O Individualismo Metodológico Marxista

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1º Semestre de 2009 Revista
FACOM
Nº21
O Individualismo Metodológico Marxista
e a contribuição epistemológica de sua crítica
à abordagem marxista tradicional
Fábio Lacerda Soares Pietraroia
Resumo
Abstract
Vencendo velhos preconceitos
metodológicos, autores marxistas individualistas têm demonstrado
a insuficiência das abordagens marxistas
holistas para a compreensão das contradições
presentes no comportamento coletivo.
Em outras palavras, o apelo exclusivo às categorias macrossociais resulta inadequado
para um entendimento satisfatório das atitudes
individuais conflitantes dentro de uma mesma
classe ou grupo de interesses. Sem entender
as contradições entre os interesses individuais, o
comportamento coletivo pode parecer tomar direções absolutamente irracionais ou inexplicáveis.
While destroying old methodological prejudices,
individualistic Marxists have proved that holistic
approaches are not sufficient to understand
all the contradictions which do exist in
collective behavior. In other words,
using only macrossocial concepts is
not enough to comprehend shocking
individualist behaviors within a social
class or group. Without understanding the
contradictions prevailing among the individual
interests, the collective behavior mistakenly
seems to take totally irrational and inexplicable
directions.
Palavras-chave: Epistemologia, Individualismo,
Marxismo, Política.
Keywords: Epistemology, Individualism, Marxism,
Politics.
“É sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar.”
(Gilberto Gil)
Bastante influente nos estudos da comunicação, a abordagem marxista frequentemente está
presente através, por exemplo, de escolas de pensamento como a autodenominada Teoria
Crítica (também conhecida como Escola de Frankfurt) ou por meio dos estudos fundamentados na semiótica bakhtiniana. Atualmente, as melhores faculdades de comunicação reservam
um espaço importante em seus currículos para disciplinas como sociologia ou epistemologia.
Contudo, nem sempre o estudo das categorias conceituais marxistas é feito acompanhado de
uma análise suficientemente crítica, reduzindo-se – muitas vezes – a uma leitura simplista de
conceitos clássicos, tais como “Estado”, “classe social”, etc.
1
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Traçaremos a seguir uma problematização desta
questão à luz das contribuições do individualismo metodológico.
O individualismo metodológico desenvolveu-se,
a partir da crítica a uma suposta insuficiência da
análise “coletivista”1 do marxismo clássico, para
dar conta de fatores como o curto prazo, como
as divergências internas e a falta de organização
entre os membros de uma mesma classe social
(que teoricamente teriam os mesmos interesses
fundamentais, mas que chegam a agir de maneiras diametralmente opostas e mesmo contraditórias entre si), etc. Por exemplo, a despeito do argumento bastante plausível de que o comunismo
científico - da forma como foi idealizado por Marx
e Engels - nunca tenha sequer chegado perto
de existir, seria problemático explicar a desestruturação das experiências do Socialismo Real
com base apenas no instrumental analítico
do holismo metodológico. Seria difícil negligenciar o fato de que a corrupção,
o mercado paralelo, o favoritismo e o individualismo privatista
(que proliferaram nos países do
chamado “socialismo real”) estavam
entre os principais fatores do fracasso
daquelas experiências. Neste sentido,
mesmo que se apelasse para a teoria de
que jamais existira um verdadeiro socialismo,
mas sim um mero capitalismo de Estado, um
holismo ortodoxo parece insuficiente para esclarecer as transformações do Leste Europeu ou da
ex-URSS.
Um individualista metodológico diria que estes
são apenas alguns exemplos que evidenciam
a necessidade de uma análise complementar
que fosse além das fronteiras das categorias
analíticas macrossociológicas da teoria holista
clássica. A vertente marxista do individualismo
metodológico se propõe exatamente a fazer tal
análise. Como afirma Adam Przeworski:
“O desafio específico lançado ao marxismo, no que
se trata da teoria da ação, é o de fornecer uma explicação das ações individuais dentro de certas condições, ou seja, de fornecer os micro-fundamentos à
teoria da história.” 2
2
Jon Elster, por exemplo, critica o marxismo “coletivista” dizendo que, “de acordo com aquela concepção, a história é a auto-ação da Humanidade,
do homem mais do que dos homens.”3
Os marxistas individualistas não deixam
de ver a História como a “história das
lutas de classe” (tese presente n’O Manifesto do Partido Comunista). Mas eles
passam também a investigar como os
indivíduos que compõem estas classes
agem isoladamente.4 Eles detectam,
então, que nem sempre os indivíduos
agem na mesma direção, muito embora
normalmente se possa reconhecer uma
direção geral para a qual se movimenta
a classe como um todo. Logo, do ponto de
vista microssociológico, a História é também
vista como o resultado do embate permanente entre diferentes indivíduos, idéias e
interesses no curto prazo.5 Talvez ela seja
linear, mas certamente é uma linha tortuosa.
Decifrar as suas sinuosidades passa a ser
também uma preocupação do sociólogo.
Os marxistas individualistas também costumam acusar o holismo de acabar, muitas
vezes, fornecendo explicações do tipo funcionalista, onde o excessivo apelo a entidades supra-individuais como a ideologia,
a classe capitalista ou o Estado, passaria a
enganosa impressão de que elas têm vida
própria.
Segundo Elster, “o coletivismo metodológico
se alia à explicação funcionalista, a qual analisa os fenômenos sociais invocando mais
suas conseqüências que suas causas.”6
Todavia, é importante lembrar que a versão
marxista constitui tão somente uma das
variantes do individualismo metodológico.
Sob a denominação “individualismo” residem diversas escolas filosóficas, teológicas,
econômicas e sociológicas, de esquerda e
de direita, muitas vezes completamente excludentes entre si. Poderíamos usar - como
exemplos disso - desde o cristianismo nas
suas origens, passando por contratualistas
como Hobbes ou Rousseau, até o neoliberalismo, dentre vários outros.7 O termo “individualismo metodológico” foi inventado, no
início deste século, pelo teórico de origem
austríaca Joseph Alois Schumpeter, o qual já
chamava a atenção para o fato de o individualismo metodológico não necessariamente
guardar alguma relação com o liberalismo ou
com o individualismo político.8
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Portanto, até hoje coexistem formas individualistas de esquerda (por exemplo: Pierre Bourdieu,
Jon Elster, etc) com as formas individualistas de
direita (por exemplo: Milton Friedman, James
McGill Buchanan, Anthony Downs etc). Da mesma maneira, ainda subsiste o preconceito que vê
o individualismo como uma vertente somente “de
direita”. Tal preconceito pode facilmente ser explicado, porque, de acordo com Przeworski,
“Há não muito tempo, parecia possível traçar uma
fronteira clara e nítida entre o marxismo e a ‘ciência social burguesa’. O comportamento individual
era percebido pelos marxistas como expressão de
posições de classe. Os economistas burgueses o
viam, ao contrário, como uma ação racional e movida por interesses. Os atores que faziam a história
avançar eram as classes, as coletividades-em-luta; os atores burgueses eram consumidores-cidadãos-indivíduos que, além disso, se reagrupavam
às vezes em efêmeros ‘grupos de interesse’. Para
os marxistas, a relação central que organizava a
sociedade capitalista era o conflito irreconciliável
de interesses de duas classes antagônicas: a visão burguesa - ao contrário - colocava ênfase na
harmonia fundamental dos interesses. Enfim, os
marxistas viam a sociedade capitalista como uma
sociedade dominada economicamente e politicamente pelos capitalistas, enquanto que os pensadores burgueses viam no mercado concorrencial
o governo das entidades neutras e universais.”9
Conforme Przeworski, esta fronteira hoje em dia
já não pode ser traçada de forma muito nítida
porque tanto a teoria da escolha racional, quanto
o marxismo se tornaram dois corpos heterogêneos que se influenciam mutuamente e estão em
rápida evolução. Pode-se, portanto, dizer que os
economistas e suas teorias individualistas invadiram todos os ramos das ciências sociais e têm
tido enorme influência intelectual também sobre
as análises marxistas. Atualmente tornou-se
comum analisar problemas marxistas clássicos
através da visão da Public Choice School, buscando um equilíbrio geral entre indivíduos (bem
informados) que fazem uma escolha racional
com relação a fins e interesses.10
O individualismo metodológico de esquerda
surgiu a partir da crítica ao apelo exagerado às
entidades supra-individuais (Estado, forças produtivas, classes sociais, ideologias, etc) para a
explicação de praticamente todos os fenômenos
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sociais, notadamente os micro-fenômenos. Neste sentido, o individualismo sociológico é assumidamente uma forma
de reducionismo, já que propõe a análise
do complexo em termos do mais simples,
porém aparentemente apresentaria certas vantagens:
“Há essencialmente duas razões pelas
quais a explicação do macro pelo micro
é preferível àquela do macro pelo macro.
Por um lado, há uma razão estética: mesmo sendo a explicação macro-macro robusta e confiável, é sempre mais satisfatório abrir a caixa-preta e ver as peças do
mecanismo. Por outro lado, há uma razão
mais propriamente científica: ao descer do
macro para o micro, nós passamos simultaneamente do longo para o curto prazo, o
que reduz o risco de confundir explicação
com correlação ou o risco de pensar que
uma lei, da qual um certo acontecimento
necessita, permite sempre explicá-lo.”11
Mas o fato de o individualismo ser um
reducionismo “assumido” não permite
a conclusão de que ele seja - por isso simplista ou isolacionista. Pelo contrário,
ele procura centrar sua atenção nas interrelações entre os agentes individuais.
Para os marxistas individualistas, por
exemplo, a utilização de alguns elementos do individualismo metodológico não
necessariamente exclui uma análise
macrossociológica, mas, via-de-regra, a
complementa e dá mais elementos para
a sua compreensão. Assim, os marxistas
individualistas detectaram, por exemplo,
que - o Estado burguês embora exerça
(com sua burocracia, seus aparatos legal
e repressivo, etc) um papel crucial no processo de dominação de classe e na própria reprodução do modo-de-produção
vigente que não pode ser subestimado
- nem sempre parece agir de maneira coesa ou mesmo coerente com estes objetivos. Segundo eles, isto demonstra que
o Estado jamais deveria ser concebido
como um agente monolítico, pois há conflitos de interesses tanto entre o Estado
e as classes sociais, como entre o chefede-Estado e seus agentes.
3
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Tais conflitos explicariam a maneira tortuosa através da qual o Estado burguês acaba exercendo
sua função mantenedora da ordem capitalista.
Conforme os individualistas, não basta saber
qual a função do Estado, também é preciso desenredar a complexidade de seus mecanismos
de atuação, inclusive no nível microssociológico.
É importante frisar, entretanto, que os individualistas não se eximem de atentar para as inter-relações entre as unidades em estudo. Muito pelo
contrário, como já havíamos adiantado, mais que
os indivíduos, as relações estabelecidas entre
eles são o foco central da atenção dos individualistas; o que - de certo modo - não deixa de ser
uma análise “macrossociológica” às avessas.
Em contrapartida às críticas recebidas dos individualistas, os holistas metodológicos acusam os
individualistas de caírem num atomismo racionalista injustificável. Com isso, eles tenderiam a
atribuir uma importância excessiva a certos fatores (individuais) e a subestimar outros (sociais).
Muitas vezes, estas acusações pressupõem
uma estreita conexão entre o individualismo metodológico e os valores e modelos mentais dos
capitalismo liberal. Na visão de Alain Laurent,
além de fazer uma conexão que nem sempre é
verdadeira, este último tipo de acusação seria o
mais discriminatório de todos.12
Elster defende-se destas acusações de “atomismo”, ressaltando a questão da interdependência
entre as partes e sublinhando que
“o individualismo metodológico não é uma doutrina atomista, que se limitaria às relações extrínsecas ou casuais entre os agentes sociais, à imagem
de choques entre bolas de bilhar. Ele é perfeitamente compatível com a idéia de que há conexões
intrínsecas ou intencionais. Por um lado, nós encontramos o fenômeno da interdependência entre
as utilidades, no altruísmo, na inveja e em sentimentos semelhantes. Por outro lado, há o fato da
interdependência das decisões, da maneira como
a estuda a teoria dos jogos. Ora, para que haja interdependência, é preciso evidentemente que as
entidades assim ligadas entre si sejam distintas:
é o que afirma o individualismo metodológico”.13
Laurent também tece severas críticas àqueles
que acusam o individualismo metodológico de
ser um mero reducionismo atomista:
4
“Nós sabemos que, contrariamente ao que
tem sido frequentemente dito por desconhecimento ou por discurso indevido, ele
[o individualismo metodológico] não se
reduz a um caminho simplistamente reducionista e mecanicamente simplificador,
inelutavelmente atomista, fixo e monolítico, impregnado de racionalismo e de psicologismo sumários para as explicações
viciadas por um economismo hipertrofiado
e exclusivamente centrado na soma de indivíduos auto-suficientes.”14
Todavia é também incorreto afirmar que
o marxismo holista tenha negligenciado o
fato de as classes sociais não serem um
todo homogêneo (em que todos os membros sempre agiriam na mesma direção).
O estudo dos “desencontros” no nível
microssociológico simplesmente não era
visto como pertinente pelos holistas. Parece simplista afirmar que o marxismo via
as classes sociais como realidades “compactas”.
No entanto, esta questão é polêmica.
Na opinião de Przeworski, por exemplo, o individualismo metodológico traz
à tona certas questões que por muito
tempo vinham sendo insatisfatoriamente
respondidas pelo holismo metodológico
clássico. Uma destas questões residiria
nas noções de consciência e de organização de classe. Conforme Przeworski, é
problemático acreditar que todos os burgueses ou que todos os proletários agem
sempre em direção à defesa dos seus
interesses de classe, ou que eles o fazem
racionalmente ou ainda de forma organizada. Para Przeworski, os marxistas repetiam indiretamente o modo de explicação psicossociológica dos funcionalistas,
os quais
“analisavam todo comportamento individual como a expressão interiorizada da
sociedade, o que implicava em que todas
as pessoas expostas às mesmas normas e
aos mesmos valores deviam se comportar
de maneira semelhante (...).”15
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A diferença, segundo Przeworski, entre a explicação funcionalista e a dos marxistas, seria que
os últimos deduzem o comportamento individual
da posição de classe.
Przeworski sustenta que, segundo o marxismo
holista, tudo o que é importante na História se
produziria no nível das forças, das estruturas,
das coletividades e não no nível dos indivíduos: os micro-fundamentos seriam, portanto, no
melhor dos casos, não mais que um instrumento
supérfluo que poderia permitir a explicação de
variações menores. “O marxismo era uma teoria da história desprovida de todas as ações das
pessoas que fazem esta história.”16
O raciocínio individualista leva à conclusão de
que diferentes pessoas pertencentes à mesma
classe social podem reagir de formas distintas,
mesmo quando expostas às mesmas condições.
Então, a previsibilidade - no nível individual - dos
comportamentos político e econômico segue
uma lógica distinta (mas não totalmente independente) daquela que se pode aplicar no nível
macrossociológico às classes sociais, por exemplo. Elster chega a afirmar textualmente que
“uma classe, enquanto tal, não saberia agir. A
noção de ação coletiva não é senão um modo de
falar; na realidade, só os indivíduos são capazes
de agir.”17
No entanto, o individualismo metodológico de
esquerda não nos permite concluir daí que vivemos num mundo de homens hobbesianos movidos exclusivamente por interesses próprios.
Vale lembrar que Elster defende a hipótese de
que nem todos os indivíduos agem egoistamente, como pretendem alguns autores da Public
Choice School. Segundo ele, existe toda uma
gama de motivações altruístas e morais capazes
de induzir os indivíduos à cooperação (esta seria uma das principais razões pelas quais alguns
decidem fazer a greve, apesar de saberem que
poderiam se beneficiar de seus resultados sem
dela participar, ou seja, sem correr riscos ).18
Não obstante, nem todas as motivações seriam racionais (no sentido estrito da palavra),
já que a própria hipótese de racionalidade teria
suas falhas. Para contestá-la, Elster utiliza-se
de uma variação célebre do Dilema do Prisioneiro, o “Paradoxo do Eleitor” (este paradoxo,
é importante frisarmos, foi anteriormente apontado por Anthony Downs19 ): Sabemos que é
melhor (leia-se mais racional) que o nosso candidato receba o maior número possível de vo-
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tos; entretanto, estando cientes de que o
nosso próprio voto não tem senão uma
influência infinitesimal sobre o resultado
final das urnas, muitos de nós – sobretudo em países onde o voto não é obrigatório - preferem não se darem ao trabalho
de irem às urnas. Consequentemente, a
explicação do comportamento político requer - conforme esta visão - uma relativização dos conceitos de “racionalidade”
e de “comportamento racional”. Do ponto
de vista de um eleitor isolado, pode fazer mais sentido dar-se ao luxo de deixar
de favorecer seu candidato ao abster-se
de votar (poupando, assim, o tempo e o
trabalho de ir até a zona eleitoral), visto
que as chances de seu voto alterar os resultados das urnas - no limite - tendem a
zero.20 Entretanto, imaginemos se todos
os eleitores de um determinado partido
pensassem assim: ninguém votaria e o
partido perderia as eleições. Portanto, o
que parece ser racional para um indivíduo isolado (o eleitor), é, ao mesmo tempo, irracional para a classe social ou o
grupo de interesses a que ele pertence
e vice-versa.
O “Paradoxo do Eleitor” revela, assim,
que - às vezes - as ações individuais podem ser orientadas por interesses coletivos ou morais. Caso contrário, ninguém
votaria.
Neste sentido, Bassford salienta que à
medida que o Dilema do Prisioneiro21(do
qual o Paradoxo do Eleitor é apenas
uma variante) serve como fundamento
para a refutação da tese do interesse
individual puro, ele também revela um
outro fato: uma obrigação moral coletiva; o que significa que outros membros
da sociedade (que não o indivíduo em
questão) também têm de ser levados em
consideração nas decisões relativas às
ações individuais.
Em suma, Elster baseia sua explicação
para a ação coletiva na hipótese de que
os indivíduos agem racionalmente (muito
embora esta racionalidade deva ser redefinida, como acabamos de ver), mas não
necessariamente egoistamente.
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Haveria um leque de motivações morais e altruístas capaz de mobilizar a cooperação. Mais
do que isso, Elster crê que, numa coletividade,
frequentemente existem algumas pessoas fortemente motivadas à cooperação, cuja presença
criaria um efeito “bola de neve”, fazendo com
que outros (que permaneceriam passivos caso
estivessem sozinhos) se envolvessem.
Por outro lado, uma das deduções do individualismo metodológico é a de que as pessoas que
compartilham da mesma situação social, funcional, econômica etc, e dos mesmos interesses
não necessariamente agirão visando promover
estes interesses coletivos, nem o farão uniformemente, na mesma direção ou de maneira conjunta. Com relação a esta teoria “individualizada” do
comportamento, Przeworski nos atenta:
“A questão central que o individualismo metodológico coloca é a seguinte: em quais condições
(entre “sempre” e “nunca”) a solidariedade (a cooperação de classe) é racional para os trabalhadores individuais ou para os grupos particulares
de trabalhadores? Uma instigante resposta a esta
pergunta foi proposta por Michaël Wallerstein22 ,
mostrando que (...) os sindicatos tentam organizar
todos os trabalhadores que estão em concorrência dentro do mesmo mercado de trabalho e somente estes trabalhadores (...).”23
Poderíamos afirmar que os sindicatos - em contraposição à lógica puramente do indivíduo - tentam desenvolver uma racionalidade macrossocial (que também poderia ser denominada, em
certas circunstâncias, “consciência de classe”)
que se sobreponha à tendência à atomização
dos trabalhadores.
1 Embora a expressão chegue às vezes a adquirir uma
6
conotação pejorativa, o holismo metodológico tem sido
comumente chamado de “coletivismo metodológico” por
alguns autores individualistas. É o caso, por exemplo, de
Elster (Vide ELSTER, Jon. “Marxisme et Individualisme
Méthodologique” In: BIRNBAUM, Pierre & LECA, Jean
(orgs.). Sur L’Individualisme. Paris: Presses de La Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1991.).
2 PRZEWORSKI, Adam. “Le Défi de L’Individualisme
Méthodologique À L’Analyse Marxiste” In: BIRNBAUM,
Pierre & LECA, Jean (orgs.). Sur L’Individualisme.
Paris: Presses de La Fondation Nationale des
Sciences Politiques, 1991. p.80.
3 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.60.
4 Elster defende que somente este tipo de
análise seria capaz de suprir certas lacunas
que - segundo ele - teriam sido deixadas pela
teoria marxiana: “Marx (...) não resolve de verdade o seguinte problema: como uma classe
social chega a promover o seu interesse coletivo já que ele difere dos interesses individuais
dos membros da classe?” in ELSTER, Jon.
Op. Cit. p.67.
5 Embora não tenha sido um autor marxista,
Schumpeter (considerado um dos pais do individualismo) também alertava para a necessidade de se atentar para o curto prazo: “a história consiste numa sucessão de situações de
curto prazo que podem alterar definitivamente
o curso dos acontecimentos” in SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. P.330.
6 ELSTER, J. Op. Cit. p.60.
7 Para mais informações, vide DUMONT, Louis.
O individualismo – Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro:
Rocco, 1993. Vide também: LAURENT, Alain.
L’Individualisme Méthodologique.
Paris: Presses Universitaires de France, 1963.
8 “Schumpeter, o inventor do termo ‘individualismo metodológico’, já insistia na ausência de
ligação com o liberalismo ou o individualismo
político. A idéia deveria ser evidente, entretanto subsiste um forte preconceito que coloca o
individualismo metodológico naturalmente à
direita. Durkheim - seu adversário mais célebre - foi certamente um homem de esquerda
[sic]; os economistas austríacos - seus defensores mais entusiasmados - se colocam nitidamente à direita.
Hoje em dia, a mesma oposição é encontrada entre Pierre Bourdieu e Raymond Boudon,
para não citar outros.
É preciso, contudo, lembrar que também há
um organicismo de direita; por que não haveria um individualismo de esquerda?” in ELSTER, J. Op. Cit. p.63.
9 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p.78.
Laurent também salienta que o individualismo foi por muito tempo estigmatizado como
reducionista devido sobretudo à influência
dos autores liberais nele. Conforme Laurent,
o individualismo metodológico “suscitou resistências e rejeições freqüentemente ligadas a
mal-entendidos ou deformações que relacionavam bastante arbitrariamente o individualismo metodológico a um ‘atomismo lógico’ ou
a um psicologismo que tenderia a reduzir a
sociedade a uma simples soma de indivíduos
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isolados - quando não a um problemático acompanhamento ideológico da moda passageira do individualismo liberal; ele mesmo reduzido ao plano da apologia
a um homo oeconomicus egoísta e utilitarista (...)”. in
LAURENT, A. Op. Cit. p.6. Elster também salienta que
esta relação entre o individualismo metodológico e o
homo oeconomicus é, a priori¸ indevida: “Entre os malentendidos a serem descartados, comecemos pela
idéia de que o individualismo metodológico comporta
uma teoria de motivações individuais. A doutrina não
criou nenhuma presunção para os motivos racionais,
nem para o comportamento egoísta. Sem dúvida, há
boas razões para dar uma primazia metodológica ao
racional com relação ao irracional, assim como às
motivações egoístas com relação às motivações nãoegoístas, mas estas razões não decolam do princípio
individualista. Além disso, esta primazia metodológica
não exclui em nada (...) que em casos específicos,
seja preciso explicar o comportamento dos atores em
termos de motivações irracionais e não-egoístas.” in
ELSTER, Jon. Op. Cit. p.62.
10Vide PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 77-8.
11 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.61.
12 Vide LAURENT, A. Op. Cit. p.84.
13 ELSTER, Jon. Op. Cit.. p.63.
14 LAURENT, A. Op. Cit. p.119.
15 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 80-81. Nas páginas 81 e 82, Przeworski prossegue, criticando o holismo marxista: “Não se pode mais considerar as ações
dos indivíduos como determinadas por sua posição de
classe: é indispensável distinguir cuidadosamente os
estudos centrados nos indivíduos, daqueles voltados
para as coletividades e submeter à crítica, a atribuição
do estatuto de ator coletivo ao ‘capital’, à ‘classe trabalhadora’ ou ao ‘Estado’, para verificar, um a um, se
a ação coletiva é coerente com as racionalidades individuais. O desafio que deriva da teoria da escolha racional é, por conseguinte, claro: só é satisfatória uma
teoria capaz de explicar a história em termos de ações
de indivíduos racionais guiados por um objetivo. Toda
teoria da sociedade deve se fundar sobre esta base:
este é o desafio.”
16 Idem. Ibidem. p. 81.
17 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.67.
18 Alguns autores individualistas utilitaristas (como Mancur Olson Jr.) fornecem uma explicação alternativa à de
Elster para o fato de as pessoas fazerem a greve: haveria custos sociais envolvidos numa eventual não adesão
a ela. Sendo o homem típico, conforme os utilitaristas,
egoísta e racional, então ele pesaria custos X benefícios
marginais e possivelmente concluiria que seria mais vantajosa a sua adesão.
Veja o que diz Barry, ao analisar a obra de Olson:
“As greves podem envolver um sacrifício substancial do trabalhador e de sua família. Mas aqui ‘incentivos seletivos’ atuam plenamente: ostracismo
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e violência verbal ou mesmo física podem
muito bem serem infligidos contra quem fure
a greve.
É fácil observar que isto é essencial para
fazer com que deixe de valer a pena para
o empregado continuar trabalhando (...)”.
in BARRY, B. Sociologists, Economists and
Democracy. Londres, Butler & Tanner Ltd.,
1970. p. 43-4.
19 Vide DOWNS, Anthony. Teoría Económica
de La Democracia. Madri: Aguilar, 1973. p.
288-293.
20 Frente a este paradoxo, parece fazer sentido esta incômoda observação de Brennan:
“votar, no nosso ponto de vista, é muito mais
parecido com torcer numa partida de futebol
do que escolher um portfolio de valores, porque ao votar a ‘expressão da preferência’ por
qualquer votante individual é crucialmente divorciada do resultado eleitoral.” in BRENNAN,
Geoffrey. “The Contribution of Economics” In:
GOODIN, Robert E. & PETTIT, PHILIP (orgs.).
A Companion to Contemporary Political Philosophy. Blackwell Publishers. p.151.
21 Vide BASSFORD, Jason. “The Prisoner’s
Dilemma: A Stepping Stone to The Refutation
of Pure Self-Interest and A Guide to Political
and Moral Obligation”. Disponível em: <www.
dante.com/users/jasonb/phil/page_prisoner_
start.html> Visitado em 15/02/02.
22 Vide WALLERSTEIN, M. The Micro-Foundations of Corporatism: Formal Theory and
Comparative Analysis. Trabalho apresentado no encontro anual da American Political
Science Association, Washington D.C., 1984;
e WALLERSTEIN, M. Working class solidarity
and rational behavior, PhD dissertation, University of Chicago, 1985.
23 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 91.
Fábio Lacerda Soares Pietraroia
Professor de Teoria e Método de Pesquisa na FACOMFAAP. Economista, Cientista Social e Mestre em Ciência Política pela UNICAMP. Doutor em Comunicação
Social pela USP. Pós-graduado em Estudos da Paz,
do Desenvolvimento e Resolução de Conflitos pela
EPU - Áustria. Pós-graduado em Estudos da Mídia
pela Universidade de Oslo – Noruega. Ex-pesquisador visitante da Revista The Bulletin of the Atomic
Scientists nos Estados Unidos.
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