CONSTRUÇÕES DE TÓPICO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GRAMÁTICA Renato Kledson Ferreira (CELE/UFRN) [email protected] Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Martins (UFRN) INTRODUÇÃO No Português Brasileiro (PB), predominantemente na modalidade oral, muitos enunciados podem iniciar por um sintagma nominal deslocado, o qual não corresponde ao sujeito gramatical, sendo que o constituinte separado do resto da frase por uma pausa e pela falta de concordância com o verbo é denominado de tópico. Pontes (1987) afirma que, dentre outras línguas, o PB está tanto entre as línguas de tópico quanto as de sujeito proeminente, como podemos observar nas sentenças em (1), (2), (3) e (4), a seguir: (1) O Pedro, a casa comprou. (2) O Pedro, nós vimos ele ontem na festa. (3) O Pedro, ele não ficou. (4) O Pedro, eu vi [-] ainda ontem. Vemos que é possível recuperar algumas vezes a relação semântica ou mesmo gramatical entre o tópico e o comentário1. No exemplo (1) o constituinte topicalizado em negrito não tem nenhuma ligação com o resto da sentença; no máximo, podemos inferir a relação semântica entre as sentenças “quem comprou a casa foi o Pedro” e “A casa é do Pedro”. Em (2), a relação do tópico com o resto da frase está nos traços de pessoa, gênero e número e em (3) o constituinte topicalizado também se duplica na sentença seguinte pelo pronome “ele”, ou seja, a função sintática do pronome transferese ao constituinte “Pedro”, originando assim, uma construção de tópico de duplo sujeito2. No exemplo (4), a categoria vazia3 na sentença retoma o tópico em negrito como um objeto direto deslocado. Considerando que as construções de tópico são muito recorrentes na gramática do PB, este artigo tem por objetivo apresentar (como) e (se) as gramáticas tradicionais (doravante GTs) trabalham com as construções de tópico, tendo como base os trabalhos de Pontes (1987), Mateus et all (2003), Araújo (2009) e Castilho (2010). O artigo está estruturado como segue: na seção 1, buscaremos definir o que são essas construções; na seção 2, mostraremos como essas construções estão constituídas no PB; e na seção 3, abordaremos como (e se) as gramáticas tradicionais de Bechara (2004) e Cunha e Cintra (2008) apresentam tais construções para, então, propormos uma reflexão de como trabalhá-las na sala de aula. 1 O comentário vem logo após o tópico para especificá-lo ou apresentá-lo como uma informação nova ou já conhecida. 2 3 Essa nomenclatura será apresentada nas seções adiante. No caso das construções de tópico categoria vazia é o espaço vazio da sentença, do qual um sintagma nominal ou preposicional foi deslocado para início da sentença. 1. O que são construções de tópico? As construções de tópico são estruturadas em que se atesta um deslocamento de um constituinte (argumentos e adjuntos) para a cabeça da frase. Esses constituintes, por sua vez, quando movidos para a parte externa da sentença, não têm nenhuma relação com a sentença seguinte. Segundo Mateus et all (2003, p.491) quando “o mesmo constituinte acumula a relação gramatical de sujeito com o papel discursivo de tópico” é denominado de tópico não marcado, devido ao fato de ter concordância com o verbo, enquanto que o tópico deslocado do corpo da sentença é chamado de tópico marcado porque não estabelece a relação gramatical de sujeito. Nas sentenças em que a estrutura sujeito-predicado e a estrutura tópicocomentário são equivalentes o tópico é não marcado. Vemos em (5) e (6), respectivamente, construções em que os constituintes são homólogos e em que o tópico não tem relação com o verbo: (6) [Os miúdos] telefonaram. (MATEUS et all, 2003, p.490) (7) [Aos miúdos,] [ [-] [oferecemos-lhes CDs] (MATEUS et all, 2003, p.490) Como constatamos, o constituinte topicalizado no exemplo (5) estabelece concordância com verbo, tendo traço discursivo de tópico e relação gramatical de sujeito. Já, no exemplo (6), o constituinte deslocado é um tópico marcado porque não tem relação gramatical de sujeito e a categoria vazia na sentença seguinte é o sujeito nulo e o pronome “lhes” retoma o tópico na cabeça da frase. 1.1 O que caracteriza as construções de tópico? Tentaremos responder esse questionamento com base na tipologia apresentada por Li e Thompson (apud Pontes, 1987, p.19-25). Para estabelecer uma tipologia das construções de tópico, esses autores definem em (a) as características das construções de tópico nas línguas de tópico e em (b) as características das línguas de tópico. Em relação ao item (a) são apresentadas algumas características do tópico em contraste com o sujeito e vice-versa, as quais serão arroladas a seguir. Quanto à definição, o constituinte topicalizado sempre será definido como também poderá ser um demonstrativo; quanto às relações selecionais, vemos que o tópico não tem ligação alguma com o verbo; quanto ao verbo determinar o sujeito é porque a relação do tópico com o verbo é independente; quanto ao papel funcional, o tópico desempenha o centro da atenção na sentença, ou seja, ele está mais ligado ao discurso; quanto à concordância, o tópico não estabelece relação nenhuma como o verbo, pois em línguas como o português em que pode haver a marcação da concordância, se realiza apenas o verbo com sujeito, podendo algumas vezes ocorrer à concordância com o tópico, o constituinte topicalizado assume traços idênticos do sujeito gramatical; quanto à posição do tópico nas sentenças é uma característica marcante, pois anuncia o que vai ser comentado e sempre está no início da oração em contexto de frase-raiz4, diferentemente do sujeito em algumas línguas que pode vir no início de frase, no final ou ser nulo; quanto aos processos gramaticais na sentença ocorre quando o tópico se desloca para a cabeça da frase, cabendo ao sujeito todos os processos como reflexivização, passivização e imperativização, mas não cabe ao tópico que, por estar na parte exterior da sentença, é independente desses processos sintáticos. 4 Contexto de frase-raiz são denominações de sentenças simples. De acordo com L&T o item (b) apresenta as características típicas das línguas de tópicos (Tp). Em relação à construção passiva, os autores “explicam a marginalidade da passiva nas línguas Tp como devida ao fato de a construção de tópico ser a que desempenha o papel mais importante na construção da S, podendo qualquer SN ser tópico” (apud PONTES, 1987, p.21); em relação aos sujeitos vazios5, o português, assim como, as línguas de tópico não têm sujeito expresso ou nulo em frases existenciais impessoais ou referentes a fenômenos atmosféricos. Em relação às construções de duplo sujeito típicas das línguas de tópicos, o constituinte topicalizado e o sujeito presente na estrutura da sentença são distinguidos devido ao fato de o primeiro não ter concordância com o verbo; em relação ao controle de co-referência é o tópico que assume o controle no interior da sentença e não o sujeito; já em relação às restrições, vemos que só há em sentenças de línguas de sujeito, enquanto, em línguas de tópicos não. Como exemplo, temos o português em que qualquer elemento na sentença pode ser um tópico, tais como os argumentos, os adjuntos adverbiais, adjuntos adnominais e o adjunto predicativo. Por fim, em relação às sentenças básicas6, as línguas de tópico são sentenças propriamente básicas, devido ao fato de apresentarem argumentos e distribuição, sendo que as frases topicalizadas podem ser afirmativas, negativas, exclamativas, interrogativas e encaixadas. Sintetizando, o tópico depende do discurso, assim como o sujeito da sentença. E o português compartilha com as línguas de tópicos a maioria das características, tendo apenas algumas que diferem do PB, em virtude de não apresentar um morfema para marcar o tópico e não ter um verbo no final da sentença, embora Pontes (1987) desconfie da primeira afirmação citando o pronome cópia como marca. 2. As construções de tópico no português brasileiro Nesta seção, mostraremos como as construções de tópico são constituídas no PB com base em Pontes (1987), a qual afirma que a língua portuguesa pode-se enquadrar tanto nas línguas de proeminência de sujeito quanto de proeminência de tópico, tendo como base a estrutura da sentença expressa por Sujeito-Verbo-Objeto (doravante SVO), devido ao pressuposto de que esta “é uma construção universal e por isso têm descrito as diferentes línguas sempre do mesmo modo” (PONTES, 1987, p.11). Desta forma, as construções de tópico na modalidade escrita sofrem certos preconceitos ainda impostos pela tradição gramatical greco-latina7, em consequência de tal tradição não assumirem a estrutura Tópico-Verbo-Objeto (doravante TVO) na língua escrita, apesar dessas aversões serem combatidas pelos manuais introdutórios de linguística. L&T (1976 apud PONTES, 1987, p.43) evidenciam “que há línguas em que inclusive o tópico é indicado não só sintaticamente, mas também morfologicamente”. Não é o caso do português e de muitas outras línguas em que o tópico é identificado pela posição na cabeça da sentença, pela ocorrência do pronome anafórico ao tópico e algumas vezes pela entonação. 5 Sujeito vazio, nomenclatura adotada por Pontes (1987, p.21), ou sujeito nulo. 6 Sentenças básicas correspondem às sentenças de tópico que não são possíveis derivá-las de outras, ou seja, não costumam ter restrições de ocorrência, pois se houvesse algum condicionante não poderiam ocorrer em orações encaixadas, negativas ou interrogativas. 7 Refere-se às gramáticas tradicionais. Apresentaremos, primeiramente, os cinco tipos de tópicos na perspectiva de Mateus et all (2003), uma gramática do PB que tem por base a teoria gerativa. Exemplificaremos os diferentes tipos de construções com sentenças extraídas dessa gramática. Apresentaremos também as classificações proposta por Araújo (2009) que denomina algumas construções de tópico com a mesma semelhança que aquela proposta por Mateus et all (2003), diferindo da classificação desta em apenas algumas nomenclaturas, pois Araújo (2009) desenvolve a topicalização de objeto direto, tópico pendente com retomada, tópico cópia, tópico sujeito e tópico locativo, citando também o tópico com cópia pronominal ou duplo sujeito, assim como denomina Pontes (1987). As classificações aqui elencadas foram denominadas por um critério de gramaticalização que se estabelece entre o elemento topicalizado e a frase-comentário, resultando as seguintes construções: i. ii. iii. iv. v. Tópico pendente (TP); Deslocação à esquerda de tópico pendente (DETP); Deslocação à esquerda clítica (DEC); Topicalização (TOP); Topicalização selvagem (TOP´s); Além das construções apresentadas acima, temos outras mais específicas que serão apresentadas, as quais tentaremos discorrer resumidamente suas características e exemplificá-las para uma maior compreensão em relação às diferenças e semelhanças. vi. vii. viii. ix. x. xi. Topicalização de objeto direto (TOD); Tópico pendente com retomada (TP´r); Tópico cópia (TC); Tópico sujeito (TS); Tópico com cópia pronominal ou duplo sujeito (TCp ou DS); Tópico locativo (TL) As construções de tópico pendente (TP) têm um grau mínimo de sintatização, não tendo nenhuma conectividade entre as sentenças, sendo estas restritas a contexto de frase-raiz e o sintagma deslocado para a parte externa do comentário é um sintagma nominal ou pode ser regido por uma preposição ou uma locução preposicional. Não são sensíveis a ilhas8 por não terem categorias vazias no corpo da sentença. Já em relação à condição de relevância, esta determina que o comentário seja referente ao tópico. O TP no plano textual funciona frequentemente como uma estratégia de introdução de um tópico de transição. Ilustraremos essas informações a respeito do TP por (7), (8) e por (9): (7) ...filmes estrangeiros, estamos a ver o filme até ao fim e não sabemos do que se trata. (MATEUS et all , 2003, p. 492) (8) Quanto ao debate de ontem à noite, é forçoso reconhecer que há políticos que falam sobre um país que não conhecem. (MATEUS et all , 2003, p. 492) (9) Médico sempre aí nas Serra, nesse Rapa mermo tem um posto. (ARAÚJO, 2009, p. 241) 8 O fenômeno de ilhas é caracterizado por inserir novos constituintes no interior da sentença, podendo haver uma forte ou fraca ligação sintática com a oração. Nos exemplos expostos acima vemos que os tópicos em negrito não têm nenhuma conectividade com o restante da sentença. No caso de (7), o constituinte topicalizado “filmes estrangeiros” apenas é retomado pelo sintagma “filmes” inserido no corpo da sentença. Em (8), essa construção pode ser iniciada por marcas formais, como quanto a..., no que se refere a..., como foi introduzida na oração. No tópico “o debate de ontem à noite” não tem nenhum constituinte interno no comentário que o retome, ficando apenas a informação do evento descrito pelo comentário. No exemplo (9), o sintagma nominal “médico” que inicia a oração tem uma relação semântica com a sentença, mas não há uma relação sintática, ou seja, o constituinte topicalizado não pode ser colocado no interior da oração. Na deslocação à esquerda de tópico pendente (DETP) o grau de sintatização é fraco, porque a ligação do constituinte topicalizado e o comentário dão-se através de traços de pessoa, gênero e número. A DETP é restrita a contexto de frase-raiz e não é sensível a ilhas, assim como o TP. Quanto à condição de relevância, esta assume a forma de co-referência, conforme os traços de pessoa, gênero e número. No plano textual é muito utilizado nas sentenças de perguntas e respostas. (10) O João... ouvi dizer que ele tinha ido passar férias a Honolulu. (MATEUS et all, 2003, p. 493) (11) – Tens sabido alguma coisa do João ultimamente? – O João... ouvi dizer que ele tinha ido passar férias a Honolulu. (MATEUS et all, 2003, p. 493) Em (10) o pronome “ele” interno ao comentário apenas assume a co-referência do constituinte externo a sentença. No exemplo (11), as sentenças interrogativas são uma estratégia para confirmar a frase (10). Nesse caso, a DETP tem uma concordância de traços gramaticais e uma conexão referencial. A construção de deslocação à esquerda clítica (DEC) tem um elevado grau de sintatização entre o tópico e o comentário, devido ao fato de o primeiro ter uma conformidade referencial, categorial, causal e temática com o constituinte interno ao comentário, sendo conectado obrigatoriamente pelo pronome clítico ao constituinte externo. Essas construções podem aparecer em contexto de frase-raiz, à esquerda de sintagma complementador (cf. (12)) e em frases encaixadas à direita do complementador (cf. (13)): (12) Esse artigo, onde é que o foste desencantar? (MATEUS et all, 2003, p. 495) (13) Disseram-me que ao João, não lhe pagaram o ordenado este mês. (MATEUS et all, 2003, p. 495) As construções de DEC são sensíveis às ilhas e são iterativas por ocorrer mais de um tópico na sentença, como mostram os exemplos (14) e (15), respectivamente. (14) Ao João, não encontro [artigos [que lhe possam ser úteis]]. (MATEUS et all, 2003, p. 495) (15) À Maria, essa história, ainda ninguém lha contou. (MATEUS et all, 2003, p. 495) Por não haver uma categoria vazia na sentença, a DEC não legitima lacuna parasita9. No plano textual, essa construção funciona como uma estratégia de preservação do tópico ou como uma listagem exaustiva, como no exemplo abaixo: (16) O tipo é insuportável! É incrível como ele trata as pessoas! Aos amigos, falha-lhes com aquele tom de paternalismo que ninguém aguenta. Os subordinados, considera-os abaixo de cão. “Os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos. (MATEUS et all, 2003, p. 496) A topicalização (TOP), assim como a DEC, tem a mesma característica em relação à sintatização, mas ambas diferem quanto a sua conexão entre o constituinte topicalizado e o comentário que no caso da TOP é obrigatoriamente uma categoria vazia no interior da oração, a qual origina uma lacuna parasita que seria ocupada pelo elemento topicalizado na ordem canônica. (17) A esse político, podes crer que não dou o meu voto [-]. (MATEUS et all, 2003, p. 497) A TOP não tem ilhas fortes como a DEC (cf. (18)). No plano textual pode introduzir um novo tópico no discurso (cf. (19)) ou ser um elemento do comentário da frase anterior (cf. (20)). (18) Piscina, nunca fui a[o clube de golfe [que tem [-]]. (MATEUS et all, 2003, p. 498) (19) Pão, ainda há [-]? (MATEUS et all, 2003, p. 499) (20) Gostas de perfume? Ah sim, perfumes, adoro [-]. (MATEUS et all, 2003, p. 499) A topicalização selvagem (TOP´s) apresenta apenas conectividade referencial e temática o que ocasiona algum grau de sintatização por haver um deslocamento de um sintagma preposicional do interior do comentário para a cabeça da oração sem a presença da preposição. A TOP´s ocorre apenas em contexto de frase-raiz e essas construções são aceitas pelos falantes da norma culta no modo oral informal. (21) Esse relatório, acho que não precisamos [-] para a reunião de hoje. (MATEUS et all, 2003, p. 501) (22) Futebol, a gente brincava [-], né... (ARAÚJO, 2009, p. 242) É possível observar que os exemplos apresentados têm o seu constituinte interno ao comentário deslocado para a esquerda da oração, ou seja, para a parte introdutória da frase sem a regência de preposição. Agora iremos explanar como se dá o processo das construções de tópico nos itens (vi, vii, viii, ix, x e xi) denominados por Araújo (2009) e saber se Pontes (1987) também aponta comentários acerca da nomenclatura dada por essa autora. Explicaremos essas seis nomenclaturas com exemplos extraídos da pesquisa de Araújo, em que todas as frases são pertencentes à modalidade oral informal. 9 Consiste na legitimação de uma categoria vazia, geralmente contida num adjunto oracional não finito, por uma cadeia cujo pé é uma variável ocupando uma posição que não comanda tal categoria vazia, ou seja, a variável ocupa uma posição de complemento da frase superior e não a posição de sujeito. (Mateus et all 2003, p.495-496) Começaremos pela topicalização de objeto direto (TOD), a qual ocorre em sentença em que o constituinte interno na oração tem função sintática de objeto direto e quando deslocado para a esquerda não tem relação com nenhum constituinte clítico interno na oração, não havendo co-referência entre tal constituinte com o elemento topicalizado. Na TOD é o sintagma nominal que tem função de objeto que sai do corpo da frase para o CP10, lugar onde o elemento deslocado recebe traço discursivo, acompanhado de um determinante definido. Esse tipo de construção de tópico não sofre restrições de ilhas, assim como, o TP e a DETP, e pode ocorrer tanto em contextos de frase-raiz como em contexto de frase encaixada como na DEC e na TOP. Os seguintes exemplos mostrarão as características citadas anteriormente: (23) A cachaça eu bebo todo dia, se eu todo dia eu fô lá na praça. (ARAÚJO, 2009, p. 235) (24) ...esses criatório (porco, galinha) tamém eu tem muitos ano qu´eu num crio, né? (ARAÚJO, 2009, p. 235) (25) Parece que o poquim que ocê aprende na escola que dorme, quande é no ôto dia parece que já num sabe mais, puquê tanto pá fazê. (ARAÚJO, 2009, p. 235) Segundo Araújo (2009, p.235), essas construções de TOD não estão presentes apenas no português rural-afro-brasileiro, o qual ela pesquisou, “mas está presente em todas as modalidades do português brasileiro”. O que nos faz pensar que essas construções de TOD são mais usadas pelos falantes e escritores da língua portuguesa. Tal afirmação é concretizada por Castilho (2010, p.283) quando o linguista/gramático discorre em seu texto que essa função sintática foi apresentada por Seabra (1994) em seu corpus, o qual comparou e analisou os dados extraídos da obra do século XIII, intitulada “Leal conselheiro” com os documentos da imprensa contemporânea brasileira. Ainda em conformidade com a referida explanação, Araújo (2009, p. 235) cita Cyrino (1993) afirmando que a topicalização de objeto direto “tem registro no português brasileiro escrito desde o século XIX”. O que nos faz confirmar que essas construções de TOD não só ocorriam na fala como também na escrita do século XIII do português europeu e só veio se concretizar na modalidade escrita do português brasileiro no século XIX de acordo com os estudos apresentados acima. Em relação ao tópico pendente com retomada (TP´r) parece que essa construção mescla as suas propriedades com as das outras construções, tais como, a de TP, de DEC e de TOP, pois o TP´r mantém uma relação semântica com a oração (cf. tópico pendente), sendo retomado por um elemento interno à oração por pronome forte ou por um pronome clítico (cf. deslocação à esquerda clítica). Essa construção de TP´r expressa na sentença uma generalidade, uma categoria vazia (cf. topicalização), um pronome demonstrativo, um numeral, dentre outros. Apesar de essa construção de tópico transitar entre as outras categorias percebe-se que o tipo de retomada mais frequente é o da relação semântica continente/contido. Conforme a pesquisa de Araújo (2009, p.236), em outras palavras o elemento topicalizado é mais amplo e o termo coreferente que está inserido no corpo da oração é mais específico. (26) Mas, meus porco, você pricisa de vê, quand´eu crio um... um leitão. (ARAÚJO, 2009, p. 236) 10 A sigla CP significa grupo de complementizador ou sintagma de complementizador. Vemos que o tópico “meus porco” e retomado pelo constituinte interno “leitão” acompanhado do numeral “um”. Mas como relatamos que esse tipo de construção ocorre também em outras categorias detectamos que essa retomada aparece como pronome correferencial, igualmente, a DETP, onde o pronome no interior da frase tem traços de pessoa, número e gênero, sendo que no TP´r esse traço é apenas referencial, como evidenciado a seguir: (27) ... eu... medicina privada realmente não me interessa. (MATEUS et all, 2009, p. 493) (28) Eu, meu nascimento é daqui mesmo, minha residênça é aqui. (ARAÚJO, 2009, p. 236) Constatamos que em (27) o termo topicalizado apresenta traços de pessoa e número com o “me”, enquanto, em (28) o tópico apenas tem relação de referenciação com “meu” e “minha”. Percebemos também que a retomada do tópico no TP´r aparece em sentenças com categoria vazia e pronome pessoal na posição de objeto (cf. (29) e (30). (29) Aquela folha... os menino saía, ia caçá, né, aí Ø bateu aqui nos óio do cachorro. (ARAÚJO, 2009, p. 237) (30) A cana... cê pranto ela... ela brotô. (ARAÚJO, 2009, p. 237) Em (29) o elemento topicalizado na oração antes estava no interior da mesma na posição de sujeito e em (30) o constituinte que retoma o termo “A cana” é um pronome pessoal na posição de objeto e de sujeito. No TP´r o constituinte topicalizado pode ser retomado em qualquer posição no interior da sentença, sendo que a relação existente entre o tópico e o elemento no interior da frase é apenas semântica e, por conseguinte, a relação sintática é fraca como ocorre no TP e na DETP. Fato que Araújo (2009, p.237) reforça em relação ao baixo grau de sintatização entre os constituintes externos e internos na oração devido ao fato de não haver uma “correspondência morfológica obrigatória entre o elemento topicalizado e o termo que o retoma internamente à oração”, como mostramos em (cf.(26)) em que o termo topicalizado está no plural, porém a sua retomada esteja no singular ou vice-versa. O tópico cópia (TC), apesar de ter um elemento no interior da frase que retoma o constituinte topicalizado, difere do TP´r devido ao fato de o sintagma interno na sentença não ser um pronome e sim uma cópia do próprio tópico, como vemos em (31): (31) aí o tratô... a carreta empurrô o tratô, e aí desceu de ladêra abaxo lixado... (ARAÚJO, 2009, p. 238) Os dois termos na oração tanto o topicalizado quanto o interno são semelhantes não havendo nenhuma relação sintática entre os constituintes há apenas uma relação lexical. Outro tipo dessas construções é o tópico sujeito (TS), o qual é caracterizado por apresentar um sintagma preposicional, locativo ou adjunto movido para parte externa da oração, sendo que a preposição não se realiza e ao mesmo tempo o tópico assume traço de sujeito, porque faz concordância com o verbo. Características semelhantes da TOP´s e da DS, porém o primeiro não faz concordância com o verbo e o segundo não coloca na posição de tópico um sintagma preposicional. No TS na parte interna da sentença não encontramos um pronome que retome ao elemento topicalizado, mas este tem concordância com o verbo, assumindo assim função de sujeito. Em sentença de TS, de acordo com Pontes (1987, p.37), “há nelas uma mistura de tópico com sujeito, predicado com comentário”, ou seja, o SN não consegue alcançar a posição de TopP11, na camada CP (local onde o elemento topicalizado recebe traços discursivos) pelo fato que o sintagma nominal parece ficar interno na oração, pois o elemento que está anteposto ao verbo deveria fazer o papel discursivo de objeto e não de sujeito como vemos na sentença abaixo: (32) A Sarinha tá nascendo dentes. (PONTES, 1987, p. 35) Vemos que o argumento selecionado pelo verbo está posposto, e não concorda com o verbo, mas se esta sentença fosse colocada na ordem SVO, teríamos o sujeito posposto concordando com o verbo. (33) Nasceram os dentes da Sarinha. Essa frase se tornaria agramatical se colocássemos o verbo concordando com o objeto, porque a frase (33) ficaria ambígua em relação à concordância do verbo como apresentada em (34): (34) A Sarinha estão nascendo os dentes. (ARAÚJO, 2009, p. 238) Mas Araújo (2009) verifica que a frase (34) fica agramatical devido ao fato de não haver a concordância com o sujeito posposto, ou seja, o SN fica sem nenhuma ligação com a sentença “porque é um tópico, e não o sujeito, que estabelece concordância com o verbo” nesse caso de TS (ARAÚJO, 2009, p.239). Ainda com as idéias de Araújo, essas construções de TS ocorrem no português brasileiro urbano, sobretudo, na fala culta e que, segundo Galves (1998 apud ARAÚJO, 2009, p.239), “torna o português sui generis em relação a essas construções de tópico”. O tópico com cópia pronominal ou duplo sujeito (TCp ou DS) se dá quando o sintagma nominal deslocado para a parte externa da oração tem como referência um elemento pronominal no interior da sentença com função de sujeito na frase principal. O que constatamos que a conexão entre a parte interior da frase e exterior se dá apenas por traços de pessoa, número e gênero como ocorre na DETP. (35) A sussuarana, ela pensa carnêro ta no mato, que... que ´cê num tocô, elas vai no rebanho e mata. (ARAÚJO, 2009, p. 241) Essa construção de TCp ou DS difere do TC porque neste último a cópia no corpo da sentença é idêntica ao termo topicalizado. Fato que não ocorre na construção de TCp ou Ds devido ao fato de haver a necessidade de deixar claro o referente topicalizado por um pronome no argumento. De acordo com Galves (1998 apud. ARAÚJO, 2009, p.241) isso acontece em virtude da “função de o verbo ter perdido o traço de [pessoa] no português brasileiro”, por isso, há uma necessidade dessa marcação mesmo sendo redundante. No tópico locativo (TL), o sintagma nominal que funciona como adjunto ou verbo existencial se desloca do interior da frase para o TopP, acompanhado da preposição, enquanto que nas construções de TOP´s e TS, o sintagma preposicional 11 A sigla TopP significa sintagma de topicalização. deslocado para o início da oração perde a preposição, sendo o TS ainda mantém concordância com o verbo. (36) pra Conquista ela sempre vai, mais eu... mas só. (ARAÚJO, 2009, p. 242) A realização dessa construção, segundo Araújo (2009, p.242), para ser de baixa realização deve ter a presença da preposição no início da frase. Fato que não ocorre nas construções de TOP´s e na de TS na modalidade oral, as quais apagam a preposição. As construções de tópico apresentadas acima têm características semelhantes e distintas, mas a principal marca do tópico e a sua posição inicial seja para introduzir uma informação nova, na perspectiva semântica, ou para comentar uma informação já conhecida, na perspectiva discursiva. E vimos que antes de o tópico possuir traços discursivos na CP ele é um sintagma nominal gramaticalizado no interior da sentença e esse SN pode ser qualquer termo no português brasileiro. 3. Como as gramáticas tradicionais abordam essas construções Nesta seção, abordaremos como essas construções de tópico aparecem nas GTs e como são apresentadas e/ou inseridas no ensino de língua portuguesa na escola. Utilizaremos as gramáticas de Bechara (2004) e de Cunha e Cintra (2008), as quais denominam o fenômeno de topicalização como anacoluto. Iremos selecionar alguns exemplos das GTs em questões para classificá-los de acordo com a nomenclatura dada por Mateus et all (2003) e Araújo (2009), apresentadas na seção 2. Na gramática de Bechara (2004, p.479) e na de Cunha e Cintra (2008, p.644), respectivamente, identificamos que o anacoluto “é a quebra da estruturação gramatical da oração” e “a mudança de construção sintática no meio do enunciado, geralmente depois de uma pausa sensível”. Concordamos com tais afirmações, pois há uma ruptura na sentença e o constituinte movido do interior da oração para a parte externa da mesma, algumas vezes pode ser recuperado na sua função própria, consequentemente, o mesmo ocorre com as construções de tópico. Bechara (2004) ainda relata que essas construções em contextos não estilísticos são evitadas no estilo formal, atestando ainda mais o preconceito estabelecido pela tradição gramatical greco-romana quando nos referimos às construções de tópico. Observem-se abaixo as sentenças extraídas das GTs. (37) Eu que era branca e linda, eis-me medonha e escura. (BECHARA, 2004, p. 479) (38) A pessoa que não sabe viver em sociedade, contra ela se põe a lei. (BECHARA, 2004, p. 480) (39) Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas, de tão imprestáveis. (J. Lins do Rêgo, ME, 136 In CUNHA; CINTRA, 2008, p. 644) (40)Bom! bom! eu parece-me que ainda não ofendi ninguém. (J. Régio, SM, 105 In CUNHA; CINTRA, 2008, p. 645) Verificamos que as sentenças (37), (38), (39) e (40) na perspectiva dos gramáticos assumem apenas uma classificação, ou seja, estes não consideram (ou refletem, de algum modo) as tipificações adotadas por Mateus et all (2003) e por Araújo (2009). No exemplo (37), o pronome “me” retoma ao constituinte topicalizado “Eu”; em (38), o sintagma topicalizado se deslocou sem a preposição “contra”, pois a ordem gramatical seria “Contra a pessoa (...) se põe a lei”; em (39), os constituintes topicalizados em negrito não estabelecem nenhuma ligação sintática com o comentário e no exemplo (40) o constituinte em negrito “eu” apresentar-se como sujeito do verbo seguinte, mas a primeira pessoa assumida por ele passa ao objeto indireto “me”, podendo ainda aquele preencher a lacuna vazia pelo sujeito não expresso no comentário. Confirmamos, assim, que o anacoluto transita entre diferentes estruturas classificadas por Mateus et all (2003) e por Araújo (2009); ou seja, na sentença (37), podemos observar uma DEC; na (38), uma TOP´s, em virtude de haver o apagamento da preposição no início da oração; na (39), uma TP, porque os constituintes topicalizados em negrito não têm nenhuma ligação sintática com o comentário; e em (40) uma TP´r ou de TOP. Apesar de classificamos as sentenças extraídas das GTs, conforme a literatura em questão, não estamos propondo aqui que estas classificações sejam necessárias para o aprendizado do aluno. Cabe ao professor de língua portuguesa adotar novas práticas e ao mesmo tempo fazer uma reflexão sobre e como as construções de tópico devem ser ensinadas na escola, pois se tratam de construção natural da língua portuguesa (brasileira) em uso, mesmo sabendo que os gramáticos abordam esse fenômeno como figura de sintaxe, a qual está inserida numa categoria denominada de desvio da norma culta, ou seja, figura de linguagem. Esta por sua vez transforma o sentido das palavras para dar um efeito estilístico ao texto e/ou à fala de alguém. Não constitui um “erro” devido ao fato de ser um reforço ou adequação na mensagem que o indivíduo que passar ao seu interlocutor. Desta forma, propormos que o professor trabalhe esse assunto de forma contextualizada, indo muito além das classificações impostas pelos manuais, ou seja, os exemplos para ensinar tais fenômenos linguísticos seriam extraídos de texto do cotidiano ou da comunidade em questão, tais como, das letras de músicas desde os textos literários, não se esquecendo de examinar a língua falada, fazendo com que o aluno se torne um investigador da língua em uso e só assim ele perceberá a frequência e a utilização da construção de tópico em seu contexto. Diante dos fatos apresentados acima cabe ao professor instigar o aluno a identificar, na prática, esse fenômeno linguístico, além de perceber como as construções de tópico se constituem nos diferentes níveis de escolaridade, faixa etária dentre outros contextos. Apesar de as GTs não considerarem as construções de tópico, elas não apresentam uma solução de como os professores devam trabalhar uma nova teoria linguística na sala de aula, ou seja, não há um elo entre os conhecimentos teóricos adquiridos na disciplina de linguística nos cursos de Letras com a prática na sala de aula. No entanto, a nossa proposta é que o docente trabalhe as classificações legitimadas pelos gramáticos, mas ao mesmo tempo ele deve reconhecer que estas não cobrem a complexidade da língua em uso. Nesse sentido, o docente deverá focar no objetivo de construir uma reflexão no usuário da língua, mostrando-o que existem muitas possibilidades ou opções de estruturas de sentenças no ato comunicativo, diferentemente, daquelas impostas pelas GTs, as quais determinam que a estrutura canônica seja SVO para ter o mínimo de coesão gramatical. Sabemos que a escola tem a função de preparar o aluno a usar a língua em situações formais exigidas pela sociedade, mas ao mesmo tempo, tem de mostrar ao (e orientar o) aluno que tanto a modalidade escrita quanto a oral tem um papel importante na sala de aula e são por meio destas que os discentes vão construir seus conhecimentos a respeito dos fenômenos linguísticos apresentados na teoria e na prática. CONCLUSÕES No decorrer das seções deste artigo explicamos as construções de tópico caracterizando-as e mostrando como elas se comportam no PB. Para só assim propormos uma reflexão de como ensinar esse fenômeno linguístico na escola, pois no início dessa pesquisa não tínhamos o conhecimento de que as construções de tópicos estavam inseridas nas GTs, mas encontramos com outra nomenclatura adotada pelos gramáticos. Tais construções são, todavia, ali classificadas como “figuras de sintaxe” e não ganham uma atenção/explicação mais detalhada. Devido ao fato de os gramáticos não considerarem a estrutura TVO, muito usada na modalidade oral, em seus manuais de ensino, constatamos também nos estudos de Araújo (2009) que esse fenômeno não só está presente na oralidade como também na escrita do PB, assim como, afirmam Seabra (1994 apud CASTILHO, 2010, p.283) e Cyrino (1993 apud ARAÚJO, 2009, p.235), respectivamente, que foram encontradas construções de tópico em obras do século XIII do Português Europeu (PE) e na imprensa contemporânea brasileira quanto em registro de escrito do PB no século XIX. Nessa perspectiva, cabem a nós, professores, sobretudo de língua portuguesa, buscar novas práticas para ensinar a língua em uso, o que nos faz focalizar atividades que não priorizem apenas o ensino das normas imposta pelas GTs, mas que o discente tenha a oportunidade de se relacionar com atividades, as quais trabalham com a língua em uso. Portanto, não queremos condenar as GTs com suas normas instituídas durante gerações, porém não aceitamos que as construções de tópico sejam trabalhadas como “desvio”. Afinal, o que estamos querendo mostrar é que as aulas de língua portuguesa valorizem o ensino de gramática através de textos escritos e orais e só assim a escola terá cumprido seu papel fundamental que é o de formar o aluno linguisticamente. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Edivalda. As Construções de Tópico. In.: LUCCHESI, Dante; BAXTER, Alan; RIBEIRO, Ilza (orgs.). O português afro-brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009. BECHARA, Evanildo. Gramática Escolar da Língua Portuguesa. 4. reimpr. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. CASTILHO, Ataliba T. de . Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. (p.279-286). CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5. Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. MATEUS, Maria Helena Mira et al. Gramática da Língua portuguesa. 6. ed. Lisboa: Caminho, 2003. Série Linguística. (p.489-502). PONTES, Eunice S. L. O Tópico no Português do Brasil. Campinas, São Paulo: Pontes, 1987. TORRES MORAIS, Maria Aparecida C. R. Rastreando aspectos gramaticais e sociohistóricos do português brasileiro em anúncios de jornais do século XIX. In. Para a História do Português Brasileiro. São Paulo: Humanitas, volume III: Novos Estudos.