1º Semestre de 2009 Revista FACOM Nº21 O Individualismo Metodológico Marxista e a contribuição epistemológica de sua crítica à abordagem marxista tradicional Fábio Lacerda Soares Pietraroia Resumo Abstract Vencendo velhos preconceitos metodológicos, autores marxistas individualistas têm demonstrado a insuficiência das abordagens marxistas holistas para a compreensão das contradições presentes no comportamento coletivo. Em outras palavras, o apelo exclusivo às categorias macrossociais resulta inadequado para um entendimento satisfatório das atitudes individuais conflitantes dentro de uma mesma classe ou grupo de interesses. Sem entender as contradições entre os interesses individuais, o comportamento coletivo pode parecer tomar direções absolutamente irracionais ou inexplicáveis. While destroying old methodological prejudices, individualistic Marxists have proved that holistic approaches are not sufficient to understand all the contradictions which do exist in collective behavior. In other words, using only macrossocial concepts is not enough to comprehend shocking individualist behaviors within a social class or group. Without understanding the contradictions prevailing among the individual interests, the collective behavior mistakenly seems to take totally irrational and inexplicable directions. Palavras-chave: Epistemologia, Individualismo, Marxismo, Política. Keywords: Epistemology, Individualism, Marxism, Politics. “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar.” (Gilberto Gil) Bastante influente nos estudos da comunicação, a abordagem marxista frequentemente está presente através, por exemplo, de escolas de pensamento como a autodenominada Teoria Crítica (também conhecida como Escola de Frankfurt) ou por meio dos estudos fundamentados na semiótica bakhtiniana. Atualmente, as melhores faculdades de comunicação reservam um espaço importante em seus currículos para disciplinas como sociologia ou epistemologia. Contudo, nem sempre o estudo das categorias conceituais marxistas é feito acompanhado de uma análise suficientemente crítica, reduzindo-se – muitas vezes – a uma leitura simplista de conceitos clássicos, tais como “Estado”, “classe social”, etc. 1 Nº21 Revista FACOM 1º Semestre de 2009 Traçaremos a seguir uma problematização desta questão à luz das contribuições do individualismo metodológico. O individualismo metodológico desenvolveu-se, a partir da crítica a uma suposta insuficiência da análise “coletivista”1 do marxismo clássico, para dar conta de fatores como o curto prazo, como as divergências internas e a falta de organização entre os membros de uma mesma classe social (que teoricamente teriam os mesmos interesses fundamentais, mas que chegam a agir de maneiras diametralmente opostas e mesmo contraditórias entre si), etc. Por exemplo, a despeito do argumento bastante plausível de que o comunismo científico - da forma como foi idealizado por Marx e Engels - nunca tenha sequer chegado perto de existir, seria problemático explicar a desestruturação das experiências do Socialismo Real com base apenas no instrumental analítico do holismo metodológico. Seria difícil negligenciar o fato de que a corrupção, o mercado paralelo, o favoritismo e o individualismo privatista (que proliferaram nos países do chamado “socialismo real”) estavam entre os principais fatores do fracasso daquelas experiências. Neste sentido, mesmo que se apelasse para a teoria de que jamais existira um verdadeiro socialismo, mas sim um mero capitalismo de Estado, um holismo ortodoxo parece insuficiente para esclarecer as transformações do Leste Europeu ou da ex-URSS. Um individualista metodológico diria que estes são apenas alguns exemplos que evidenciam a necessidade de uma análise complementar que fosse além das fronteiras das categorias analíticas macrossociológicas da teoria holista clássica. A vertente marxista do individualismo metodológico se propõe exatamente a fazer tal análise. Como afirma Adam Przeworski: “O desafio específico lançado ao marxismo, no que se trata da teoria da ação, é o de fornecer uma explicação das ações individuais dentro de certas condições, ou seja, de fornecer os micro-fundamentos à teoria da história.” 2 2 Jon Elster, por exemplo, critica o marxismo “coletivista” dizendo que, “de acordo com aquela concepção, a história é a auto-ação da Humanidade, do homem mais do que dos homens.”3 Os marxistas individualistas não deixam de ver a História como a “história das lutas de classe” (tese presente n’O Manifesto do Partido Comunista). Mas eles passam também a investigar como os indivíduos que compõem estas classes agem isoladamente.4 Eles detectam, então, que nem sempre os indivíduos agem na mesma direção, muito embora normalmente se possa reconhecer uma direção geral para a qual se movimenta a classe como um todo. Logo, do ponto de vista microssociológico, a História é também vista como o resultado do embate permanente entre diferentes indivíduos, idéias e interesses no curto prazo.5 Talvez ela seja linear, mas certamente é uma linha tortuosa. Decifrar as suas sinuosidades passa a ser também uma preocupação do sociólogo. Os marxistas individualistas também costumam acusar o holismo de acabar, muitas vezes, fornecendo explicações do tipo funcionalista, onde o excessivo apelo a entidades supra-individuais como a ideologia, a classe capitalista ou o Estado, passaria a enganosa impressão de que elas têm vida própria. Segundo Elster, “o coletivismo metodológico se alia à explicação funcionalista, a qual analisa os fenômenos sociais invocando mais suas conseqüências que suas causas.”6 Todavia, é importante lembrar que a versão marxista constitui tão somente uma das variantes do individualismo metodológico. Sob a denominação “individualismo” residem diversas escolas filosóficas, teológicas, econômicas e sociológicas, de esquerda e de direita, muitas vezes completamente excludentes entre si. Poderíamos usar - como exemplos disso - desde o cristianismo nas suas origens, passando por contratualistas como Hobbes ou Rousseau, até o neoliberalismo, dentre vários outros.7 O termo “individualismo metodológico” foi inventado, no início deste século, pelo teórico de origem austríaca Joseph Alois Schumpeter, o qual já chamava a atenção para o fato de o individualismo metodológico não necessariamente guardar alguma relação com o liberalismo ou com o individualismo político.8 1º Semestre de 2009 Revista Portanto, até hoje coexistem formas individualistas de esquerda (por exemplo: Pierre Bourdieu, Jon Elster, etc) com as formas individualistas de direita (por exemplo: Milton Friedman, James McGill Buchanan, Anthony Downs etc). Da mesma maneira, ainda subsiste o preconceito que vê o individualismo como uma vertente somente “de direita”. Tal preconceito pode facilmente ser explicado, porque, de acordo com Przeworski, “Há não muito tempo, parecia possível traçar uma fronteira clara e nítida entre o marxismo e a ‘ciência social burguesa’. O comportamento individual era percebido pelos marxistas como expressão de posições de classe. Os economistas burgueses o viam, ao contrário, como uma ação racional e movida por interesses. Os atores que faziam a história avançar eram as classes, as coletividades-em-luta; os atores burgueses eram consumidores-cidadãos-indivíduos que, além disso, se reagrupavam às vezes em efêmeros ‘grupos de interesse’. Para os marxistas, a relação central que organizava a sociedade capitalista era o conflito irreconciliável de interesses de duas classes antagônicas: a visão burguesa - ao contrário - colocava ênfase na harmonia fundamental dos interesses. Enfim, os marxistas viam a sociedade capitalista como uma sociedade dominada economicamente e politicamente pelos capitalistas, enquanto que os pensadores burgueses viam no mercado concorrencial o governo das entidades neutras e universais.”9 Conforme Przeworski, esta fronteira hoje em dia já não pode ser traçada de forma muito nítida porque tanto a teoria da escolha racional, quanto o marxismo se tornaram dois corpos heterogêneos que se influenciam mutuamente e estão em rápida evolução. Pode-se, portanto, dizer que os economistas e suas teorias individualistas invadiram todos os ramos das ciências sociais e têm tido enorme influência intelectual também sobre as análises marxistas. Atualmente tornou-se comum analisar problemas marxistas clássicos através da visão da Public Choice School, buscando um equilíbrio geral entre indivíduos (bem informados) que fazem uma escolha racional com relação a fins e interesses.10 O individualismo metodológico de esquerda surgiu a partir da crítica ao apelo exagerado às entidades supra-individuais (Estado, forças produtivas, classes sociais, ideologias, etc) para a explicação de praticamente todos os fenômenos FACOM Nº21 sociais, notadamente os micro-fenômenos. Neste sentido, o individualismo sociológico é assumidamente uma forma de reducionismo, já que propõe a análise do complexo em termos do mais simples, porém aparentemente apresentaria certas vantagens: “Há essencialmente duas razões pelas quais a explicação do macro pelo micro é preferível àquela do macro pelo macro. Por um lado, há uma razão estética: mesmo sendo a explicação macro-macro robusta e confiável, é sempre mais satisfatório abrir a caixa-preta e ver as peças do mecanismo. Por outro lado, há uma razão mais propriamente científica: ao descer do macro para o micro, nós passamos simultaneamente do longo para o curto prazo, o que reduz o risco de confundir explicação com correlação ou o risco de pensar que uma lei, da qual um certo acontecimento necessita, permite sempre explicá-lo.”11 Mas o fato de o individualismo ser um reducionismo “assumido” não permite a conclusão de que ele seja - por isso simplista ou isolacionista. Pelo contrário, ele procura centrar sua atenção nas interrelações entre os agentes individuais. Para os marxistas individualistas, por exemplo, a utilização de alguns elementos do individualismo metodológico não necessariamente exclui uma análise macrossociológica, mas, via-de-regra, a complementa e dá mais elementos para a sua compreensão. Assim, os marxistas individualistas detectaram, por exemplo, que - o Estado burguês embora exerça (com sua burocracia, seus aparatos legal e repressivo, etc) um papel crucial no processo de dominação de classe e na própria reprodução do modo-de-produção vigente que não pode ser subestimado - nem sempre parece agir de maneira coesa ou mesmo coerente com estes objetivos. Segundo eles, isto demonstra que o Estado jamais deveria ser concebido como um agente monolítico, pois há conflitos de interesses tanto entre o Estado e as classes sociais, como entre o chefede-Estado e seus agentes. 3 Nº21 Revista FACOM 1º Semestre de 2009 Tais conflitos explicariam a maneira tortuosa através da qual o Estado burguês acaba exercendo sua função mantenedora da ordem capitalista. Conforme os individualistas, não basta saber qual a função do Estado, também é preciso desenredar a complexidade de seus mecanismos de atuação, inclusive no nível microssociológico. É importante frisar, entretanto, que os individualistas não se eximem de atentar para as inter-relações entre as unidades em estudo. Muito pelo contrário, como já havíamos adiantado, mais que os indivíduos, as relações estabelecidas entre eles são o foco central da atenção dos individualistas; o que - de certo modo - não deixa de ser uma análise “macrossociológica” às avessas. Em contrapartida às críticas recebidas dos individualistas, os holistas metodológicos acusam os individualistas de caírem num atomismo racionalista injustificável. Com isso, eles tenderiam a atribuir uma importância excessiva a certos fatores (individuais) e a subestimar outros (sociais). Muitas vezes, estas acusações pressupõem uma estreita conexão entre o individualismo metodológico e os valores e modelos mentais dos capitalismo liberal. Na visão de Alain Laurent, além de fazer uma conexão que nem sempre é verdadeira, este último tipo de acusação seria o mais discriminatório de todos.12 Elster defende-se destas acusações de “atomismo”, ressaltando a questão da interdependência entre as partes e sublinhando que “o individualismo metodológico não é uma doutrina atomista, que se limitaria às relações extrínsecas ou casuais entre os agentes sociais, à imagem de choques entre bolas de bilhar. Ele é perfeitamente compatível com a idéia de que há conexões intrínsecas ou intencionais. Por um lado, nós encontramos o fenômeno da interdependência entre as utilidades, no altruísmo, na inveja e em sentimentos semelhantes. Por outro lado, há o fato da interdependência das decisões, da maneira como a estuda a teoria dos jogos. Ora, para que haja interdependência, é preciso evidentemente que as entidades assim ligadas entre si sejam distintas: é o que afirma o individualismo metodológico”.13 Laurent também tece severas críticas àqueles que acusam o individualismo metodológico de ser um mero reducionismo atomista: 4 “Nós sabemos que, contrariamente ao que tem sido frequentemente dito por desconhecimento ou por discurso indevido, ele [o individualismo metodológico] não se reduz a um caminho simplistamente reducionista e mecanicamente simplificador, inelutavelmente atomista, fixo e monolítico, impregnado de racionalismo e de psicologismo sumários para as explicações viciadas por um economismo hipertrofiado e exclusivamente centrado na soma de indivíduos auto-suficientes.”14 Todavia é também incorreto afirmar que o marxismo holista tenha negligenciado o fato de as classes sociais não serem um todo homogêneo (em que todos os membros sempre agiriam na mesma direção). O estudo dos “desencontros” no nível microssociológico simplesmente não era visto como pertinente pelos holistas. Parece simplista afirmar que o marxismo via as classes sociais como realidades “compactas”. No entanto, esta questão é polêmica. Na opinião de Przeworski, por exemplo, o individualismo metodológico traz à tona certas questões que por muito tempo vinham sendo insatisfatoriamente respondidas pelo holismo metodológico clássico. Uma destas questões residiria nas noções de consciência e de organização de classe. Conforme Przeworski, é problemático acreditar que todos os burgueses ou que todos os proletários agem sempre em direção à defesa dos seus interesses de classe, ou que eles o fazem racionalmente ou ainda de forma organizada. Para Przeworski, os marxistas repetiam indiretamente o modo de explicação psicossociológica dos funcionalistas, os quais “analisavam todo comportamento individual como a expressão interiorizada da sociedade, o que implicava em que todas as pessoas expostas às mesmas normas e aos mesmos valores deviam se comportar de maneira semelhante (...).”15 1º Semestre de 2009 Revista A diferença, segundo Przeworski, entre a explicação funcionalista e a dos marxistas, seria que os últimos deduzem o comportamento individual da posição de classe. Przeworski sustenta que, segundo o marxismo holista, tudo o que é importante na História se produziria no nível das forças, das estruturas, das coletividades e não no nível dos indivíduos: os micro-fundamentos seriam, portanto, no melhor dos casos, não mais que um instrumento supérfluo que poderia permitir a explicação de variações menores. “O marxismo era uma teoria da história desprovida de todas as ações das pessoas que fazem esta história.”16 O raciocínio individualista leva à conclusão de que diferentes pessoas pertencentes à mesma classe social podem reagir de formas distintas, mesmo quando expostas às mesmas condições. Então, a previsibilidade - no nível individual - dos comportamentos político e econômico segue uma lógica distinta (mas não totalmente independente) daquela que se pode aplicar no nível macrossociológico às classes sociais, por exemplo. Elster chega a afirmar textualmente que “uma classe, enquanto tal, não saberia agir. A noção de ação coletiva não é senão um modo de falar; na realidade, só os indivíduos são capazes de agir.”17 No entanto, o individualismo metodológico de esquerda não nos permite concluir daí que vivemos num mundo de homens hobbesianos movidos exclusivamente por interesses próprios. Vale lembrar que Elster defende a hipótese de que nem todos os indivíduos agem egoistamente, como pretendem alguns autores da Public Choice School. Segundo ele, existe toda uma gama de motivações altruístas e morais capazes de induzir os indivíduos à cooperação (esta seria uma das principais razões pelas quais alguns decidem fazer a greve, apesar de saberem que poderiam se beneficiar de seus resultados sem dela participar, ou seja, sem correr riscos ).18 Não obstante, nem todas as motivações seriam racionais (no sentido estrito da palavra), já que a própria hipótese de racionalidade teria suas falhas. Para contestá-la, Elster utiliza-se de uma variação célebre do Dilema do Prisioneiro, o “Paradoxo do Eleitor” (este paradoxo, é importante frisarmos, foi anteriormente apontado por Anthony Downs19 ): Sabemos que é melhor (leia-se mais racional) que o nosso candidato receba o maior número possível de vo- FACOM Nº21 tos; entretanto, estando cientes de que o nosso próprio voto não tem senão uma influência infinitesimal sobre o resultado final das urnas, muitos de nós – sobretudo em países onde o voto não é obrigatório - preferem não se darem ao trabalho de irem às urnas. Consequentemente, a explicação do comportamento político requer - conforme esta visão - uma relativização dos conceitos de “racionalidade” e de “comportamento racional”. Do ponto de vista de um eleitor isolado, pode fazer mais sentido dar-se ao luxo de deixar de favorecer seu candidato ao abster-se de votar (poupando, assim, o tempo e o trabalho de ir até a zona eleitoral), visto que as chances de seu voto alterar os resultados das urnas - no limite - tendem a zero.20 Entretanto, imaginemos se todos os eleitores de um determinado partido pensassem assim: ninguém votaria e o partido perderia as eleições. Portanto, o que parece ser racional para um indivíduo isolado (o eleitor), é, ao mesmo tempo, irracional para a classe social ou o grupo de interesses a que ele pertence e vice-versa. O “Paradoxo do Eleitor” revela, assim, que - às vezes - as ações individuais podem ser orientadas por interesses coletivos ou morais. Caso contrário, ninguém votaria. Neste sentido, Bassford salienta que à medida que o Dilema do Prisioneiro21(do qual o Paradoxo do Eleitor é apenas uma variante) serve como fundamento para a refutação da tese do interesse individual puro, ele também revela um outro fato: uma obrigação moral coletiva; o que significa que outros membros da sociedade (que não o indivíduo em questão) também têm de ser levados em consideração nas decisões relativas às ações individuais. Em suma, Elster baseia sua explicação para a ação coletiva na hipótese de que os indivíduos agem racionalmente (muito embora esta racionalidade deva ser redefinida, como acabamos de ver), mas não necessariamente egoistamente. 5 Nº21 Revista FACOM 1º Semestre de 2009 Haveria um leque de motivações morais e altruístas capaz de mobilizar a cooperação. Mais do que isso, Elster crê que, numa coletividade, frequentemente existem algumas pessoas fortemente motivadas à cooperação, cuja presença criaria um efeito “bola de neve”, fazendo com que outros (que permaneceriam passivos caso estivessem sozinhos) se envolvessem. Por outro lado, uma das deduções do individualismo metodológico é a de que as pessoas que compartilham da mesma situação social, funcional, econômica etc, e dos mesmos interesses não necessariamente agirão visando promover estes interesses coletivos, nem o farão uniformemente, na mesma direção ou de maneira conjunta. Com relação a esta teoria “individualizada” do comportamento, Przeworski nos atenta: “A questão central que o individualismo metodológico coloca é a seguinte: em quais condições (entre “sempre” e “nunca”) a solidariedade (a cooperação de classe) é racional para os trabalhadores individuais ou para os grupos particulares de trabalhadores? Uma instigante resposta a esta pergunta foi proposta por Michaël Wallerstein22 , mostrando que (...) os sindicatos tentam organizar todos os trabalhadores que estão em concorrência dentro do mesmo mercado de trabalho e somente estes trabalhadores (...).”23 Poderíamos afirmar que os sindicatos - em contraposição à lógica puramente do indivíduo - tentam desenvolver uma racionalidade macrossocial (que também poderia ser denominada, em certas circunstâncias, “consciência de classe”) que se sobreponha à tendência à atomização dos trabalhadores. 1 Embora a expressão chegue às vezes a adquirir uma 6 conotação pejorativa, o holismo metodológico tem sido comumente chamado de “coletivismo metodológico” por alguns autores individualistas. É o caso, por exemplo, de Elster (Vide ELSTER, Jon. “Marxisme et Individualisme Méthodologique” In: BIRNBAUM, Pierre & LECA, Jean (orgs.). Sur L’Individualisme. Paris: Presses de La Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1991.). 2 PRZEWORSKI, Adam. “Le Défi de L’Individualisme Méthodologique À L’Analyse Marxiste” In: BIRNBAUM, Pierre & LECA, Jean (orgs.). Sur L’Individualisme. Paris: Presses de La Fondation Nationale des Sciences Politiques, 1991. p.80. 3 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.60. 4 Elster defende que somente este tipo de análise seria capaz de suprir certas lacunas que - segundo ele - teriam sido deixadas pela teoria marxiana: “Marx (...) não resolve de verdade o seguinte problema: como uma classe social chega a promover o seu interesse coletivo já que ele difere dos interesses individuais dos membros da classe?” in ELSTER, Jon. Op. Cit. p.67. 5 Embora não tenha sido um autor marxista, Schumpeter (considerado um dos pais do individualismo) também alertava para a necessidade de se atentar para o curto prazo: “a história consiste numa sucessão de situações de curto prazo que podem alterar definitivamente o curso dos acontecimentos” in SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. P.330. 6 ELSTER, J. Op. Cit. p.60. 7 Para mais informações, vide DUMONT, Louis. O individualismo – Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. Vide também: LAURENT, Alain. L’Individualisme Méthodologique. Paris: Presses Universitaires de France, 1963. 8 “Schumpeter, o inventor do termo ‘individualismo metodológico’, já insistia na ausência de ligação com o liberalismo ou o individualismo político. A idéia deveria ser evidente, entretanto subsiste um forte preconceito que coloca o individualismo metodológico naturalmente à direita. Durkheim - seu adversário mais célebre - foi certamente um homem de esquerda [sic]; os economistas austríacos - seus defensores mais entusiasmados - se colocam nitidamente à direita. Hoje em dia, a mesma oposição é encontrada entre Pierre Bourdieu e Raymond Boudon, para não citar outros. É preciso, contudo, lembrar que também há um organicismo de direita; por que não haveria um individualismo de esquerda?” in ELSTER, J. Op. Cit. p.63. 9 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p.78. Laurent também salienta que o individualismo foi por muito tempo estigmatizado como reducionista devido sobretudo à influência dos autores liberais nele. Conforme Laurent, o individualismo metodológico “suscitou resistências e rejeições freqüentemente ligadas a mal-entendidos ou deformações que relacionavam bastante arbitrariamente o individualismo metodológico a um ‘atomismo lógico’ ou a um psicologismo que tenderia a reduzir a sociedade a uma simples soma de indivíduos 1º Semestre de 2009 Revista isolados - quando não a um problemático acompanhamento ideológico da moda passageira do individualismo liberal; ele mesmo reduzido ao plano da apologia a um homo oeconomicus egoísta e utilitarista (...)”. in LAURENT, A. Op. Cit. p.6. Elster também salienta que esta relação entre o individualismo metodológico e o homo oeconomicus é, a priori¸ indevida: “Entre os malentendidos a serem descartados, comecemos pela idéia de que o individualismo metodológico comporta uma teoria de motivações individuais. A doutrina não criou nenhuma presunção para os motivos racionais, nem para o comportamento egoísta. Sem dúvida, há boas razões para dar uma primazia metodológica ao racional com relação ao irracional, assim como às motivações egoístas com relação às motivações nãoegoístas, mas estas razões não decolam do princípio individualista. Além disso, esta primazia metodológica não exclui em nada (...) que em casos específicos, seja preciso explicar o comportamento dos atores em termos de motivações irracionais e não-egoístas.” in ELSTER, Jon. Op. Cit. p.62. 10Vide PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 77-8. 11 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.61. 12 Vide LAURENT, A. Op. Cit. p.84. 13 ELSTER, Jon. Op. Cit.. p.63. 14 LAURENT, A. Op. Cit. p.119. 15 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 80-81. Nas páginas 81 e 82, Przeworski prossegue, criticando o holismo marxista: “Não se pode mais considerar as ações dos indivíduos como determinadas por sua posição de classe: é indispensável distinguir cuidadosamente os estudos centrados nos indivíduos, daqueles voltados para as coletividades e submeter à crítica, a atribuição do estatuto de ator coletivo ao ‘capital’, à ‘classe trabalhadora’ ou ao ‘Estado’, para verificar, um a um, se a ação coletiva é coerente com as racionalidades individuais. O desafio que deriva da teoria da escolha racional é, por conseguinte, claro: só é satisfatória uma teoria capaz de explicar a história em termos de ações de indivíduos racionais guiados por um objetivo. Toda teoria da sociedade deve se fundar sobre esta base: este é o desafio.” 16 Idem. Ibidem. p. 81. 17 ELSTER, Jon. Op. Cit. p.67. 18 Alguns autores individualistas utilitaristas (como Mancur Olson Jr.) fornecem uma explicação alternativa à de Elster para o fato de as pessoas fazerem a greve: haveria custos sociais envolvidos numa eventual não adesão a ela. Sendo o homem típico, conforme os utilitaristas, egoísta e racional, então ele pesaria custos X benefícios marginais e possivelmente concluiria que seria mais vantajosa a sua adesão. Veja o que diz Barry, ao analisar a obra de Olson: “As greves podem envolver um sacrifício substancial do trabalhador e de sua família. Mas aqui ‘incentivos seletivos’ atuam plenamente: ostracismo FACOM Nº21 e violência verbal ou mesmo física podem muito bem serem infligidos contra quem fure a greve. É fácil observar que isto é essencial para fazer com que deixe de valer a pena para o empregado continuar trabalhando (...)”. in BARRY, B. Sociologists, Economists and Democracy. Londres, Butler & Tanner Ltd., 1970. p. 43-4. 19 Vide DOWNS, Anthony. Teoría Económica de La Democracia. Madri: Aguilar, 1973. p. 288-293. 20 Frente a este paradoxo, parece fazer sentido esta incômoda observação de Brennan: “votar, no nosso ponto de vista, é muito mais parecido com torcer numa partida de futebol do que escolher um portfolio de valores, porque ao votar a ‘expressão da preferência’ por qualquer votante individual é crucialmente divorciada do resultado eleitoral.” in BRENNAN, Geoffrey. “The Contribution of Economics” In: GOODIN, Robert E. & PETTIT, PHILIP (orgs.). A Companion to Contemporary Political Philosophy. Blackwell Publishers. p.151. 21 Vide BASSFORD, Jason. “The Prisoner’s Dilemma: A Stepping Stone to The Refutation of Pure Self-Interest and A Guide to Political and Moral Obligation”. Disponível em: <www. dante.com/users/jasonb/phil/page_prisoner_ start.html> Visitado em 15/02/02. 22 Vide WALLERSTEIN, M. The Micro-Foundations of Corporatism: Formal Theory and Comparative Analysis. Trabalho apresentado no encontro anual da American Political Science Association, Washington D.C., 1984; e WALLERSTEIN, M. Working class solidarity and rational behavior, PhD dissertation, University of Chicago, 1985. 23 PRZEWORSKI, Adam. Op. Cit. p. 91. Fábio Lacerda Soares Pietraroia Professor de Teoria e Método de Pesquisa na FACOMFAAP. Economista, Cientista Social e Mestre em Ciência Política pela UNICAMP. Doutor em Comunicação Social pela USP. Pós-graduado em Estudos da Paz, do Desenvolvimento e Resolução de Conflitos pela EPU - Áustria. Pós-graduado em Estudos da Mídia pela Universidade de Oslo – Noruega. Ex-pesquisador visitante da Revista The Bulletin of the Atomic Scientists nos Estados Unidos. 7