doença bipolar

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DOENÇA BIPOLAR
Do Diagnóstico ao Tratamento
Evidência Científica/Aspectos Actuais
MÓDULO 1 - GENÉTICA DA DOENÇA BIPOLAR
Formador: Prof. Doutor António Ferreira de Macedo
Professor da Faculdade de Medicina de Coimbra - Instituto de
Psicologia Médica - [email protected])
UT4. ANTECIPAÇÃO GENÉTICA
António Ferreira de Macedo
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1. Mutações Dinâmicas - ADN Instável
Nos anos 90 do século passado, foi identificado um novo tipo de mutações mutações dinâmicas, também designadas por amplificação de repetições de
tripletos (triplet repeat amplification), ou simplesmente ADN Instável. As
repetições de trinucleótidos, como o nome o indica, são repetições de
conjuntos de três nucleótidos, dispersas ao longo do ADN genómico (e.g. CGG,
CAG, CAA, TAA e GAG) (Ross et al., 1993). Essas repetições podem ser
intragénicas ou intergénicas (Figura 6).
Figura 6. Localizações genéticas das expansões de repetições de nucleótidos
(Adap. De Margolis et al., 1999).
exão
intrão
exão
Região codificadora da proteína
Flanqueadora
CCCCGCCCCGC
G
EPM1
Não traduzida
CGG, CAG
X-frágil, SCA12
Codificadora
GCN -alanina
GAC- aspartato
Displasia cleidocraniana;
sinpolidactilia; OPMD;
pseudoacondroplasia
Codificadora
CAG-glutamina
DH; DRPLA;
SBMA; SCA1;
SCA3; SCA6; SCA7
Intrónica
GAA
Ataxia de
Friedreich
Não-traduzida
CTG
Distrofia miotónica;
SCA8
EPM1= epilepsia mioclónica progressiva tipo 1 SCA=ataxia espinho-cerebelosa;
OPMD=distrofia muscular oculo-faríngea; HD=doença de Huntington; DRPLA=atrofia
dentatorubropalidoluisiana; SBMA=atrofia muscular espinho-bulbar.
No caso de serem intragénicas, podem estar localizadas no intrão (porção do
gene que é transcrita em ARN heteronuclear, o qual é depois excisado, não
estando representado no ARNm maduro) ou no exão (porção do gene que é
transcrita e está representada no ARNm). Neste último caso, pode ainda estar
presente numa região traduzível e, consequentemente, codificar uma
sequência de aminoácidos ou numa região não traduzida em proteína. As
repetições de trinucleótidos são frequentemente encontradas em genes que
codificam factores de transcrição (proteínas que regulam a expressão de outros
genes) ou em genes que regulam o desenvolvimento. Enquanto as mutações
"clássicas" são estáticas, no sentido em que o mutante tem a mesma
probabilidade de taxa de mutação do seu antecessor, as mutações de ADN
instável sofrem variações no número de cópias das sequências, que é diferente
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do seu antecessor, daí ser designada uma mutação dinâmica, estando essa
mudança inter-geracional no número de repetições, ligada à instabilidade
meiótica.
No início dos anos 90, começaram a ser identificados os loci de mutações
dinâmicas responsáveis por vários tipos de doenças neuropsiquiátricas, como o
Síndrome do X-Frágil (expansão CGG), a Distrofia Miotónica (expansão CTG),
a doença de Friedreich (expansão GAA) e um outro grupo de doenças, que se
caracterizam por todas serem doenças degenerativas do SNC e serem
causadas por uma expansão de trinucleótidos CAG: Atrofia Muscular EspinhoBulbar, doença de Huntington, Atrofia Dentato-Rubro-Palido-Luysiana e um
conjunto de ataxias espinho-cerebelosas (SCA), como a SCA tipo 1, doença de
Machado-Joseph (ou SCA tipo 3), SCA tipo 2, SCA tipo 4 e SCA tipo 5 (ver
Macedo e Azevedo, 1997; Macedo, 1997) (Quadro IV.1).
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Quadro IV.1 . Sumário das características das doenças causadas por
expansões de repetições de nucleótidos (adap. de Margolis et
al., 1999).
Doença
Gene
TN
Nº normal
de tripletos
Nº expandido
de tripletos
Efeito
Transmissão da
expansão
CAG/poliglutamina
HD
DRPLA
SCA1
SCA2
SCA3
SCA-7
SMBA
Huntington
Atrofina-1
Ataxina-1
Ataxina-2
Ataxina-3
Ataxina-3
Receptor
do androgénio
SCA-6
CACNA1A
CCD
CBFA1
Sinpolodactilia
PA
OMPD
PABP2
Pseudoacon- COMP
Droplasia
CAG
CAG
CAG
CAG
CAG
CAG
CAG
6-35
3-35
6-38
14-31
12-39
7-35
9-36
36-121
49-88
39-83
32-77
56-86
38-200
38-62
AD
AD†
AD†
AD†
AD†
AD†
ligado ao X†
PA
PA
PA
PA
PA
PA
PA
Expansões curtas
CAG
4-19
20-30
GCN
17
27
HOXD13 GCN
15
AD
PA
AD
PA
22,23 ou 25 AD
GCG
GAC
AD ou AR
AD
6
5
7-13
4 (contracção)
Não traduzido
X-Frágil (A) FMR1
CGG
6-54
200-2000+
ligado ao X rec.
X-Frágil (E) FMR2
GCC
6-35
>200
ligado ao X rec.
Sind.Jacobsen
CBL2
CGG
8-14
>100
mendeliano delecção
Distrofia
MDPK
CTG
5-38
50-2000+
AD†
desconh.
Miotónica
SCA8
SCA8
CTG
16-37
107-127
AD
desconh.
SCA12
PRB55
CAG
7-28
66-78
AD
desconh.
D. Friedreich Frataxina
GAA
8-22
120-1700
AR†
EPM1
CistatinaB dodecamero 2-3
30-75
AR
TN=trinucleótidos; PA= proteína anómala; ↓Exp.= diminuição da expressão génica
AD= autossómico dominante; AR= autossómico recessivo
HD=doença
de
Huntington;
SCA=ataxia
espinho-cerebelosa;
DRPLA=
dentatorubropalidoluisiana;
SBMA=atrofia muscular espinhobulbar; CCD= displasia cleidocraniana; OMPD=
muscular oculo-faríngea; EPM1= epilepsia mioclónica progressiva tipo1
† Antecipação
PA
PA
↓Exp.
↓Exp.
não-
↓Exp.
↓Exp.
atrofia
distrofia
MECANISMOS MOLECULARES
Por exemplo, em todas as doenças causadas por expansão de trinucleótidos
CAG, os alelos anormais determinam a codificação de cadeias mais alongadas
de poliglutamina (Figura 7).
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Figura 7. Mecanismos patogénicos moleculares da Doença de Huntington
(Adap. de Margolis et al., 1999).
Alelos anormais (expansões
Alelos
Gene Htt
CAG
Gene Htt
intrão
CAG
exão
exão
exão
CAG
ARNm
intrão
exão
CAG
ARNm
Poliglutamina
Poliglutamina Expandida
Proteína Htt normal
Função normal
Proteína Htt anormal
Ganho de função tóxico
DOENÇA
No entanto, nas várias doenças por expansão de CAG, os loci mutantes são
diferentes, envolvendo proteínas que provavelmente têm estruturas e funções
muito diferentes. Assim, existem dúvidas de que o mecanismo neuropatogénico
final, seja devido às proteínas propriamente ditas.
Por isso, foi sugerido que nestas doenças neurodegenerativas, podia haver um
mecanismo patológico comum: a cadeia alongada de poliglutamina como
causa da neurodegeneração (Paulson e Fishbeck, 1996). Essa cadeia
alongada poderia actuar por vários mecanismos possíveis, nomeadamente o
modelo de agregação de proteínas que propõe que nas doenças causadas por
expansão de trinucleótidos, ocorreria intra-celularmente o depósito de
agregados proteícos insolúveis e neurotóxicos, algo semelhante ao que
acontece nas doenças de Creutzfeld-Jacob e Alzheimer. Nas outras doenças
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causadas por outros tripletos de nucleótidos, os mecanismos moleculares
serão diferentes (c.f. Macedo e Azevedo, 2001).
2. ANTECIPAÇÃO GENÉTICA
Na maioria das doenças atrás referidas, o estudo clínico de famílias com
membros afectados em várias gerações, revelou a existência de uma
característica designada como antecipação genética, um fenómeno clínico
caracterizado por aumento da gravidade clínica e idade de início da doença
cada vez mais precoce, em gerações sucessivas. A observação deste
fenómeno não é nova, tendo sido originalmente constatado para distúrbios nãomendelianos, tais como a doença mental (Mott, 1910). No entanto, durante
décadas, foi considerado como um artefacto estatístico, causado por vários
tipos de enviezamento (Penrose, 1948) e só com a descoberta recente do
substrato biológico da antecipação (i.e. mutações de ADN instável), é que a
sua existência foi reconhecida como real e constatada a sua correlação com a
expansão de trinucleótidos (correlação directa no caso da gravidade e inversa
relativamente à idade de início).
Antecipação genética na Doença Afectiva Bipolar
A questão da antecipação genética suscitou um grande interesse na
psiquiatria, na medida em que a ser provada a sua existência em algumas
perturbações psiquiátricas, isso constituiria uma forte indicação de estar
implicada uma mutação do tipo ADN instável. Por sua vez, essa possibilidade
poderia oferecer novas explicações para reconciliar o modo de transmissão
complexo da doença BP (expressão génica e penetrância variáveis), com a
existência de genes únicos de efeito major (Petronis e Kennedy, 1995; Macedo
e Azevedo, 1997). O comportamento molecular do ADN instável, pode simular
um efeito aditivo de vários genes de pequeno efeito (poligénico-like), mas ao
contrário dos clássicos genes aditivos, dispersos ao longo do genoma, os
trinucleótidos instáveis, estão concentrados num único locus e segregam como
um único gene.
O trabalho de McInnis et al. (1993), foi o primeiro que especificamente visou
analisar a existência de antecipação genética, em 34 famílias, de probandos
com doença BP. A idade de início da doença (IID), foi definida como a idade do
primeiro episódio que preenche os critérios DSM III-R, de mania ou depressão
e a frequência de episódios (FE) foi usada como medida de gravidade da
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doença, sendo o seu valor calculado dividindo o número total de episódios pelo
número de anos decorridos entre o IID e a data da entrevista (ou morte no caso
dos falecidos). Neste estudo, havia uma IID média, significativamente mais
precoce na geração dos probandos relativamente à geração dos pais e a
gravidade da doença (medida pela FE), também mostrava uma diferença
significativa entre as duas gerações. A segunda geração tinha um IID mais
precoce de 8.9 a 13.5 anos e uma doença 1.8 a 3.4 vezes mais grave do que a
primeira geração. Estudos posteriores confirmaram o fenómeno de antecipação
genética em diferentes amostras de probandos bipolares (ver Macedo, 1997)
No estudo de antecipação genética de Macedo (1997), com 24 famílias de
probandos bipolares, usando as mesmas medidas de McInnis et al. (1993), os
resultados também se mostraram significativos. Em termos de diferenças na
IID média, a geração mais nova apresentava um início da doença entre 12.4 a
15.9 anos mais precoce do que a geração parental e relativamente à
frequência de episódios, a segunda geração apresentava uma doença 2.3 a 2.6
vezes mais grave (Macedo et al., 1999).
Pesquisa molecular de ADN instável na doença BP
Um conjunto razoável de estudos demonstrou com alguma consistência, a
presença do fenómeno de antecipação genética, tanto na esquizofrenia, como
na doença BP. No entanto, apesar do critério de replicação ser fundamental em
investigação, não pode ser inteiramente excluída a possibilidade desses
resultados serem espúrios, devido a vários factores de enviezamento, alguns
controláveis e outros não. Assim, a confirmação do fenómeno de antecipação
só poderia provir da evidenciação a nível molecular (i.e., demonstrar, nos
distúrbios psiquiátricos, a presença de mutações dinâmicas).
No Quadro IV.2, podemos ver um resumo dos estudos usando o método RED*
em casos vs. Controlos, na doença BP.
* O método RED constitui um método de pesquisa de expansões de trinucleótidos (ETN), que não é gene-específico.
Isto é, pesquisa qualquer ETN ao longo do genoma, sem dar localizações específicas. Por outro lado, existem ETN que
não estão relacionadas com doenças e, como o método RED detecta todas as ETN, mesmo os indivíduos normais
terão algum grau de ETN. Assim, a diferença entre populações de indivíduos normais e indivíduos afectados pela
doença em estudo será em termos de diferenças estatísticas significativas e não em termos de ausência ou presença
de ETN.
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Quadro IV.2. Estudos com RED no distúrbio bipolar (casos vs. controlos)
Estudo
O’Donovan et al., 1995
O’Donovan et al., 1996
Lindblad et al., 1995
Vincent et al., 1996
Oruc et al., 1997
Li et al., 1998
Lindblad et al., 1998
Zander et al., 1998
Vincent et al., 1999b
Teste usado
Wilcoxon rank sum
Wilcoxon rank sum
Wilcoxon rank sum
Mann-Whitney U
Wilcoxon rank sum
Wilcoxon rank sum
Wilcoxon rank sum
Mann-Whitney U
Mann-Whitney U
p
0.003
0.0006
0.0006
0.21
>0.30
0.37
<0.0007
0.38
0.98
Lindblad et al. (1995), analisaram a extensão de repetições de tripletos CAG
em amostras de doentes BP vs controlos, numa amostra de casos-controlos
belga e sueca, pelo método da Repeat Expansion Detection (RED), verificando
que a expansão de tripletos CAG era superior na amostra dos doentes BP
(média de 175.9 pares de bases) em relação aos indivíduos de controlo (média
de 147.7 pares de bases). Por outro lado, a amostra de BP foi subdividida em
BP tipo I e tipo II e considerando ainda a sub-divisão "esporádico" e "familiar".
Entre os casos esporádicos e familiares, não existiam diferenças significativas,
quanto à extensão de repetições dos tripletos CAG, mas dentro do sub grupo
familiar, existiam diferenças entre o Tipo I e o Tipo II, com menor expansão de
tripletos neste último tipo, o que está de acordo com a sua menor gravidade
fenotípica.
Num estudo em que participámos (O'Donovan et al., 1996), foi pesquisada com
o método RED, a existência de repetições de trinucleótidos CAG e GTC, em
amostras de esquizofrénicos, bipolares e controlos. Foi igualmente testado o
ADN dos pais de 62 probandos esquizofrénicos e bipolares, para avaliar a
possível
existência
de
expansões
de
trinucleótidos
intergeracionais.
Encontraram-se diferenças significativas, em termos de maior quantidade de
expansões de trinucleótidos, nas duas amostras de indivíduos afectados
(esquizofrenia e bipolares) relativamente aos controlos, o que indica a
presença de maior quantidade de repetições CAG ou CTG nos doentes. No
entanto, não foi encontrada qualquer correlação entre o tamanho das
sequências de TN e a IID, em qualquer dos grupos de probandos. Não se
verificou qualquer aumento significativo entre as gerações, das sequências de
trinucleótidos, sendo estas últimas, semelhantes em pais e filhos. Mas,
verificou-se que o tamanho das sequências de CAG nos pais (mesmo quando
não afectados) diferiam significativamente dos indivíduos de controlo. Apesar
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dos resultados sugerirem que a expansão de trinucleótidos (fracção atribuível
de ± 50%) faça parte do mecanismo genético destes distúrbios, não parece por
si só, ser responsável pelo modo complexo de transmissão dos mesmos, bem
como da variabilidade da idade de início e variação fenotípica. Outros estudos
como o de Zander et al. (1998) não confirmaram a implicação de mutações
dinâmicas na doença bipolar.
Vários estudos demonstraram a presença do fenómeno de
antecipação genética na doença BP. No entanto, na vertente
molecular, os estudos que investigaram o envolvimento de
mutações por expansão de tripletos –ADN instável – na
doença BP tiveram resultados equívocos, e no conjunto,
podemos dizer que não confirmaram, nem infirmaram a
hipótese do envolvimento de mutações dinâmicas na
causalidade da doença BP (ou esquizofrenia)
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