LINHA DE ESTUDO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE E LAZER. ULISSES SANTOS TEÓFILO O PODER DA IDEOLOGIA – ISTVÁN MÉSZÁROS CAPITULO 6: METODOLOGIA E IDEOLOGIA 6.1 A ideologia da neutralidade metodologia Não há outro lugar que o mito da neutralidade ideológica seja mais forte do que no campo da metodologia. Encontrando com freqüência que a afirmação de que a adoção deste ou daquele quadro metodológico nos isentaria automaticamente de qualquer controvérsia sobre os valores, visto que eles são sistematicamente excluídos (ou adequadamente “postos entre parênteses”) pelo próprio método cientificamente adequado, poupando-nos assim de complicações desnecessárias e garantido a objetividade desejada e o resultado incontestável. (p. 301) Neste sentido torna-se um debate totalmente problemático, pois não examina a importantíssima questão da possibilidade da neutralidade sistemática no plano da própria metodologia. Considera-se que a validade do procedimento recomendado seja indiscutível e evidente por si mesma, por conta de seu caráter puramente metodologia. Tendo esta abordagem da metodologia um forte viés ideológico conservador. E acredita-se que a mera insistência no caráter puramente metodológico dos critérios estabelecidos legitima a afirmação de que a abordagem em questão é neutra porque todos podem adotá-la como o quadro comum de referência do “discurso racional”. (p. 301) A aceitação de uma única abordagem como admissível tem por feito desqualificar automaticamente, em nome da própria metodologia, todas as abordagens que não se ajustam àquela estrutura discursiva. Como resultado, os proponentes do “método correto” evitam todas as dificuldades que acompanham o reconhecimento das divisões e das incompatibilidades reais, à medida que elas necessariamente se desenvolve a partir de interesses sociais antagônicos que estão nas raízes das abordagens alternativas e dos conjuntos de valores rivais e elas associados. (p. 301 e 302) Longe de oferecer um espaço adequado para a investigação crítica, a adoção geral do quadro metodológico pretensamente neutro equivale, de fato, a consentir em não levantar as questões que realmente importam. Em vez disso, o procedimento metodológico “comum” estipulado consegue apenas transformar o “discurso racional” na prática dúbia da produção de uma metodologia pela metodologia: tendência mais pronunciada no século XX do que em qualquer época anterior. (p. 302) Naturalmente, falar de uma estrutura metodológica “comum” na qual se possam resolver os problemas de uma sociedade dilacerada por interesses sociais inconciliáveis e as confrontações antagônicas decorrentes é, na melhor das hipóteses, ilusório,apesar de todo o discurso sobre as “comunidades ideais de comunicação”. (p. 302) Entretanto, mesmo em uma verificação superficial das questões em jogo fica bastante óbvio que consentir em não questionar o quadro estrutural fundamental da ordem estabelecida é radicalmente diferente conforme seja feito por algum beneficiário dessa ordem ou do ponto de vista daqueles que sofrem suas conseqüências, explorados e oprimidos pelas determinações gerais (e não apenas por algum detalhe limitado e mais ou menos facilmente corrigível) dessa ordem. (p. 302) As correntes de pensamento do século XX são dominadas por abordagens que tendem a articular os interesses e os valores sociais da ordem dominante através de mediações complicadas – às vezes completamente desnorteantes – no plano metodológico. (p. 303) 6.2 A reprodução dos sistemas teóricos representativos Sartre opondo a ideologia à filosofia declara que os períodos de criação filosóficas são raros, sendo entre os séculos XVII e XX três períodos: o “momento” de Descartes e Locke, o de Kant e Hegel e, finalmente, o de Marx. Não há como ir além desses períodos enquanto o homem não tenha ido além do momento histórico que essas filosofias expressam. (p. 304) Sartre estava tentando estabelecer uma síntese entre o existencialismo e o marxismo dentro do quadro deste último. Desse modo, designou os raros sistemas “totalizantes” pelo nome de filosofia e reservou o termo “ideologia” para os empreendimentos mais limitados quem, em sua opinião, não podem escapar, por mais que tentem, do campo gravitacional do sistema historicamente dominante e todo-abrangente de sua época. (p. 304) Situar as varias filosofia em seu cenário histórico-temporal é essencial também para se compreender o significado especifico e carregado de valor de seu método aparentemente abstrato, frequentemente proposto como atemporal. Pois toda filosofia é prática, mesmo aquela que, de inicio, parece mais contemplativa. Seu método é uma arma social e política. (p. 304) 6.3 Filosofias vivas e métodos concorrentes Neste quadro duas questões importantes para pautar. A primeira refere-se às condições sob as quais vários sistemas filosóficos se originam e se afirmam como quadro orientador abrangente do pensamento de sua época. E a segunda é a continua reprodução de sua importância, de uma forma ou de outra, para sua época. (p. 305) Espera-se então que atribuamos o sucesso às “descobertas” mais ou menos idealisticamente concebidas de grandes indivíduos, ou terminemos a investigação (como ocorreu com Sartre) com a afirmação genérica, ainda que correta em sua generalidade, de que os sistemas em questão dão expressão ao movimento geral de sai sociedade. Além disso, espera-se também que aceitemos a opinião muito simplificada de que “não se pode jamais encontrar ao mesmo tempo mais de uma filosofia viva”. (p. 305 e 306) Entretanto, a questão de o quanto uma filosofia está viva ou morta não é decidida por intelectuais iluminados de acordo com os critérios teoricamente mais avançada de outra filosofia, ainda que seja a mais moderna e progressista. É determinada, de modo menos tranqüilizador, pela capacidade de a filosofia em questão reproduzir sua própria relevância teórica e pratica em alguma força social fundamental da época. (p. 306) Outro aspectos relevante é, se separarmos a ideologia da filosofia já não há sentido em falar das “formas ideológicas em que os homens se tornam conscientes de seus conflitos sociais e os resolvem pela luta”, como faz Marx, pois esta confrontação fica mais parecida com um boxeador lutando contra sua sombra do que com uma luta real. (p. 306) 6.4 A necessidade de auto-renovação metodológica O radicalismo metodológico da abordagem marxiana e sua importância para a época em que se originou são determinados pela profunda crise de uma ordem social cujos problemas só podem ser solucionados por uma reestruturação radical da própria ordem social, nas suas dimensões fundamentais. (p. 307) Naturalmente, a realização de uma reestruturação radical da sociedade é inconcebível como um “acontecimento” repentino e irreversível. Ela deve ser encarada, em vez disso, como um processo auto-renovador, mantido por um período histórico tão longo quanto persistir sua necessidade em relação a determinadas tarefas e a adversários ideológicos bem identificados. (p. 307) Por isso, nunca se deve esquecer que as “três fontes do marxismo” – a filosofia clássica alemã, a economia política inglesa e o socialismo utópico – não eram apenas fontes de que o marxismo tinha de se apropriar positivamente. Eram, ao mesmo tempo, os três principais adversários ideológicos da nova concepção, na época de sua formulação original por Marx. (p. 308) Tendo em mente desenvolvimentos teóricos e político-intelectuais, fica claro que, embora os amplos parâmetros metodológicos de todos os grandes sistemas de pensamento sejam estabelecidos para todo um período histórico, devem mesmo assim, se redefinir constantemente como sistemas vivos, de acordo com as exigências práticas de suas funções ideológicas mutáveis. Devem entrar em dialogo critico uns com os outros e, assim fazendo, inevitavelmente levanta a problemática sócio-histoticamente especifica – na verdade, em principio “estranha” – de seus adversários ideológicos, ainda que apenas para “superá-los”, tanto na teoria quanto no terreno pratico - organizacional das confrontações sociais reais. (p. 309) 6.5 Radicalismo metodológico e compromisso ideológico Um período histórico sempre apresenta varias alternativas praticas, viáveis para as forças sociais em disputa. Por isso, a realização de uma tendência histórica em desenvolvimento é decidida com base nas alternativas particulares que são escolhidas, dentre todas as disponíveis, pelas forças sociais envolvidas, no curso de suas interações objetivamente condicionadas. (p. 310) Não obstante, a escolha inevitável de uma alternativa especifica em detrimento a outras carrega um compromisso ideológico igualmente inevitável com determinada posição. Tal escolha traz a necessidade de realinhar à perspectiva geral, combatendo desse modo não apenas o adversário, mas até as possibilidades rivais que poderiam surgir no mesmo lado da confrontação social fundamental. É por isso que todo grande sistema de pensamento, inclusive a orientação marxiana da critica social, é simultânea, e “incorrigivelmente”, também uma ideologia. (p. 310) 6.6 A unidade metodológica da ciência e da ideologia A “ciência proletária” de Marx, conscientemente oposta à “ciência burguesa comum”, representou a unidade dialética das aquisições teóricas e das determinações de valor que era possível nas condições sócio-históricas dadas. Marx não vê qualquer utilidade para uma idéia de ciência que pudesse ser separada, ainda que um momento, de um com compromisso social praticamente viável. (p. 314 e 315) É característica metodológica importante das sínteses teóricas representativas de toda uma época que elas tendem a concentrar seu esforços em traçar as linhas fundamentais de demarcação, e por essa causa não podem articular sua própria abordagem sem previsões e atalhos. (p. 315) Todavia, por maiores que sejam os desvios teóricos e práticos em relação ai curso de desenvolvimento originalmente previsto, duas condições vitais permanecem operantes em meio às mais diversas determinações ideológicas. Em primeiro lugar, as varias abordagens marxistas devem conservar tanto as idéias centrais como os correspondentes princípios metodológicos da concepção original. (ver próximo parágrafo) (p. 316) A segunda condição vital que, apesar de tudo, permanece operativa, sustentando e justificando também a primeira condição, dia respeito ao ponto final histórico real da ascendência global do capital. É esta que, em última analise, decide a questão, ativando as contradições estruturais do sistema produtivo injusto e destrutivo do capital e de seu modo de controle social universalmente desumanizador. (p. 317) Não pode haver “meio-termo” entre a dominação do capital e a transformação socialista da sociedade em escala global. E isso por sua vez implica necessariamente que os antagonismos inerentes ao capital devem ser “resolvidos pela luta” até uma conclusão irreversível e estruturalmente garantida. Isto é inevitável, mesmo que o modo pelo qual o processo de “combate” se desenrola, por um período histórico longo e continuo, só possa ser considerado uma genuína superação (Aufhebung) produzida pelas complexas interdeterminações da “continuidade na descontinuidade e da descontinuidade na continuidade”, no sentido indicado pela dialética das “mudanças quantitativas se transformando em mudanças qualitativas”. Ou seja, uma dialética objetiva de reciprocidades que a “filosofia viva” socialista da época deve refletir tanto em sua complexidade metodológica como em sua orientação teórica ideologicamente sustentada (e constatemente reforçada) rumo ao terminus ad quem da viagem. (p. 318) É neste sentido que a concepção marxiana permanece metodológica e teoricamente valida para toda a época histórica de transição do domínio do capital para a nova ordem social, graças à vitalidade ideológica e ao discernimento cientifico nela manifestados em unidade dialética. (p. 318) 6.7 Antagonismos sociais e disputas metodológicas A preocupação intensa com problemas de método é particularmente pronunciada em períodos históricos de crise de transição. Em tais períodos, quando a ideologia anteriromente preponderante das classes dominantes não pode mais ignorar ou simplesmente pôr de lado seu adversário, as reivindicações hegemônicas de ambos os lados devem ser formuladas de maneira que os mais abrangentes princípios metateóricos e metodológicos dos sistemas rivais se tornem explícitos. (p. 318) Como o sistema antigo precisa incorporar e defender os interesses fundamentais da ordem estabelecida, não pode se renovar sob as condições as condições de retrocesso social – por mais bem-sucedido que seja em reproduzir-se como a “filosofia viva” das forças dominantes – quanto a conteúdos significativos e abrangentes válidos,não obstante suas reivindicações universalistas. (tendência para o formalismo metodológico). (p. 319) As ideologias das forças sociais em ascensão também devem expor a importância de sua posição, traçando claramente as linhas metodológicas de demarcação por meio das quais as diferenças em relação aos adversários possam ser apresentadas de modo mais marcante. (p. 319) Sendo assim, na ausência de outras provas da viabilidade da estrutura defendida, as forças em ascensão devem firmar e sustentar suas reivindicações demonstrando a coerência teórica e pontecial libertador da nova abordagem em virtude de seu radicalismo metodológico e de sua universalidade abrangente. (p. 320) 6.8 O significado da “garantia metodológica” de Lukács Há períodos em que, devido a um retrocesso histórico, um apelo direto ao significado orientador da nova metodologia parece ser o único modo de reafirmar a validade continua das perspectivas gerais da teoria em questão diante de circunstâncias históricas altamente desfavoráveis, a exemplo deste fato é Historia e consciência de classe, Lukács, escrita após a derrota militar da Republica Húngura dos Conselhos e a restauração da dominação e estabilidade internacionais do capital, após o curto interlúdio revolucionário iniciado pela Revolução Russa. (p. 320) Contra as circunstancias esmagadoramente negativa que prevaleciam na época, Lukács não podia simplesmente apresentar melhoras prováveis e parciais. Tinha de proclamar a certeza de uma ruptura revolucionaria todo-abrangente e irreversível,para contrabalançar todas as evidencias que apontavam para a direção oposta. Não se podia que algo lançasse dúvida sobre “a certeza de que o capitalismo está condenado e que, por fim, o proletário será vitorioso”. Entretanto, como a classe trabalhadora internacional não dava sinais de querer “superar o hiato existente entre sua consciência de classe atribuída e a psicologia”, e uma vez que o próprio Lukács tinha de condenar as tendências burocráticas do partido que ocupava a posição central em seu próprio esquema estratégico, seu discurso teve de ser transferido para o plano metodológico. (p. 321) 6.9 Conclusão Como pudemos ver, períodos históricos de crise e transição, quando os antagonismos sociais latentes vêm à tona com grande intensidade, são em geral, acompanhamos por agudas “disputas metodológicas”. Essas últimas não são inteligíveis em termos estritamente metodológicas, devendo ser analisadas à luz das reivindicações hegemônicas das partes envolvidas. Assim, não obstante muitas opiniões contarias, o aumento da preocupação das principais forças antagônicas com questões metodológicas aparentemente abstratas é prova da intensificação das determinações ideológicas que influenciam – intelectual e politicamente – a orientação estratégica dessas forças, quer elas estejam, quer não, conscientes de ser movidas por tais fatores. (p. 324)