Slide 1 - Marcio Mariguela

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NIETZSCHE, LEITOR DE
SCHOPENHAUER
Espero que, após minha chegada a Leipzig, poderei dedicar-me a
redigir o meu trabalho [monografia sobre Theognis], pois já reuni e
quase ordenei o material necessário. Confesso, porém que ainda não
percebi porque lancei sobre meus ombros esta faina que me afasta
de mim mesmo (e de Schopenhauer – o que é a mesma coisa), e cujo
resultado me expõe às críticas das gentes, forçando-me, além
disso, a afivelar em toda a parte a máscara de uma erudição que
não possuo. Sempre perdemos qualquer coisa, ao darmo-nos ao
público
Carta ao Barão de Gersdorff, Naumburg, 7 de abril de 1866
O que há de verdade na doutrina
de Schopenhauer
Querido amigo, agora verificaste em ti próprio a razão porque o nosso
Schopenhauer achava o sofrimento e a aflição como um destino
magnífico – senda para a negação da vontade. Tens experimentado a
força purificadora da dor, que apazigua o nosso espírito. Agora,
podes verificar por ti mesmo o que há de verdade na doutrina de
Schopenhauer. Se o quarto livro da sua obra principal te produz,
neste momento, uma impressão de repulsa, turva e desagradável, se
não tem a força de te levantar o ânimo e conduzir-te através da
violenta dor exterior até àquela disposição espiritual melancólica, mas
feliz, análoga à que sente quando ouvimos uma música sublime
(mercê da qual sentimos desprender-se de nós a envoltura terrestre)
já não quero nada com tal filosofia. Só o homem cheio de dor tem o
direito de pronunciar sobre ela [a filosofia de Schopenhauer] a
palavra decisiva (....)
Carta ao Barão de Gersdorff, Naumburg, 7 de abril de 1866
Prólogo da Genealogia da Moral - 1887
“Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós
mesmos somos desconhecidos – e não sem motivo. Nunca nos
procuramos: como poderia acontecer que um dia nos
encontrássemos? Com razão alguém disse “onde estiver teu
tesouro, estará também teu coração”. Nosso tesouro está onde
estão as colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre a
caminho delas, sendo por natureza criaturas aladas e coletoras
do mel do espírito, tendo no coração apenas um propósito – levar
algo “para casa”. Quanto ao resto da vida, as chamadas
“vivências”, qual de nós pode levá-las a sério? Ou ter tempo para
elas?
Nas experiências presentes, receio, estamos sempre
“ausentes”: nelas não temos nosso coração – para elas não
temos ouvidos. Antes, como alguém divinamente disperso e
imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no
ouvido as doze batidas do meio-dia, e súbito acorda e se
pergunta “o que foi que soou?”, também nós por vezes
abrimos depois os ouvidos e perguntamos, surpresos e
perplexos inteiramente, “o que foi que vivemos?”, e também
“quem somos realmente”?, e em seguida contamos, depois,
como disse, as doze vibrantes batidas de nossa vivência, da
nossa vida, nosso ser – ah! E contamos errado... Pois
continuamos necessariamente estranhos a nós mesmos, não
nos compreendemos, temos que nos mal-entender, a nós se
aplicará para sempre a frase:”Cada qual é o mais distante de
si mesmo” – para nós mesmos somos “homens do
desconhecimento”...
Embora meu prolongado silêncio me faça supor morto; vivo, e o que
é mais, vivo bem e desejo que, de uma vez para sempre, te
convenças disto, e de que “filosofar” e “estar doente” não são dois
conceitos idênticos, embora haja certa “saúde” eternamente inimiga
da filosofia transcendente (...)
Amigo querido: “escrever bem” (se é que mereço este elogio – nego
ec pernego) não é justificação suficiente para empreender uma crítica
do sistema schopenhaueriano. De resto, não fazes idéia do respeito
que me merece aquele “gênio de primeira ordem”, quando me julgas
capaz (ego homini pusilululo! – [Eu, homem insignificante]) de deitar a
terra [tombar] tamanho gigante, pois suponho que não entenderás
por “crítica” de um sistema o fazer ressaltar alguns pontos fracos ou
algumas torpezas tácticas, ou demonstrações fracassadas, ainda que
com isto julgam haver feito tudo alguns filósofos desprovidos de
filosofia
Carta a Paul Deussen, Leipzig, 20 de Outubro de 1868.
SCHOPENHAUER COMO EDUCADOR – 1874
In: CONSIDERAÇÕES EXTEMPORÂNEAS
• Desde o prólogo do
texto A Genealogia
da Moral, Nietzsche
apresenta seu
adversário: a moral
socrática.
Moral Socrática
• A moral socrática é tomada como a expressão
máxima da metafísica dualista – entre o bem e o
mal. É sustentada pelo Oráculo de Delfos –
“conheça-te a ti mesmo”.
• Esse pressuposto lógico da moral socrática
sustenta-se numa concepção de verdade que é
transcendental e afirma que a verdade vale mais
que a vida.
• O Oráculo é o instrumento para afirmar a
possibilidade do conhecimento de si mesmo, que
cristaliza e fixa o sujeito.
• Sócrates
Apresenta
o
homem
do
conhecimento e; a crença nas
idéias eternas, no ideal de bem
e de mal e na verdade
transcendental.
• Nietzsche
Apresenta
o
homem
do
desconhecimento e; a vida
como potência.
O homem é um andarilho.
• Assim, Sócrates realiza o ideal da moral: o bem é
associado à verdade e o mal à mentira. Aceita a morte –
valor dos valores - em nome de uma verdade - metafísica
dualista.
• Para Nietzsche a morte não é uma questão pois a vida
deve se afirmar em si mesma
A Gaia Ciência
1882
Nietzsche
Aforismo 326
Os médicos da alma e a dor
Todos os pregadores
de moral [os que se
nomeiam cientistas],
assim como todos os
teólogos, têm uma
incivilidade
em
comum: todos eles
procuram convencer
os homens de que
estão muito mal e
precisam
de
um
tratamento
duro,
radical, definitivo.
E,
porque
a
humanidade
ouviu
esses mestres muito
zelosamente, durante
séculos
inteiros,
alguma coisa dessa
superstição de que
ela vai mal acabou por
lhe ser transmitida:
de modo que hoje eles
se
acham
muito
dispostos a suspirar,
nada mais encontrar
na vida e fazer
expressões desoladas
uns para os outros,
como se ela [a vida]
fosse realmente dura
de suportar.
(...) Sabemos muito
bem como instilar
[introduzir gota a
gota] suavidades em
nossas amarguras,
especialmente
nas
amarguras da alma;
encontramos
recursos em nossa
valentia e elevação, e
também nos mais
nobres delírios da
submissão
e
da
resignação.
O que não fantasiaram os
pregadores de moral a
respeito da “miséria”
interior
dos
homens
maus!
O
que
não
mentiram a respeito da
desgraça dos homens
passionais!
Sim, mentira é a palavra
certa:
eles
[os
moralistas] bem sabiam
da rica felicidade desse
tipo de gente [os movidos
pela paixão],
mas impuseram silêncio
sobre
isso,
porque
refutava sua teoria [a
dos pregadores] de que a
felicidade surge apenas
com a destruição da
paixão e o silenciar da
vontade!
E, por fim, no tocante à
receita desses médicos
da alma e seus elogios de
um tratamento duro e
radical,
é
lícito
perguntar:
esta nossa vida é
realmente incômoda e
dolorosa o bastante
para ser
vantajosamente
trocada por um modo
de vida e
enrijecimento
estóico?
Nós não estamos mal
a ponto de termos de
estar mal de maneira
estóica!
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