Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS Especialização TÍTULO: A VIOLÊNCIA URBANA E O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA COMO ÓBICES À REALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Autor: Bruno Alves de Souza Toledo Orientadora: Karina Aparecida Figueiredo BRASÍLIA 2009 1 BRUNO ALVES DE SOUZA TOLEDO A VIOLÊNCIA URBANA E O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA COMO ÓBICES À REALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Monografia apresentada ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do certificado de Especialista em Direitos Humanos. Orientadora: Karina Aparecida Figueiredo Brasília 2009 2 Monografia de autoria de Bruno Alves de Souza Toledo, intitulada “A VIOLÊNCIA URBANA E O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA COMO ÓBICES À REALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS” apresentada como requisito parcial para obtenção de certificado de Especialista em Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília em 26 de outubro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _____________________________________ Professor Carlos Daniel Seidel _____________________________________ Professor Thiago Brazi Brandão _____________________________________ Professora Orientadora Karina Aparecida Figueiredo Brasília 2009 3 Dedico este trabalho ao povo pobre, criminalizado e violado das terras brasileiras, que, com enorme sacrifício, custeou esta pós-graduação por meio do Governo Brasileiro. Honrarei este título. 4 AGRADECIMENTO Nenhuma vitória é conquistada individualmente. Chego aqui apoiado em muitos ombros. Por isso é preciso agradecer. À toda minha família que sempre acreditou em mim e que me vê muito além do que eu realmente sou. Aos meus amigos, companheiros de militância pelos Direitos Humanos, especialmente aos membros do Centro de Apoio aos Direitos Humanos “Valdício Barbosa dos Santos” entidade da qual orgulhosamente faço parte e que me indicou para esta pós-graduação. Aos professores da Universidade Católica de Brasília que estiveram conosco neste período, especialmente à brilhante professora Karina Aparecida Figueiredo, minha orientadora. À Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH da Presidência da República que custeou todas as despesas e permitiu, não só a mim, mas a dezenas de brasileiros se especializarem em Direitos Humanos e, por conseguinte se instrumentalizarem na luta por um novo Brasil. Muito obrigado! 5 RESUMO TOLEDO, Bruno Alves de Souza. A violência urbana e o processo de criminalização da pobreza como óbices à realização dos direitos humanos. 2009. (número de folhas). Especialização em Direitos Humanos. Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009. O presente trabalho, realizado por meio de pesquisa bibliográfica, tem por objeto o estudo sobre em que medida a violência urbana e a criminalização da pobreza são fatores de impedimento à realização dos direitos humanos no Brasil. Partindo-se da concepção de que direitos humanos são fruto de conquista histórico-social do homem para garantir sua própria condição humana e que nesse sentido compreendem todas as dimensões dos direitos, o estudo mostra que a criminalidade violenta tem se revelado fruto da não garantia desses direitos à grande parte da população, que usurpada da riqueza socialmente produzida pelo modo de produção capitalista, encontra na criminalidade uma forma alternativa de inserção social. Da mesma forma, ao se criminalizar a pobreza, concebendo seus sujeitos como criminosos, o Estado e a sociedade brasileiros não permitem outro tratamento além do repressivo-punitivo. Conclui-se dessa forma, que a violência urbana e a criminalização da pobreza impedem duplamente a realização dos direitos humanos, inicialmente pelo próprio modo de produção capitalista e depois porque concebendo a pobreza como crime, o Estado não promove direitos de seus sujeitos, mas os viola pelo sistema repressivo. Palavras-chave: Pobreza – Criminalização – Direitos Humanos 6 ABSTRACT This work was carried out by literature resourche, has for its object the study how the urban violence and the criminalization of poverty are factors which have hindered the realization of human rights in Brazil. Based on the idea that human rights are the result of historical and social achievement of man to ensure his own human condition and that this effect include all dimensions of rights, the study shows that violent criminality proved not guarantee the result of these rights to much of the population, who misused the social wealth produced by the capitalist mode of production, the crime is an alternative form of social integration. Similarly, when criminalize poverty, conceiving their subjects as criminals, the Brazilian state and society do not allow any different treatment than the repressive-punitive. It follows therefore, that urban violence and the criminalization of poverty prevent double the realization of human rights, initially by the capitalist mode of production and also because conceiving poverty as a crime, the State does not promote the rights of their subjects, but violate them through repressive system. Keywords: Poverty – Violence – Human Rights 7 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................08 2. DEMARCANDO ESPAÇO: DE QUAIS DIREITOS HUMANOS TRATEREMOS.........10 3. ENTENDENDO O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA URBANA NA SOCIEDADE BRASILEIRA...........................................................................................................................17 4. QUESTÃO SOCIAL, POBREZA E A GÊNESE DE SUA CRIMINALIZAÇÃO.............21 5. A POBREZA E SUA CRIMINALIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA.................27 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................37 7. REFERÊNCIAS....................................................................................................................43 8 1. INTRODUÇÃO Ainda nos bancos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo, sempre me despertou paixão a possibilidade de o Direito ser revolucionário, de estar a serviço da justiça. Foi assim que terminei o curso e passei a atuar profissionalmente sendo advogado de vários movimentos sociais. Foi assim que pude atravessar a quase intransponível barreira do positivismo jurídico brasileiro e iniciar um profícuo diálogo com a teoria crítica do serviço social, passando a estudar, além dos Direitos Humanos, também a violência, a criminalidade e as políticas sociais. Foi assim que optamos por realizar o presente estudo sobre a contemporaneidade da violência urbana no Brasil, sua relação com a criminalização da pobreza pelos sistemas de segurança e justiça e como esse processo tem se conformado como uma grave ameaça à afirmação dos Direitos Humanos, sobretudo, das populações pauperizadas. Isso posto, partirmos de algumas questões que nortearam o nosso caminhar. Saber se a violência urbana é um fenômeno da contemporaneidade ou tem sido perene na nossa história; Se é ou não possível relacionar as prioridades orçamentárias do Governo Federal e o aumento da violência nos últimos anos; entender as determinações para que o sistema de segurança e justiça tenha como foco de combate à criminalidade as populações pauperizadas; compreender o processo de pauperização na sociedade brasileira; eram nossas principais questões a serem respondidas a fim de que pudéssemos analisar em que medida o atual fenômeno da violência urbana na sociedade brasileira e a criminalização da pobreza impedem a realização dos direitos humanos. Desse modo, nosso trabalho constitui-se essencialmente de pesquisa bibliográfica com ampla revisão de literatura sobre o tema. Iniciamos nosso caminhar discutindo a concepção de direitos humanos que iluminará nossa reflexão. Como todo tema amplo, também com os Direitos Humanos é possível se falar sob diversos matizes. Por esta razão, e como nosso objetivo final é analisar a realização destes direitos, não poderíamos começar o estudo sem demarcarmos esta posição. É sabida a absoluta impropriedade de se co-relacionar a pobreza como causa da violência urbana, assim como é conhecida a complexidade que envolve este fenômeno. Tendo o presente trabalho que adentrar nessa árdua discussão, a segunda parte da pesquisa será dedicada à problematização teórica da violência urbana, dando ênfase à sua conformação na sociedade brasileira. 9 Tendo sido estabelecida nossa concepção de direitos humanos e problematizadas as determinações da violência urbana, tornava-se imperioso discutirmos a questão da pobreza, não só de maneira geral, mas particularmente como ela se dá também no Brasil. Assim, a quarta e a quinta partes do trabalho são voltadas à análise da questão social, do pauperismo na pós-revolução industrial e como esse processo se realiza dentre nós. Todavia, não nos bastava discutir a pobreza, essencial era entender a sua criminalização, razão pela qual encerraremos nosso trabalho problematizando tal questão e a relacionando com a violência urbana e com os Direitos Humanos. 10 2. DEMARCANDO ESPAÇO: DE QUAIS DIREITOS HUMANOS TRATEREMOS Como já explicitamos aqui, nosso objetivo é discutir em que medida a violência urbana e a consequente vilanização da pobreza vem impedindo a realização dos direitos humanos na contemporaneidade da sociedade brasileira. Assim sendo, é preciso iniciarmos nossa caminhada teórica, delimitando de que concepção de direitos humanos trataremos. Afinal, o que seriam e quais seriam estes direitos, para cuja concretização a violência urbana e a criminalização da pobreza têm se mostrado como empecilhos? O tema direitos humanos tem, ao longo da história e particularmente após o holocausto, com a construção do arcabouço internacional de proteção a partir da Organização das Nações Unidas – ONU e do processo de constitucionalização, ocupado papel de elevado destaque nos embates políticos, nas discussões teóricas e mesmo em programas governamentais. À exceção de setores conservadores que os têm como entrave ao eficaz enfrentamento à criminalidade, é quase retórica comum falar da defesa ou promoção dos direitos humanos. Tal disseminação, se por um lado reafirma sua essencialidade e o populariza no seio da sociedade, de outro permite que se fale a partir de inúmeras concepções, algumas delas já aprimoradas, outras já superadas histórica e teoricamente. Nesse sentido, cumpre aqui delimitarmos o campo no qual trataremos os direitos humanos. Poderíamos o fazer pelo legítimo olhar do direito natural. Daquela concepção de direito surgida ainda na civilização grega, e que ainda hoje encontra defensores, segundo a qual há preceitos inatos à natureza humana que antecedem ou mesmo estão acima do direito positivo expresso no ordenamento jurídico de determinada sociedade. Para o jusnaturalismo, portanto, há direitos não escritos que se sobrepõem aos direitos positivados, devendo estes estarem de acordo com aqueles sob pena de serem considerados ineficazes. Foi este o argumento utilizado por Antígona, na clássica tragédia grega de Sófocles(495 a.C. – 406 a. C.), para realizar o funeral do seu irmão desobedecendo assim ao Decreto de Creonte que o proibia, inaugurando também ali o conceito do que hoje chamamos de desobediência civil. Assim é o magistral diálogo entre Antígona e Creonte: CREONTE – (...) E tu, declara sem rodeios, sistematicamente. Sabias que eu tinha proibido essa cerimônia? ANTÍGONA – Sabia. Como poderia ignorá-lo? Falaste abertamente. CREONTE – Mesmo assim ousaste transgredir minhas leis? ANTÍGONA – Não foi, com certeza Zeus que as proclamou, nem a justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar leis não-escritas, perenes, dos deuses, 11 visto que és mortal. Pois estas leis não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram. (SÓFOCLES, 1999, p. 35-36) Vemos, portanto, que perceber os direitos humanos como direitos naturais é defender que tais direitos fazem parte da natureza humana, que são inatos a esta condição, que são perenes em todas as sociedades e em toda história da humanidade. Assim muito bem sintetiza Reale: Dizia Aristóteles que, ao lado do direito que muda da Grécia para a Pérsia, existe um Direito Natural, que por toda parte apresenta a mesma força, não dependendo das opiniões ou dos decretos dos homens, sempre igual, assim como o fogo por toda a parte queima igualmente. É o direito ligado à natureza do homem, como expressão de suas inclinações racionais, de maneira que a lei determina e manifesta o que a reta razão concebe como belo e bom. Onde quer que haja vida em comum, aí encontraremos certos princípios que não são contingentes e variáveis, mas que, ao contrário, apresentam caráter de legitimidade porque não nascem de arbítrio e de convenção, que podem ser indiferentes ou nocivos, mas sim da natureza e da reta razão. (REALE, 2002, p.97-98) São os próprios fundamentos jusnaturalistas que embasaram o encontro, ainda que limitado, entre o direito natural e o direito positivo no século XVIII a fim de delimitar o poder do Estado Moderno. As chamadas revoluções burguesas e suas respectivas declarações de direito apoiaram-se fundamentalmente no ideário iluminista dos direitos naturais do homem, os quais deveriam ser consagrados formalmente como limite de atuação do Estado. Nesse campo teórico, são clássicas as contribuições dos filósofos liberais-contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau. Cada qual à sua concepção, foram estes autores os grandes mentores da edição de um novo paradigma daquilo que contemporaneamente conhecemos como Direitos Humanos. Para Thomas Hobbes, a legitimidade do Estado como o grande Leviatã advém da necessidade de garantir aquele que seria, para o autor, o mais importante direito natural a ser preservado: o direito à vida. Ao Estado Moderno, mediador da chamada igualdade civil, competiria controlar as paixões humanas, típicas do estado de natureza no qual os homens encontram-se inseguros pelos permanentes conflitos, com o objetivo de assegurar o direito à vida. Se Hobbes privilegia o direito à vida, Locke, a seu turno, justifica a existência do Estado na necessidade de preservação do direito natural à propriedade, gerada essencialmente a partir do trabalho do homem e que no estado de natureza encontrava-se em constante ameaça pela inexistência de qualquer ordem, muito menos a jurídica. Nem a vida, nem a propriedade, mas a liberdade seria para Rosseau o direito natural supremo a que o Estado deveria se curvar. Para o autor de O Contrato Social, os homens, no estado de natureza, nascem livres e iguais, mas a sociedade civil, a partir do surgimento da propriedade privada, os torna presos e desiguais. Assim, o Estado teria sua legitimidade na vontade 12 suprema do povo, que por meio do contrato social resguardaria seu direito mais natural: a liberdade. Assim, é preciso concordar com as palavras de Bussinger(1997), para quem O jusnaturalismo(a partir de conceitos sobre direitos inatos, estado de natureza e contrato social, reivindica o respeito, por parte da autoridade política, aos direitos inerentes ao homem) e o contratualismo (ao defender que o “fundamento e fim do poder político reside no contrato, isto é, num acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político”) (Bobbio et al.,1986) constituíram-se em diretrizes teóricas fundamentais ao pensamento filosófico moderno. (BUSSINGER, 1997, p. 12) Muito embora carregado de legitimidade e com enorme contribuição para a contemporânea concepção de direitos humanos, não adotaremos o jusnaturalismo como farol a nos guiar neste estudo. Isso porque, a nosso ver, conceber os direitos humanos como direitos naturais retira do homem, enquanto ser social, o protagonismo do processo de conquista de tais direitos. Se efetivamente os direitos fossem naturais, inatos à natureza humana, a história da humanidade não seria a história da luta do homem pela afirmação da sua própria condição. Nesta mesma direção, cabe aqui registrar a concepção de fundo teológico de direitos humanos, aquela que compreende neles a origem divina, transcendental. Não estamos aqui a falar do cristianismo exclusivamente. Estamos a falar nas grandes religiões que concebem os direitos humanos a partir da origem divina do homem. Para esta corrente, portanto, os direitos humanos seriam conseqüência do fato de o homem ter sido criado à imagem de seu Criador supremo. É esta qualidade que o dotaria de direitos que devem ser absolutamente respeitados. Para a Doutrina Social da Igreja Católica, por exemplo, a afirmação dos direitos humanos é tida como Uma extraordinária ocasião que o nosso tempo oferece para que, mediante o seu afirmar-se, a dignidade humana seja mais eficazmente reconhecida e promovida universalmente como característica impressa pelo Deus Criador na Sua criatura.(...) O fundamento natural dos direitos se mostra ainda mais sólido se, à luz sobrenatural, se considerar que a dignidade humana, doada por Deus e depois profundamente ferida pelo pecado, foi assumida e redimida por Jesus Cristo mediante a Sua encarnação, morte e ressurreição. A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no próprio homem e em Deus seu Criador. (PONTÍFICIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2004, p. 92-93) Muzaffar(2004) analisando a relação entre o Islamismo e os Direitos Humanos, assim vaticina: Uma vez que o ser humano seja considerado como representante de Deus, seus direitos, suas responsabilidades, seus relacionamentos e seus papéis assumem um sentido diferente e mais significativo. Seus direitos fundamentais, da vida à liberdade de expressão, lhe são conferidos por Deus; sua responsabilidade maior, que transcende todas as outras, é para com Deus; seu relacionamento mais precioso, superando todos os outros, também se estabelece com Ele. Seu papel mais sagrado, 13 mais importante – definidor de todos os outros – é o seu papel de representante, agente de Deus na terra. (...) Este conceito de indivíduo como medida de todas as coisas padece de enormes fraquezas. Se o homem for a medida de todas as coisas, não precisará se submeter a uma autoridade superior, uma força transcendental para além de si próprio. (MUZAFFAR, 2004, p. 318-320) Divergindo do criacionismo, mas entendendo os direitos humanos como algo também da natureza humana, podemos citar Keown(2004) analisando a relação entre Budismo e Direitos Humanos. Para ele, Podemos ter certeza de que os budistas consideram o conceito de direitos humanos como uma extensão legal da natureza humana, uma cristalização, na verdade, uma formalização, do respeito mútuo e da relação entre todas as pessoas, originado na natureza humana. (KEOWN, 2004, p. 343) A nosso ver, ainda que sejam concepções com grande legitimidade e que façam parte da construção dos direitos humanos como paradigma ético, não nos parece ser o melhor caminho a tomar. Vemos nas concepções teológicas de direitos humanos, além da mesma crítica aqui já feita ao jusnaturalismo, sérias contradições históricas, que inclusive legitimaram terríveis violações aos direitos humanos, além de limites para o avanço de novos direitos, como, por exemplo, os advindos do reconhecimento dos direitos sexuais e sua diversidade, bem como os direitos reprodutivos. Dito isso, queremos aqui nos filiar à corrente teórica que concebe os direitos humanos como fruto de uma construção sócio-histórica do homem enquanto ser social na busca pela afirmação de sua própria condição. Nesse sentido, defendemos os Direitos Humanos não como algo natural, como algo dado, mas no dizer de Arendt(1989), como um construído, que teve na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 a consolidação de uma era. É o prisma do historicismo que melhor nos permite compreender a marcha dos direitos humanos, suas contradições, seus avanços, suas derrotas. É a percepção dos direitos como conquistas que nos possibilita a visão do homem como seu protagonista, que superou outros paradigmas até consolidar a máxima kantiana que o coloca como medida de todas as coisas. O elenco de direitos do homem se modificou e continua a se modificar com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. (BOBBIO, 2004, p. 38) A dinâmica que marca a conformação dos direitos humanos é a própria dinâmica das lutas sociais, dos conflitos de classes que em determinado momento histórico permitem o avanço, 14 em outros obriga ao retrocesso. Foi assim na edição da chamada primeira geração dos direitos humanos, ainda sob o viés contratualista-liberal, que buscava afirmar direitos individuais a fim de limitar o poder absolutista e, de forma instrumental, garantir condições de avanço da Burguesia. Qual não foi a essência da Declaração de Independência das treze colônias norteamericanas, em 1776 e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França de 1779 – fundadas nos ideais dos filósofos iluministas como aqui já explicitado – senão a afirmação dos direitos civis e políticos, que pugnavam liberdades negativas em relação ao Estado. A defesa dos direitos naturais do homem – válidos para todos os homens e que não devem se dobrar a qualquer critério seletivo, corporativo ou referente à tradição – foi a arma utilizada pela ascendente burguesia européia contra o Estado absolutista e suas arbitrariedades. Foi também esta defesa que deu a tônica à luta pela contenção do poder, colocando ao Estado um limite e uma exigência: o Estado é estabelecido em função dos indivíduos e sua razão de ser é garantir-lhes o mais amplo exercício de seus direitos. A doutrina dos direitos naturais e os ideais da burguesia européia liberal, portanto, forneceram o argumento para a promulgação das primeiras declarações dos direitos do homem. (BUSSINGER, 1997, p. 28) Dadas as condições sócio-políticas do século XVIII, vemos cristalizar a geração dos direitos individuais, como o direito à vida, às liberdades, à propriedade, e também os direitos à participação política como corolário do regime democrático que se instalava. Todavia, tais direitos, ao contrário de garantirem novos paradigmas das relações entre Estado-sociedade, restringiam-se a delimitar a relação entre Estado-burguesia, sendo esta representada apenas por homens cidadãos, ou seja, aqueles que possuíssem propriedade. Tal descompasso gerou a contundente crítica de Marx aos direitos humanos de então, no seu texto “A questão judaica”. Para ele, “os chamados direitos humanos, ao contrário de direitos do cidadão, nada mais são do que direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, separado do homem e da comunidade”. (MARX, 1975, p.30) É a partir da revolução industrial, com o consequente surgimento da classe trabalhadora e dos ideais socialistas, que novas condições objetivas possibilitarão o avanço dos direitos humanos para além da conquista dos direitos individuais. O aparecimento da questão social, marcada pelo pauperismo generalizado da classe trabalhadora e fruto da desigual apropriação das riquezas socialmente produzidas pelo trabalho, motivou a problematização política da necessidade de respostas pelo Estado. A chamada segunda geração compreende, pois, os direitos sociais consagrados a partir da luta do chão da fábrica. Direitos que inicialmente resumiam-se a melhores condições de trabalho expandiram-se para regular uma série de questões até então tratadas como filantropia. 15 O Estado passa a ser visto como agente de processo de transformação e o direito à abstenção do Estado, neste sentido, converte-se em direito à atuação estatal, com a emergência dos direitos à prestação social. A Declaração do Povo Trabalhador e Explorado da República Soviética Russa de 1917, bem como as Constituições sociais do início do século XX ( ex: Constituição de Weimar de 1919, Constituição Mexicana de 1917, etc), primaram por conter um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar e um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais era previsto. (PIOVESAN, 2004, p. 52) Vemos, pois, que o início do século passado é marcado pela ampliação do paradigma que até então vigorava em relação aos direitos humanos, a partir da percepção de que não bastava garantir direitos individuais e políticos, era necessário, sobretudo, consubstanciar garantias sociais. Não obstante as experiências de conquistas de tais direitos se repercutirem em processos constitucionais de diversos países, não havia até a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, um consenso mundial sobre o tema. O fracasso da Liga das Nações depois do fim da primeira grande guerra deu provas disso. A onda conservadora que varreu a Europa após a guerra, marcada pelo nacionalismo expansionista, pelo anticomunismo e pela intolerância racista, potencializada pela crise econômica de 29, formaram as bases para movimentos fascistas que acabaram por provocar a descida ao inferno dos Direitos do Homem. A segunda grande guerra, entremeada pelo horror do nazismo alemão, vitimou sessenta milhões de vidas e com elas as conquistas de direito até então alcançadas. Este período produziu, com brutalidade nunca antes imaginada, a segunda grande crise dos direitos humanos desde a Restauração européia de 1815-1830, e teve, como se sabe, resultados muito mais funestos que ela. Não porque estes direitos estivessem, até então, sendo respeitados – a própria história por sua conquista demonstra o contrário. É apropriado, contudo, falar-se numa crise dos direitos humanos nessa época, tanto pela extensão, intensidade e atrocidade das violações ocorridas como pela afirmação de uma postura de negar validade à titularidade dos direitos humanos para todos os seres humanos. (TRINDADE, 2002, p. 183) É para exorcizar esta descida aos infernos, que no dizer de Sachs(1998, p. 155), “os povos e os Estados democráticos mobilizaram-se para fazer dos Direitos Humanos o fundamento do sistema das Nações Unidas” e em 1948 publicam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda que passível de críticas ao seu conteúdo que por vezes capitula à disputa de interesses dos países envolvidos no pós-guerra, a Declaração é, de forma inconteste, a afirmação de um novo paradigma ético das relações humanas e sócio-políticas. E, nesse sentido, não deixa de ser um consenso mundial do valor do homem na máxima kantiana de ser ele a razão de todas as coisas e como tal portador de todos os direitos inerentes à própria condição humana. 16 O aperfeiçoamento desse paradigma mundial marca a segunda metade do século passado com o processo de internacionalização dos direitos humanos a partir da edição de inúmeros instrumentos internacionais de proteção destes direitos, dentre eles os Pactos dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos e Sociais, ambos de 1966. A concepção contemporânea dos Direitos Humanos, reafirmada na última Conferência de Direitos Humanos da ONU em Viena(1993), os pressupõem, portanto, como uma conquista, um construído da humanidade para reafirmar o núcleo central da condição humana, qual seja a dignidade do homem. Isso significa dizer que os Direitos Humanos são concebidos como “característica geral da condição humana que nenhuma tirania pode subtrair, sua perda é também a perda das mais essenciais características da vida humana”(ARENDT, 1989, p. 330). Quando Hannah Arendt conecta Direitos Humanos com a condição humana está a dizer que afirmar a essência do homem, sua unicidade, sua historicidade, sua capacidade teleológica, sua consciência do real, é garantir seus direitos humanos. A violação a esses direitos, pois, é retirar do homem sua própria humanidade. Importante percebermos que historicamente os direitos humanos têm sido apreendidos, sobretudo no campo político, por meio de uma dicotomia entre os direitos individuais e os sociais. Esse movimento se explica pelos interesses e projetos políticos que subjaziam à luta de classe em cada momento histórico em que os direitos foram conquistados, quando, por exemplo, sob á égide do liberalismo se proclamaram exclusivamente os direitos e garantias individuais ou sob a hegemonia socialista quando foram privilegiados os direitos sociais. O movimento socialista, sob hegemonia do leninismo, nunca concedeu efetiva importância à defesa e promoção dos direitos fundamentais, em particular os direitos civis e políticos. Esta desvalorização dos direitos do homem e da cidadania relaciona-se com o pouco apreço dos socialistas pela democracia burguesa. Para estes, faz-se necessário privilegiar entre os direitos humanos os direitos sociais, a partir dos quais seriam definidos os outros direitos. (LYRA, 2002, p. 135-135) Nessa esteira, é comum que projetos liberais concebam direitos humanos como sendo apenas os individuais, de pretensão negativa para o Estado (freedom from), enquanto projetos socialistas tendem a concebê-los como direitos sociais, de pretensão positiva para o Estado (freedom for). Todavia, essa oposição, embora justificada historicamente, encontra-se superada na contemporânea concepção de direitos humanos que, os entendendo como conquista sóciohistórica do homem pela afirmação sua própria condição, os apreende como sendo universais e indivisíveis. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de 17 direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição de observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. (PIOVESAN, 2006, p. 18) Não é outra senão esta a nossa compreensão de Direitos Humanos. É a este todo universal e indivisível, sem hierarquizações, privilégios ou categorizações que nos reportaremos ao analisarmos em que medida a violência urbana e o processo de criminalização da pobreza vem impendido de se realizar. 3. ENTENDENDO O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA URBANA NA SOCIEDADE BRASILEIRA Se ao estudarmos o fenômeno da violência o fizermos pelo prisma da teoria crítica contemporânea, a qual amplia a análise dessa manifestação social para além da limitada visão do dano físico subjetivamente motivado, devemos, conseqüentemente entender como um fenômeno plural, tanto em suas causas, como nas conseqüências e manifestações. Dessa forma, passaremos a compreender as violências como quaisquer comportamentos que se utilizem da força física ou poder real ou potencial, contra si próprio ou contra outrem, ou mesmo contra grupos ou comunidades populacionais, causando qualquer tipo de sofrimento, dano ou privação (PINHEIRO, 2003). Diante dessa acepção, todo estudo a respeito da conformação da violência em terras brasileiras, necessariamente deve se reportar à nossa construção como nação. Inúmeros estudos apontam a violência como marca estrutural de nossa formação. Como nos ensina Ribeiro(2006, p.153), “o processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente conflitivo”. Para o mesmo autor, de 1500 até hoje, nossa história é marcada por um “estado de guerra latente”, haja vista a disputa por uma identificação étnica. Todavia, Ribeiro(2006) aponta outras duas dimensões dos conflitos que marcam nossa formação. Para ele, além da questão étnica, é preciso destacar a questão racial. Desde a chegada do primeiro negro até hoje, eles estão na luta para fugir da inferioridade que lhes foi imposta originalmente, e que é mantida através de toda sorte de opressões, dificultando extremamente sua integração na condição de trabalhadores comuns, iguais aos outros, ou de cidadãos com os mesmos direitos.(RIBEIRO, 2006, p.157) 18 A última modalidade de conflito destacada pelo autor é referente ao componente classista. Disputa que se estabelece entre os brancos proprietários de terra e os trabalhadores mestiços e negros. Para Ribeiro(2006), ainda que o componente racista de alguma forma também se faça presente nas outras dimensões conflitivas, para ele há claramente uma disputa classista na sociedade brasileira quando não são contingentes diferenciados racialmente ou etnicamente que se opõem, mas conglomerados humanos ou estratos sociais multirraciais e multiétnicos propensos a criar novas formas de ordenação socioeconômica, inconciliáveis com o projeto das classes dominantes. Canudos é um bom exemplo dessa classe de enfrentamentos, como a grande explosão dessa modalidade de lutas.(RIBEIRO, 2006, p. 158) É preciso percebermos, que a decisão de “colonizar” o Brasil não possuiu outro significado senão o de expandir a empresa capitalista européia de exploração. Quando tal decisão se dá no plano de uma sociedade comunal, como era a dos povos primitivos que aqui habitavam, necessariamente a violência será um fator determinante. Para Faoro (1976, p.107), “o selvagem americano devia ser subjugado para se integrar na rede mercantil, da qual Portugal era intermediário. Sem esta providência perder-se-ia o pau-brasil e, sobretudo, a esperança de metais preciosos se desvaneceria”. É essa noção de subjugação, de exclusão, de apartheid social, imposta à sociedade brasileira que coloca indelevelmente a violência como instrumento de operacionalização de um modelo de organização social. Ao lado desse traço de nossa formação, há que se ressaltar ainda a imbricada relação entre o desenvolvimento do sistema capitalista e a conformação da violência, sobretudo aquela que nos interessa, qual seja, a violência urbana. È impossível ignorar a simbiótica relação entre o crescimento da criminalidade, sobretudo aquela que se dirige ao patrimônio, e o avanço da sociedade capitalista e de suas contradições acerca da acumulação desigual da riqueza socialmente produzida, naquilo que Foucalt (2002) irá conceituar como a passagem de uma “criminalidade de direitos” para uma “criminalidade de bens”. Como sabido, entre nós o desenvolvimento do capitalismo não se deu nas mesmas proporções que nos países de economia central. Ainda que mantendo suas características essenciais, por aqui, nossa inserção se deu de forma periférica e a serviço do desenvolvimento das economias européias. Nesse sentido, Behring e Boschetti (2006, p.72) afirmam que o sentido geral da formação da sociedade brasileira é o fato de que temos “uma sociedade e uma economia que se organizam para fora e vivem ao sabor das flutuações de interesses e mercados longínquos”. Além disso, as autoras destacam o peso do escravismo no que tange ao processo de submissão 19 do trabalho ao capital e na lenta consubstanciação do operariado brasileiro. Para elas “a persistência do trabalho escravo teve impactos importantes no nascimento do trabalho livre e nas possibilidades políticas de um processo mais rápido e radicalizado de transição.”(BEHRING, BOSCHETTI, 2006, p. 77) Importante tal reflexão, pois nosso entendimento sobre a violência não é outro senão aquele que a correlaciona com toda a dinâmica econômica-social. É impossível compreender toda a complexidade das manifestações da violência urbana na contemporaneidade brasileira sem antes compreendermos como se estruturou e vem se estruturando toda a base sócio-econômica deste país. Para nós, a violência urbana desde seus primeiros contornos até os dias atuais, é uma das mais graves manifestações da questão social. Daí emana a importância de se analisar a conformação do capitalismo, pois para nós, assim como para Pastorini(2007), a questão social é fruto das contradições do modo de produção capitalista. No Brasil, todavia, como fruto de uma inserção subalternizada no capitalismo, o processo de pauperismo, distintamente daquele exclusivamente causado pela industrialização européia, se deu de forma atrasada e teve fortíssimo componente racial. Os miseráveis que, nas últimas décadas do século XIX, passaram a ocupar as ruas das grandes cidades brasileiras eram maciçamente ex-escravos e não operários como no além-mar. Com o agravamento da questão social já no século passado por meio do incipiente processo de industrialização, nossas cidades passam também a ser palco da criminalidade contra o patrimônio, típica de sociedades capitalistas nas quais a propriedade é o passaporte da integração social. Vem desse momento histórico a representação social que vincula a negritude e a pobreza com a criminalidade, o que vem desde então legitimando equivocadas políticas de criminalização da pobreza e da negritude por parte do aparelho de segurança e justiça de um Estado historicamente marcado pelo autoritarismo, cuja política de segurança tem sido exclusivamente a da repressão desqualificada e arbitrária. Todavia, todas as pesquisas sobre violência urbana no Brasil indicam o recrudescimento desse fenômeno a partir da década de 60 do século passado. Até então o que se verificava no Brasil era a excepcionalidade do crime violento. A industrialização acompanhada de um processo descontrolado de urbanização expôs as contradições inerentes ao sistema capitalista, aprofundou marcas de nossa formação sócio-histórica e transformou a criminalidade violenta na principal manifestação da questão social de nossos tempos. Pedrazzini(2006) aponta que até 1950 apenas 30% da população mundial viviam em zonas urbanas. Atualmente já são 50% e em 2030 serão 60%. Sem dúvida, um processo que entre 20 nós gerou a territorialização da pobreza e da raça. Cidades passaram a representar a expressão territorial das desigualdades históricas do Brasil, agora agravadas pela entrada tardia no capitalismo. O tempo das cidades construídas pelos homens para os homens ficou para trás(...) a economia de mercado destrói as sociabilidades operárias para criar o individualismo dos consumidores. (...) Para qualificar a mutação urbana dos anos oitenta, que se caracterizou pelo desmoronamento de árduas conquistas realizadas pela tradição e pelas lutas sociais, criamos a expressão desestruturação urbana. Vivemos o momento da desconstrução, do desmantelamento e da destruição de um processo de industrialização, do assentamento de uma modernidade, de um desenvolvimento socioeconômico, de uma sociedade e talvez até de uma civilização. (PEDRAZZINI, 2006, p. 62-63) Este processo acelerado de urbanização, o qual o autor quase denomina de “des-civilização”, associado à inexistência de um Estado de bem-estar social, ao aparecimento do tráfico de drogas, livre circulação de armas, corrupção no aparelho de justiça e segurança, forneceu condições para que a violência urbana tomasse proporções nunca antes verificadas. Pinheiro (2003) afirma que a partir da década de 70 do século passado houve uma profunda alteração do padrão de criminalidade urbana no Brasil, marcadamente pela generalização do número de roubos e furtos, além do “grau maior de organização social do crime; aumento da violência nas ações criminais; aumento acentuado nas taxas de homicídio e outros crimes violentos; e aparecimento de quadrilhas de assaltos a bancos.”(PINHEIRO, 2003, p. 35). Há, nesse contexto, outro elemento que não pode passar ao largo de nossa análise sobre a generalização da violência. Referimo-nos à conjuntura da economia política das décadas de 80 e 90. Estamos falando do início da consolidação da fase mais evoluída do capitalismo monopolista, baseado na revolução tecnológica, na acumulação flexível, na internacionalização e mobilidade do capital. Ao mesmo tempo era experimentado o fim da experiência do bloco socialista e a reorganização do bloco capitalista através do chamado Estado Neoliberal, com premissas, no dizer de Malaguti(2002), baseadas nas interações políticas, econômicas e sociais motivadas pelo interesse próprio a fim de manter a “ordem natural”, e portanto, qualquer intervenção seria considerada indesejável na medida em que dificulta o estabelecimento dessa ordem e é por isso que as forças do mercado devem ser livres e o Estado mínimo. Isso significou o retraimento do Estado no campo das políticas sociais, retirando direitos e aumentando as desigualdades. Para o citado autor, em 1990 a renda dos 10% mais ricos sobre a renda dos 40% mais pobres era aproximadamente de 5,7%. Já no final do segundo governo FHC essa relação já era de 6,36%. Para nosso entendimento, o aumento da desigualdade social é um forte elemento para o agravamento da questão social e, por conseguinte da violência urbana. 21 É nesse contexto também que passamos a presenciar o tráfico de drogas como realidade nas grandes cidades brasileiras. Definitivamente, com tudo o que já aqui foi exposto sobre as condicionalidades da violência, não podemos cair no discurso simplista, como muitos fazem, de atribuir ao tráfico de drogas a exclusividade pela generalização da violência. Todavia, é inegável que ambos os fenômenos possuem estreita associação. Inegável também que pela dimensão lucrativa que o tráfico tomou nas últimas décadas, o mesmo passou a ser também uma importante fronteira do capitalismo contemporâneo. Daí o envolvimento cada vez maior de autoridades com o tráfico e suas derivações. Violência e tráfico de drogas não são equivalentes, embora haja associação entre eles. A caracterização do tráfico como um mercado ilegal conduz ao uso da violência como forma de resolução de negócios e conflitos. As atividades do tráfico aparecem como uma das formas mais lucrativas da economia informal. Os traficantes contribuem para a geração e expansão do “emprego” e na construção de um mercado paralelo de trabalho. (FEFFERMANN, 2006, p.35) O que temos presenciado é que cada vez mais setores populacionais têm sido alijados do processo democrático, em todas as suas dimensões. Da mesma forma, a estes sujeitos têm sido negadas inúmeras e salutares formas de sociabilidade. Na contramão dessa corrente, inegavelmente o tráfico de drogas e a própria violência dele associada têm gerado possibilidades de acesso a bens de consumo e mesmo a identidades sociais. O fenômeno da adolescência em conflito com a lei tem dado provas desse processo. Adolescentes empobrecidos têm encontrado no tráfico de drogas possibilidades de romper com a invisibilidade e com a negação de sua condição de sujeito. 4. QUESTÃO SOCIAL, POBREZA E A GÊNESE DE SUA CRIMINALIZAÇÃO Como sabido, questões envolvendo desigualdades de acesso a bens e riquezas socialmente produzidos, gerando, por conseqüência, grupos populacionais privados de condições materiais básicas de sobrevivência, não são fenômenos da contemporaneidade. Ao contrário, a pobreza como nos adverte Leite(2008) acompanha há muito a história da humanidade. É preciso, contudo, registrar que tal fenômeno não se conforma de modo singular ao longo do tempo. Dado seu caráter histórico, a melhor compreensão sobre a pobreza é a aquela que a concebe como um processo multifacetado, que ganha contornos diferentes em determinados momentos e em determinadas sociedades. É compreendendo a pobreza por este prisma, que devemos considerar a profunda transformação sofrida por este fenômeno social, sobretudo, a partir do século XIX. O fato é que durante toda a Idade Média prevaleceu o paradigma da naturalidade da pobreza, ancorado 22 na rígida divisão estamental daquela sociedade e encontrando no cristianismo uma das bases para sua legitimação. Todavia, ainda que natural, a pobreza medieval difere daquela a ser experimentada pela modernidade, sobretudo, em função de que outrora os pobres não se encontravam desfiliados, mas possuíam vínculos sociais, e portanto, garantiam certa coesão social, ainda que estes vínculos se dessem de forma precária em virtude da servidão para com os senhores ou mesmo como razão para que estes pudessem redimir seus pecados com Deus. Com o advento da Industrialização, quando então a força de trabalho passa a ser entendida como mercadoria, a servidão é substituída pelo trabalho livre, o vassalo pelo operário, os pobres, então, perdem os vínculos que os conectavam com o todo social. No dizer de Castel(1998), os pobres da modernidade rompem com os vínculos de interdependência a que estavam sujeitos na era medieval. Para o referido autor, o trabalho livre torna-se o eixo integrador da sociedade salarial. Por outro lado, a inserção do trabalhador nas fábricas não significava a superação de sua condição de pobreza, ao contrário, a própria acumulação desigual de riquezas entre os donos dos meios de produção e os operários, cada vez mais impingia privações aos últimos. Porém, ao lado da grande quantidade de pobres e miseráveis que se amontoavam em cidades que se industrializavam e nas quais, por conseqüência, produziam-se riquezas num ritmo até então inimaginável, havia outro fato marcante: ficava evidente que a grande maioria dos indivíduos que se encontravam em situação de pobreza e de miséria não era composta de vagabundos – pessoas que não trabalham por decisão supostamente individual –, nem, sequer, de incapacitados para a atividade laboral, mas sim de operários industriais. [...] Expressando o pensamento dominante da época a esse respeito, Paugam (1994, p.16) refere-se ao pauperismo como “[...] um fenômeno de pauperização de massa, durável e permanente, que encontra sua origem não na ausência de trabalho, mas no próprio trabalho industrial”. (LEITE, 2008, p. 217-218) É particularmente nesse momento de generalização da pobreza entre os trabalhadores, combinada com as péssimas condições nas quais viviam, que deita raízes a associação entre a pobreza, promiscuidade, doenças e a criminalidade, o que acaba por construir um determinado modo de intervenção estatal sobre os pobres. O surgimento da chamada “questão social” é determinante neste processo. Entendendo a “questão social” como um fenômeno que sempre existiu, e não vinculando-a necessariamente ao surgimento do capitalismo, Castel(1998), argumenta que a queda do feudalismo e a conseqüente supremacia do liberalismo e do capitalismo industrial, ensejam a formulação de uma nova questão social, agora denominada “questão operária”, marcada por 23 uma “nova configuração da pobreza” e pela “indigência móvel”, características do estado de pauperismo, entendido como a generalização da pobreza na sociedade salarial. Por outro lado, outros autores, como Pastorini(2007), entendem que na realidade há certa confusão teórica entre “questão social” e “problemas sociais”. Para esta autora, o que sempre existiu foram problemas sociais, haja vista que o surgimento da própria “questão social” é um fenômeno tipicamente moderno, cuja gênese possui estreita correlação com o aparecimento da classe operária. Isso porque, para esta linha teórica, da qual nos filiamos, há o entendimento de que não houve apenas o aumento ou a generalização da pobreza na sociedade industrial, mas houve a problematização social e política dela. As desigualdades, em todas as suas manifestações tornaram-se alvo de atuação política, o que em muito difere da pobreza medieval. É mister compreender como a necessidade social transforma-se em demanda política. Para isso é de máxima importância não esquecer um outro elemento: os sujeitos envolvidos nesse processo, aqueles que colocam a questão na cena política. Esse é, em nosso entender, um elemento fundamental que não se encontra presentes nos estudos já analisados (principalmente em autores como Castel e Rosanvallon). É necessário analisar como e quem coloca essa problemática nas agendas dos governos? Quais são os sujeitos coletivos envolvidos? Autores como Castel e Rosanvallon, anteriormente trabalhados, não respondem a essas interrogações que entendemos serem centrais; parece que se trata de um movimento “natural”, ou, no melhor dos casos, de um conjunto de práticas institucionais que pouco ou nada tem a ver com sujeitos políticos, mobilizados, organizados etc em definitivo com as classes sociais e a socialização da política conquistada pelas classes trabalhadoras. Dessa forma, perde-se a possibilidade de analisar a “questão social” como uma questão política, econômica, social e ideológica que remete a uma determinada correlação de forças entre diferentes classes e setores de classes, inserida no contexto mais amplo do movimento social de luta pela hegemonia. Por isso entendemos que nessas perspectivas de análises (aqueles que afirmam que a “questão social” sempre existiu ou o que pensam que sempre existirá) há em última instância uma naturalização da „questão social.‟”(PASTORINI, 2007, P.98-99, grifo nosso) O que é importante nesse processo, destacado pela autora, é o fato de que a pobreza, especialmente sua generalização, a piora nas condições de vida dos pobres, ao lado do incremento da violência e das desigualdades, passam a ser entendidos como manifestações da questão social. Isso é salutar no rompimento com a velha compressão da naturalidade da pobreza. Quando a classe operária passa a problematizar social e politicamente suas necessidades, o que se dá com o advento do capitalismo industrial, então se abandona, de certo modo, a naturalidade da pobreza, que passa a ser compreendida como uma das conseqüências de um determinado modo de produção, qual seja, o capitalista. Mas, antes de prosseguirmos, voltemos à análise das associações entre pobreza e vadiagem; pobreza e doenças; pobreza e criminalidade. Associações estas, que para Castel (1998) tratam-se de uma construção social, que se consolida, sobretudo, a partir do momento em que 24 o trabalho passa a ocupar o centro gravitacional das relações sociais, haja vista que a vinculação entre doenças e precárias condições de vida já existia anteriormente decorrente da epidemia da peste negra, creditada aos pobres. Todavia, a relação pobreza e vadiagem teve sua gênese na Inglaterra prestes a vivenciar a revolução industrial. Exemplo disso são as chamadas “Leis dos Pobres”, que não obstante deixarem transparecer que seu destinatário seriam os pobres, tinham no trabalho sua referência maior. Isso quer dizer que as Leis não se dirigiam aos pobres como um todo, mas sim aos que não trabalhavam, os “vagabundos” ou os “inválidos”. As Leis dos Pobres (Poor Law) formavam um conjunto de regulações précapitalistas que se aplicava às pessoas situadas à margem do trabalho, como idosos, inválidos, órfãos, crianças carentes, desocupados voluntários e involuntários, etc. Contudo, a despeito de, na aparência, esse conjunto de regulações se identificar com a pobreza, era no trabalho que se referenciava.[...] Esse conjunto de leis era mais punitivo do que protetor. Sob sua regência, a mendicância e a vagabundagem eram exemplarmente castigadas. Todos eram obrigados a trabalhar sem ter a chance de escolher as suas ocupações e a de seus filhos. (PEREIRA, 2006, p.103-104) A representação que se legitima a partir dessa concepção Inglesa do sec. XVII, não é outra senão aquela de que os pobres eram essencialmente aqueles que não estavam sujeitos ao trabalho, seja por vontade própria (vagabundos), seja por contingências outras (inválidos). Como a partir desse momento o trabalho torna-se central na integração social, exercer alguma atividade torna-se obrigação. Aos que “não queriam” trabalhar dever-se-ia aplicar a repressão, e aos que “não possuíam condições” para tanto, a assistência. Concomitante ao processo de industrialização, como aqui já asseverado, ocorre o surgimento da classe operária e com ela a chamada questão social, que como nos ensina Pastorini(2007, p.104), “deve ser entendida como conjunto de problemáticas sociais, políticas e econômicas que se geram com o surgimento da classe operária dentro da sociedade capitalista”. É, pois, compreendendo a questão social nessa acepção sócio-político-econômica, essencialmente gestada pelo conflito entre o voraz anseio da burguesia por maiores lucros e a luta do proletariado pela constituição de direitos, que da mesma forma compreendemos o contexto de conformação das políticas sociais e por que razão também elas ocupam relevante espaço no conflito de classe. Essa problematização sócio-política das manifestações da questão social torna-se mais contundente com o recrudescimento da luta de classe, na qual os trabalhadores, agora já inspirados pela ideologia marxista, exigem do Estado respostas à desigual dinâmica do sistema capitalista. Estamos falando das origens das políticas sociais, cuja conquista, à custa de greves e demais manifestações por parte da classe operária, em muito contribuiu para que 25 esta fosse concebida como uma “classe perigosa”, contra a qual o sistema policial deve nutrir especial atenção. É exatamente esse processo de protagonismo exercido pelos trabalhadores, que agora já ameaça à estabilidade dos capitalistas e faz com o que Estado abra “concessões” a fim de manter a ordem, que adjetivará ainda mais a representação sobre os pobres. Ao lado das visões de mundo anteriores sobre a pobreza – espaço de doenças, promiscuidade e vadiagem – agora aparece uma nova adjetivação que marcará definitivamente os pobres: perigosos. Foucault (2002) nos mostra que o surgimento do capitalismo industrial foi muito além de causar transformações econômicas e políticas, mas também estendeu seus efeitos na seara da ordenação sócio-jurídica. O autor se refere à passagem de uma “criminalidade de direitos” para uma “criminalidade de bens”, isso porque, no Antigo Regime as subversões à ordem, os crimes, se davam na esfera da contestação dos direitos. Assim, os “criminosos” de outrora, majoritariamente, infringiam a lei em razão de não possuírem privilégios que outras classes possuíam, encontrando, por esta razão certa legitimação popular para o cometimento do crime. Todavia, com o advento do capitalismo, Foucault registra que Na segunda metade do século XVIII o processo tende a inverter. Primeiro com o aumento geral da riqueza, mas também com o crescimento demográfico, o alvo principal da ilegalidade popular tende a não ser mais em primeira linha os direitos, mas os bens: a pilhagem, o roubo, tendem a substituir o contrabando e a luta armada contra os agentes do fisco. [...] A ilegalidade dos direitos, que muitas vezes assegurava a sobrevivência dos mais despojados, tende com o novo estatuto da propriedade, a torna-se uma ilegalidade de bens. Será então necessário puni-la. (FOUCAULT, 2002, p. 71-72) Vê-se, pois, que também fruto das desigualdades econômicas do capitalismo, a ilegalidade dos bens, ou seja, a criminalidade contra o patrimônio passa a ser um fenômeno social moderno, no qual figuram como “criminosos” os despossuídos, os pobres. O que estamos dizendo é que, ao lado das problematizações sócio-políticas das manifestações da questão social, exigindo, por conseguinte, respostas do Estado, via políticas sociais, e questionando a própria ordem capitalista – o que ensejou a visão dos trabalhadores como classe perigosa –, a criminalidade contra o patrimônio deixa de ser exceção, como era no Antigo Regime, e passa a regra na sociedade capitalista, consubstanciando-se como uma das principais questões a serem enfrentadas pela burguesia e consolidando a vinculação entre pobreza e criminalidade. Leite(2008) reforça essa idéia, para quem De considerações desse tipo a estabelecer ligações entre a pobreza, de um lado, e a criminalidade e risco para a paz social, de outro, bastava um passo. Segundo Bresciani (1989, p.51), para grande parte dos franceses do início do século XIX, “[...] praticamente inexiste diferença entre homem trabalhador, pobre e criminoso. Na verdade, constituem níveis de uma mesma degradada condição humana, a do trabalhador dos grandes centros urbanos. Geremek (1989, p.257) observa que na 26 Europa ocidental era comum, naquele Século, identificar a pobreza com “[...] ameaça à ordem e obstáculo ao correto funcionamento do sistema [...]” sendo ela considerada “[...] fenômeno perigoso para o equilíbrio social”. O mesmo autor afirma ser disseminada, nessa época, a idéia segundo a qual “[...] a miséria e a delinqüência são interdependentes [...]”(GEREMEK, 1989, p.257). (LEITE, 2008, p. 220) É nesse contexto, portanto, que o aparato do Estado Liberal clássico delineia suas principais formas de intervenção em relação à pobreza: assistencialismo focado nos pobres não-aptos ao trabalho e repressão para os vadios. Voltemos ao processo de desnaturalização da pobreza e suas conseqüências para a conformação de um novo modelo de Estado e, por conseguinte, de intervenção em relação à pobreza. Falávamos que sob a égide liberal, intervir na pobreza significava “reverter as leis da natureza”(BEHRING, 2006), todavia, com o pauperismo e com a questão social, os trabalhadores passam a exercer determinado protagonismo sócio-político, movimento este que vai desnudar o sistema capitalista como gerador das mazelas sociais. Analisemos mais de perto o que significou esse protagonismo operário, sobretudo, na conformação das chamadas políticas sociais. Ainda que se reconheçam experiências pontuais anteriores, é notório o fato de que as Políticas Sociais, entendidas como sendo formas de o Estado intervir nas manifestações da questão social, são um fenômeno contemporâneo à sociedade capitalista (BEHRING, 2000), marcadamente contraditória e na qual o papel do Estado e suas formas de intervenção, seja no plano econômico ou social, passam a ser elementos centrais de disputa de classe. É evidente, portanto, que, no seio do surgimento da sociedade capitalista, a instituição de políticas sociais advém do reconhecimento da existência da chamada “questão social” e da necessidade de construir respostas a ela. Para os liberais, por um lado, são concebidas como uma mera concessão do Estado com a finalidade de compensar os malefícios trazidos pelo sistema capitalista. Isso porque, o funcionamento do mercado, enquanto instância distributiva, naturalmente produz desigualdades possibilitando oportunidades diferenciadas. Diante desse desequilíbrio entre os que recebem mais e os que recebem menos ou nada, surge a necessidade de o Estado intervir pontual, corretiva e compensatoriamente sobre aqueles que naturalmente foram prejudicados pelo mercado. Note-se que para os tradicionalistas, a política social teria um caráter meramente distributivo e não redistributivo, segundo concepção de Pereira(2006). A distribuição tem como característica principal não colocar em confrontação direta possuidores e não-possuidores de bens e riquezas, pois transfere para os despossuídos recursos acumulados em fundo público provenientes de várias fontes. Já a redistribuição constitui, nos termos de Lowi(1963), uma arena real de conflitos 27 de interesses, pois implica em retirar bens e riquezas de quem os possui, para transferi-los a quem não os possui. (PEREIRA, 2006, p.17). Na contramão da via tradicional, encontramos a perspectiva marxista de política social, que através do método de análise crítico-dialético, marcado pela contradição e totalidade, analisa essa categoria através do binômio “concessão-conquista” e dessa forma elimina o reducionismo da perspectiva tradicional. Para a visão marxista, como a política social relaciona-se diretamente com a questão social e sendo esta expressão da forma desigual de apropriação do modo de produção capitalista, é preciso de igual maneira compreender a dinâmica de funcionamento das políticas sociais levando-se em consideração as determinações do desenvolvimento do capitalismo. Nessa esteira, a tradição marxista analisa as políticas sociais como sendo resultado, ao mesmo tempo em que cumpre determinadas funções, nas imbricadas relações existentes entre a classe burguesa, o Estado e os proletários. É em razão dessas funcionalidades e das contradições inerentes à sua conformação, que a análise marxista incorpora a concepção das políticas sociais como espaço privilegiado da luta de classes, onde pode haver elementos concessivos, funcionais à classe dominante, mas também há, sobretudo, protagonismo da classe trabalhadora. 5. A POBREZA E SUA CRIMINALIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA Não obstante dentre nós o processo de industrialização e suas conseqüências sócio-políticas só terem sido experimentados no séc. XX, como fruto de uma sociedade que opta pela desigualdade desde o seu nascedouro, a pobreza no Brasil deita suas raízes antes mesmo do surgimento das contradições capitalistas. Uma nação que se funda na escravidão, na qual o Direito não se edifica para garantir equidade, mas privilégios, é uma nação cuja pobreza – privação material e privação de direitos como assevera Telles(1993) – esteia-se na própria condição do não-homem, do não-cidadão. Talvez por isso mesmo durante todo o período escravista, a pobreza não tenha se constituído uma questão pública da nação brasileira. Porque ainda se constituía uma realidade rural e que majoritariamente restringia-se aos escravos ou aos negros “alforriados”, ou seja, uma realidade que atingia aos despossuídos de alma e de direito. No dizer de Lima(2005), Desde o período colonial até meados da década de 1950, o pensamento social brasileiro caracteriza-se por uma fase ideológica, etapa de um longo processo de autoconsciência de um povo em que as interpretações sobre a vida social brasileira postularam a inferioridade das classes pobres como responsáveis pelo atraso do país. [...] o caboclo miserável é exemplo do mestiço que degenera, resultado do amálgama imperfeito das raças e do clima. Os principais traços de seu caráter é a indolência, a apatia [...] sem a propriedade da terra, que determina o modo de vida nômade, ausente de integração estável e permanente nas estruturas sociais, 28 “acampam” em palhoças de sapé, vivendo “uma vida semi-selvagem” dentro de um quadro de precariedade material para satisfação de necessidades mínimas. (LIMA, 2005, p.133-135) Discorrendo sobre essa indelével caracterização da conformação da sociedade brasileira, marcada pelo autoritarismo e pela desigualdade, importante contribuição faz Telles(1993) ao afirmar haver entre nós um certo “enigma da persistência e do crescimento da pobreza”. A análise da autora acaba por decifrar tal enigma conjugando duas grandes causas: por um lado o ranço de uma “gramática social excludente” e de outro o paradoxo de uma cidadania regulada. Isso significa dizer que, para a autora, a pobreza no Brasil não decorre essencialmente de nossa inserção no capitalismo, mas sim da repercussão nesse processo do modo pelo qual as nossas relações sociais se estruturaram. É certo que a sociedade brasileira carrega o peso da tradição de um país com o passado escravagista e que fez sua entrada na modernidade capitalista no interior de uma concepção patriarcal de mando e autoridade, concepção esta que traduz diferenças e desigualdades no registro de hierarquias que criam a figura do inferior que tem o dever de obediência, que merece favor e proteção, mas jamais direitos. No entanto, se tradições persistem, isso não independe do modo como aqui a cidadania foi formulada e institucionalizada. E é nisso que se aloja o paradoxo da sociedade brasileira. Paradoxo de um projeto de modernidade que desfez as regras da república oligárquica, que desencadeou um vigoroso processo de modernização econômica, social e institucional, mas que repôs a incivilidade nas relações sociais. (TELLES, 1993, p. 10-11) Estamos falando, pois, que durante os três séculos de Brasil Colônia a Império, a pobreza é tratada como não-lugar, e os pobres como não-sujeitos. Não se trata aqui, frisemos, da pobreza que já era experimentada na Europa fruto da industrialização e que tinha no pauperismo sua expressão maior. Nossa pobreza era aquela advinda da deliberada privação de bens e de direitos de parte da população vista como inferior pela elite colonial. Analisando o período de 1880 a 1924, portanto a transição do Império escravocrata para a República abolicionista, Adorno (1990) aduz que as leis abolicionistas, referindo-se ao fim do tráfico negreiro, lei do ventre-livre, do sexagenário e finalmente a abolição, levaram a uma “invasão” de pobres nas cidades brasileiras, impedindo, dessa forma, o “progresso” das mesmas. Escravos que haviam perdido o vínculo com o seu senhor, que não eram mais obrigados a trabalharem, agora vagavam pelas ruas das grandes cidades. Ao lado disso, uma incipiente indústria começa a florescer o que consolida o processo de urbanização, a ponto de que entre a década de 1890 a 1900, a cidade de São Paulo aumentou sua população em 269% (ADORNO, 1993, p-12). Isso implicou no processo de heterogeinização da cidade, que passa a vivenciar o fato de que “na mesma rua, cruzavam-se cotidianamente a „aristocracia‟ e a „burguesia‟, „classes médias‟ 29 e o „proletariado urbano‟, o „bacharel‟ e a ralé inculta[...] enfim, o citadino e o tabaréu”(ADORNO, 1990, p.11). É na direção de fazer valer a hierarquia social nessa nova cidade, o que de alguma forma fora perdido com a abolição, que vai se configurar o processo que o autor denomina de “filantropia higiênica” por meio de uma “cruzada civilizatória” contra os pobres. Era preciso não apenas civilizar os indivíduos, mas também modernizar o espaço público, o que desemboca na “territorialização da pobreza” no Brasil, uma vez que a segregação social agora se exprime por meio da segregação territorial. É como se as senzalas houvessem se transformado nos cortiços, inicialmente, e logo depois das Favelas. Analisando o surgimento das favelas no Brasil, Valladares(2000) destaca indícios da representação social que se tinha sobre esses espaços no início do século XX: É porém o morro da Favella, repito, que entra para história. Já em 1900 o Jornal do Brasil denunciava estar o morro “infestado de vagabundos e criminosos que são o sobressalto das famílias”. Esta é também a visão expressa por um delegado de polícia, segundo informa Bretas (1997, p.75): “Se bem que não haja famílias no local designado, é ali impossível ser feito o policiamento porquanto neste local, foco de desertores, ladrões e praças do exército[...]”. (VALLADARES, 2000, p.8) Se, por um lado era preciso modernizar os espaços públicos como requisito do progresso, o que acaba gerando a territorialização da pobreza, por outro era preciso pôr em curso a civilização do indivíduo, o que se dava na direção de nele incutir a ideologia do trabalho, de fazê-lo disposto a vender sua força de trabalho. No dizer de Valladares(1991, p.89), “A importância atribuída à ética do trabalho se explica, em segundo lugar, pela necessidade de criação de um contingente de trabalhadores assalariados imprescindíveis ao processo de industrialização”. O indivíduo civilizado é o indivíduo trabalhador, concepção esta que está na origem da chamada “cidadania regulada” tão bem trabalhada por Telles(1993), segundo a qual acessará o status de cidadão, possuidor, portanto, de direitos, o indivíduo trabalhador. Percebe-se, pois, que neste momento a concepção de pobre recai necessariamente sobre aqueles que não possuem trabalho, ou seja, os vadios, contra os quais se deve levantar a força policial. Segundo Adorno(1990, p.15), “em 1901, a cidade de São Paulo contava com 239.820 habitantes, dos quais apenas 50.000 constituíam o operariado fabril”. Isso reforçava a dicotomia entre pobre, que era vadio, e o trabalhador, que era operário, uma vez que o processo de pauperização experimentado pelas grandes cidades brasileiras nesse momento se abatia com maior intensidade sobre aqueles que não possuíam vínculo laboral. Ainda analisando a pobreza nesse período, importante consideração faz o mesmo autor a respeito do processo de criminalização da pobreza, haja vista a centralidade exercida pela polícia na “filantropia higiênica”. Para ele, 30 Não resulta estranho que as delegacias de polícia tenham ocupado um papel “civilizatório” nesse processo de construção de uma ordem contratual. [...] Frente ao quadro de adversidades, aparelhava-se as instâncias de controle, intervenção e saneamento moral. Polícia e Justiça receberão do Estado apoio material e humano visando dotá-las de instrumentos adequados para conter a desobediência civil. [...] Ao longo do período analisado, a criminalidade agravou-se e seu controle tornou-se mais complexo. [...] Ao lado da criminalidade adulta, a presença de crianças nesse território é a fonte de preocupação desde o último quarto do século XIX. Referências aqui e acolá aludem aos “menores vadios, mendigos e meninas prostitutas”. (ADORNO, 1993, p. 10, p.16) A centralidade que a “ética do trabalho” passa a desempenhar nas definições das relações sociais brasileiras na virada do século XIX para o século XX não se restringe à correlação entre a pobreza e o não-trabalho, mas leva o aparato estatal a “criminalizar” no Código Criminal a vadiagem, entendida como ato de deixar de fazer uma atividade para ganhar a vida, ou seja, como a pobreza era uma conseqüência da opção pela vadiagem, e como todos os vadios eram pobres, logo, o que se criminaliza não é outra coisa senão a própria pobreza. Parece-nos aqui repousar a gênese do processo de criminalização da pobreza na sociedade brasileira. Como, dentre nós, consolidou-se a concepção de que a pobreza seria uma opção pessoal advinda da não-subordinação ao mundo do trabalho, especialmente pelos negros e mestiços, quando se criminaliza a vadiagem o que se intenta, na verdade, é criminalizar a condição de ser pobre. Discorrendo sobre esse processo, Valladares(1991), com propriedade, afirma que Desde a época Imperial, quando foi aprovado o Código Criminal que considerava, entre outros, como crimes policiais a prática da vadiagem e da mendicância, a polícia usava e abusava do livre-arbítrio, prendendo freqüentemente aqueles que perambulavam pelos espaços públicos. Eram considerados vadios aqueles que não possuíam ocupação honesta e útil de que pudessem subsistir.[...] a vadiagem, a ociosidade e a pobreza em suma, eram pois concebidas como de responsabilidade individual. O pobre ou vadio assim o eram porque se recusava a vender sua força de trabalho no mercado capitalista, opondo-se a acatar a ética do trabalho.(VALLADARES, 1991, p. 87, p.92) Importante ressaltar que com o desenvolvimento industrial brasileiro, sobretudo a partir de 1930, as configurações em torno da pobreza sofrerão alterações significativas. Enquanto no início século prevalecia a vinculação entre pobreza e vadiagem, como aqui já registrado, a passagem de uma economia agrária para uma economia urbano-industrial, já nas primeiras décadas da segunda metade do século passado, gerava massas urbanas que não conseguiam se inserir no mercado de trabalho, fazendo com que fosse desconstruída a percepção da pobreza como responsabilidade individual do “vadio” que não quer se submeter ao trabalho. A partir dessa concepção, os pobres não são mais tidos como ociosos ou vadios, passando a ser compreendidos enquanto massa dos excluídos, dos marginalizados, colocados na periferia do sistema econômico com o direito de participação restrito, quando muito, à situação de subemprego. [...] O termo “favelado” passa a ser 31 sinônimo de “pobre” e o espaço-favela ganha atributos muito semelhantes àqueles associados, décadas antes, ao cortiço. (VALLADARES, 1991, p. 98) O modelo de desenvolvimento econômico do país, essencialmente incrementado durante o período militar, de incentivo à industrialização baseada na substituição das importações e altamente concentrador de renda, ao mesmo tempo em que conseguiu êxito registrando crescimento econômico, acelerou o processo de desigualdades sociais e reafirmou o processo de urbanização como expressão territorial da segregação social. A crise econômica mundial na década de 70, sobretudo motivada pela revolução tecnológica afetando diretamente a manutenção da taxa de lucro do capital, repercutiu na economia brasileira na década de 80, gerando forte estagnação dos setores produtivos, marcados por um histérico processo inflacionário, quadro que foi decisivo para a conformação de um novo pauperismo entre nós. A pobreza incide maciçamente até mesmo nos trabalhadores regularmente empregados! Em 1980 de 4,4 milhões de famílias classificadas como “miseráveis”, 3,2 milhões tinham todos os seus membros incorporados no mercado formal, como revelou o surpreendente estudo de Pastore et alii (1983). O salário mínimo, em crescente deterioração há inúmeras décadas, apresentando uma evolução negativa acentuada desde o final dos anos 70, acabou por levar uma sobrecarga de trabalho por meio da extensão da jornada de trabalho e da mobilização de crianças em idade escolar, aposentados, maiores de 70 anos. (VALLADARES, 1991, p.106) Como conseqüência desse recrudescimento das desigualdades sociais, diversas manifestações da questão social passam a fazer parte do cotidiano das grandes cidades brasileiras, sendo a violência urbana talvez a mais eloqüente delas. Assim, a partir de 1989 a morte violenta é a principal causa de morte no país, com índices de homicídio no Rio de Janeiro, em São Paulo e Recife atingindo 40 para cada 100.000 habitantes, ao passo de que o índice nacional supera 20 para cada 100.000 (ou seja, duas vezes o índice norte-americano do início dos anos 90 e vinte vezes o nível dos países da Europa ocidental). (WACQUANT, 2001, p. 8) Com a escalada da criminalidade concomitante ao aumento da pobreza, atrelada à cultura autoritária institucionalizada no período militar, ressurge a velha representação da direta associação entre pobreza e criminalidade. Estamos, pois, diante das bases da moderna criminalização da pobreza. Todavia, as determinações dessa nova criminalização passam pela estratégia montada pelos países de economia central, especialmente Estados Unidos e Reino Unido, para garantirem a retomada do crescimento da taxa de lucro do capital pós-crise dos anos 70. Referimo-nos ao desmonte do Welfare State por meio da reestruturação neoliberal, com premissas, no dizer de Malaguti(2002), baseadas nas interações políticas, econômicas e sociais motivadas pelo interesse próprio a fim de manter a “ordem natural”, e portanto, qualquer intervenção seria considerada indesejável na medida em que dificulta o 32 estabelecimento dessa ordem e é por isso que as forças do mercado devem ser livres e o Estado mínimo. O que se constata, portanto, é que a partir da crise do capital da década de 70, que no dizer de Behring(1998), citando Mandel, se conformou como uma clássica crise de superprodução haja vista o aprofundamento do descompasso entre a expansão da produção, com o incremento tecnológico, e a queda da taxa de consumo, em função do desemprego estrutural e a diminuição real dos salários. Ou seja, a contradição entre a superprodução de valores de uso(mercadorias) e não-realização dos valores de troca(circulação das mercadorias) conforma-se na essência da queda na taxa de lucro do capital na segunda metade do século passado. Obviamente, que se uma crise do modo de produção capitalista gera a perda da lucratividade dos donos dos meios de produção, causa desproporcionalmente por outro lado rebatimentos na classe trabalhadora. A perda de alguns milhões de dólares para os muitos capitalistas pode ao máximo significar a saída da lista da revista Forbes dos empresários mais ricos ou mais bem sucedidos do mundo, ao passo que a perda do emprego para o trabalhador pode levá-lo à total indigência. Como não pensar no recrudescimento das manifestações da questão social quando, dados da OCDE citados por Behring(1998) indicam que no ano de 1976 os países de capitalismo central possuíam cerca de 17 milhões de desempregados, já em 1982 o número saltava para 30 milhões. Neste sentido, vale aqui relembrar a análise de Engels por ocasião do discurso de Elberfeld quando apresentava a generalização da criminalidade como conseqüência de um modo de produção que incita a individualidade, a concorrência, a própria “guerra de todos contra todos” e o crime contra o patrimônio como forma de acesso a bens de consumo negados à maioria da população. A sociedade atual, que alimenta a hostilidade entre o homem individual e todos os outros, portanto, produz uma guerra social de todos contra todos que, inevitavelmente, em casos individuais, nomeadamente entre as pessoas sem instrução, assume uma forma brutal e bárbara de violência - a de crime. A fim de proteger-se contra a criminalidade, contra atos de violência direta, a sociedade exige um sistema extenso e complexo de órgãos administrativos e judiciais, que exige uma imensa força de trabalho. (...) Mesmo agora, os crimes passionais estão se tornando cada vez menos em comparação com os crimes calculados, os crimes de interesse - os crimes contra a pessoas estão em declínio, crimes contra a propriedade estão a aumentar. Em uma sociedade comunista os crimes contra a propriedade vão cessar por vontade própria, onde todos recebem o que ele precisa para satisfazer a sua necessidade natural e seus impulsos espirituais, onde gradações e distinções sociais deixam de existir. (ENGELS, 2009) 33 Importante percebermos que este movimento relatado por Engels(2009) em 1845, qual seja, o do aumento da criminalidade violenta contra o patrimônio, e também reforçado por Focault(2002), referente às primeiras conseqüências da questão social a partir do pauperismo, se mostra como um processo imbricado às conformações do capital e do próprio Estado, por via de conseqüência. Nessa esteira, com a crise do capital acima relatada, novamente se aprofunda a correlação entre o agravamento das condições materiais da classe trabalhadora com o recrescimento da violência. Por seu turno, o Estado, na fase do capitalismo monopolista avançado, atuando como instrumento dos monopólios e fazendo do sistema tributário um meio de transferência do produto social para financiar a produção dos grupos industriais, irá responder a esta nova conjuntura de maneira bastante particular. A fim de retomar o crescimento da taxa de lucro, Behring(1998) nos indica que o capital se reestruturá em duas grandes dimensões. No campo da produção e no campo público. No que tange à reestruturação produtiva, foram eliminadas atividades menos lucrativas, aprimoradas técnicas de produção mais avançadas, favorecidos os produtos com maior procura, abertos novos mercados consumidores e basicamente o aumentada a exploração do trabalho e este generalizadamente desregulamentado. Já no que tange ao papel do Estado, essencial para o capitalismo monopolista avançado, era preciso instrumentalizá-lo como indutor da retomada dos lucros. A partir da justificativa de que a crise que se vivia havia sido causada, sobretudo por um descompasso fiscal do Estado, que arrecadava cada vez menos e gastava cada vez mais e majoritariamente com as políticas sociais advindas do Welfare State, autores como James O‟Connor, citado por Behring(2002), passam a legitimar a redução das despesas do Estado e a ampla utilização do orçamento público, com a entrada da iniciativa privada em setores até então restritos ao setor público, como forma de saída da crise. È certo, portanto, que se a crise é causada preponderantemente por uma questão fiscal, se a taxa de lucro do capital se houve em queda em função de um Estado que gastava demasiadamente com o social e perdia progressivamente capacidade de arrecadação, a saída deveria ser pela reestruturação do Estado. É seguindo esta análise que em meados da década de 70 e 80 do século passado o Estado, essencialmente nos países de capitalismo central, passa a se adequar com vistas a induzir ao máximo a retomada do crescimento econômico. Assim, o chamado ideário neoliberal conjugou estratégias que, segundo esta concepção, seriam capazes de tornar o Estado um eficaz indutor da retomada de lucros do capital. 34 O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com o bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão desastrosamente deformado o curso normal da acumulação e do livre mercado. O crescimento retomaria quando a estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido restituídos. (ANDERSEN, 1995, p. 11) Vemos, portanto, que a motivação da reestruturação do Estado durante a crise da década de 70 foi se pôr a serviço do capital, não só ignorando a condição dos milhões de trabalhadores desempregados, como se pondo também na condição de seu algoz ao desregulamentar as relações de trabalho e se retirar da garantia de direito por meio da retração dos gastos com políticas sociais. É certo que neste contexto de generalização das desigualdades, alimentada por uma clara opção da classe dominante, é a própria manutenção da coesão social que se ameaça com a enormidade de desempregados, muitos dos quais não serão mais absorvidos formalmente pelo mercado de trabalho reestruturado. O Estado, por sua vez, não tratará tal risco de forma desacautelada. Se a lógica agora o impedia de evitar a fratura por meio das políticas sociais como outrora, haja vista terem sido elas, para a ótica do capital, as grandes vilãs da crise fiscal, era preciso intervir de outra forma para conter o perigoso excedente da classe trabalhadora. O caminho escolhido foi deliberadamente o da repressão. Se não se poderia mais manter a legitimação do capitalismo por meio do Welfare State – que pressupunha o consenso da classe trabalhadora sobre a tese da compatibilidade entre capital e distribuição de riqueza – agora obter-se- ia tal “legitimidade” pela força. Nesse sentido, na pós-crise dos anos 70, novamente emerge a vinculação entre pobreza e criminalidade. Era preciso endurecer a atuação do Estado-policial nas áreas empobrecidas e contra os empobrecidos para que estes se mantivessem sob controle e, por via de conseqüência, a própria dinâmica da acumulação. Analisando este processo na sociedade americana, Wacqüant(2007) identifica três funcionalidades no crescimento explosivo da punição. No plano mais baixo da escala social, o encarceramento serve para neutralizar e estocar fisicamente as frações excedentes da classe operária, notadamente os 35 membros despossuídos dos grupos estigmatizados que insistem em se manter “em rebelião aberta contra seu ambiente social” – para retomar a provocativa definição de crime, proposta há um século, por W.E.B. Du Bois, em The Philadelphia Negro. Um degrau acima, a expansão da rede policial, judiciária e penitenciária do Estado desempenha a função, econômica e moralmente inseparável, de impor disciplina do trabalho assalariado dessocializado entre frações superiores do proletariado e os estrados em declínio e sem segurança da classe média, através, particularmente, da elevação do custo das estratégias de escape ou de resistência, que empurram jovens do sexo masculino da classe baixa para setores ilegais da economia de rua. Enfim, e sobretudo, para a classe superior e a sociedade em seu conjunto, o ativismo incessante e sem freios da instituição penal cumpre a missão simbólica de reafirmar a autoridade do Estado e a vontade reencontrada das elites políticas de enfatizar e impor a fronteira sagrada entre cidadãos de bem e categorias desviantes, os pobres, “merecedores” e os “não-merecedores”, aqueles que merecem ser salvos e “inseridos”(mediante uma mistura de sanções e incentivos) no circuito de trabalho assalariado instável e aqueles que, doravante, devem ser postos no índex e banidos, de forma duradoura.(WACQÜANT, 2007, p. 16-17) É essa lógica punitiva, que ressurge no seio da reestruturação produtiva e da reforma do Estado norteado pelo neoliberalismo, que será uma das principais intervenções do Estado em relação à pobreza. Concebendo os trabalhadores miseráveis como não mais integrantes da sociedade regida pelo capital e partindo da certeza de que não há mais possibilidade de reintegrá-los a esta nova conformação do mundo do trabalho, o Estado passa a focalizar nesses sujeitos a atuação da prisão-segregação. Importa dizer que no contingente de desempregados pobres, que não mais geram lucro para o capital, os adolescentes e jovens assumem papel de destaque para a intervenção punitiva do Estado. Isso porque, além das questões econômicas aqui já expostas, há inúmeras outras condicionalidades que obstaculizam o acesso ao mercado de trabalho do adolescente e do jovem, a começar pela inexistência das políticas sociais básicas com vistas à emancipação, tais como educação, saúde e moradia, além do paradigma legal dos direitos humanos de criança e adolescente com a proibição do trabalho infantil e da rígida regulamentação do trabalho do adolescente. È, portanto, prova inequívoca deste movimento em direção à consolidação de um Estado Penal a multiplicação dos estabelecimentos prisionais, a superlotação dos mesmos e o absurdo crescimento do número de encarcerados. Segundo Wacqüant(2007, p. 14) nos Estados Unidos houve, nos últimos 25 anos, um crescimento de cinco vezes da população carcerária. No caso brasileiro, dados do Sistema de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, disponíveis na página do órgão na internet, em 2000 o Brasil contava com 232.755 presos, entre provisórios e condenados. Já no ano de 2008, o número chega a impressionantes 451.429 detentos. Só no primeiro semestre de 2009, foram feitas 18.378 novas prisões(INFOPEN, 2009). 36 No que se refere à delinqüência juvenil, o Brasil não experimentou ainda o paradigma inovador trazido pelo Estatuto. Dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH(CONSELHO, 2006) revelam que de 1996 a 2006 houve crescimento de mais de 300% no número de adolescentes com a liberdade restrita, com um salto de 4245 para 14074. São Paulo lidera o „ranking‟, concentrando 50% da população adolescente encarcerada do País, seguido pelo Rio Grande do Sul (8%) e Rio de Janeiro (7%). No Espírito Santo o contexto não é outro, segundo o relatório final da CPI da criança e do adolescente o número de internos em 2003 era de 147, em 2004 passou para 221 e em 2005 o patamar foi de 236. A Secretaria Especial aponta ainda um déficit de mais de três mil vagas. Contemporaneamente, pois, o que temos experimentado é a retração do Estado no seu papel garantidor de direitos, por meio do processo de mercantilizarão destes, que passam a ser considerados “serviços” acessados via mercado. Por outro lado, a agudização da questão social, que deveria ser enfrentada por meio de políticas sociais universais e de redistribuição de renda, passa a ser objeto de intervenção policial. No dizer de Wacqüant (2001, p.7), “a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com „mais Estado‟ policial e penitenciário o „menos Estado‟ econômico e social”. Nesse sentido, a atual ameaça de fratura social em virtude das novas manifestações da mesma questão social tem sido enfrentada, diferentemente de outrora, por meio de um Estado penal, que objetiva garantir a coesão social por meio da força, da coerção, da punição, sendo esta dirigida essencialmente para as “classes perigosas”, que por esta concepção, em última instância, são as que mais riscos oferecem à dita coesão. 37 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos ao longo de nosso estudo que, optando-se pela lente da totalidade e historicidade, a melhor forma de compreender o fenômeno da violência é conectando-a com o desenrolar da sociedade capitalista. Somente compreendendo a criminalidade violenta, que hoje paralisa o país, seja pela sensação de insegurança, pelo medo, pela opressão do tráfico, pela descrença política, etc. como mais uma das inúmeras manifestações da questão social é que podemos construir diagnósticos verdadeiros e caminhos possíveis. Dentre nós, como também vimos neste estudo, a violência, o comportamento humano que causa dano ou privação a outrem, é uma das muitas marcas perenes na nossa formação enquanto nação. O genocídio dos povos originários e os quase quatro séculos de escravidão são cicatrizes que ainda hoje trazemos no corpo deste país, servindo de base para inúmeras outras formas de violência e nos impedindo de virarmos definitivamente algumas páginas de nossa história. Na sociedade brasileira, a questão social não pode, como bem delimitou Faoro(1976), ser resumida à questão de classe, é preciso sempre registramos que potencializando o conflito de classe no Brasil, há a questão racial. Não é sem resposta o fato de que no Brasil a miséria é majoritariamente negra. Não é sem explicação o porquê de termos um sistema prisional e sócio-educativo aprisionando negros. A expressão mais contundente do modo de produção capitalista que é o acesso diferenciado por classe à riqueza, a bens e serviços, no Brasil, por seu ingresso tardio no sistema capitalista, o aquinhoamento diferenciado foi conformado entre brancos e negros, entre casa grande e senzala. O pauperismo que nos países de capitalismo central é conseqüência direta da revolução industrial, por aqui deita origens no fim da escravidão e na ocupação massiva das cidades por negros ex-escravos, agora negros favelados. A pobreza brasileira se revela assim como uma deliberada privação de riquezas, bens e serviços por parte da elite branca. Nesse cenário, como falar em cidadania? Como pugnar por Direitos Humanos? Não havia minimamente condições objetivas para que o nosso Direito, e da mesma forma o próprio Estado, não se afirmassem como se afirmaram, ou seja, como instrumentos de garantia de privilégio, de manutenção de um modelo de sociedade partida, sobretudo, entre brancos ricos e negros pobres. Em uma sociedade movida pelo capital, cuja única forma de inserção se faz mediante o poder de compra, quando este é deliberadamente negado à maioria da população, é de se esperar que formas alternativas sejam construídas. A criminalidade violenta das grandes cidades 38 brasileiras, perpassada pelo tráfico de drogas, tem se revelado como uma dessas alternativas. Como ignorar o fato de que são as oportunidades financeiras provenientes do crime a principal motivação para que crianças e jovens empobrecidos digam sim a este caminho? Reconhecer essa processualidade exigiria da sociedade brasileira, e por via de conseqüência do próprio Estado, novas respostas. Exigiria políticas efetivas de promoção dos direitos, que em nossa realidade passa necessariamente por redistribuição de riqueza e por políticas compensatórias pelas históricas negações. Reconhecer tudo isso exigiria a difícil tarefa de inversão de prioridades governamentais, transformando o fundo público não mais em mecanismo de transferência de riqueza social para grupos privados nacionais ou internacionais, mas em instrumento de promoção da dignidade humana do povo brasileiro. Este caminho tem se mostrado impraticável para nossa elite política. Mais fácil tem sido entender de forma míope a violência e consequentemente enfrentá-la de forma distorcida. Tem sido utilitário para o Estado brasileiro, legitimado por uma cultura sócio-política reacionária, ver apenas as expressões cotidianas da violência urbana, sem problematizar suas causas, sem querer alterar suas determinações, e assim, passa a entendê-la como uma guerra diária travada entre mocinhos e bandidos, cujo melhor final deve sempre ser a morte do bandido. Se a violência é vista como uma guerra, a melhor estratégia tem sido identificar quem é o seu inimigo. Conhecê-lo bem, traçar o seu perfil, saber identificá-lo rapidamente, desvendar seu modus operandis e assim que tiver condições partir para o confronto direto são tarefas essenciais para essa concepção. É assim que o Sistema de Segurança e Justiça tem se estruturado no Brasil. Ao invés de se reconhecer que a sociedade capitalista tem negado acesso a milhares de pessoas e assim empurrado as mesmas para a criminalidade – o que levaria a radicais mudanças de paradigmas –, opta-se conscientemente por enxergar no crime uma opção individual de alguém que nasceu para o mal e que ameaça toda a sociedade. Sendo assim, o passo seguinte é reforçar o estigma de que o inimigo é o negro pobre. É contra ele que a Segurança-Justiça deverá agir. A criminalização da pobreza é o caminho encontrado pela sociedade capitalista para legitimar sua estratégia de não enfrentar a essencial causa da criminalidade violenta urbana, qual seja, a própria questão social. Dar respostas efetivas à violência impeliria rever o próprio funcionamento do modo de produção capitalista, algo fora de questão na atual conjuntura brasileira. Tornando a pobreza essencialmente criminosa a atuação do Estado não deve passar por políticas sociais, mas sim penais. Enfim, nossa tese ao longo desse estudo não é outra senão a de que a criminalização da pobreza, estratégia para não se enfrentar fundamentalmente a violência urbana, tem se 39 mostrado como uma segunda etapa de negação da realização plena de todas as dimensões dos direitos humanos no Brasil. Segunda porque a primeira advém da própria conformação da nossa sociedade. Os ranços do latifúndio escravista moldaram uma nação cujo Direito não é resposta aos anseios da população, mas instrumento de interesses privados. A primeira etapa de negação dos direitos entre nós vem da condição do não-homem negro, do não-homem índio, da não-cidadã mulher. Se portanto, o nosso pauperismo deitou raízes no latifúndio escravista, a sua permanência na contemporaneidade deve-se em muito ao processo de criminalização da pobreza, que ao criar o estereótipo do pobre, negro e criminoso, passa a requerer uma atuação policial-violadora por parte do Estado, impedindo novamente a realização plena dos direitos humanos. Se não é verdade o que aqui se constata, ou seja, do não-reconhecimento da condição de cidadania do pobre, mas sim da co-relação dele com a criminalidade, então por que razão há cada vez mais espaços urbanos nas periferias das grandes cidades brasileiras cuja presença do Estado só se faz por meio da face policial-violadora? Se nestes espaços há cidadãos e não bandidos, onde estão as políticas promotoras dos Direitos? O nosso olhar é que tal processo tem violado toda a gramática dos direitos humanos das populações empobrecidas, a começar pelos mais elementares direitos individuais. Como pensar no próprio direito à vida em comunidades subjugadas à guerra do tráfico em que o preço que se paga é a própria vida? Como falar em liberdades onde há toque de recolher, onde nada se pode falar? Como exercer direitos políticos de forma alienada e sob o controle do chefe do tráfico? Se ainda pensarmos nos direitos sociais, a situação é tão grave quanto. Soa hipócrita falar em saúde onde as pessoas morrem nas filas dos hospitais; em moradia onde pessoas são soterradas por desmoronamentos de terras a cada tempestade; em trabalho onde a regra é a informalidade; em seguridade social onde reina o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada. À revelia de tudo isso, o Estado se estrutura na direção de fortalecer seu aparato de segurança e justiça para prender cada vez em número maior e em idade cada vez menor. E é aqui no ato de prender e de punir que a criminalização da pobreza talvez tenha sua expressão mais eloqüente. Se não fosse assim, como explicar que os presídios e as unidades de internação social tenham se transformado nas senzalas de outrora, com direito ao tronco/pau-de-arara? Se não é isso, como explicar que a polícia age de forma seletiva a depender o valor do IPTU, Imposto de Renda ou IPVA que se paga? Se não é isso, como entender o descaso generalizado com a Defensoria Pública, essencial instrumento de acesso à justiça do pobre? Se o Sistema de Justiça e Segurança não criminaliza o pobre, como explicar o fato de um dos banqueiros mais ricos do Brasil acusado de dezenas de crimes contra a nação brasileira tenha 40 permanecido menos de vinte e quatro horas preso, sendo posto em liberdade por ordem da maior autoridade da justiça brasileira, enquanto que uma adolescente negra e pobre se queda encarcerada por dias em uma cela de uma delegacia com mais de trinta homens no Estado do Pará? Estamos convictos de que a realização dos direitos humanos no Brasil passa pelo enfretamento da violência urbana e pela interrupção do processo de criminalização da pobreza. Isso significa compreender a complexidade que envolve as determinações da violência na sociedade brasileira enquanto manifestação da questão social e racial, o que demandará, sobretudo, políticas de redistribuição de renda, de garantia de direitos ao todo da população e compensatórias para aqueles cujos direitos foram historicamente usurpados. 41 7. REFERÊNCIAS ADORNO, Sérgio. A gestão filantrópica da pobreza urbana. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação SEADE, v. 4, n. 2, 9-17, abr./jun. 1990. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In SADER, Emir; GENTILI, Pablo(Org). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 1989. BEHRING, Elaine Rossetti. 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