UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ALLANA BARBOSA DE SOUSA ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL COMO REDUTOR DE ESTRESSE EM MACACOS-PREGOS (CEBUS LIBIDINOSUS) MANTIDOS EM ZOOLÓGICO JOÃO PESSOA - PB 2014 1 ALLANA BARBOSA DE SOUSA ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL COMO REDUTOR DE ESTRESSE EM MACACOS-PREGOS (CEBUS LIBIDINOSUS) MANTIDOS EM ZOOLÓGICO Monografia apresentada à Universidade Federal da Paraíba em cumprimento às exigências para a obtenção de bacharelado em Ciências Biológicas. Orientador: Profº. Dr. Antônio Christian de A. Moura JOÃO PESSOA-PB 2014 2 ALLANA BARBOSA DE SOUSA ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL COMO REDUTOR DE ESTRESSE EM MACACOS-PREGOS (CEBUS LIBIDINOSUS) MANTIDOS EM ZOOLÓGICO BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Antônio Christian de A. Moura Orientador Prof. Dr. Alfredo Ricardo Langguth Bonino Membro da banca Dr. Washington Luiz da Silva Vieira Membro da banca João Pessoa 2014 3 AGRADECIMENTOS A Deus, que me forneceu o dom da vida, amor Eterno e pessoas amadas que fazem parte do meu dia-a-dia. Me sustentou diariamente em todas estas etapas, até finalmente chegar ao fim. Sem Ele, eu não estaria aqui. Aos meus pais, Zenaide e Edvaldo, que com amor, tanto torceram para que este dia chegasse e intercederam por mim. Vocês são os responsáveis por moldarem o meu caráter, além de sempre acreditarem e investirem em mim, apoiando todas as decisões e proporcionando a chance de realizar meus sonhos. Juntos ou separados, vocês são os melhores que eu poderia ter. Amo vocês! Ao meu noivo, Yves, por todo amor, carinho, companheirismo e principalmente paciência nessa convivência diária. Sempre ao meu lado quando precisei, me apoiando nas minhas decisões e sendo compreensivo, fazendo-me crer que eu era capaz e que eu não estava sozinha. Você é o meu melhor amigo – e a melhor parte – é quem vai me acompanhar para o resto da vida. Amo você! À maravilhosa Equipe Bica formada por veterinários, biólogos, treinador, zootecnista e tratadores: Thiago, Beto, Helze, Fabi, Gustavo, Fernanda, Jess, Nathália, Martinho, Glenison, Miriam, Cícero, Bau e Marlon, a vocês, meus mais sinceros agradecimentos. Esses dois anos de convivência contribuiram para que minha formação acadêmica fosse um aprendizado de vida, além de ter conquistado verdadeiros amigos. Não posso descrever o quanto aprendi ao longo dessa jornada e o quanto me ajudaram nessa etapa. Obrigada pela paciência, atenção, ajuda, credibilidade que tiveram em mim e principalmente pelos ensinamentos que me passaram. Vocês me mostraram que o que vale é trabalhar com amor e dedicação. Amo vocês! Ao meu “amigo irmão”, Marcelo, que esteve presente em momentos de alegria e angústia durante esses anos. Pelo apoio e cumplicidade, somos como família e compartilho com você essa conquista. Obrigada pela amizade de todos os dias e por participar tão de perto desta etapa. Amo você! Ao meu orientador, Antônio Moura, pela aceitação e aprimoramento do projeto, pela paciência, por me mostrar os caminhos da pesquisa e pelas sugestões que contribuíram de forma significativa, me auxiliando para conclusão desta monografia. Obrigada pelos puxões de orelha, conselhos e pela oportunidade de trabalhar com você. 4 “É preciso sobreviver para atingir a idade da realização, para ser feliz. Não vale sair antes do jogo terminar." Tom Jobim 5 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .......................................................... 8 1.1. Animais em Cativeiro – Principais Problemas. .............. 8 1.2. Enriquecimento Ambiental.................... .......................... 9 1.3. Enriquecimento Ambiental e Primatas............................ 9 1.4. A importância desse estudo........................................... 10 1.5. Hipóteses......................................................................... 10 2. JUSTIFICATIVA .................................................... 10 3. OBJETIVOS .......................................................... 12 4. METODOLOGIA .................................................... 13 5. RESULTADOS ...................................................... 23 6. DISCUSSÃO .......................................................... 32 7. BIBLIOGRAFIA ..................................................... 36 6 RESUMO O enriquecimento ambiental consiste em usar diversos tipos de estimulos e intervenções para melhorar o bem-estar dos animais mantidos em cativeiro, reduzindo o estresse e o desconforto de animais confinados que geralmente não têm como mudar sua rotina diária. Como primatas são animais bastante ativos em vida livre e costumam passar boa parte do seu dia à procura de alimento e se locomovendo, é comum que fiquem desistimulados facilmente com a vida em cativeiro, principalmente em zoológicos. Neste trabalho foram testadas diferentes formas de enriquecimento ambiental e seu efeito na redução do estresse de seis macacos-prego (Cebus libidinosus), mantidos em cativeiro no Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa, Paraíba. Para isso, foi utilizado o método Scan Sampling (com anotações a cada 3min) durante 30min. No primeiro momento, foram feitos seis dias de observação a fim de se perceber quantos e quais eram os comportamentos relacionados ao bem-estar e ao estresse na condição em que esses animais eram mantidos. Os comportamentos relacionados ao estresse eram bem mais frequentes do que os relacionados ao bem-estar. Durante mais quatro semanas (seis dias cada), foram feitas observações dos indivíduos, mas, dessa vez, incluindo alterações que visavam reduzir o estresse. Foram usados três tipos de enriquecimento (bambus com sementes, galhos nos viveiros e recinto maior). Em todas as condições analisadas houve redução de comportamentos relacionados ao estresse. No entanto, a condição que apresentou melhores resultados na diminuição dos comportamentos relacionados ao estresse foi a ambientação do recinto. O uso de galhos e bambus no recinto é uma aternativa simples e barata que pode ser usada em grupos cativos que nao tem possibilidade de serem transferidos para áreas maiores. Palavras-chave: libidinosus. Enriquecimento ambiental; Bem-estar; Cativeiro; Cebus ABSTRACT Environmental enrichment for captive animals consist in the use of different type of stimulus to improve the welfare of, reducing stress and discomfort of confined animals, that usually are stuck in their daily routines. Primates are active animals in the wild and often spend much of their day searching for food and moving. For these animal life in captivity is one of boredom and stress. This study evaluates different forms of environmental enrichment and their effect on stress reduction in six individuals of bearded capuchin monkeys (Cebus libidinosus) kept in cages at the Zoological Park Arruda Câmara (Bica), located in João Pessoa, Paraíba. The monkeys were observed using scan sampling and at intervals of 3 minutes their behavior recorded, each observation session lasted 30 minutes. The groups were observed six days per week. In the first six days block (control condition) behaviors associated both with well being and stress were recorded. In this condition stressrelated behaviors were more frequent that those associated with well-being. During another 3 six days blocks the animals were observed under different types of environmental enrichment. Three types of enrichment were used (bamboo with seeds, twigs and branches within enclosures and effect of living in a larger and richer (branches, toys, ropes, plants etc) enclosure. All of these conditions lead to a reduction of stress-related behaviors. However, the larger and rich enclosure proved to be the most effective in reducing stress-related . The use of twigs and bamboos 7 within the enclosure is a simple and cheap alternative that can be used in captive groups that do not have the possibility of transference to larger and richer enclosure areas. KEY-WORDS: Environmental enrichment; Welfare; Captivity; Cebus libidinosus. 1. INTRODUÇÃO 1.1 Animais em Cativeiro – Principais Problemas Os animais que atualmente estão mantidos em cativeiro são na grande maioria oriundos de apreensões ou doados. Os que possuem melhor aparência, saúde e mais atrativos, são direcionados para exposição nos zoológicos. Como zoológicos e ambientes cativos, o espaço físico é limitado, geralmente há uma alta densidade populacional, o acesso à comida é fácil, não tem muitos estímulos e isso pode ocasionar comportamentos atípicos da espécie (BARBOSA e MOTA, 2004; CARLSTEAD; SHEPHERDSON, 1994; YOUNG, 2003; GARNER et al. 2003). Comportamentos de estresse, que não são naturais ou pouco frequentes em vida livre, podem apontar o nível de desconforto e (ou) inquietação desses animais. Cansaço, prostração, desânimo, letargia, medo, dor, desconforto, coprofagia e automutilação são situações que indicam estresse e a principal atividade apresentada é a estereotipia – padrões de comportamentos repetitivos e invariáveis, com movimentos sem aparente função ou objetivo (MASON, 1991; LANOVAZ, 2011; GARNER, 2005) – que pode ocorrer de diferentes formas e movimentos, a depender do indivíduo. Geralmente a estereotipia é apresentada quando os recintos são incompatíveis com o habitat natural das espécies ou quando há um mau funcionamento neurológico (MILLS, 2003). Caso passe muito tempo com pouco ou nenhum estímulo, acontecerão perdas graduais de atenção, o ambiente pode se tornar sem sentido e o animal permanecerá em um estado constante de tédio. Um ambiente de cativeiro inadequado, fisicamente pobre e sem estímulos, pode gerar doenças graves (HOCKLY et al., 2002) como déficits cognitivos e distúrbios emocionais (agressividade ostensiva ou depressão), acasalamento e morte inadequadas (MEYER-HOLZAPFEL, 1968;. HARLOW et al, 1971;. UNO et al, 1989; MASON, 1991a). Tudo isso geralmente está relacionado à estereotipias. 8 1.2 Enriquecimento Ambiental O enriquecimento ambiental consiste em uma série de métodos e procedimentos que modificam o ambiente físico ou social do cativeiro e melhoram a qualidade de vida dos animais, satisfazendo suas necessidades etológicas (BOERE, 2001). Significa aumento da complexidade do espaço e possibilidade de uma melhora da função biológica dos animais. Mudanças no recinto ou enriquecimentos ambientais que simulem o habitat natural, fisiologia e comportamento típico da espécie, desejam aumentar a predominância de comportamentos naturais, reduzir os níveis de comportamentos de estresse, aumentar as atividades físicas, além de melhorar as condições de saúde e desempenho reprodutivo do animal. Assim acontece a imprevisibilidade ambiental, possibilidades de exploração, ocupação do tempo com atividades próprias da espécie e aumento do companherismo e privacidade. Muitos estudos confirmam importância do enriquecimento para a melhoria do bem-estar físico e psicológico dos animais e há muitas técnicas e materiais de baixo custo que podem ser utilizados como enriquecimento, incluindo táticas simples, como fornecer frutas com casca, caixas com alimentos escondidos, insetos, cordas e aromas. Quando um projeto de enriquecimento foca a construção de recintos mais apropriados, deve-se levar em consideração a eficiência, o conforto e os custos da sua construção e manutenção, assim como o comportamento da espécie-alvo, a fim de lhe conceder condições de desenvolver suas atividades normais e aumentar a sua interação com indivíduos da mesma espécie (MAPLE & PERKINS, 1996). O enriquecimento de recintos em zoológicos tem o objetivo de diminuir o estresse e fornecer aos animais condições para desenvolverem comportamentos o mais próximo do natural (BOERE, 2001). 1.3 Enriquecimento Ambiental e Primatas Por conta da quantidade constante de visitantes, alteração dos hábitos alimentares e algumas mudanças na estrutura do local, os comportamentos sociais de macacos-prego podem ser influenciados de forma negativa no cativeiro (PAULETTI et al., 2005). Mesmo que a alimentação e forrageio sejam a principal atividade desses animais, o ócio e as estereotipias abrangem grande parte dos seus dia-a-dias e nesse momento torna-se necessária a construção de recintos 9 maiores ou a introdução de objetos como troncos, cordas e brinquedos que tornem o ambiente mais apropriado para o desenvolvimento de atividades físicas e também reduza o tempo de ócio, mantedo-os psicologicamente saudáveis (MAPLE & PERKINS, 1996). Durante os últimos 15 anos, vários estudos tem se preocupado com a melhora da qualidade de vida de primatas em cativeiro e demonstrado que o enriquecimento ambiental pode resultar em um aumento de interações sociais, exploração e forrageio, além de uma redução na frequência de comportamentos anormais. 1.4 A importância desse estudo Esse estudo visa avaliar o bem-estar dos indivíduos de macacos (Cebus libidinosus) mantidos em condições inapropriadas, mas que são a norma em muitos zoológicos e centros de triagem, e procura diminuir as situações de estresse, avaliando assim que tipo de enriquecimento ambiental é mais eficaz para esses animais. 1.5 Hipóteses a) Os macacos-pregos mantidos na quarentena (ambiente pobre em estímulos) apresentarão mais comportamentos associados ao estresse do que grupos em ambientes semi-cativos. b) O uso de enriquecimento ambiental (estímulos ao forrageio e melhorias de locomoção) para os macacos-pregos da quarentena provocará aumento de comportamentos associados ao bem-estar (descanso, brincadeira e catação social e brincadeira solitária) e reduzirá comportamentos associados ao estresse (estereotipias, coprofagia e autocatação autocatação). 2. JUSTIFICATIVA O grande número de animais apreendidos (tráfico de animais, caçadores, destruição de habitats) que são diariamente encaminhados para CETAS (Centro de Triagem de Animais Silvestres), CERAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres), CETRAS (Centro de Tratamento de Animais Silvestres), santuários e 10 zoológicos distribuídos pelo Brasil, muitas vezes leva a superpopulação e condições inadequadas para manutenção desses animais. Santuários e zoológicos são os cativeiros que melhor apresentam um mínimo de condição e possibilidade de bemestar dos animais, já que os CETAS são sempre superlotados, sem estrutura e espaço para manter tantas espécies diferentes de uma vez, durante muito tempo. Responsáveis pela recepção, triagem e destinação de animais apreendidos pelos órgãos de fiscalização, bem como os entregues por particulares que os mantinham em casa, os CETAS, que deveriam ser um ambiente para permanência curta de animais, tornaram-se um problema no Brasil, pois esses Centros estão cada dia mais cheios e impossibilitados de exercer seu dever, amarrados pelos entraves burocráticos (PAGANO et al. 2011). Os CERAS são os responsáveis pela reabilitação dos animais caso não haja um programa de conservação específico e tem o objetivo de devolvê-los à natureza, executando a quarentena e o protocolo de exames (incluindo sanidade e caracterização genética). Devem receber apenas animais saudáveis, com condições de participarem de um programa de conservação ou serem encaminhados para um Criadouro Científico ou Conservacionista (EFE et al. 2006). No modelo antigo de zoológico, os animais são confinados em gaiolas pequenas e sem estímulos. Aos poucos este modelo está sendo substituído pelo conceito de zoológico moderno, onde procura-se simular o ambiente natural e preservar os hábitos das espécies que abrigam. Seguindo a concepção de quatro pilares – conservação, pesquisa, educação e entretenimento, os zoológicos tem o papel de se manter com essas finalidades (MAGNANI, 2008), de forma que atuem como centros de reprodução, contribuindo para a manutenção das espécies (JIMENEZ, 2008), além de conscientizar as pessoas sobre a conservação da biodiversidade (FIGUEIREDO, 2001). O objetivo de conservar é eventualmente reintroduzir os animais em seus ambientes naturais e, a partir daí, nota-se a importância da conservação desses habitats, juntamente com estudos das espécies in situ e ex situ. Algumas espécies tem seu ambiente natural tão degradado ou comprometido que seu sucesso reprodutivo se torna difícil em vida livre, enquanto que em cativeiro, se houver foco no bem-estar animal, a reprodução se torna bem sucedida. O interesse pela área de bem-estar vem crescendo intensamente nos 11 últimos anos, nos quais cientistas e instituições se dedicam em buscar melhoria no bem-estar de animais em cativeiro (PIZZUTTO et al., 2009). Esta monografia visa estudar o comportamento de macacos-prego mantidos em cativeiro no Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica) e verificar como o enriquecimento ambiental pode afetar o comportamento deles. Este estudo é importante pois possibilita obter resultados que indicam estratégias para manejo desses animais em cativeiro que reduzem o nível de estress e aumentando seu bem-estar sensorial, cognitivo, social e físico. Esta pesquisa é de fundamental relevância, pois nos dias de hoje zoológicos, CETAS e criadouros abrigam um amplo plantel de espécies apreendidas e muitas vezes mantidas em condições inadequadas. 3. OBJETIVOS 3.1 GERAL Estudar o comportamento de macacos-pregos vivendo em recintos com diferentes condições de estresse e estímulos ambientais e assim averiguar a eficácia de diferentes técnicas para reduzir o estresse através da introdução de estímulos ambientais, verificando se ocorrem mudanças significativas e possíveis melhoras no comportamento dos grupos estudados. 3.2 ESPECÍFICOS Comparar se existem e quais são as diferenças relevantes nos comportamentos dos grupos cativos e grupo ilha que evidenciem estresse; Usar diferentes enriquecimentos ambientais e observar como pode afetar o comportamento dos indivíduos; Fazer uma nova ambientação no recinto da quarentena, com a introdução de galhos, poleiros e troncos, e comparar os dados aos da situação anterior, sem enriquecimento ambiental físico; Transferir o grupo cativo para um recinto mais amplo, em exposição para os visitantes, já ambientado e fazer uma averiguação de como isso afeta o comportamento; 12 4. METODOLOGIA Essa monografia foi desenvolvida no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido localmente como Bica, situado no Centro da cidade de João Pessoa, Paraíba. A área total do parque é de 26,8ha e grande parte consite de um fragmento de Mata Atlântica. O zoológico existe oficialmente como tal desde 1999, embora muitos anos antes já exibisse animais e funcionasse como um. Atualmente possui um plantel de 122 espécies e 577 animais. Dois grupos de macacos-pregos foram estudados (Tabela 1): o primeiro vivendo em uma ilha artificial (com nove indivíduos) em condição de semi-cativeiro; o segundo, mantido em quarentena (em dois recintos com 4 e 2 indivíduos, respectivamente). Todos os animais do primeiro grupo nasceram na ilha, vivem em estrutura familiar, persistindo ainda hoje casos bem-sucedidos de reprodução dentro dela. Os indivíduos do grupo de quarentena são oriundos de apreensões pelo CETAS. Antes da coleta de dados foi feito um estudo preliminar para familiarização com os comportamentos dos animais e para habituação dos grupos à presença do pesquisador. Os indivíduos dos grupos eram facilmente identificáveis por características morfológicas como coloração do pelo, tamanho e forma dos tufos. Tabela 1: Identificações dos Indivíduos dos Grupos. M= Macho/ F= Fêmea; A= Adulto/ J= Juvenil GRUPO ILHA QUARENTENA (recinto 1) QUARENTENA (recinto 2) INDIVÍDUO SEXO/ IDADE Chicão M/ A Marieta F/ A Mi M/ A Aurora F/ A Alice F/ A DNA M/ J RNA F/ J F1 F/ J F2 F/ J Sivuca M/ A Acordeon M/ A Romário M/ A Cabelinho M/ A Dentinho M/ A Betildo M/ J 13 Na ilha, com área aproximada de 112m², o chão é de terra, com a maior parte recoberta de grama e existem duas árvores - Ficus benjamina, com cerca de 2m, e um Ficus macrocarpa, com cerca de 13m, ambas mortas. Na árvore maior, existem duas casas de madeira, de 1m de comprimento, 0,68m de largura e 1m de altura (uma a 5m e a outra a 6m), pneus pendurados e uma rede de cordas, que vai até o chão. Há uma escada de corda e madeira ligando o Ficus sp. maior até uma estrutura de ripas de madeira chamada “Espinha de Peixe” (Foto 1). No chão existem 2 troncos ocos, com aproximadamente 1m e 2m. O ambiente ilha é mais rico e permite a expressão de comportamentos naturais como forragear, escalar árvore, descansar e brincar em diferentes alturas. É um espaço amplo e bastante estimulante, onde os animais inclusive “pescam” – lançam as mãos na água rapidamente e retiram um peixe. 14 Foto 1. Recinto Ilha O grupo ilha não aceita outros indivíduos de fora (já houve briga quando tentaram introduzir novos animais). Como não havia recinto disponível para exposição à época em que os indivíduos do segundo grupo chegaram, ficaram restritos à quarentena, ou seja, animais excedentes mantidos longe do público em condições não adequadas. Esse grupo está alojado em dois recintos: o primeiro e maior (com quatro machos), com 4,30m de comprimento, 1,20m de largura e 2,15m de altura, é dividido em duas partes por um portão que pode ou não estar aberto para se fazer cambeamento, permitindo que os animais circulem por todo espaço (Fotos 2, 3 e 4). O segundo recinto (com dois machos), com 2,30m de comprimento, 1,20 de largura e 2,15m de altura, não tem área de cambeamento, é ao lado do recinto maior e separado deste apenas por um portão com uma placa de metal, que 15 tenta evitar contato entre os individuos do recinto (Foto 5). Um espaço desgastado na placa permite que os animais tenham contato físico e visual constantes. O chão de ambos é cimentado e uma das paredes tem uma bancada de 80cm de altura, também de cimento, como um janelão, onde os animais costumam subir e observar a movimentação externa. Cada recinto tem portões e janelões feitos de arame e o primeiro (com quatro machos) possui quatro troncos pequenos, cortados em forma de tocos de 44cm, 40cm, 35cm e 20cm de altura respectivamente, dispostos pelo chão (Fotos 2 e 3), enquanto o outro tem apenas um toco deitado de 60cm de comprimento e alguns poucos galhos espalhados pelo chão (Foto 5). Toda a quarentena é gradeada, e em frente aos dois recintos dos macacos-pregos, virado „cara a cara‟, existem mais três recintos – dois com uma jaguatirica (Leopardus pardalis) cada (macho e fêmea) e um com um macaco-da-noite (Aotus sp.). Foto 2. Primeiro recinto da quarentena com 4 machos (adultos) – Lado esquerdo ao portão do cambeamento. 16 Foto 3. Primeiro recinto da quarentena com 4 machos (adultos) – Lado direito ao portão do cambeamento. Foto 4. Divisão das duas partes do primeiro recinto da quarentena. 17 Foto 5. Segundo recinto da quarentena com 2 machos (adulto e jovem). Os grupos foram observados por 30min durante 38 dias, em horários entre 14h e 17h, usando o método scan sampling (ALTMANN, 1974) e a intervalos regulares de 3 minutos o comportamento dos indivíduos era registrado, assim como a sua localização no recinto. Dados como a quantidade de pessoas presentes no parque e o clima foram registrados. Na primeira semana, durante seis dias, foram observados e anotados todos os comportamentos realizados pelos indivíduos da quarentena e esta primeira etapa ficou como a situação controle. Foi usado enriquecimento ambiental de natureza alimentar e cognitiva nos recintos da quarentena, esperando-se que melhorasse o bem estar desses animais. Durante seis dias, uma vez por dia, às 14h, era entregue aos macacos da quarentena entrenós fechados de bambus furados aleatoriamente (com furadeira) em toda sua circunferência, recheados com sementes de girassol (foram inseridas uma a uma em cada orifício do bambu, até este ficar cheio pela metade). A quantidade de bambus oferecida foi igual ao número de indivíduos (seis), para que não houvesse competição ou briga e cada um pudesse manipular um bambu sozinho. Para remover as sementes, os indivíduos tiveram que gastar bastante energia e usavam diferentes técnicas. Os bambus permaneciam nos recintos até o dia seguinte, quando eram retirados pelos tratadores no momento que serviam a comida e faziam a limpeza. 18 Na semana seguinte, quando não se colocou mais os bambus, os animais foram observados novamente para averiguar se estímulos produzidos durante o Enriquecimento Ambiental persistiam após o término do mesmo ou não. O próximo tipo de enriquecimento ambiental foi a introdução de galhos, poleiro, troncos e balanços feitos com pneu, esperando-se obter uma melhora no bem estar dos indivíduos. A observaçao só foi feita uma semana depois da modificação do recinto, para que os animais pudessem se habituar à nova condição e também descascar os galhos e assim não afetar nas anotações. O Parque Zoobotânico Arruda Câmara passou por uma reforma em 2013, em que cinco novos recintos foram entregues para exposição ao público e o grupo com quatro machos foi transferido para um destes, mais amplo e com muito mais estímulos que a quarentena. O novo recinto media 4,1m de comprimento, 5,7m de largura e 5,2m de altura (Foto 6). Tinha um cabeamento para necessidades de isolamento (que ficava sempre aberto), três balanços (dois de tronco revestido com mangueira e um de pneu), um girau feito com estacas de sabiá, uma escadinha feita de bambus e corda, um tanque de água, além dos galhos e do chão de terra e grama. A observação foi feita uma semana após a transferência, para que os indivíduos se acostumassem um pouco com a nova condição de vida. O programa estatístico utilizado para análise dos dados e produção de gráficos foi o software SPSS 13.0. 19 Foto 6. Recinto Novo para o qual os 4 machos da quarentena foram transferidos. Etograma. Descrição dos comportamentos relacionados ao estresse e bem estar, apresentados pelos grupos da ILHA e QUARENTENA durante as observações. Comportamento Sigla Autocatação Ac Catação Social CS Descansar Ds Brincadeira Social BS Brincadeira Solitária BSl Puxar os Pelos PP Vomitar Lamber/ Comer o vômito Vo LCV Descrição Abrir os próprios pelos com os dedos, ás vezes colocar a boca no local e parecer comer algo. Abrir os pelos com os dedos, a procura de parasitas, removendo-os com os dedos, ou diretamente com a boca. Acordado, deitado ou sentado no chão, galho, pneu ou algum ponto, sem manifestar nenhuma ação. Se reunir com um ou mais indivíduos, consistindo em mexer, espalhar e jogar areia e folhas, às vezes arrancar grama do chão ou roer corda. Quando o indivíduo, sozinho, mexe, espalha e joga areia ou folhas, pula simulando brigas, às vezes arranca grama do chão ou rói corda. Indivíduo age como se estivesse sendo catado por outro, jogando as mãos para trás, porém, arranca tufos de pelos de uma só vez com os dedos, semelhante a auto-mutilação. Auto explicativo Lamber vômito do chão ou recolher com os dedos e comer. 20 Comportamento Estereotipado CE Comportamento em que o indivíduo repete o mesmo movimento várias vezes seguidas, sem objetivo nenhum. Andar de um lado para o outro, no chão ou na bancada de azulejo. Andar deslizando as mãos de um lado para o outro, na bancada de azulejo. Andar de um lado para o outro, no chão ou na bancada de azulejo, com head twirls (girar a cabeça para trás em um movimento rápido). Ficar andando em círculos, no chão ou na bancada de azulejo, como se estivesse perseguindo a cauda. Nos resultados, foram analisados apenas os comportamentos relacionados ao bem-estar e ao estresse. Na categoria bem-estar foram incluídos os comportamentos: descansar, brincadeira social, brincadeira solitária e catação social por serem naturais e frequentes em indivíduos de vida livre. Na categoria estresse foram: as estereotipias (andar de um lado para o outro, andar em círculos, head twirls), automutilação (puxar os pelos), coprofagia e autocatação, por serem comportamentos anormais ou pouco frequentes em animais de vida livre. 5. RESULTADOS O padrão de atividades observado nos indivíduos da quarentena, na condição controle, é similar ao da ilha (Figs.1 e 2). No entanto, alguns comportamentos ocorrem com frequências muito menores na quarentena como descanso (4,8% vs. 11,67% na ilha) e locomoção (11,90% vs. 37,26% na ilha) (Figs.1 e 2). Comportamentos relacionados ao estresse são comuns na quarentena e raramente ocorrem na ilha (Figs. 1 e 2). Algumas atividades ocorreram em apenas um dos grupos, ou foram muito raras, sendo agrupadas na categoria „outros‟. (comportamento agonístico, interação com o indivíduo ao lado, partilha de alimentos, se pendurar, tentativa de monta/ interação reprodutiva, vomitar/ comer, lamber o vômito e fur rubbing) e foi um pouco maior na quarentena porque constantemente havia interação com o indivíduo do recinto ao lado e se penduravam na tela do recinto. O comportamento “observação” é mais frequente na quarentena. Muitas vezes ao dia, por não terem o que fazer, colocavam o rosto entre as barras de ferro na tentativa de ver o que acontecia fora ou quem se aproximava, principalmente visitantes que passavam próximo à área da quarentena. 21 Padrão de atividades nos grupos: Figura 1. Padrão de atividades dos animais da ilha – Condição Controle Figura 2. Padrão de atividades dos animais da quarentena – Condição Controle Os gráficos a seguir foram feitos comparando os comportamentos indicativos de bem-estar (descansar, catação social, brincadeira social e brincadeira solitária) e estresse (andar de um lado para o outro, coprofagia, puxar os pelos, andar em círculos, head twirls e autocatação) nos dois ambientes (ilha e quarentena), nas condições controle e experimentais. Apenas indivíduos adultos foram incluídos. 22 Figura 3. Comportamentos relacionados ao bem-estar – Condição Controle – Ilha e Quarentena Comportamentos relacionados ao bem-estar tais como descansar, catação social, brincadeira social e brincadeira solitária foram mais frequentes na ilha. Na quarentena esses comportamentos também ocorreram, porém menos frequentes, e não houve brincadeira solitária (Fig.3). Comportamentos relacionados ao bem-estar demonstrados na Fig.3 representam 92,7% (n=150) do total de atividades pelos indivíduos da ilha, enquanto que na quarentena, apenas 33,6% (n=110) do padrão de atividades está associado ao bem-estar (Fig.4). Comportamento agonístico ocorreu uma vez entre dois indivíduos (Mi e Alice) da ilha. 23 Figura 4. Comportamentos relacionados ao estresse – Condição Controle – Ilha e Quarentena Comportamentos relacionados ao estresse foram observados apenas no recinto de quarentena (Fig.4). Puxar os pelos, andar em círculos e head twirls eram comportamentos estereotipados realizados por três indivíduos – Dentinho, Sivuca e Cabelinho. Andar de um lado para o outro foi uma atividade que todos os indivíduos realizaram, porém o macho Acordeon apresentou frequências maiores que os outros indivíduos na quarentena (77,5% n=40). Na condição controle, o índice de atividades relacionadas ao estresse foi de 69,1% (n=76). 5.1 Enriquecimento Ambiental I Com o enriquecimento ambiental (cilindros de bambu furados, cheios de sementes de girassol) houve redução nas atividades dos indivíduos, embora as mais frequentes continuassem sendo descansar, catação social e autocatação. Não foi observada brincadeira social (Fig.5). Os animais realizaram muito mais comportamentos relacionados ao bem-estar do que comportamentos relacionados ao estresse (Fig 5). No final da sessão de observação do primeiro dia, Sivuca conseguiu quebrar 1 bambu, mas no restante dos dias, depos dos 30min de observação, os bambus não estavam quebrados. Ao serem retirados nos dias 24 seguintes, alguns bambus estavam completamente quebrados e muitos rachados, porque os indivíduos conseguiam quebrar e retiravam todas as sementes no decorrer do dia anterior. No início, pegavam o bambu e batiam fortes e repetidas vezes no chão para que as sementes caíssem; depois começaram a chacoalhar mais fraco o bambu para cima e para baixo e assim caíam mais sementes; também perceberam que rolar o bambu para frente e para trás era um método mais fácil e rápido para se obter as sementes; Sivuca batia um bambu no outro fortemente, a fim de que se quebrassem (e algumas vezes conseguiu); Dentinho batia o bambu no tronco que havia no chão, a ponto dele se despedaçar e o bambu não partir; Acordeon batia o bambu na quina da bancada de cerâmica e algumas vezes na barra de ferro do portão, chegando a abrir a grade uma vez. Figura 5. Comportamentos relacionados ao bem-estar – Condição Enriquecimento Ambiental – Quarentena 25 Figura 6. Comportamentos relacionados ao estresse – Condição Enriquecimento Ambiental – Quarentena Ao serem expostos aos bambus cheios de sementes de girassol, os indivíduos reduziram bastante os comportamentos relacionados ao estresse (Fig.6). O comportamento de puxar os pelos não ocorreu na condição experimental. Durante a introdução dos bambus, os comportamentos relacionados ao estresse foram de aproximadamente 42,4% (n=14). 5.2 Efeito do Enriquecimento Ambiental na Semana Posterior Durante a primeira semana pós-enriquecimento ambiental, atividades relacionadas ao bem-estar tiveram uma frequência semelhante à condição controle, porém em menores proporções – descansar, catação social e brincadeira social (Fig.7). Os comportamentos relacionados ao bem-estar diminuiram um pouco na semana posterior ao enriquecimento com os bambus, mas ainda assim foram melhores do que as frequências observadas na condição controle. A brincadeira social, apesar de não tão frequente em comparação aos demais comportamentos, ocorreu duas vezes mais do que na condição controle. 26 Figura 7. Comportamentos relacionadas ao bem-estar – Condição Pós-Enriquecimento Ambiental – Quarentena Figura 8. Comportamentos relacionados ao estresse – Condição Pós-Enriquecimento Ambiental – Quarentena Os comportamentos relacionados ao estresse voltaram a aumentar no pós enriquecimento, mas não alcançaram os mesmos valores da condição controle. 27 5.3 Enriquecimento Ambiental II – Ambientação do Recinto Figura 9. Comportamentos relacionados ao bem-estar – Condição Ambientação – Quarentena Na condição ambientação, a frequência de comportamentos associados ao bem-estar foi maior (Figura 9). Nesta condição foi observado brincadeira solitária pela primeira vez no grupo pelo indivíduo Sivuca, que pegava raspas de troncos no chão (que haviam descascado dos novos troncos inseridos), as jogava para cima, corria e pegava novamente. 28 Figura 10. Comportamentos relacionados ao estresse – Condição Ambientação – Quarentena Na condição ambientação, os comportamentos de estresse apresentaram frequências diferentes das condições anteriores (Fig.10). Dentre as condições estudadas, a quantidade de comportamentos relacionados ao estresse foi menor durante a ambientação. 5.4 Enriquecimento Ambiental III – Recinto Novo Duas semanas após a transferência dos quatro indivíduos (Sivuca, Acordeon, Cabelinho e Romário) para o novo recinto, a catação social passou a ser mais frequente do que nas condições anteriores. Outros comportamentos associados ao bem-estar também foram mais frequentes (Fig.11). É interessante notar que no recinto novo também ocorreu brincadeira solitária, assim como na condição de ambientação (Fig.9). 29 Figura 11. Comportamentos relacionados ao bem-estar – Condição Recinto Novo – Quarentena Figura 12. Comportamentos relacionados ao estresse – Condição Recinto Novo – Quarentena 30 Os comportamentos relacionados ao estresse mais comuns no novo recinto foram andar de um lado para o outro e andar em círculos, sendo realizados majoritariamente pelos indivíduos Acordeon e Sivuca. Head twirls e coprofagia vieram a seguir (Fig.12). O comportamento de puxar os pelos não foi observado porque o indivíduo Dentinho, responsável por tal atividade, não foi transferido para o ambiente novo. No recinto novo, os indivíduos Acordeon e Sivuca interagiram com o público, mostrando os dentes, gritando, agarrando a tela e puxando para frente e para trás. O „andar de um lado para o outro‟ e „andar em círculos‟ foram comportamentos exercidos quase que exclusivamente por esses dois indivíduos. Romário e Cabelinho reagiram de forma curiosa e algumas vezes amistosa (estendendo as mãos pela grade e respondendo com o rosto expressivo aos chamados das pessoas), com os visitantes e com indivíduos do recinto ao lado (Sapajus flavius). 5.5 Comparando Bem-estar Vs. Estresse em Todas as Condições Figura 13. Comparação de Bem-estar vs. Estresse em cada uma das condições. Existe um efeito das condições no aumento das frequências de comportamentos associados ao bem estar (ANOVA, F= 2.39; p= 0.08) e na redução de comportamentos relacionados ao estresse (ANOVA F= 2.2; p= 0.09). 31 „Ambientação do Recinto‟, foi a condição que proporcionou aumentos significativos em comportamentos associados ao bem estar (ANOVA, LSD pos-hoc teste p <0.5) 6. DISCUSSÃO Na ilha, os comportamentos relacionados ao bem-estar foram muito mais frequentes do que na quarentena, onde houve predominância de comportamentos relacionados ao estresse e menores frequências de atividades indicativas de bemestar. Os animais da quarentena viviam em um espaço pequeno e limitado, sem estímulos, poleiros, além da proximidade com predadores (duas jaguatiricas nos recintos da frente). Um sistema confinado assim favorece o desenvolvimento de estereotipias e diminui bastante o nível de bem-estar dos animais (BROOM, 2004), aumentando o ócio (LESSA e GALVÃO, 2008) e induzindo a expressar comportamentos não naturais (BATESON e MATHESON, 2007). Segundo Kitchen e Martin, C.jacchus se tornam menos ativos quando mantidos em gaiolas, o que se percebeu na quarentena com a locomoção. Este ambiente não oferecia condições apropriadas aos indivíduos e a expressão de comportamentos típicos da espécie foi fortemente influenciada (BARBOSA e MOTA, 2004). Os indivíduos da ilha, apesar de cativos, tinham muito mais estímulos e um ambiente mais propício a desenvolverem padrões de comportamentos normais das espécies como descansar, atividades sociais (catação e brincadeira), autocatação e brincadeira solitária. 6.1 Bem-Estar x Estresse na Condição Controle O fato de ter ocorrido mais brincadeiras sociais na ilha do que na quarenten pode estar relacionado com a quantidade de indivíduos jovens nesse recinto. Na quarentena, como as condições não são adequadas, os indivíduos sofrem distúrbios comportamentais e supressão de padrões comportamentais normais (YOUNG, 2003). A brincadeira solitária não ocorreu na quarentena provavelmente porque houve a supressão desses padrões comportamentais normais e também porque não havia espaço ou material para os indivíduos brincarem sós. A coprofagia, um comportamento não natural, só ocorreu na quarentena. O ato de puxar os pelos é uma síndrome de auto-mutilação e está relacionado com a expressão e controle da agressividade em Macaca sp. (KRAEMER e CLARKE, 1990). Todos esses 32 comportamentos indicam claramente que as condições na quarentena são inadequadas e estressantes. 6.2 Enriquecimento Ambiental I O aumento dos comportamentos relacionados ao bem-estar e à diminuição dos comportamentos de estresse durante o enriquecimento ambiental na quarentena indicam que os bambus reduziram o estresse. No trabalho com Cebus kaapori realizado por Monteiro et. al. (2011), foram utilizadas caixas de papelão, tubos de PVC, lençol, garrafas de plástico, feno, bola, trutas suspensas por cordas, tenébrios e mel, além de um espelho para estimular o comportamento sensorial e o acréscimo de cordas, troncos de madeira e rede de pano no recinto e houve a redução de 6,94% dos comportamentos anormais apresentados dessa forma, aumentando também a frequência de comportamentos naturais. Ao aplicar técnicas de Enriquecimento ambiental alimentar, em que se inserem novos itens alimentares, se esconde a comida, dificulta-se o acesso à mesma, ou simplesmente a mudam de localidade no recinto, ocorre um aumento nas atividades exploratórias e de forrageio, além de ser barato e mudar as rotinas diárias (NASCIMENTO et al., 2011; JONES, PILLAY, 2004; BOCCIA, HIJAZI, 1998; BOERE, 2001). Isso permite que ocupem o tempo, interagindo com o objeto ou ferramenta (bambu), quebrando a cabeça para conseguir sementes, diminuindo o ócio, gerando bons resultados de melhora de condição (FURTADO, 2006). O uso de bambus estimulava-os cognitivamente e evocava técnicas de forrageio extrativo, pois, no decorrer dos dias, com a prática, os indivíduos começaram a desenvolver técnicas mais eficazes e aprimoradas de retirar as sementes de dentro do bambu. Nesta condição, o comportamento de vomitar/comer, lamber o vômito, foi observado pela primeira vez. Embora geralmente seja associado ao estresse, o vômito aqui provavelmente teve relação com a grande quantidade de sementes de girassol ingeridas no decorrer do Enriquecimento Ambiental. O comportamento de puxar os pelos, apresentado apenas por um indivíduo do grupo (Dentinho), não foi observado durante o E.A. provavelmente porque este passou boa parte dos dias interagindo com os bambus. De um modo geral, o estímulo de procura nos bambus reduz bastante o estresse, associado com melhoria da condição. Embora menos frequentes, os efeitos do Enriquecimento Ambiental ainda são observados mesmo após a retirada dos 33 bambus. Como a observação só foi feita apenas durante uma semana após o enriquecimento, não há como saber se esta frequência permaneceria ou diminuiria no decorrer das semanas. A ambientação foi a condição onde ocorreu a maior frequência de comportamentos relacionados ao bem-estar. Ambientes que simulam o habitat natural, com poleiros de diferentes texturas, posições e alturas, além de troncos espalhados pelo chão que aumentam a capacidade de expressão de comportamentos típicos da espécie, pois imitam parcialmente a variabilidade de substratos que existem na natureza (MAPLE e STINE, 1982; OGDEN et al., 1990, 1993; HEMPHILL e MCGREW, 1998, Boere, 2001). Isso permite que os animais tenham zona para fuga, aumenta o espaço disponível e oferece novos locais para descanso e comportamentos sociais, além de estimular aspectos relacionados ao equilíbrio e à força. A catação social e o descanso aumentaram consideravelmente, sendo superiores até mesmo aos observados na ilha, significando que a interação social entre os indivíduos aumentou e também que os postos de dominância variaram, possivelmente relacionado com o conforto e bem-estar maior que foi oferecido. No recinto novo, houve diminuição dos comportamentos relacionados ao bem-estar, comparados a condição controle. Alguns autores verificaram que simples mudanças na rotina dos animais, modificações de estrutura para um local diferente e até mesmo a socialização com outras espécies, são situações suficientes para ativar e favorecer as condições psicológicas e, consequentemente o bem-estar (COE, 1985; BOERE, 2001). O fato de o recinto novo ter altura e área maiores, chão de terra e grama, galhos, balanços suspensos e até mesmo um girau e uma pequena escada feita de bambus, oferece mais estímulos nas mudanças comportamentais (CHAMOVE et al., 1988). Os animais podem gastar energia e exercer atividades motoras (CHAMPOUX et al., 1990), além de terem substratos para forragear e manusear (WESTERGAARD e FRAGAZY, 1985; BAKER, 1997). 34 6.3 Comparando Bem-estar vs. Estresse em Todas as Condições A técnica mais eficaz para aumento do bem-estar em cativeiro foi a ambientação. O enriquecimento também demonstrou um bom resultado, mas isso diminuiu quando o estímulo foi retirado e provavelmente continuaria diminuindo semanalmente até alcançar novamente frequências próximas às do controle. O recinto novo, embora maior e mais apropriado, não teve resultados tão favoráveis como o esperado, provavelmente por conta da visitação, situação que os indivíduos nunca tinham vivenciado. Talvez se o enriquecimento ambiental tivesse sido outro, os resultados na diminuição dos comportamentos relacionados ao estresse tivessem sido maiores, superando a ambientação. Sem dúvida, em cativeiro há como desenvolver formas e técnicas para melhorar as condições de vida desses animais, tentando aproximar o máximo possível seus dia-a-dias dos comportamentos e habitats naturais. 35 7. BIBLIOGRAFIA BAKER, K.C. 1997. Straw and Forage Material Ameliorate Abnormal Behaviors in Adult Chimpanzees. Zoo Biol, 16: 225-236. BARBOSA, M. N.; MOTA, M. T. S. 2004. 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