler como um tipo de paratexto. Para Gerard Genette paratextos são textos que nos preparam para outros textos (GENETTE, 1997). Para Jonathan Gray, os paratextos preenchem lacunas de textualidade que não podem ser satisfeitas apenas dentro da obra original. Assim, Gray dialoga com Brooker, e a noção de “overflow” de textualidade, e com Jenkins com o conceito de “Cultura da Convergência” (JENKINS, 2006), afirmando que no fundo desses dois conceitos estão os paratextos (GRAY, 2010, p. 46). Com isso posto, podemos concluir que os spoilers são paratextos, que, ao serem consumidos pelos espectadores, afetam a experiência de consumo do texto. Para muitos autores, a experiência sempre seria prejudicada (GRAY & MITTELL, 2007, p.3). Contudo, experimento realizado por Hassoun (2013) indica que os spoilers possuem funções variadas, desde saciar a curiosidade dos fãs, até intensificar a ansiedade pelo próximo episódio. Além disso, ele ainda afirma que “a consciência prévia dos acontecimentos narrativos na leitura de quadrinhos pode aumentar o prazer do consumo da obra, uma vez que facilita a reflexão, antecipação ou surpresa” (HASSOUN, 2013, p.349-350). Da mesma forma, um estudo realizado com os fãs de Lost 7 , pelos pesquisadores Jason Mittell e Jonathan Gray, revelou que o consumo de spoilers não gera uma única reação. Alguns fãs evitam spoilers. Outros, porém, os buscam pela internet, entendendo essa prática como interessante e agradável. Os autores ainda afirmam que alguns fãs da série buscavam intencionalmente ler spoilers antes de verem os episódios para os assistirem com mais atenção (GRAY & MITTELL, 2007, p.17), afetando positivamente a experiência do consumo televisivo. 7 Série aclamada produzida por J.J. Abrams, que narra os acontecimentos da vida de um grupo de sobreviventes após a queda de um avião numa misteriosa ilha. O primeiro episódio foi ao ar em 22 de setembro de 2004. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) 2. Descrição do Caso Grey's Anatomy é uma série médica que acompanha a trajetória da doutora Meredith Grey ao longo de sua residência em cirurgia no Seattle Grace Memorial Hospital. O show estreou em 2005 no canal ABC nos Estados Unidos e, no auge de sua popularidade, ele atingia semanalmente um público de aproximadamente 20 milhões de pessoas (QUICK, 2009, p. 39). Ao longo de onze temporadas e 220 episódios os fãs puderam acompanhar o romance de Meredith e Derek. Na décima primeira temporada, Derek recebeu uma proposta de emprego para trabalhar em outro estado, o que ele aceita, mesmo contra a vontade de sua esposa. Passados alguns episódios, ele resolve voltar para casa, eles conversam e reatam o casamento. Entretanto, Derek ainda precisa pedir demissão oficialmente do seu cargo. Ele deixa sua esposa e seus dois filhos em casa e sai em direção ao aeroporto. No caminho, ele sofre um acidente, restando apenas para Meredith ir ao hospital e desligar os aparelhos. Deve-se notar que, antes do episódio ir ao ar, diversos fãs já especulavam que Derek iria morrer, ou sofrer algum acidente, devido a imensa campanha promocional que a emissora estava fazendo em cima do episódio. Porém, essas informações não passavam de meros boatos, visto que o contrato do ator, Patrick Dempsey, assegurava seu papel até o fim de uma possível décima segunda temporada. Na tarde do dia 23 de abril, uma fã norte-americana postou em sua conta do Instagram uma foto de uma matéria da revista Entertainment Weekly, a qual ela tinha recebido com um dia de antecedência. A manchete dizia "The Doctor is Out", o texto contava com detalhes que o personagem de Dempsey morria no episódio que seria exibido naquela noite. A revista que só chegaria nas bancas na sexta pela manhã, acabou revelando um dos maiores spoilers da série. A foto circulou por toda a internet e, em poucas horas, fãs de todos os lugares do mundo estavam debatendo a informação, em diversas redes sociais, antes mesmo do episódio ir ao ar nos Estados Unidos. As mídias sociais, então, foram espaço de disseminação do spoiler de três modos: (1) veiculação antecipada da foto da revista; (2) discussão dos fãs sobre a PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) morte de Derek, que levou a hashtag RIPDerek aos top trendings no Twitter; e (3) publicações da imprensa acerca das reações exageradas dos fãs da série. 3. Metodologia As mídias sociais são consideradas um laboratório relativamente aberto com bancos de dados produzidos pelos usuários em escala mundial e em tempo real sobre os mais variados temas (GIGLIETTO, ROSSI, BENNATO, 2012). De fato, uma das características do conteúdo gerado por usuários no ambiente digital é dataficação, isto é, a possibilidade de rastrear, coletar, organizar e analisar um grande volume de informações (VAN DIJCK, POELL, 2013). Estes dados são um robusto “indicador de sentimentos, comportamento ou difusão em relação a um tópico particular em um tempo definido [...] agora acessível à análises sistemáticas e em tempo real” (SHAH, CAPELLA, NEUMAN, 2015, p. 10). Propomos, então, uma análise de publicações no Twitter sobre o episódio com os seguintes questionamentos: 1- O consumo e a propagação de spoilers no Twitter geram quais reações? 2- A prática de consumir spoilers é capaz de engajar positivamente os fãs? Tendo isto em mente, a fim de buscar evidências empíricas para responder nossos questionamentos e avançar na compreensão das dinâmicas de relacionamento das comunidades de fãs com spoilers nas plataformas de redes sociais, realizamos um desenho metodológico que combina técnicas de mineração e refinação de bancos de dados do Twitter com a análise semântica dos tweets (LYCARIÃO, DOS SANTOS, 2015; LEWIS, ZAMITH, HERMIDA, 2013; RECUERO, 2014; RUSSELL et al, 2011; QIN, 2015). Assim, o primeiro passo foi realizar a mineração de dados e refinar os bancos de dados. Para isso, utilizamos o aplicativo do Microsoft Excel, NodeXl - uma extensão open source que permite a extração, organização e análise de informações de mídias sociais (SMITH et al., 2009) - para fazer diversas coletas no dia 24 de abril de 2015 (BENEVENUTO et al. 2012). Os parâmetros de nossas buscas foram PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) estabelecidos de acordo com a produção de tweets pelos fãs de Grey’s Anatomy tanto durante o episódio (live-tweeting) como na semana que o antecedeu, refletindo também as especulações prévias sobre os desdobramentos da série. A mineração foi orientada pelas palavras: grey’s anatomy, greysanatomy, #TGIT; #greysanatomy; #tearsofgrey; #whereisderek e #RIPderek, todas elas utilizando o português brasilieiro. Foram coletados 29.440 tweets, retweets e respostas, produzidos entre os dias 17 e 24 de abril. Com isso, reunimos os dados extraídos em uma planilha de Excel e refinamos os resultados buscando pelos textos dos tweets que continham a palavra spoiler ou a #RIPderek. Obtivemos um banco de dados de 918 entradas, representando majoritariamente a repercussão das reações de fãs e não-fãs acerca dos acontecimentos do episódio “How to Save a Life” no Twitter. Em seguida, preparamos os dados para a análise a partir de uma amostra aleatória de n=271 com margem de erro de 5%. As categorias foram desenvolvidas em um livro de códigos e foram divididas em: revoltados, avoiders, frustrados, trolls, fãs (Spoiler fans), institucionais e outros. As categorias “avoiders” e “fãs” foram baseadas no estudo realizado em 2007 pelos pesquisadores Jonathan Gray e Jason Mittell, Speculation on spoilers: Lost fandom, narrative consumption, and rethinking textuality. Nele, os autores (através de uma pesquisa qualitativa com os fãs da série Lost) definem os mesmos como “Spoiler Fans”, que seriam as pessoas que consomem intencionalmente o paratexto e “Spoiler Avoiders”, pessoas que evitariam entrar em contato com spoilers. Além disso, aperfeiçoamos a descrição das categorias com base em observações sistemáticas do banco de dados, realizando três rodadas de testes e adaptações das indicações que resultaram índices de confiabilidade mais altos. A parte final foi a análise semântica, desenvolvida seguindo duas abordagens: (1) baseada no relacionamento entre palavras no texto por meio de coocorrência; e (2) baseada na análise de conteúdo dos textos (DOERFEL, 1998, p.17). Dois codificadores categorizaram os tweets da amostra com base no livro de códigos PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) elaborado, definindo as dinâmicas de repercussão, relacionamento e de produção textual dos fãs e não-fãs sobre os spoilers no Twitter. Antes da codificação, realizamos um teste de confiabilidade cega em uma subamostra de 40 tweets, resultando índices Krippendorff alpha de Kα1=0,806 e Kα2=0,878 (HAYES, KRIPPENDORFF, 2007), sendo que a variável 1 obteve 85% de concordância e a variável 2, 95%. 4. Resultados A análise semântica de coocorrências resultou em uma rede composta predominantemente por um conjunto de palavras que sugerem reações de valência negativa em relação aos spoilers de Grey’s Anatomy. A Figura 01 mostra os termos e as ligações mais frequentes em nosso banco de dados, indicando uma repercussão majoritariamente frustrada, exemplificada pelos nós: sofrendo, chorando, difícil, odeiospoiler e sad. No entanto, como argumentamos em outro trabalho (ver Lycarião, Dos Santos, 2015), somente o estudo de coocorrência não consegue captar a complexidade das articulações semânticas que concernem à repercussão interpretativa no Twitter. Figura 01 – Rede Semântica de Coocorrências PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Com a finalidade de contornar estas limitações, realizamos a codificação manual de uma amostra aleatória do banco de dados de n=271, com margem de erro de 5%. A codificação possui duas variáveis: (1) reação textual sobre o spoiler Frustrados, Avoiders, Revoltados, Trolls, Fãs, Institucionais e Outros; e (2) valência das reações - Positivo, Negativo e Neutro. Os resultados estão apresentados na Tabela 01: Tabela 01 – Análise de Conteúdo A análise de conteúdo realizada indica que prevalece a produção de tweets com conteúdo que indica frustração com 38% em relação ao vazamento antecipado de informações importantes sobre o episódio de Grey’s Anatomy. Os revoltados, que utilizaram linguagem de tons carregados e hostis, representaram 10,33% da amostra. E a segunda variável retornou valência negativa em 62,36% das mensagens analisadas. De modo geral, isso sugere evidências empíricas da reação dos usuários do Twitter em relação ao spoiler da série de TV. No entanto, os resultados também apontam que o relacionamento negativo com spoilers, embora majoritário, não é abrangente o suficiente para captar as diversas nuances do fenômeno. Nesse sentido, é necessário adotar uma perspectiva mais complexa na análise, a fim de encontrar categorias derivativas e desviantes do comportamento negativo dominante. No caso investigado, nossos dados trazem um achado de que outros 10,70% são avoiders, evitando spoilers e avisando seus seguidores para sair das mídias sociais; e 3,32% são trolls, usuários que compartilham spoilers com a finalidade de se divertir com o sofrimento dos fãs da série. A categoria fãs com 3,69% dos usuários é um achado empírico que sustenta a tese de que parte do PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) público tem um relacionamento produtivo com os spoilers, acompanhando os acontecimentos do roteiro, sem ter a rotina fiel de assistir aos episódios assim que são exibidos na TV estadunidense. Levantamos a hipótese de que para parte da audiência esta prática não estraga a experiência de assistir ao show, mas a complementa, fazendo parte de uma extensão textual relativa à Grey’s Anatomy em outras mídias. 5. Discussão Existem diversos estudos que abordam a relação entre o uso das mídias sociais e o consumo de séries ficcionais televisivas. Entretanto, poucas análises são focadas na presença de spoilers na internet, o que motiva calorosos debates que inundam as mídias sociais ao longo da exibição de séries populares como Grey’s Anatomy e Game of Thrones 8 . O Twitter tem se transformado em um espaço de trocas de opiniões, informações e até sentimentos por parte dos fãs de séries. Os dados encontrados nesse trabalho revelam um universo dentro do fandom ainda pouco estudado: os fãs que consomem e trocam spoilers de forma prazerosa. Ademais, ainda demonstram diferentes níveis de rejeição por parte dos fãs ao consumirem spoilers. O principal achado desse trabalho foi evidenciar através de dados empíricos diversas nuances que estudos teóricos só apontam. Do mesmo modo como Mittell e Gray identificam na análise qualitativa dos fãs de Lost, a existência de “spoiler fans” e os “spoiler avoiders”, encontramos em nosso banco de dados reações similares por parte dos fãs de Grey’s Anatomy. Contudo, ao nos depararmos com os tweets de valência negativa, que compõem cerca de 62% da amostra analisada e que possuem um alcance de rejeição que varia de frustração a extrema revolta, tornou-se necessário esmiuçarmos essa reação em outros três comportamentos distintos e possíveis, sendo eles: revolta, frustração e trollagem. 8 Série criada por David Benioff e Daniel Weiss para a HBO. Baseada na série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, escritos por George R. R. Martin. A trama gira em torno de famílias nobres que disputam entre si por poder e influência para conquistar o domínio do Trono de Ferro. O primeiro episódio foi ao ar em 17 de abril de 2011. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Além disso, ao identificarmos os “avoiders”, isolamos dois comportamentos dentro dessa categoria. O primeiro abarcaria os fãs que evitam spoilers, afirmando que estavam abandonando as redes sociais. Já o segundo são os fãs que alertavam outros usuários da grande presença de spoilers nas redes. Essa união dos fãs corrobora os dados apontados por Schirra, Sun, e Bentley, que, ao analisarem a prática de livetweeting, afirmam que o Twitter é uma ferramenta que une uma comunidade de fãs que antes estava fragmentada (SCHIRRA, SUN, BENTLEY, 2014, p. 2442). Também reforça o estudo realizado nos Estados Unidos acerca dessa prática pelos fãs de Glee9 (2009-2015), o qual apontou que eles se sentiam conectados a um “público maior” ao comentar a série no Twitter durante sua exibição (MCPHERSON, et al, 2012, p. 168). Ao testar nossas hipóteses, encontramos que 3,69% do banco de dados reagem positivamente ao consumir spoilers. Dentre os dados favoráveis, é possível argumentar que embora sejam consideravelmente menores que os resultados negativos e neutros, ainda assim são representativos da existência de um grupo dentro do fandom que não só enxerga a atividade de consumir spoilers como prazerosa, mas também, são engajados por esse consumo. Uma possível razão para essa reação é o fato de que os spoilers, como um paratexto, poderiam preencher uma lacuna temporal dentro da exibição dos episódios, uma vez que a série é transmitida nos Estados Unidos primeiro e muitas vezes leva semanas para sua exibição na televisão fechada nacional. Assim, resta aos fãs acompanharem por links online durante a transmissão ou baixando o episódio após sua exibição. Os spoilers desse modo alimentariam a curiosidade desse grupo particular de fãs, que aguardam ansiosamente a cada novo episódio. Assim, os spoilers seriam uma forma de estender a experiência de consumo da série. 6. Conclusão 9 Série musical criada por Ryan Murphy, que narra a história de um grupo de adolescentes impopulares que se unem ao coral da escola, em busca de seus sonhos, fama, mas principalmente de aceitação. O primeiro episódio da série foi ao ar em 19 de maio de 2009 na emissora FOX. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) Grande parte da literatura acadêmica trata o spoiler como uma experiência negativa para a audiência, literalmente estragando o consumo do produto cultural. No entanto, argumentamos que o spoiler é um paratexto auxiliar que pode preparar o fã para assistir a série. De fato, há diversas informações que são publicadas para estimular a audiência, como sinopses, fotos, teasers, trailers, entrevistas e talk shows. Nesse sentido, há um conjunto de textos que circulam em torno do produto cultural principal. As conversas e postagens nas mídias sociais expandem esse espaço de conversação sobre as séries, engajando os fãs em dinâmicas de relacionamento, negociação e recontextualização de sentido. Este trabalho busca oferecer evidência empírica para testar apontamentos teóricos propostos na bibliografia acadêmica levantada. Assim, realizamos uma análise de conteúdo de uma amostra aleatória de n=217 com margem de erro de 5%, medindo a frequência de sete categorias de reação do público ao spoiler nas mídias sociais: frustrados, avoiders, revoltados, trolls, fãs, institucional e outros; e três valências: positivo, negativo e neutro. Nossos resultados mostram que na amostra estudada a maior parte das reações no Twitter foram negativas. Contudo, sugerimos que a repercussão dos spoilers tiveram modulações mais complexas, indo de frustrados a revoltados. Além disso, os spoilers despertam práticas subculturais entre os fãs, gerando dinâmicas de solidariedade entre os membros da comunidade, quando os avoiders avisam outros fãs para saírem das mídias sociais; e práticas de conflito, quando trolls espalham spoilers para debochar dos fãs e se divertirem com a performance de frustração nas redes. A categoria fãs de spoilers é um achado que aponta para a riqueza das relações da audiência com estes paratextos nas mídias sociais. Isso porque, embora quantitativamente reduzidos em comparação com a repercussão de valência negativa, os fãs de spoilers sugerem um relacionamento paralelo com estes paratextos, sem estragar a experiência de assistir o programa, mas a estimulando. Assim como há mais de um tipo de fã, também há mais de uma forma de acompanhar a série: assistir de forma sincronizada com os lançamentos originais nos Estados Unidos a partir de links PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) piratas e comunidades fãs; baixar vazamentos ripados no dia posterior, assinar um serviço de streaming, assistir na TV a cabo, na TV aberta, reassistir, comprar os DVDs ou acompanhar à distância pelos canais especializados de spoilers. Nesse sentido, a partir dos dados propostos neste trabalho sugerimos uma adaptação do conceito, argumentando que o spoiler é a quebra da ordem de recepção de uma informação sobre o roteiro que revela um cliffhanger 10 , segredo, acontecimento inesperado ou momento de clímax final, mas que não necessariamente provoca uma reação negativa. Ou seja, a reação ao spoiler não pode ser dada antecipadamente como frustrante do consumo. Pelo contrário, o spoiler deve ser estudado como um fenômeno multidimensional, levando em conta, ao menos três aspectos: (1) estilo do roteiro; (2) modo de vazamento do spoiler; e (3) preferências da audiência. De fato, as mídias sociais potencializam a possibilidade de quebra na ordem de recepção, na medida em que agrupam e orientam conversas de fãs sobre o conteúdo da série de temporalidades de exibição totalmente diferentes. Em Grey’s Anatomy, o spoiler da morte de Derek foi dado primariamente pela publicação da foto de uma entrevista do ator comentando o acontecido. Assim, as mídias sociais que atuaram na propagação do spoiler, antes, durante e depois da exibição do episódio. Por outro lado, cabe notar que nem toda estrutura narrativa das séries se desenvolve a partir do suspense por grandes resoluções no roteiro. De modo paralelo, o público não é homogêneo em suas razões e formas de ver o show. A experiência acontece em overflow, envolvendo processos transmídia e gerando comunidades fandom de discussão. Este trabalho realizou uma análise empírica da produção de sentido nas mídias sociais sobre Grey’s Anatomy, lançando evidências da relação complexa dos fãs com os paratextos. Contudo, é necessário pesquisar outros bancos de dados mais robustos e de outros produtos culturais para testar as categorias em Cliffhangers significam “à beira do precipício”, ou “à beira do abismo”. Eles são um recurso extremamente presentes em séries ficcionais televisivas e são marcados por acontecerem ao término do episódio, sempre deixando algum personagem com um dilema ou uma situação complicada, podendo muitas vezes deixar a personagem à beira da morte. 10 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) outros tipos de narrativas. A partir dos achados desse trabalho, é importante ressaltar a necessidade de se aprofundar a discussão através da combinação de análises semânticas com procedimentos qualitativos de entrevista e de etnografia. Referências ANDREJEVIC, M. Watching television without pity: The productivity of online fans. Television and New Media, 9, 24-46, (2008). BAYM, Nancy K., Tune In, Log On: Soaps, Fandom, and Online Community, London: Sage, 2000. BENEVENUTO, F. Explorando redes sociais online: Da coleta e análise de grandes bases de dados às aplicações. Mini-cursos do Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores (SBRC), 2011. BROOKER, Will. Living On Dawson’s Creek: Teen Viewers, Cultural Convergence, and Television Overflow. International Journal Of Cultural Studies 4: 456-472 (2001) DOERFEL, M. L. What constitutes semantic network analysis? A comparison of research and methodologies. Connections, 21(2), 16-26, 1998. FORD, Sam, KOSNIK, Abigail de, HARRINGTON, C. Lee. The Survival of Soap Opera: Transformations for a New Media Era. University Press of Mississippi, 2010. GIGLIETO, F., ROSSI, L., & BENNATO, D. The open laboratory: Limits and possibilities of using Facebook, Twitter, and YouTube as a research data source. Journal of Technology in Human Services, 30(3-4), 145-159, 2012. GENETTE, Gerard. Paratexts: The Thresholds of Interpretation, trans. Jane E. Lewin (Cambridge: Cambridge University Press, 1997). GRAY, Jonathan. Show Sold Separately: Promos, Spoilers and other Media Paratexts. New York & London: New York University Press, p. 23-46, 2010. GRAY, J, & MITTELL, J. Speculation on spoilers: Lost fandom, narrative consumption, and rethinking textuality. Particip@tions 4, no. 1 http://www.participations.org/Volume%204/Issue%201/4_01_graymittell.htm. 2007. GÜRSIMSEK Ö, DROTNER K. Lost spoiler practices: Online interaction as social participation. Participations. Journal of audience and reception studies. 11(2) p. 24-44. 2014. HASSOUN, D. Sequential Outliers: The role of spoilers in comic book reading. Journal of Graphic Novels and Comics, 4(2), 346-358, 2013. HAYES, Andrew F., KRIPPENDORFF, Klaus. Answering the call for a standard reliability measure for coding data. Communication methods and measures 1.1: 77-89, 2007. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) JENKINS H. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. New York: New York University Press. 2006. JOHNSON, B. K., & ROSENBAUM, J. E. Spoiler alert: Consequences of narrative spoilers for dimensions of enjoyment, appreciation, and transportation. Communication Research, 2014. LEAVITT, J, D., & CHRISTENFELD, N.J. S. Story Spoilers don’t spoil stories. Psychological Science, 22(9), p. 1152-1154, 2011. LEWIS, S. C., ZAMITH, R., HERMIDA, A. Content analysis in an era of big data: A hybrid approach to computational and manual methods. Journal of Broadcasting & Electronic Media, 57(1), 34-52, 2013. LYCARIÃO, D., DOS SANTOS, M. A. Bridging Semantic and Network Analysis in SNS: the Case of the Hashtag #vamosfalarsobreaborto (let’s talk about abortion) in an Ego Network on Twitter, Wapor: Buenos Aires, ARG, 2015 MCPHERSON, K. et al. Glitter: a mixed methods study of Twitter use during glee broadcasts. In Proc. CSCW ’12, ACM, 167-170, 2012. QIN, J. Hero on Twitter, Traitor on News How Social Media and Legacy News Frame Snowden. The International Journal of Press/Politics, 20(2), pp.166 –184, 2015. QUICK, B. L. The Effects of Viewing Grey’s Anatomy on Perceptions of Doctors and Patient Satisfaction. In Journal of Broadcasting & Electronic Media/March, Routledge, p. 38-55, 2009. SCHIRRA, S, SUN, H., & BENTLEY, F. Together Alone: Motivations for Live-Tweeting a Television Series, to appear in Proc CHI. ACM Press, p. 2441-2450, 2014. SHAH, D. V., CAPELLA, J. N., & NEUMAN, W. R. Big Data, Digital Media, and Computational Social Science Possibilities and Perils. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, 659(1), 6-13, 2015 RECUERO, R. Contribuições da Análise de Redes Sociais para o estudo das redes sociais na Internet: o caso da hashtag# Tamojuntodilma e# CalaabocaDilma. Fronteiras-estudos midiáticos, 16(2), 60-77, 2014. RUSSELL, M. G., et al. Semantic analysis of energy-related conversations in social media: A Twitter case study. International Conference of Persuasive Technology, Columbus, OH, USA, 2011. SMITH, Marc A. et al. Analyzing (social media) networks with NodeXL. In: Proceedings of the fourth international conference on Communities and technologies. ACM, p. 255-264, 2009. VAN DJICK, J., & POELL, T. Understanding social media logic. Media and Communication, 1(1), 2-14, 2013.