eutanásia: direito de escolha do paciente

Propaganda
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU
EUTANÁSIA: DIREITO DE ESCOLHA DO PACIENTE
THIAGO GOMES COSTANZI
Biguaçu (SC), junho de 2008
i
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
CURSO DE DIREITO - BIGUAÇU
EUTANÁSIA: DIREITO DE ESCOLHER DO PACIENTE
THIAGO GOMES COSTANZI
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira
Biguaçu (SC), julho de 2008.
2
AGRADECIMENTO
Agradeço à minha família pela base dada ao
longo da faculdade e especialmente durante a
fase da monografia.
Agradeço também a minha namorada pela
paciência, atenção e ajuda oferecida.
Aos amigos por suas valiosas contribuições
durante o curso de Direito.
A todos aqueles que de uma maneira ou outra me
auxiliaram na conclusão deste trabalho.
3
DEDICATÓRIA
Aos meus irmãos, Louise e Bernardo, pelo
carinho e estimulo.
Especialmente aos meus pais Luiz e Sônia, pelo
esforço e sacrifício dispensado durante todo o
curso e pela forma com que me transmitiram
conhecimento e segurança para que eu chegasse
ao final deste.
4
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu (SC), julho de 2008.
Thiago Gomes Costanzi
Graduando
5
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Thiago Gomes Costanzi, sob o
título Eutanásia: Direito de escolha do paciente, foi submetida em dezessete de
junho de dois mil e oito à banca examinadora composta pelos seguintes
professores: Luiz César Ferreira, Eunice Anisete de Sousa Trajano, Gabriel
Paschoal Pitsica e aprovada com a nota 8,5 (oito e meio).
Biguaçu (SC), julho de 2008.
Profº MSc. Luiz César Silva Ferreira
Orientador e Presidente da Banca
Profª. MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica
Coordenação da Monografia
6
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB/1988
Constituição da Republica Federativa do Brasil
CC/2002
Código Civil Brasileiro de 2002
CP
Código Penal
STF
Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
vii
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Eutanásia:
Palavra de origem grega significa morte doce, morte calma. Do grego eu e
thanatos que significa a morte sem sofrimento e sem dor. (BIZATTO, José
Ildefonso, 2000, p.13)
Bioética:
Estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas
científicas em medicina e biologia’. o adjetivo moral, nesse caso, atua como
sinônimo de ética. em outras palavras, a bioética dedica-se a estudar as questões
éticas suscitadas pelas novas descobertas científicas; ‘novos poderes da ciência
significam novos deveres do homem.(ALMEIDA, Guilherme Assis; Christmann,
Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. 2.ed. São paulo:
atlas, 2004. P.62)
Morte:
Cessação de toda atividade funcional peculiar a animais e vegetaqis, tempo
decorrido entre o começo e o fim da existência. (RAMOS, Augusto César, 2003,
p. 30)
Dignidade:
Dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que
a faz destinatária do respeito e proteção tanto do estado, quanto das demais
pessoas, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas
ou degradantes, como também lhe garantindo direito de acesso a condições
existenciais mínimas. (MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. dignidade da
pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2005.
p.120)
viii
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................ X
ABSTRACT ....................................................................................... XI
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 3
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO
DIREITO A MORTE DIGNA ............................................................... 3
1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ...............................................................3
1.2 DIREITO À VIDA ..............................................................................................9
1.3 O DIREITO A MORTE DIGNA........................................................................15
CAPÍTULO 2 .....................................................................................22
BIOÉTICA, BIODIREITO E PRINCIPIOS BIOÉTICOS......................22
2.1 BIOÉTICA - CONCEITO E ORIGEM E CONSIDERAÇÕES ..........................22
2.1.2 ÉTICA ..........................................................................................................25
2.2 BIODIREITO................................................................................................... 26
2.3 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS............................................................................... 27
2.3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA ......................................................................27
2.3.2 PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA .................................................................32
2.3.3 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA .............................................................................35
CAPÍTULO 3 .....................................................................................40
EUTANÁSIA...................................................................................... 40
3.1 CONCEITO, ORIGEM E CONSIDERAÇÕES.................................................40
3.2 EUTANÁSIA NA HISTÓRIA ...........................................................................43
3.3 ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS....................................................................46
3.4 AUTONOMIA E CONSENTIMENTO DO PACIENTE .....................................50
3.5 CLASSIFICAÇÃO...........................................................................................55
3.5.1. ORTOTANÁSIA ..........................................................................................56
3.5.2. DISTANÁSIA...............................................................................................57
3.5.3. SUICÍDIO ASSISTIDO ................................................................................58
3.6 ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA..................................................................60
ix
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................62
CONCLUSÃO....................................................................................64
x
RESUMO
Apresentar um trabalho sobre eutanásia, com todas as
implicações deste ato, requer tempo e espaço ilimitados, dada à profundidade do
tema
e
complexidade
dos
sentimentos
que
envolvem
sua
pratica
e
conseqüências. Limitamos-nos a apresentar alguns conceitos e referências sobre
aspectos que envolvem a ética, bioética e os direitos que o ser humano tem, com
toda autonomia, para escolher e decidir o que é melhor para si em qualquer
circunstância de sua vida saudável, ressaltando os aspectos da bioética no
sentido de auxiliar a humanidade na participação racional, porém cautelosa no
processo da evolução biológica e cultural. Como também os cuidados
necessários com os avanços tecnológicos no campo da medicina e investigações
científicas. Destacamos também argumentos sobre a prática da eutanásia, sendo
eles argumentos pró e contras ao ato. E ainda evidenciando os aspectos jurídicopenais fazendo uma pequena retrospectiva acerca da prática da eutanásia no
direito pátrio e mundial.
Palavras chave: Ética, bioética, direitos, eutanásia.
xi
ABSTRACT
Bring forward um I work on the subject of euthanasia , along
all of implications of this act , requires amount of time and air bottomless at the
depth from the motif and the complexity of the feelings that envelop the argent and
consequence of this practices. We limit - at the one bring forward a few concepts
and mentions on the subject of appearances that are enveloping the ethics,
bioethics and the rights that the human being does have, along the whole
autonomy , to pick from and decide what is better for you on any circumstance of
your fit life, jut the appearances of the bioethics in an effort to ancillary the
humanity at the rational participation, nevertheless cautious in the process from
the biologic and cultural development. As being as well the cautions required with
the technological advancements at the line of business from the medicine and
scientific ascertainments. Stands out from the crowd as well arguments above the
practice from the euthanasia , being the arguments pro and opposite to the act,
and still showing the judicial appearances - feather doing a small retrospective he
nears from the handy from the euthanasia at the straight native country and
worldwide.
Key words: Ethics, bioethics, rights, euthanasia
1
INTRODUÇÃO
A Monografia ora apresentada tem como objeto o estudo da
eutanásia e o direito de escolher do paciente.
O seu objetivo é debater sobre a probabilidade da pratica da
eutanásia protegida pela autonomia de vontade do paciente consciente em fase
terminal. Este estudo considera aspectos à Bioética e princípios bioéticos, aos
direitos fundamentais, bem como, expõe os argumentos contrários e favoráveis
ao tema.
No primeiro Capítulo, trata-se de demonstrar inicialmente os
direitos fundamentais, amparados na Constituição Federal da República
Federativa do Brasil de 1988, da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e o
direito à uma morte digna, para posteriormente tratar dos assuntos referentes a
bioética e os princípios bioéticos.
No segundo Capítulo, será abordados os aspectos bioética,
expondo-se, a conceituação, os princípios bioéticos as modalidades previstas
pelo ordenamento jurídico brasileiro
No terceiro Capítulo, será demonstradas questões referentes
à eutanásia e a autonomia do paciente em submeter-se ou não à prática da
eutanásia, frente ao direito à vida.
Abordadas
será
ainda,
no
último
Capítulo,
algumas
modalidades no sistema jurídico brasileiro, a eutanásia na historia do mundo na
humanidade, Posteriormente será destacado a distinção entre eutanásia,
ortotanásia, distanásia e suicídio assistido.
O terceiro Capítulo será explanado sobre os argumentos
prós e contras utilizados pela doutrina, referente á eutanásia.
2
Nas Considerações Finais, serão apresentados pontos
conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e
das reflexões sobre a eutanásia.
Para a presente Monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
- A pratica da eutanásia amparada pelo princípio da
autonomia e do consentimento do paciente;
- O direito a uma morte digna, amparado nos direitos
fundamentais; e nos princípios bioéticos
- A possibilidade da eutanásia.
Quanto à Metodologia empregada, na presente Monografia,
registra-se que foi utilizado o Metido Dedutivo.
CAPÍTULO 1
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO
DIREITO A MORTE DIGNA
1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Para o direito – a pessoa vem conceituada sob o enfoque
da personalidade que, segundo explana Maria Helena Diniz apud Maria Garcia,
“exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”.
Explicitando mais: “sendo a pessoa natural sujeito de relações jurídicas e a
personalidade a possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma aptidão a ele
reconhecida, toda pessoa é dotada de personalidade. A personalidade é o
conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens,
consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida,
liberdade e igualdade”. 1
Conforme José Afonso da Silva apud Maria Garcia, todo
ser dotado de vida é indivíduo, isto é, algo que não se pode dividir, sob pena de
deixar de ser. O homem é um individuo, mas é mais que isto, é uma pessoa.
Além dos caracteres de indivíduo biológico, tem os de unidade, identidade e
continuidade substanciais refere, citando Ortega y Gasset: “la vida consiste em
la compresencia, em la coexistencia del yo mundo, de um mundo conmigo,
como elementos enseparables, inescendibles, correlativos”. 2
A dignidade da pessoa humana se trata de atributo da
natureza de cada pessoa, que o faz destinatária do respeito e proteção tanto
por parte do Estado, quanto das demais pessoas. Desta forma, busca-se
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p.177/178.
1
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p. 178.
2
4
impedir que o ser humano seja alvo não só de situações desumanas ou
degradantes, como também lhe garantir, o direito de acesso a condições
existenciais mínimas. 3
A Ciência, em toda a sua variada ramificação, entende a
pessoa, como uma ou outra variância, como uma integralidade, “como ser no
qual estão envolvidos, de forma interagente, a razão, a emoção, a percepção e
a ação, num corpo provido de alma”. 4
[...] quando a Constituição proclama, no art. 1º, III – como
um dos fundamentos do Estado, a dignidade da pessoa humana – a que
estaria se referindo? 5
Certamente, neste caso, a hipótese prevista é abrangente
de ambas as considerações, conforme visto até aqui: a pessoa construto
jurídico cujo sentido nuclear deverá ser mantido compreendendo a área
circundante – porque somente atribuível ao humano – também deste
significado.6
Carmem
Lúcia
Antunes
Rocha
identifica
algumas
características próprias dos princípios, que demonstram sua natureza enquanto
normas constitucionais e merecem, pela inovação e clareza da exposição,
registro. Para a autora os princípios constitucionais possuem generalidade,
primariedade, dimensão axiológica, objetividade, transcendência, atualidade,
poliformia, vinculabilidade, aderência, informatividade, complementariedade e
normatividade jurídica. 7
3
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio
constitucional fundamental. p. 120
4
ROCHA, Fernando Jose da. Questões genéticas. Soluções éticas? Revista USP, n. 24, p.
67, 1994-1995.
5
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p.195.
6
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p.195.
7
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio
constitucional fundamental. p. 120
5
Conforme explica Maria Helena Diniz, a personalidade
tem sua medida na capacidade, que é reconhecida, num sentido de
universalidade, no art. 1.º do CC, ao prescrever que, “toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil”: daí a expressiva afirmação de Unger de que
“ a personalidade é o pressuposto do todo direito; o elemento que atravessa
todos os direitos privados e que um cada um deles se contém; não é mais do
que a capacidade jurídica, a possibilidade de ter direitos”. E conclui: “em todo
homem, por necessidade de sua própria natureza, é o centro do direito e,
assim, tem personalidade, é pessoa, capaz de direitos e obrigações”. 8
Miguel Reale apud Maria Garcia empresta importância
estruturante ao tema pessoa humana; de que “a defesa dos direitos humanos
se fundamenta no conceito de pessoa; que a pedra de toque ou o princípio de
qualquer legitimidade normativa é dado pela idéia de pessoa ou, por outras
palavras, pela pessoa física ou jurídica, vista como expressão de uma
individualidade titular de direitos subjetivos próprios, do valor da pessoa
humana, ou, o que vem a dar o mesmo, do homem como valor intocável pelo
simples fato de ser homem, com todos os seus correlatos”.
Sobressaem, portanto, as expressões constitucionais
“dignidade do homem”, “dignidade da pessoa humana” e a verificação, neste
caso, de que mantendo o seu sentido nuclear, a pessoa como “unidade
personificada de um conjunto de normas jurídicas” (Kelsen); que “os direitos e
deveres abrangidos no conceito de pessoa se referem a todos à conduta do ser
humano” (Kelsen): o helo conceitual que se expande além da construção da
teoria civilista, irá alcançar o ser humano como previsto na Constituição, a
pessoa humana na qual se realista o individual, o social, o político, o religioso,
o filosófico.9
Assim, somente realizando algumas notas sobre o papel
reservado aos princípios no constitucionalismo contemporâneo, diferenciandoGARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p. 189/190.
8
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade, p. 195.
9
6
o, inclusive, das regras, poderemos compreender o papel reservado a um
princípio constitucional fundamental. Desde já ressaltamos, contudo, que no
constitucionalismo contemporâneo tanto os princípios quanto as regras são
considerados espécies de normas, vazados em linguagem normativa
(deôntica), capazes de ser fonte imediata e direta de soluções jurídicas. Dessa
forma, ao menos em matéria constitucional, afasta-se a concepção que não via
nos princípios a qualidade de normas, mas tão-somente a de critério de
integração jurídica. Esta concepção, ainda que de certa utilidade em matéria
privatista, calçada inclusive na disposição do art. 4º da Lei de Introdução ao
Código Civil, não se compatibiliza com uma teoria constitucionalmente
adequada ao atual estagio do direito constitucional brasileiro, mormente a partir
da Constituição de 1988. 10
Sob a égide constitucional da dignidade da pessoa
humana, pretende-se defender a conveniência e o uso da prática de eutanásia
em circunstâncias específicas respeitando exercício de uma liberdade
individual que é assegurada pela Lei Fundamental a todo indivíduo.11
Ao modificar a dignidade da pessoa humana em
importância suprema da ordem jurídica, a Constituição brasileira de 1988
passou por um progresso expressivo rumo à normatividade do princípio12.
Todas
as
pessoas
possuem
a
mesma
dignidade
ontológica, ela é intangível e inviolável, pelo simples fato de se pertencer ao
gênero humano, não precisando de apoio de qualquer circunstância especial. É
a vida humana que fundamenta a dignidade e não a dignidade que fundamenta
a vida humana, sendo assim a dignidade deve ser reconhecida a todo o
homem pelo simples fato de ele existir.13
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio
constitucional fundamental. p. 99/100.
10
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
11
12
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio
constitucional fundamental. p.50.
13
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, pp. 461-175.
7
A dignidade da pessoa humana encerra simplesmente um
direito subjetivo resguardado pela Lei Maior em quase todos os paises de
mundo, incluindo o Brasil. Ocorre, porém, que a dignidade da pessoa humana,
como já apontado, é uma cláusula geral, resumindo-se, de forma simplista, ao
direito à vida. 14
A dignidade da pessoa humana, portanto, é o núcleo
essencial dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos
fundamentais.15
Decidindo-se pela prática da eutanásia em casos em que
o enfermo está afetado por moléstia incurável e irreversível, sem que haja
qualquer possibilidade de a ciência apresentar uma resposta quanto à sua
cura, não há razão de censura a essa decisão.16
É evidente que a Constituição Federal protege o direito à
vida (art. 5°), mas no sentido de compelir o ser humano a existir até seus
últimos limites. Não se trata de defender o direito à vida em desrespeito à
própria vida, pois do contrário elimina-se a dignidade da pessoa humana.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade,[...]:
Destarte, a Carta Política enuncia o direito à vida, ou seja,
zelar e proteger o direito de continuar vivo, mas sobretudo defender a
existência de uma vida digna, em respeito à dignidade humana.17
14
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
15
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
16
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
17
8
Assim, constituindo apoio, fundamento, a base da
República e do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana
é, na concepção de Reinaldo Pereira e Silva18, o princípio que melhor expressa
o compromisso jurídico com a justiça.
Considerando a importância deste princípio ante o
ordenamento jurídico brasileiro, ressalta-se a lição de José Cabral Pereira
Fagundes Júnior 19:
[...] o respeito à dignidade da pessoa humana constitui-se em
um dos pilares que sustentam a legitimação de atuação do
Estado, proibindo idéia que procure de alguma forma restringila – quer dentro da dimensão material ou espiritual –, que,
portanto, deverá ser tida como ilegítima desde o nascedouro,
impondo-se-lhe a pecha de inconstitucional.
É importante salientar que não se está aqui propugnando
a prática da eutanásia em qualquer hipótese ou circunstância, de modo
irresponsável e indiscriminado, mas ressaltando o direito à vida e ao direito à
liberdade individual, fazer valer o postulado da dignidade da pessoa humana,
para que seja garantido o direito a uma morte digna, corno extensão ao
respeito a uma vida digna. 20
Concluindo o exposto acerca dos direitos fundamentais,
nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser analisado
conjuntamente com o princípio da inviolabilidade do direito à vida, permitindo,
desta forma, que se estabeleça a proteção jurídica da pessoa humana em face
dos progressos tecnológicos no campo biomédico21.
18
SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: Investigações político-jurídicas sobre o
estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002. p.188.
19
FAGUNDES JR. José Cabral Pereira. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In:
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: ciência da vida, os novos desafios.
p.273.
ADONI, André Luiz. Biomédica e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
20
21
COAN, Emerson Ike. Biomedicina e biodireito: Desafios bioéticos: Traços semióticos para
uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.).
Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. p.261.
9
1.2 DIREITO À VIDA
Na nossa legislação brasileira temos assegurado o direito
à vida, afirmação essa que é consagrada dentro do nosso ordenamento
jurídico, por ser o fundamental alicerce de qualquer prerrogativa jurídica da
pessoa, razão pela qual o Estado resguarda a vida humana, desde a vida intraútero até a morte.22
O artigo 5º, caput, da Constituição Brasileira, vem
assinalar que a principal característica do direito à vida vem a ser considerada
um dom divino e tem que ser preservada de qualquer forma, no entanto, o
próprio Estado em determinadas circunstâncias permite que o cidadão,
legitimamente, pratique condutas que venham a retirar a vida de outrem, como
no estado de necessidade, legítima defesa e aborto legal.23
A Constituição da Republica Federativa do Brasil dispõe
em seu titulo II sobre os direitos fundamentais e garantias fundamentais, tutela
o direito à vida e estabelece em seu art. 5º caput, que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade e o direito à vida, [...].
Por direitos fundamentais entende Silva24:
No qualitativo fundamentis acha-se a indicação de que se trata
de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se
realiza, não convive, e, às vezes, nem mesmo sobrevive;
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007.
22
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007.
23
SILVA, José afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12 ed.rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 182.
24
10
fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual,
devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas
concreta e materialmente efetivados.
A respeito desse assunto ensina Dallari:
Entre os valores inerentes à condição humana está a vida.
Embora a sua origem permaneça um mistério, tendo-se
conseguido, no máximo, associar elementos que a produzem
ou saber em que condições ela se produz, o que se tem como
certo é que sem ela a pessoa humana não existe como tal,
razão pela qual é de fundamental importância para a
humanidade o respeito à origem à conservação e à extinção da
vida.
Maria de Fátima Freire de Sá discorre assim à respeito do
assunto:
O caráter associativo das pessoas, fazendo com que uns
dependam dos outros, por necessidades várias, tais como pelo
aspecto material, espiritual, afetivo e necessidades intelectuais,
faz da vida um valor (isto em qualquer sociedade, tanto
naquelas que se julgam mais evoluídas, quanto naquelas mais
rudimentares). A partir do momento em que se concebeu a vida
como valor, passou-se, costumeiramente, a respeitá-la,
logicamente com as nuances a ela atribuídas por cada
sociedade, de acordo com as características culturais de cada
povo.25
A expressão direitos fundamentais do homem designa um
conjunto de prerrogativas fundamentalmente importantes e iguais para todos os
seres humanos, cujo principal escopo é assegurar uma convivência social
digna e livre de privações. Como podemos constatar, o direito à vida é um
direito supremo e inviolável sem o qual não existiriam os demais direitos
fundamentais. É supremo e oponível, é inerente à pessoa humana e deve ser
protegido por lei e ninguém poderá ser arbitrariamente privado da vida.26
25
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de Morrer: eutanásia, suicídio assistido. p.51
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações a partir do biodireito brasileiro. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov 2005
26
11
O direito à vida é essencial ao ser humano, condicionando
os demais direitos da personalidade, pois significa integridade existencial e
constituiu objeto de direito personalissimo.27
O conceito de dignidade humana é categoria
central na discussão do direito à vida e do direito à morte digna. Este conceito
leva a indagações como "se o prolongamento artificial da vida apenas
vegetativa não representa uma manipulação que viola a dignidade humana e
se certos tratamentos coativos e não necessários não ultrajam a dignidade da
pessoa. 28
A respeito do direito à vida, observa-se a lição de Anelise
29
Tessaro , ao destacar a relação deste direito com o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana:
Apesar da vida ser consagrada como um direito fundamental
do homem e também como um princípio, muitas vezes, face à
condições adversas em que a prolongação de uma vida ou
uma intervenção médica não possa trazer benefícios, e sim
comprometer a qualidade de vida deste paciente no seu
sentido mais amplo, referindo-se também à dignidade da
pessoa, têm-se por certo que o princípio da qualidade deve ser
somado ao da intangibilidade da vida, para concluir que nesse
caso esta prolongação ou intervenção médica não será
eticamente viável. Isso porque após esta intervenção, aquela
pessoa não poderá usufruir da vida na sua plenitude, restando,
muitas vezes, uma mera existência biológica. E é neste ponto
que estes princípios se complementam, pois o direito à vida
pressupõe um mínimo de qualidade e dignidade
Emerson ike Coan afirma:
Quanto à inviolabilidade do direito à vida, considerando os
bens integrantes – físicos, psíquicos e morais – da
personalidade, transcende todo um ramo do direito, ou melhor,
27
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saravia, 2001, p. 22-23.
28
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações a partir do biodireito brasileiro. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov 2005.
29
TESSARO, Anelise. Revista da Ajuris: Doutrina e Jurisprudência, p.48.
12
é ubíquo, por ocupar posição de primazia (principio do primado
do direito mais relevante); é bem maior ou supremo na esfera
natural e jurídica, uma vez que em sua volta, e como
conseqüência de sua existência, todos os demais direotos da
pessoa humana gravitam.30
E continua:
Trata-se de direito irrenunciável que se manifesta desde a
concepção – ainda que artificialmente – até a morte – com
proteção exigida quanto mais insuficiente for o seu titular,
intransmissível (quanto à impossibilidade de mudança de
sujeito, de titularidade – direito inerente à pessoa), indisponível,
não sendo um direito sobre a vida, mas à vida, assim de
caráter negativo, impondo-se pelo respeito que a todos se
exige – erga omnes – (de maneira que é direito à vida sem
direito à morte, sendo ineficaz qualquer declaração de vontade
do titular que importe cerceamento a esse direito, mesmo sob
consentimento (principio da irrelevância do consentimento), por
que se entende, universalmente, que o homem não vive
apenas para si, mas para cumprir missão própria na sociedade,
assim, absoluto, fundamental, em suma, um direito natural,
como expressão jurídica da realidade humana.
31
O direito a se manter vivo é, certamente, um dos direitos
mais fundamentais que possuímos. Discorda-se, portanto é da intocabilidade
que se sobrepõe sobre ela, pois se temos direito à vida também temos o direito
de decidir sobre nossa própria morte.Viver bem não é viver muito, mas sim com
qualidade de vida.32
A nossa Constituição prevê a indisponibilidade da vida
humana, mas até que ponto pode-se considerar vida digna, em se tratando de
paciente em estado vegetativo, ou em coma irreversível? Ou ainda, podemos
COAN, Emerson Ike. Biomedicina e biodireito. Desafios bioéticos. Traços semióticos para
uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.).
Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT. 2001. p.259
30
COAN, Emerson Ike. Biomedicina e biodireito. Desafios bioéticos. Traços semióticos para
uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da inviolabilidade do direito à vida. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.).
Biodireito: Ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT. 2001. p.259-260
31
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007
32
13
considerar tratamento apropriado o de um paciente que tem que esperar por
um outro morrer para poder ir para uma UTI ou CTI e ser esquecido por lá?
Essa espera que muitas vezes acontece em cima de uma maca nos corredores
movimentados de um hospital.33
Na realidade, a questão que se coloca em discussão
quando o assunto eutanásia é abordado, vem a ser justamente a
disponibilidade da vida humana, e isto ainda continuará sendo um assunto de
calorosas controvérsias pelo longo de um bom tempo. Na expectativa de ter
cumprido com o objetivo proposto, concluímos que a eutanásia, questão
polêmica e complexa, está longe de encontrar um consenso, e sempre deverá
ser analisada de acordo com o caso concreto.34
Jussara Meirelles e Eduardo Didonet Teixeira apud
Borges ponderam que:
É possível entender que o acharnement subverte o direito à
vida e, com certeza, fere o princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, assim como o próprio direito à vida. Se a
condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está
sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte
com sofrimento e indignidade [...] Se vida e morte são
indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados
momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre
ela, assim como dispõe sobre a sua vida?
Bizzato diz que o desenvolvimento e a formação da
pessoa humana que é condição indispensável da personalidade, depende
exclusivamente de um bem jurídico denominado vida.35
CANOTILHO aduz que o direito à vida é um direito
subjetivo de defesa, pois é indiscutível o direito de o individuo afirmar o direito
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007
33
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007
34
35
BIZATTO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica. P.16
14
de viver, com a garantia da “não agressão” ao direito à vida, implicando
também a garantia de uma dimensão protetiva deste direito à vida. Ou seja, o
individuo tem o direito perante o Estado de não ser morto por este, o Estado
tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do individuo, e por outro
lado, o individuo tem direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem
abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E conclui: o
direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade.36
CRETELLA JUNIOR, em seus comentários à Constituição
Brasileira de 1988, estatui que: Bastaria que se tivesse dito “o direito” ao invés
de “a inviolabilidade do direito à vida”. Se “vida é um direito” garantido pelo
Estado, esse direito é inviolável, embora não “inviolado”. Se eu digo que é
‘inviolável’ (a correspondência, a intimidade, a residência, o sigilo profissional),
‘ipso facto’, estou querendo dizer que se trata de rol de bens jurídicos dotados
de inviolabilidade (inviolabilidade da correspondência, da intimidade, da
residência, do sigilo profissional)... O direito à vida é o primeiro dos direitos
invioláveis, assegurados pela constituição. Direito à vida é expressão que tem,
no mínimo, dois sentidos, (a) o “direito a continuar vivo, embora se esteja com
saúde” e (b) “o direito de subsistência”: o primeiro, ligado à segurança física da
pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe
a existência; o segundo, ligado ao “direito de prover à própria existência,
mediante trabalho honesto.37
No mesmo sentido as considerações de MARIA HELENA
DINIZ: O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais
direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º,
caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade
existencial, conseqüentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito
fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado
cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser
protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O
36
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª
edição. Coimbra [Portugal]: Livraria Almedina, 2000. p. 526
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. vol. I, art. 1º a 5º,
LXVII. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1988. p. 182/183
37
15
respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever
absoluto ‘erga omnes’, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito
desobedecer. Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em
cláusula pétrea, que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de
emendar tem eficácia positiva e negativa. A vida é um bem jurídico de tal
grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a
legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas
impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes. Estamos no limiar
de um grande desafio do século XXI, qual seja, manter o respeito à dignidade
humana.38
1.3 O DIREITO A MORTE DIGNA
O direito a morrer com dignidade é um dos principais
argumentos utilizados para promover a legislação da eutanásia. De forma
sintética, pode apresentar-se da seguinte forma: atualmente estão disponíveis
numerosos meios para prolongar a vida de pessoas gravemente enfermas.
Porém por outro lado às vezes provocam agonias que não fazem nada a não
ser aumentar e prolongar a angústia do paciente terminal. Diante dessas
situações dolorosas, a lei deveria permitir que uma pessoa pudesse ser
auxiliada a pôr fim a sua vida, e poderia morrer com dignidade. 39
O “direito a uma morte digna” é um eufemismo que se
utiliza para designar o “direito a que outro nos dê a morte”. Sob o legítimo
pretexto de abandonar o empenho terapêutico, a expressão estigmatizada
analisa o fato positivo de matar alguém. 40
Uma correta avaliação moral e jurídica da questão exige
distinguir claramente estas duas hipóteses irredutíveis. Neste mesmo sentido, a
expressão “ajudar a morrer” e as usuais referências à “compaixão” ou à
“solidariedade”
38
sugerem
o
altruísmo.
Esta
terminologia,
que
suscita
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. p. 22
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 464,
39
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 469,
40
16
indiscutivelmente simpatia, não é utilizada com demasiada alegria para que se
aceite mais facilmente o inaceitável? 41
A linguagem aqui também é equivoca, posto que uma
coisa é auxiliar um enfermo na sua morte e outra coisa muito distinta é matá-lo.
42
O direito a uma verdadeira morte digna traz consigo uma
série de prerrogativas: o direito do doente de manter um diálogo aberto e uma
relação de confiança com a equipe médica e com o seu entorno; o direito ao
respeito da sua liberdade de consciência; o direito a saber a todo o momento a
verdade sobre seu estado; o direito a não sofrer inutilmente e a beneficiar-se
das técnicas médicas disponíveis que lhe permitam aliviar sua dor; o direito a
decidir o seu próprio destino e a aceitar ou rejeitar as intervenções cirúrgicas às
quais lhe querem submeter; o direito a abandonar os remédios excepcionais ou
desproporcionados na fase terminal.43
Na realidade, o conceito clássico de dignidade foi
substituído por outra noção, muito mais recente, sobre a qualidade de vida. A
dignidade passa a ser uma noção muito difusa, eminentemente subjetiva e
relativa. Subjetiva, porque cada um seria o único juiz de sua própria dignidade;
e relativa, no sentido de que a qualidade de vida é um conceito de geometria
variável, suscetível de adotar uma infinidade de graus e de medir-se pelo
parâmetro de critérios diversos. 44
Um exemplo concreto é a proposta da resolução do
Parlamento
Europeu,
elaborada
a
partir
do
informe
do
Dr.
Leon
Schwartzenberg sobre o auxílio aos moribundos. Neste documento, afirma-se,
repetidas vezes, que “a dignidade é o fundamento da vida humana”. No
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 464
41
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 464
42
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 464
43
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 464-465
44
17
entanto, esta dignidade, longe de ser intangível, aparece, como um estado não
estável submetido às vicissitudes da vida e da saúde. “Os critérios da
dignidade vêm dados pelo papel social, a consideração do próximo, as honras,
a carreira, a consciência própria de cada um.45
Biologicamente, certos órgãos das pessoas podem ser
mantidos em funcionamento indefinidamente, de forma artificial, sem qualquer
perspectiva de cura ou melhora. Alguns procedimentos médicos, ao invés de
curar ou de propiciar benefícios ao doente, apenas prolongam o processo de
morte. Portanto, cabe indagar se se trata, realmente, de prolongar a vida ou de
prolongar a morte do paciente terminal.46
Há situações em que os tratamentos médicos se tornam
um fim em si mesmos e o ser humano passa a estar em segundo plano. A
atenção tem seu foco no procedimento, na tecnologia, não na pessoa que
padece. Nesta situação o paciente sempre está em risco de sofrer medidas
desproporcionais, pois os interesses da tecnologia deixam de estar
subordinados aos interesses do ser humano. Neste momento, em uma época
consciente, mais que nunca, dos limites do científico e das ameaças de
atentado à dignidade humana, a obstinação terapêutica surge como um ato
profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus
direitos mais fundamentais.47
Cabe então observar que a enfermidade não é, neste
sentido, a única capaz de arrebatar a dignidade: por que não haveriam de ter o
mesmo efeito a miséria ou a delinqüência? O silogismo é evidente: a dignidade
é o fundamento da vida humana e a enfermidade arrebata essa dignidade.48
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 465
45
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005.
46
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005.
47
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 465
48
18
Hoje reivindica-se a reapropriação da morte pelo próprio
doente. Há uma preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da
pessoa, mesmo na hora da morte. Reivindica-se uma morte digna, o que
significa a recusa de se submeter às manobras tecnológicas que só fazem
prolongar a agonia. É um apelo ao direito de viver uma morte de feição humana
[...] significa o desejo de reapropriação de sua própria morte, não objeto da
ciência, mas sujeito da existência.49
Os partidários da eutanásia, apelando à noção de
“qualidade de vida”, consideram que certas vidas perderam seu valor ou que,
em algumas circunstâncias, o homem deixa de ser homem. Em tais casos, o
ato de eutanásia, longe de aparentar-se com o homicídio, perfila-se como uma
ajuda prestada para quem a vida perdeu toda a dignidade. 50
Por isso, o fundamento jurídico e ético do direito à
morte digna é a dignidade da pessoa humana. O prolongamento artificial do
processo de morte é alienante, retira a subjetividade da pessoa e atenta contra
sua dignidade enquanto sujeito de direito.51
O conceito de dignidade humana é categoria
central na discussão do direito à vida e do direito à morte digna. Este conceito
leva a indagações como "se o prolongamento artificial da vida apenas
vegetativa não representa uma manipulação que viola a dignidade humana e
se certos tratamentos coativos e não necessários não ultrajam a dignidade da
pessoa.52
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005.
49
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 466
50
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005
51
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005
52
19
A legalização da eutanásia voluntária supõe o primeiro
passo de um processo lógico inevitável. Para conseguir sua aceitação, jura-se
e
perjura-se
que
somente
será
aplicada
naqueles
casos
extremos
apresentados à opinião pública em razão do seu caráter especialmente
dramático. No entanto, uma vez admitido o princípio, forjar-se-á, de forma
natural, uma mentalidade que tirará importância do ato de eutanásia.53
A
evolução
rumo
a
eutanásia
praticada
sem
o
consentimento do paciente, por piedade ou por razões socioeconômicas,
inscreve-se em um cenário que já é previsível, [...] tendo em conta que nossas
sociedades se vêem agora afrontadas com os problemas do envelhecimento
da população e a crise do sistema de proteção social. 54
A intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é
um atentado contra sua dignidade. A pessoa tem a proteção jurídica de sua
dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o
direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de
sua vida. Esta decisão precisa ser respeitada. Estando informado sobre o
diagnóstico e o prognóstico, o paciente decide se vai se submeter ou se vai
continuar se submetendo a tratamento. Ele pode decidir pelo não tratamento,
desde o início, e pode também decidir pela interrupção do tratamento que ele
considera fútil.55
O enfoque sugerido contradiz, além disso, a filosofia
moderna dos direitos do homem, fundada na noção clássica de dignidade: em
virtude da sua simples pertença ao gênero humano, o homem possui uma
dignidade intrínseca, da qual derivam certos direitos. Assim, no Preâmbulo
(1.prefácio. 2. palavras ou atos que precedem aquilo que é de fato importante)
da Declaração Universal dos Direitos Humanos — adotado depois do final da
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 467
53
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 467
54
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005
55
20
Segunda Guerra Mundial, afirma-se que “todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos” (art. l.) e que cada um pode invocá-los “sem
distinção alguma de raça. cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de
qualquer outra índole, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento ou qualquer outra condição” (art. 2°). 56
Assim, é assegurado o direito (não o dever) à vida, e não
se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento. O direito
do paciente de não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é
conseqüência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de
consciência (como nos casos de Testemunhas de Jeová), de sua autonomia
jurídica, da inviolabilidade de sua vida privada e intimidade e, além disso, da
dignidade da pessoa, erigida a fundamento da República Federativa do Brasil,
no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º garante, inclusive,
o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer intervenção
ilícita em seu corpo contra sua vontade. A inviolabilidade à segurança envolve
a inviolabilidade à integridade física e mental. Isso leva à proibição, por
exemplo, de intervenções não admitidas pelo paciente em sua saúde física ou
mental (ou mesmo na ausência de saúde completa).57
Esta noção objetiva da dignidade é uma garantia contra o
arbitrário e contra os abusos. Dessa forma, não poderia, pois, ser abandonada
apressadamente.58
Para Vieira vale lembrar que o médico deve assistência
ao paciente, devendo respeitar o desejo de morrer do doente terminal
(abstendo-se de técnicas ilusórias e penosas), administrando medicamentos
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 468
56
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves
considerações
a
partir
do
biodireito
brasileiro.
Disponível
em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov. 2005
57
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, 2000. p 468
58
21
sedativos que aliviam e aceleram a chegada da morte, a qual deverá ser o
mais digna e confortável possível.59
No capitulo que segue, passa-se a tratar da bioética, do
biodireito bem como dos principios bioéticos da autonomia, beneficencia e
justiça.
59
VIEIRA.Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira,
1999.
22
CAPÍTULO 2
BIOÉTICA, BIODIREITO E PRINCIPIOS BIOÉTICOS
2.1BIOÉTICA - CONCEITO , ORIGEM E CONSIDERAÇÕES
Entende-se de bioética como o estudo dos problemas e
implicações morais despertados pelas pesquisas científicas em medicina e
biologia’. O adjetivo moral, nesse caso, atua como sinônimo de ética. Em
outras palavras, a Bioética dedica-se a estudar as questões éticas suscitadas
pelas novas descobertas científicas; ‘novos poderes da ciência significam
novos deveres do homem.60
A Encyclopedia of Bioethics (Enciclopédia de Bioética) –
Reich define bioética como “o estudo sistemático da conduta humana na área
das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta
é examinada à luz dos valores e princípios morais”.61
Francesc Abel apud SANTOS62 nos da sua definição:
O estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo progresso
médico e biológico, tanto a nível microssocial, como a nível
macrossocial, e sua repercussão na sociedade e no seu
sistema de valores, tanto no momento atual como no futuro.”
É atribuída ao Professor Van Rensselaer Potter a
utilização, pela primeira vez, do termo Bioética, manifestada em um artigo
redigido em 1970, sob o título Bioethics, the science of survival. O termo
passou a ser consolidado a partir da obra prima de referido autor, publicada em
ALMEIDA, Guilherme Assis; CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e Direito: uma
perspectiva integrada. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.62.
60
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.38
61
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.38
62
23
janeiro de 1971, denominada Bioethics: bridge to the future. Para Potter (2000),
a expressão Bioética vinha ao encontro de como deveria ser a ciência na
sobrevivência de diferentes ameaças à vida. O conceito de Bioética evoluiu
com o curso do tempo, e várias foram as propostas dirigidas à sua constante
reformulação.63
Para Van Rensselaer Potter
“a finalidade da bioética é auxiliar a humanidade no sentido de
participação racional, porém cautelosa no processo da
evolução biológica e cultural. Bioética é a combinação de
conhecimentos biológicos e valores humanos”.
E prossegue Potter apud André Luiz Adoni, Bioética,
como se diz hoje, não é uma parte da Biologia; é uma parte da ética, é uma
parte de nossa responsabilidade simplesmente humana; deveres do homem
para com outro homem, e de todos para com a humanidade.
Segundo José Roberto Goldim64
“A Bioética propõe paramentos para auxiliar os pacientes,
familiares envolvidos, voluntários, membros da equipe de
saúde entre outras pessoas, a tomarem a solução mais
adequada, aquela que atenda aos melhores interesses do
paciente ou voluntários”.
Os fatores que contribuíram para a formação bioética são
múltiplos. Indicamos apenas alguns que julgamos significativos. Referimos a
fatores de ordem histórico-cultural, econômico-social, e ético-religioso. A
historia de um povo poderá condicionar a expressão mais rigorosa ou
consensual de sua cultura; sua situação econômico-social dirá algo de suas
opções no campo da saúde e de seu acesso à tecnologia avançada. A religião
e a ética indicarão os valores que elege e o direito as regras que segue. Há
também outro fator: a tradição filosófica que molda a mentalidade analítica e
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 397, 2003.
63
GOLDIM,
José
Roberto.
Princípios
Éticos.
<http://www.ufrgs.br/bioetica/princip.htm>. Acesso em 10 maio 2007.
64
Disponivel
em
24
critica da comunidade, da qual fundamentação bioética se torna uma
exigência.65
Pois bem, os valores não são fatos. Têm a peculiaridade
de não serem perceptivos. Percebemos os objetos, por exemplo, uma cadeira,
mas não podemos dizer que percebemos os valores. Os valores não se
percebem, estimam-se. A estimativa é uma faculdade psicológica distinta da
percepção.66
Dentre os valores o mais elementar é o econômico. Todas
as coisas são sujeitos de valorização econômica. Quer dizer, todas tem preço
(apreço e não apreço). O preço não é um fato e sim um valor, resultado de um
processo de avaliação.67
Não que não existam muitos outros valores. Os direito
humanos, por exemplo, também são valores e são muitos. Porem, todos eles
podem ser codificados na linguagem dos quatro princípios. Essa linguagem,
desde então, converte-se em ponto de referência das discussões bioéticas
sobre valor.
Analisando-se os diversos conceitos propostos, nada
obsta afirmar, hoje em dia, que Bioética representa o ato correto de lidar com a
vida, é um ramo do conhecimento humano, que se apóia na razão e no bom
juízo moral de seus. Faz necessária uma breve analise dos termos ética e
moral.68
Entre
1971
e
1978,
Reich
publica
uma
magna
Enciclopédia de Bioética. Em 1979, dois filósofos americanos: Tom I
Beauchamp e James F Childress, publicaram o livro: Princípios de Ética
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.40
65
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.41
66
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.41
67
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 396, 2003.
68
25
Biomédica (Principles of Biomedical Ethica). Nele estabeleciam, pela primeira
vez, o sistema de quatro princípios: os de Autonomia, Beneficência, NãoMaleficência e de Justiça.69
2.1.2ÉTICA E MORAL
Constituindo a eutanásia, como visto, tema atrelado à
Bioética, insta sejam consignados alguns apontamentos sobre ética e moral
[...]. A ética refere-se ao sistema ou à teoria que busca delinear e descrever o
que é bem e, por conseqüência e extensão, o que é mal. As fontes mais
antigas da ética são a mitologia, a teologia, malgrado atualmente as discussões
girarem em torno dos sistemas filosóficos.70
A moral, por seu turno, refere-se às normas que nos
direcionam e nos apontam o que fazer ou não fazer, dividindo as ações em
certo ou errado. A ética, portanto corresponde à teoria, a formulação do bem,
enquanto a moral diz respeito a pratica. 71
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.42
69
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 396-397, 2003.
70
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 397, 2003
71
26
2.2 BIODIREITO
CONCEITO
A evolução tecnológica, sobretudo no campo da medicina
e das investigações científicas, ocorre com uma fantástica velocidade,
influenciando diversos questionamentos atrelados a valores que partem de um
consenso universalmente aceito, que servem de indicadores à obtenção de
uma fórmula que apóie a conduta humana correta e eticamente aceitável.72
O Biodireito conclama a participação de outras ciências
para a formação de um consenso quanto aos valores éticos e morais que
devem estar compreendidos na elaboração das normas jurídicas.73
Em vista dessas considerações, pode-se afirmar que é
indispensável à elaboração de um Biodireito que venha a alcançar a promoção
e a defesa da igualdade dos sujeitos de qualquer relação interpessoal, em que
a vida humana de um modo ou de outro, nela esteja implicada.74
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 397, 2003.
72
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 397, 2003.
73
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 397, 2003.
74
27
2.3PRINCÍPIOS BIOÉTICOS
Princípios são tipos de ações comuns que, com o tempo
se tornam regras gerais que dirigem os interessados a uma determinada
abordagem para a solução de um problema.75
De acordo com H. Tristam ENGELHARDT apud Augusto
César Ramos, “os princípios funcionam como regra, talvez como regra geral,
que dirige o interessado a uma abordagem particular para a solução de um
problema”.
Consoante anteriormente consignado, a Bioética teve sua
origem na preocupação da utilização dos conhecimentos médicos na vida dos
pacientes. Desta forma, em 1974, nos Estados Unidos da América, formou-se a
Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos sujeitos de
Investigação Biomédica e do Comportamento. A referida comissão, após
quatro anos de exaustivos trabalhos, debates e discussões, publicou o
chamado Relatório Belmont, que se tornou um verdadeiro guia para a ética da
experimentação humana. Despontou, destarte, a formulação de três princípios
bioéticos elementares: princípio da autonomia, princípio da beneficência e
princípio da justiça.76
2.3.1PRINCÍPIO DA AUTONOMIA
O princípio da autonomia se refere ao respeito devido aos
direitos fundamentais do homem, inclusive o da autodeterminação.77
75
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 72.
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
76
77
SGRECCIA, Elio. Manual de bioética. I. Fundamentos e ética biomédica. P.167
28
O princípio da autonomia, denominação mais comum pela
qual é conhecido o princípio do respeito às pessoas, exige que aceitemos que
elas se autogovernem, ou sejam autônomas, que na sua escolha, quer nos
seus atos. O principio da autonomia requer que o médico respeite à vontade do
paciente ou do seu representante, assim como seus valores morais e crenças
[...] Limita, portanto, a intromissão dos outros indivíduos no mundo da pessoa
que esteja em tratamento.78
Segundo Kant, as pessoas jamais devem receber
tratamento na qualidade de meios para fins de outras pessoas, pois ao homem
é legitimo ter direito às suas autonomias. Ser autônomo e escolher
autonomamente, não são a mesma coisa do que ser respeitado como agente
autônomo. Ser respeitado significa ter reconhecido seu direito de autogovernar.
É afirmar que os sujeito está autorizado a determinar-se autonomamente, livre
de limitações e interferências. O princípio da autonomia expressa a esse
respeito.79
Segundo Peter SINGER, apud RAMOS
Por ‘autonomía’ se entiende la capacidad de elegir, de tomar
las proprias decisiones y de actuar de acuerdo con ellas. Se
presume que los seres racionales y conscientes de sí tiene
esta capacidad, en tanto que aquellos que no pueden
considerar las alternativas que se abren ante ellos no son
capaces de elegir, en el sentido estipulado, y por conseguinte,
no pueden ser autónomos. En particular, solamente un ser que
pueda captar la diferença entremorir y continuar viviendo puede
optar de manera autonóma por la vida.
Autonomia,
do
grego,
autós,
eu
e
nomos,
lei,
consubstancia-se no fato de que todo individuo tem capacidade e direitos
próprios e, portanto, não pode ser usado ou manipulado por outros.80
CLOTET,
Joaquim.
Por
que
Bioética?
http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetpq.htm> acesso em 25 mai 07.
78
Disponível
79
em
<
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 412, 2003.
80
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 75
29
Este princípio se refere ao respeito devido, por parte do
profissional da saúde, à vontade do paciente ou de seu representante, levandose em consideração seus valores morais e crenças religiosas. Admitindo o
domínio do paciente sobre a própria vida e o respeito à sua intimidade, acaba
por restringir a intromissão no mundo de quem está sendo submetido a
tratamento.81
Desta forma, segundo Elio Sgreccia82, este princípio
impõe o respeito devido aos direitos fundamentais do homem, inclusive, o da
autodeterminação. Assim, este princípio tem como base o respeito mútuo e se
inspira na máxima “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam”.
Os partidários da legalização da eutanásia a pedido do
paciente a justificam como um ato livre que, como tal, permite reafirmar a
dignidade de uma vontade livre e autônoma contra uma necessidade cega.83
Por outro lado, vimos como alguns partidários da
eutanásia se apóiam na idéia, ao menos implicitamente, de que a enfermidade
e o sofrimento trazem consigo uma perda da dignidade até o ponto que o
interessado deixa de ser pessoa: já não se trataria então de autonomia e é
precisamente o respeito a esta autonomia a justificação da eutanásia.84
No que se refere à relação entre médicos e pacientes,
significa respeito que deve ser dado à vontade do paciente, levando em
consideração seus valores morais e crenças e ainda, do domínio deste sobre a
própria vida e à consideração à sua intimidade.85
Podemos considerar que a legitimidade da tese da
autonomia requer três condições: (1°) É realmente o pedido da eutanásia a
81
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. p.15.
82
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I-Fundamentos e Ética Biomédica. p.167.
83
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, p 460-475, 2000.
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, p 460-475, 2000.
84
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 76.
85
30
expressão da vontade profunda do paciente?; (2°) O médico crê estar
justificado a praticar a eutanásia unicamente ou fundamentalmente nos casos
em que o paciente assim o pede?; (3°) É exato dizer que a legalidade da
eutanásia recai exclusivamente sobre os interessados, sem implicar o resto da
sociedade?86
A autonomia somente encontrará espaço para seu
exercício desde que seja verificado o inequívoco e irrestrito cumprimento ao
dever de informação que tem por fito alcançar o livre consentimento. 87
Baseando-se na lição de Léo Pessini e Christian de Paul
de Barchifontaine, Maria Helena Diniz88 diz que:
[...] Autonomia seria a capacidade de atuar com conhecimento
de causa e sem qualquer coação ou influência externa. Desse
princípio decorrem a exigência do consentimento livre e
informado e a maneira de como tomar decisões de substituição
quando uma pessoa for incompetente ou incapaz, ou seja, não
tiver autonomia suficiente para realizar a ação de que se trate,
por estar preso ou ter alguma deficiência mental.
A autonomia, no âmbito da relação médico-paciente,
traduz-se no respeito daquela à vontade deste, bem como a seus valores
morais e crenças. É reconhecido, destarte, o domínio do paciente sobre a
própria vida e o respeito à sua intimidade.89
Desta forma, segundo Elio Sgreccia90, este princípio
impõe o respeito devido aos direitos fundamentais do homem, inclusive, o da
autodeterminação. Assim, este princípio tem como base o respeito mútuo e se
inspira na máxima “não faças aos outros aquilo que não queres que te façam”.
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano 89, v.778, p 460-475, 2000
86
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito a Morte
Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
87
88
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética: do principialismo à busca
de uma perspectiva latino-americana. In: Iniciação à Bioética (vários autores). CFM, 1998. apud
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. p.15.
89
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 75
90
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I-Fundamentos e Ética Biomédica. p.167.
31
O princípio da autonomia visa portanto garantir o respeito
à decisão soberana do paciente, conforme JUNGES91:
Ser autônomo e escolher autonomamente não são a mesma
coisa do que ser respeitado como agente autônomo. Ser
respeitado significa ter reconhecido seu direito de autogoverno.
É afirmar que o sujeito está autorizando a determinar-se
autonomamente, livre de limitações e interferências. O princípio
de autonomia expressa esse respeito. Ele reza que ações
autônomas e escolhas não devem ser constrangidas por
outros, mesmo que fossem objetivamente para o bem do
sujeito. O princípio diz que nada menos, que existe o direito de
não ser interferido e, correlativamente, a obrigação de não se
constringir uma ação autônoma.
No entanto, para que o paciente exerça sua autonomia de
escolha, o médico deverá informar as possibilidades reais que um tratamento
projeta para o enfermo. Eis que surge o consentimento informado, que é o ato
voluntário sem quaisquer vícios, que se baseia em informações verdadeiras,
prestadas pelo médico.92
Enfim, o princípio da autonomia põe em xeque, ou ao
menos limita, o princípio da paternalista da beneficência. A analogia que se
pode fazer entre o questionamento da autonomia do paciente em face do
médico nos dias atuais tem sua gênese na crítica de Kant ao paternalismo
existente no binômio súdito-governo de sua época.93
JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p.
42-43
91
JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p.
43
92
93
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 76
32
2.3.2PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA
Está assentado na premissa de não causar danos,
provendo benefícios. Ainda, tem como tônica e persecução de ampliar a
ocorrência dos benefícios ao ser humano, com seguido reflexo na busca de
minimizar os prováveis riscos que são ínsitos às investigações da ciência no
âmbito do ser humano. 94
O principio da beneficência tem por objetivo considerar os
malefícios e os benefícios que o tratamento poderá proporcionar ao paciente,
equacionando
assim
os
possíveis
danos
que
um
tratamento
possa
95
proporcionar ao mesmo. Segundo Engelhardt , a justificação do principio da
beneficência reflete a circunstância de que as preocupações morais
compreendem procurar os bens e evitar os prejuízos.
O princípio da Beneficência enuncia a obrigatoriedade do
profissional da saúde e do investigador, de promover primeiramente o bem do
paciente e se baseia na regra da confiabilidade.96
Muitos não distinguem o princípio da beneficência do da
não maleficência (Primum non nocere = antes de tudo não prejudicar). Esse
princípio bioético determina não infringir qualquer tipo de dano, provém daqui, a
regra da fidelidade.97
O princípio da beneficência encontra-se conexo com o
princípio da não-maleficência (“primum non nocere”), ou seja, em vez de
condutas evasivas, intempestivas e não menos iatrogênicas tem-se o modelo
de não intervir para não provocar o mal. Se não se pode fazer o bem, não se
94
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna. p 399, 2003.
95
ENGELHARDT JUNIOR, H. Tristam. Fundamentos da bioética. São Paulo: Loyola, 1998. p.
159
96
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.42
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.43
97
33
deve produzir o mal, mesmo que culposamente. Trata-se do velho conflito entre
‘Risco x Beneficio’, tão descuidado.98
Segundo
Frankena
apud
ADONI,
o
princípio
da
beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda
promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências
conflitantes, o mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior
porção possível de bem em relação ao mal.99
Do latim, “bonun facere” – fazer o bem -, é o principio
ético que remonta ao juramento de Hipócrates (considerado o pai da medicina),
que “prevê, para os profissionais da saúde, o comportamento moral de fazer o
bem e promover o bem-estar. Nunca prejudicar ou fazer o mal a quem quer
que seja.100
De acordo com Frankena apud Adoni, o princípio da
beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda
promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências
conflitantes, o mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior
porção possível de bem em relação ao mal.101
O princípio da beneficência encontra-se inserto no Código
de Ética Médica brasileiro, em seu art. 2º, que assim dispõe: “o alvo de toda a
atenção do médico é a saúde do seu humano, em benefício do qual deverá agir
com o máximo zelo e o melhor de sua capacidade profissional”. Há de se fazer
nos dias atuais uma releitura do aludido princípio, porquanto a tecnologia
aplicada à medicina não raro submete o paciente em fase terminal a
98
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 75
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o Direito
a Morte Digna. p 400, 2003
99
100
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 73
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 401, 2003
101
34
tratamentos fúteis, utilizando-se de meios terapêuticos extraordinários para tãosomente prolongar a vida.102
O princípio da não-maleficência é controverso no âmbito
da bioética, gerando dúvidas quanto ao fato de ser um princípio realmente
autônomo, ou simplesmente um mero corolário do princípio da benevolência.
Em termos mais objetivos, a não-maleficência se refere a uma parte do
juramento de Hipócrates, que prega “não fazer o mal”. Deve-se impedir o mal
ou a ocorrência de um dar a outrem, afastando o mal ou o dano existente, e
buscar a promoção e a realização do bem O princípio da não-maleficência
resume-se no dever de não provocar um dano intencionalmente, derivando da
máxima da ética médica Primum non nocere.103
Para Joaquim Clotet o princípio da beneficência requer,
de modo geral, que sejam atendidos os interesses importantes e legítimos dos
indivíduos e que, na medida do possível sejam evitados danos. Na Bioética, de
modo particular, esse princípio se ocupa da procura do bem-estar e interesses
do paciente por intermédio da ciência médica e de seus representantes ou
agentes. Fundamenta-se nele a imagem do médico que perdurou ao longo da
história, e que está fundada na tradição hipocrática: “usarei o tratamento para o
bem dos enfermos, segundo minha capacidade e juízo, mas nunca para fazer o
mal e a injustiça”; “no que diz respeito às doenças, criar o hábito de duas
coisas: socorrer, ou, ao menos não causar danos”.104
Esclarece Hubert LEPARGNEUR apud RAMOS que o
principio da não-maleficência já se encontra absorvido pelo da beneficência,
uma vez que “o principio do non nocere, que proíbe prejudicar o outro sem
razão proporcional, é tão obvio e fundamental na moral quanto o dever de fazer
o bem e evitar o mal”.105
102
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 74
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 402, 2003
103
CLOTET,
Joaquim.
Por
que
Bioética?
http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetpq.htm> acesso em 25 mai 07
104
105
Disponível
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 74
em
<
35
Busca o presente principio, portanto, promover benefícios,
minimizando os riscos e danos de um tratamento, não prolongando o
sofrimento do enfermo, nem à integridade fisiológica, psicológica e moral do
paciente. Maria de Fátima Freire de Sá106 discorre que:
Quando uma pessoa está sob cuidados de outra, a ela é
garantido o direito de que esta tome decisões com vistas a
atender aos seus interesses mais importantes. Esta é uma
noção fundada tanto na lei quanto na moral, não se podendo
conceber que um indivíduo que zelar por outro que dele
depende, ainda que temporariamente, aja de forma diversa.
2.3.3PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Por justiça se entende o garantir a cada um o que lhe
cabe por direito. Para Aristóteles apud LEONETTI107,
A justiça é a disposição da alma graças à qual elas [as
pessoas] se dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e
a desejar o que é justo, sendo a injustiça o seu oposto.”
E continua Aristóteles apud LEONETTI:
[...] perfeição de justiça enquanto virtude (ou excelência moral)
se revelaria pelo fato de as pessoas que possuem este
sentimento (de Justiça) poderem aplicá-lo não apenas em
relação a si mesmas mas também às demais pessoas. Assim,
a justiça se caracteriza por ser um bem ‘dos outros’.108
106
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.
107
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social
no Brasil. São Paulo: Manole, 2003. p. 139
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social
no Brasil. São Paulo: Manole, 2003. p. 139-140
108
36
É o principio da justiça que obriga a garantir a distribuição
justa, eqüitativa e universal dos benefícios dos serviços de saúde. Impõe que
todas as pessoas sejam tratadas de igual maneira, não obstante, suas
diferenças, surge aqui a regra da privacidade.109
O relatório Belmont, publicado em 1978, que concebeu os
princípios basilares da bioética, fez a seguinte ponderação acerca do principio
da justiça:
Quem deve receber os benefícios e os riscos que ela acarreta?
Esta é uma questão de justiça, no sentido de ‘distribuição justa’
ou ‘o que é merecido’. Uma injustiça ocorre quando um
benefício que uma pessoa merece é negado sem uma boa
razão, ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente.
Uma outra maneira de conceber o Princípio da Justiça é que os
iguais
devem
ser
tratados
igualmente,
entretanto
esta
proposição necessita uma explicação. Quem é igual e quem é
não-igual? Quais as considerações justificam afastar-se da
distribuição igual?110
Reflete a imparcialidade na distribuição dos riscos e
benefícios. Pode ser entendido como a formula ética de equilibrar os riscos e
os benefícios, conforme ensinamentos da Professora, Maria Celeste Cordeiro
Leite Santos, para quem o princípio da justiça se refere a uma seleção
eqüitativa dos sujeitos da experimentação.111
Cada qual defenderá uma concepção de justiça que lhe
da razão. É ilusório querer enumerar todos os sentidos possíveis da noção de
justiça. Numerosas disputas se tem travado em torno do conceito Direito,
maiores, todavia são as duvidas que se movem em torno do conceito de
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.45
109
110
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 77-78
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna. p 402
111
37
Justiça. Sob o certo aspecto, faz-se constituir-se a justiça na conformidade com
a lei; mas, por outro lado, afirma-se que a lei deve ser conforma a justiça.112
A teoria de justiça de John Rawls apud RAMOS113 baseiase na idéia de que todo ser humano, em igual medida, é proprietário de uma
personalidade moral. Sustenta que
“la personalidad moral es la base de la igualdad humana; su
punto de vista deriva de la idea del ‘contrato’ considera a la
ética como uma especia de acuerdo recíprocamente
beneficioso”
Deve-se ter em mente que o simples aspecto biológico do
ser humano é insuficiente para defini-lo, mas é fundamento de realização da
pessoa humana, no qual repousa o seu respeito e consideração enquanto ser.
Pode-se dizer, também guardadas as necessárias reservas, que sua
exploração conceitual partiu do conhecido contratualismo de John Rawls,
proposto e estudado em suas conspícuas obras Uma Teoria da Justiça
Justiça como equidade.
e
114
Aquilo que, sob certo respeito, se aceita como critério do
justo e do injusto pode por seu turno – desde que apareça como puro fato de
ordem empírica – ser sotoposto a um juízo de igual espécie; postulando-se em
nome da própria justiça, um mais elevado critério ideal, que transcenda todas
as determinações jurídicas pontuais e assente noutro domínio, que não nestas,
o seu fundamento.115
Todavia, Peter SINGER, apud RAMOS116, adverte para o
fato de que a teoria de Rawls não contempla todos os seres humanos, uma vez
que nem todos são iguais. E dentre as objeções mais contundentes destaca o
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.45
112
113
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 78
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna. p 401
114
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p.45
115
116
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. p 78
38
caso das crianças pequenas e dos deficientes mentais, que, por não terem
consciência para anuir à idéia de contrato, não se poderia considerá-las seres
com personalidade moral, que implica reconhecer que eles carecem os
atributos de justiça e ética. Por isso afirma que:
“La posesión de uma ‘personalidade moral’ no constituye uma
base satisfactoria para el principio de que todos los seres
humanos son iguales”.
Beuchamp e Childress apud GOLDIM117 ensinam que
Entende-se justiça distributiva como sendo a distribuição justa,
eqüitativa e apropriada na sociedade, de acordo com as
normas que estruturam os termos da cooperação social. Uma
situação de justiça, de acordo com esta perspectiva, estará
presente sempre que uma pessoa receberá benefícios ou
encargos devidos às suas propriedades ou circunstancias
particulares.
Segundo SANTOS o princípio da justiça exige que a
distribuição de encargos e benefícios seja justa; não existe justiça quando
alguns grupos (como, por exemplo, na experimentação humana de novos
métodos) arcam com todos os prejuízos e outros grupos auferem todas as
vantagens.118
E prossegue, afirmando que o poder da decisão deve
aliar-se à Justiça. É o que ocorre quando há conflitos entre a responsabilidade
médica e a autonomia do paciente, ou de sua família, visando a proteção da
vida (por exemplo, em casos de transfusão de sangue indispensável para
pessoa que seja Testemunhas de Jeová).119
No capitulo seguinte será feito a análise da eutanásia com
conceituação e origem, também será feito uma exposição dos aspectos
117
GOLDIM,
José
Roberto.
Princípios
Éticos.
<http://www.ufrgs.br/bioetica/princip.htm>. Acesso em 10 maio 2007.
Disponivel
em
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p 53
118
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a Bioética e a Lei:
Implicações Médico-Legais. p 53
119
39
jurídico-penais, falado sobre do consentimento do paciente, a classificação da
eutanásia e alguns argumentos pró e contra a eutanásia.
40
CAPÍTULO 3
EUTANÁSIA
3.1CONCEITO, ORIGEM E CONSIDERAÇÕES.
A termo eutanásia tem em seu sentido lato a definição de
boa morte, ou morte apropriada, morte doce e sem sofrimento. Atualmente, a
concepção de eutanásia liga-se à idéia de provocar conscientemente a morte
de alguém, fundamentado em relevante valor moral ou social, por motivo de
piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que, por si só, seja suficiente
para desencadear o óbito. Ao invés de deixar a morte acontecer, buscando-se
amenizar o sofrimento do paciente, a eutanásia é entendida como uma ação
sobre a morte, de modo a antecipá-la. 120
De acordo com José Ildefonso Bizzato
A palavra eutanásia é de origem grega, significa ‘morte doce,
morte calma’, tendo sido empregada pela primeira vez por
Francis Bacon, no sec. XVII. Do grego eu e Thanatos, que tem
por significado ‘a morte sem sofrimento e sem dor’ – para
outros a palavra eutanásia também expressa: morte facil e sem
dor, morte boa e honrosa, alivio da dor, golpe de graça, morte
direta e indolor, morte suave, etc.121
A
prática
da
eutanásia
não
é
desconhecida
da
ancestralidade, sendo freqüentemente utilizada sob os mais diversos
desígnios. Platão, em um de seus diálogos responde ao interlocutor por
Gláucon, se é correta a postura de médicos e juízes tratar somente cidadãos
“bem constituídos de corpo e alma”, deixando “morrer os que fisicamente não
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
120
121
BIZATO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica. P. 13
41
estiverem nessas condições, respondeu:” Parece-me que é o melhor, quer para
os próprios pacientes, quer para a cidade.122
A eutanásia é tão antiga quanto à própria existência
humana, partindo da afirmação inegável de que a vida tem seu término, é
preferível que a dor e a angustia sejam a todo custo eliminadas desse
processo, optando pelo direito de morrer dignamente. Obviamente o conceito
de morte digna é interpretado de várias maneiras o que encerra tamanha
discussão sobre o tema, e a dificuldade em se chegar a um consenso da
legitimidade de uma lei que seja justa e ética.123
A palavra eutanásia traduz-se, em seu sentido literal, na
boa morte, morte suave, morte fácil, sem dor nem sofrimento, sem angústia.124
O debate a respeito da eutanásia conduz ao terreno de
umas considerações ideológicas, boas para serem trocadas nos debates
daqueles que gozam de boa saúde, mas muito distantes da vivência real dos
doentes terminais.125
Augusto Cesar Ramos explica que
A palavra ganhou relevância com o filósofo ingles Francis
Bacon, no seculo XVII, que, sob uma perspectiva médica, dizia
que “o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores nao
apenas quando este alívio possa trazer a cura, mas também
quando pode servir para procurar uma morte doce e
tranquila”.126
Para legitimar a eutanásia, com freqüência se apresenta a
imagem do enfermo terminal vítima de sofrimentos atrozes, que, além disso, se
mantém contra a sua própria vontade em razão do empenho médico — que
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p.95-96
122
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003.
123
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 103-104.
124
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p. 475
125
126
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. P. 106
42
perdeu o seu sentido terapêutico — por parte da equipe que o atende. Por um
lado, o médico está obrigado não só a estabelecer a saúde do paciente, mas
também a aliviar seu sofrimento. Com este fim, pode (e deve) administrar
calmantes ou analgésicos, inclusive se os seus efeitos têm como resultado,
não desejado dessa forma, o encurtamento da vida do paciente.127
Por outro lado, o empenho “terapêutico” não é exigido por
uma razão moral nem jurídica. Pelo contrário, a deontologia médica, a moral e
o direito obrigam o médico unicamente a combater a dor e a administrar um
tratamento ordinário, útil e proporcional ao mal padecido. 128
Olavo refere-se à eutanásia como homicídio eutanásico,
que no seu entendimento visa a subtrair do enfermo os padecimentos “cruéis
de doença, provocadora de dores tenebrantes e tida como incurável, ou vítima
de grandes traumatismos craniomedulares e dos seus pungentes sofrimentos,
agindo-se sob os impulsos de um exacerbado sentimento de comiseração e
humanidade”. 129
A eutanásia pode ser definida, ainda que de forma
simplista, a “la aceleración del momento de la muerte que se presenta más o
menos cercana como único medio de abreviar el sufrimiento físico y moral
derivado de una enfermedad terminal o de una inusvalía irreversible , o que
equivale a antecipar a morte do moribundo acometido de doença incurável e
padecendo de insuportável dor física ou moral. 130
Atualmente, tal palavra é utilizada para designar o ato de
provocar a morte por compaixão no que tange a um doente incurável, pondo
fim aos seus sofrimentos, ou em relação a um recém-nascido gravemente
malformado cuja qualidade de vida seria bastante comprometida. Cabe ainda a
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p. 462
127
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p. 462
128
129
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 106.
130
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 95.
43
distinção entre os termos ortotanásia que significa deixar morrer o doente de
sua morte natural por abstenção ou por omissão de cuidados; e distanásia que
consiste em conservar em vida um doente tido como incurável esbanjando
cuidados extraordinários, desvelos sem os quais ele não poderia subsistir131
3.2EUTANÁSIA NA HISTÓRIA
Em Esparta, uma das cidades-Estado da Grécia antiga,
davam morte às criaturas pobres, raquíticas, contrafeitas e desprovidas de
vigor e valor vital, pois aos 8 (oito) anos a pessoa, homem ou mulher, ia para o
exercito, saindo de lá somente aos 60 (sessenta) anos, tendo inclusive que
pagar por la estar. 132
Em Roma, o gesto dos Césares nos circos romanos, de
abaixar o polegar, por ocasião dos combates dos gladiadores; gesto com que
se decretavam a extinção do vencido, abreviando a agonia dos que, feridos
mortalmente, haviam de sofrê-la lenta e cruel.133
Também entre os celtas achavam-se já mostras, não só
de seleção [eugenia: filhos úteis e robustos para o Estado], mas de verdadeiras
práticas de eutanásia, porque não davam a morte unicamente às crianças
disformes ou monstruosas, mas aos anciãos inválidos.134
Contemporaneamente,
consoante
registro
de
Luis
Jimenez de ASÚA, o debate acerca da eutanásia adentrou nos foros
acadêmicos com a publicação de três notáveis obras, “L’Omicidio-suicidio”,
“Die Freigabe der Vernichtung lebensunwerten Lebens” (A autorização para
131
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 96
132
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 96-97
133
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 97
134
44
exterminar as vidas sem valor vital) e por último. A publicação da obra
L’uccisione pietosa: l´eutanasía, em 1923, de autoria de Enrico Morseili, que foi
uma resposta ao opúsculo de Bindin e Hoche, porquanto firma que a sua
“repulsa pela eutanásia, em todas as suas formas e sentidos, é absoluta”:
As idéias de Hoche influenciaram um grande número de
psiquiatras alemães, o que explica o fato de que a comunidade médica tenha
auxiliado Hitler quando da implementação do programa eutanásico nazista em
setembro de 1939. 135
A Holanda, por sua vez, possui uma situação particular no
que concerne ao assunto. A prática da eutanásia é tolerada pela justiça,
embora a lei a considere um crime passível de prisão de até doze anos,
distinguindo-se do homicídio.136
Uma comissão estatal determinou as condições em que
as penas não seriam aplicadas: se o ato não for consumado por um médico; se
o pedido expresso e explicado for formulado por um doente completamente
informado e todas as possibilidades de tratamento estiverem esgotadas ou
tiverem sido recusadas pelo paciente, após consulta a um segundo médico ou
a um psicólogo. A Associação Medica Holandesa (KNMG) aprovou posição
idêntica.137
Entretanto, na Austrália a matéria é tratada de forma
menos rigorosa, em 1995, um dos seus territórios aprovou a legislação que
regulamenta o suicídio assistido.138
A Comissão do Meio Ambiente do Parlamento Europeu
adotou em abril de 1991 uma proposta de resolução admitindo o princípio da
eutanásia. Eis um fragmento citado por VIEIRA139:
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 98
135
136
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
137
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
138
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
45
Na ausência de qualquer terapêutica curativa, e após o
fracasso de cuidados paliativos, toda vez que um doente
plenamente consciente solicitar que seja dado um termo a uma
existência que tenha perdido toda dignidade, e que uma junta
médica constate a impossibilidade de trazer novos cuidados,
este pedido deverá ser satisfeito.
No Estado de Nova York e Washington em 1991 decidiu
que a dificuldade em definir doente terminal e o risco de o desejo do paciente
morrer não ser totalmente voluntário justificam manter a proibição do suicídio
assistido. Todavia, a Corte decidiu também que médicos podem ministrar
drogas para controlar a dor de um paciente terminal, mesmo que elas possam
agravar o quadro clínico do doente e, eventualmente, provocar sua morte.140
Atualmente, o debate acerca da prática da eutanásia
intensificou-se em conseqüência dos casos dc Karen Ann Quinlan (1975) e
Nancy Cruzan (1990), nos Estados Unidos, de Ramón Sampedro (1993), na
Espanha, e de Diane Pretty, na Grã-Bretanha, entre tantos.141
Na Bélgica percebe-se, atualmente, um certo consenso a
favor da legalização da eutanásia a pedido do paciente. Encaminhar-nos-íamos
assim em direção a uma aparente solução de compromisso, que consiste em
rechaçar simultaneamente a despenalização pura e simples do ato eutanásico
e a proibição pura e simples de todas as formas de eutanásia. 142
No Brasil, encontra-se sob apreciação do Congresso
Nacional o Projeto de Lei n° 125/96, de autoria do Senador Gilvam Borges,
visando à legalização da eutanásia. 143
139
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
140
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
Ramos, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 99
141
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.460
142
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p. 99-100
143
46
3.3ASPECTOS JURÍDICO-PENAIS
Indispensável se faz, ainda que superficialmente, um
retrospecto acerca da prática da eutanásia no direito pátrio. E, nesse particular,
é importante observar o Código Criminal de 1830, que, embora não fizesse
referência à eutanásia, aplicava pena ao crime de auxílio ao suicídio, o mesmo
se depreende da redação do art. 198.144
O Código Penal vigente, de 1940, instituiu o tipo
privilegiado de homicídio ao fazer constar no § 1° do art. 121 que “se o agente
comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral [...] o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Para a análise do artigo
supracitado, é adequado reportar-se ao Decreto-Lei n° 2.848/40 — Exposição
de motivos da parte especial do Código Penal — a fim de que se amenize a
expressão incerta na lei. Para tanto, esclarece o item 39 do pré-citado Decreto
que, “por motivo de relevante valor social ou moral, o projeto entende significar
o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo,
a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio
eutanásico).145
Importa considerar que a disciplina atual do homicídio
eutanásico capitulado no § 1° do art. 121 do Código Penal “nada dispõe a
respeito da particular situação da vítima, que deve, para que se perfaça a
legítima eutanásia, padecer de enfermidade terminal incurável ou encontrar-se
em situação de invalidez irreversível”.146
Ademais, pelo fato de o § 1°do art. 121 não especificar a
amplitude do vocábulo agente, permite concluir que se trata “de qualquer
pessoa que realiza o ato [...]. Portanto, não há, no Direito brasileiro, a exigência
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. 180 p.
144
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. 180 p.
145
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. 180 p.
146
47
de que a eutanásia seja praticada por médico. Como tecnicamente é
entendida”.
Não se pode esquecer, por evidente, do consentimento da
vítima e do causa piedosa do sujeito ativo no homicídio eutanásico para que se
possa abriga o crime na modalidade privilegiada.
A necessidade de adaptar o direito ao fato poderia investir
certa legitimidade se fosse possível estabelecer cientificamente os fatos aos
quais a norma jurídica deve submeter-se e que, com o seu registro, permitem
enquadrar a opinião pública e a inaplicação ou ineficácia do direito positivo
anterior.147
RAMOS cita o anteprojeto de reforma da parte especial
do Código Penal brasileiro.148 Na atual proposta de reforma do Código Penal,
apresentada em 1999, procedeu-se à inserção dos § 3° e 4°, que estabelecem
respectivamente:
Eutanásia
§ 3° Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente,
descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de
afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta,
imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento
físico insuportável, em razão de doença grave e em estado
terminal, devidamente diagnosticados:
Pena — reclusão, de dois a cinco anos.
Exclusão de ato ilícito
§ 4° Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por
meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a
morte como iminente e inevitável, e desde que haja
consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de
cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p 473
147
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 129
148
48
E continua dizendo que, no particular, a exposição de
motivos do anteprojeto de reforma da parte especial do Código Penal esclarece
que149
A eutanásia foi considerada em suas duas formas. A eutanásia
ativa conserva a ilicitude; em homenagem à motivação de
solidariedade humana, a pena é reduzida. Tem-se ,aí, sem
dúvida, a figura do homicidio. A eutanásia passiva (ortotanásia)
esta incluida no rol das hipoteses de exclusão da ilicitude. Ha
evidente distinção entre elas. Na primeira, o agente inicia a
cadeia causal que levará à morte; na segunda, nao provocada
pelo agente, está em curso e a morte se evidencia, atestada
por dois médicos, ‘iminente e inevitável, e desde que haja
consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de
cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
Juridicamente, a quase-totalidade dos códigos civis ignora
oficialmente as circunstâncias que distinguem a eutanásia do homicídio ou do
auxílio ao suicídio. Contudo, na prática, os tribunais têm feito prova de
indulgência nestes casos.150
Para legitimar a legalização da eutanásia, alude-se com
freqüência à necessidade de um compromisso em uma sociedade pluralista. A
rejeição da eutanásia, apresentada como uma vontade de impor aos demais
uma convicção de índole religiosa ou confessional, suporia quebrar os
princípios sobre os quais se assenta uma democracia pluralista.151
Não se pode negar que alguns enfermos terminais se
encontram em situações limite, certamente trágicas. No entanto, seria absurdo
sacrificar a norma a favor da exceção. A noção de estado de necessidade se
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 129
149
150
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p 473
151
49
inscreve, desde faz tempo, no direito penal, para levar em consideração os
casos especiais.152
Visando
suprimir
dúvidas
acerca
do
assunto,
a
Associação Mundial de Medicina emitiu, em outubro de 1987, o seguinte
parecer, mencionado na obra de VIEIRA153:
A eutanásia, o ato de terminar deliberadamente com a vida de
um paciente, mesmo que a seu próprio pedido ou por
solicitação de seus parentes próximos. É um procedimento que
contraria a ética, não impedindo que o médico respeite a
vontade do paciente de aceitar que o processo da morte
obedeça a seu curso natural na fase terminal da doença.
No que pertine à matéria, o art. 66 do Código de Ética
Médica do Brasil veda ao médico a utilização, em qualquer caso, de meios
destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu
representante legal.154
A matéria é eriçada de dificuldades. Merecem menção às
palavras dos renomados infectologistas brasileiros Vicente Arnato Neto e Jacyr
Pasternarck apud VIEIRA155 ao proclamarem que:
O profissional precisa ter certeza de que fez realmente tudo o
que era factível, estando atualizado quanto aos seus
conhecimentos para adotar essa convicção. [...] Quando se
delineia
realmente
doença
terminal,
esforços
imensos
redundam num grande nada a curto prazo, de modo que fica
pouco espaço para uma dor de consciência.
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p 473
152
153
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
154
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
155
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
50
3.4AUTONOMIA E CONSENTIMENTO DO PACIENTE
É direito inerente ao paciente, ainda que afetado por
grave doença incurável, decidir pelo início de um tratamento, mesmo que
paliativo, ou até interrompê-lo. Não pode o médico, ainda que fundamentado
em motivo de relevante valor moral descumprir a manifestação de vontade do
paciente de paralisar o tratamento terapêutico. Na hipótese de o médico
submeter o paciente a um tratamento terapêutico contra a sua vontade, podese suscitar a ocorrência de conduta típica, caracterizando o crime de cárcere
privado, constrangimento ilegal, ou até mesmo lesões corporais.156
A legalização da eutanásia permitirá a doentes incuráveis
a escolha entre a morte imediata e a expectativa de uma agonia prolongada.157
Segundo a professora de antropologia e diretora da
Associação Internacional de Bioética, Débora Diniz, "Eutanásia não é
assassinato. Viver é sempre fazer escolhas, inclusive a escolha de decidir
morrer”, ela assinala ainda que existem dois princípios éticos muito utilizados
para deliberar sobre a própria morte, que são o princípio da dignidade, em que
devemos nos questionar até que ponto podemos considerar vida digna a de
uma pessoa que não consegue executar mais suas funções vitais sozinha, e
que não tem consciência da sinergia que se estabelece ao seu redor.158
Esta tese pode ser formulada da seguinte maneira: a
legalização da eutanásia a pedido do paciente se impõe, já que a escolha do
momento e das formas de morte pertencem à autonomia individual, que deve
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 420
156
157
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007
158
51
ser respeitada em um Estado pluralista em que ninguém pode impor aos
demais as suas próprias convicções.159
E o segundo é o princípio da autonomia, pois sendo a
eutanásia compreendia como o exercício de um direito individual é uma
garantia do cuidado a que as pessoas têm direitos, que inclui o direito de
morrer.160
Com relação a essa situação, é duvidoso que um médico
se considere justificado para praticar a eutanásia unicamente porque o
interessado manifestou o seu desejo neste sentido. 161
A decisão de praticar a eutanásia não se apóia nunca
apenas na vontade do doente, mas é sempre o resultado de um juízo de valor
sobre a qualidade de vida. 162
Logicamente, se o respeito da autonomia basta para
justificar a eutanásia, não há razão para subordinar a legitimidade desta última
a outras condições.163
Já se alçam vozes, naturalmente, para pedir uma maior
flexibilidade das condições. Os que consideram que um enfermo terminal que
pede a eutanásia atua de maneira sensata e digna, contrariamente ao que
ocorre com o jovem depressivo ou o desempregado desesperado, raciocinam
na realidade à luz de um modelo implícito.164
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.462
159
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à vida. Disponível
em < http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007
160
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.461
161
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p. 461-462
162
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.464
163
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.464-465
164
52
Enganam-se aqueles que sustentam que o pedido da
eutanásia corresponde a uma escolha puramente privada, que só cabe ao
interessado e não prejudica de modo algum ao próximo. Kant refuta a idéia de
exercer tal direito sobre si mesmo aludindo ao fato de que o homem “é
responsável pela humanidade na sua própria pessoa165.
Mas daí sustentar a existência de um direito de
propriedade sobre si mesmo, que outorgaria a cada um o direito de dispor de
sua vida de forma absoluta, há um passo que nosso humanismo jurídico nos
proíbe dar. O direito a dispor da própria vida mediante ajuda de outra pessoa
se impõe com ainda menor força.166
É obviamente observável que a legalização da eutanásia
afeta o vínculo social. É importante salientar que a legalização da eutanásia
não é uma questão de ética pessoal, mas depende sem dúvida da ética sóciopolítica. 167
Cerruti apud VIEIRA resume as objeções a uma
legalização ou a uma regulamentação da eutanásia em três palavras:
nocividade,
inutilidade
e
incongruência.
Na
sua
concepção,
uma
regulamentação da matéria seria nociva porque aumentaria o papel do Estado
em um campo concernente à vida privada e à liberdade dos indivíduos. Seria
inútil porque as normas morais e deontológicas da profissão médica
preenchem até agora este ofício e a recusa terapêutica tornou-se uma prática
aceita. É incongruente porque estas questões realçam o poder médico e este é
o único que deverá apresentar as respostas.168
A legalização da eutanásia corre o risco de voltar-se
também contra os médicos ao induzir, naqueles que a praticam, um costume e
uma trivialização. Ameaça acabar com a relação de confiança e o diálogo
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.466
165
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.467
166
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.467-468
167
168
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
53
existente entre médico e paciente. Entre os médicos partidários da eutanásia,
são muitos os que se negam a pô-la em prática: esta reticência não é um sinal
claro da natureza equívoca da eutanásia.169
Por sua vez, a maioria dos membros do Institute of
Medical Ethics Working Party on the Ethics of Prolonging Life and Assisting
Death entende que o médico está moralmente autorizado a ajudar um paciente
a morrer. No entender de Jean Bernard, quando as dores forem intensas,
tornando a vida intolerável, o médico tem o dever de fazer o possível para
diminuí-las,
quaisquer
que
sejam
as
conseqüências
do
tratamento
apaziguador.170
Por cima de tudo isto e tendo em conta o papel simbólico
da lei, é evidente que todo mundo está afetado pelo levantamento de uma
proibição tão importante, que traz consigo uma debilitação geral do respeito à
vida.171
A
morte,
explica
Jacques
Robert,
professor
da
Universidade de Paris, apud VIEIRA, dado o consentimento, pela provocação
ou mesmo por ordem da vítima, constitui um homicídio voluntário e não uma
cumplicidade de suicídio. 172
Assim, diferente do que se falava acerca da eutanásia,
rejeitam-se os termos matar ou provocar a morte, preferindo-se outros que
dêem um outro enfoque a essa prática, como permitir a morte ou não prolongar
a agonia.173
Diversos modelos de testamentos, visando solucionar o
problema, são propostos em vários países por associações criadas com esse
fim. A organização Choice in Dying presta orientação acerca dos direitos dos
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.469
169
170
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
MONTERO, Etienne. Rumo a uma legalização da eutanásia voluntária? Reflexões sobre a
tese da autonomia. Revistas dos Tribunais. São Paulo, vol. 778 nº 89,2000, p.469
171
172
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
173
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
54
pacientes terminais. Testamentos em vida são documentos nos quais os
pacientes instruem seus médicos ao que concerne ao não-uso de meios de
suporte à vida. Contudo, devem os médicos exercer seu bom senso, mesmo na
falta desse tipo de testamento.174
Thomas More apud Augusto Cesar175 Ramos em sua obra
“A Utopia”, publicada em 1516, defendia a prática da eutanásia como uma
decisão voluntária entre os enfermos incuráveis, como se depreende do
excerto a seguir, extraído da obra supracitada:
Quanto aos doentes, já referi os cuidados afetuosos que por
eles têm, nada poupando que possa auxiliar a sua cura, quer
quanto a remédios, quer quanto a alimentos [...] No caso de a
doença não só ser incurável, mas originar também dores
incessantes e atrozes, os sacerdotes e magistrados exortam o
doente, fazendo-lhe ver que se encontra incapacitado para a
vida, que sobrevive apenas à própria morte, tornando-se um
empecilho e um encargo para os outros e fonte de sofrimento
para si próprio e que deve decidir não mais alimentar o mal
doloroso que o devora. E já que a sua vida é agora um
tormento, que não se importe com a morte, antes a considere
um alívio, e consinta em libertar-se dela como de uma prisão
ou de uma tortura, ou que então permita que os outros o
libertem dela. [...] E se, finalmente, o doente se persuade a
executar os seus conselhos, pode pôr termo à vida
voluntariamente, quer pela fome, quer no meio do sono, sem
nada sentir. No entanto, a ninguém obrigam a morrer contra
sua vontade e nem por isso o tratam com menos cuidados e
carinhos, aceitando a sua morte como um fim honroso.
Em verdade, quando discutimos o direito de morrer,
questionamos o direito do doente terminal de ser ouvido, fazendo com que sua
dignidade como pessoa humana seja respeitada.176
174
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 99-100
175
176
VIEIRA.Tereza Rodrigues.Bioética e Direito. São Paulo, Editora Jurídica Brasileira, 1999
55
3.5CLASSIFICAÇÃO
Muitos autores buscam relacionar as espécies de
eutanásia, cada qual utilizando classificação própria. Partindo-se dos conceitos
de
eutanásia,
distanásia,
ortotanásia
e
suicídio
assistido
abordados
anteriormente, seguem algumas classificações:177
a) eutanásia propriamente dita: trata-se da morte aplicada por
misericórdia ou piedade alguém que esteja padecendo de uma
enfermidade penosa ou incurável, tendo por intuito eliminar a
agonia lenta e dolorosa vivida pelo doente;
b) distanásia ou eutanásia lenitiva: visa a eliminar ou abrandar
o sofrimento, antecipando-se a morte artificialmente; A
distanásia pode ser conceituada como a agonia prolongada, o
patrocínio de uma morte com sofrimento físico ou psicológico
do individuo, sem qualquer perspectiva de cura ou melhora
c) eutanásia ativa: é o ato deliberado, por fins misericordiosos,
de ajudar a promoção da morte, pata fins de eliminar ou
diminuir o sofrimento do doente;
d) eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre,
dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se
inicia uma ação médica ou porque é feita a interrupção de uma
medida extraordinária, com o objetivo de diminuir o sofrimento;
e) eutanásia criminal: refere-se ao patrocínio de morte indolor
às pessoas que representam uma ameaça social, em razão da
periculosidade que ostentam;
f) eutanásia terapêutica: quando são empregados ou omitidos
meios terapêuticos, com intuito de causar a morte do paciente.
E a faculdade atribuída aos médicos para propiciar uma morte
suave aos pacientes incuráveis e com dor;
g) eutanásia de duplo efeito: ocorre quando a morte é
acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas
177
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 418, 2003
56
que são executadas, visando ao alívio do sofrimento de um
paciente terminal;
h) eutanásia experimental: é aquela que causa a morte indolor
de pessoas, tendo o experimento científico como fim; i)
eutanásia súbita: representa a morte repentina;
j) eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do
processo natural e progressivo do envelhecimento; entre
outras.
A doutrina, rica em classificações, não raro obscurece a
compreensão dos incipientes estudiosos que se aventuram no tema. Convém,
para efeitos deste estudo, concentrar o foco em torno de quatro classificações
clássicas apontadas pela doutrina contemporânea, a saber: eutanásia,
ortotanásia, distanásia e suicídio assistido.178
3.5.1ORTOTANÁSIA
A doutrina tem vinculado o uso da expressão eutanásia
passiva a da ortotanásia (do grego orthós: normal, correta + tlianatos: morte),
que indica a omissão voluntária do médico em aplicar ou interromper meios
terapêuticos extraordinários ao paciente acometido de doença incurável e que
sofre terrivelmente, [...] evidente, tal conduta médica só será lícita se não
caracterizar o tipo penal de abandono de incapaz.179
A ortotanásia está implícita na concepção de eutanásia. A
prática as ortotanásia é conduta atípica no ordenamento jurídico penal
brasileiro, pois corresponde a promoção de um ato lícito, na medida em que
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p
178
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 101
179
57
não significa encurtar a vida de um paciente, apenas consolidar uma situação
irreversível e irremediável de morte encefálica. 180
Diante da constatação de um paciente que sofra de
doença incurável, cujo sofrimento é de impossível controle ou paralisação pelas
respostas oferecidas pela biotecnologia atual, pode o enfermo optar pela
interrupção do tratamento médico, ou mesmo nem sequer iniciá-lo.181
Há uma corrente considerável de estudiosos que
defendem a ortotanásia (eutanásia passiva), sob o argumento de que [...] O
médico não age, apenas deixa de prolongar, por meios artificiais, uma vida
que, além de sofrida, mostra-se irrecuperável. 182
3.5.2 DISTANÁSIA
A distanásia (dis + thanasia, morte lenta, ansiosa e com
muito sofrimento) significa o emprego de todos os meios terapêuticos possíveis
no paciente que sofre de doença incurável e encontra-se em terrível agonia, de
modo a prolongar a vida do moribundo sem a mínima certeza de sua eficácia e
tampouco da reversibilidade do quadro clínico da doença.183
A distanásia pode ser conceituada como a agonia
prolongada, o patrocínio de uma morte com sofrimento físico ou psicológico do
individuo, sem qualquer perspectiva de cura ou melhora184
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
180
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
181
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 105
182
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 107
183
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
184
58
Nesse particular, a Recomendação n° 1.418, aprovado
em junho de 1999 pela Assembléia parlamentar do Conselho Europeu, que
versa sobre a proteção dos direitos humanos e da dignidade dos doentes
incuráveis e terminais, “convida os Estados membros a prever, em seu direito
interno, disposições que assegurem aos doentes incuráveis e terminais a
proteção jurídica e social necessária contra os perigos e os receios específicos
[...], particularrnente contra o risco de: [...] ter a existência prolongada contra a
própria vontade”. 185
Falar em distanásia é desconsiderar os limites dos
tratamentos fúteis ou inúteis à saúde do paciente em fase terminal sob a
defesa dos princípios bioéticos da beneficência (fazer o bem), da autonomia
(respeito pela autonomia do paciente) e de justiça (eqüidade na distribuição de
bens e benefícios).186
3.5.3SUICÍDIO ASSISTIDO
O suicídio assistido parte da premissa de que a pessoa
não esteja sofrendo de qualquer doença incurável, e nem esteja sob a
incidência de intensas dores físicas ou mentais. Ocorre quando uma pessoa
não dispondo de meios para consumar, por si mesma, o próprio óbito, reclama
auxílio de outrem para levar a contento sua intenção.187
RAMOS , Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 107
185
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 108
186
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
187
59
A pessoa que contribui para a ocorrência da morte da
outra pode ser enquadrada no art 122 do Código Penal Brasileiro, que constitui
tal conduta como crime.188
Eutanásia, homicídio, suicídio e suicídio assistido
Embora seja a eutanásia vizinha do suicídio, com ele não
se confunde, conforme CASABONA apud RAMOS189, porquanto:
la primera sería la aceleración del momento de la muerte que
se presenta más o menos cercana como único medio de
abreviar el sufrimiento físico y moral derivado de una
enfermidad terminal [...] mientras que el segundo consiste en
quitarse uno mismo violenta y voluntariamente la vida que ya
no quiere ser vivida por cualquier outro motivo y en
circunstancias diferentes.
Do mesmo modo não se confunde suicídio com suicídio
assistido, uma vez que suicídio é o ato de dar a si mesmo morte ou buscá-la
intencionalmente [...] o suicídio assistido, ou homicídio suicídio, é o homicídio
consentido, em que uma pessoa atenta contra sua vida e porque outra a
ajuda.190
Não há falar em semelhança entre homicídio e suicídio
assistido. Este não prescinde do consentimento da vítima, que é irrelevante
para a caracterização daquele. Por fim, deve-se atentar para o fato de que o
induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio são condutas previstas no Código
Penal pátrio, em seu art 122.191
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A Eutanásia e o
Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9, v.818, p 394-421, 2003
188
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 108
189
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 115
190
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 115
191
60
3.6ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA
Como já afirmado, a polêmica acerca do tema é bastante
candente. Em razão do que as opiniões se dividem, cada qual com argumentos
bastante fortes.192
Assim, de um lado encontram-se aqueles que advogam
tese favorável à pratica da eutanásia sob os mais diversos fundamentos, a
sabe193r:
“Os casos comprovadamente incuráveis devem ter a
benevolência da lei”, pois “ a própria Igreja [Católica] admite a
eutanásia indireta” (teoria do duplo efeito), e, também porque a
“ fome, a miséria e a falta de assistência social e previdenciária
matam mais atrozmente do que a eutanásia”. Ou, ainda,
porque “ a vida de uma pessoa que está sofrendo de uma
doença mortal tornou-se inútil a ela, à sua família e à
sociedade”, razão pela qual se justifica moralmente pôr termo à
sua “própria vida, quer sozinha, quer com auxilio de outros”.
Noutra extremidade, posicionam-se aqueles cuja objeção
a eutanásia consiste em recear ora ondas de ocorrencias que incitariam uma
multidão de excluídos sociais ao suicídio, ora a formação de um ambiente
desconfortável para os idosos, que se sentiriam ou culpados, por serem
economicamente inuteis, haja vista que estariam ocupando o lugar de mais
novos, ou ameaçados diante dos olhares concupiscentes dos herdeiros sobre
seu patrimonio.194
Sem duvida, os dois argumentos mais fortes sao o receio
de abusos da pratica da eutanásia, que poderiam desvirtuar para um homicidio
legal, e o caráter de santidade da vida humana, de cunho eminentemente
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 119
192
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 119
193
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 120
194
61
religioso. Quanto a este, convem sublinhar a reação da Igreja Catolica à
legalização da eutanásia na Holandam publicando no Jornal da Santa Sé
“L’Osservatore Romano” que “a eutanásia pe uma aberração. Matar um
paciente é um gesto criminoso [...] é dificil acreditar que uma opção tao
macabra seja qualificada como ‘civilizada’ e ‘humanitária’”.195
Por ultimo, há um intenso receio de que a partir da
legalização da eutanásia voluntária ativa, abra-se uma fresta para praticas
eugênicas – um processo de seleção da raça humana – quer seja no
nascimento, quer seja na velhice. Afinal, durante a Segunda Guerra Mundial o
mundo assistiu ao desejo daquele que almejou formar uma raça superior. E
processo similar ocorreu quando da colonização da América do Sul, em que
milhoes de índios foram mortos em nome de uma pretensa superioridade do
homem branco, fundado na força da Igreja e do Estado (a Cruz e a Espada).196
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 121
195
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte. Florianópolis
OAB/SC Editora, 2003. p 121-122
196
62
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como observado ao longo deste trabalho, a eutanásia,
modalidade pretendida quando o paciente acometido de doença grave não
possui condições de uma boa vida, não possui previsão legal para a sua
prática.
É certo que, mesmo não tendo sido contemplada pelo
ordenamento jurídico pátrio, já existem tentativas para a sua legalização. Esta
modalidade vem sendo realizada, através da concessão de permissões mundo
afora. Ocorre que mesmo sem a autorização para a prática abortiva,
comumente observa-se a incidência do aborto em clínicas clandestinas, estas
que raramente possuem condições sanitárias e frequentemente colocam em
risco a vida das gestantes.
Denota-se através dos inúmeros argumentos favoráveis e
contrários à eutanásia que quando a questão se refere ao paciente que esta
sofrendo, aqueles que se posicionam contra, tornam-se minoria.
Ressaltando
a
respeito
dos
direitos
fundamentais,
encontrou-se, no principio da dignidade da pessoa humana, um fundamento
assegurado para uma morte digna, sem sofrimento.
Observando-se os princípios bioéticos da autonomia,
beneficência e justiça, bem como os fundamentais direito à vida e à dignidade
da pessoa humana, têm-se condições de formular uma opinião acerca da
eutanásia.
Ao analisar as modalidades de eutanásia, verifica-se certo
contra-senso por parte de alguns que se posicionam contra. Defender o direito
à vida, que não tem as mínimas condições de sobrevivência fora de um
hospital e sem os devidos aparelhos, acaba por configurar evidente hipocrisia.
O que não se pode considerar, é que aqueles que
ignoram tais princípios, valendo-se unicamente de uma opinião sem qualquer
63
fundamentação aceitável, queiram se posicionar e impor que um ser humano
suporte a dor de passar por um final de vida sem dignidade e com imenso
sofrimento.
Ao desenvolver este trabalho, foram demonstrados, os
argumentos prós e contra à eutanásia, com uma tendência a aceitação da
pratica deste ato.Assim, pretendeu-se, de certa forma, convencer aqueles
contrários à eutanásia a expandirem suas convicções, deixando de lado suas
crenças morais e religiosas, e se colocando no lugar daqueles sofredores
pacientes que, indignamente, tendo que permanecer vivo indignamente, e
contra a sua vontade.
64
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ADONI, André Luiz. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais Sobre A
Eutanásia e o Direito a Morte Digna.Revista dos Tribunais. São Paulo ano 9,
v.818, p 394-421, 2003.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia:
breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7571> Acesso em 21 nov 2005
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 4ª edição. Coimbra [Portugal]: Livraria Almedina, 2000
CLOTET,
Joaquim.
Por
que
Bioética?
Disponível
em
<
http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetpq.htm> acesso em 25 mai 07.
COAN, Emerson Ike. Biomedicina e biodireito. Desafios bioéticos. Traços
semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios
da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida. In:
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.). Biodireito: Ciência da vida, os
novos desafios. São Paulo: RT. 2001.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. I,
art. 1º a 5º, LXVII. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1988.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos. In: COSTA, Sergio
Ibiapina Ferreira; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel (Orgs). Iniciação a
bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saravia, 2001.
GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade. – São Paulo : Editora Revistas dos Tribunais, 2004.
65
GOLDIM,
José
Roberto.
Princípios
Éticos.
Disponivel
em
<http://www.ufrgs.br/bioetica/princip.htm>. Acesso em 10 maio 2007.
JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo:
Unisinos, 1999.
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de
justiça social no Brasil. São Paulo: Manole, 2003.
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:
princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2005. 142p.
MONTERO Etienne. Rumo a uma legislação da eutanásia voluntária?
Reflexões sobre a tese da autonomia. Revista dos Tribunais. São Paulo ano
89, v.778, p 460-475, 2000
OLIVEIRA, Lílian Carla de; JAPAULO, Maria Paula. Eutánásia e o direito à
vida.
Disponível
em
<http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=19041>.
Acesso em 14 jun 2007.
RAMOS, Augusto César. Eutanásia: aspectos éticos e jurídicos da morte.
Florianópolis OAB/SC Editora, 2003. 180 p.
ROCHA, Fernando Jose da. Questões genéticas. Soluções éticas? Revista
USP, n. 24, p. 67, 1994-1995.
SÁ, Maria de Fátima Freide de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio
assistido. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O Equilíbrio de um Pêndulo a
Bioética e a Lei: Implicações Médico-Legais. São Paulo: Ícone Editora,
1998. 313p.
SGRECCIA, Elio. Manual de bioética. I. Fundamentos e ética biomédica. São
Paulo: Loyola, 1996.
66
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12 ed.rev.
e atual. São Paulo: Malheiros, 1999.
SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: Investigações políticojurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002, 391p.
TESSARO, Anelise. A anomalia fetal incompatível com a vida como causa de
justificação para o abortamento. Revista da Ajuris: Doutrina e Jurisprudência,
v.31, n.93, p.45-59, mar. 2004.
VIEIRA, Tereza Rodrigues. O que é Bioética? Disponível em
<http://www.uniandrade.br/cep/download/pdf/O_que_e_bioetica.pdf>. Acesso
em 10 maio 2007.
Download