A falsa auto-suficiência

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A falsa auto-suficiência
Atingir a auto-suficiência da produção de petróleo não é o mesmo que manter a autosuficiência sustentada do produto - e é disso o que o Brasil está se dando conta. Quando o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o País havia atingido a auto-suficiência, no
dia 22 de abril do ano passado, a Petrobrás, de fato, estava produzindo mais petróleo do que
o País consumia. Quatro meses depois, a Petrobrás anunciava que a média diária de produção
do ano era de 1,762 milhão de barris, inferior, portanto, à meta de 1,88 milhão que garantiria
a auto-suficiência em termos de volume.
Mas a auto-suficiência não se mede apenas pela produção volumétrica. É preciso
considerar a balança comercial do setor. No Brasil, por razões que remontam a uma época em
que a alta burocracia da Petrobrás decidiu que a empresa deveria produzir lucros para seus
acionistas - o maior dos quais é a União - e não petróleo para aliviar o balanço de
pagamentos do País, as refinarias processam petróleo leve, mas os poços fornecem petróleo
pesado. Supera-se essa disparidade da única maneira possível: exportando petróleo pesado,
mais barato, e importando óleo leve e derivados, mais caros.
A auto-suficiência na produção não significa, portanto, equilíbrio da balança comercial do
setor de petróleo e derivados. Assim, embora a Petrobrás anuncie que teve no primeiro
trimestre deste ano um superávit volumétrico médio de 187 mil barris diários, a consultoria
Tendências constatou que, entre janeiro e maio, o País arcou com um déficit de US$ 1,088
bilhão e estima que, no final de 2007, a conta negativa chegará a US$ 3,8 bilhões. As contas
da Agência Nacional de Petróleo (ANP) não diferem muito das da consultoria. Segundo a ANP,
o Brasil importa mais petróleo e derivados do que exporta. No primeiro trimestre, foram
exportados 62,698 milhões de barris e importados 64,768 milhões, uma diferença de 2,07
milhões de barris.
O anúncio da auto-suficiência, há pouco mais de um ano, foi precipitado. Na verdade, o
governo fez da coincidência momentânea da produção e do consumo um factóide político,
explorado festivamente pelo presidente Lula num momento eleitoral importante. O fato é que
o Brasil ainda tem de comprar no exterior parte do petróleo que consome, em transações que
oneram o balanço de pagamentos.
É verdade que a produção da Petrobrás tem aumentado, ano a ano, desde que o
governo Fernando Henrique decidiu concentrar as atividades da empresa na exploração e
produção de petróleo. Graças a um cuidadoso programa de investimentos, em cerca de cinco
anos foram vencidas décadas de atraso. Mas a produção ainda está muito próxima do
consumo. Qualquer atraso na entrega de materiais e equipamentos, e mesmo a manutenção
programada das plataformas de produção, atrapalha a programação e força o País a buscar
petróleo e derivados no exterior. Como mostrou reportagem do Estado (9/6), os Campos de
Golfinho e Jubarte estão produzindo 30 mil barris/dia cada, quando deveriam produzir 100
mil. A ANP informa que a produção de abril foi de 1,82 milhão de barris/dia, 0,3% inferior à
do mesmo mês de 2006, porque houve manutenção em duas plataformas.
Além disso, é preciso considerar que o consumo tem crescido lentamente,
acompanhando o ritmo da economia. Se a economia deslanchar, como se espera, passando
para índices anuais de crescimento do PIB da ordem de 5%, a dependência de petróleo
importado será considerável.
O projeto de expansão da Petrobrás visa à efetiva auto-suficiência. Sua meta é atingir a
auto-suficiência sustentada, com produção mínima de 20% acima do consumo nacional, além
de uma relação reserva/produção mínima de 15 anos - o que significa manter a produção,
com as reservas conhecidas, durante aquele período. Para isso, seu plano de negócios prevê
investimentos de cerca de US$ 68,5 bilhões até 2011, com recursos da empresa e de suas
associadas. No final da década, deverá ter uma produção total de 3,5 milhões de barris/dia,
dos quais 2,95 milhões extraídos dos campos nacionais.
Mas, para que essas metas sejam atingidas, o governo não pode ter recaídas
nacionalistas. Em 2003 foram cancelados projetos de construção de plataformas de
exploração no exterior, porque o governo Lula achava que podiam ser construídas no Brasil,
com elevadíssimos índices de nacionalização. Não podiam, e com isso se perderam dois anos.
Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO-18/06/2007
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