O PSICÓLOGO NA GESTÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DO SUAS NO CEARÁ: QUE PEDAÇO DE TERRA NOS CABE NESSE LATIFÚNDIO? Juliana Antunes Marques1 FAMETRO – Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza [email protected] Leiriane Araújo Silva2 FAMETRO – Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza [email protected] Título da Sessão Temática: Políticas Públicas e Direitos Sociais. RESUMO Com esta pesquisa se objetivou levantar a quantidade de psicólogos (as) que exercem atividades de gestão no âmbito da Proteção Social Especial no estado do Ceará, a fim de se problematizar a apropriação desse profissional nos espaços de gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Realizou-se estudo descritivo-exploratório de natureza quantitativa entre os anos de 2015 e 2016, tendo como instrumento de coleta de dados os Censos SUAS. Obteve-se como resultado que de um volume de 226 vagas de coordenação/gestão distribuídas nos 215 equipamentos socioassistenciais cearenses, apenas 10 se encontravam até o ano de 2014 sendo exercidas por psicólogos. Esta foi a 5ª categoria profissional em prevalência enquanto coordenador. Percebe-se que essa reduzida apropriação das funções de coordenação pode ocorrer pela formação acadêmica e profissional do psicólogo incipiente na área social, em detrimento das outras profissões do SUAS, bem como por uma transição na construção da identidade desse profissional. Palavras-chave: Psicólogo. Proteção Social Especial. Gestão. SUAS. 1 INTRODUÇÃO Frente ao movimento de consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil e à implantação e ao fortalecimento de serviços, programas e projetos para o atendimento aos socialmente desprotegidos, observou-se uma ampliação das profissões que atuam na Assistência Social, dentre estas uma crescente presença de psicólogos nas equipes de referência da Política de Assistência Social. 1 Psicóloga (UFC), psicanalista (Corpo Freudiano de Fortaleza), pós-graduada em Gestão Social (FAMETRO), servidora pública do município de Caucaia/CE, coordenadora do CREAS Jurema - Caucaia/CE. 2 Professora-orientadora. Assistente Social (UECE), mestre em Política Pública (UECE), professora do curso de Serviço Social (FAMETRO). No entanto, a identidade de classe do psicólogo no SUAS ainda parece ser deveras fragilizada. Não se observa clara e solidamente quantos profissionais de psicologia estão empregados na Política em pauta, quão menos aqueles que não estão trabalhando no atendimento direto aos usuários, e sim desempenhando posições táticas e/ou estratégicas. Face ao exposto, o presente trabalho objetivou levantar a quantidade de psicólogos (as) que exercem atividades de gestão no âmbito da Proteção Social Especial no estado do Ceará. De modo específico se buscou problematizar a apropriação do profissional de psicologia dos espaços de gestão do SUAS, campo este de atuação profissional possível nos últimos anos à referida categoria, contudo, permeado por indagações, desafios e possibilidades. Este artigo também teve por objetivos quantificar o número de psicólogosgestores da Assistência e comparar esse quantitativo ao montante de gestores pertencentes a outras profissões3, obtendo-se um parâmetro da presença dos profissionais de psicologia nesse incipiente campo de atuação. Estudos sobre a importância do psicólogo na gestão da Assistência e de suas atribuições na elaboração tanto de políticas públicas como de estratégias de gerência ainda são deficientes, dessa forma se faz necessário estudar em profundidade dos psicólogos que são trabalhadores do SUAS quantos exercem funções de coordenação e gestão de modo a se observar de que maneira os profissionais de psicologia têm ampliado os limites de sua atuação no âmbito desta Política. 2 ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E O TRABALHO DO PSICÓLOGO Em 1962 a profissão do psicólogo foi definitivamente regulamentada no Brasil por meio da Lei 4119/62, no entanto privilegiava, especialmente, os aspectos normatizador e ajustador de sua práxis. Já na década de 80, com os movimentos sociais e com o combate às desigualdades, se observa uma maior aproximação entre a atuação do referido profissional e as políticas sociais, além de uma maior expressividade no trabalho do psicólogo com o bemestar social. (YAMAMOTO, 2007). 3 De acordo com a Resolução nº 17 de 2011 (p. 02-03), são profissões que compõem o SUAS: administrador, advogado, antropólogo, assistente social, contador, economista, economista doméstico, musicoterapeuta, psicólogo, pedagogo, sociólogo e terapeuta ocupacional. Com o advento da Constituição Federal de 1988 tal categoria profissional adquire maior expressividade. Porém, se observava, sobretudo, um trabalho em políticas específicas, focais e não-sinérgicas. Recentemente, com certa mudança de paradigma do fazer-psicológico, reforça-se a ideia de que esta deve ser uma prática engajada com a transformação social e que "toma como foco as necessidades, potencialidades, objetivos e experiências dos oprimidos" (CFP, 2007, p. 22). A inserção do citado profissional no SUAS, apesar do constante crescimento conforme aponta Nery (2009) -, ainda é incipiente quando comparado às demais categorias profissionais atuantes nesse sistema, tais como Serviço Social e Pedagogia, por exemplo. Em especial no que tange ao exercício de funções de coordenação, gestão e consultoria, observa-se que a presença do psicólogo ainda é escassa. Conforme as normativas do Conselho Federal de Psicologia e do Centro de Referência Especializado em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), cabe ao psicólogo não só compor as equipes de referência do SUAS, desempenhando as funções de atendimento psicológico e trabalho em equipes multiprofissionais, mas também o assessoramento, o planejamento e a avaliação de políticas públicas; além da gestão de equipamentos socioassistenciais e da política de assistência social como um todo. Já a cartilha “Como os psicólogos e as psicólogas podem contribuir para avançar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – informações para gestoras e gestores.” (2011, p. 15) é mais clara ao apontar que a gestão pode e deve ser uma nova seara de trabalho para o psicólogo quando diz que a atuação da psicologia na Assistência Social, haja vista que a profissão: Está preparada para, por meio da intersetorialidade, desenvolver modalidades interventivas coerentes com os objetivos do trabalho social desenvolvido pela proteção social básica e proteção social especial (média e alta complexidade). Está preparada também para desenvolver atividades de gestão do sistema. (CRP, 2011, p. 15) A partir da discussão realizada acerca do percurso da psicologia, nota-se a reinvenção e ressignificação da identidade do psicólogo conforme os determinantes sociohistóricos e mercadológicos, em especial buscando-se construir respostas técnicas e científicas nesse processo dinâmico que é a atuação na Assistência Social. Ana Maria Bock (1999, p.318) assinala: “Se entendermos que a identidade é movimento, é metamorfose, devemos entender que a identidade profissional nunca estará pronta; nunca terá uma definição”. A presente pesquisa foi realizada entre os anos de 2015 e 2016 na cidade de Fortaleza-CE e se utilizou como instrumento de coleta de dados os Censos SUAS4 das unidades de proteção social especial de média e alta complexidades - CREAS (municipais e regionais), Centros POP e Unidades de Acolhimento Institucional (municipais e regionais) de todos os 184 municípios do Ceará. Tomou-se como base o exercício de 2014, último período para o qual tais informações foram disponibilizadas. Diante disso, em posse desses dados, procedeu-se a um estudo descritivoexploratório, de natureza quantitativa. Conforme Gil (2008), tanto a pesquisa exploratória quanto a descritiva buscam um maior conhecimento do tema estudado para ter subsídios para discussões, criação de hipóteses e futuros aprofundamentos. O foco da análise sublinhou o volume bruto de psicólogos empregados nas citadas unidades do SUAS. Em seguida se levantou a quantidade desses profissionais que estão gerindo os equipamentos sociais da proteção social especial, e, por fim, se comparou tal dado com a quantidade de profissionais de outras formações que desempenham funções de coordenação na PSE. 4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Além das formações delimitadas na Resolução CNAS nº17 (2011), no questionário do Censo SUAS constam outras 7 categorias profissionais, sendo elas: fisioterapeuta; cientista político; nutricionista; médico; enfermeiro; analista de sistema; programador, além das denominações “Outra formação de nível superior”, “Profissional de nível médio” e “Sem formação profissional”. Nos equipamentos sociais da PSE de Média Complexidade pesquisados, as categorias profissionais que mais exercem função de coordenação são o assistente social e o pedagogo. Já nas Unidades de Acolhimento Institucionais essa configuração muda: os que mais exercem postos de coordenação são os profissionais classificados como “Outra formação profissional de nível superior”, seguidos dos profissionais de nível médio. 4 Se trata de um censo de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome que tem por objetivo aprimorar o processo de gestão do SUAS, vez que investiga os equipamentos socioassistenciais, os órgãos gestores, os conselhos e as secretarias da Assistência Social, além das unidades privadas desta rede. Os coordenadores das unidades de atendimento da PSE distribuem-se como mostra a Tabela 1: Tabela 1 - Coordenadores das unidades de atendimento da Proteção Social Especial distribuídos por área de formação. Área de formação Serviço Social Pedagogia Psicologia Direito Administração Sociologia Nutrição Enfermagem Economia Medicina Fisioterapia Outra formação profissional de nível superior Profissional de nível médio Sem formação profissional Sem informação Quantidade de coordenadores Unidade de CREAS Centro POP Acolhimento Institucional 43 3 12 24 3 17 8 1 1 4 0 2 4 0 5 2 0 1 1 0 0 0 0 5 0 0 1 0 0 1 0 0 1 19 1 30 2 1 0 0 0 0 TOTAL 29 0 5 58 44 10 6 9 3 1 5 1 1 1 50 31 1 5 Fonte: pesquisa própria de acordo com o Censo SUAS 2014. O psicólogo, apesar de fazer parte da equipe de referência desses órgãos e ter ampla presença na rede de proteção social de média complexidade cearense, aparece apenas em 4º lugar como área de formação profissional com maior abrangência entre os coordenadores dos CREAS, totalizando 7,4% dos coordenadores. Nos Centros POP a presença dos profissionais de psicologia enquanto coordenadores é também escassa, haja vista que em todo o estado do Ceará, apenas 1 psicólogo gere Centro POP, correspondendo a 25% das coordenações pesquisadas. Esse profissional, conforme consta no Censo SUAS, ainda não desempenha exclusivamente a função de coordenação, acumulando-a com atribuição de técnico do equipamento. Já nas 110 coordenações das 100 Unidades de Acolhimento Institucionais, apenas 1 psicólogo está na posição de coordenador, demonstrando uma insignificante apropriação dessa categoria profissional na gestão dos equipamentos sociais de alta complexidade. Abaixo, no Quadro 2, pode-se observar didaticamente a distribuição dos psicólogos no Estado e a apropriação dos cargos de gestão pelos mesmos, de acordo com o tipo de unidade da PSE: Quadro 2: Distribuição dos psicólogos empregados na PSE de acordo com o equipamento social e volume de coordenadores. Psicólogos coordenadores = 08 Psicólogos coordenadores = 08 Psicólogos coordenadores = 08 Fonte: autoria própria. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme observado na presente pesquisa, a Assistência Social consiste em área de incipiente empregabilidade para os psicólogos no Ceará, no entanto, historicamente outras categorias profissionais dominam esse cenário, – a exemplo do Serviço Social – a despeito de a Psicologia ser uma das profissões listadas como fundamentais para o seu desenvolvimento e de presença obrigatória nas equipes de referência. Possivelmente esse quantitativo ínfimo de psicólogos à frente dos cargos de gestão do SUAS no Estado se dá face a formação profissional incipiente no que tange aos estudos da Psicologia Social, Comunitária, Políticas Públicas e demais conteúdos que possam subsidiar o trabalho da Política da Assistência Social, já que das cerca de 60 disciplinas obrigatórias para a graduação em Psicologia, apenas somente 3,45 - em média são voltadas para o estudo da área social e correlatas. Dessa forma, reformular e dinamizar a matriz curricular dos cursos de psicologia pode contribuir para o empoderamento de novas realidades de atuação e para uma maior qualificação para o enfrentamento dos desafios próprios da Assistência Social. Também se ressalta a relevância de o Conselho Federal de Psicologia discutir e problematizar amplamente a necessidade de que as competências de gestão e de planejamento, elaboração, assessoramento e avaliação de políticas públicas sejam incluídas como competências do psicólogo. REFERÊNCIAS BOCK, Ana Mercês Bahia. A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, Natal, v. 4, n. 2, p.315-329, 1999. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413294X1999000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso: 22 jan. 2016 BRASIL. Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962. ______. Resolução nº17. Ratifica a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e Reconhece as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 jun. 2011. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referência técnica para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS. Brasília: CFP, 2007. Disponível em: www.pol.org.br. Acesso: 20 dez. 2015. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. 11. reimp. São Paulo: Atlas, 2008. 176 p. NERY, Vânia Baptista. O trabalho de assistentes sociais e psicólogos na política de assistência social – saberes e direitos em questão. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. 275p. YAMAMOTO, Oswaldo Hajime; OLIVEIRA, Isabel Fernandes de. Política Social e Psicologia: uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. spe, p. 9-24, 2010 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010237722010000500002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 jan. 2016.