AS CRÍTICAS DE TUGENDHAT À ÉTICA DE

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AS CRÍTICAS DE TUGENDHAT À ÉTICA DE SCHOPENHAUER
Marina de Mello Chiappina
Universidade Estadual de Londrina
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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo a apresentação do
posicionamento de Ernst Tugendhat acerca da ética proposta pelo filósofo alemão
Arthur Schopenhauer e de suas críticas dirigidas à ética kantiana, ambas presentes
na obra ''Sobre o fundamento da moral''. Tal posicionamento se encontra em sua
obra intitulada ''Lições sobre ética'', especificamente na nona lição. Tugendhat,
assim como outros autores da área da filosofia, dedicou-se a estudar e investigar
problemas relacionados à ética e à filosofia moral, e nessa lição pretende
demonstrar a insuficiência da ética shopenhauriana, além rebater as críticas de
Schopenhauer dirigidas à Immanuel Kant e sua teoria ética. Partindo disso,
Tugendhat, reconstrói os principais elementos que Schopenhauer utilizou para
defender sua ética, com o propósito de posteriormente lançar suas próprias críticas
diretas à Schopenhauer.
Palavras-Chave: Ética. Moral. Dever. Compaixão.
INTRODUÇÃO
Em ''Sobre o fundamento da moral'', Schopenhauer, além de expor e fundamentar
sua própria teoria ética faz críticas à filosofia moral de Kant, com a pretensão de
superá-la. Na nona lição de sua obra ''Lições sobre ética'', Tugendhat, se vale dessa
mesma obra de Schopenhauer para realizar o movimento de reconstrução de sua
teoria ética e depois uma espécie de desconstrução, com a finalidade de evidenciar
as falhas dessa teoria. Demonstrar com base nos argumentos de Tugendhat que a
teoria ética de Schopenhauer não alcança o estatuto de concepção ética
propriamente dita, que seu princípio moral não tem serventia para uma ética política,
e que a ética advogada por Schopenhauer de modo algum supera a ética kantiana,
são os objetivos desse trabalho.
DESENVOLVIMENTO
Conforme o próprio Schopenhauer em ''Sobre o fundamento da moral'' o
fundamento exclusivo da moral é a compaixão, ou seja, a participação no sofrimento
alheio é o fundamento de sua moral. A ética de Schopenhauer portanto tem como
ponto de partida uma emoção (Affekt) natural, sendo assim diametralmente oposta à
ética kantiana. Schopenhauer defende uma posição iluminista, especificamente
moderna: ele reprova qualquer fundamentação transcendente e o agir por obrigação
(obrigações para consigo mesmo). Criticou Kant e a ideia de uma pura razão prática,
o dever absoluto, e o conteúdo do imperativo categórico, que segundo ele consiste
em egoísmo. Segundo Schopenhauer o princípio kantiano, o imperativo categórico,
se reduz a um formalismo vazio resultante do princípio da razão (para Kant a
motivação moral é compreendida como razão). Para explicar e tentar fundamentar
sua ética baseada na compaixão, Schopenhauer, diz ser o “princípio” da ética
apenas dois imperativos estreitamente interligados, os dois únicos princípios da
moral: “Neminem laede;immo omnes, quantum potes, juva” (Não prejudica ninguém,
mas ajuda a todos, quanto tu podes). Percebe-se então que para Schopenhauer a
compaixão deve ser a motivação moral, e em contrapartida para Kant a razão deve
ser a motivação moral.
Tugendhat com a finalidade de rebater os argumentos de Schopenhauer
contra a ética de Kant mostra que o imperativo categórico tem um maior alcance do
que o princípio “Neminem laede; immo omnes, quantum podes, juva” (Não prejudica
ninguém, mas ajuda a todos, quanto tu podes) da ética de Schopenhauer. ''A norma
de respeitar os outros tem um alcance maior do que não prejudicá-los e não lhes
causar dor'' (TUGENDHAT, 1999, p.193), a norma de respeitar os outros aqui
representa o imperativo categórico, e não prejudicá-los e não lhes causar dor
representa o princípio Neminem laede. Críticas também são feitas ao fato de que
Schopenhauer não se mantém consistente, o mesmo Schopenhauer que critica o
conceito de dever e diz que este só tem valor na moral teológica, é o mesmo que
cria um princípio formulado imperativamente em sua ética, princípio que se trata de
um dever moral.
Eis o trecho que Schopenhauer faz tal afirmação no § 13 de ''Sobre o
fundamento da moral'':
“(...) Talvez alguém me queira criticar, que a ética não trata como
os seres humanos efetivamente agem, mas que ela é a ciência
que indica como eles devem agir. Este, porém, é exatamente o
princípio que eu nego, uma vez que provei suficientemente, na
parte crítica deste ensaio, que o conceito de dever, a forma
imperativa da ética, somente vale na moral teológica e fora dela
perde todo sentido e significado”
Portanto, Schopenhauer não pode falar de um dever moral, porque ele
condena o conceito de dever de Kant e porque para ele só permanecem formas de
dever determinadas por sanções externas, como as religiosas, contratualistas ou
jurídicas. Schopenhauer não reconhece a ideia de uma sanção interna, assumida
em base a um conceito geral de ser-bom.
Tugendhat faz essas colocações para assumir a posição de que a ética,
segundo Schopenhauer, deve simplesmente restringir-se a constatar que, ao lado
das ações egoístas, também existem as altruístas, que são exatamente aquelas
movidas por compaixão. Tugendhat atenta também para o fato de que no princípio
de Schopenhauer não há critério de ponderação, o sentimento de compaixão não
pode ser ponderado, pois existe em graus diversos. “A compaixão enquanto
sentimento natural só existe mais ou menos'' (TUGENDHAT, 1999, p.196). Alguns
seres humanos, diante de qualquer sofrimento, reagem espontaneamente com
compaixão, mas a maioria faz isto parcialmente, e ainda em alguns manifesta-se o
sentimento contrário, a satisfação pelo mal alheio e prazer na crueldade. O princípio
de Kant, o imperativo categórico, fornece critério de ponderação, critério para que se
decida de tal maneira como qualquer um haveria de querer que se agisse numa
determinada situação.Nota-se aqui a força do princípio kantiano, que por
conseguinte, de modo algum se deixa reduzir a um formalismo vazio, que resultaria
do princípio da razão, como pensava Schopenhauer. A principal crítica de Tugendhat
ao princípio schopenhauriano reside em: Como pode ser um sentimento não
ponderável (a compaixão) o fundamento para uma obrigação? Pode afinal um
sentimento, naturalmente pré-dado e existente em graus diversos, ser fundamento
para uma obrigação? Somos nós obrigados por compaixão? Para Tugendhat um
sentimento não ponderável não pode ser o fundamento para uma obrigação. De
acordo com Tugendhat o princípio de Schopenhauer (totalmente baseado na
compaixão) é sem serventia para uma ética política, porque da compaixão não se
extrai nada de universal e normativo. Para Tugendhat uma concepção ética deve
explicar o caráter prescritivo e normativo dos enunciados morais. Uma ética
baseada somente na descrição dos sentimentos (como a compaixão) é insuficiente
como explicação do caráter normativo e prescritivo dos enunciados morais. A ética
de Schopenhauer é apenas descritiva, e para Tugendhat isso a torna insuficiente, e
de modo algum superior a ética kantiana, como esperava Schopenhauer.
CONCLUSÃO
Portanto Tugendhat sustenta que adequadamente entendida a ética
advogada por Schopenhauer, incapaz de explicar o caráter prescritivo e normativo
dos enunciados morais, não alcança o estatuto de uma concepção de ética.
REFERÊNCIAS
KANT, I. A Metáfisica dos Costumes. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2005.
SCHOPENHAUER, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Mello
Oliveira Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
TUGENDHAT, E. Lições sobre ética. Petrópolis: Vozes. 1999.
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