A função da filosofia Uma pergunta desconfortante, para quem é filósofo ou estuda filosofia, é: para que serve a filosofia? Ninguém pergunta para qualquer cientista para que serve a sua ciência. Natural. A ciência cumpre uma função sacramentada pelo senso comum: dispor de meios para bem viver. Correto. A ciência é útil e os cientistas e os técnicos, indispensáveis para bem viver. Aristóteles, lá no começo da filosofia, tinha plena consciência disso ao afirmar que, para bem viver, as ciências produtivas são as mais necessárias, mas para viver bem a filosofia é a mais excelsa, a mais sublime. E isso porque, entre outras coisas, ela trata das coisas divinas, dos princípios últimos do ser, fazendo eco a Platão, seu mestre. De fato, pode haver função mais elevada do que tematizar o divino? Hegel, na modernidade, vai na mesma direção ao dizer que a filosofia tem por objeto o mesmo objeto da religião, isto é, Deus. Decorre dessa linhagem de pensadores a concepção de que a função mais genuína da filosofia é explicar o mundo e, na explicação do mundo, situar-se nele e nas suas possibilidades de sentido da vida. É a função ontológica do viver bem. Essa não é a única forma de dizer qual é a função da filosofia. Há uma matriz de pensamento filosófico que inicia com Sócrates e se instala, sobretudo, nos estóicos e epicuristas e de alguma forma ressurge em Schopenhauer e Nietzsche, e mais recentemente em Luc Ferry, que faz da filosofia uma terapia, ou psico-terapia para a cura do passado e do futuro em função do viver bem no presente, amando o destino sem preocupações e perturbações da alma que advém do medo da morte, das culpas, neuroses, ilusões e da ânsia de se livrar dos infortúnios que não podem ser mudados. Nessa linha de pensamento, a função da filosofia é conhecer-se a si mesmo e no autoconhecimento encontrar a salvação e a felicidade. É a função ética do viver bem. Encontramos ainda uma corrente importante da filosofia que demarca a sua função na crítica à sociedade, à cultura, à ideologia e à religião com o intuito de modificá-las. O protótipo aqui é Karl Marx e a síntese do seu pensamento encontra-se na sua famosa tese que, mesmo sem ter atualmente a aura que a envolvia no final do séc. XIX, quando foi pronunciada, ainda desperta as almas sedentas de transformações em todos os níveis da sociedade. Refiro-me à undécima tese sobre Feuerbach que diz: “Até agora os filósofos interpretaram o mundo de diversas formas, cabe transformá-lo”. É a função política do viver bem. A volta da filosofia no segundo grau, a partir de 2008, como obrigatória, deve ser louvada por todos aqueles que pensam que não basta o bem viver (a boa vida), mas que também se preocupam com o viver bem (a vida boa). Autor: Gilmar Zampieri Mestre em filosofia e teologia Professor do Unilasalle e Estef