Verbete SOCIABILIDADE Síntese escrita por Vera França- 15/03/2012 O conceito tem sua origem no trabalho do sociólogo alemão G. Simmel (1858-1918), Sociabilidade – exemplo de sociologia pura ou formal (ano?) Está intimamente relacionado a um outro conceito, socialização, “a forma que se realiza de inúmeras maneiras diferentes, graças às quais os indivíduos, em virtude de interesses -sensíveis ou ideais, momentâneos ou duráveis, conscientes ou inconscientes, agindo causalmente ou estimulados teleologicamente - se soldam em uma unidade no seio da qual esses interesses se realizam” (p. 122 – conf. cit. na tradução). A socialização, portanto, diz respeito ao processo de ajustamento, de justaposição que se realiza para a construção de uma vida comum. O conceito guarda um caráter negocial, remete à dinâmica de associação, ou “sociação”, como prefere Maffesoli, para falar do societal em ato, da urdidura que constrói a vida social. A sociedade não é senão o resultado dos arranjos e laços estabelecidos entre indivíduos e grupos para atender suas necessidades1. Nesse movimento, Simmel promove uma distinção entre conteúdos (interesses perseguidos pelos indivíduos) e formas, que são as maneiras pelas quais os indivíduos se organizam para a obtenção desses interesses. As formas modelam e realizam (dão concretude) aos interesses, que constituem sua matéria-prima. Com o passar do tempo, as diferentes formas se cristalizam, se tornam disponíveis socialmente e conquistam vida própria – passam a existir por elas mesmas. É aí que aparece a sociabilidade – que ele chama de “forma lúdica da socialização”, ou “forma pura”, uma forma marcada pela inexistência de fins práticos, e que “não quer senão existir enquanto relação” – laço de reciprocidade. (p. 125). Domínio da forma, inscrição no terreno da sensível, dos afetos, das emoções, a sociabilidade é marcada por um caráter lúdico e estético. Alguns autores enfatizam e fazem uma leitura estrita desse caráter lúdico da sociabilidade, e colocam-na em oposição às relações formais da sociedade, marcadas por interesses e condicionadas à obtenção de algum resultado. A sociabilidade seria assim, ao lado de relações econômicas, políticas, eróticas, religiosas, o domínio do festivo, da “conversa jogada fora”. Outros (e este é a perspectiva que nos parece mais frutífera), acentuando o caráter relacional da visão simmeliana, sua recusa das visões totalizadoras do social, e seu foco na tensão entre formas de sociação e experiências vividas, exploram o conceito de sociabilidade enquanto dimensão criativa e estética que acompanha a concretização das diferentes relações sociais, enquanto realização e experimentação (e “experienciação”) de formas. Enveredando por este caminho, podemos ler na sociabilidade um convite a pensar, nas diversas situações vividas socialmente, e inclusive no seio das relações formais e racionais, uma dimensão sensível e espontânea, onde a relação se impõe e ganha existência para além de seus objetivos, onde formas institucionalizadas sofrem torções e modificações, conteúdos são revistos e finalidades são alteradas. As formas são, assim, recriadas no seio das interações; são superiores e submissas aos indivíduos (Rousiley). Existem socialmente (antecedem e orientam as interações), mas se modificam no 1 Cf. Simmel, a sociedade “representa globalmente a ação recíproca dos indivíduos que a compõem”, p. 212. momento de sua execução e no movimento tomado pela interação (marcadas pela situação e pela iniciativa dos indivíduos). É neste sentido que podemos entender a frase de Simmel “toda sociabilidade não é senão um símbolo da vida” – é um símbolo, um jogo, uma construção, através da qual a vida (que é aquilo que é “jogado” no jogo) se renova e é atualizada. Ela é uma “obra estilizada tecida com os fios que a ligam ao real”. Comunicação e sociabilidade Mas qual é, afinal, a relação entre comunicação e sociabilidade? Como vimos, as formas se realizam e se desenvolvem no seio das interações - e interações são ações sociais marcadas pela reciprocidade, pela mútua afetação dos indivíduos participantes. Isto acontece, via de regra, pela presença da linguagem, do simbólico. As interações simbólicas são interações comunicativas. E o que o conceito de sociabilidade traz / acrescenta aos estudos comunicativos? - ele nos ajuda a repensar a relação comunicação-sociedade, a entender a comunicação como instância de realização do social; - ele nos lembra que a comunicação se dá no seio das configurações estruturais da sociedade (das relações estabelecidas); - que a comunicação, enquanto interação comunicativa, é momento de realização e de recriação do social (potência, vitalidade, conforme Maffesoli); - nos atenta para a presença de outra lógica, para além da realização de interesses específicos; - para uma dimensão que é da ordem do espontâneo, do afetivo, do sensível, do efêmero; - realça o fato de que a comunicação, como prática interativa, é passível de vários formatos – e tais formatos devem ser examinados “em situação”; - nos possibilita pensar as relações forma-conteúdo; as relações entre diferentes formas; - no contexto de criação de novas mídias e de profundas modificações na realidade midiática, nos estimula a investigar como essas mídias realizam e reestruturam as relações entre os membros da sociedade, ensejando a criação de “novas” sociabilidades. Referências: COHN, Gabriel. Simmel e a depuração das formas. In: _____. Crítica e resignação – fundamentos sociológicos da sociologia de Max Weber. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979. FRANÇA, Vera. Sociabilidade: implicações do conceito no estudo da comunicação. In: BRAGA, José Luiz; FAUSTO NETO, Antônio; PORTO, Sérgio Dayrell. A encenação dos sentidos: mídia, cultura e política. Rio de Janeiro: Diadorim/Compós, 1995. p. 55-66. MAIA, Rousiley. Sociabilidade: apenas um conceito? In: Geraes – estudos em comunicação e sociabilidade, Belo Horizonte, n.53, p.04-15 dez. 2002. MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente. Rio de Janeiro: Rocco, 1984. _____. À sombra de Dionísio – contribuição para uma sociologia da orgia. Rio de Janeirro: Graal, 1985. SIMMEL, Georg. Sociabilidade: um exemplo da sociologia pura ou formal. In: _____. Sociologia. Organizador [da coletânea] Evaristo de Morais Filho. São Paulo, Ática,1993, pp. 165-181.