FUNDESP: INCONSTITUCIONALIDADE E DESACERTO NA DIVISÃO DE SUA RECEITA A discussão ocorrida nas últimas semanas acerca da divisão da arrecadação decorrente dos recursos afetos ao Fundo Estadual de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário de Goiás – FUNDESP, nos leva à indagação se essa iniciativa ofende a Constituição Federal. A nosso ver sim, tendo em vista as inovações trazidas pela Reforma do Judiciário, consubstanciadas na Emenda Constitucional 45 de 2004. Os vários estudos levados a cabo por ocasião da discussão da dita Emenda sempre tiveram como conclusão a parca e deficiente estrutura material e administrativa do Judiciário. Isto, aliado à judicialização exacerbada de quase tudo e à falta de magistrados em número suficiente na maioria das regiões do País, sem dúvida influenciou substancialmente na morosidade dos processos, principal reclamação do usuário. Assim, a par da criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, da súmula vinculante e de tantos outros importantes instrumentos para mitigar os problemas da Justiça, o legislador-constituinte estabeleceu que as custas e emolumentos devem ser destinados exclusivamente para custear os serviços da Justiça, conforme determina o art. 98, § 2º da Constituição Federal. Essa providência constitucional teve o condão de garantir efetiva autonomia financeira aos tribunais, pois até então, como se sabe, haviam dificuldades de toda ordem, desde prédios dos fóruns inadequados e velhos, até explícita dependência das prefeituras municipais nas unidades jurisdicionais do interior. Não era mesmo possível continuar como estava, sob pena de o Judiciário abdicar do seu mister constitucional. É bom e necessário lembrar que o Judiciário de Goiás, há uma década atrás, sofria todo tipo de carência. Como magistrado que ingressou na carreira em 1997, lembro-me que a maioria dos fóruns eram antigos, sem nenhuma condição de bem atender o usuário, servidores e juízes, sem contar que muitos pertenciam aos municípios; pouquíssimos computadores e impressoras, a maioria dos juízes adquiriam tais equipamentos com recursos próprios; internet, praticamente inexistente; às vezes, por incrível que pareça, faltava papel e outros materiais absolutamente básicos. Hoje a situação é diferente. O Judiciário goiano é motivo de orgulho para todos nós: possui prédios modernos (embora necessária a reforma e manutenção constante dos já existentes, construção de novos, modernização de boa parte deles); está totalmente informatizado; possui computadores em número suficiente, conquanto haja necessidade de substituição dos antigos; criou diversas comarcas e varas, melhorando o acesso da população; já não há a carência de materiais de expediente de outrora etc. Isto se deve aos recursos do FUNDESP. Sem essa importante ferramenta financeira seria impossível a reestruturação material, o que, certamente, nos colocaria numa posição vexatória perante as outras Unidades da Federação, passando a impressão de abandono do Judiciário. Está, pois, havendo o resgate de século de ausência de investimento. E muito falta para chegarmos a uma situação confortável. A título de exemplo, os fóruns do interior não possuem serviço de segurança, ficando à noite expostos a furtos, que têm ocorrido. Há necessidade da construção de mais prédios, sendo o principal deles o fórum cível de Goiânia, reforma e modernização de boa parte dos já existentes, continuar avançando na informática, melhorar a estrutura dos cartórios e gabinetes, aquisição de novos equipamentos, substituição das ultrapassadas impressoras matriciais, otimizar o sistema de malote, tornando-o mais frequente, custear todas as despesas de energia, água, telefone, segurança e limpeza de cem por cento das comarcas, e tantas outras necessidades. Mas voltemos à indagação inicial: há inconstitucionalidade em se alterar a distribuição dos recursos do FUNDESP? Ao fazer referência à EC 45/2004, a qual inseriu o § 2º ao art. 98 da Constituição da República, fiz questão de grifar a palavra exclusivamente porque aí está exposta a vontade do constituinte-derivado no sentido de que o recurso proveniente das custas e emolumentos não pode atender a outras despesas que não as de reestruturação do Judiciário. Com efeito, o dispositivo constitucional, sem qualquer titubeio quanto ao destino das receitas oriundas das custas e emolumentos, estabelece exclusividade para os serviços afetos à Justiça, vale dizer, não inclui qualquer outro órgão ou instituição estranhos ao Judiciário. Reforçando essa idéia, importante notar que o referido artigo da Constituição foi inserido em Capítulo específico do Poder Judiciário. Outra interpretação decerto não guarda ressonância com o espírito motivador da norma, que veio ao mundo jurídico para propiciar a reestruturação do Judiciário, e não do Executivo. Se sob a ótica jurídica a iniciativa é questionável, política e historicamente também o é. Com efeito, o debate atual por todo o País gravita em torno da necessidade de se conferir absoluta independência financeira aos tribunais. O próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ trabalha em cinco projetos para reafirmar e solidificar a independência dos tribunais, conforme notícia publicada em seu portal. Por isso, além de incidir em inconstitucionalidade, qualquer alteração na lei do FUNDESP que vise dividir a sua receita com órgãos estranhos ao Judiciário, é ir na contramão da história e atropelar os passos dados pela Justiça do Estado após a recém editada Emenda Constitucional 45. Éder Jorge Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e Fazendas Públicas de Trindade