PRÁTICA DE ENSINO EM QUÍMICA: O OLHAR DE QUEM APRENDE! Leonardo M. Moreira – USP Marcos Vogel - USP Daisy de B. Rezende - USP INTRODUÇÃO As preocupações com o ensino das ciências experimentais vêm aumentando cada vez mais nas últimas décadas. Durante a segunda metade do século XX a relação entre ciência, suas técnicas e seus avanços tornaram-se uma questão social, principalmente após a Segunda Guerra Mundial quando a energia nuclear surgiu como possível solução para os problemas energéticos. Nessa época, ficou evidente a distância entre a sociedade, o entendimento do papel da ciência e a educação. No cenário mundial isso se refletiu nos projetos curriculares, que alteraram os programas das disciplinas científicas (Krasilchick, 1987). Paralelamente ao movimento social da ciência e da prática científica, aconteceram diversas modificações nos paradigmas educacionais vigentes no ensino de ciências. Em um primeiro momento, as tendências tradicional e tecnicista se refletiram em aulas expositivas com intensa memorização e em um conjunto de projetos de ensino-aprendizagem programados baseados no método científico. Somente no final da década de 70 e início da década de 80, quando a pesquisa em educação em ciências ganhou uma dimensão maior, a perspectiva cognitivista/construtivista foi incorporada ao estudo da aprendizagem em ciências. Tais perspectivas apontavam para a necessidade de abordar a dimensão social, procurando vincular o ensino de ciências à idéia de escola como fator importante na transformação social e à abordagem histórica e filosófica da ciência. Dentro da perspectiva cognitivista/construtivista surgiu o conhecido movimento das concepções alternativas (MCA). Nesse, a aprendizagem em ciências passou a ser considerada como a reorganização ou o desenvolvimento das idéias prévias dos alunos. Acreditava-se que insatisfações com estas idéias, geradas por conflitos entre as previsões feitas e os resultados observados, promovessem a adoção das novas concepções desde que estas fossem inteligíveis, plausíveis e frutíferas. Este movimento possibilitou caminhos didáticos para uma educação em ciências que valoriza os conhecimentos prévios dos alunos como elemento essencial para o desenvolvimento da 2 uma aprendizagem significativa. Nestes processos, considera-se importante a experimentação que leva em conta os conhecimentos prévios dos alunos acerca de objetos e eventos do dia-a-dia. Atualmente, destaca-se a temática dos modelos mentais e da modelagem que traz uma nova perspectiva à discussão sobre a cognição humana. Os modelos mentais são considerados construções pessoais que podem ser expressas por meio da fala, da escrita, do desenho etc. O estudo dos processos de modelagem traz uma perspectiva para a compreensão da construção dos modelos mentais, no sentido de superar algumas limitações do MCA, por exemplo, o caráter freqüentemente local das concepções alternativas; a dificuldade em apresentar interpretações de conjunto a partir de concepções alternativas derivadas de diferentes domínios; a dificuldade em desenvolver abordagens teóricas mais densas para os fenômenos educacionais. Ao mesmo tempo, modelos são uma ferramenta de ensino, gerando modelos pedagógicos elaborados pelos professores de modo a levar os alunos a compreender os modelos consensuais da ciência. Por outro lado, as linhas de pesquisa que resgatam a dimensão social da educação em ciências consideram importante a leitura do mundo pelos educandos, sugerindo a disponibilidade para o diálogo entre educadores-educandos sobre conteúdos científicos dinâmicos e concretos, que venham a contribuir para a mudança da realidade social. Os desafios deste tipo de abordagem passam pela escolha de temas geradores que estejam de acordo com as possibilidades cognitivas dos alunos e, também, pela opção por conteúdos que facilitem trabalhar a lógica das relações sociais e o desenvolvimento dos alunos ao mesmo tempo (problematização inicial, organização e aplicação do conhecimento). PROBLEMA Apesar das grandes mudanças ocorridas nos paradigmas, estratégias e metodologias de ensino das ciências, o processo de ensino e aprendizagem em ciências, em nosso país, não se alterou significativamente (Santos, 1999). Ainda hoje, ouvem-se queixas de muitos alunos sobre o ensino das ciências, principalmente quando se trata de Física ou Química. 3 No que se refere à Química, Johnstone (1980, 1982) propõe um modelo de aprendizagem envolvendo o que ele define como memória de trabalho (MT) e memória de longo prazo (MLP). A MT é a que utilizamos conscientemente para entender todos os fatos e fenômenos ao nosso redor. Já a MLP, é onde são armazenadas as informações já aprendidas. Entre MLP e MT existe uma interação constante, a primeira interferindo na forma com que a segunda percebe as novas informações. Para esse autor, a não aprendizagem em Química é conseqüência do excesso de atividades realizadas pela MT, causado por características próprias do conhecimento químico. O conhecimento químico pode ser descrito em vários níveis: o macroscópico, que corresponde às representações mentais adquiridas a partir de experiências sensoriais diretas (com base nas propriedades organolépticas); o submicroscópico, que se refere a representações abstratas, correspondendo aos modelos mentais de uma pessoa experiente em Química, associados ao modelo particulado da matéria; e, o nível simbólico, que abrange as formas de expressar os conceitos químicos por fórmulas, equações químicas, expressões matemáticas, gráficos ou definições. Conquanto concordemos com a proposta de Johnstone, constatamos que, tanto nas discussões sobre o ensino de ciências quanto naquelas sobre ensino de Química, o ponto de vista dos órgãos governamentais, dos pesquisadores em ensino de ciências e, talvez, dos professores sempre assume um papel de destaque enquanto, raramente, encontramos o ponto de vista daquele que deve estar no centro de todo o processo de ensino-aprendizagem: o aluno. Essa dicotomia reflete-se na didática utilizada no ensino de Química que hora tende para a linha metodológica (que parte do conhecimento sobre a natureza e a psicologia e enfoca o aspecto externo e objetivo do processo de ensinar) , hora para a linha para a linha oposta (que parte do sujeito, dos seus anseios e necessidades). A didática oscila entre esses dois modos de interpretar a relação didática: ênfase no sujeito - que seria induzido, talvez "seduzido" a aprender pela curiosidade e motivação - ou ênfase no método, como caminho que conduz do não-saber ao saber, caminho formal descoberto pela razão humana (Castro, 1991). Na perspectiva de enfatizar os sujeitos, seus anseios e necessidades é que surgiram nossos questionamentos: Que visão o aluno possui da aprendizagem em Química? Qual é o olhar de quem está vivenciando o processo por dentro? Quem deve ser o sujeito da construção do conhecimento? 4 OBJETIVO O foco desse estudo é o de verificar qual é o olhar dos alunos frente à aprendizagem em Química. METODOLOGIA Os resultados que serão apresentados e analisados fazem parte de um projeto maior desenvolvido por nosso grupo de pesquisa em Ensino de Química, onde estão sendo desenvolvidos, no momento, estudos referentes ao “Ensino de Ciências nas Séries Inicias”, “O Lúdico no Ensino de Química” e “Linguagem Científica e Ensino de Química”. Esse trabalho foi realizado com alunos do o 3° ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública estadual, situada na cidade de São Paulo/SP. Um questionário aberto (vide Tabela 1) foi construído e entregue a cada aluno. Os dados apresentados são resultantes da análise dos 102 questionários recolhidos. Após algumas leituras, as respostas dos alunos foram segmentadas em elementos e, posteriormente, agrupadas em conjuntos distintos através de um processo de diferenciação e reagrupamento, sendo depois categorizadas segundo um critério semântico. Como não havia qualquer sistema de categorias pré-estabelecido, a nossa categorização é resultado da classificação analógica e progressiva dos elementos constituintes das respostas, seguindo os critérios de exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade/fidelidade e produtividade. Esse procedimento, conhecido por “milha” (BARDIN, 2000), possibilitou a construção das categorias (vide tabela 2). Tabela 1: Perguntas do questionário. Questão 1 Se você pudesse fazer mudanças nas aulas e nos professores de química, o que você mudaria? Questão 2 Justifique por que você faria as mudanças colocadas na questão anterior. Questão 3 O que você não mudaria nas aulas e nos professores de química? Explique por que. 5 RESULTADOS E CONCLUSÃO As categorias encontradas representam o posicionamento dos estudantes frente à possibilidade de promover mudanças nas aulas de Química. De acordo com os dados, a maioria dos estudantes não está satisfeita com as aulas de química. Os principais motivos da insatisfação são a ausência de aulas práticas em laboratório, ausência de criatividade e carga horária pequena. Grande parte dos alunos acredita que as aulas práticas podem proporcionar uma melhor aprendizagem dos conceitos e temáticas. ALUNO A – (...) gostaria de ver na prática, com a união dos compostos, a formação das substâncias. Dessa forma acho que as aulas teriam o rendimento um pouco melhor. A minha justificativa é que as aulas ficariam mais interessantes, e o modo de aprender seria melhor. Sabe porque eu penso assim professor? Porque tem coisa que você aprende melhor na prática. Por exemplo, é impossível você ensinar uma pessoa a pilotar um veículo na teoria, e sem contar que é bem mais interessante manusear e é aí que tá o grande prazer em aprender algo. Outros pensam que aulas mais criativas poderiam facilitar não só a dinâmica das aulas, mas também a própria significação dos conceitos. ALUNO B - Eu mudaria o jeito de aprender química, porque como não é uma matéria fácil de entender seria melhor aprender com jogos, brincadeiras, de um jeito mais divertido. Outros, ainda, sugerem que as aulas de química são prejudicadas pela pequena carga horária. Para estes, o tempo e a quantidade de aulas é pouco e insuficiente para o estudo dos conceitos da química. ALUNA C - O que eu tentaria mudar era pôr mais aulas, pois é uma matéria que temos muita dificuldade. Como os resultados encontrados (Tabela 2) referem-se às aulas de química e não às dificuldades cognitivas de aprendizagem do conhecimento químico em si, consideramos que eles fornecem apontamentos importantes para o planejamento de aulas de qualquer disciplina curricular. Acreditamos que a perspectiva aqui apresentada, 6 e que emergiu dos olhares dos alunos, deve ser norteadora de novas práticas de ensino e inspiradora de atividades didáticas que tenham também uma função motivadora. Tabela 2: Categorias construídas a partir das respostas dos alunos Categorias Evocação Sub-categorias O professor tem preferência por um grupo determinado de alunos. Evocação 3% Muitos exercícios. 3% Faria mudanças Ausência de aulas criativas. 28% nas Carga horária pequena. 10% A maneira que o professor explica. 3% Ausência de projetos. 3% Rotina 6% Ausência de aulas no laboratório. 44% aulas de 65% Química Não nada. mudaria 35% REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARDIN, L.. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995 JOHNSTONE, A. H. Macro and micro chemistry. School Science Review, 64 (227), p.377-379, 1982. JOHNSTONE, A. H. Chemistry teaching. Science or alchemy? Journal of Chemical Education, 74 (3), p.262-268, 1997. KRASILCHICK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo, EPU/EDUSP, 1987. SANTOS, F. M. T dos e MORTIMER, E. F. Estratégias e táticas de resistência nos primeiros dias de aula de Química. Química Nova na Escola, n°10, novembro, p.38-42, 1999. CASTRO, A. D. A trajetória histórica da didática In: Série Idéias, n° 11, São Paulo: FDE, p.15-25, 1991.