EXPLORANDO CONCEITOS E AÇÕES DE - coppead

Propaganda
EXPLORANDO CONCEITOS E AÇÕES DE MARKETING EM ORGANIZAÇÕES
DO TERCEIRO SETOR: DOIS ESTUDOS DE CASO
Maribel Carvalho Suarez
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas - CCJE
Instituto COPPEAD de Administração - COPPEAD
Mestrado em Administração
Orientadora: Letícia Moreira Casotti
D.Sc.
Rio de Janeiro - Brasil
Agosto de 2004
ii
EXPLORANDO CONCEITOS E AÇÕES DE MARKETING EM ORGANIZAÇÕES
DO TERCEIRO SETOR: DOIS ESTUDOS DE CASO
Maribel Carvalho Suarez
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em
Administração – COPPEAD, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
Aprovada por:
Profa.___________________________________
Orientadora
Letícia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)
Prof.___________________________________
Frederico Antônio Azevedo de Carvalho, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)
Profa.___________________________________
Profª. Marie Agnes Chauvel, D.Sc. (IBMEC)
Rio de Janeiro, RJ
2004
iii
Suarez, Maribel Carvalho.
Explorando conceitos e ações de Marketing em organizações do
terceiro setor: dois estudos de caso / Maribel Carvalho Suarez. - Rio
de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2004.
ix, 181f.; il.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Administração –
COPPEAD, 2004.
Orientadora: Letícia Moreira Casotti
1. Marketing. 2. Terceiro Setor. 3 – Administração – Teses. I. Casotti,
Letícia Moreira (Orient.). II. Pós-Graduação em Administração. III.
Título
iv
Para Rodrigo e Maria da Penha
v
AGRADECIMENTOS
À professora Letícia Casotti, pela orientação valiosa e tranqüila, pelo carinho e confiança
ao longo desses dois anos.
À professora Marie Agnes Chauvel pela atenção e sugestões sempre construtivas.
Aos profissionais do Afro Reggae, CDI e Viva Rio, que generosamente dedicaram seu
tempo para as entrevistas.
Aos professores Kleber Figueiredo e Úrsula Wetsel, pelo exemplo intelectual. À Denise
Fleck, por fazer as perguntas certas. Agradeço ainda a Ângela da Rocha e Celso Lemle –
por tornarem o estudo em administração de empresas tão interessante.
A todos os professores e funcionários que fazem do COPPEAD o que ele é – em especial
Cida, Simone, Joana, Carlos, Vera, Marinete, Ana Rita, Patrícia, Márcia e Bárbara.
À FAPERJ, que, através do projeto Bolsista Nota 10, contribui com recursos para que essa
pesquisa pudesse ser realizada.
Aos amigos do CEL (Leonardo, Maurício, Fernanda, Peter, Rafaela, Mônica, Regina e
AnaCris) e do NUPIN (Tatiana e Domênica), pela convivência. À Domênica obrigada
também pelos conselhos nos momentos mais aflitos.
À turma 2002 - os melhores companheiros que eu poderia desejar.
Às amigas de sempre, Simone e Renata.
A Basílio, Maria, Marisol, Marisa, Ubirajara, Catherine, Patrícia, Daniélle, Denys, Vanessa,
Lúcio, Marcelo, Gustavo, Pedro, Maria Clara, Maurício, Chico, Pedrinho, João Felipe,
Giulia, João Victor, Bethânia e Guilherme – obrigada por serem uma família muito melhor
do que eu mereço.
A Rodrigo, sem o qual nada seria possível (ou faria sentido!).
vi
RESUMO
SUAREZ, Maribel Carvalho. Explorando conceitos e ações de Marketing em
organizações do terceiro setor: dois estudos de caso. Orientadora: Letícia Moreira
Casotti.
Rio
de
Janeiro:
UFRJ/COPPEAD,
2004.
Dissertação.
(Mestrado
em
Administração).
Esse estudo de natureza exploratória tem por objetivo investigar como organizações
do terceiro setor vêem e colocam em prática conceitos e ações de Marketing no
desenvolvimento de suas atividades. O interesse foi diagnosticar em que medida as
organizações não governamentais, sem fins lucrativos, se alinham e colocam em prática as
idéias de marketing, abordando aspectos relacionados à orientação, processo de análise e
planejamento. Essa dissertação procura ainda destacar as necessidades específicas e
particularidades dessas instituições. Para isso, utilizou-se a metodologia qualitativa de
estudo de caso, onde foram analisadas as experiências de duas organizações brasileiras:
Afro Reggae e CDI. Tanto Afro Reggae quanto CDI demonstraram interesse pela utilização
do marketing. Apesar dessa aceitação, foi possível perceber uma confusão conceitual, que
tende a reduzir o conceito de marketing à realização de atividades de publicidade e
propaganda. Em diversos aspectos, as duas instituições se aproximam da filosofia de
marketing, na medida em que demonstram forte preocupação em entender e ouvir o cliente,
modificando suas ofertas a partir dessa interação. Ainda que de maneira intuitiva, Afro
Reggae e CDI procuram: gerar inteligência sobre os elementos relevantes para seu trabalho,
propagar pela instituição esse conhecimento e produzir, através de um marketing mix
consistente, respostas que buscam a satisfação dos beneficiários/doadores.
vii
ABSTRACT
SUAREZ, Maribel Carvalho. Explorando conceitos e ações de Marketing em
organizações do terceiro setor: dois estudos de caso. Orientadora: Letícia Moreira
Casotti.
Rio
de
Janeiro:
UFRJ/COPPEAD,
2004.
Dissertação.
(Mestrado
em
Administração).
This exploratory study aims to investigate how third sector´s organizations perceive
and apply marketing tools and concepts in developing their activities. The purpose was to
identify whether these organizations follow and practice marketing ideas, focusing aspects
related to orientation, analysis and planning process. This study also stresses the sector´s
needs and particularities. The experience of two Brazilian organizations, namely Afro
Reagge and CDI, were selected as basis for a case study research. Both Afro Reggae and
CDI were committed to applying marketing tools and concepts. However, the research
found there is a misunderstanding regarding what the tools and concepts really are, and that
they are often taken solely as advertising-related activities. In several aspects, the two
institutions seem to get close to “marketing philosophy” mainly because they understand
the importance of listening to the customers and using this feedback to rethink its offerings.
Although it may be in an intuitive manner, Afro Reggae and CDI try to generate
intelligence on main aspects of their market, disseminate internally this intelligence and
produce, through a consistent marketing mix, responsive actions directed at the satisfaction
of their clients.
viii
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
- FIGURAS
Figura 1 - Gerência de Marketing ___________________________________________ 26
Figura 2 - Trindade da Gestão de Serviços_____________________________________30
Figura 3 – As duas funções do Marketing das Organizações de Serviços_____________ 31
Figura 4 – Recomendações estratégicas para analisar o portfólio de uma organização
pública ou sem fins lucrativos_______________________________________________47
- TABELAS
Tabela 1 - Agentes e fins públicos e privados___________________________________08
Tabela 2 - Marketing Mix Para Serviços_______________________________________34
Tabela 3 – Resumo do Referencial Teórico_____________________________________53
Tabela 4 - Situações relevantes para diferentes estratégias de pesquisa_______________ 56
Tabela 5 - Resumo da Análise______________________________________________149
ix
SUMÁRIO
I Introdução _____________________________________________________________ 1
II Um Recorte Teórico_____________________________________________________ 6
2.1
O Terceiro Setor ________________________________________________________ 6
2.2
A Evolução do conceito de Marketing ______________________________________ 11
2.2.1 Expandindo na prática as fronteiras do Marketing _____________________________________ 16
2.2.2 Seria ético utilizar o marketing no terceiro setor? _____________________________________ 18
2.3
O Papel do Marketing nas Organizações ___________________________________ 21
2.3.1
Marketing como Filosofia ____________________________________________________ 21
2.3.2
Marketing como Habilidade __________________________________________________ 23
2.3.2.1 Marketing nas Organizações de Serviço ___________________________________________ 27
2.4
Marketing para as Organizações sem fins lucrativos__________________________ 35
2.4.1 Visão Geral___________________________________________________________________ 36
2.4.2 Orientação para Marketing, Produto ou Vendas? ______________________________________ 39
2.4.3 Administração de Marketing _____________________________________________________ 44
III Metodologia _________________________________________________________ 55
3.1 Tipo de Pesquisa __________________________________________________________ 55
3.2 Pergunta da Pesquisa ______________________________________________________ 57
3.3 Seleção dos casos estudados _________________________________________________ 57
3.4 Coleta de dados ___________________________________________________________ 58
3.5 Limitações _______________________________________________________________ 59
IV Descrição dos Casos ___________________________________________________ 61
4.1 Caso Afro Reggae _________________________________________________________ 61
4.1.1 Um breve histórico _____________________________________________________________ 61
4.1.2 Estrutura e missão______________________________________________________________ 64
4.1.3 Públicos _____________________________________________________________________ 65
4.1.4 Localização___________________________________________________________________ 67
4.1.5 Levantamento de Informações ____________________________________________________ 68
4.1.6 Produto ______________________________________________________________________ 69
4.1.7 Qualidade ____________________________________________________________________ 71
4.1.8 Promoção ____________________________________________________________________ 73
4.1.9 Preço________________________________________________________________________ 78
4.1.10 Recursos Humanos ____________________________________________________________ 79
4.1.11 Captação de Recursos__________________________________________________________ 84
4.2 Caso CDI ________________________________________________________________ 88
4.2.1 Breve Histórico________________________________________________________________ 88
4.2.2 Estrutura e Missão _____________________________________________________________ 89
4.2.3 Públicos _____________________________________________________________________ 90
4.2.4 Franquia Social________________________________________________________________ 92
4.2.5 Recursos Humanos _____________________________________________________________ 99
x
4.2.6 Preço_______________________________________________________________________ 100
4.2.7 Localização__________________________________________________________________ 101
4.2.8 Promoção ___________________________________________________________________ 102
4.2.9 Captação de Recursos__________________________________________________________ 106
V Análise dos Casos_____________________________________________________ 112
5.1 Visão de Marketing ______________________________________________________ 112
5.2 Marketing em ação _______________________________________________________ 113
5.2.1 Análise _____________________________________________________________________ 114
5.2.2 Planejamento – Marketing Mix __________________________________________________ 125
VI Conclusão __________________________________________________________ 154
6.1 Considerações Finais _____________________________________________________ 154
6.2 Sugestões para pesquisas futuras ___________________________________________ 161
Referências Bibliográficas _______________________________________________ 163
Anexos _______________________________________________________________ 171
I Introdução
Segundo levantamento realizado na década de 90 pela John Hopkins University, em
sete nações (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Hungria e Japão), o terceiro
setor empregava um total de 12 milhões de trabalhadores em tempo integral. Isso significa
que, a cada 20 pessoas, uma trabalha numa organização sem fins lucrativos. No setor de
serviços esse número representa uma a cada 10. Em 1990, o gasto do segmento alcançou a
quantia de $ 600 bilhões – mais do que o PIB da Espanha ou do Canadá (SALAMON,
1997). Nos EUA, 10% da força de trabalho remunerada atua nas organizações do terceiro
setor (RIFKIN, 1997).
Se setores tradicionais da economia como a agricultura, a indústria e até mesmo os
serviços reduzem continuamente a quantidade de mão de obra necessária à produção, o
terceiro setor representa uma saída para o desemprego (RIFKIN, 1997). Para o autor, o bem
estar mundial passa pela articulação do terceiro setor e o consenso com os outros dois
segmentos da sociedade. Nas suas palavras, “O êxito do mercado e do governo
democrático vai depender, finalmente, do êxito do setor civil. Se o setor civil for forte e
politicamente ativo e motivado, o mercado florescerá no próximo século”. (RIFKIN, 1997,
p. 22).
No Brasil, o terceiro setor tem participação equivalente a 1,5% no PIB nacional.
Estima-se que as organizações dessa natureza movimentem anualmente cerca de R$ 12
bilhões, empregando 1,2 milhão de pessoas, além de 1,5 milhão de voluntários. O Brasil
registra hoje mais de 250 mil instituições, formadas por organizações não-governamentais,
sem fins lucrativos, e que receberam, em 1995, doações da ordem de R$ 1,1 bilhão
provenientes de quase 15 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento.
Tendo em vista sua importância e abrangência, mais do que boas intenções, as
instituições do terceiro setor necessitam profissionalizar sua administração, buscando
otimizar o uso dos recursos que lhes são confiados. O domínio dos conceitos de gestão se
torna fundamental para a sua sobrevivência no longo prazo. Além de uma ferramenta
2
fundamental nessa profissionalização, o Marketing parece representar também uma filosofia
capaz de aproximar essas organizações dos seus diversos públicos.
No entanto, não basta simplesmente adotar as ferramentas que são utilizadas nas
empresas, é preciso adaptar as práticas de acordo com as especificidades das organizações
sem fins lucrativos. Diversos esforços foram realizados nos últimos anos nesse sentido.
Além da produção acadêmica, da criação de publicações voltadas para o tema (como o
Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing), o próprio meio empresarial têm
contribuído através da reflexão a respeito da Responsabilidade Social. Um exemplo prático
do crescimento do pensamento de marketing nas ações sociais é a criação de prêmios como
Marketing Best – Responsabilidade Social, que teve sua primeira edição brasileira em 2002.
A iniciativa premia casos bem sucedidos tanto de empresas quanto de organizações não
governamentais.
Nesse estudo são revistos alguns dos conceitos teóricos que ligam, de alguma forma,
o marketing ao terceiro setor. Com o objetivo de ampliar a discussão, essa dissertação
procura analisar a prática de duas organizações do terceiro setor brasileiro, utilizando-se da
metodologia qualitativa do estudo de caso. Os conceitos e estudos desenvolvidos na área de
serviços também serão abordados tendo em vista a própria natureza das organizações sem
fins lucrativos, que se concentram, em sua maioria, nesse tipo de atividade (SELBY, 1978;
WILLIAMS, 1977; GALLANGHER E WEINBERG, 1991).
Serão descritos e analisados os casos de duas instituições que têm seu trabalho
reconhecido no país: o Comitê de Democratização da Informática e o Grupo Cultural Afro
Reggae. O CDI é uma organização com atuação internacional, que tem por objetivo
promover, através da inclusão digital, a inclusão social. Já o Afro Reggae concentra suas
atividades no Rio de Janeiro e busca, através da arte e da cultura, desviar jovens de
comunidades pobres e violentas do caminho da marginalidade.
Com origens e formas de atuação diversificadas, essas duas instituições representam
um campo de estudo rico para se avaliar a implementação do marketing no terceiro setor.
3
O problema sob a forma de pergunta
Como organizações do terceiro setor vêem e utilizam conceitos e ações de
Marketing no desenvolvimento de suas atividades?
O objetivo final da dissertação
O objetivo da dissertação é investigar como organizações do terceiro setor vêem e
colocam em prática conceitos e ações de Marketing no desenvolvimento de suas atividades.
O interesse é diagnosticar em que medida organizações não governamentais, sem fins
lucrativos, se alinham e colocam em prática as idéias de marketing. São analisadas mais
especificamente questões como a orientação e o processo de análise e planejamento de
marketing, buscando destacar as necessidades específicas e particularidades dessas
instituições.
Esse estudo se propõe a ser um retrato abrangente da atuação dessas duas
organizações, sem se deter detalhadamente numa tarefa específica de marketing. Como o
objetivo é captar a visão institucional do Afro Reggae e CDI a respeito dessa área de
conhecimento foram entrevistados profissionais que ocupam funções estratégicas e de
direção nessas duas organizações.
Relevância do estudo
O terceiro setor tem ocupado, nos últimos anos, um papel fundamental na melhoria
das condições sócio-econômicas de diversos países. Produzir um conhecimento que dê
conta das especifidades desse segmento parece ser um desafio que precisa ser encarado por
4
acadêmicos e profissionais da área de administração, especialmente num país como o
Brasil. Como boa parte da literatura produzida pelo assunto é internacional é possível que
ainda existam questões a serem exploradas - particularidades do ambiente e da cultura
brasileira não contemplados nos estudos em outros países.
Nesse sentido, a pesquisa a respeito de organizações não governamentais que lidam
com o público de baixa renda, como Afro Reggae e CDI, representa um campo instigante
para novos trabalhos. Os desafios e necessidades desse tipo de instituição parecem ser
diversos dos que são enfrentados por entidades como museus, escolas e grupos de culturais
– universo analisado em diversos estudos americanos e ingleses.
Além de uma reflexão teórica a respeito da atuação de instituições brasileiras,
confrontando a sua prática com os conceitos teóricos de Marketing desenvolvidos até então,
a relevância desse estudo também reside na possibilidade de se reunir o conhecimento e a
experiência de organizações bem sucedidas, de diferentes origens e formas de atuação. CDI
e Afro Reggae são entidades que, além do crescimento ao longo dos últimos anos,
alcançaram também o reconhecimento através de prêmios, inclusive internacionais. World
Technology Award, UNESCO, Fundação Schwab de Empreendedorismo Social, AshokaMcKinsey, CNN internacional, Fundação ABRINQ são algumas das instituições que
concederam prêmios ao trabalho do CDI. Em 2003, o Afro Reggae recebeu a Ordem do
Mérito Cultural, das mãos do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Como o conhecimento
gerado no Brasil sobre a atuação das organizações do terceiro setor ainda é escasso, avaliar
a experiência prática de duas entidades bem sucedidas pode representar um terreno mais
seguro, que possa servir como base para novos empreendedores sociais.
Estrutura do Trabalho
Essa dissertação se divide em seis capítulos. O item a seguir procura rever uma
literatura básica, que inclui a delimitação do terceiro setor, o papel do marketing nas
organizações e as especificidades do marketing nas organizações que não visam o lucro. Na
5
terceira parte, é apresentada a metodologia do trabalho, detalhando suas diversas questões.
No quarto capítulo, estão descritos os casos do Afro Reggae e CDI.
O quinto item
apresenta a análise dos casos, considerando a prática das organizações e a adesão aos
tópicos levantados na revisão de literatura. Finalmente, a sexta parte traz algumas reflexões
suscitadas por esse estudo e sugestões para pesquisas futuras a respeito do tema. Ao final
podem ser encontrados as referências bibliográficas e os anexos, que trazem os
questionários utilizados nas entrevistas e algumas informações adicionais a respeito do
trabalho do Afro Reggae e CDI.
6
II Um Recorte Teórico
Este capítulo procura apresentar alguns dos conceitos fundamentais para que se
compreenda a associação do marketing com o terceiro setor. No primeiro item, são
apresentados estudos que procuram delimitar o escopo deste trabalho – ou seja, o que é o
terceiro setor e qual a sua importância para as sociedades contemporâneas.
O segundo item mostra como o conceito de Marketing deixou de estar restrito ao
ambiente das empresas, passando a ter uma aplicação em outros campos, como por
exemplo, as organizações sem fins lucrativos. Nessa parte, são colocados os argumentos
atuais contra e a favor da utilização do marketing no terceiro setor. Por fim, são
apresentados os papéis do marketing nas organizações e as particularidades da sua
aplicação nas organizações que não visam o lucro.
2.1 O Terceiro Setor
As discussões conceituais sobre o terceiro setor são relativamente recentes e, em
alguns aspectos, bastante polêmicas (FALCONER, 1999). Esse trabalho, no entanto, não
tem por objetivo contribuir para o debate a respeito do tema. O que se pretende a seguir é
apenas delimitar o escopo e a natureza das instituições que estarão sendo estudadas nessa
dissertação.
Nem privado, nem público; nem governamental, nem comercial; nem político, nem
econômico, o terceiro setor costuma ser definido por aquilo que ele não é. Incluindo uma
enorme possibilidade de organizações, esse segmento da sociedade engloba fundações
filantrópicas, museus, centros culturais, hospitais e organizações de saúde, ONGs, partidos
políticos, sindicatos, igrejas, associações de consumidores, entre outras (FALCONER,
1999).
Além da amplitude de instituições que podem estar inseridas nesse conceito, é
comum ouvir termos como sociedade civil, organizações sociais ou voluntárias sendo
7
tomados como se fossem seus sinônimos. Para dirimir um pouco da confusão conceitual, é
importante compreender a origem da expressão “terceiro setor”.
Segundo Falconer (1999), tradicionalmente, sempre foi aceita a existência de duas
esferas dentro das sociedades: a pública e a privada. De um lado estava o Estado, do outro,
a sociedade civil. Nas economias capitalistas, essa oposição passou a ser vista como uma
contraposição do Estado ao Mercado, marginalizando outros tipos de organizações que não
fossem nem empresas comerciais nem governo. O termo “terceiro setor” seria, portanto,
uma tentativa de minimizar essa redução economicista, que liga a sociedade civil às
relações comerciais.
O terceiro setor surge da separação do mercado e da esfera privada não comercial,
antes reunidos no conceito de “privado” (FALCONER, 1999). As organizações privadas
sem fins lucrativos são, portanto, o elemento constituinte do terceiro setor. Segundo
Fernandes (1997), uma definição seria:
“(...) o terceiro setor é composto de organizações sem fins lucrativos,
criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num
âmbito
não-governamental,
dando
continuidade
às
práticas
tradicionais da caridade, filantropia e do mecenato e expandindo o
seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação
do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na
sociedade civil.”(FERNANDES, 1997, p. 27)
É importante ressaltar que a atividade realizada pelas organizações privadas sem
fins lucrativos não é nova. Entidades dessa natureza são tão antigas quanto as empresas e
outras instituições existentes em quase todas as sociedades. A novidade está justamente no
conjunto dessas organizações formando um setor único, diferenciado do Estado e do
Mercado (FALCONER, 1999).
A diferenciação em relação ao mercado estaria justamente na sua orientação final.
Enquanto as empresas estão voltadas para atender aos interesses particulares, as
organizações do terceiro setor estariam preocupadas em atingir fins públicos. Por outro
8
lado, ainda que estejam focadas na questão pública, essas organizações também se
diferenciam do Estado por seu caráter privado. Essas idéias estão sintetizadas na tabela a
seguir.
AGENTES
Privados
Públicos
Privados
Públicos
FINS
para
para
para
para
SETOR
privados
públicos
públicos
privados
=
=
=
=
Mercado
Estado
terceiro setor
(corrupção)
Tabela 1 – Agentes e fins públicos e privados
FONTE: FERNANDES, 1994
Salamon e Anheier (apud FALCONER, 1999) procuraram diferenciar as
organizações que compõem o terceiro setor segundo seis atributos. Em primeiro lugar, elas
devem ter algum nível de institucionalização, legal ou não (excluem-se, portanto,
agrupamentos temporários e informais).
Elas devem ainda ser privadas, porém sem
distribuir seus lucros. Uma quarta característica estaria ligada à autonomia, ou seja, a
instituição precisa possuir todos os meios para realizar sua própria gestão, sem ser
controlada externamente. Outro diferencial está no fato de que um grau significativo do
trabalho provém de mão de obra voluntária. Por fim, ela precisa ter uma finalidade
pública ou, em outras palavras, beneficiar um público externo à ela.
Segundo esse sexto atributo ficariam excluídas do terceiro setor diversas categorias
e associações sociais, além das entidades de classe profissionais e comerciais. Esse ponto
de vista, entretanto, desperta discussões, cujo consenso ainda parece estar longe de ser
alcançado. Outras visões sobre o terceiro setor incluem os sindicatos e outras formas de
associação no seu conceito. Esse é o caso de Kotler e Murray (1975), que distinguem três
tipos de organizações, de acordo com o público que está sendo atendido:
-
Self-serving organizations (organizações para o auto-atendimento)– Sindicados,
associações políticas ou profissionais estão nessa categoria;
9
-
Client-serving
(organizações
voltadas
para
clientes)
–
Universidades,
instituições de saúde, agências de bem-estar se enquadram nesse segundo grupo;
-
General serving (organizações de atendimento generalizado) – Zoológicos,
museus e igrejas.
Kotler e Murray (1975) apontam como pontos comuns entre todas elas:
-
Suas funções e propósitos não estão voltados nem para a geração de dinheiro por
si, nem para a alocação de autoridade ou poder;
-
Se caracterizam pela dependência e participação voluntária. O terceiro setor
necessita de doações de tempo, dinheiro e outros serviços;
-
Se comparadas com o governo e as empresas, têm mais facilidade para a
mudança e a experimentação. Como historicamente seu surgimento está
relacionado às áreas onde nem governo nem empresas puderam ou desejaram
atuar, o terceiro setor tende a ser um contra-modelo, com foco nas necessidades
sociais, em contraposição às questões políticas (de interesse do governo) e
econômicas (das empresas).
Kotler e Murray (1975) lembram que, por definição, se espera que as organizações
do terceiro setor atuem de forma diferenciada em relação aos demais segmentos. Se os dois
primeiros devem agir em resposta às pressões políticas e econômicas, o terceiro setor deve
atuar e gerar respostas para as questões sociais.
Em cada país, uma terminologia específica é utilizada para definir o terceiro setor.
Salamon e Anheier (apud FALCONER, 1999) sintetizaram os termos mais encontrados
internacionalmente. Na Inglaterra, por exemplo, é comum a definição de “Setor de
Caridade” (Charitable Sector). Esse termo é considerado impreciso na medida em que dá
ênfase exagerada às doações caridosas (o que não é a principal fonte de recursos para a
maioria das organizações,). Nos EUA, são comuns expressões como “Setor Voluntário”
(Voluntary Sector), “Setor Independente”(Independent Sector) e “Setor Sem Fins
Lucrativos” (Nonprofit Sector). Essa última terminologia, a princípio, incluiria também as
autarquias e agências governamentais. Para delimitar de maneira precisa o terceiro setor,
10
procura-se incluir a qualificação “privada” (Private Nonprofit Sector).1
Na França é
bastante utilizado o termo “Economia Social” (Economie Sociale)
No Brasil e Europa, a expressão mais difundida é a de “Organizações nãogovernamentais”. Essa definição, entretanto, não chega a abranger todo o leque de
instituições, mas apenas uma parte delas. Segundo Salamon e Anheier (apud FALCONER,
1999), as ONGs caracterizam apenas as organizações sem fins lucrativos que atuam no
campo de desenvolvimento econômico e social em países do terceiro mundo.
Mais recentemente, tem-se difundido no país o termo “Organização da Sociedade
Civil”(OSC). Essa denominação, no entanto, enfrenta críticas já que estaria excluindo do
âmbito da sociedade civil as empresas comerciais.
Fernandes (1997) faz a defesa do conceito do terceiro setor, por quatro razões
básicas: por fazer contraponto às ações do governo; por se diferenciar também do
mercado; por emprestar um sentido maior aos elementos que o compõem e, por fim,
por projetar uma visão integradora da vida pública, já que pressupõe a existência de
outros dois segmentos e enfatiza a complementaridade que deve existir entre eles.
A criação de uma identidade forte para o terceiro setor é uma proposta defendida
por diversos pesquisadores ao redor do mundo (Fernandes, 1997, Rifkin, 1997, Salamon,
1997). Segundo esses autores, a perpetuação de um conceito unificador será fundamental
para que esse segmento tão importante para a sociedade consiga ser tratado com a mesma
importância que as empresas e os governos. Um exemplo das diferenças ainda existentes
está nas estatísticas nacionais - apesar de sua força econômica, o terceiro setor continua
sendo excluído dos balanços econômicos e sociais da maioria dos países.
1
Grande parte da literatura americana consultada para esse trabalho estuda o Marketing para organizações
sem fins lucrativos, incluindo, portanto, órgãos governamentais. Como o enfoque desta dissertação se
concentra nas instituições do terceiro setor, a revisão de literatura apresenta um recorte que dá ênfase apenas
aos aspectos aplicáveis às organizações sem fins lucrativos privadas.
11
2.2 A Evolução do conceito de Marketing
“Marketing é a performance das atividades de negócio que
direcionam o fluxo de bens e serviços do produtor ao consumidor ou
usuário” 2
Definição da Associação Americana de Marketing em Comittee of
Terms, Marketing Definitions: A Glossary of Marketing Terms,
Chicago, 1960 (apud HUNT, 1976)
Visto inicialmente como uma função inerente e exclusiva das empresas, o
Marketing começou a ser discutido em bases mais amplas a partir do final da década de 60.
Lazer (1969) e Kotler e Levy (1969a) foram os primeiros autores a sugerir
responsabilidades mais abrangentes para a disciplina.
Para Lazer, os profissionais de Marketing estão inevitavelmente ligados a aspectos
sociais. Segundo o autor, numa sociedade caracterizada pela abundância, como a
americana, seria preciso deixar de lado a visão do consumo relacionada com a culpa para a
criação de um novo estilo de vida, onde o consumo fosse aceito e valorizado. Como uma
força importante, o Marketing deveria estimular essa mudança de mentalidade. Mas, como
conseguir isso, diante da miséria alheia e da fome que atinge milhares de pessoas em todo o
mundo?
Lazer (1969) propõe, assim, que o Marketing desenvolva um senso de comunidade,
acrescentando aos propósitos de lucro da firma uma preocupação com o bem estar de toda a
sociedade. O autor relembra os estudos de Maslow, afirmando que numa comunidade
afluente em bens, os consumidores estariam cada vez mais voltados para as necessidades
superiores de auto-realização.
Na mesma edição da publicação Journal of Marketing, Kotler e Levy (1969a)
complementam as idéias de Lazer, propondo uma ampliação do conceito tradicional de
12
Marketing. Para os autores, o Marketing era uma “atividade social impregnante que ia
muito além da venda da pasta de dente, sopa e aço” (KOTLER E LEVY, 1969a, p.10)3.
Áreas como a política, a educação e a difusão de causas sociais também se valiam do
Marketing, ainda que elas não se dessem conta disso, e que nenhum estudo fosse feito para
sua utilização.
Kotler e Levy (1969a) lembram que esse é um campo de trabalho promissor tendo
em vista a crescente importância do terceiro setor nas sociedades. Segundo eles, algumas
organizações sem fins lucrativos apresentam o tamanho e a complexidade de muitas
companhias, necessitando das habilidades de Marketing para o seu sucesso. Assim como as
empresas, as organizações sem fins lucrativos têm “produtos” - que podem ser bens,
serviços, pessoas, organizações e até mesmo idéias - e “consumidores” - grupos
interessados nos seus produtos e que podem fazer a diferença no seu desempenho, como
fornecedores, clientes, patrocinadores, voluntários, agências governamentais e a opinião
pública, entre outros.
Ao longo do texto, os autores validam o uso de conceitos cruciais do Marketing de
empresas privadas para as organizações sem fins lucrativos. Como o setor privado, as
instituições do terceiro setor precisam definir o seu produto, o seu público alvo, encontrar
diferenciais em relação às demais organizações, conhecer o comportamento do seu
“consumidor”, estabelecer vantagens competitivas, coordenar todo o planejamento de
Marketing, coletar informações sobre sua própria performance como forma de melhorar o
desempenho, e, por fim, reexaminar periodicamente as estratégias e objetivos estabelecidos.
Apesar de sua importância, boa parte dessas atividades continuava, segundo os autores,
sendo relegada a um segundo plano pelas organizações sem fins lucrativos.
No entanto, mais do que contribuir com suas ferramentas, para Kotler e Levy
(1969a) o Marketing poderia dar para essas instituições uma visão voltada para as
necessidades de seus públicos, não permitindo que elas se tornassem burocráticas ou
afastadas dos seus verdadeiros propósitos. Assim, além de ampliar a capacidade de vender
2
3
Livre tradução da autora desta dissertação
Livre tradução da autora desta dissertação
13
seus produtos e influenciar comportamentos, o Marketing nas organizações sem fins
lucrativos deveria atuar como o motor da busca pela satisfação dos seus consumidores.
As propostas de Kotler e Levy (1969a) parecem ter surpreendido muitos acadêmicos
e profissionais, gerando controvérsias através de artigos. Um dos principais deles foi escrito
por David J. Luck cinco meses depois da primeira publicação. Luck (1969) afirmava que os
profissionais de Marketing poderiam dar contribuições esporádicas às organizações sem
fins lucrativos, mas que a ampliação do conceito de Marketing era uma iniciativa que
distorcia e diluía o escopo da disciplina. Segundo o autor, o Marketing se caracterizava
pelas relações de compra-e-venda que concentrar-se nesse aspecto já garantiria bastante
trabalho aos profissionais da área. Para Luck (1969), por trás dessa distorção estava o
sentimento de culpa de alguns pensadores que acreditavam que o Marketing não contribuía
para as questões sociais. Para o autor, essa visão era equivocada na medida em que o bem
estar social depende em grande parte da atuação das empresas privadas. Luck (1969)
lamenta que a “culpa social” estivesse se tornando uma moda de amplitude indesejável.
Para o autor, esse tipo de questionamento só traria distração para os profissionais, que
deixariam de pensar e identificar os problemas centrais do Marketing. O autor finaliza de
maneira sarcástica seu artigo: “não vamos nos desculpar por sermos profissionais de
Marketing no seu sentido real. Na compreensão e melhoria do Sistema de Marketing está
todo o desafio que uma pessoa poderia desejar”(Luck, 1969, p. 55).4
A resposta de Kotler e Levy (1969b) foi imediata. Num artigo que comparava a
visão de Luck a um novo tipo de miopia, os autores lembram que o objetivo de Marketing
não mais se concentrava simplesmente na compra e venda de produtos ou serviços, mas na
satisfação dos desejos do consumidor, alcançando o lucro. Essa visão pressupõe como
tarefa principal do Marketing o permanente ajuste das ofertas da empresa às necessidades
dos clientes. Esse conceito ampliava as possibilidades de utilização do seu conhecimento
para qualquer tipo de organização – esteja ela vendendo um produto, uma idéia, um político
ou um comportamento.
4
Tradução livre da autora desta dissertação
14
Segundo Kotler e Levy (1969b), mais do que na idéia de “transação” proposta por
Luck, o ponto central do Marketing reside no conceito de “troca” – “que envolve duas ou
mais partes que voluntariamente concordam em entrar numa relação de troca” (KOTLER
e LEVY, 1969b, p. 57). Assim, o conceito inclui o intercâmbio de produtos, de serviços, a
troca de dinheiro por um produto ou serviço e até a troca de dinheiro por um sentimento de
satisfação, por exemplo, por estar participando de uma ação social. Para os autores, em
qualquer organização, o trabalho do Marketing consiste na busca de “apoio” das outras
partes a partir do oferecimento de valor.
Por fim, Kotler e Levy (1969b) argumentam que a ampliação do conceito de
Marketing não deveria ser temida como uma iniciativa capaz de tirar o foco da disciplina.
Sua discussão e renovação era, para os autores, uma conseqüência do seu progresso e
amadurecimento, num processo natural em outras áreas da ciência.
Kotler e Zaltman (1971) deram outro passo adiante nessa discussão ao lançarem o
artigo “Social Marketing: an aproach to planned social change”, defendendo e analisando
a aplicação da lógica do Marketing para se alcançar mudanças sociais. Em 1972, Kotler
retoma o tema da abrangência da disciplina, descrevendo sua evolução e o conceito
genérico de Marketing. Voltando ao argumento de 1969, o autor vê na reavaliação do seu
escopo, técnicas e objetivos uma prova de força e maturidade.
Para Kotler (1972), o Marketing evoluiu, seguindo três estágios de consciência. No
primeiro deles, está essencialmente voltado para os negócios. Assim, os profissionais estão
pouco preocupados com as relações onde não ocorrem transações comerciais, onde não
existe pagamento. Num segundo momento, o Marketing passou a ser considerado
importante para qualquer organização que tivesse clientes. O conceito central de transação
comercial é substituído pela idéia mais ampla da relação organização-cliente. Por fim, o
conceito passa a ter relevância na relação de uma organização com todo o ambiente, e não
apenas com os clientes. O Marketing pode então ser usado em múltiplos contextos
institucionais, afetando as transações com diversos públicos.
Nesse terceiro nível, segundo Kotler (1972) o Marketing é definido mais em termos
de funções (pelo conjunto de processos e atividades que o constituem) do que pela sua
15
estrutura (pela identificação com determinado fenômeno ou com grupos de instituições). O
Marketing seria, portanto, uma abordagem para a análise de determinado fenômeno, tendo
como foco principal o conceito transação – a troca de valores entre duas partes. Na visão
do autor, o “Marketing está especificamente preocupado com a forma que as relações são
criadas, estimuladas, facilitadas e avaliadas. Esse é o conceito genérico do Marketing”
(KOTLER, 1972, p.49).
Segundo o autor, quatro axiomas definiriam o conceito mais amplo de Marketing. O
primeiro é o que afirma que o Marketing envolve duas ou mais unidades sociais (pessoas,
empresas, organizações, etc). O segundo diz respeito ao interesse de pelo menos uma
dessas unidades em influenciar a resposta do seu interlocutor. O terceiro axioma diz
que a probabilidade de uma determinada resposta não é fixada. Por fim, o Marketing
seria a tentativa de obter a resposta desejada, através da criação e oferta de valor ao
mercado. Através desses critérios, segundo Kotler (1972), é possível definir de maneira
completa e precisa o processo de Marketing.
No artigo “The identity crisis of Marketing”, Bartels (1974) coloca em
questionamento o ponto central da identidade da disciplina: ela estaria no campo da
economia e dos negócios, onde se desenvolveu e tem sido aplicada (definido por Kotler
como estrutura), ou nas chamadas técnicas, como o conhecimento do comportamento do
consumidor, dos canais de distribuição, da comunicação e formulação de produto,
independentemente de onde elas sejam aplicadas (chamado por Kotler de funções)?
Bartels (1974) argumenta que as atividades de distribuição, precificação,
comunicação com os clientes e criação de produtos sempre foram realizadas pelas mais
diversas sociedades ao longo dos tempos. No entanto, a origem do Marketing como
pensamento no início do século XX está exclusivamente ligado à atividade econômica.
Transcender essa visão traria, segundo o autor, mais desvantagens do que vantagens. Entre
os problemas criados por essa nova perspectiva estariam a dispersão da atenção dos
profissionais (como já havia sido advertido por Luck), a valorização da metodologia em
detrimento do conteúdo, da forma da decisão em detrimento do conhecimento do sujeito
sobre que decisões devem ser tomadas, e a criação de uma literatura “esotérica”, abstrata e
16
incompreensível para o dia-a-dia das empresas. Uma prova do enfraquecimento do conceito
do Marketing, segundo Bartels (1974), estaria no surgimento de novos temas como, por
exemplo, a Logística. O autor finaliza seu artigo com um alerta:
“Se o Marketing for visto de maneira tão abrangente de forma a
incluir tanto os campos de aplicação econômicos quanto os não
econômicos, talvez ele venha a reaparecer, como originalmente
concebido, sob outro nome” (BARTELS, 1974, p. 76)5
Essa discussão extremada, no entanto, não impediu que a comunidade acadêmica e
os profissionais de Marketing chegassem a um consenso. Uma pesquisa ainda em meados
da década de 70 (NICHELS apud HUNT, 1976), mostrava que 95% dos professores de
Marketing acreditavam que o escopo da disciplina poderia ser ampliado, incluindo as
organizações sem fins lucrativos. Para 93% dos entrevistados o Marketing ia além das
transações econômicas de bens e serviços. Hunt em 1976 já diagnosticava o consenso
acadêmico sobre a ampliação do escopo da disciplina. O problema agora não residia mais
na aprovação dos pensadores e profissionais de Marketing para a sua utilização nas
organizações sem fins lucrativos. Para o autor, o grande desafio estava em convencer os
gestores dessas instituições de que o Marketing poderia ajudá-los na solução de boa parte
de seus problemas. Para efetivamente ampliar o conceito de Marketing, argumentava o
pesquisador, antes era preciso “comercializar o Marketing aos não-marketeiros” (HUNT,
1976, p. 24).
2.2.1 Expandindo na prática as fronteiras do Marketing
“Marketing é o processo de planejar e executar a concepção,
estabelecimento de preços, promoção e distribuição de idéias,
5
Livre tradução da autora desta dissertação
17
produtos e serviços a fim de criar trocas que satisfaçam metas
individuais e organizacionais”
Definição da Associação Americana de Marketing em Dictionary of
Marketing Terms, 2a. Ed., Chicago, 1985 (apud CHURCHILL E
PETER, 2000)
A comparação da definição acima com a descrita no início deste capítulo sugere a
transformação pela qual passou o conceito de marketing nos 25 anos que as separam. Se na
primeira, o marketing dizia respeito às “atividades de negócio”, na sua concepção mais
atual ele pode atuar em benefício de idéias, produtos ou serviços. A tarefa também é mais
complexa, já que não basta mais direcionar “o fluxo de bens e serviços do produtor ao
consumidor ou usuário”. É preciso, mais do que isso, criar trocas que satisfaçam as duas
partes envolvidas.
Se os teóricos da área parecem ter aceitado a ampliação do conceito de marketing –
e isso fica demonstrado no verbete da Associação Americana de Marketing –, o mesmo não
se pode dizer da sua utilização nas organizações do terceiro setor. Além do preconceito e do
desconhecimento a respeito da disciplina, alguns teóricos foram buscar nos seus
fundamentos, limitações para o uso nas instituições que não visam o lucro (CLARK E
MOUNT, 2001).
Esse é o caso de autores como Wensley (apud CLARKE E MOUNT, 2001), que
questiona o próprio conceito da “troca” num ambiente que não é o do mercado, mas de
relações filantrópicas. Scrivens e Witzel (apud CLARKE E MOUNT, 2001) lembram que
a existência das organizações do terceiro setor se deve a situações em que o mercado não
consegue criar um resultado satisfatório, nas chamadas “falhas do mercado” ou ainda nos
casos em que não se pode aplicar a lógica mercadológica.
Clarke e Mount (2001) questionam o paradigma neo-clássico, no qual se estruturou
todo o desenvolvimento da teoria de marketing. Os principais pressupostos desta teoria a
respeito do comportamento humano - a busca da maximização dos resultados, o
utilitarismo, o individualismo, a subjetividade de valor e o foco central na troca - não se
18
aplicam precisamente à lógica do terceiro setor. Os autores lembram que no neoclassicismo não existe espaço para o consumo socialmente motivado, e os objetivos
econômicos, através das trocas, sempre se sobrepõem aos sociais ou políticos (estes últimos
de fundamental importância nas organizações que não visam o lucro). Hodgson (apud
CLARKE E MOUNT, 2001) comenta a limitação desse paradigma ao afirmar que “está
claro que mercados e troca não podem governar todas as relações numa sociedade
capitalista (...) a economia neo-clássica falha na distinção entre as relações comerciais e
não comerciais”.
Clarke e Mount (2001) sugerem, assim, a realização de pesquisas que procurem
fundamentar as bases de um novo paradigma mais apropriado para o desenvolvimento do
marketing nos setores que não visam o lucro. Segundo os autores, além de torná-lo mais
apropriado a essa realidade, tal reflexão poderia também oferecer saídas para a crise que o
marketing vivencia no ambiente empresarial.
2.2.2 Seria ético utilizar o marketing no terceiro setor?
Kotler (1978) lembra que algumas instituições ainda consideram pouco ético a
utilização do Marketing para o desenvolvimento de atividades sem fins lucrativos. Assim,
escolas e hospitais públicos, ONGs, e outras organizações ainda se sentem limitadas por
críticas como as que acusam o Marketing de consumir o dinheiro público, de ser uma
atividade agressiva e intrusa à privacidade do público e, ainda, manipuladora. Para o autor,
os administradores devem analisar seriamente essas acusações, buscando evitar práticas ou
despesas que não possam ser defendidas.
Kotler (1978) destaca que um outro tipo de crítica vem dos que, mais do que o
fracasso pela utilização das ferramentas do Marketing, temeriam o sucesso que elas podem
trazer para as instituições. O Marketing terminaria arruinando com as pequenas instituições
que não pudessem arcar com as despesas do seu uso ou ainda geraria uma acirrada
competição entre as grandes instituições. Para Kotler (1979), essa visão é fruto, mais uma
vez, da compreensão estreita do Marketing como promoção. Para o autor, a contribuição
19
mais efetiva do Marketing está em auxiliar a instituição a encontrar sua melhor posição no
mercado (o que praticamente não gera custos). Nesse sentido, o Marketing ajudaria a criar
diferenciais e a definir novos formatos de produtos e serviços para os vários segmentos.
Uma outra questão delicada, que suscita discussões está inserida na questão
levantada por Shapiro (1973), em relação ao doador/cliente. Como nem sempre essas
funções estão concentradas na mesma pessoa, as organizações sem fins lucrativos podem
atuar como “servos de dois patrões”.
A partir desta dicotomia, como avaliar o seu
desempenho? O sucesso de uma organização desse tipo pode ser medido pela sua
capacidade de arrecadar doações ou pelo efetivo atendimento e satisfação dos seus
beneficiados? Shapiro (1973) lembra que a situação é ainda mais delicada quando esses
dois aspectos estão em conflito, como, por exemplo, uma instituição que se propõe a ajudar
a uma comunidade de negros, captando recursos numa sociedade racista.
A captação de recursos suscita ainda outras questões. Toda organização precisa
trabalhar arduamente para levantar fundos. Mas, qual é o limite dessa captação, para que os
objetivos e a qualidade do trabalho da instituição não sejam afetados (FORD, 1976;
OCTON, 1983). Esse dilema é mais intenso, por exemplo, nos casos em que o
financiamento é proporcional ao número de pessoas atendidas. Ford (1976) lembra que é
preciso estabelecer limites claros, para que a busca por provedores não torne os objetivos
finais da instituição fatores secundários.
Para Octon (1983), manter o delicado equilíbrio entre as questões financeiras e
sociais; e os interesses de atração de recursos e cumprimento da missão exige um cuidadoso
planejamento e programação das atividades, além do monitoramento permanente dos
progressos em relação aos objetivos finais.
Ford (1976) aprofunda a discussão, lembrando as possíveis pressões do mercado. A
organização deve atender aos desejos do seu cliente ou ao que ela acredita que seja bom
para ele? O que acontece quando o foco no mercado e os objetivos da instituição estão em
choque?
Apesar das dificuldades e limitações para a aplicação das idéias de Marketing nas
organizações sem fins lucrativos, Ford (1976) lembra que a iniciativa é capaz de trazer
20
diversos aspectos positivos. Em primeiro lugar, o Marketing pode ajudá-las a definir de
maneira mais explícita seus objetivos, bem como compreender as incompatibilidades
existentes entre eles. Uma segunda vantagem estaria na renovação do pensamento da
instituição, através do ponto de vista proporcionado pela disciplina.
Por fim, vale lembrar mais uma vez os argumentos de Kotler (1979). O autor chama
a atenção para o fato de que entre todas as funções básicas da administração dos negócios,
o Marketing tenha sido a última a integrar o cotidiano das organizações sem fins lucrativos.
Contabilidade, finanças, recursos humanos, planejamento estratégico entre outros
conhecimentos já faziam parte da administração das instituições do terceiro setor, enquanto
o Marketing continuava à parte – a menos que uma crise de clientes, membros ou recursos
se abatesse sobre a entidade. Entretanto, segundo Kotler (1979), toda organização faz
Marketing, tenha ela conhecimento disso ou não. Ela o coloca em prática quando procura
clientes, desenvolve produtos, estabelece locais para a sua venda e preços.
Segundo o teórico, “a razão básica para uma organização que não visa lucro
interessar-se pelos princípios formais de Marketing é que eles permitem que a organização
se torne mais eficaz na obtenção de seus objetivos.” (KOTLER, 1978, p. 24)
O autor afirma ainda que é preciso superar o questionamento de se elas devem ou
não utilizar o Marketing e passar para uma discussão sobre as maneiras mais inteligentes de
utilizá-lo. Entre os benefícios estão uma melhor compreensão das necessidades dos clientes
e um melhor desenvolvimento integrado de produtos e serviços, observando suas
características gerais e os aspectos de precificação, distribuição e promoção.
Segundo Kotler e Murray (1975), o Marketing tende a ser uma ferramenta ou
função fundamental para o terceiro setor, porque representa uma forma para a organização
efetivamente administrar suas relações com o ambiente externo. Assim, as organizações do
terceiro setor precisam das ferramentas de análise, planejamento e controle do Marketing
para serem capazes de se adaptarem permanentemente às novas e mutantes necessidades
sociais. Elas precisam conhecer seus mercados e guiar seus recursos da maneira mais
eficiente para atender às mais altas necessidades da sociedade.
Na visão de Kotler (1979), o Marketing representa um grande potencial para as
organizações do terceiro setor – não só para a sua sobrevivência, mas também para o
21
crescimento e fortalecimento das contribuições que elas podem oferecer para toda a
sociedade.
2.3 O Papel do Marketing nas Organizações
Compreendido tanto o conceito de terceiro setor quanto os argumentos favoráveis e
contrários ao uso do marketing nas organizações dessa natureza, chega o momento de
entender o que significa a prática do marketing no cotidiano de qualquer tipo de instituição.
Duas visões são possíveis quando se define o papel do Marketing. A primeira delas
é a que estabelece o Marketing como uma lógica ou filosofia. Dessa maneira, é um conceito
que estaria presente em toda a organização, nos vários departamentos, como um “estado de
espírito”. Seu princípio mais essencial é buscar a satisfação do cliente. Já a segunda
abordagem é a do Marketing como habilidade e está focada nas suas ferramentas e técnicas.
Diz respeito ao conhecimento especializado que permite à empresa tomar as melhores
decisões a respeito dos aspectos operacionais como, por exemplo, a escolha da embalagem,
a definição do preço, dos melhores apelos para a publicidade e a realização de uma
distribuição eficiente (KOTLER, 1998; ROCHA E CHRISTENSEN, 1999). A seguir esses
dois conceitos são apresentados mais detalhadamente.
2.3.1
Marketing como Filosofia
Uma organização pode desenvolver atividades de marketing sem, no entanto, ter o
Marketing como filosofia ou orientação. A orientação para produto, por exemplo, tende a
considerar não os desejos e necessidades do cliente, mas as possibilidades do produtor.
Essa visão, comum nas economias onde a demanda é reprimida, se preocupa com a
fabricação, seus aspectos técnicos e com o controle de custos. A lógica predominante é a de
que se o produto for bom, ele certamente atrairá clientes (KOTLER, 1998; ROCHA E
CHRISTENSEN, 1999).
Já a orientação para vendas se baseia no estímulo através da promoção, da
propaganda e das vendas pessoais para levar os consumidores a adquirir as ofertas que a
22
empresa está produzindo. “O cliente é visto como alguém que pode ser levado a querer o
produto, desde que haja suficiente promoção e indução” (KOTLER, 1978, p. 59). Se o
consumidor não ficar satisfeito, outros surgirão atraídos pelo esforço de venda. Empresas
que realizam grandes promoções antes de aumentarem o valor de seus serviços são
exemplos de organizações com orientação para vendas. Assim como a orientação para
produto, essa visão também está descolada dos interesses e satisfação dos clientes no longo
prazo.
Já a orientação para marketing tem como princípio fundamental o atendimento
das necessidades do cliente. Não é a produção que determina o consumo, mas o consumo
que direciona a produção. Kotler (1978) define assim o Marketing como filosofia:
“(...) é a orientação para as necessidades dos consumidores, apoiada
pelo Marketing integrado, com a finalidade de gerar a satisfação do
consumidor como o meio para se atingirem os objetivos
organizacionais”(KOTLER, 1978, p. 61).
Por essa definição, além dos aspectos já mencionados sobre atender aos anseios dos
clientes, é importante destacar a questão da integração tanto do ponto de vista das diversas
ferramentas do Marketing (promoção, propaganda, política de preços, pesquisa de mercado,
concepção do produto) quanto dos vários departamentos da organização. Não só o
departamento de Marketing, mas toda empresa precisa estar voltada para satisfazer o cliente
(KOTLER, 1978).
A filosofia de Marketing se diferencia profundamente da orientação para vendas por
sua preocupação com a satisfação do cliente no longo prazo. Dessa maneira, a ênfase não
está na transação momentânea, mas no relacionamento que vai se criar com o consumidor a
partir do primeiro contato (ROCHA E CHRISTENSEN, 1999).
Churchill e Peter (2000) chamam a atenção para o fato de que a orientação para
marketing também apresenta limitações: coloca em segundo plano outros grupos
importantes como funcionários e fornecedores; ignora a concorrência, não analisando sua
23
capacidade de atender melhor às necessidades dos consumidores; e fornece pouca
orientação a respeito da execução das atividades de marketing.
Na década de 90, alguns autores (KOHLI E JAWORSKI, 1990; NARVER E
SLATER, 1994) iniciaram a discussão de um novo conceito que seria o de orientação para
o mercado. Para Kohli e Jaworski (1990) a orientação para mercado se caracteriza através
de três atividades básicas: o desenvolvimento de um know-how de mercado, a
disseminação desse know-how e a atuação adequada para colocar esse conhecimento em
prática. Narver e Slater (1990) sugeriram que a orientação para o mercado consiste na
orientação para o cliente, para o competidor e na coordenação interfuncional que organiza a
utilização dos recursos da empresa com o objetivo de criar maior valor para o cliente-alvo.
2.3.2
Marketing como Habilidade
O conceito de Marketing é colocado em ação a partir da administração de
Marketing. Como uma disciplina voltada para a prática, o Marketing tem como uma de suas
principais preocupações a discussão a respeito das tarefas de sua gerência. Nos últimos
anos, um debate importante tem procurado destacar as diferenças existentes entre o
Marketing de bens e o de serviços. Autores como Rathmell (1966), Lovelock (1983),
Zeithaml et al (1985) e Grönroos (1995) chamaram a atenção para as particularidades
existentes no setor de serviços, reivindicando um novo modelo de administração de
Marketing, que pudesse dar conta dessa maior complexidade. A seguir, serão descritas a
visão clássica, focada, sobretudo, nas necessidades do Marketing de bens físicos, e a
abordagem para os serviços.
Administração de Marketing
Segundo Kotler (1998), “a administração de Marketing ocorre quando pelo menos
uma parte de uma troca potencial reflete sobre os meios de atingir as respostas desejadas
de outras partes” (KOTLER, 1998, p. 32).
24
Para o autor, uma organização realiza a administração do Marketing ao controlar
suas relações de troca (o nível, o tempo e a composição da demanda) de maneira a atingir
seus objetivos. No dia-a-dia, a tarefa de gerenciar tais processos exige muito trabalho e
profissionalismo. É preciso analisar as oportunidades de Marketing, pesquisar e selecionar
mercados-alvo, desenvolver estratégias e fazer planos de Marketing, organizar,
implementar e controlar o esforço de Marketing (KOTLER, 1998).
1 – Análise
Em primeiro lugar, o profissional de Marketing deve estar apto a identificar um
mercado, seu tamanho, localização, necessidades e desejos, percepções e valores
(KOTLER, 1972). Portanto, é fundamental analisar as oportunidades de longo prazo. Para
isso, a organização precisa saber desenvolver e operar um sistema de informação de
Marketing, que lhe ajude a identificar e avaliar as características do mercado. As pesquisas
são um instrumento importante para que a instituição possa conhecer desejos, necessidades
e práticas de consumo de seus clientes. A organização também deve buscar informações
sobre o seu ambiente – tanto dos fatores que afetam diretamente sua capacidade
(microambiente) quanto dos aspectos mais amplos, como a economia, as mudanças
demográficas, as inovações tecnológicas (macroambiente). Dimensionar o seu mercado –
grupos que estarão sendo atendidos pela organização – é outra tarefa importante. A análise
da concorrência e suas ofertas é imprescindível para que a organização alcance um
posicionamento diferenciado. Com base nessas informações, é possível dividir seu mercado
em segmentos – tornando mais específica e interessante a oferta da organização para cada
um desses grupos selecionados.
2 - Planejamento de Marketing (Produto, Promoção, Praça e Preço)
A organização decide quanto será gasto no seu Marketing e como esse orçamento
será dividido entre os seus vários instrumentos do composto de Marketing. McCarthy
25
(1987) procurou tornar mais didático o conceito desses diversos itens que integram o
composto, criando os chamados 4Ps (Produto, Preço, Praça e Promoção).
Produto – É a oferta da organização ao mercado. Inclui todas as suas características,
embalagem, marcas e serviços agregados.
Promoção – Diz respeito à tarefa de tornar o produto atraente ao consumidor. Inclui as
atividades de propaganda, relações públicas, vendas e merchandising
Praça – O profissional de Marketing precisa definir como colocar o produto em circulação
e torná-lo mais acessível ao cliente desejado.
Preço – O valor que os clientes terão que pagar para obter o produto. O preço deve estar de
acordo com o valor percebido pela oferta, do contrário os compradores buscarão os
concorrentes.
3 - Implementação (Estrutura Organizacional)
De nada adianta analisar e planejar, se a instituição não consegue colocar em prática
esse trabalho. A organização precisa desenvolver uma estrutura capaz de implementar seu
plano de Marketing. Em entidades pequenas, uma única pessoa pode realizar todas as
tarefas de Marketing. À medida que a organização cresce, o trabalho pode estar dividido
por funções (pesquisa, propaganda, promoção, vendas, etc); por produtos (cada profissional
ou grupo cuida de todas as tarefas de Marketing relativas a uma determinada oferta da
organização) ou ainda por mercado (cada profissional ou grupo cuida de determinado
segmentos de clientes, elaborando a melhor maneira de oferecer os diversos produtos da
empresa a eles). A implementação não depende só da estrutura, mas também das
habilidades dos seus funcionários. Assim, uma preocupação essencial diz respeito à
seleção, treinamento, direção, avaliação e, por fim, motivação dos profissionais envolvidos
com as atividades de Marketing.
26
4 - Controle de Marketing
Periodicamente, a organização precisa avaliar os avanços e retrocessos em relação a
seus objetivos. É importante que ela desenvolva métodos de controle de suas atividades e
atuação. Esses indicadores podem, por exemplo, estar relacionados ao número de
atendimentos, ao crescimento da organização ou a custos. Obviamente, a forma como o
trabalho é avaliado tem impacto direto no desempenho da organização. Através do controle,
a instituição deve buscar as causas de suas eventuais falhas, bem como as formas para
resolvê-las. A reavaliação sistemática dos objetivos e estratégias gerais também garante que
a organização não se afaste de sua missão principal e de seus principais públicos. O
controle estratégico pode ser realizado através de uma auditoria de Marketing – um exame
abrangente, sistemático, independente e periódico do ambiente, objetivos, estratégias e
atividades de uma empresa.
Avaliação de
Oportunidades
de mercado
Determinação
do Preço
Seleção do
grupo alvo
Avaliação de
Capacidades e
Recursos da
Empresa
Determinação
do Composto
do produto
Determinação
das ofertas da
empresa
Posicionamento
do Produto
Determinação
do Composto
de Distribuição
Avaliação das
Ofertas
Competitivas
Figura 1 – Gerência de Marketing
FONTE: ROCHA E CHRISTENSEN, 1999
Determinação
do Composto de
Comunicação
Implementação
e Controle do
Programa de
Marketing
27
2.3.2.1 Marketing nas Organizações de Serviço
A partir do final da década de 60, autores voltados principalmente para a gestão dos
serviços (RATHMELL, 1966; LOVELOCK, 1983; ZEITHAML et al, 1985; GRÖNROOS, 1995),
começaram a estudar as diferenças entre a oferta de bens e serviços e questionar a visão
tradicional da administração de Marketing. Para eles, essa linha de pensamento, criada a
partir das necessidades presentes na comercialização de bens, não conseguia mais dar conta
da tarefa principal do Marketing. Para Grönroos, “a mais importante preocupação do
Marketing é estabelecer, fortalecer e desenvolver relações com os clientes, onde se possa
comercializar com lucro e alcançar os objetivos individuais e organizacionais”
(GRÖNROOS, 1989, p. 55).6
A compreensão de como se processa o relacionamento com os clientes numa
empresa de serviços é fundamental para se delimitar a esfera de atuação do Marketing
(GRÖNROOS, 1995). O autor propõe o conceito de ciclo de vida do relacionamento com o
cliente, exemplificando como o Marketing precisa estar atuando a cada diferente momento
de contato com cliente.
No estágio inicial do ciclo de vida, o cliente ainda não conhece a empresa e os seus
serviços. Se o seu interesse é despertado e ele acreditar que a empresa é capaz de satisfazer
as suas necessidades, o consumidor pode entrar num segundo estágio, que é o do processo
de compra. Nesse momento, ele procura pistas que possam dar uma idéia sobre a qualidade
do serviço que será prestado (já que o seu resultado ele só vai efetivamente conhecer depois
que o mesmo for executado) e avaliar o preço que está sendo cobrado. Se esse balanço
mental for positivo, passa à terceira fase, que diz respeito ao processo de consumo. Nesse
momento, o cliente vai observar a capacidade da empresa em prestar o serviço, comparando
com a expectativa que ele criou no processo de compra. Ele observa tanto a qualidade
técnica como a funcional e, se ficar satisfeito, a probabilidade de ocorrer um novo negócio
é bem maior do que se a avaliação final for negativa. Grönroos (1995) chama atenção ainda
6
Tradução livre da autora desta dissertação
28
para o fato de que o cliente também pode abandonar esse ciclo em qualquer uma das etapas,
se estiver insatisfeito.
O autor lembra que é responsabilidade do Marketing gerir esse relacionamento,
procurando levar o consumidor não só a concluir seu primeiro ciclo como participar de
novas interações completas. Para isso, a empresa precisa saber reconhecer em primeiro
lugar em que ponto do ciclo de vida do relacionamento se situam os vários grupos de
cliente-alvo e, a seguir, que recursos e atividades de marketing devem ser utilizados nos
diferentes estágios do ciclo de vida.
Segundo Grönroos (1995) a cada etapa o objetivo e a natureza do marketing serão
diferentes. Como no momento inicial o objetivo é criar o interesse para as atividades da
empresa, as ações de promoção são essenciais. Para atrair a atenção do cliente, a
organização conta com a publicidade, a comunicação boca a boca e as relações públicas,
para criar e reforçar sua reputação. Quando o consumidor entra em contato com a empresa
(processo de compra), as atividades precisam estar mais dirigidas para as suas necessidades
particulares. Aqui, o grande esforço é o de venda, onde é importante descobrir o que o
cliente de fato deseja. O profissional de atendimento nesse momento atua como um
consultor, procurando analisar e demonstrar ao cliente de que maneira e em que medida o
serviço pode se adequar aos seus interesses. A capacidade de negociação também é
fundamental nesse estágio. Se considerar adequadas as promessas da empresa e os seus
custos, o consumidor passará ao processo de consumo. Agora, o Marketing precisa
gerenciar com extremo cuidado o relacionamento com o cliente, cumprindo tudo o que
prometeu na etapa anterior, já que na produção e consumo do serviço o cliente estará, mais
do que nunca, julgando a qualidade da oferta da empresa. Se for mal sucedida nesse
gerenciamento, a organização estará comprometendo seus negócios futuros.
Diversos autores (GUMMESSON, 2002; GRÖNROOS 1995; HESKETT et al,
1994) chamam a atenção para o fato de que a lucratividade não pode ser medida como
resultado da primeira transação, mas a partir de uma perspectiva de longo prazo. Como
atrair novos clientes se torna muito caro, manter os que já entraram em contato com a
organização passa a ser uma questão fundamental para um desempenho bem sucedido de
29
Marketing. O objetivo principal da atividade se torna, então, a busca por relacionamentos
duradouros.
Assim, segundo Grönroos (1995), o processo de Marketing inclui: (1) o primeiro
contato com o cliente; (2) a manutenção do relacionamento existente, fazendo com que o
comprador continue interessado em realizar negócios com a empresa; (3) realçar o
relacionamento existente, conseguindo que o consumidor se interesse por ampliar sua
relação com a empresa, comprando outras ofertas ou maiores quantidades de um mesmo
produto.
Encarregado dessas “novas” responsabilidades, Grönroos (1995) sugere uma revisão
do conceito de marketing mix. Os meios tradicionais - promoção, concepção do produto,
precificação e distribuição - não são suficientes para dar conta da complexidade de suas
tarefas. Isso não significa que esses elementos sejam menos importantes, mas apenas que
há muito mais a ser feito pelo Marketing.
O Marketing, portanto, deixa de ser uma tarefa intermediária entre produção e
consumo (como acontece com os bens) para se tornar parte integrante da produção e
entrega de serviços (GRÖNROOS, 1995). Essa necessidade cria uma interface entre os
setores de Marketing, Operações e Recursos Humanos – já que todos precisam em conjunto
gerenciar as chamadas “horas da verdade” - todas as interações que ocorrem entre empresacliente.
Isso ocorre porque duas grandes mudanças de foco estão implícitas nos princípios
de gestão de serviços quando comparadas à abordagem gerencial tradicional: em primeiro
lugar, a transferência do interesse nas conseqüências internas do desempenho para um
interesse nas conseqüências externas e, em segundo, a transferência de foco na estrutura
para um foco no processo (GRÖNROOS, 1995).
Como já foi dito, ao contrário das empresas produtoras de bens, que têm fabricação
e consumo claramente separados, na indústria de serviços a oferta é produzida quase
sempre ao mesmo tempo em que é consumida. O contato entre produção e consumidores é
direto, fazendo com que a função de marketing esteja intimamente relacionada – e
30
dependente – dos procedimentos, pessoas e recursos administrados pelo departamento de
Operações (LOVELOCK, 1991).
Outro setor relacionado com o departamento de marketing numa organização de
serviços é o de Administração de Recursos Humanos. Poucas empresas de serviços podem
operar sem empregados – e, em última instância, serão eles os responsáveis por cumprir as
promessas estabelecidas pelo marketing. Dessa maneira, essas três funções administrativas
– Marketing, Operações e Recursos Humanos - estão intimamente ligadas numa
companhia dessa natureza, no que Lovelock (1991) denominou a “trindade da gestão de
serviços”.
Administração das
Operações
Administração
do Marketing
Clientes
Administração dos
Recursos Humanos
Figura 2 – Trindade da Gestão de Serviços
FONTE: LOVELOCK, 1991
Didaticamente, Grönroos (1995) resume a função de Marketing a duas sub-funções
distintas. A primeira é uma função especialista, que se encarregaria das atividades
tradicionais do Marketing, como as pesquisas de mercado, concepção do produto,
precificação, promoção e distribuição. A segunda diz respeito às interações entre vendedor-
31
comprador – tarefas realizadas por praticamente toda a empresa, principalmente pelos
funcionários da chamada linha de frente. Para destacar a importância das pessoas
responsáveis pelo atendimento Gummesson (1981) criou a denominação de “marqueteiros
de plantão”, já que esses profissionais precisarão realizar suas tarefas tendo como foco a
perpetuação do relacionamento com o cliente (objetivo principal do Marketing). Essa parte
do Marketing é chamada de “Função Interativa do Marketing” (GRÖNROOS, 1995, p.
179).
Função do
Marketing
Tradicional
Produção
Consumo
(uso)
Função do Marketing
Interativo (interações
Comprador-vendedor)
Figura 3 – As duas funções do Marketing das Organizações de Serviços
FONTE: GRÖNROOS, 1995
Grönroos (1995) considera que a abordagem do marketing mix contraria em si o
conceito do marketing – já que parte de uma visão orientada para a produção e não para o
mercado (ou seja sem levar em conta os interesses dos clientes). Para o autor, essa é uma
abordagem rígida, que não se ajusta a todas as situações e se torna obsoleta. Apesar desses
questionamentos, alguns autores (LOVELOCK, 2002; ZEITHAML e BITNER, 2003)
perpetuam essa proposta, já que os P´s possuem um inegável apelo didático.
32
Lovelock (2002) criou a metáfora de um barco a remo para explicar o que ele chama
dos oito componentes da administração integrada de serviços. Assim como nesse tipo de
embarcação, a eficiência da empresa é resultado da correta articulação de todos os seus
elementos. O barco vencedor não é o que possui os remadores mais fortes, mas o que
consegue obter o desempenho harmonioso de todos eles. Dessa forma, o autor procura
sofisticar a idéia dos 4 P’s, tendo em vista a natureza complexa dos serviços. Além do
aperfeiçoamento dos elementos tradicionais (produto, preço, promoção e praça), o autor
incorpora os conceitos de pessoas, cenário, processo, produtividade e qualidade, que, em
parte, dão conta da função do Marketing Interativo proposto por Grönroos (1995).
Zeithaml e Bitner (2003) sugerem um composto expandido para serviços, que inclui
sete itens: produto, praça, promoção, preço, pessoas, evidência física e processo.
- Elementos do produto (product elements) – São os componentes do serviço que
criam valor para os clientes. Inclui suas características principais, bem como os
elementos suplementares.
- Lugar e tempo (praça) - O gerente precisa decidir quando, como e onde estará
entregando seus serviços aos clientes. A entrega pode ser direta ou através de
organizações intermediárias. A venda direta traz benefícios como melhor
planejamento a longo prazo, maior contato com o consumidor final e maior controle
da qualidade da oferta. Já o uso de intermediários é interessante na medida em que
exige menos investimentos iniciais, possibilita maior abrangência de atuação,
redução de custos fixos e amplia a possibilidade de estar mais próximo ao
consumidor. Essa última estratégia, no entanto, traz também riscos como a perda de
controle e conflitos na rede. Outra decisão relativa à distribuição de serviços diz
respeito à presença física ou não (como os serviços por meio eletrônico)
(LOVELOCK, 2002).
- Processo – Como a produção e a entrega quase sempre acontecem
simultaneamente nos serviços, é preciso estar atento ao projeto e implementação de
processos eficazes, que garantam a correta execução. O processo envolve ações que
precisam ser tomadas, numa seqüência predefinida. A elaboração de “passos”
33
eficientes e afinados com as necessidades dos clientes contribui para o bom
desempenho do pessoal da linha de frente, diminuindo também a probabilidade de
falhas nos serviços. (LOVELOCK, 2002; ZEITHAML e BITNER, 2003)
- Pessoas – A maioria dos serviços envolve a interação entre pessoas - clientes e
funcionários da empresa. Essa interação fornece indicadores aos clientes a respeito
da natureza do serviço. Os funcionários são, como já foi dito, os “marketeiros de
plantão” – os profissionais que serão responsáveis por executar o marketing da
empresa, cumprindo as promessas feitas aos clientes, “nas horas da verdade”.
Portanto, o esforço de recrutar, treinar e motivar esses profissionais é também uma
tarefa do Marketing da empresa de serviços. Não só os empregados, mas também a
ação dos próprios clientes deve ser “administrada” pela empresa, já que a interação
entre os clientes terá impacto na qualidade do serviço. (LOVELOCK, 2002;
ZEITHAML e BITNER, 2003)
- Promoção e educação – Assim como nas empresas que vendem bens, as
organizações de serviço devem realizar as atividades de comunicação (publicidade,
relações públicas, promoção, etc), que ajudem a atrair os clientes para as ofertas da
empresa. No entanto, mais do que isso, a promoção também deve atuar no sentido
de educar os clientes, informando-os sobre a natureza do serviço, aconselhando-os
na maneira de agir ao longo da sua execução, e deixando evidente os benefícios
gerados pela oferta da empresa. Assim, além dos meios convencionais, como
jornais, revistas, TV, rádio, etc, a empresa precisa se preocupar com a comunicação
realizada entre os seus funcionários e clientes (LOVELOCK, 2002).
- Evidência física (physical evidence) – Ao buscar pistas sobre a qualidade de um
determinado serviço, os clientes procuram, no “cenário”, algumas das mais
importantes informações para formar sua opinião. Mobília, veículos, placas de
informação, uniformes, equipamentos, cartões de visitas, apresentação de relatórios
entre outros aspectos físicos fornecem representações tangíveis sobre as
características do serviço de determinada organização. Por isso, são chamadas de
“evidências físicas”. O gerente de Marketing, portanto, deve administrar tão bem
34
esses elementos quanto os itens tradicionais como preço, praça, produto e
promoção. (LOVELOCK, 2002; ZEITHAML e BITNER, 2003)
- Preço e outros custos do serviço – Inclui não só o estabelecimento dos valores
monetários a serem pagos pelos clientes, como também a análise dos diversos
custos envolvidos na contratação de um serviço, como o tempo despendido, o
esforço físico e mental e possíveis experiências negativas. O trabalho do gerente de
Marketing é adequar esses diversos custos às expectativas e necessidades dos
clientes. (LOVELOCK, 2002)
Produto
Preço
Praça
Promoção
Pessoas
*Características físicas
*Qualidade
*Acessórios
*Marca
*Linhas de
produto
*Garantias
* Embalagem
* Flexibilidade
* Faixa de
preço
* Diferenciação
* Descontos
* Margens
* Venda
* Tipo de
Canal
* Exposição
* Intermédiarios
* Espaços em
pontos
* Transporte
* Estocagem
* Administração de
canais
* Composto
de comunicação
Pessoal de
vendas
Quantidade
* Seleção
Treinamento
Incentivos
* Propaganda
Públicos-alvo
Mídia
Conteúdo
veiculado
Imagens
* Promoção
de vendas
* Assessoria
de imprensa
/relações
públicas
* Funcionários
Recrutar
Treinar
Motivar
Recompensas
Trabalho em
equipe
* Clientes
Educação
Treinamento
Evidência
física
* Projeto das
instalações
* Equipamento
* Sinalização
* Roupas dos
funcionários
* Outros
tangíveis
Relatórios
Cartões de
visita
Declarações
Garantias
Processos
*Roteiro de
atividades
Padronização
Customização
*Número de
Passos
Simples
Complexo
* Envolvimento dos
clientes
Tabela 2: Marketing Mix Para Serviços
FONTE: ZEITHAML e BITNER, 2003
Apesar de perpetuar a idéia dos P’s, a abordagem dos teóricos de Serviços se
desvincula da visão tradicional de um departamento de Marketing ditando internamente
como devem ser articulados os elementos do mix. Vale a pena destacar os argumentos de
35
Grönroos (1989), segundo os quais é preciso uma transformação da maneira pela qual o
Marketing é colocado em prática nas organizações. Ele precisa deixar de ser uma função
realizada por especialistas, preocupados exclusivamente com o planejamento e a execução
do marketing mix, para se tornar uma função espalhada pela empresa, incluindo todas as
atividades que possam ter impacto nas relações atuais e futuras dos consumidores.
Berry e Parasuraman (1991) se afinam com o autor nórdico, lembrando que o
principal desafio para os executivos do marketing de uma empresa de serviços é reconhecer
que a maioria das funções tradicionais do marketing é na verdade responsabilidade de todos
na organização. O papel desse departamento nas empresas de serviço torna-se, então, mais
o de um setor de apoio, que facilita o processo de garantia de que o negócio esteja
concentrado em seus mercados.
Segundo esses autores, um diretor de Marketing tem três importantes papéis de
liderança a desempenhar para ajudar a criar e sustentar uma instituição. Em primeiro lugar,
ele precisa ser o arquiteto da mudança, ajudando a redefinir as orientações estratégicas de
suas instituições em resposta às mudanças das condições dos mercados. Ele precisa ser
também um facilitador do marketing. Os empregados, que estão mais próximos do cliente,
estão na melhor posição para fazer essa função. Sua atuação como facilitador se dá através
da educação dos funcionários a respeito dos objetivos e aplicações do marketing, da
operacionalização da sua prática junto aos funcionários (oferecendo-lhes os instrumentos
necessários) e, por fim, pela defesa incansável da qualidade dos serviços na organização. O
terceiro papel fundamental para esse profissional deve ser o de administrador da imagem
institucional, já que, mais do que os serviços específicos que a empresa vende, é preciso
consolidar a marca da companhia, como fator de diferenciação da concorrência.
2.4
Marketing para as Organizações sem fins lucrativos
O item anterior procurou dar uma visão suscinta das atividades que envolvem a
administração do Marketing numa organização de qualquer natureza (comercial ou não, de
bens ou serviços). Entretanto, algumas especificidades caracterizam as organizações do
36
terceiro setor. Nessa parte estarão sendo revistos os trabalhos de alguns autores que
realizaram análises e estudos empíricos a respeito do tema.
Diversos teóricos renomados do marketing, como Kotler, Shapiro, Lovelock,
Zaltman, entre outros, voltaram suas atenções para as organizações sem fins lucrativos a
partir da década de 70. Alguns textos desse período (SHAPIRO, 1973; FORD, 1976;
OCTON, 1983; YORKE, 1984) se destacam por oferecer uma visão mais abrangente e que
contempla diversos aspectos do marketing nas organizações dessa natureza. Nesse sentido,
eles constituem um material rico para essa dissertação que pretende elaborar um
diagnóstico também abrangente da atuação de duas instituições do terceiro setor brasileiro.
A produção mais recente apresenta, de maneira geral, uma visão mais focada e
direcionada para temas ou ferramentas mais específicos - o que de certa maneira aponta
para o amadurecimento desse tema dentro do marketing. Autores como Bruce (1995),
Saxton (2001), Olsen et al (2001), Liao et al (2001), González et al (2002) são alguns dos
teóricos que dedicaram suas atenções ao tema nos últimos anos e que integram essa parte
da revisão.
2.4.1 Visão Geral
Benson Shapiro, professor de Marketing da Harvard Business School, trouxe no
artigo “Marketing for nonprofit organizations”, de 1973, novas reflexões para o trabalho
das organizações sem fins lucrativos. Para o autor, quatro conceitos básicos presentes no
Marketing das empresas deveriam nortear também as instituições que não visam o lucro.
Em primeiro lugar está a questão do auto-interesse numa troca – onde ambas as
partes (comprador/vendedor) precisam acreditar que estão obtendo mais do que estão
dando. O segundo aspecto diz respeito à tarefa de Marketing, que reforça a importância de
se satisfazer o consumidor. Os elementos do Marketing mix, segundo o autor, também
podem servir como importantes ferramentas a serem usadas pelos gestores do terceiro setor.
Por fim, Shapiro (1973) destaca a idéia de competência distintiva, na qual a organização
deve se concentrar para alcançar seus objetivos.
37
O autor define três tarefas básicas para os gerentes de Marketing das organizações
sem fins lucrativos. A primeira é a atração de recursos. A menos que seja totalmente
financiada por uma empresa, pessoa ou família, a instituição precisa buscar contribuições.
Essa é uma das funções de Marketing que exige maior sofisticação e inclui não apenas
dinheiro, mas a obtenção de outros recursos como trabalho voluntário, serviços e doação de
produtos. Publicidade e venda pessoal são duas das abordagens mais utilizadas para a
atração de recursos. A primeira costuma ser utilizada quando se deseja pequenas
colaborações de um grande número de pessoas. A segunda é mais comum quando é preciso
obter grandes somas de poucos doadores. Assim como nos negócios, as organizações sem
fins lucrativos precisam ser capazes de segmentar o “mercado” de possíveis doadores, bem
como definir o apelo e a estratégia que serão mais efetivos com cada um desses segmentos.
A segunda tarefa do Marketing, segundo Shapiro (1973), seria a alocação de
recursos. As organizações sem fins lucrativos precisam definir sua função básica ou missão
e ainda que clientes serão atendidos e o que será oferecido a eles. A terceira função, que
seria de persuasão, diz respeito à atividade de convencer as pessoas a fazer algo que a
organização deseja. Para Shapiro (1973) poucas organizações se envolvem efetivamente
nessa última tarefa.
Shapiro (1973) levanta ainda algumas questões relacionadas ao ambiente
competitivo dessas organizações. Para o autor, o mecanismo de auto-correção do mercado,
que elimina as empresas que não atendem corretamente às necessidades de seus
consumidores termina não acontecendo entre as organizações sem fins lucrativos, já que na
maioria dos casos, a demanda costuma ser maior do que a própria oferta. Além disso, como
a atração de recursos e sua alocação estão descoladas, organizações eficientes em obter
recursos podem sobreviver por longos períodos, ainda que o atendimento aos seus clientes
seja insatisfatório.
Para o autor, essa questão pode ser temporária, sendo amenizada pela criação de um
ambiente de quasi-mercado, onde os clientes passariam a controlar a viabilidade financeira
da organização. Por outro lado, se as organizações sem fins lucrativos não têm a
competição como um fator de permanente aperfeiçoamento (como acontece com o
38
mercado), essas instituições podem encontrar na colaboração com outras instituições um
motor de desenvolvimento. Justamente por não atuarem num ambiente tão agressivo, as
organizações sem fins lucrativos podem encontrar nas parcerias um elemento de melhoria.
Por fim, o autor lembra que é preciso que as organizações avaliem seus papéis,
considerando os consumidores a que se propõem a servir, através de que produtos e
competências.
Uma das principais contribuições de Shapiro (1973) está na compreensão de que o
Marketing nas organizações sem fins lucrativos precisa atender, ao mesmo tempo, dois
“consumidores” diferentes. Se nas empresas privadas o cliente fornece recursos ao adquirir
produtos e serviços, no terceiro setor a figura do “provedor” quase sempre está
desvinculada daqueles que são atendidos pela organização. De um lado estão as pessoas
assistidas, beneficiadas pelos produtos ou serviços, e de outro, os doadores ou
patrocinadores - colaboradores que efetivamente sustentam a organização com suas
contribuições. Atrair e satisfazer a esses dois públicos torna a tarefa do Marketing mais
complexa e é a chave para o sucesso dessas organizações.
Octon (1983) reforça o argumento de Shapiro, afirmando que a separação
doador/cliente faz com que o processo de troca seja mais confuso no setor voluntário. O
autor lembra que determinar o valor da troca nem sempre é tarefa fácil. Octon (1983)
afirma ainda que uma visão mais realista dessa relação poderia ser alcançada descrevendo
essas instituições como intermediárias entre duas partes, mais do que participantes diretas
no processo de troca.
Outros autores (FORD, 1976; YORKE, 1984; GALLANGHER E WEINBERG,
1991) também procuraram apontar fatores que fazem com que o marketing nas
organizações do terceiro setor seja mais complexo. Ford (1976) lembra que são comuns as
restrições relacionadas com a informação. Essas instituições em geral não dispõem de
bancos de dados sobre os mercados, as vendas, estoques, etc.
Yorke (1984) chama a atenção para o fato de que, nas organizações que não visam o
lucro, os componentes do Marketing Mix são menos manipuláveis (a seguir serão
abordadas com mais detalhes as questões relacionadas aos Ps do Marketing). Outra tarefa
39
árdua, segundo o autor, diz respeito à medição dos resultados, já que os mesmos nem
sempre podem ser isolados ou quantificados.
Gallangher e Weinberg (1991) afirmam que os profissionais dessa área
compartilham com os gerentes de marketing de serviços do setor empresarial as suas
diversas dificuldades: seus produtos são intangíveis e difíceis de avaliar. Além disso,
geralmente envolvem a participação dos clientes no processo de produção e, já que não
podem ser armazenados, são fortemente afetados pela variação da demanda em função do
tempo e da capacidade. Manter os altos padrões de serviços é um desafio.
Gallangher e Weinberg (1991) citam também alguns fatores que tornam a ação no
terceiro setor mais difícil:
-
Os objetivos, em geral, são múltiplos e os não financeiros são os mais importantes – o
que acrescenta complexidade às decisões;
-
Os lucros das empresas ajudam a criar um “colchão de proteção” aos riscos. Nas
organizações que não visam o lucro isso é mais difícil, criando ao mesmo tempo uma
aversão às mudanças e uma menor capacidade de se adaptar às novas circunstâncias;
-
O cenário competitivo é mais complexo – já que em muitos casos é preciso cooperar
com os próprios competidores;
-
Organizações do terceiro setor estão mais expostas do que as empresas – suas ações são
mais controladas pela opinião pública.
2.4.2 Orientação para Marketing, Produto ou Vendas?
González et al (2002) procuraram delimitar o conceito de orientacão para o mercado
no contexto de uma organização do terceiro setor. Os autores acreditam que um dos
principais problemas do marketing nesse ambiente é que as organizações tendem a ser
excessivamente voltadas para si mesmas, ditando o que consideram mais adequado para o
seu mercado, sem levar em conta o que os clientes desejam ou necessitam. Essa visão pode
ser sintetizada pela máxima “nós sabemos melhor o que é bom para você”.
Esse problema também foi levantado por Ford (1976) e Bruce (1995). Ao chamar a
atenção para os elementos que, em muitos casos, terminam moldando a filosofia de uma
40
organização sem fins lucrativos, Ford (1976) lembra que o produto de uma organização de
caridade está diretamente ligado aos seus objetivos, e significa diversas coisas para
públicos diferentes. Para os doadores, o produto é o resultado do trabalho da instituição
(por exemplo, se a empresa patrocina uma ONG que cuida de menores infratores, ela espera
a diminuição da delinqüência juvenil e a recuperação de jovens problemáticos). Um
produto diferente é “oferecido” aos voluntários, que compram com seu tempo, o apoio às
idéias e objetivos da organização. Essa visão pode ser bastante diversa, por exemplo, da
que têm os doadores e funcionários da instituição. Esses últimos, por sua vez, como
normalmente recebem valores menores que os pagos pelo mercado, também “investem” na
organização, num produto que pode estar relacionado, por exemplo, com a satisfação
pessoal de trabalhar num local não-comercial. Por fim, a organização oferece um produto a
seus clientes – aqueles que efetivamente são atendidos por seus projetos.
Para o pesquisador, cada um desses públicos tem uma visão definida sobre os
objetivos da instituição. Isso implica numa maior rigidez nos produtos de uma organização
do terceiro setor. Nesse sentido, ela será menos livre que uma empresa comercial para
realizar alterações nas suas ofertas ou produzir novas de acordo com as pressões do
mercado. Segundo Ford (1976) este conflito faz com que boa parte das organizações sem
fins lucrativos sejam orientadas para o produto (e não para o mercado). Em outras palavras,
“elas existem para proporcionar o produto específico que elas acreditam deva ser
propiciado. Quando seu produto não é mais demandado, elas teoricamente devem deixar
de existir” (FORD, 1976, p. 271).7
Bruce (1995) lembra ainda outros fatores que fazem com que as organizações sem
fins lucrativos não valorizem o ponto de vista dos clientes atendidos por ela: situação
monopolista (só ela atende aquele grupo); excesso de demanda; atendimento a populações
com baixa capacidade crítica e de mobilização, a idéia de que qualquer reclamação por
parte das pessoas atendidas poderia soar como uma ingratidão, forte crença nos seus
próprios valores, orientação para ação (“vamos fazer e ver no que dá”) e o desprezo pelo
conceito de soberania do consumidor.
7
Tradução livre da autora deste projeto
41
Num artigo para a Harvard Business Review, Andreasen (1982) afirma que muitas
organizações deixam de utilizar corretamente as técnicas de marketing, perdendo a
oportunidade de conquistar clientes e doadores. Para o autor, boa parte delas, apesar de se
considerarem orientadas para o mercado, na verdade estão focadas nos seus produtos ou
serviços ou dando demasiada atenção para o esforço de vendas.
Andreasen (1982) aponta alguns indicadores fundamentais que podem servir para a
organização refletir sobre sua orientação. Dentre os sintomas que poderiam indicar que a
empresa não está voltada para seus clientes estão:
1 – Ver a oferta como inerentemente desejável – Esse é um erro muito comum
que faz com que as organizações não consigam entender porque o público não reage
entusiasticamente à sua oferta. O autor sugere que para vencer esse problema, a
organização precisa conhecer de perto o seu público – desvendando seus hábitos e possíveis
barreiras que poderiam dificultar o acesso ao seu trabalho.
2 – Acreditar que o consumidor é ignorante – Se o público alvo não se interessa é
porque é desinformado, desinteressado ou preguiçoso. Mais uma vez o conhecimento sobre
o público, o que ele pensa e os possíveis entraves para a sua participação é o melhor
caminho para superar esse problema.
3 – Enfatizar demais as atividades de propaganda e relações públicas – Deixar
de lado o uso de todas as ferramentas de marketing, limitando-se à comunicação. Outro erro
é criar mensagens únicas, que não levam em consideração a diferença existente entre os
diversos públicos.
4 – Ver a pesquisa de mercado como um fator secundário – Essa visão é
reforçada pelos erros anteriores: se o meu produto é bom e for bastante divulgado, ele
naturalmente atrairá a atenção do público. A pesquisa de mercado é, portanto, desnecessária
ou, na maioria dos casos, só serve para confirmar as suposições da organização a seu
respeito.
5 – Ter uma única estratégia de marketing – Desconsiderar os diferentes
segmentos e suas necessidades distintas.
6 – Ignorar a competição genérica – A maioria das organizações prefere negar a
competição, deixando de levar em consideração outras organizações e produtos que
42
competem pelo interesse, satisfação das necessidades e recursos dos mesmos
consumidores;
7 – Seleção do staff de marketing – Muitas organizações recrutam seus
profissionais pelo conhecimento sobre o produto ou serviço e não pela expertise a respeito
do consumidor ou do mercado – que demora muitos anos para ser desenvolvida.
Para mudar essa orientação, Andreasen (1982) sugere que em primeiro lugar é
preciso reconhecer que tipo de orientação a organização apresenta no momento. Em
segundo lugar, iniciar programas de pesquisa sobre seus clientes. Realizar intercâmbio de
idéias com profissionais de marketing do setor empresarial, através de eventos, seminários,
reuniões, participação no conselho, também pode servir como fonte de novas propostas
para o terceiro setor. Andreasen (1982) lembra que o ambiente está permanentemente em
mudanças e que adotar uma orientação voltada para seus clientes pode trazer, para essas
organizações, resultados ainda melhores do que os alcançados pelas empresas.
González et al (2002) afirmam que a adoção de uma orientação para o mercado
exige a criação e o desenvolvimento de uma cultura organizacional que converta os
beneficiários e doadores no elemento central das operações da organização. Isso vai
demandar não apenas um foco externo, mas também a integração e coordenação dessa
visão para que ela seja colocada em prática pelos funcionários e a adoção de uma visão de
longo prazo.
Em outras palavras, a adoção dessa orientação precisa estar presente tanto na
filosofia/cultura quanto no comportamento da organização. Do ponto de vista
filosófico/cultural, a entidade precisa estar ciente da necessidade de se orientar
internamente em função dos seus beneficiários e doadores. É preciso que ela esteja atenta
ainda a seus competidores e que consiga estimular seus colaboradores a criar e desenvolver
relações mutuamente benéficas com os seus públicos-alvo.
Seu comportamento também precisa refletir essa postura através de uma série de
ações práticas:
1 - Gerar uma inteligência a respeito dos elementos mais relevantes para sua
ação – Inclui a aquisição, análise, interpretação e tratamento contínuo da informação. Para
isso, a organização deve se valer de instrumentos formais e informais, como pesquisas de
43
mercado, análise de performance, encontros, entrevistas e conversas. É importante que toda
entidade esteja envolvida na tarefa de gerar conhecimento sobre os seus públicos;
2 - Conseguir propagar entre todos os funcionários esse conhecimento – A
inteligência gerada precisa ser disseminada tanto horizontalmente quanto verticalmente.
Encontros onde são discutidos e analisados a situação atual, as tendências e evolução do
mercado e o futuro da organização são atividades que contribuem com esse desafio;
3 - Produzir respostas capazes e gerar satisfação tanto dos beneficiários quanto
dos patrocinadores – De nada adianta gerar conhecimento se ele não é colocado em
prática através de ações. A resposta da organização deve ser mutável e flexível, se
adaptando às demandas do mercado sem fins lucrativos. O uso de ferramentas estratégicas
de marketing, como a segmentação e diferenciação, tem papel fundamental nesse
desenvolvimento.
Segundo os autores, os benefícios dos que conseguem alcançar essa orientação são
muitos e vão desde ampliar a capacidade de levantar recursos até reforçar a habilidade de
prestar serviços no longo prazo. González et al (2002) lembram que o sucesso de uma
organização sem fins lucrativos está relacionado com a capacidade de alcançar sua missão
institucional – que deve, em última análise, guiar todos os seus objetivos.
Por fim, vale a pena destacar a recente contribuição de Liao et al (2001) que
propõem o desenvolvimento de um novo construto - segundo eles, mais adequado para se
entender a orientação de uma organização que não visa o lucro. Para os autores, tendo em
vista o fato de que o conceito de orientação para mercado foi desenvolvido dentro do
contexto das empresas, não seria correto simplesmente transferí-lo para a realidade das
entidades do terceiro setor. Elementos considerados vitais na visão empresarial, como foco
nos clientes, competidores e orientação para os lucros, assumiriam papéis secundários na
realidade do setor voluntário.
Assim, Liao et al (2001) propõem o conceito de orientação societal, que
consideraria, além dos aspectos relacionados aos clientes, competidores e empregados, as
necessidades dos diversos stakeholders da organização, bem como o bem estar da
sociedade da qual faz parte. Essa última dimensão é, segundo Liao et al (2001), a principal
44
distinção entre a orientação societal e a orientação para o mercado. Os autores destacam
ainda que a orientação societal precisa levar em conta aspectos como a colaboração com
outras entidades que não visam o lucro, o setor público e as empresas. Os próprios autores,
no entanto, destacam a natureza exploratória do seu artigo e incentivam o desenvolvimento
de novas pesquisas que pudessem tornar mais sólido o conceito de orientação societal e a
definição de seus elementos fundamentais.
2.4.3 Administração de Marketing
Nesse item são discutidos estudos teóricos voltados para a realidade das
organizações em fins lucrativos que abordaram tarefas relacionadas à gerência de
Marketing.
2.4.3.1 Análise
Yorke (1984) lembra que as organizações sem fins lucrativos enfrentam maiores
dificuldades no processo de análise, já que muitas vezes ela se torna inviável diante da
dificuldade de se conseguir informação de boa qualidade. Dados secundários nem sempre
estão disponíveis e os primários normalmente não podem ser comprados pela instituição.
Octon (1983) recorda ainda que, numa situação de recursos escassos, as instituições
do terceiro setor podem ser criticadas ao contratarem pesquisas de Marketing. Para muitos,
ao invés de gastar o dinheiro das doações coletando informações, essas organizações
agiriam melhor aplicando toda a verba diretamente no trabalho junto aos clientes. Para o
autor, no entanto, essa é uma visão equivocada já que, até mesmo por seu caráter social, é
fundamental que essas instituições se utilizem da pesquisa para conhecer melhor seus
clientes e patrocinadores, bem como o ambiente em que estão atuando.
Extremamente utilizada pelas empresas, a estratégia de segmentação enfrenta
algumas dificuldades no terceiro setor. Para Yorke (1984) ela se torna mais complicada, já
que é preciso atender ao conjunto da sociedade. Octon (1983) cita outras restrições: ainda
que consiga definir um grupo alvo a ser atendido, a instituição pode ter dificuldades para
45
estabelecer estratégias sobre as maneiras de se atendê-lo. O dilema pode ser exemplificado
por uma instituição que atende crianças com câncer. Ela é mais eficiente quando cuida
diretamente dos enfermos ou quando patrocina uma pesquisa sobre o assunto? Como se
pode ver, a resposta para essas questões nem sempre é óbvia.
Drucker (2002) lembra que as empresas têm que cultivar relações-chave apenas com
empregados, clientes e acionistas. Entidades sem fins lucrativos, ao contrário, precisam
lidar de maneira intensa com uma multiplicidade de públicos, cujas relações são de vital
importância para a sua sobrevivência.
Bruce (1995) distinguiu quatro categorias principais de clientes: os beneficiários, os
apoiadores, os stakeholders e os reguladores. Os primeiros são os que são atendidos pela
organização. Apoiadores incluem todos os que contribuem com recursos para a instituição,
incluindo os que compram seus serviços de assistência e os voluntários, que contribuem
com seu tempo. Os stakeholders podem ser entendidos como os profissionais da instituição,
os fundadores ou seus representantes e ainda o conselho diretor. Por fim, os reguladores são
as agências governamentais ou qualquer outra autoridade que regule o setor no qual a
entidade atua. Bruce (1995) lembra que em cada uma dessas categorias é possível encontrar
intermediários, através dos quais esses grupos podem ser acessados.
2.4.3.2 Marketing Mix
Produto
Na visão de Shapiro (1973), as decisões de produto em organizações sem fins
lucrativos estão claramente relacionadas com as tarefas de atração e alocação de recursos
para a instituição. Assim como nas empresas, essa é uma ferramenta especial. Segundo o
autor, nessas organizações essa é uma decisão delicada, já que a oferta tende a ser algo
pouco concreto. Para um doador, por exemplo, o produto adquirido pode representar itens
tão impalpáveis quanto a satisfação pessoal ou o orgulho. Para tangibilizar tal produto,
algumas organizações usam de recursos como a entrega de brindes ou certificados.
46
Shapiro (1973) afirma que a exemplo do que acontece nos negócios, a política de
produto pode variar de uma organização para outra. Ela pode ser mais simples, se a
instituição tem uma missão limitada. No entanto, será preciso tomar decisões que dizem
respeito ao número de clientes atendidos e à qualidade da oferta. Se a missão da
organização pode ser alcançada de diferentes maneiras, a tendência é que essas decisões se
tornem mais complexas. Assim, uma organização voltada para a promoção do bem-estar da
juventude tem várias possibilidades de atuação como, por exemplo, a promoção de
atividades esportivas, educacionais, de lazer, voltadas para o mercado de trabalho, etc.
Assim como as empresas, as organizações do terceiro setor se deparam
cotidianamente com decisões a respeito de seu portfólio de produtos. Para facilitar essa
tarefa, Lovelock e Weinberg (1983) classificaram as ofertas de uma organização sem fins
lucrativos em três categorias. As primeiras são as centrais, que contribuem com a missão da
instituição. Produtos suplementares são os que ampliam o apelo dos produtos centrais da
organização ou servem para facilitar o seu uso. Por fim, existem os produtos para atração
de recursos, que têm por objetivo gerar dinheiro para a organização. Ainda que nos três
tipos de ofertas a instituição possa obter recursos, eles costumam ser mais afluentes nos
dois últimos. Os autores alertam que as organizações sem fins lucrativos devem utilizar o
conceito de portfólio, utilizado pelas empresas, procurando gerenciar o conjunto de ofertas
– e não cada uma delas de maneira independente. Lovelock e Weinberg (1983) propõem,
então, uma adaptação do modelo proposto por Day, criando um esquema voltado para as
necessidades das organizações do terceiro setor.
Segundo eles, todos os produtos ou negócios da organização devem ser avaliados
considerando-se tanto a lucratividade quanto a contribuição para sua missão principal. A
análise deve ter uma perspectiva de longo prazo e orientada para o futuro. Por definição,
produtos centrais e suplementares precisam contribuir para a missão da instituição. Já os
que têm como objetivo principal a atração de recursos devem se mostrar lucrativos. A
lucratividade considera tanto os ganhos diretos pela venda desses produtos quanto as
doações realizadas com o objetivo de financiar tal atividade. Os ganhos relativos a
campanhas gerais não devem ser colocados nessa análise, a não ser para reduzir os custos
de overhead não atribuídos diretamente aos produtos.
47
Nove células podem ser geradas através do cruzamento das condições de
lucratividade e participação na missão. A matriz permite um balanço completo dos
produtos da organização (ver figura 4). Ofertas situadas no ponto mais à direita e abaixo,
por exemplo, devem ser descartadas pela instituição. Para maximizar o uso dos produtos
centrais da organização, é preciso se mover para a esquerda e para o alto. No entanto, os
autores lembram que, na maioria dos casos, as organizações não esperam gerar lucros com
seus produtos centrais.
Lucratividade
Habilidade para contribuir com a missão institucional
Lucrativo
Contribui
ativamente para a
missão
Neutro
(compatível com a
missão
Incompatível com
a missão
P. de equilíbrio
Manter status atual (sem
permitir que domine)
Buscar seletivamente
o crescimento
Ou
Ou
Agir como as empresas
comerciais
Manter o status atual
Buscar maior sinergia com
a missão (sem permiter
que domine)
Ou
Manter
Ou
Agir como as empresas
comerciais
Buscar maior
sinergia com a
missão
Ou
Dá prejuízo
Buscar mais doações
Ou
Melhorar a eficiência
em custos
ou
Seletivamente
reduzir o escopo da
operação
Buscar maior
sinergia com a
missão e aumentar a
lucratividade
Ou
Anular prontamente
Aumentar a
lucratividade
Anular Seletivamente
Anular prontamente
Ou
Ou
Vender a operação para
compradores externos
Vender a operação
para compradores
externos
Anular prontamente
Figura 4 - Recomendações estratégicas para analisar o portfólio de uma organização pública
ou sem fins lucrativos
FONTE: LOVELOCK E WEINBERG, 1983
48
Promoção
Ford (1976) afirma que essa é uma das áreas que mais recebe a atenção das
organizações sem fins lucrativos. Isso ocorre em parte pelas limitações geradas pela rigidez
do produto (já que nem sempre é possível modificá-lo, é mais fácil promovê-lo). O foco na
promoção, segundo o autor, também se deve à crescente concorrência pela atenção dos
doadores.
Octon (1983) também destaca no seu estudo a promoção como a atividade de
Marketing mais visível das organizações sem fins lucrativos. O autor lembra que no
terceiro setor, a função tem um duplo papel. Ao mesmo tempo em que é necessário educar,
as mensagens precisam ser persuasivas para atrair recursos. No intuito de informar e
persuadir, a comunicação estará sempre exigindo ética e bom senso, já que o limite entre a
mensagem eficiente e a desagradável ou ofensiva é bem tênue. O autor afirma ainda que a
busca por novas mídias deve ser uma preocupação constante para as organizações sem fins
lucrativos.
Saxton (2001) realizou um estudo entre as organizações de caridade na Inglaterra
para analisar o uso de novas tecnologias, como a internet, a televisão digital e o celular no
marketing de suas atividades. O autor lembra que o uso dessas ferramentas, principalmente,
a internet, deve ser considerado parte do marketing mix de organizações de qualquer
natureza. Dominar esses recursos, segundo Saxton (2001), será tarefa primordial para que
as instituições possam se comunicar com a população mais jovem e que, no futuro, terá
suas relações dominadas por essas tecnologias.
Numa pesquisa com 75 organizações do terceiro setor, Saxton (2001) identificou as
principais funções desenvolvidas pelos sites dessas entidades. Informações básicas, notícias
e pesquisas pela internet foram as principais ações verificadas. Menos da metade (48%) das
homepages possibilitava a doação através de cartões de crédito. Um número menor (13%)
permitia a realização de chats sobre temas específicos. Apenas 14% desenvolviam uma
newsletter via email e 14% buscavam levantar fundos através de mensagens direcionadas à
mala direta eletrônica.
49
Saxton (2001) lembra que essas novas tecnologias oferecem oportunidades
ilimitadas de segmentação, com a produção da informação de maneira personalizada de
acordo com os grupos de interesse e que o uso delas vai levar as organizações a
desenvolver uma verdadeira cultura de marketing.
Olsen et al (2001) também analisaram as possibilidades de promoção e
relacionamento a partir do uso do email. Os autores lembram que ainda que o seu uso esteja
nos primeiros estágios é fundamental que as organizações comecem desde já a se
aperfeiçoar na sua utilização. Posicionar-se à frente de outras organizações será
fundamental mais tarde, quando, diante da competição excessiva, os retardatários terão
dificuldades de se colocar para seus clientes. Dentre outras possibilidades, o email permite
que as entidades se comuniquem com grandes grupos de apoiadores de uma maneira mais
efetiva e menos onerosa que outros meios.
Os autores sugerem uma metodologia para o desenvolvimento de relacionamento
através da internet, que inclui as seguintes tarefas:
-
Conecte: O passo inicial é conseguir os endereços eletrônicos. Um detalhe fundamental
é permitir que o receptor da mensagem tenha a opção de sair da sua mala direta. Essa
iniciativa funciona como uma permissão para se comunicar com seu interlocutor.
-
Dialogue – Na internet, essa conversa se dá através dos links sugeridos na sua
mensagem. Em qual deles o receptor navegou? Que caminhos ele percorreu?
Conhecendo o interesse do seu público, é possível adaptar mensagens futuras, incluindo
seus assuntos prediletos.
-
Comunique - Estimule seu relacionamento através de mensagens periódicas. O formato
HTML permite uma comunicação mais atraente. Esteja preparado para atender as
solicitações que surgirem a partir desse contato.
-
Apele - - Estimule doações através de comunicações específicas. Use os argumentos
específicos para cada tipo de cliente (tendo em vista as preferências que foram
auditadas no item “dialogue”. Facilite a ação do seu interlocutor, oferecendo a
possibilidade de doação através de sistema seguro de cartão de crédito.
50
-
Reconheça – Doação realizada, é fundamental agradecer. Personalize sua mensagem,
reconhecendo
a
generosidade
de
maneira
apropriada.
Mostre
de que maneira o recurso doado estará sendo aplicado (como por exemplo a formação
de tantas crianças). Selecione uma pessoa adequada para assinar a mensagem.
Os autores reforçam os argumentos de Saxton (2001) de que esse meio de
comunicação se tornará mais importante à medida em que a população atual for
envelhecendo (tornando-se uma geração completamente habituada a essas tecnologias).
Mais do que esse motivo para desenvolver na sua utilização, no entanto, Olsen et al (2001)
lembram que esse é um meio ao mesmo tempo de baixo custo, personalizado, dinâmico,
interativo e cujos resultados podem ser mais facilmente mensuráveis.
Praça
Para Shapiro (1973), a relação com os canais de distribuição é uma preocupação
menos comum nas organizações sem fins lucrativos. Nessas instituições eles têm a função
primária de localização e informação. A localização é fundamental para a alocação de
recursos – já que o lugar onde está situada e atua se torna parte do produto da organização.
A localização também age de forma direta na atração de recursos de três maneiras: a
primeira por tornar as doações mais simples (o doador sabe onde pode realizar sua
contribuição); a segunda por estabelecer uma base de operações e, por fim, por fornecer
credibilidade e demonstrar o interesse da organização por determinada área, o que pode
servir como um incentivo a mais para os doadores locais. Octon (1983) reforça essa questão
ao afirmar que como uma intermediária, a organização precisa ver o seu posicionamento
físico como um facilitador do atendimento aos clientes e do acesso por parte dos doadores.
Segundo Ford (1976) uma organização precisa determinar onde as necessidades que
ela pretende atender estão localizadas e em que mercados elas ocorrem. Uma outra questão
diz respeito aos intermediários com os quais a organização quer atuar. O controle de canal
muitas vezes enfrenta dificuldades já que a organização lida com voluntários e outras
instituições sem fins lucrativos, cujo trabalho é de mais difícil ingerência. Isso se torna um
problema, porque pode gerar ofertas diferentes para diferentes públicos. Essa dificuldade de
51
controle também faz com que boas experiências locais nem sempre sejam aplicadas em
outras regiões (já que tanto o contato de cima para baixo quanto de baixo para cima são
dificultados).
Preço
Nas considerações sobre as questões de preço, Shapiro (1973) chama a atenção para
as diferentes configurações de fontes que podem financiar uma organização sem fins
lucrativos. Se aproximando do modelo presente nas empresas, ela pode se auto-sustentar,
cobrando um valor de seus clientes que seja capaz de cobrir todas as suas despesas. A
função de Marketing nesses casos se torna mais simplificada, já que a atração e alocação de
recursos estão concentradas numa única figura. Isso, no entanto, nem sempre é possível,
principalmente para as instituições que lidam com assistência à população mais carente.
Nesses casos, costuma existir a figura do doador, que, com seus recursos, possibilita o
desenvolvimento do trabalho.
O preço traz aspectos monetários e não monetários. Museus podem cobrar
ingressos, hospitais, internações, escolas, mensalidades. Outra parte diz respeito a outros
valores, como, por exemplo, tempo, compromisso, esforço, amor, orgulho e prestígio.
Shapiro lembra que organizações como os alcóolicos anônimos esperam que seus
associados se abstenham do consumo dessa substância e tornem pública a luta contra o
vício, através de depoimentos nas reuniões. A parte intangível do preço tem um efeito
importante sobre os clientes, tornando-os mais fiéis, já que presumivelmente quanto maior
o preço, maior o valor recebido nessa troca. Tanto a parte monetária quanto a nãomonetária podem assumir diferentes configurações de acordo com os diferentes clientes e
doadores.
Ford (1976) lembra outros tipos de decisões envolvendo a precificação. Em alguns
casos, a instituição deve decidir se cobra o valor quase de mercado dos seus principais
produtos para financiar outras atividades menos atraentes. O autor afirma que as
instituições precisam analisar seus objetivos e atividades, estabelecendo prioridades –
estando sempre atento aos conflitos existentes entre eles.
52
Octon (1983) aborda a questão do preço a partir da perspectiva dos doadores.
Segundo o autor, normalmente são eles quem definem o valor a ser dado para a instituição
(a organização nesses casos tem pouco controle sobre os recursos que serão recebidos). O
autor afirma ainda que como o preço precisa estar bem justificado, é importante que as
entidades se preocupem em comunicar os benefícios gerados pelas contribuições
financeiras. Por fim, se a instituição está envolvida com atividades menos essenciais (por
exemplo, um zoológico), ela pode ter políticas de precificação mais próximas das empresas
comerciais.
53
Tabela 3 - Resumo do Referencial Teórico
Tema
Conceitos Básicos
- Organizações do terceiro setor tendem a ser voltadas para produto (Ford, 1976; Gonzalez et al,
2002)
- Erros segundo Andreasen (1982), que caracterizam orientação para produto ou vendas:
1) Ver a oferta como inerentemente desejável;
2) Acreditar que o consumidor é ignorante;
3) Enfatizar demais as atividades de promoção;
Orientação
4)Ver pesquisa de mercado como secundária;
5) Ter uma única estratégia de marketing;
6) Ignorar a competição genérica;
7) Staff de marketing pelo conhecimento funcional e não do mercado.
- Três posturas da orientação para mercado segundo Narver e Slater (1994) e González et al
(2002)
1) Gerar inteligência sobre os elementos relevantes;
2) Propagar na instituição esse conhecimento;
3) Produzir respostas capazes de gerar satisfação dos benefiários e doadores
- Colaboração terceiro setor para o auto-aperfeiçoamento (Shapiro, 1973; Liao et al, 2001)
1 – Análise
- Público mais amplo do que as empresas (Shapiro, 1973; Octon, 1983; Yorke, 1984; Bruce,
1995; Drucker, 2002)
- Competência distintiva, na qual a organização deve se concentrar (Shapiro, 1973)
- Dois tipos de cliente: os beneficiados e doadores (Shapiro, 1973)
- Dificuldades relacionadas à informação, restrição de dados sobre o mercado, vendas, etc. (Ford,
1976; Octon, 1983)
Gerência de
Marketing - Possível conflito de interesses entre beneficiários e doadores (Shapiro, 1973; Ford, 1976;
Octon, 1983)
- Cenário mais complexo, onde competidores não são evidentes (Gallanger e Weinberg, 1991)
- Dificuldade de implementar uma estratégia de segmentação, com foco em poucos segmentos
(Yorke, 1984; Octon, 1983)
54
2 – Planejamento
2.1 – Produto
– Significa diferentes coisas para os diferentes públicos (Ford, 1976)
- Complexidade da política de produto determinada pela missão (Shapiro, 1973)
- Portfólio de produtos: centrais, suplementares ou de atração de recursos (Lovelock e Weinberg,
1983)
- Produtos em geral intangíveis e difíceis de avaliar (Shapiro, 1973; Gallanger e Weinberg, 1991)
2.2 Preço
- Traz aspectos monetários e não monetários. Parte intangível tem função importante (Shapiro,
1973)
- Pouco controle sobre as doações (Octon, 1983)
Gerência de 2.3 Praça
Marketing
(cont.)
- Determinante na alocação e atração de recursos (Shapiro, 1973)
- Intermediários (voluntários ou instituições) podem ter efeito no resultado do trabalho (Ford,
1976).
2.4 Promoção
- Área que recebe grande atenção (Ford, 1976) e se torna atividade de marketing mais visível
(Octon, 1983)
- Precisa informar e persuadir, ter ética e bom senso (Octon, 1983)
- Novas tecnologias como instrumento fundamental na promoção do terceiro setor (Saxton,
2001; Olsen et al, 2001)
2.5 Pessoas
- Funcionários são os marketeiros de plantão, responsáveis por cumprir as promessas feitas aos
clientes, “nas horas da verdade”. (Lovelock, 2002; Grönroos, 1995)
- Interação entre clientes também precisa ser administrada. (Lovelock, 2002; Grönroos, 1995)
2.6 Evidência Física
- Aspectos físicos fornecem evidências tangíveis sobre as características do serviço de
determinada organização. (Lovelock, 2002; Zeithaml e Bitner, 2003)
55
III Metodologia
Esse capítulo descreve a metodologia utilizada neste trabalho. São apresentadas as
razões que motivaram a escolha do tipo de pesquisa e a estratégia para coleta de dados. A
pergunta da pesquisa e a seleção dos casos estudados também são itens desta parte. Por fim,
são levantadas algumas limitações do método escolhido.
3.1 Tipo de Pesquisa
Este é um estudo exploratório que utiliza-se de metodologia qualitativa na coleta de
suas informações. A investigação exploratória é adequada para áreas onde o conhecimento
ainda não está totalmente sedimentado e sistematizado (VERGARA, 1997). Esse é
justamente o caso do Marketing nas organizações do terceiro setor, principalmente as que
trabalham com públicos de baixa renda. Especialmente no Brasil esse tipo de trabalho
ainda é pouco freqüente e, por isso, ainda se busca estabelecer um terreno mais sólido para
pesquisa.
Dentre as diversas estratégias de pesquisa – biografia, fenomenologia, grounded
theory, etnografia e estudo de caso – esta última pareceu mais adequada para os objetivos
finais, na medida em que se procura entender as organizações estudadas como um sistema
delimitado – a organização -, num determinado período de tempo –2003 - e lugar Brasil (CRESWELL, 1998).
Outra forma de análise capaz de auxiliar na escolha da estratégia leva em
consideração três condições: o tipo de questão de pesquisa; o controle do pesquisador sobre
os eventos comportamentais; e a atualidade dos acontecimentos (YIN, 2001). O quadro a
seguir resume as diferentes situações:
56
Experimento
Como, por que
Exige controle sobre
eventos
comportamentais?
Sim
Levantamento
Quem, o que, onde,
Não
Sim
Não
Sim/Não
Estratégia
Forma da Questão da
Pesquisa
Focaliza
acontecimentos
contemporâneos?
Sim
quantos, quanto
Análise de
Quem, o que, onde,
Arquivos
quantos, quanto
Pesquisa
Como, por que
Não
Não
Como, por que
Não
Sim
Histórica
Estudo de
Caso
Tabela 4: Situações relevantes para diferentes estratégias de pesquisa.
FONTE: COSMOS CORPORATION (apud YIN, 2001)
Pela tabela 3, é possível perceber que questões do tipo “como” podem ser abordadas
em experimentos, pesquisas históricas e estudo de caso. O experimento, entretanto, exige
um controle por parte do pesquisador dos eventos comportamentais. Essa exigência
inviabiliza sua utilização nessa dissertação. A pesquisa histórica, por sua vez, é indicada
para acontecimentos passados. Esse trabalho, entretanto, está voltado para a atuação
contemporânea das organizações do terceiro setor. Dessa maneira, o estudo de caso mais
uma vez surge como estratégia mais adequada à realização do estudo.
Como argumentado por Yin (2001, p.21), o estudo de caso é uma forma de pesquisa
que “permite uma investigação para se preservar as características holísticas e
significativas da vida real – tais como ciclos de vida individuais, processos
organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações
internacionais e a maturação de alguns setores”. O estudo de caso parece, portanto, ideal
para essa dissertação já que se busca entender ao mesmo tempo alguns processos de
Marketing das organizações do terceiro setor e o seu nível de amadurecimento em relação a
esse conhecimento.
57
3.2 Pergunta da Pesquisa
A pergunta principal deste estudo é: como as organizações do terceiro setor vêem
e colocam em prática conceitos e ações de Marketing no desenvolvimento de suas
atividades.
3.3 Seleção dos casos estudados
Estarão sendo analisadas duas instituições - o Afro Reggae e o CDI. Essa escolha se
deve, em primeiro lugar, a uma avaliação da importância dessas organizações no terceiro
setor, tendo em vista seu tempo de atuação, o crescimento alcançado e prêmios recebidos
pelas duas instituições. Vale lembrar que CDI foi agraciado com o reconhecimento de
diversas organizações nacionais e internacionais. O Afro Reggae, por sua vez, recebeu em
2003 a Ordem do Mérito Cultural, distinção concedida pela presidência da república.
A seleção dos casos estudados também levou em consideração a questão da
conveniência, já que as duas instituições têm escritórios na cidade do Rio de Janeiro, local
de residência da pesquisadora. Outro fator determinante para a seleção dos casos foi a
disponibilidade e o interesse dos dirigentes e funcionários dessas instituições em participar
do estudo. Afro Reggae e CDI possuem ainda algumas similaridades, como por exemplo,
tempo de atuação, tamanho e estrutura da organização, orçamento anual, que permitiram
uma base para comparação entre as duas entidades. Esse último critério levou a
pesquisadora a descartar um terceiro estudo de caso com o VIVA RIO, na qual foram feitas
duas entrevistas com dirigentes, já que essa instituição possui estrutura e orçamento global
muito maior do que as do Afro Reggae e CDI, dificultando assim qualquer tipo de paralelos.
O número de casos estudados (02) se deve principalmente ao interesse de criar
diferentes perspectivas, procurando entender como organizações com origens e formas de
atuação diversas encaram e colocam em prática o Marketing. No entanto, como alertado por
Creswell (1998), em estudos de caso é preciso conciliar o desejo de mostrar vários pontos
de vista com a necessidade de se aprofundar cada universo abordado. Nesse sentido, essa
58
dissertação procura seguir a tradição desse método de pesquisa, não ultrapassando o limite
recomendado de quatro casos (CRESWELL, 1998).
3.4 Coleta de dados
Segundo Creswell (1998), o estudo qualitativo se baseia na coleta exaustiva de
dados, de diferentes fontes de informação – entrevistas, observações, documentos,
softwares, emails e materiais audio-visuais. Como material secundário, foram levantados
para esse trabalho folders, publicações, matérias de revistas e jornais, com o objetivo de
viabilizar uma descrição detalhada do contexto e das atividades das duas organizações.
A seleção dos entrevistados levou em consideração a preocupação com dois
aspectos: a hierarquia dentro da organização e a atuação em áreas notadamente relacionadas
ao marketing. Por isso, foram entrevistados os profissionais que tivessem cargos de
direção/coordenação e que, portanto, tivessem um papel fundamental na discussão e
implementação das questões estratégicas da organização. Além disso, buscou-se entrevistar
também os coordenadores de áreas como comunicação e captação de recursos – caso elas
existissem formalmente no organograma da instituição. No Afro Reggae, por exemplo, não
havia nenhum profissional que respondesse exclusivamente pela captação, sendo as
perguntas específicas sobre esse assunto direcionadas ao coordenador executivo e à
coordenadora administrativa. Foram entrevistados os seguintes representantes de cada
instituição:
No Afro Reggae:
– José Jr. – Coordenador Executivo
– Márcia Florêncio – Coordenadora Social/Adminstração
– Écio de Salles – Assessor da Coordenação Executiva
– Christine Keller – Coordenadora de Comunicação
No CDI:
– Ricardo Prado Schneider – Coordenador Executivo do CDI RJ
59
– Rodrigo Alvarez – Coordenador de Relações Institucionais
– Carlos André Ferreira – Coordenador de Comunicação8
As entrevistas se basearam em questionários semi-estruturados, permitindo a
inclusão de temas não previstos inicialmente pela pesquisadora. Como os entrevistados, na
sua maioria, não eram profissionais da área de marketing, as perguntas procuraram ser
adaptadas para uma linguagem coloquial, que fugisse aos jargões técnicos. As conversas
levaram entre 30 minutos (a mais curta) a 2 horas (a mais longa). Todas foram gravadas e
transcritas. A pesquisadora teve a oportunidade de assistir, em ocasiões distintas, a duas
palestras com José Jr., do Afro Reggae, e Ricardo Prado Schneider (do CDI). A descrição
dos casos foi enviada aos coordenadores entrevistados para que eles avaliassem a sua
fidelidade à atuação da organização.
3.5 Limitações
Por sua natureza exploratória e pelo método utilizado – o estudo de caso – esse
trabalho tem seus resultados restritos às organizações estudadas, não permitindo
generalizações.
Como todo estudo, está relacionado com a visão de mundo e interpretações da
pesquisadora. Nesse trabalho essa questão é particularmente importante, já que boa parte
das classificações relativas às tarefas de marketing desenvolvidas pelas organizações não
foram realizadas pelos entrevistados. Com exceção das atividades de promoção, as demais
ações como concepção e administração de produto, precificação, localização, entre outras,
foram entendidas e esquematizadas pela autora dessa dissertação a partir da revisão de
literatura deste estudo.
Vale ressaltar ainda que outro aspecto a interferir nos resultados diz respeito às
interações com os diversos entrevistados e suas avaliações quanto à importância deste
trabalho, familiaridade com pesquisas acadêmicas e com o assunto em questão. A seleção
das pessoas a serem ouvidas também é um fator a influenciar os resultados, não apenas pelo
60
recorte que faz da atuação dessas organizações, mas também pelo fato de que o conteúdo
das entrevistas está vinculado às percepções desses indivíduos (que não necessariamente
correspondem às de toda organização).
Por fim, vale destacar que, num país com as diferenças sociais como o Brasil, é
difícil manter uma perspectiva imparcial de observador, tendo em vista o caráter e o tipo de
atividades desenvolvidas pelas organizações do terceiro setor. Diante de um quadro de
indiferença e dificuldades sociais, o trabalho realizado por essas instituições tende a ser
louvado, ainda que no dia-a-dia elas também enfrentem dificuldades e dilemas éticos
inerentes a qualquer instituição. Esse é, portanto, um potencial viés que pode ter interferido
nos resultados dessa pesquisa.
8
No segundo semestre de 2003, Carlos André Ferreira deixou a coordenação de comunicação do CDI, sendo
substituído por Cristina de Luca, jornalista com atuação em cadernos de informática da grande imprensa.
61
IV Descrição dos Casos
Nesse capítulo serão apresentados os dois casos estudados nessa dissertação: do Afro
Reggae e CDI.
4.1 Caso Afro Reggae
4.1.1 Um breve histórico
O ano de 1992 foi marcado por uma série de incidentes na cidade do Rio de Janeiro.
Depois de um arrastão na praia do Arpoador, a prefeitura decidiu proibir a realização de
bailes funk na cidade. Esse decreto inviabilizou o recente e ainda pequeno negócio de um
grupo de jovens, que produzia festas embaladas pelo ritmo. Como alternativa eles
passaram, então, a realizar eventos temáticos sobre Reggae.
Além das festas, o grupo decidiu criar um jornal dedicado à divulgação da cultura
negra. Assim, em janeiro de 1993, surgia o Afro Reggae Notícias, como conta na entrevista
José Jr., coordenador executivo do Afro Reggae e um dos fundadores do grupo:
“O
jornal
era
voltado
para
uma
população
que
estava
completamente sem informação. Era sobre cultura afro-brasileira.
Ele não tinha uma faixa etária definida. Era para quem tinha
interesse de saber mais sobre a cultura negra. Principalmente sobre
afro e reggae – por isso é Afro Reggae. A gente queria atingir mais
as pessoas negras”.
A iniciativa pretendia criar uma visão nova, que fugisse dos estereótipos e
preconceitos que acompanhavam a produção dos artistas negros. Um dos objetivos do
projeto era valorizar a auto-estima da população jovem e de cor, interessada em ritmos
como reggae, hip-hop e soul. Desde seu início, o Afro Reggae Notícias era produzido não
por jornalistas, mas por pessoas que se interessavam pelo tema da cultura afro. O jornal,
que deveria ser mensal, enfrentava dificuldades financeiras que inviabilizavam uma
62
periodicidade regular. Mobilizados para produzir a publicação, os integrantes do grupo se
aproximaram de diversas instituições e ONGs, como o Sindicato dos Funcionários da
Previdência Social (SINDSPREV), o Instituto de Estudos de Religião (ISER) e o Centro de
Articulações e Populações Marginalizadas (CEAP), acrescentando novas discussões ao
trabalho do Afro Reggae Notícias. O contato com essas instituições serviram para que o
grupo tivesse um aprendizado sobre a dinâmica de funcionamento de uma organização não
governamental.
Paralelamente à produção do jornal, o grupo começou a discutir uma atuação social
mais direta, a exemplo do que acontecia com projetos como o Olodum, da Bahia. As
discussões, no entanto, ainda eram vagas e sem um foco específico. No dia 30 de agosto de
1993, um acontecimento determinou definitivamente os rumos do projeto. Um bando de
policiais invadiu a favela de Vigário Geral e assassinou 21 pessoas, como forma de vingar a
morte de quatro companheiros. A ação horrorizou o mundo e foi o estopim para uma série
de reações organizadas por diferentes segmentos da sociedade.
Mobilizado pela chacina, o grupo decidiu colocar em prática suas discussões.
Participando de reuniões semanais junto do Movimento Comunitário de Vigário Geral, o
Afro Reggae começou a delinear sua atuação que teria como objetivos básicos resgatar a
auto-estima e a liberdade dos moradores da favela.
Em junho de 1994, foi lançado oficialmente o primeiro Núcleo Comunitário de
Cultura. A opção por atuar junto aos jovens parece ter sido uma conseqüência natural do
projeto, já que esse era também o público que já tinha maior afinidade com o jornal e
freqüentava aos eventos produzidos pelo Afro Reggae.
“O projeto surgia com um objetivo bem claro: desviar os jovens do
caminho do narcotráfico e do subemprego. Com o início das
oficinas, de reciclagem de lixo, de percussão e de dança afro,
começamos a trabalhar diretamente com crianças e pré-adolescentes
da comunidade. O perfil de quem procurava as oficinas era
exatamente o público-alvo que queríamos atingir, ou seja, jovens em
63
situações de risco, meninos que se aproximavam perigosamente do
mundo do tráfico”. (JÚNIOR, 2003, p. 60).
O relacionamento com outras organizações do terceiro setor foi essencial para que o
Afro Reggae conseguisse os recursos básicos para o trabalho nessa fase inicial. Além disso,
a experiência de produzir festas e eventos, possibilitava ao grupo gerar fundos sempre que
uma causa maior exigisse, como lembra José Jr. no seu livro:
“Uma prática constante no Afro Reggae (e que dura até os dias de
hoje) é que sempre que enfrentamos um problema financeiro
idealizamos eventos para angariar fundos”. (JÚNIOR, 2003, p. 39)
Em 1995, o Afro Reggae conquistou dois aliados importantes. O músico Caetano
Veloso e a atriz Regina Casé se encantaram pelo trabalho desenvolvido pelo projeto,
apadrinhando a banda principal, a AfroReggae9. O endosso dos artistas foi o empurrão que
a iniciativa precisava para ganhar maior notoriedade junto aos veículos de comunicação e
demais segmentos da sociedade. A divulgação espontânea gerada por matérias em TVs,
jornais e revistas trouxe novos colaboradores e parceiros.
O projeto, com o passar dos anos, foi ganhando fôlego. De um lado, através da
profissionalização das bandas formadas pelos jovens atendidos pelo Afro Reggae. De outro,
através da expansão das atividades e das localidades atendidas pelo projeto.
Em 1997, o Afro Reggae inaugurou o Centro Cultural Afro Reggae Vigário Legal,
com um espaço físico bem estruturado, que permitiu melhor planejamento e o
aperfeiçoamento da qualidade do trabalho. No ano seguinte, a banda AfroReggae lançava o
primeiro espetáculo profissional - o “Nova Cara” - que, além do Brasil, excursionou por
países como França, Alemanha, Holanda e Inglaterra. O sucesso da banda principal que em
2000 foi contratada pela Universal Music para gravar um Cd serviu como mais um
9
O nome da organização é Afro Reggae, com as duas palavras separadas. Já o nome da banda forma uma
única palavra “AfroReggae”, sem espaço entre os nomes.
64
incentivo para o desenvolvimento de novos grupos, que hoje também trilham o caminho da
profissionalização.
4.1.2 Estrutura e missão
Atualmente o Afro Reggae desenvolve diversos programas e projetos em quatro
comunidades do Rio de Janeiro – Vigário Geral, Parada de Lucas, Cantagalo e Cidade de
Deus. Nas três primeiras, mantém Núcleos Comunitários. Na Cidade de Deus atua em
parceria com a Casa de Santa Ana – centro voltado para o atendimento de idosos. No total
são atendidos diretamente pelo projeto cerca de 500 jovens. Boa parte desses rapazes e
moças recebe bolsas, em valores que variam entre R$25,00 e R$130,00.
O grupo mantém, em média, 60 colaboradores, sendo 35 fixos e 25 contratados de
acordo com a realização de projetos. Atualmente, o trabalho com voluntário não representa
uma parcela significativa do pessoal na instituição. No corpo de funcionários estão
psicólogos, assistentes sociais, produtores, técnicos, artistas, entre outros tipos de
profissionais. No seu organograma, o Afro Reggae mantém uma Coordenação Institucional,
composta pelos seguintes membros:
•
Coordenador Executivo: José Junior
•
Coordenadora Social/Administração: Márcia Florêncio
•
Coordenador Adjunto: Luiz Fernando Lopes (Tekko Rastafari)
•
Assessor do Coordenador Executivo: Écio de Salles
•
Coordenadora de Comunicação: Christine Keller
•
Coordenador de Imagens: Ierê Ferreira
•
Coordenador do Centro Cultural: Carlos Eduardo Vasconcellos (Duda)
•
Coordenador do Núcleo do Cantagalo: Micheli Sobral
•
Coordenação de Parada de Lucas: Evandro da Costa
•
Comissão social: Lidia Matassoli e Gisela Matassoli
Na sua homepage, a ONG define assim a missão que justificou a sua criação e que
perdura até os dias de hoje:
65
“oferecer uma formação cultural e artística para jovens moradores
de favelas de modo que eles tivessem meios de construir suas
cidadanias e com isto pudessem escapar do caminho do narcotráfico
e do subemprego, transformando-se também em multiplicadores para
outros jovens”.
4.1.3 Públicos
Desde o seu início, o Afro Reggae estabeleceu como público prioritário a população
jovem, oriunda das comunidades mais pobres da cidade. Mas, com o tempo, o grupo
percebeu que era preciso ampliar o escopo da sua abrangência, até para que pudesse atender
melhor essa população, como esclarece José Jr.:
“O público alvo é sempre o jovem negro, favelado e nordestino.
Nesses 10 anos de atuação, percebemos que somos uma dessas
‘pontes’ que liga a Cidade Partida. Essa ponte tem que ter uma via
de mão dupla. Não é só pegar o pessoal da favela e colocar no
asfalto. É levar o pessoal do asfalto para dentro da favela também. O
nosso público alvo, num primeiro momento, eram as pessoas que
tinham interesse pela cultura afro-brasileira. Com o trabalho social,
veio um público mais específico, que é o jovem, nordestino, favelado.
Hoje, não é mais só esse público. Nós temos programas de rádio,
fazemos muitos shows em locais de classe média. Temos interesse em
envolver os jovens brancos de classe média, de classe alta, os
estrangeiros - fazemos vários intercâmbios com instituições de
dentro e fora do Brasil. Então, o trabalho está ficando muito
eclético. Mesmo sendo muito eclético, ele continua voltado para
atender os jovens de favela – o que é fundamental”.
66
A escolha da arte como veículo de transformação se deu a partir da percepção de
que, para os jovens das comunidades mais pobres, a motivação para a entrada na
criminalidade não estava apenas nas dificuldades econômicas, mas principalmente no
desejo de reconhecimento social, como destaca José Jr.:
“A nossa idéia é estar inserindo o jovem no mercado de trabalho.
Em segundo lugar é fazer com que esses jovens possam ser ídolos.
Por que hoje você vê os jovens da favela admirando o Fernandinho
Beira Mar? Porque ele era um cara igual a eles...O traficante tem as
melhores roupas, tem automóveis, tem as mulheres, tem o poder.
Fora isso, o cara olha a TV e só vê gente linda, branca, todos
belíssimos! E ele não é aquilo!”
Na sua proposta, o Afro Reggae não tem a pretensão de transformar em artistas
todos os jovens atendidos pelo projeto. A idéia é utilizar essa linguagem para desencadear
um processo de crescimento pessoal e social, como explica Écio de Salles, um dos
coordenadores do grupo:
“A gente tem consciência - e tenta passar para os jovens que estão
no Afro Reggae - que nem todos serão artistas. Imagine se os 400 se
tornassem artistas? Não tem mercado, não tem espaço, nem todo
mundo tem o talento e a dedicação necessários para tal. (...) Assim, é
fundamental essa perspectiva de que o jovem que entra em qualquer
projeto, seja artista no futuro ou não, possa se tornar uma pessoa
melhor. Se ele puder fazer parte da sociedade ativamente, se
entender os problemas que a gente vive hoje e participar na busca de
novas soluções, ele se tornou uma pessoa melhor. E o jovem que
cresce num lugar violento e estigmatizado - vendo que as pessoas
que se dão bem são os bandidos, os traficantes, os que recorrem à
violência - se ele não escolhe esse caminho, já é importante. Se ele
67
escolhe o trabalho honesto, onde ele não prejudique outras pessoas,
ele já alcançou alguma coisa”.
4.1.4 Localização
Com a proposta de desviar os jovens do caminho da criminalidade, o Afro Reggae
tem como um dos critérios básicos para a localização das suas ações o nível de violência
das comunidades a serem atendidas. Dessa maneira, a ONG só atua em lugares
considerados problemáticos, como explica José Jr.:
“A gente recebe solicitações para montar grupos do Afro Reggae em
centenas de favelas, até em outros países. Mas nós não temos
interesse. Recentemente recebemos um convite do SESC para atuar
numa parceria num projeto experimental no Complexo do Alemão.
Esse trabalho vai começar em breve e terá duração de seis meses. Eu
gosto muito do Complexo de Alemão – a gente já fez Conexões
Urbanas lá. Quer dizer, Vila Cruzeiro, Complexo do Alemão, Vila
Vintém, Furquim Mendes são lugares muito violentos, mas pelos
quais a gente tem muito carinho. A gente pensa muito nisso: se não
for violento, a gente não entra. Por exemplo, a gente recebeu um
pedido da União Européia para fazer um trabalho em cinco
comunidades, mas nenhuma delas tinha problema com tráfico, com a
violência. Lá nós seríamos apenas animadores culturais – o que não
é o nosso propósito”.
Embora não existam dados oficiais para embasar tais decisões, José Jr. explica que
as visitas às comunidades e a conversa com os seus moradores terminam sendo decisivos
nessa escolha:
“O que nos faz sentir que o índice de criminalidade é muito grande?
A nossa entrada e as nossas conversas. Não existem dados
68
sistematizados de quantas pessoas têm no tráfico ou quantas pessoas
foram mortas. Isso são ‘portas fechadas’, são ‘muralhas da China’.
O que nós estamos fazendo agora, através da parceria com
instituições como a UFRJ e Faculdade Cândido Mendes, é levantar
dados históricos ou estatísticos sobre essas comunidades. A gente
recebeu recentemente um número dizendo que aumentou em 252% o
número de homicídios cometidos pela polícia militar. A gente abre
espaço nas comunidades para essas instituições e, por outro lado,
passa a ter acesso aos dados levantados por elas. A nossa proposta é
ter algumas dessas informações até o segundo semestre de 2004”.
4.1.5 Levantamento de Informações
A busca por informações e por um conhecimento aprofundado da realidade das
comunidades é uma preocupação do grupo não apenas no momento de entrada num novo
local, mas também ao longo do desenvolvimento dos projetos. Os integrantes da
organização procuram estreitar os relacionamentos com os jovens e demais pessoas das
favelas onde atuam, extrapolando os contatos feitos através das atividades oficiais e
regulares. Além de estar presente no cotidiano dessas comunidades, o grupo tem no seu
quadro de funcionários profissionais que vieram e ainda hoje vivem nesses mesmos locais:
“Em relação ao jovem da favela, a gente é muito vivo. Hoje o Afro
Reggae tem várias pessoas que trabalham nas comunidades, que
estão presentes no dia-a-dia. (...) Então, a nossa estratégia é muito
do dia-a-dia, da convivência, da troca. Buscando entender e ser
entendido. (...) Buscamos também estar conectados com os
movimentos que surgem ali - não só sociais, mas os movimentos de
pensamento, os movimentos das donas de casa.... Não apenas os
movimentos organizados ou legitimados. A gente busca estar
conhecendo, para que a gente possa prestar um trabalho cada vez
melhor. Eu, por exemplo, não venho nesse escritório há quase 40
69
dias. Eu fico o mínimo possível no escritório. Procuro estar sempre
junto aos projetos”. (José Jr.)
Segundo José Jr., ainda que informal, o retorno obtido através desses contatos
costuma receber grande atenção por parte da coordenação institucional do grupo.
“Muitas vezes uma fala de um garoto pode mudar o Afro Reggae
inteiro. O seminário que realizamos recentemente aconteceu porque
um garoto teve um problema e ninguém conseguiu resolver. Então,
resolvemos fazer a reunião. Às vezes você está tão envolvido que não
consegue resolver.(...) Isso acontece: um problema, uma solução, um
pedido, uma fala faz a gente mudar de rumo - não o rumo
institucional, não da essência, mas da forma de atuação”.
Como explica José Jr., essa abertura ao que acontece fora das instâncias
institucionais do Afro Reggae é parte da filosofia do grupo e possibilita enriquecer o
trabalho desenvolvido pela organização. Esse é o caso, por exemplo, de três bandas do Afro
Reggae que não foram criadas pela organização, mas por grupos de jovens que se reuniam
para produzir sua própria música.
“Hoje o Afro Reggae tem oito bandas. Dessas, cinco foram pensadas
a nível institucional. Três foram criadas por esse movimento em
torno do grupo. Então, a gente usa muito esse lado intuitivo, de uma
maneira muito orgânica”.
4.1.6 Produto
No total, o Afro Reggae tem 13 subrupos em atividade10: oito bandas, duas trupes
de circo, uma de teatro, um coral e um grupo de dança. A organização está à frente ainda de
10
A descrição de cada projeto do Afro Reggae se encontra no item Anexos.
70
atividades ligadas à área de saúde, como a Barraca da Saúde e a Trupe da Saúde, de
informática e de projetos de comunicação como o Informativo Kizumba (impresso sobre
saúde) e de dois programas de rádio (o AfroRitmia e o Baticum), na rádio Viva Rio AM.
Sua estrutura física inclui, além da sua sede administrativa, um centro cultural em Vigário
Geral (que no momento passa por reformas), um anfiteatro, um escola de informática e
outra de vídeo.
Desde 2001, o Afro Reggae desenvolve, em parceria com a prefeitura da cidade do
RJ (Assessoria Especial de Eventos), o projeto Conexão Urbanas. São grandes shows com
artistas de peso no cenário musical brasileiro, que se apresentam gratuitamente para o
público em favelas da cidade. Já participaram músicos como Gilberto Gil, Caetano Veloso,
Adriana Calcanhoto, Cidade Negra, entre outros. Na produção destes eventos, o Afro
Reggae procura empregar jovens integrantes dos seus projetos sociais.
Além das bandas e dos shows, o grupo realiza a venda de camisas e instrumentos
musicais na sua sede e em stands montados nas apresentações dos seus projetos. Como
explica a coordenadora Márcia Florêncio, o Afro Reggae deseja no futuro incrementar o
portfólio de produtos vendidos pela organização:
“A gente tem vários sonhos nesse aspecto: ter uma grife, uma loja,
mas o que temos de concreto hoje são as bandas, os shows, a venda
de camisas, numa escala razoável, e de instrumentos, que é ainda
muito pequena. Estamos, porém, sem uma política de vendas
interessante, então, tudo ainda é muito mambembe, simplório”.
Para José Jr., com esses produtos, mais do que difundir a própria marca, o Afro
Reggae pretende fomentar novas discussões sobre as questões sociais:
“Se a gente quisesse ter a marca difundida, a gente tocaria pagode
ou uma música puramente comercial. A gente sabe que poderia
ganhar mais dinheiro do que ganha. A gente sabe que poderia
lançar coisas para vender muito mais do que vendem. Só que isso
71
iria contra a nossa ideologia, a gente tem uma ideologia que não nos
permite fazer um monte de coisas. A gente lança produtos com os
quais tem afinidades ideológica e política. Por exemplo, vamos
lançar uma camisa que é um Jesus Cristo negro. Todo mundo sabe
que naquela região onde Jesus nasceu é impossível ter olhos claros,
cabelos louros e pele alva. A gente vai lançar essa camisa, não para
afrontar, mas para conscientizar e fazer uma discussão”.
Lidando em todos os seus projetos com iniciativas artísticas e culturais, o Afro
Reggae tem sempre uma preocupação de conciliar objetivos estéticos e sociais. Assim, a
criação de uma nova banda ou espetáculo procura levar em consideração, mais do que as
questões criativas inerentes a sua realização, a possível contribuição para o trabalho social
que vem sendo desenvolvido, como explica José Jr.:
“Quando a gente constrói um projeto de maneira planejada, ele
ocorre muito mais por uma necessidade social, do que por um
aspecto meramente criativo. A gente pensa em fazer um espetáculo e
ele está muito mais ligado a um problema social, do que a uma idéia
artística, cultural isolada. É artístico, é cultural, mas está muito mais
conectado com o problema social”.
4.1.7 Qualidade
Essa visão que prioriza os aspectos sociais não impede, no entanto, que o Afro
Reggae busque nas suas realizações um padrão de qualidade considerado ideal pelos
coordenadores do grupo.
“Nada que a gente faça é mais ou menos. Não tem desculpa. Você vê
pelos cartazes que a gente cria. Investimos pesado no que a gente
acredita. Tem esse aspecto estético e de conteúdo. (...) Todo o nosso
trabalho foi voltado para profissionalizar e tornar bom de fato os
72
produtos que a gente cria. E atuar no mesmo sentido, com as pessoas
que vão criar essas bandas, grupos, trupes, etc. (...) Então é isso que
interessa e que dá legitimidade. Essa busca de uma qualidade. Existe
um vício dos projetos sociais: se é da favela, então, qualquer coisa
‘tá bonitinho’, ‘tá bom’... Então, a gente deu um salto muito grande,
tendo formado essa equipe de coordenação e de frente que tem muita
qualidade e que combina linguagens diferentes”. (Écio de Salles)
“Há pouco tempo o Afrolata se apresentou num evento do Projac.
Quando ele vai ao Projac, ele não está ali para o pessoal dizer ‘que
legal’. Ele tem que ter qualidade artística, cultural. Você não pode
consumir um produto do Afro Reggae porque quer nos ajudar. Você
tem que consumir porque gosta e é bom. Você nem sabe que é um
projeto social. É legal quando você compra o produto, gosta, e só
então descobre que é de um trabalho social”. (José Jr.)
Na avaliação global da qualidade do seu trabalho, no entanto, o Afro Reggae ainda
não possui métodos ou índices sistematizados. Segundo Márcia Florêncio, esse é um dos
temas que vêm sendo discutidos nas últimas reuniões dos coordenadores. Apesar de não
possuir um modelo formal de avaliação, pode-se perceber no grupo uma maior ênfase aos
aspectos qualitativos do que aos relacionados, por exemplo, à quantidade de pessoas
assistidas pelo projeto, como sugere a entrevista com o coordenador Écio de Salles:
“Nós tentamos trabalhar entendendo essas pessoas. Nunca tratando
o nosso trabalho como um número. Por exemplo: ‘a gente tirou x%
de jovens do tráfico, em Vigário Geral’. Isso seria muito interessante
- saber que tantos jovens não entraram pro tráfico. Mas, para gente,
não interessa saber que foram 200 pessoas – interessa o Anderson, o
Altair, o Juninho, o Lequinho, a Raquel, a Amanda – essas pessoas
73
com quem a gente trabalha. Então é isso que interessa e que dá
legitimidade”.
4.1.8 Promoção
A promoção de suas atividades e produtos se baseia nas ações de relações públicas e
assessoria de imprensa. Como o início do seu trabalho coincidiu com a Chacina de Vigário
Geral (período em que a favela teve ampla cobertura da imprensa), seus coordenadores
aprenderam desde cedo a lidar com repórteres e câmeras de TV. O apoio de personalidades
de destaque no meio cultural brasileiro é outro fator que ajuda a alavancar a divulgação do
grupo. No Afro Reggae, essa tarefa chega a ser confundida com a própria definição de
Marketing, como fica evidente na resposta de José Jr. para a pergunta sobre que atividades
de marketing o Afro Reggae costuma desenvolver:
“Nós somos meio ‘marketeiros’. A gente cria fatos que provocam
notícias - e notícias atraem visibilidade. Não tem uma equipe que
faça isso. No caso, têm pessoas que pensam nisso. (...) [Uma ação de
marketing] É criar um fato que possa ecoar nacionalmente ou
internacionalmente, que faça com que os produtos tenham mais
visibilidade”.
O Afro Reggae consegue ampla cobertura da imprensa ao realizar eventos como o
batizado da banda principal – que teve como padrinhos a atriz Regina Casé e o cantor
Caetano Veloso. A inauguração do centro cultural do grupo também teve a presença de
diversas personalidades e o registro pelos veículos de comunicação. Shows e turnês das
bandas são outro importante elemento de promoção do Afro Reggae. O grupo conta com o
trabalho de uma empresa de assessoria de imprensa, responsável tanto por atender às
demandas dos jornalistas quanto sugerir pautas de interesse da organização. O Afro Reggae
parece ter uma visão estratégica desse trabalho, procurando selecionar os veículos onde vão
estar presentes e o conteúdo das mensagens que estará sendo passado pelas matérias:
74
“A gente se preocupa com a imprensa – mas não vai a tudo. Tem
vários programas, que a gente não vai”.
“Hoje para entrevistar a banda AfroReggae tem que ser fora de
Vigário Geral, para poder dar voz a outros grupos. Quando ela
surgiu em 95, tinha por objetivo fortalecer a auto-estima dos
moradores de Vigário Geral, que só viviam sob a cultura do medo,
do terror e da violência. Então, a gente só falava de Vigário,
Vigário, Vigário...Lançamos o espetáculo “Nova Cara” e ele fala da
realidade das favelas do Rio de Janeiro. (...) Nossa intenção é fazer
com que a banda seja vista como uma música de favela. Ela é hoje é
vista como uma banda de favela do Rio. A gente quer que ela seja
vista como uma banda de favela do Brasil – que em Recife, o cara de
lá goste e tenha afinidade”.
Procurado constantemente por jornalistas para opinar sobre algumas das principais
questões do país, o Afro Reggae criou, em 2003, o Nucleopar, que pretende ser um núcleo
de reflexão, produção e difusão do conhecimento gerado pelo Afro Reggae ao longo dos
anos.
O Afro Reggae tem no seu organograma uma Coordenação de Comunicação, que é
responsável pela produção e difusão de informações dentro e fora do grupo. Dentre as
responsabilidades deste departamento estão a manutenção do site, a produção de dois
programas de rádio e de uma mala direta com as notícias sobre o Afro Reggae. A
comunicação responde ainda a todos os emails com perguntas ou sugestões que são
enviados ao grupo através da homepage (uma média de 25 por dia). Através do site, é
possível acessar o portal do “Viva Favela”, iniciativa desenvolvida pela ONG Viva Rio,
com serviços sobre empregos, informações sobre as comunidades das favelas e rádio. Para
José Jr., o trabalho de comunicação é fundamental na medida em que também pode ser
transformador da realidade social:
75
“A internet é um grande instrumento de revolução. Várias
campanhas mundiais hoje são feitas pela internet, por email. (...) É
uma ferramenta revolucionária, que ainda não está cumprindo seu
papel como deveria – vai significar ainda mais! Eu acho que o Afro
Reggae tem que estar conectado nisso. Não só o Afro Reggae, mas
vários grupos. A gente busca a nossa evolução. Então, temos um site,
que em breve vai ser um portal e não será só do Afro Reggae. A
gente tem dois programas de rádio, uma assessoria de imprensa, a
mala direta por email”.
Os shows e apresentações dos diversos grupos também são um importante meio de
promoção. Por isso, a organização costuma atender aos convites que são feitos para tocar
nos mais diversos locais: dos shopping centers sofisticados até escolas localizadas nos
subúrbios, como fica evidente no trecho do livro de José Jr.:
“A banda AfroReggae passava a se apresentar em diversos pontos
da cidade. Noventa por cento desses locais eram desprovidos de
tudo. Queríamos mostrar o resultado social do nosso trabalho, por
isso dificilmente recusávamos um convite. Era só entrar com o
lanche e um transporte que estava tudo certo. Estivemos na
inauguração de uma escola de informática, fomos a igrejas,
associações de moradores, festas juninas, manifestações de todo o
tipo”. (JÚNIOR, 2003, p. 116)
O apoio de empresas de comunicação tem possibilitado ao Afro Reggae desenvolver
propagandas. O grupo teve o apoio da Artplan e de profissionais de renome para
desenvolver uma campanha que foi veiculada em todo o Brasil pela Rede Globo e TV
Educativa. As emissoras cederam espaço gratuitamente para o anúncio que trazia em 30
segundos a proposta do Afro Reggae:
76
“O anúncio traz uns caras descendo o morro, cheio de policiais em
volta. Parece que eles estão sendo presos – mas, ao final, você
descobre que a polícia não está ali para prendê-los, mas para
protegê-los do assédio dos fãs. Quem bolou a campanha foi o
Roberto Vilhena, da Artplan. Teve também a parceria com o
Andrucha Waddinton e a Carolina Jabor, da Conspiração Filmes.
São três figuras top do mercado nacional, que não cobraram nada –
porque se cobrassem seria caríssimo”.
Para José Jr., campanhas como essa têm dois objetivos: alcançar tanto a pessoa de
classe média ou alta, que passa a ver o morador de favela de uma maneira distinta, menos
estigmatizada, quanto os jovens de classe baixa, que a partir dessa mensagem conseguem
visualizar uma outra possibilidade de ascensão social, além do tráfico de drogas. Para
difundir essa mensagem entre os jovens das comunidades onde atuam, o Afro Reggae
também se vale de reuniões periódicas:
“Os meninos e meninas de Vigário Geral crescem ao som de tiros e
toques de recolher. O que faz com que, em vez de pegarem um fuzil,
optem por um instrumento de percussão? Ou um berimbau? Esse era
o novo pensamento que resolvemos implementar dentro da favela.
Todo sábado tinha reunião com os jovens. Falávamos que o nosso
trabalho cultural poderia servir de ponte para criação de artistas,
educadores, multiplicadores, produtores culturais, tudo aquilo que
desejassem. A equipe também aproveitava as reuniões para tocar em
temas como a condição social das favelas, a violência policial, a
discriminação racial, os cuidados com o corpo e com a mente e a
importância da escola”. (JÚNIOR, 2003, p. 91)
Essa preocupação também está presente no que José Jr. chama de “abordagem”.
Sempre que percebe um jovem numa situação de “risco”, Jr. o procura para convidá-lo
77
pessoalmente a participar de uma das oficinas do grupo. Nesse encontro, o coordenador
costuma usar um chamativo tênis da Nike e uma jaqueta especial – o mesmo modelo
utilizado pelos jogadores de basquete americano.
“O que eu quero mostrar é que não é só traficante que pode usar
aquilo. Depois que ele entra no grupo a gente até mostra que o
consumismo não está com nada, mas a gente sabe que isso
impressiona qualquer jovem”.
Na linguagem das suas músicas e espetáculos, o Afro Reggae procura trabalhar com
elementos da cultura do narcotráfico, que hoje seduzem os garotos das favelas. O objetivo
dessa apropriação é captar a atenção dessa juventude, que em muitos casos vê no bandido
um herói. A trajetória dos integrantes do projeto é outro fator a servir como contraponto aos
traficantes, servindo de exemplo para os moradores das comunidades onde atuam.
“Entramos no mundo do tráfico pela porta da frente. Criamos um
grupo de elite, formado por Anderson, Luizinho (LG), Altair, Paulo
Negueba e Robinho para abordar jovens que estivessem direta e
indiretamente envolvidos com a criminalidade. Assim, passamos a
nos dedicar à sedução e ao envolvimento da galera ociosa. (...)
Nossa linguagem e outros instrumentos metodológicos eram
parecidos com os da narcocultura que impera nas favelas do Rio há
30 anos. Falamos em poder, em hierarquia. E usamos roupas de
marca, porque gostamos e porque assim também despertamos a
cobiça, a vaidade e a auto-estima dos meninos. O objetivo maior é
que os jovens das favelas não tenham mais só traficantes como seus
ídolos. Em vez de fuzis, oferecíamos instrumentos musicais”.
(JÚNIOR, 2003, p. 127).
78
Em 2004, o Afro Reggae estará reinaugurando o seu centro cultural em Vigário
Geral que no momento passa por reformas. A idéia é que o espaço tenha ciber-café e outras
atividades que possam servir como atrativo para a juventude da favela. O centro cultural
também funcionará à noite e aos finais de semana, horários com poucas alternativas de
lazer na favela, como explica José Jr.:
“À noite numa favela, a boca de fumo é o lugar mais legal para a
juventude. Tem gente bem vestida, carros equipados, mulheres
bonitas, música alta e armas. Então, o jovem termina indo para lá. A
gente quer competir com isso. Quer oferecer coisas que façam com
que a garotada tenha uma opção saudável de lazer, longe do
tráfico”.
4.1.9 Preço
Qualquer jovem que se interesse pelo trabalho do grupo pode participar. O Afro
Reggae não faz qualquer tipo de seleção e a princípio não é feita nenhuma exigência. Os
compromissos vão se estabelecendo a medida em que o jovem vai se envolvendo com o
trabalho, como explica Écio de Salles:
“Ele [o jovem] chega e começa a participar. Depois que começar a
participar do Afro Reggae ele não pode usar drogas, nem álcool,
nem tabaco – nenhuma droga, legal ou ilegal. Antes ele pode até
usar alguma droga, porque o importante é que ele se motive e entre
para o grupo, mas, depois não. Além disso, ele tem que estar na
escola e, mais do que isso, participar da vida escolar – ter seu
caderno, o boletim em dia. E a maneira de garantir isso são os
cerceamentos no ponto que mais afetam o jovem – e que nem sempre
é o bolso – que é o fato de não participar das atividades. Vários dos
participantes do Afro Reggae fazem shows, apresentações, então, se
79
ele não quer cumprir com esses deveres, ele perde o direito de se
manifestar artisticamente também”.
Além dos compromissos descritos acima, os jovens passam a ter uma rotina de
atividades, como explica Márcia Florêncio:
“Tem os ensaios, a orientação psicológica e pedagógica, - eles têm
que participar dessas reuniões. A família tem que receber a assistente
social e comparecer quando é chamada. Nossas assistentes também
fazem visitas escolares, dando conta da relação com a escola. Quer
dizer é um triângulo: escola, família e o Afro Reggae. (...) A maioria
tem bolsas que variam de R$ 25,00 a R$ 130,00. E você tem essa
série de compromissos com o pessoal da área de pedagogia, social,
psicologia etc. Esses profissionais fazem uma avaliação se naquele
mês aquele jovem está ou não apto a receber uma bolsa ou se tem
algum tipo de desconto. Se o jovem tiver qualquer problema, o
desconto na sua bolsa é revertido para a formação do próprio grupo.
Recentemente, por exemplo, teve um desconto por atraso, e eles
próprios se reuniram e decidiram que o dinheiro deveria comprar
determinado material. Isso dá uma responsabilidade muito grande,
um senso de participação que é diferente de quando você só recebe a
bolsa e vai embora, porque vira salário”.
4.1.10 Recursos Humanos
A disciplina desenvolvida através do projeto ajuda a criar uma postura profissional.
Os jovens que mais se destacam e se envolvem com o grupo terminam percorrendo uma
ascensão dentro do trabalho, já que o Afro Reggae procura formar seus futuros monitores,
instrutores, agentes de projeto e coordenadores nas próprias comunidades em que atuam.
José Jr. exemplifica a carreira típica de um jovem dentro do Afro Reggae:
80
“Ninguém entra no Afro Reggae para ser coordenador. Posso dizer
que 99% dos coordenadores foram voluntários ou alunos. Aí você
passa de aluno a monitor. De monitor a instrutor jr., de instrutor a
agente de projeto, de agente de projeto a coordenador. Em geral ele
passa por tudo isso. Mas tem fenômenos também. O Duda, por
exemplo, foi aluno, depois foi holding, foi agente de projeto – não
chegou
a
ser
instrutor
e
virou
coordenador.
Os
quatro
coordenadores de Vigário Geral foram alunos. Então, essa é uma
fórmula geral, mas há excessões. Eu mesmo não passei por isso. Fui
fundador, organizador, entregador do jornal, comecei a escrever
artigos, depois virei editor e aí coordenador”.
Essa política tem um efeito importante para as comunidades onde atuam, como
explica José Jr.:
Todos os nossos produtores – com exceção de um – nenhum deles
sabia fazer nem festa junina. Hoje eles estão fazendo eventos para 40
mil pessoas. E essas pessoas, em geral, têm um passado muito
complicado. Alguns foram bandidos. E eu gosto de ver aquela pessoa
crescer, fortalece a minha auto-estima. O cara vira um exemplo. A
comunidade começa a ver alternativas, quando vê aquele cara
enquadrado - no bom sentido do enquadramento - criativo,
produtivo, ganhando dinheiro, feliz, com a sua auto-estima. Ele vira
um grande espelho, vira um pólo transformador, liberador, que
começa a ecoar, ecoar, ecoar...”
José Jr. destaca as características que um jovem precisa ter para chegar a ser
coordenador:
81
“Primeiro eu acho que tem que ter uma percepção social. Tem que
ter disciplina, criatividade, saber lidar com pressão – a pressão é
grande. Precisa ser uma pessoa que possa estar conectada com os
projetos do Afro Reggae e que possa ser um ‘coringa’. Quem pensa:
‘essa aqui é minha parte, só posso fazer isso’, está fora. Ele tem que
ter uma boa conduta e ‘ser’ o Afro Reggae. Os próprios jovens falam
se algo não tá indo certo. Os outros coordenadores controlam. Além
disso, ninguém trabalha isolado. Chega queixa, muita queixa.
Quando chega uma reclamação, o coordenador é avisado e a gente
toma atitudes – desde conversas até repreensão. A maioria das
queixas é porque o cara pega pesado com a disciplina. Mas, na
favela, tem que pegar mesmo. Se deixar eles te dão tapa na cara”.
Mesmo priorizando processos de seleção internos, o Afro Reggae precisa em
algumas colocações recorrer à contratação externa. Esse é caso de profissionais mais
técnicos, como psicólogos e assistentes sociais, que não podem ser desenvolvidos dentro do
projeto. Nessas situações, o grupo, em geral, privilegia a indicação de pessoas conhecidas.
Quando isso não é possível, o Afro Reggae recorre a uma metodologia específica:
“Recentemente tivemos que contratar um número maior de
profissionais da área social. Fizemos uma seleção, a partir dos
currículos que recebemos. Depois teve uma entrevista inicial com um
grupo grande, para conhecer um pouco as pessoas. A partir disso,
fizemos uma segunda entrevista com quem parecia mais interessante.
Tendo passado por tantas experiências de contratação, às vezes
complicadas, a gente procura fazer com que o momento final da
seleção seja no lugar onde a pessoa vai trabalhar. Porque vir aqui,
fazer a entrevista no escritório é radicalmente diferente da favela. Em
fevereiro, por exemplo, a gente contratou uma assistente social que
no final do mês pediu para sair. Ela foi parada pela polícia não sei
82
quantas vezes, teve que se abaixar no chão por causa dos tiros, então,
ela não segurou. Por isso, agora, uma das etapas da seleção que a
gente faz é direto no campo”.
Embora esses novos funcionários não cheguem a passar por um treinamento formal
– o que termina se dando de maneira informal no próprio ambiente de trabalho – o Afro
Reggae procura deixar claro, logo no início, algumas de suas diretrizes fundamentais:
“Quando ela chega aqui [a pessoa contratada] a gente tem alguns
procedimentos, algumas regras, que procura deixar claro desde o
início: não beber e não fumar, principalmente no local de trabalho.
Depois a gente diz claramente que ela está entrando num lugar que
tem um espelho enorme aí fora e que ela naquele momento ‘é’ a
instituição. Ela pode ter sido contratada hoje ou há dez anos, mas ela
‘é’ a instituição - o que faz com que tenha muita responsabilidade
nesse momento. Então a gente recebe as pessoas aqui de uma
maneira muito transparente e deixa claro: ‘fique atenta porque hoje
você faz parte de uma instituição que é reconhecida, badalada, mas
que tem um cotidiano completamente diferente do sorriso, do palco’.
As pessoas, às vezes, ficam um pouco atormentadas com isso,
algumas não acreditam, mas rapidinho elas percebem que é a nossa
realidade”. (Márcia Florêncio)
No futuro, o Afro Reggae estuda a possibilidade de desenvolver atividades de
treinamento para seus funcionários (antigos e novos), como explica Márcia Florêncio:
“Temos uma equipe que no todo é muito disposta - dificilmente
alguém aqui faz corpo mole. Mas é uma equipe que também precisa
se qualificar mais. Estamos discutindo que qualificação é essa que
cada um precisa, porque não é uma qualificação comum. A
83
qualificação comum está se dando dentro de seminários e encontros
promovidos regularmente. Mas algumas pessoas precisam de
estruturas muito específicas dentro da sua área. Talvez esse seja um
passo mais avançado da gente, mas que não é agora”.
Essas mudanças fazem parte de um projeto maior dentro do Afro Reggae, que tem
por objetivo reformular a gestão da organização. A partir de 2003, o grupo procurou
sistematizar seminários, onde a parte principal dos quadros da organização se reúne para
discutir os principais temas e buscar soluções para possíveis problemas:
“Procuramos trazer para a administração os valores que a gente
agrega no campo social. Então, a gente tem uma política de valores
dos funcionários, uma política de melhoria de condições de trabalho,
uma revisão salarial. A minha função é dar conta desse novo pensar.
Isso na prática é você conhecer bem o funcionário com quem você
trabalha. Você poder ter um espaço de conversação com esse
funcionário. Porque o pessoal da Administração era visto como o
‘bicho papão’, aquele pessoal que você não pode falar nada porque
está sempre de mal humor. O que nós imaginávamos, quando houve
essa ultima mudança, é que deveria ser um setor funcional, bem
humorado, pronto para lidar com o público. (...) Então se a gente
consegue ter um trabalho organizado aqui, quem está na ponta vai
ver seus reflexos de imediato. A gente começou a valorizar esse
trabalho, não como um trabalho qualquer, mas algo que dá
consistência para a instituição estar firme, de pé. (...) Esse foi o
nosso grande desafio de fazer com que as pessoas que estejam
trabalhando nas suas ações do cotidiano nos vejam como um grande
complemento para o que ela está fazendo”
84
4.1.11 Captação de Recursos
Outra área que está sendo repensada dentro do Afro Reggae é a de captação de
recursos. Em todas as suas atividades, o grupo movimenta um orçamento anual da ordem
de R$ 2 milhões e 300 mil. Desse valor, cerca de R$ 220 mil são gerados pelos trabalhos
desenvolvidos pelo próprio Afro Reggae, através dos shows das bandas, eventos, e venda
de produtos (camisetas, cds, instrumentos musicais, etc). O restante vem de parcerias com a
Prefeitura (cerca de 60%), instituições nacionais e internacionais, como FASE, IBISS e
Fundação Ford (responsável por quase 30%). O Afro Reggae pretende, em cinco anos,
custear pelo menos 50% das despesas com a folha de pagamento.
Atualmente, o Afro Reggae também discute formas de incrementar essa atividade.
Dentro das iniciativas mais imediatas, a entidade estuda a contratação de um funcionário
para administrar o relacionamento com patrocinadores e apoiadores:
“A gente cresceu muito nesses últimos quatro anos, por isso, a idéia
é ter uma pessoa que cuide só dessa parte: um gerente de convênios.
(...) A primeira idéia que a gente tem é descobrir fontes, não temos
muitos acessos à área privada. O Afro Reggae acabou ficando sem
esse acessar esse espaço. O que a gente quer fazer é ir definindo o
orçamento institucional e procurar aquelas instituições que a gente
percebe que tem o perfil e que vai ser mais fácil o diálogo”.(Márcia
Florêncio)
A maior parte dos contatos iniciais é realizada por José Jr. nas diversas palestras e
eventos que participa no país. Além de explicar o trabalho do Afro Reggae, nessas ocasiões
ele costuma levar um dos alunos das oficinas para dar depoimentos sobre a sua história
pessoal e a importância do Afro Reggae na sua vida. Essas apresentações costumam gerar o
interesse de executivos de empresas e instituições que, em alguns casos resultam em apoios
e patrocínios. José Jr. lembra um dos casos mais recentes:
85
“Eu comprometo muito as pessoas. Fui dar uma palestra na Firjan,
num evento financiado pela Coca-Cola. Então, estava lá a diretoria
de Marketing da Coca-Cola e o Celso Schvartzer, uma pessoa que
eu já vinha tentando falar há muito tempo e nunca conseguia. Antes
da minha palestra, ele disse que queria conversar comigo e que
estava aberto a fazer projetos com o Afro Reggae. A minha fala foi
muito emocionada e emotiva...fui aplaudido de pé. No final,
acrescentei: ‘inclusive eu tenho uma novidade, o Afro Reggae e a
Coca Cola vão montar uma parceria. Estava conversando com o
Celso ali atrás e começamos a acertar isso. Não é Celso?’ Ele levou
na esportiva e recentemente participamos desse evento, o Vibe Zone,
que era patrocinado pela Coca Cola. Ele virou um aliado do Afro
Reggae. Ali eu comprometi o cara... Então eu dou a ‘flechada’ na
hora certa”
O grupo possui algumas diretrizes em relação à captação de recursos. A primeira
delas é evitar uma postura de pedinte, como fica evidente neste trecho do livro de José Jr.:
“Devemos ter deixado de receber muitos patrocínios por causa dessa
postura de não aparentar pobreza. Tinha um pessoal da cooperação
internacional que queria ver favelados maltrapilhos, crianças de
nariz sujo e dentes cariados. Mas somos contra esse tipo de
exploração e vitimização. O GCAR sempre rejeitou o que chamamos
de antimarketing. Nunca procuramos os parceiros como pedintes.
Eu, particularmente, nem chamo de senhor a quem me dá dinheiro.
Chamo de você, amigo, parceiro, aliado.” (JÚNIOR, 2003, p. 142)
A segunda diretriz impõe algumas restrições em relação a possíveis patrocinadores,
como explica José Jr.:
86
“Ao ser um grupo como o Afro Reggae - que tem todo um lado
político, uma ideologia - você abre mão de muita coisa. A gente
poderia ter mais recursos do que temos, se fôssemos menos
politizados. Porque a gente não aceita recursos de companhias de
tabaco, de álcool e de algumas agências de financiamento. A gente
não tem nada contra quem receba apoio dessas empresas ou
agências, mas a gente não quer”.
Ao optar por não expandir de maneira intensa o trabalho do Afro Reggae, José Jr.
reconhece que termina limitando também as fontes de recursos disponíveis para o grupo.
No entanto, essa é uma escolha que a organização faz de maneira consciente:
“Toda semana chegam pelos menos dois ou três emails de pessoas
da favela pedindo pra gente visitar. Mas, muitas vezes dizemos que
não dá. Porque não queremos virar McDonald’s, franchising, `fast
food`. Você vai lá, vê a marca do Afro Reggae, mas tem pessoas que
são meras prestadoras de serviço e ideologicamente não têm nada a
ver com grupo e a gente está ali meramente para ganhar mais
dinheiro. Não é a nossa proposta Para ganhar dinheiro isso é muito
interessante. O antigo secretário municipal de desenvolvimento
social perguntou se a gente tinha interesse por atuar em 80
comunidades. A gente disse não. Isso significaria muito mais
recurso! A gente poderia alugar ou comprar um espaço 20 vezes
maior que esse! Mas a gente disse não”.
Em relação aos seus parceiros atuais, o Afro Reggae não possui estruturada uma
política de relacionamento nem procura diferenciar as diversas fontes de ajuda. Hoje todas
as instituições e pessoas que apóiam de alguma maneira o Afro Reggae são citadas na
homepage do grupo, que não faz, por exemplo, qualquer distinção entre os suporte
financeiro ou apoios através de produtos e serviços:
87
“A empresa pode apoiar o Afro Reggae com quinhentos ou cinco
milhões de reais. Eu posso ter um apoio de um açougue que me dá
cem pratas por mês e posso ter um apoio da Petrobras que me dá
milhões! E, vou te falar um negócio: vamos divulgar a marca do que
deu R$ 500,00 também., se tiver que divulgar. A Fundação Ford, que
é nosso maior patrocinador, nosso maior aliado, nunca pediu para
divulgar a marca deles. A gente põe porque a gente quer. Nem todo
mundo quer divulgar a marca, não. A Prefeitura já quer e a gente
põe a marca em várias coisas. (...) E nem todo o apoio é financeiro.
Pode ser apoio de idéia, de logística, de discutir idéias. O cara é teu
aliado, está discutindo coisas. Eu não tenho o apoio do ministério da
cultura, mas o Gil é meu amigo, é um aliado. Não quer dizer que
porque ele é meu aliado, ele me dá dinheiro. Nem sempre a aliança
leva a dinheiro. Um cara como o Celso, da Coca-cola, fortalece não
só o Afro Reggae como vários movimentos. Acho que vc tem aliados
e alianças, tem que ter parceiros e relações estáveis. Não quer dizer
que o patrocinador seja meu aliado. Ele pode ser parceiro numa
ação”.
Em relação a outras organizações do terceiro setor, o Afro Reggae destaca a
importância de também se desenvolverem parcerias, ainda que isso ainda não seja uma
realidade totalmente disseminada hoje em dia:
“A gente faz parcerias com várias ONGs, com empresas, com
entidades governamentais. O que a gente acha mais importante é que
se criem redes de troca. (...) Participamos de algumas trocas com
grupos que temos afinidade. Mas eu acho que poderíamos fazer mais
isso. Tem coisas que algumas instituições já desenvolveram, como
tem coisas que a gente já desenvolveu e poderia estar exportando.
88
Mas, todo mundo trabalha muito...Todo mundo fica muito
preocupado com o seu próprio projeto, captar recursos.
[Você acha que existe muita competição?] Nos segmentos que o Afro
Reggae atua, não. Tem outras áreas que tem muita competição. Nos
temas que a gente atua, não tem. Vamos pegar dois grupos parecidos
com Afro Reggae, que são ´Nós do Morro` e a ´Cia Étnica`, por
exemplo. São grupos que têm projeto social e qualidade artística. Eu
adoro eles e eles adoram a gente...Mas nunca nos encontramos para
trocar idéias...” (José Jr.)
4.2 Caso CDI
4.2.1 Breve Histórico
Desde 1993, quando Rodrigo Baggio, professor de informática no Rio de Janeiro,
criou o “Jovemlink”, uma espécie de chat que visava a integração entre jovens de diferentes
grupos sociais, via internet, era possível vislumbrar sua preocupação com a integração
social e a utilização da tecnologia da informação como instrumento viabilizador desse
processo.
O serviço chegou a ter centenas de usuários, mas um detalhe chamou a atenção do
seu idealizador: ele não conseguira, como pretendia, atingir aos jovens de baixa renda. O
passo seguinte foi iniciar um processo de arrecadação de equipamentos para serem doados
para as comunidades mais pobres, numa enorme campanha chamada de “Informática para
todos”.
Os computadores arrecadados foram bem recebidos pelos novos usuários, mas
Baggio percebeu que sua utilização ainda estava restrita pelo fato de que esse novo público
não tinha qualquer afinidade com o uso da tecnologia. O desafio estava em fazer com que
as máquinas pudessem se integrar à vida daquela comunidade e, mais do que isso,
servissem como ferramenta de transformação da sua realidade.
Essas ações e questionamentos foram a semente da primeira Escola de Informática e
Cidadania (EIC), eixo central da ação do Comitê para Democratização da Informática
89
(CDI), fundado oficialmente em 1995. A favela Santa Marta, em Botafogo, no Rio de
Janeiro, foi o marco inicial desse trabalho, inicialmente realizado exclusivamente por
voluntários. A iniciativa alcançou grande repercussão e, após um ano, já existiam 10 EICs
espalhadas pelo estado.
Nove anos depois, o CDI totaliza 833 Escolas de Informática e Cidadania, contando
com 1.662 educadores, cerca de 501 mil educandos formados e mais de 4,1 mil
computadores instalados. Só no Brasil, está presente em 20 estados e 37 cidades. A
iniciativa teve também uma notável expansão internacional e atualmente é possível
encontrar CDIs em países tão distintos quanto Japão, Colômbia, Uruguai, México, Chile,
África do Sul, Angola, Honduras, Guatemala e Argentina.
4.2.2 Estrutura e Missão
Na sua homepage, o CDI define assim a sua missão:
“Promover a inclusão social de populações menos favorecidas,
utilizando as tecnologias da informação e comunicação como um
instrumento para a construção e o exercício da cidadania”.
Na administração do CDI Matriz trabalham cerca de 20 profissionais. Sua estrutura
de coordenação se apresenta assim:
-
Diretor Executivo – Rodrigo Baggio
-
Coodenadora de Comunicação – Cristina de Lucca
-
Coordenadora Pedagógica – Liliane Leroux
-
Coordenador Administrativo/Financeiro/Informática – Moises Barreto
-
Coordenadora da Rede CDI – Ângela Fatorelli
-
Coordenador de Desenvolvimento Institucional – Rodrigo Alvarez
A matriz está diretamente ligada apenas a duas regionais: Rio de Janeiro e São
Paulo, que têm também suas equipes próprias (a seguir estaremos apresentando mais
detalhadamente o modelo de parcerias do CDI). Além de mais antigas e localizadas em
90
cidades estratégicas, essas duas unidades apresentam um grande número de escolas (119 no
Rio; 53 em São Paulo) e servem como modelo de relacionamento do CDI com todas as
demais regionais e “laboratório” de novos projetos que a entidade pretende desenvolver no
futuro.
4.2.3 Públicos
O CDI trabalha em suas EICs, prioritariamente, com o público de baixa renda. No
entanto, com o decorrer dos anos, adquiriu experiência suficiente para transportar o modelo
de atuação em comunidades para atender a públicos com necessidades especiais:
deficientes físicos e visuais, pacientes psiquiátricos, meninos de rua, presidiários e
populações indígenas. O preceito básico, no entanto, permanece o de combater a exclusão
social por intermédio da inclusão digital. Ricardo Prado Schneider, coordenador executivo
do CDI Rio de Janeiro, explica o desafio.
“Nós temos, por exemplo, em Angra um projeto com populações
indígenas de lá. Então, só no Rio de Janeiro, temos não só uma área
vasta, porque é muito distribuída, mas também realidades muito
diversas. Um subúrbio pobre de Nova Iguaçu é diferente de uma
favela urbana no meio do Rio de Janeiro. Temos também uma
variedade de situações especiais: projetos nos presídios, em
hospitais psiquiátricos... Ao mesmo tempo em que tenho uma
diversidade muito grande de situações para lidar, tenho também uma
boa quantidade de escolas. Além disso, tenho a obrigação de ter
qualidade, porque os CDIs do Rio de Janeiro e São Paulo são
ligados à matriz e servem como laboratório e exemplo para os
demais”.
O modelo de atuação do Comitê é baseado na constituição de parcerias, seja com
agentes financiadores (empresas, governos), ou com as comunidades onde serão
implementadas as EICs. Outros parceiros são os voluntários interessados em implementar
91
um CDI regional em sua cidade (chamada de franquia social). Em todos os casos, a
celebração de contratos é feita cuidadosamente para que seja mantida a proposta
pedagógica estipulada pelo CDI matriz.
Qualquer grupo ou instituição pode se candidatar a ser um “franqueado” do CDI,
abrindo uma “filial” numa nova região. Antes de aprovar sua criação, no entanto, a
organização avalia se o potencial parceiro local tem capacidade de mobilizar tanto o meio
comunitário (associações, ONGs ou instituições que desenvolvam projetos sociais na
região) quanto o meio empresarial, para arrecadar seus próprios recursos11.
Sendo aprovado, o novo parceiro passa a receber todo o know-how do CDI para a
implantação e acompanhamento de novas EICs. Ao contrário das franquias comerciais, a
instituição não cobra qualquer valor dos seus “franqueados” – a única preocupação é que
esse associado tenha condições de manter as atividades e, é claro, representar de maneira
idônea o CDI. Em 2003, a ONG possuía 33 “representantes” no Brasil e 11 internacionais.
O processo de abertura de uma nova escola (EIC) segue uma dinâmica bem parecida
com a de um comitê. A criação de uma nova escola, no entanto, depende da existência de
um CDI regional na área de interesse do grupo proponente com capacidade para capacitar,
doar computadores e acompanhar a implementação do projeto.
Para a criação de uma EIC, a organização ou grupo interessado deve estar vinculado
a uma entidade local, sem fins lucrativos, que seja idônea e tenha representatividade na
comunidade onde se insere. Os parceiros em potencial são centros comunitários, sindicatos,
organizações não governamentais, grupos religiosos que atuem na área social. O CDI
avalia, em primeiro lugar, se o interessado tem uma proposta de atuação compatível com a
sua missão institucional. Outra exigência é que o potencial parceiro garanta um contingente
de pessoas disponíveis para compor a equipe da EIC (um coordenador, dois educadores e
um assistente de manutenção de computadores). É preciso ainda ter um espaço físico para
implantação da EIC que acomode adequadamente educadores, dez educandos e no mínimo
cinco computadores. Como se tratam de computadores, é preciso que a escola disponha de
instalação elétrica, iluminação e ventilação adequada para a realização das aulas12.
11
12
Os critérios para seleção de parceiros constam dos anexos dessa dissertação
As etapas de implementação de uma nova EIC estão descritas no anexo.
92
4.2.4 Franquia Social
Esse modelo inovador permitiu ao CDI um crescimento vertiginoso. Para se ter uma
idéia, o número de EICs no Brasil cresceu de 11, em 1996, para 800, em 2003. Essa
expansão tem reflexos positivos, já que pessoas em diversas localidades passam a ter acesso
a uma escola. A chamada “franquia social” tem sido reconhecida em diferentes países por
vários órgãos e empresas. O formato inovador fez com que o CDI recebesse uma série de
prêmios no Brasil e no exterior. Rodrigo Baggio explica o conceito num dos seus artigos
para o jornal valor:
“Em tese, a autêntica franquia deveria garantir a replicação, com
qualidade, de seus processos de operação, como modo a garantir a
sua rápida disseminação pela sociedade. De que
forma?
Transferindo sua marca, experiências e prestígio para entidades em
condições de estender o trabalho a localidades onde normalmente a
`matriz` não teria condições de atuar”. (BAGGIO, 2003)
No entanto, o rápido crescimento traz outras preocupações como a necessidade de
uma estrutura melhor adaptada às demandas crescentes e capaz de manter a excelência das
escolas. A preocupação com a qualidade dos projetos, aliada ao crescimento acelerado do
CDI no Brasil e no mundo, fez com que a organização elegesse o ano de 2003 como um
período de consolidação do trabalho que foi desenvolvido nos últimos anos. Assim, nesse
ano, o CDI restringiu a abertura de novas escolas e comitês, como afirma Ricardo Prado
Schneider:
“Esse é um ano diferente: a gente está instalando poucas escolas.
(...) O critério de abertura de uma nova escola em 2003 não é um
critério normal. A gente só está abrindo projetos que têm
características muito especiais ou muito inovadoras. Normalmente, a
gente não faria só isso, já que nenhuma entidade pode ter nenhuma
93
idéia extremamente inovadora sem primeiro fazer um trabalho de
base excepcional. Mas, o que a gente quer é garantir a melhoria de
qualidade de onde a gente já está presente, então, a idéia é de só
abrir projetos que tenham condições muito boas de andar esse ano.
Só assim a gente pode concentrar a atenção em projetos já existentes
e que precisam de melhorias. (...) Para desenvolvermos um novo
projeto ele tem que ter alguma característica interessante, como por
exemplo, estar associado a um trabalho de geração de renda ou de
encaminhamento para o mercado de trabalho, cobrir uma área
geográfica que é importante socialmente falando e ainda não tenha a
nossa presença ou conseguir atender a diversas comunidades
simultaneamente”.
Como já foi dito, o CDI oferece todo o equipamento e suporte pedagógico para a
implantação do centro de informática. A organização, no entanto, não participa com
qualquer subsídio para a instalação da escola. A comunidade ou grupo interessado deve se
mobilizar para conseguir recursos capazes de financiar não apenas a estrutura física da
escola, como também pagar aos educadores que atuarão nas aulas de informática. Cabe à
EIC ainda selecionar e contratar pessoal – o que faz com que, na maioria dos casos, eles
sejam originários da própria comunidade que estarão atendendo. Do CDI, eles obterão a
doação provisória dos equipamentos, o suporte técnico e pedagógico, além de uma
assessoria administrativa. O comitê não impõe qualquer tipo de padrão visual, como
uniformes ou decoração das escolas. A EIC tem grande autonomia na dinâmica de
avaliação e relacionamento com os alunos. A principal preocupação do Comitê é garantir
que as EICs não se transformem em meras “escolinhas” de informática, mas sejam fiéis à
metodologia desenvolvida ao longo dos últimos anos.
A abordagem pedagógica adotada pelas EICs é a da associação entre as ferramentas
de informática e os temas pertinentes à realidade da comunidade onde a escola está
implantada, como por exemplo meio ambiente, direitos humanos, sexualidade, saúde e não-
94
violência. Além dessas questões, outras podem ser incorporadas tendo em vista a demanda
dos alunos e coordenadores regionais.
“O CDI tem uma proposta político-pedagógica que envolve que a
pessoa não trabalhe a informática por si só, mas esteja associada ao
desenvolvimento de projetos comunitários. Dar um cursinho de
informática nesse ambiente é pouco eficaz, porque não traz
resultados práticos. A pessoa não consegue obter uma aplicação
imediata. Mas, se você consegue passar uma mensagem de que ela
pode desenvolver a própria comunidade, a carreira ou um negócio
com as ferramentas que aprendeu, sempre trabalhando em grupo, ela
descobre algo que é mais importante. Então é algo que vai além do
que pura e simplesmente aplicar um cursinho de informática”.
(Ricardo Prado Schneider)
Embora realizem um trabalho junto aos coordenadores locais e educadores no
sentido de desenvolver essa pedagogia, o CDI não tem qualquer interferência sobre os
projetos que serão trabalhados por cada grupo. Essa orientação normalmente é
desenvolvida pela EIC e, em muitos casos, pelos próprios alunos que decidem atuar numa
determinada frente de trabalho. Um grupo de estudantes pode optar, por exemplo, por
desenvolver um empreendimento, uma creche comunitária ou até organizar uma festa de
final de ano. O objetivo do CDI é fazer com que a informática sirva como ferramenta que
permita a mobilização e desenvolvimento da cidadania nas localidades onde se faz
presente. Essa liberdade de escolha é fundamental para que a iniciativa tenha credibilidade
junto ao público que está sendo atendido.
“Garantir que as escolas estejam aplicando essa metodologia não é
trivial. (...) É muito mais fácil dar um curso puramente técnico.
Então, esse educador que se forma pode até se sentir identificado
com a metodologia do projeto, mas não consegue aplicar aquilo
95
bem, logo de cara. Por isso, a gente dá uma formação inicial para
esse educador, mas procura garantir um apoio para que ele se
desenvolva na prática. Você tem de acompanhar isso de perto pra
que ele de fato se torne um educador dentro dessa metodologia ao
longo do tempo”. (Ricardo Prado Schneider)
A formação inicial dos coordenadores e educadores de uma nova EIC consiste em
70h de treinamento. Depois disso, eles passam por uma espécie de estágio supervisionado,
onde seu desempenho é acompanhado de perto pelos orientadores pedagógicos do Comitê.
“Nosso desafio é garantir que aquela entidade que procurou o CDI
tenha condições de desenvolver aquele trabalho. Ela tem que ser
capacitada para aquilo e da mesma forma acompanhada de perto, no
começo, e supervisionada sempre ao longo de sua vida toda, já que o
trabalho pode se desvirtuar com o tempo. As pessoas mudam, o
trabalho depende dos que estão ali. Essas ONGs comunitárias,
nossas parceiras, são entidades com uma certa fragilidade,
institucionalmente falando. Você não tem um suporte muito bom,
então, aquele trabalho pode se desvirtuar se não tiver um
acompanhamento de perto”. (Ricardo Prado Schneider)
Passada a fase inicial, esses parceiros são supervisionados pelo CDI através dos
relatórios mensais. Ao longo de 2003, o CDI começou a sistematizar, com o apoio da
Accenture e da Phillips, alguns indicadores que pudessem servir de termômetro o
desempenho das EICs. Além dos relatórios, são realizadas visitas de campo (quatro a cada
ano), e reuniões gerais, que acontecem a cada três meses no comitê regional. A cada
semana, o CDI regional realiza ainda encontros em algumas EICs, reunindo entre 5 a 10
escolas para discutir questões e problemas do dia-a-dia. O CDI matriz promove ainda dois
seminários anuais, com a presença de representantes de todo o Brasil, onde são levantados
não só os aspectos pedagógicos, mas também temas administrativos.
96
Os relatórios são um instrumento importante para que o CDI possa acompanhar de
perto o trabalho desenvolvido por essas entidades. Nesse material devem estar dados
objetivos como o número de alunos, os cursos que são dados, a taxa de evasão, condições
dos equipamentos e dos softwares, problemas de inadimplência dos alunos e qualquer outro
tipo de dificuldade que a escola esteja enfrentando. Como argumenta Ricardo Prado
Schneider esse documento é fundamental para que as visitas dos orientadores sejam mais
eficazes:
“O relatório é importante porque quando você vai fazer a visita, ela
não é mais só de acompanhamento, mas de intervenção. A assistente
social não vai mais, como no passado, só para fazer o
acompanhamento. Pelos encontros, oficinas e relatórios, ela já tem
noção do que está acontecendo e vai com algumas propostas,
algumas questões. Já vai com o objetivo de intervir, de ajudar a
modificar o que não está funcionando muito bem. Nessa visita você
vai também para extrair os casos positivos, para trocar experiências
com as outras, porque as escolas não têm só problemas. Você tem
EICs funcionando de maneira excepcional, que servem de exemplos
para as demais”.
As visitas de campo, oficinas e seminários anuais são momentos importantes onde o
CDI também pode obter o feedback em relação ao seu próprio trabalho. Nesses encontros
coordenadores e educadores costumam colocar a visão a respeito da parceria. Em relação
aos alunos das oficinas, o canal de contato com o CDI também é informal. As informações
recebidas a respeito do público das oficinas, em geral, são intermediadas pelos
coordenadores das EICs. A entidade não possui ainda um sistema que possibilite travar um
contato mais direto e imediato com seus estudantes. O Comitê busca, num futuro próximo,
tornar essa relação cada vez mais próxima:
97
“A gente está, por vários mecanismos, aproximando o contato direto
com o aluno. Esse ano, provavelmente, se tudo correr bem, vamos
aumentar o número de escolas conectadas pela internet. Então, a
gente está botando um mecanismo no ar, uma área de colaboração
das EICs, com acesso aos alunos. A partir daí, a gente passa a ter
uma via direta do CDI com eles”. (Ricardo Prado Schneider)
As possibilidades criadas pelo acesso à grande rede vão além dos benefícios citados
acima, criando também novas ferramentas de gestão para as próprias escolas:
“A gente está montando um sistema on-line de cadastramento e de
gerenciamento de todo o trabalho do CDI. Esse sistema vai envolver
o cadastramento do aluno e da sua situação. Isso vai servir para que
a gente tenha uma visibilidade melhor do que está acontecendo na
ponta e possa ter um registro melhor. Na realidade esse registro já
existe na escola, mas de forma manual. Com o sistema on-line, você
vai ter isso totalizado para a rede toda, paras as escolas no Brasil
todo e fora do Brasil. (...) A escola que estiver conectada vai ter
acesso direto a esse sistema, que não é só um meio para ela mandar
informação para gente. Funciona como um registro dela também,
para que tenha acesso e liberdade para navegar pelas suas
informações. Então, passa a ser uma ferramenta de gestão para a
própria escola”. (Ricardo Prado Schneider)
Para conhecer melhor o que pensam seus alunos sobre tecnologia e analisar o
impacto do seu trabalho nas comunidades onde está presente o CDI encomendou ao ISER,
em 2000, um estudo especial, como explica Ricardo Prado Schneider:
“Nesse caso, o ISER vai a campo para descobrir na ponta, de uma
maneira independente, o impacto do trabalho. É importante ter esse
98
estudo externo, mas é claro que ele não nos isenta de uma avaliação
interna, que é fundamental. Você não pode abrir mão da sua própria
avaliação. Esse estudo é uma referência a mais, uma visão de fora
do que está acontecendo. No caso do CDI essa pesquisa é uma
necessidade, mas não é preciso fazer todo ano porque fica muito
caro”.
Além do investimento na melhoria da qualidade do trabalho de base desenvolvido
junto às EICs, o CDI tem apostado em novos projetos, como o “Morro do Silício”. A
iniciativa surgiu a partir da mobilização dos alunos de uma escola no Morro dos Macacos,
no Rio de Janeiro, que demandaram outros cursos, mais avançados do que os normalmente
oferecidos pelo CDI. Nesse programa-piloto que, no momento, é oferecido em 12 escolas,
os estudantes têm acesso a tecnologias mais sofisticadas, como programação JAVA,
estrutura de redes, programação de banco de dados e desenvolvimento de vídeo e áudio
digital. Têm aulas também de empreendedorismo e gestão de empresas, já que a idéia é que
eles possam, no futuro, desenvolver seus próprios negócios ligados à tecnologia. Segundo
Ricardo Prado Schneider iniciativas como o Morro do Silício se encaixam perfeitamente
com a missão do CDI:
“O CDI é uma ONG extremamente focada no que faz. E por ser
extremamente focada, seu crescimento se deu geograficamente. Ele
se espalhou por vários locais, expandiu muito a quantidade de gente
que atende. Mas o trabalho é um só. Outras ONGs, às vezes, têm
uma atuação extremamente diversificada, em cada região,
por
exemplo. O CDI não, ele é muito espalhado, está no mundo, mas é
muito concentrado no foco, que é o da inclusão social, através da
inclusão digital”.
99
Para dar conta de outros fatores essenciais para o desenvolvimento do seu trabalho,
o CDI mais uma vez procura recorrer às parcerias com outras entidades sem fins lucrativos,
como explica Ricardo Prado Schneider:
“O CDI tem uma compreensão, já há algum tempo, que para
maximizar o impacto do seu trabalho, ele tem que ter várias coisas
acontecendo além da informática. Você tem que ter mecanismos para
contribuir para o desenvolvimento pessoal e comunitário. Por
exemplo, se você pensar em termos de emprego, tem toda uma
dificuldade para se conquistar o primeiro emprego. Só a questão da
capacitação local não vai resolver. Por outro lado, o CDI não quer
perder o seu foco. Então a gente tem esse desafio e a solução clara
foi trabalhar em parceria. Hoje o CDI muito claramente definiu o seu
papel, mas não se refugia nisso. Sabendo que outras coisas precisam
acontecer, ele procura parceiros para que isso aconteça, como por
exemplo, o CIEE, com o CAT. (...) Muitas dessas parcerias não
envolvem sequer recursos financeiros, não envolvem repasses de
recursos. O que o CDI está fazendo é o seu trabalho e facilitando a
entrada desses parceiros. Então, hoje, o CDI tem uma posição clara.
Qual o nosso foco? Gerar capacidade local para que nasçam as
escolas de informática e cidadania produtivas e o resto é por
parceria”.
4.2.5 Recursos Humanos
O modelo bem focado e baseado nas parcerias faz com que o CDI tenha equipes
bastante enxutas, tendo em vista a sua abrangência. Matriz, Rio de Janeiro e São Paulo
empregam em torno de 60 profissionais, no total. O trabalho do Comitê pode ser dividido
em três grandes áreas: gestão do Comitê e da rede, assessoria pedagógica e administrativa
às EICs e preparação e manutenção técnica dos computadores. O trabalho de voluntários
nessas áreas não é expressivo (ficando mais restrito a mobilizações nos finais de semana,
100
como em campanhas como Megaajuda). Segundo Ricardo Prado Schneider o processo de
contratação de novos funcionários procura levar em consideração a experiência e o
conhecimento dos candidatos e as exigências da vaga em questão.
Embora não possua um sistema de avaliação formal dos seus funcionários, o
coordenador do CDI RJ acredita que a estrutura enxuta e horizontal contribui para que cada
colaborador conheça e desenvolva suas próprias metas:
“A gente está num processo de formalização cada vez maior, mas
ainda não tem uma avaliação formal. Como ainda é uma equipe
bastante pequena a avaliação mais informal funciona e o
planejamento estratégico de toda a organização ‘desce’ muito
rápido. A pessoa já tem definida a expectativa em relação a ela, já
que algumas funções serão atribuídas pelo planejamento estratégico
e pela meta que foi colocada em relação àquela tarefa. Então o
nosso planejamento estratégico é muito pragmático, passa muito
rápido das linhas estratégicas para ações efetivas”.
4.2.6 Preço
Como já se comentou, todo o dia-a-dia da administração das escolas é de
responsabilidade dos coordenadores das EICs. O CDI, no entanto, aconselha seus parceiros
comunitários a cobrar valores, ainda que baixos, dos seus alunos. Os recursos arrecadados
são utilizados pela própria escola (nada é pago ao CDI). A ONG, no entanto, controla para
que não haja qualquer abuso por parte de seus representantes comunitários. Assim, são
colocados preços em torno de R$5,00 por mês/aluno. Aos que não podem arcar com esse
valor é dada a opção de realizar algum tipo de trabalho junto à escola, como explica
Ricardo Prado Schneider:
“A inadimplência é uma questão delicada porque não é um projeto
comercial, algo como ‘se não paga, não faz o curso’. Não é assim
que funciona - a pessoa não paga e ainda assim continua fazendo o
101
curso. Você tem de atender de alguma forma, tem que contornar esse
problema. Uma mãe, por exemplo, se envolve e resolve botar três
filhos fazendo curso e consegue pagar o primeiro mês, mas não
consegue pagar os outros. Você dá um jeito deles continuarem. Mas
existe a questão da sustentabilidade da escola e você tem que
encontrar alternativas para lidar com isso”.
4.2.7 Localização
Localizadas em áreas de baixa renda, com poucas alternativas de acesso a essas
tecnologias, as escolas do CDI normalmente têm um enorme público interessado nas suas
oficinas, como explica o coordenador do CDI RJ:
“Se a escola não consegue capitalizar essa demanda alguma coisa
está errada na forma dela atuar, já que existe uma demanda latente
de público. A atração das pessoas deveria ser muito mais fácil. Se
não está ocorrendo, alguma coisa está muito errada na forma como
a gente está se apresentando. Mas, felizmente, a maioria das escolas
está operando bem ou está com potencial para operar muito bem,
rendendo alguma pequena intervenção, pequeno apoio para o
desenvolvimento do que está faltando”.
Na preparação fornecida pela organização para os coordenadores e pessoas que vão
montar novas escolas são apresentadas idéias de marketing local. Um exemplo de uma
preocupação do CDI, que se inicia no processo de seleção de parceiros, é que eles consigam
instalar a EIC num local onde o público potencial é grande e o acesso é facilitado. Esse
chegou a ser inclusive um dos critérios essenciais para a abertura de novos projetos em
2003:
“Esse ano eu vou privilegiar projetos que possam atender diversas
comunidades, que tenham uma área central, por exemplo. A idéia é
102
que essa escola possa estar atendendo todo o entorno - cinco, seis,
dez comunidades. Porque assim eu abro uma escola onde eu teria de
estar abrindo dez para atender. Uma escola mais forte, com mais
computadores, com mais educadores, que vai atender uma
diversidade de populações do entorno”. (Ricardo Prado Schneider)
Um fator que em alguns casos pode ser fundamental para determinar a localização
de uma nova escola é o interesse de um novo patrocinador, como explica o coordenador de
relações institucionais, Rodrigo Alvarez:
“A Phillips falou para gente que gostaria de montar escolas em
cidades onde ela está. Tudo bem, isso não é nenhum problema para
gente. A Basf, que fez um investimento grandioso em termos de
computadores, solicitou que a gente abrisse escolas de informática e
cidadania em torno das fábricas dela. É claro, a gente vai avaliar se
ali tem a necessidade da escola. Em outras palavras, tem que passar
pelo pré-requisito do local precisar da escola. A gente alia um pouco
o interesse do patrocinador, mas o que determina é esse critério do
CDI”.
4.2.8 Promoção
Para a divulgação de suas atividades o CDI se baseia principalmente nas atividades
de relações públicas e de assessoria de imprensa. Todo o trabalho de comunicação é
centralizado no CDI Matriz, no Rio de Janeiro, e é coordenado por dois jornalistas.
O CDI mantém uma homepage, que contabiliza cerca de 14 mil acessos por mês. O
Comitê também se comunica com seus diversos públicos através de um boletim eletrônico,
que é enviado periodicamente para 7.500 e-mails.
Na página é possível acessar
informações sobre a história, a missão e atuação do CDI no Brasil e no mundo. Estão
disponíveis ainda informações sobre como abrir uma regional do Comitê ou uma EIC. No
103
site estão, dentre outros arquivos, as newsletters e os pareceres de auditores externos sobre
o uso de recursos pela organização.
Rodrigo Baggio assina ainda uma coluna mensal sobre inclusão digital no jornal
Valor Econômico. A promoção através de espaços editoriais e gratuitos, atuando tanto na
divulgação do tema da inclusão digital, quanto na criação da imagem institucional da
organização é o principal meio de comunicação do CDI com a sociedade em geral. Por se
tratar de uma ferramenta de marketing comparativamente mais barata, a assessoria de
imprensa tem forte atuação, procurando gerar fatos novos para divulgação. Um exemplo
desse esforço é o “Dia da Inclusão Digital”, quando o CDI realiza um grande evento em
todo o país, levando seus computadores para locais de grande circulação de público. Em
2003, participaram 26 cidades brasileiras e quatro internacionais – todas conectadas através
internet em pontos públicos, em um ato simbólico de democratização da informática. Desde
a criação do Dia D, em 2001, o CDI conquista todos os anos um grande espaço gratuito,
tanto nas TVs como jornais e revistas do país.
Mais um exemplo de uma ação voltada para a divulgação do tema da exclusão
social e digital foi a criação do “Relógio da Inclusão Digital”, uma iniciativa em parceria
com a FGV, a Sun Microsystems e a USAID. O relógio marca o número de brasileiros com
acesso a computador em seus domicílios. Os dados servem não apenas para medir a
condição brasileira nessa área, mas também para trazer o tema à tona, a cada divulgação de
novos resultados. A iniciativa foi lançada pelo presidente mundial do BID, numa visita ao
CDI da Mangueira, no Rio de Janeiro, o que também teve enorme repercussão na imprensa.
Através de parcerias com os meios de comunicação, o CDI tem conseguido grandes
inserções. Em abril de 2003, por exemplo, o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, lançou um
especial sobre a Exclusão Digital no Brasil. Além de apresentar dados sobre o assunto, o
encarte apresentava diversas iniciativas desenvolvidas pelo CDI em todo o país. A entidade
teve ainda anúncios na Rede Globo, viabilizados pela doação de espaço pela emissora.
Num futuro próximo, o CDI estuda a criação de um Prêmio Nacional, agraciando as
empresas, jornalistas e personalidades que se destacaram no trabalho pelo movimento da
inclusão digital. Essa deve ser mais uma iniciativa que chamará a atenção dos meios de
comunicação e da sociedade como um todo para o tema da inclusão digital.
104
A exemplo do que acontece no Afro Reggae, as atividades de promoção tendem a
ser confundidas com o próprio Marketing. Ao ser perguntado sobre a importância do
Marketing para a organização, Ricardo Prado Schneider afirma:
“O Marketing, não no sentido do Marketing de empresa, mas da
divulgação do trabalho, é fundamental para uma ONG. Uma ONG
depende de captar recursos - o CDI depende de captar recursos.
Então o esforço desse trabalho é uma necessidade constante. Você
diversifica as fontes de receita para não ficar exposto a situações e
crises específicas. É importante, você ter muitos apoiadores de frente,
de áreas diferentes, de países diferentes. O CDI tem apoio nacional e
internacional, tem apoio governamental e não governamental. É
importante ter esse mix para você conseguir ser estável. E só se
conquista isso com muita divulgação do trabalho. Agora, não é o
marketing nesse sentido do marketing de empresa: você não tem um
orçamento significativo voltado para custos de marketing. Você faz o
marketing em cima da troca, em cima de tempo cedido. Por exemplo,
a Globo coloca campanha do CDI no ar sem custo, porque é muito
complicado para uma ONG pegar um dinheiro e deixar de investir na
sua razão fim para fazer propaganda. Então, o CDI não investe um
recurso apreciável em marketing. O marketing se dá pela mídia
espontânea. É muita assessoria de imprensa, com a equipe de
comunicação trabalhando para conseguir os espaços de matéria. O
CDI não publica anúncio pago, por exemplo. Agora ter uma
estratégia de marketing é importante e a estratégia de uma ONG tem
que ser sensível ao seu papel. É muito descabido você ter um
orçamento apreciável e gastar com altos custos da propaganda. Se
você tem um trabalho de boa qualidade você vai conseguir essa
exposição na mídia espontânea. Essencialmente o marketing do CDI
é mídia espontânea. Ou quando aparece um anúncio na Globo ou na
105
rádio é porque você entrou na negociação de inserção de tempo,
como doação mesmo. Eu nem sei avaliar o quanto valeu o que a
Globo colocou de propaganda do CDI no ar ou que as rádios
botaram de propaganda do CDI no final do ano passado. Foi muita
propaganda.... São valores que alcançam milhões - seria talvez maior
que todo o orçamento do CDI em si”.
Para criar e realizar os anúncios que foram veiculados nas rádios e na TV, o CDI
contou com o apoio da agência Fischer América Rio. Dessa maneira, a organização
conseguiu alcançar um padrão de qualidade adequado para os veículos em que esteve
presente, sem precisar desembolsar recursos financeiros. Ricardo Prado Schneider chama
atenção também para alguns aspectos relacionados ao conteúdo das ações de marketing de
uma organização sem fins lucrativos:
“O marketing é fundamental, mas tem que se trabalhar de maneira
sensível ao fato de ser uma ONG e não empresa. Tem que ser
responsável também: você tem que divulgar o que é a realidade e não
pode fazer um marketing comercial no sentido de vender, vender,
vender. Você tem a obrigação de fazer um bom trabalho para poder
fazer um bom marketing. Se você não faz um bom trabalho, você não
vai poder fazer um marketing responsável. Você não pode ficar
exagerando ou mascarando a realidade. Então o marketing tem que
ser um marketing extremamente ético, quer dizer, como todo
marketing deveria ser”.
Um outro exemplo de campanha realizada pelo CDI, dessa vez com o objetivo de
conseguir doações de equipamentos e adesão de voluntários é a “Megaajuda”. Realizada há
quatro anos em parceria com a AMCHAM, de São Paulo, procura mobilizar empresas e
indivíduos para colaborar com a causa da inclusão social e digital. Através do site
Megaajuda.org.br o público pode obter todas as informações e agendar a doação de
106
máquinas. A Megaajuda incentiva o trabalho voluntário, promovendo mutirões aos finais
de semana, para recuperar e preparar os equipamentos que serão doados para as EICs. Além
do site, a campanha recebe grande divulgação através da cobertura da mídia. Até janeiro de
2004, a quarta edição da Megaajuda havia conseguido arrecadar quase 2000 computadores
e mobilizado dezenas de empresas.
Mensalmente o CDI produz um relatório sobre as atividades e cobertura jornalística
do Comitê. Esse material é entregue a todos os apoiadores e patrocinadores da organização.
O CDI possui também kits de divulgação, com material gráfico que conta a história, as
atividades e as últimas novidades do Comitê. Esses recursos são muito utilizados nas visitas
que o CDI faz na busca por novos patrocinadores.
4.2.9 Captação de Recursos
A exemplo do que acontece com a comunicação, todas as atividades de captação de
recursos são centralizadas na Coordenação de Desenvolvimento Institucional. Esse
departamento está localizado em São Paulo, mas possui um profissional subordinado no
Rio de Janeiro. Rodrigo Alvarez que está à frente desse trabalho explica as suas
responsabilidades:
“A nossa primeira responsabilidade é captar recursos para a
manutenção da matriz. Em segundo lugar, captar recursos para
manter as filiais de São Paulo e Rio de Janeiro. Por fim,
aproveitamos o nível de relacionamento e a exposição do CDI para
beneficiar toda rede, quer dizer, garantir que o crescimento da rede
CDI aconteça de forma equânime. (...) Então a responsabilidade do
nosso departamento é captar recursos, e, é claro, manter um
relacionamento com os parceiros, prestar contas. Captar pra gente
significa todo o ciclo de relacionamento”.
Praticamente todos os recursos do CDI vêm da doação de empresas e instituições. A
contribuição individual de pessoas anda é insignificante. No modelo atual, o Comitê
107
diferencia seus parceiros em dois segmentos: mantenedores e apoiadores. No primeiro
grupo, estão organizações que participam com recursos financeiros ou serviços de maneira
permanente e em larga escala. Com alguns deles, o CDI tem contratos de longo prazo (entre
um e três anos), o que permite certa estabilidade financeira.
Dentre as instituições
mantenedoras estão BNDES, Microsoft, Fundação Avina, BID, Fundação C.K. Kellogg,
Fundação Vale do Rio Doce, Fundação Telefônica, Xerox, UBS, Amcham SP, Accenture,
InfoDev, Phillips e ESSO. A instituição tem ainda diversos apoiadores – organizações que
não necessariamente participam com recursos financeiros, mas contribuem com suporte
institucional, produtos ou serviços para o CDI. Entre eles estão Sadia, Instituto Souza Cruz,
TV Globo, TAM, Unicef, Sebrae, Unesco, Ashoka, IBM, Fischer América, Terra, Ernest &
Young, Domingos e Pinho Contadores e ACM.
Todas essas instituições têm suas marcas associadas ao CDI, estando presentes nos
diversos materiais de comunicação desenvolvidos pelo Comitê.
“A organização parceira tem apoio da assessoria de imprensa, que
procura divulgar aquele investimento. A logomarca da empresa está
nos materiais de comunicação do CDI, no Website. Em todas as
apresentações que o Rodrigo Baggio faz ele mostra as transparências
com os parceiros - e ele faz muitas palestras, no Brasil e no Exterior.
No boletim de inclusão digita ltambém tem uma ampuleta mostrando
todos os apoiadores”. (Rodrigo Alvarez)
O fato de ser uma instituição de abrangência nacional é um dos fatores a facilitar a
atração de grandes apoiadores, como explica Rodrigo Baggio, na sua coluna do jornal
Valor:
“Evidentemente, a apropriação do conceito de franquia por uma
ONG traz vantagens e desvantagens. Entre as
vantagens
incontestáveis estão o aumento da visibilidade e da credibilidade do
trabalho entre os patrocinadores e apoiadores em potencial. A
108
maioria das empresas que investem no terceiro setor quer que sua
marca esteja ligada a um projeto com modelo de gestão eficiente. As
franquias sociais de sucesso tornam mais fácil a captação de
recursos, financeiros ou não, não só pela ´matriz` como pelos
franqueados”. (BAGGIO, 2003)
Além do aspecto relacionado à imagem, segundo Rodrigo Alvarez, a grande
preocupação da maioria das empresas está em visualizar o resultado alcançado a partir da
sua colaboração:
“O que tangibiliza é aquele relatório mostrando: ‘olha, aquele
dinheiro que você investiu, está aqui’. O importante é ter
transparência com o dinheiro, é mostrar que a gente usou para abrir
tantas EICs. Falar como é que estão essas escolas, como estão se
desenvolvendo, quantas pessoas foram formadas, fazer visita para a
empresa. Então é isso: o benefício social que é gerado pelo dinheiro
daquela empresa é o que realmente tangibiliza o envolvimento dela”.
Tendo em vista essa preocupação por tornar concreto o resultado do seu
investimento, a maioria dos parceiros segue a tendência de investir em projetos prédeterminados. Esse comportamento, em parte, explica o alto nível de crescimento
alcançado pelo CDI – já que boa parte dos recursos terminava sendo destinada à abertura de
novas escolas. Essa é uma postura que, em 2003, o Comitê procurou reverter no seu contato
junto às empresas:
“A gente tem uma preocupação agora que é garantir um nível de
qualidade em toda a rede. Isso se exprime nas propostas e na
mudança da forma como a gente escreve os projetos para os
patrocinadores. Antigamente, a gente escrevia propostas só para
abrir novas escolas. Então, mostrava ‘você, como patrocinador, vai
109
contribuir com a abertura de setenta escolas’. Agora, a gente está
mudando o formato, então, a empresa vai contribuir com a abertura
de trinta e o fortalecimento de quinze. Percebemos que qualidade era
um investimento que tínhamos que fazer no momento. (...) É claro
que o empresário tem essa coisa de empreender, de se sentir
responsável pela abertura, de desbravar e tal, mas a gente procura
vender a idéia do ‘desbravamento’, mas também da manutenção do
que já foi criado”.
A abordagem com cada parceiro segue um caminho diferenciado. Na maioria dos
casos, os contatos se iniciam através de um encontro ou conversa com Rodrigo Baggio. Sua
participação em eventos e palestras é um catalisador desses encontros, já que sua
participação termina gerando interesse por parte das outras instituições. O conselho do CDI,
composto por algumas figuras de destaque na sociedade, muitas vezes também funciona
como um intermediário para novos contatos. Feita essa primeira ponte, a coordenação de
relações institucionais desenvolve propostas caso a caso, como explica Rodrigo Alvarez:
“A gente escreve projetos personalizados. A empresa entra em
contato conosco, tem algum interesse, e a partir daí a gente escreve o
projeto com a cara do contato que a gente fez com aquela empresa”.
Como já foi comentado, o CDI conseguiu alcançar um equilíbrio entre as doações,
equacionando fontes governamentais e não-governamentais. O Comitê também tem várias
entidades patrocinadoras o que faz com que hoje não seja dependente de nenhuma de suas
parcerias. Apesar disso, Rodrigo Alvarez acredita que ainda existem grandes desafios para
a captação de recursos nos próximos anos:
“O primeiro é sistematizar um programa de relacionamento com
mantenedores e apoiadores. Segundo abrir cotas para captação com
públicos que a gente ainda não capta, como, por exemplo, com
110
indivíduos. Só que você não pode captar recursos com indivíduos sem
ter um programa de relacionamento sistematizado, sem ter claro
quais são os benefícios de cada indivíduo e como é que vai ser a tua
estrutura de cobrança. É preciso montar um kit e todo esse tipo de
coisa que são preocupações que a gente tem que ter quando tem um
programa de indivíduos doadores. E um terceiro desafio é dar para
todos os CDIs uma capacitação em captação de recursos. Garantir
que eles vão estar se desenvolvendo nessa habilidade. Dar oficinas,
criar um plano de ação conjunta e alimentá-los com informação
freqüentemente”.
A questão do relacionamento com os patrocinadores é, segundo Rodrigo Alvarez,
uma preocupação que, apesar de recente, é intensa dentro do CDI:
“A gente tem consciência de que é mais fácil manter alguém dentro
de casa, do que trazer um novo de fora. Mas, os grandes
financiadores do CDI também vieram nos últimos dois anos, então, a
fidelização passou a ser uma preocupação do CDI agora. (...) É como
um casamento – o que entra na rotina ninguém gosta. É a mesma
coisa: você tem que estar sempre atraente para o teu parceiro,
sempre trazendo novos desafios ou novas oportunidades, renovando o
compromisso. O que acontece é que até hoje isso não foi
sistematizado. A partir de agora a gente tem a preocupação por
sistematizar esse trabalho de fidelização e de relacionamento”.
Na sua política de parcerias, o CDI ainda não estabeleceu qualquer tipo de restrição
em relação a possíveis patrocinadores. Esse é um tema que, segundo Rodrigo Alvarez,
continua sendo pensado pela organização:
111
“Eu acho que seria fácil te falar assim: ‘não, nós não aceitamos
grana de indústria de armas, nem de bebidas, nem de cigarro e tal’.
Mas, eu acho que é bom a gente discutir caso a caso e discutir com
eles. Por exemplo, o Instituto Souza Cruz nos procurou para fazer um
investimento no CDI e ofereceu uma proposta bastante adequada,
para garantir a criação de vários CDIs na região Sul. Aí, fizemos um
convênio com o Instituto Souza Cruz. A gente está revendo essa
parceria, vendo se vale a pena mesmo se associar com o nome da
Souza Cruz. Agora, depois de ter passado por essa experiência, a
gente está discutindo e revendo. Mas, enfim, a resposta é: não temos
isso discutido. O que vamos fazer, daqui pra frente, é discutir,
quando surgirem oportunidades”.
112
V Análise dos Casos
A análise a seguir procura diagnosticar a atuação do Afro Reggae e CDI, tendo
como referência o trabalho dos teóricos de Marketing apresentados na revisão de literatura.
O objetivo é entender as atividades desenvolvidas por essas organizações, relacionando-as
com os conceitos de orientação, análise e planejamento de marketing.
5.1 Visão de Marketing
Como as organizações vêem o conceito e as ferramentas de Marketing?
Quando perguntados sobre como vêem a utilização do marketing no terceiro setor,
Afro Reggae e CDI demonstraram boa aceitação. Mais do que isso, as duas instituições
afirmaram desenvolver atividades nessa área.
No entanto, nas declarações é possível
perceber, além do interesse em relação a sua prática, uma confusão conceitual, que tende a
reduzir o conceito de marketing à realização de atividades de publicidade e propaganda,
através de termos como “visibilidade”, “criar um fato”, “divulgação do trabalho”. Essa
“simplificação” do conceito, entretanto, parece não acontecer apenas entre as organizações
do terceiro setor. Como constatou Shepherd et al (1990) essa é a visão comum inclusive em
empresas, onde apenas o composto promocional é aceito de forma ampla como sendo
responsabilidade do marketing.
“Nós somos meio ‘marketeiros’. A gente cria fatos que provocam
notícias - e notícias atraem visibilidade. Não tem uma equipe que
faça isso. No caso, têm pessoas que pensam nisso. [Uma ação de
marketing] É criar um fato que possa ecoar nacionalmente ou
internacionalmente, que faça com que os produtos tenham mais
visibilidade”. (José Jr., Afro Reggae)
113
“O Marketing, não no sentido do Marketing de empresa, mas da
divulgação do trabalho, é fundamental para uma ONG. Uma ONG
depende de captar recursos - o CDI depende de captar recursos.
Então o esforço desse trabalho é uma necessidade constante”.
Na sua entrevista Schneider, do CDI, faz ressalvas destacando as preocupações
éticas e de custos. O coordenador também diferencia a atuação de uma ONG em relação à
prática das empresas, já que as entidades sem fins lucrativos não costumam ter um
orçamento para se gastar nas atividades de marketing:
“Você tem a obrigação de fazer um bom trabalho para poder fazer
um bom marketing. Se você não faz um bom trabalho, você não vai
poder fazer um marketing responsável. Você não pode ficar
exagerando ou mascarando a realidade. Então o marketing tem que
ser um marketing extremamente ético, quer dizer, como todo
marketing deveria ser”.
“Agora, não é o marketing nesse sentido do marketing da empresa:
você não tem um orçamento significativo voltado para custos de
marketing. (...) É muito descabido você ter um orçamento apreciável
e gastar com altos custos da propaganda”.
Essa postura parece se aproximar da que é sugerida por Kotler (1978). O autor
recomenda que os administradores do terceiro setor procurem analisar seriamente as
críticas, especialmente em relação à ética e aos gastos excessivos, buscando evitar práticas
ou despesas que não possam ser defendidas.
5.2 Marketing em ação
114
5.2.1 Análise
Com que públicos essas organizações lidam?
Diversos autores (SHAPIRO, 1973; OCTON, 1983; YORKE; 1984, BRUCE,
1995; DRUCKER, 2002) chamam a atenção para o fato de que as organizações sem fins
lucrativos costumam lidar com um público mais amplo do que as empresas. Essa questão
parece estar de acordo com a declaração de José Jr., do Afro Reggae, que sugere a
consciência em relação à amplitude de seus públicos:
“O público alvo é sempre o jovem negro, favelado e nordestino.
Nesses 10 anos de atuação, percebemos que somos uma dessas
‘pontes’ que liga a Cidade Partida. Essa ponte tem que ter uma via
de mão dupla. Não é só pegar o pessoal da favela e colocar no
asfalto. É levar o pessoal do asfalto para dentro da favela também. O
nosso público alvo, num primeiro momento, eram as pessoas que
tinham interesse pela cultura afro-brasileira. Com o trabalho social,
veio um público mais específico, que é o jovem, nordestino, favelado.
Hoje, não é mais só esse público. Nós temos programas de rádio,
fazemos muitos shows em locais de classe média. Temos interesse em
envolver os jovens brancos de classe média, de classe alta, os
estrangeiros - fazemos vários intercâmbios com instituições de
dentro e fora do Brasil. Então, o trabalho está ficando muito
eclético. Mesmo sendo muito eclético, ele continua voltado para
atender os jovens de favela – o que é fundamental”.
Além dessa preocupação ampla com seus públicos, que inclui não só os seus
“clientes”, mas também os diversos setores que compõem a sociedade, as organizações do
terceiro setor são impelidas a ampliar o seu escopo diante de uma realidade que sempre
115
demanda novas ações (OCTON, 1983). CDI e Afro Reggae parecem ter criado estratégias
diferenciadas para evitar que o trabalho se diluísse diante dessas exigências.
Como explica o coordenador do CDI-RJ, a instituição adotou como foco central a
inclusão digital:
“O CDI é uma ONG extremamente focada no que faz. E por ser
extremamente focada, seu crescimento se deu geograficamente. Ele
se espalhou por vários locais, expandiu muito a quantidade de gente
que atende. Mas o trabalho é um só. Outras ONGs, às vezes, têm
uma atuação extremamente diversificada, em cada região,
por
exemplo. O CDI não, ele é muito espalhado, está no mundo, mas é
muito concentrado no foco, que é o da inclusão social, através da
inclusão digital”.
Essa delimitação dos limites de ação do CDI, como afirma Schneider, foi um dos
fatores a viabilizar a expansão geográfica da organização. A sistematização do trabalho e a
parceria com entidades locais fizeram do Comitê um modelo bem sucedido de franquia
social no Brasil. O foco parece ter permitido que a instituição aperfeiçoasse sua
metodologia de trabalho com informática, desenvolvendo know-how para ajudar a montar,
administrar novas escolas e atrair doações (computadores, serviços e recursos financeiros).
Esses diferenciais competitivos são explicitados no trecho a seguir:
“(...)Então, hoje, o CDI tem uma posição clara. Qual o nosso foco?
Gerar capacidade local para que nasçam as escolas de informática e
cidadania produtivas e o resto é por parceria”. (Ricardo Prado
Schneider)
Já o Afro Reggae adotou uma estratégia geograficamente distinta. Seu trabalho hoje
tem várias frentes de atuação, mas o grupo está restrito a apenas quatro localidades no Rio
de Janeiro. Toda sua atuação está baseada na construção cuidadosa de vínculos com essas
116
comunidades. À frente dos projetos, na maioria dos casos, estão jovens formados nas
próprias oficinas e que, quase sempre, são moradores dessas favelas. Para manter essa
credibilidade junto a seu público, a organização precisa se ater a um crescimento orgânico,
baseado nos próprios recursos que consegue desenvolver através dos projetos. Essa opção
fica evidente no trecho da entrevista do coordenador executivo:
“Toda semana chegam pelos menos dois ou três emails de pessoas
da favela pedindo pra gente visitar. Mas, muitas vezes dizemos que
não dá. Porque não queremos virar McDonald’s, franchising, `fast
food`. Você vai lá, vê a marca do Afro Reggae, mas têm pessoas que
são meras prestadoras de serviço e ideologicamente não têm nada a
ver com grupo e a gente está ali meramente para ganhar mais
dinheiro. Não é a nossa proposta(...)”
A origem dessas duas organizações pode ser um dos fatores a explicar essas
diferentes posturas. O CDI surgiu da mobilização de um jovem de classe média alta, que
angariou doações de máquinas para comunidades carentes. Para conseguir efetivamente
atender a essa população, Baggio parece ter percebido que precisava de parceiros locais:
pessoas que conhecessem profundamente as dinâmicas e as pessoas daquelas comunidades,
diminuindo assim as barreiras geradas pelo preconceito e a vergonha. Dentro de uma
favela, Baggio seria um personagem estranho, um “menino rico” buscando catequizar os
jovens da comunidade. Com parceiros locais, seu trabalho ganhava força e legitimidade.
No caso do Afro Reggae a iniciativa surgiu de um conjunto de pessoas que já
estavam envolvidas com a comunidade de Vigário Geral. O movimento foi ganhando
legitimidade aos poucos, vencendo os preconceitos e conseguindo se firmar em ambientes
violentos e cheio de regras impostas pelo tráfico. Mesmo sem fazer concessões aos
traficantes, o Afro Reggae consegue viabilizar o seu trabalho a partir dessas afinidades que
desenvolve nas comunidades.
Além disso, as lideranças do Afro Reggae são formadas através do próprio trabalho.
Esses jovens que alcançam funções na hierarquia dos projetos têm um importante papel na
117
transformação da realidade dos outros garotos. Mais do que uma possibilidade de atuação
profissional de qualidade, o trabalho desses coordenadores mostra aos demais que existem
alternativas à criminalidade. Para crescer, seria preciso romper com esse princípio,
contratando profissionais de fora ou promovendo jovens que ainda não estão maduros o
suficiente. Essa iniciativa poderia comprometer o grande diferencial do Afro Reggae: ter
credibilidade e conseguir trabalhar em ambientes violentos, oferecendo aos jovens
alternativas ao tráfico de drogas.
Através dessas posturas, Afro Reggae e CDI parecem, cada um a sua maneira,
afinados com a proposta de Shapiro (1973), que destaca que também as organizações do
terceiro setor precisam estabelecer uma competência distintiva, na qual devem se
concentrar para alcançar seus objetivos.
Quem são seus clientes?
Shapiro (1973) trouxe uma contribuição definitiva para o desenvolvimento das
ações de marketing no terceiro setor ao diagnosticar a existência de dois tipos de clientes:
os doadores e beneficiados. CDI e Afro Reggae, ainda que de maneiras diferentes, lidam
cotidianamente com essa divisão. Nesse caso, mais uma vez a história das duas
organizações parece influenciar na forma como cada uma encara esses dois tipos de
clientes.
O trabalho do CDI teve início com a busca de doações de computadores para formar
uma escola na favela Santa Marta. Assim, na sua gênese o Comitê teve de lidar com as
dificuldades inerentes ao se captar recursos, sejam eles equipamentos, dinheiro ou serviços.
Esse fator talvez explique o amadurecimento desse trabalho no CDI, que hoje conta com
um departamento específico, destinado à captação de recursos/equipamentos e
relacionamento com patrocinadores. Graças a esse trabalho, o Comitê hoje desfruta de uma
autonomia rara no terceiro setor, já que alcançou um equilíbrio entre doadores dos setores
privado/governamental; nacional/internacional. Ainda que não atue como um “colchão de
proteção” essa estabilidade poderia reduzir o problema da aversão às mudanças no terceiro
118
setor, como mencionado por Gallangher e Weinberg (1991). As entrevistas, entretanto, não
forneceram subsídios suficientes para que tal afirmação pudesse ser reforçada.
Já no Afro Reggae, os primeiros recursos foram obtidos a partir da parceria com
outras organizações do terceiro setor e a mobilização do próprio pessoal para organizar
eventos e festas, como lembra José Jr.:
“Uma prática constante no Afro Reggae (e que dura até os dias de
hoje) é que sempre que enfrentamos um problema financeiro
idealizamos eventos para angariar fundos”. (JÚNIOR, 2003, p. 39)
Assim, ainda que hoje dependa de recursos externos, o Afro Reggae tem uma
política de viabilizar parte do seu orçamento a partir dos shows que realiza e dos produtos
que vende. Dentre os parceiros que contribuem com recursos financeiros estão
organizações do terceiro setor ou governamentais (Fundação Ford e Prefeitura do Rio de
Janeiro estão entre os principais). Hoje ainda é muito pequena a relação do grupo com as
empresas privadas. Exatamente por isso, um dos projetos da entidade é contratar um
profissional que possa cuidar dessa área.
Nem Afro Reggae nem CDI trabalham com doações individuais (realizadas por
pessoas físicas). CDI cogita no futuro criar uma estratégia específica para alcançar esse
público. Para isso, provavelmente vai precisar desenvolver ações de marketing de maneira
mais intensa do que realiza hoje.
Em relação a outro tipo de cliente - os parceiros nas comunidades – o CDI assume,
em parte, a postura do doador. Para conseguir viabilizar uma Escola de Informática e
Cidadania (EIC), a entidade interessada precisa comprovar sua capacidade de gerir a escola,
pagando por conta própria seus profissionais e a estrutura física. O CDI analisa os projetos
e seleciona os mais promissores. Os selecionados recebem computadores (no sistema de
empréstimo) e suporte metodológico do Comitê. Nenhum valor financeiro é cobrado por
esse serviço, mas os administradores dessas novas escolas se comprometem a fornecer
relatórios mensais sobre as atividades e a participar das reuniões, onde são discutidos
problemas e soluções.
119
Numa comparação com o sistema de marketing empresarial, essas entidades
realizariam o papel do canal de distribuição, servindo de intermediárias entre o CDI e o
cliente final (no item praça essa relação estará sendo detalhada).
Cada escola desenvolve um modelo próprio de relacionamento com seus alunos
(desde que seja fiel à metodologia do CDI). Assim, por exemplo, cabe à escola definir
desde o layout e decoração das salas até a realização de eventos de formatura das suas
turmas. Ao contrário de uma franquia comercial, onde a grande preocupação está na
reprodução de padrões rígidos, o CDI delega a seus parceiros a definição de seu modo de
funcionamento, permitindo assim que estejam mais adaptados à realidade e aos valores do
público com quem vão estar trabalhando.
Alguns autores (SHAPIRO, 1973; FORD, 1976; OCTON, 1983) lembram da
existência de situações de conflito de interesses entre doadores e beneficiários em
organizações do terceiro setor. Afro Reggae, por exemplo, menciona o conflito gerado pela
visão preconcebida que alguns patrocinadores têm a respeito do perfil dos jovens que
precisam ser assistidos:
“Devemos ter deixado de receber muitos patrocínios por causa dessa
postura de não aparentar pobreza. Tinha um pessoal da cooperação
internacional que queria ver favelados maltrapilhos, crianças de
nariz sujo e dentes cariados. Mas somos contra esse tipo de
exploração e vitimização. O GCAR sempre rejeitou o que chamamos
de antimarketing” (JÚNIOR, 2003, p. 142)
Apesar disso, o Afro Reggae prefere apresentar seus integrantes com uma aparência
bem cuidada, já que acredita que esse fator é fundamental para elevar a auto-estima dos
jovens que têm origem humilde. Eles também servem de exemplo para sua comunidade,
que percebe que não são apenas os criminosos que conseguem ostentar roupas e acessórios
da moda.
120
O CDI destaca no seu depoimento um outro conflito que diz respeito à preocupação
de diversas empresas em garantir a abertura de novas escolas, quando o ideal seria
promover a melhoria das que já existem.
“A gente tem uma preocupação agora que é garantir um nível de
qualidade em toda a rede. Isso se exprime nas propostas e na
mudança da forma como a gente escreve os projetos para os
patrocinadores. Antigamente, a gente escrevia propostas só para
abrir novas escolas. Então, mostrava ‘você, como patrocinador, vai
contribuir com a abertura de setenta escolas’. Agora, a gente está
mudando o formato, então, a empresa vai contribuir com a abertura
de trinta e o fortalecimento de quinze. Percebemos que qualidade era
um investimento que tínhamos que fazer no momento. (...) É claro
que o empresário tem essa coisa de empreender, de se sentir
responsável pela abertura, de desbravar e tal, mas a gente procura
vender a idéia do ‘desbravamento’, mas também da manutenção do
que já foi criado”. (Rodrigo Alvarez)
Ainda que tais conflitos possam efetivamente existir, é preciso que as organizações
estejam preparadas para reverter os possíveis preconceitos dos potenciais parceiros, com o
uso das ferramentas de marketing (KOTLER E LEVY, 1969a).
Como as entidades obtêm e trabalham a informação sobre esses clientes?
As pesquisas de marketing ainda não fazem parte do cotidiano das organizações
estudadas. O único estudo lembrado foi realizado pelo CDI em 2000, a partir de uma
parceria com o ISER:
“Nesse caso, o ISER vai a campo para descobrir na ponta, de uma
maneira independente, o impacto do trabalho. É importante ter esse
121
estudo externo, mas é claro que ele não nos isenta de uma avaliação
interna, que é fundamental. Você não pode abrir mão da sua própria
avaliação. Esse estudo é uma referência a mais, uma visão de fora
do que está acontecendo. No caso do CDI essa pesquisa é uma
necessidade, mas não é preciso fazer todo ano porque fica muito
caro”. (Ricardo Prado Schneider)
Schneider ressalta a importância do contato direto com o público, mas lembra a
limitação de recursos para o uso desse instrumento de marketing. As organizações do
terceiro setor parecem possuir um ambiente de informalidade que facilita a obtenção do
conhecimento das necessidades e valores de seus clientes como sugere o depoimento
abaixo:
“(...) a nossa estratégia é muito do dia-a-dia, da convivência, da
troca. Buscando entender e ser entendido. (...) Buscamos também
estar conectados com os movimentos que surgem - não só sociais,
mas os movimentos de pensamento, os movimentos das donas de casa
(...)”. (José Jr.)
Se por um lado, podem ser destacados os méritos dessas pesquisas informais, a
partir de um contato direto com o público, por outro, as informações levantadas pelos
próprios profissionais dessas entidades podem a apresentar limitações. A sinceridade dos
entrevistados pode ser comprometida pela relação com o interlocutor. Vale a pena lembrar
os argumentos de Bruce (1995), que chama a atenção para o fato de que o trabalho das
organizações do terceiro costuma ser preservado das críticas dos seus beneficiários, que
temem assumir a postura de “ingratos”.
Outra limitação se deve ao fato de que as pesquisas informais geralmente ocorrem
entre os públicos com os quais a organização tem maior acesso no seu cotidiano. No caso
do CDI, por exemplo, a organização recebe a maior parte das informações sobre os alunos
através dos seus parceiros locais. Esses terminam servindo como um filtro para as
122
percepções do público final atendido pela instituição. No Afro Reggae, a principal brecha
pode ser percebida no conhecimento a respeito do público de possíveis doadores
(principalmente as empresas). Como não dispõe de um procedimento formal e
sistematizado, a coordenação do grupo parece ter dificuldades de se aproximar e dialogar
com organizações que estão fora do círculo de relações.
Octon (1983) afirma que numa situação de recursos limitados, as instituições do
terceiro setor podem ser criticadas ao contratarem pesquisas de marketing, mas lembra que
essa iniciativa possibilita às instituições conhecer melhor seus beneficiários e
patrocinadores. Assim, ainda que não disponham de recursos financeiros, Afro Reggae e
CDI deveriam considerar alternativas possíveis para suprir essa possível lacuna nas suas
atividades. Buscar realizar parcerias com empresas de pesquisa, contratar, formar pessoal
ou obter consultorias de profissionais mais experientes estão entre as alternativas possíveis.
As duas organizações já estudam algumas soluções nesse sentido. O Comitê analisa
a possibilidade de desenvolver outros sistemas que lhe permitam obter mais dados sobre os
alunos das escolas. Uma das propostas é garimpar essas informações através de um sistema
on-line, onde o estudante estaria em contato diretamente com a instituição. Essa iniciativa,
entretanto, ainda depende da instalação de acessos à internet – o que ainda não é uma
realidade em todas as escolas.
O Afro Reggae também já demonstra uma preocupação nesse sentido, já que tem
buscado desenvolver parcerias com outras instituições para levantar dados sobre as
comunidades onde estão atuando, como explica José Jr.:
“(...) O que nós estamos fazendo agora, através da parceria com
instituições como a UFRJ e Faculdade Cândido Mendes, é levantar
dados históricos ou estatísticos sobre essas comunidades. A gente
recebeu recentemente um número dizendo que aumentou em 252% o
número de homicídios cometidos pela polícia militar. Então, a gente
tem interesse em criar parcerias para que a gente possa ter mais
informações. A gente abre espaço nas comunidades para essas
instituições e, por outro lado, passa a ter acesso aos dados
123
levantados por elas. A nossa proposta é ter algumas dessas
informações até o segundo semestre de 2004”.
A busca e a seleção de informações sobre os patrocinadores é outro aspecto a ser
observado. Novamente a informalidade pode ser vista como uma vantagem mas sem
esquecer as limitações inerentes.
O pouco conhecimento a respeito do que pensam os executivos ou da dinâmica de
patrocínios pode levar a organização a adotar uma postura muito informal (que pode nem
sempre ser compreendida pelos interlocutores) e que traz a desvantagem de não poder ser
sistematizada para a aplicação em outras situações como exemplifica o relato abaixo:
“Eu comprometo muito as pessoas. Fui dar uma palestra na Firjan,
num evento financiado pela Coca-Cola. Então, estava lá a diretoria
de Marketing da Coca-Cola e o Celso Schvartzer, uma pessoa que eu
já vinha tentando falar há muito tempo e nunca conseguia. Antes da
minha palestra, ele disse que queria conversar comigo e que estava
aberto a fazer projetos com o Afro Reggae. A minha fala foi muito
emocionada e emotiva...fui aplaudido de pé. No final, acrescentei:
‘inclusive eu tenho uma novidade, o Afro Reggae e a Coca Cola vão
montar uma parceria. Estava conversando com o Celso ali atrás e
começamos a acertar isso. Não é Celso?’ Ele levou na esportiva e
recentemente participamos desse evento, o Vibe Zone, que era
patrocinado pela Coca Cola. Ele virou um aliado do Afro Reggae.
Ali eu comprometi o cara... Então eu dou a ‘flechada’ na hora certa”
(José Jr.)
Quem são seus concorrentes?
124
Com relação à competição, foi possível perceber uma tendência a se negar a
concorrência entre as organizações, pelo menos como ela normalmente ocorre entre as
empresas:
“A gente faz parcerias com várias ONGs, com empresas, com
entidades governamentais. O que a gente acha mais importante é que
se criem redes de troca. (...) Participamos de algumas trocas com
grupos que temos afinidade. Mas eu acho que poderíamos fazer mais
isso. Tem coisas que algumas instituições já desenvolveram, como
tem coisas que a gente já desenvolveu e poderia estar exportando.
Mas, todo mundo trabalha muito...Todo mundo fica muito
preocupado com o seu próprio projeto, captar recursos.
[Você acha que existe muita competição?] Nos segmentos que o Afro
Reggae atua, não. Tem outras áreas que tem muita competição. Nos
temas que a gente atua, não tem. Vamos pegar dois grupos parecidos
com Afro Reggae, que são ´Nós do Morro` e a ´Cia Étnica`, por
exemplo. São grupos que têm projeto social e qualidade artística. Eu
adoro eles e eles adoram a gente...Mas nunca nos encontramos para
trocar idéias...” (José Jr., Afro Reggae)
O CDI também destaca a importância da colaboração, no lugar da competição. Essa
postura pode ser percebida tanto na sua filosofia de atuação – que é embasada no conceito
de parceria com outras instituições – como no trecho da entrevista a seguir:
“O CDI tem uma compreensão, já há algum tempo, que para
maximizar o impacto do seu trabalho, ele tem que ter várias outras
coisas acontecendo, além da informática. (...) Por outro lado, o CDI
não quer perder o seu foco. Então a gente tem esse desafio e a
solução clara foi trabalhar em parceria. Hoje o CDI muito
125
claramente definiu o seu papel, mas não se refugia nisso. Sabendo
que outras coisas precisam acontecer, ele procura parceiros para
que isso aconteça (...) Muitas dessas parcerias não envolvem sequer
recursos financeiros” (Ricardo Prado Schneider)
Essa postura vai ao encontro das idéias de Shapiro (1973) e Liao et al (2001), que
destacam a importância da colaboração (mais do que a competição) como um fator de
aperfeiçoamento. Também se relaciona ao ambiente mais complexo, como descrito por
Gallangher e Weinberg (1991), onde é preciso cooperar com as organizações que, em
alguns casos, podem a vir a competir pelos mesmos recursos.
Nesse aspecto parece ser fundamental que o Afro Reggae consiga ir além do
discurso, colocando em prática uma estratégia para lidar com os concorrentes. No terceiro
setor essa postura pode significar a possibilidade de realizar benchmarking, definir
possíveis trocas e, por exemplo, até dividir espaços de atuação. Ao não assumir isso na sua
política (“todo mundo trabalha muito” ou “nunca nos encontramos para trocar idéias”), o
Afro Reggae perde a oportunidade de ensinar e, sobretudo, de aprender a partir da
experiência de outras organizações.
Fora da arena do terceiro setor, o Afro Reggae parece eleger como “competidor” o
tráfico de drogas. É contra ele que a instituição volta suas atenções, disputando o interesse
dos jovens das comunidades pobres. Como será visto a seguir, todo o seu “planejamento de
marketing” leva em conta esse rival.
5.2.2 Planejamento – Marketing Mix
5.2.2.1 Produto
Quais são os produtos da organização?
O produto do CDI - a inclusão social e digital - se materializa através das suas
Escolas de Informática e Cidadania (EICs). Para os doadores, elas podem significar, por
126
exemplo, dentre outras coisas, desde a formação de jovens mais preparados para o mercado
de trabalho até a associação da sua marca a um projeto social de qualidade.
Em relação às entidades parceiras, o produto do CDI pode ser sintetizado na doação
provisória dos equipamentos, no suporte técnico e pedagógico da escola, além de uma
assessoria administrativa. Ao se associar ao CDI, esse parceiro ganha, além do know-how, o
acesso a uma rede de instituições que desenvolvem o mesmo tipo de trabalho e
credibilidade, como argumenta o idealizador do Comitê:
“Em tese, a autêntica franquia deveria garantir a replicação, com
qualidade, de seus processos de operação, como modo a garantir a
sua rápida disseminação pela sociedade. De que
forma?
Transferindo sua marca, experiências e prestígio para entidades em
condições de estender o trabalho a localidades onde normalmente a
`matriz` não teria condições de atuar”. (BAGGIO, 2003)
Para os alunos, o produto do CDI são os cursos de informática: formação que
possibilita o domínio de programas como Windows, Word, Excel e Power Point. De
maneira experimental, o Comitê tem desenvolvido um projeto especial chamado “Morro do
Silício”, que promove uma formação mais avançada, em áreas como manutenção de
micros, criação de redes e desenvolvimento de softwares. Também para os estudantes, o
entendimento do que está sendo obtido pode ser variado e multifacetado, indo desde uma
ocupação até a captação para uma inserção no mercado de trabalho e a transformação da
vida da comunidade.
No caso do Afro Reggae, o produto para os doadores também pode ser percebido de
múltiplas formas, significando desde os benefícios de imagem até a redução dos níveis de
violência na sociedade. Para os alunos, o trabalho do Afro Reggae pode representar, dentre
muitas coisas, uma possibilidade de remuneração (através das bolsas), de lazer, de inserção
no mercado de trabalho e de transformação da sua realidade.
Objetivamente, os produtos do Afro Reggae são as oficinas, os shows e eventos, o
cd da banda AfroReggae, instrumentos musicais e camisetas. O Afro Reggae tem 13 sub-
127
grupos em atividade: oito bandas, duas trupes de circo, uma de teatro, um coral e um grupo
de dança. Os projetos trabalham diferentes linguagens (dança, vídeo, samba, funk, circo,
canto coral), dando conta de uma grande gama de interesses. Além disso, algumas
iniciativas são segmentadas de acordo com as idades, atendendo desde crianças de quatro
anos até idosos. A organização está à frente ainda de atividades ligadas à área de saúde,
como a Barraca da Saúde e a Trupe da Saúde, de informática e de projetos de comunicação,
como os programas de rádio e o Informativo Kizumba.
Como as instituições definem e avaliam a qualidade dos seus produtos?
A preocupação com a qualidade se tornou uma das diretrizes do CDI ao longo do
ano de 2003. Tanto que a organização resolveu frear o seu ritmo de crescimento,
procurando se centrar na melhoria das escolas já existentes. A proposta é garantir que,
ainda que com suas diferenças, todas escolas consigam alcançar um padrão mínimo de
atuação.
Ao ser perguntado sobre o que o CDI considera qualidade no trabalho, Schneider
destacou a preocupação em garantir que as escolas sigam a metodologia da organização,
sendo mais do que meramente um cursinho de informática. É com esse objetivo que o CDI
realiza a supervisão do trabalho das escolas.
No Afro Reggae, qualidade é definida por Écio de Salles como uma formação
completa aos jovens, que possibilite seu crescimento artístico e pessoal:
“(...) Assim, é fundamental essa perspectiva de que o jovem que entra
em qualquer projeto, seja artista no futuro ou não, possa se tornar
uma pessoa melhor. Se ele puder fazer parte da sociedade
ativamente, se entender os problemas que a gente vive hoje e
participar na busca de novas soluções, ele se tornou uma pessoa
melhor. E o jovem que cresce num lugar violento e estigmatizado vendo que as pessoas que se dão bem são os bandidos, os traficantes,
os que recorrem à violência - se ele não escolhe esse caminho, já é
128
importante. Se ele escolhe o trabalho honesto, onde ele não
prejudique outras pessoas, ele já alcançou alguma coisa”.
No Afro Reggae rejeita-se qualquer tipo de análise que privilegie aspectos
quantitativos, como explica Écio de Salles:
“Nós tentamos trabalhar entendendo essas pessoas. Nunca tratando
o nosso trabalho como um número. Por exemplo: ‘a gente tirou x%
de jovens do tráfico, em Vigário Geral’. Isso seria muito interessante
- saber que tantos jovens não entraram pro tráfico. Mas, para gente,
não interessa saber que foram 200 pessoas – interessa o Anderson, o
Altair, o Juninho, o Lequinho, a Raquel, a Amanda – essas pessoas
com quem a gente trabalha. Então é isso que interessa e que dá
legitimidade”.
Uma das questões levantadas por Gallangher e Weinberg (1991) diz respeito à
dificuldade de se avaliar os resultados do trabalho de uma organização do terceiro setor.
Isso parece ser uma realidade tanto no caso do CDI quanto no do Afro Reggae já que a
própria definição de qualidade envolve questões pouco objetivas. Nesse item vale a pena
destacar ainda que as definições de qualidade apontadas por Afro Reggae e CDI estão
intimamente ligadas com suas missões. Nenhuma das duas organizações parece ter
desenvolvido ainda a visão de qualidade como aplicada pelo marketing, que busca entender
o valor a partir da perspectiva dos clientes (Kotler, 1998).
Como são criados os novos produtos?
O desenvolvimento do produto do CDI se dá a partir da interação entre CDI e o
parceiro, que tem liberdade para adaptar a metodologia ao perfil do seu público. Sem impor
padrões rígidos, o CDI abre espaço para que os coordenadores locais pensem sua oferta de
129
acordo com a particularidade do seu público. O resultado, ainda que muito diverso sob o
ponto de vista do CDI, pelo menos em teoria se tornaria mais atraente para os alunos.
“Nós temos, por exemplo, em Angra um projeto com populações
indígenas de lá. Então, só no Rio de Janeiro, temos não só uma área
vasta, porque é muito distribuída, mas também realidades muito
diversas. Um subúrbio pobre de Nova Iguaçu é diferente de uma
favela urbana no meio do Rio de Janeiro. Temos também uma
variedade de situações especiais: projetos nos presídios, em
hospitais psiquiátricos...”. (Ricardo Prado Schneider)
É interessante destacar as diferenças entre o modelo de franquia do CDI em relação
ao que seria o padrão comercial. Se nas empresas, a grande preocupação do franqueador diz
respeito à identidade e conformidade (COUGHLAN et al, 2002), no caso das escolas de
informática a prioridade está em contemplar as diferenças. Assim, o mais importante é que
cada escola esteja adequada à comunidade que estará servindo. O sistema de rede do CDI que permite partilhar tanto os problemas quanto as experiências bem sucedidas - serve
como laboratório para a melhoria permanente desse serviço.
No Afro Reggae, o desenvolvimento de novos produtos pode seguir pelo menos
dois caminhos distintos, sendo pensado dentro da estrutura ou surgir a partir de uma
iniciativa externa, da própria comunidade, como por exemplo, o caso das bandas Afro Lata,
Afro Samba e Afro Mangue, que foram adotadas pelo Afro Reggae.
A abertura às sugestões dos clientes, que faz com que tanto Afro Reggae quanto
CDI desenvolvam permanentemente seus produtos, aproxima as duas instituições da
proposta de Iansiti e MacCormack (1997). Os dois autores que estudaram corporações
como Netscape, Microsoft, Fiat, entre outras, afirmam que um processo mais flexível para
desenvolver produtos - que permita incorporar sugestões dos clientes e melhorias
praticamente até o momento do lançamento - é um dos elementos de sucesso dessas
grandes empresas.
130
Análise do portfólio
A comparação entre CDI e Afro Reggae no que diz respeito ao número e a
diversidade de ofertas reforça o argumento de Shapiro (1973), que afirma que a política de
produto se torna mais complexa na medida em que missão da organização possa ser
alcançada de diferentes maneiras.
O Afro Reggae parece ter optado por atuar de maneira abrangente. Cobrindo
atividades de várias naturezas, procura alcançar sua missão de “oferecer uma formação
cultural e artística para jovens moradores de favelas de modo que eles tivessem meios de
construir suas cidadanias e com isto pudessem escapar do caminho do narcotráfico e do
subemprego, transformando-se também em multiplicadores para outros jovens”. Essa
diversidade, ao mesmo tempo em que traz vantagens (permite atender ao interesse de
diversos segmentos), representa também um grau de dificuldade maior na gestão da
organização, já que é preciso desenvolver o conhecimento para se trabalhar com diversas
ferramentas/linguagens (informática, vídeo, circo, música, entre outros) e públicos (de
crianças a idosos).
Como já foi comentado, o CDI optou por atuar de forma diferente. Sua missão já é
por si só mais objetiva (“Promover a inclusão social de populações menos favorecidas,
utilizando as tecnologias da informação e comunicação como um instrumento para a
construção e o exercício da cidadania”). Na sua missão, CDI já diz a forma como vai atuar
(através do uso da tecnologia). Além disso, a organização persegue esse objetivo através do
modelo único de criação e desenvolvimento das EICs.
Segundo Lovelock e Weinberg (1983) existem três tipos de ofertas numa
organização sem fins lucrativos: as centrais, que contribuem com a missão da instituição, os
produtos suplementares, que ampliam o apelo da oferta central da organização ou servem
para facilitar o seu uso e os produtos para atração de recursos, que têm por objetivo gerar
dinheiro para a organização.
131
No caso do Afro Reggae, as oficinas e bandas podem ser entendidas como os
produtos centrais. Camisetas e instrumentos musicais, na medida em que não alcançaram
uma escala lucrativa, atuam como produtos suplementares. Shows, cds e eventos podem ser
enquadrados também na primeira categoria, mas atuam fortemente na atração de recursos.
O Afro Reggae descarta a possibilidade de oferecer produtos que tenham como
única tarefa gerar recursos, ou seja, a missão da instituição precisa estar presente em todas
as ações:
“Se a gente quisesse ter a marca difundida, a gente tocaria pagode
ou uma música puramente comercial. A gente sabe que poderia
ganhar mais dinheiro do que ganha. A gente sabe que poderia
lançar coisas para vender muito mais do que vendem. Só que isso
iria contra a nossa ideologia, a gente tem uma ideologia que não nos
permite fazer um monte de coisas. A gente lança produtos com os
quais tem afinidades ideológica e política. Por exemplo, vamos
lançar uma camisa que é um Jesus Cristo negro. Todo mundo sabe
que naquela região onde Jesus nasceu é impossível ter olhos claros,
cabelos louros e pele alva. A gente vai lançar essa camisa, não para
afrontar, mas para conscientizar e fazer uma discussão”.(José Jr.)
No caso do CDI, escolas e oficinas se encaixam completamente na definição de
produto central de Lovelock e Weinberg (1983). Os recursos que sustentam a organização
não advêm da venda dos serviços oferecidos pelo Comitê aos alunos e parceiros locais, mas
dos patrocínios e apoios que o Comitê consegue captar.
Como procuram tangibilizar suas ofertas?
Shapiro (1973) e Gallanger e Weinberg (1991) chamaram a atenção para o fato de
que as ofertas das organizações do terceiro setor tendem a assumir um caráter intangível
132
para a maioria dos seus públicos. Os autores sugerem que as organizações definam
estratégias para lidar com esse problema.
No caso do Afro Reggae, os shows podem estar atuando como uma prova tangível
do trabalho da organização, tanto para os patrocinadores quanto para os próprios jovens,
que assim conseguem ver seu trabalho reconhecido. Uma outra iniciativa interessante
parece acontecer nas palestras sobre o trabalho do grupo, quando, junto com um
coordenador institucional, está sempre presente um dos jovens atendidos pelo projeto.
Nesse momento, a audiência assiste a um depoimento em primeira pessoa, “vivo” e cheio
de nuances – algo que seria difícil obter através da simples descrição das atividades. Essa
“estratégia” tem ainda um efeito sobre esse representante, já que ele fortalece sua autoestima ao ver sua história pessoal valorizada por uma platéia desconhecida.
Para o CDI, o principal desafio está em mostrar aos seus patrocinadores e
apoiadores o resultado do trabalho que desenvolve. Uma das maneiras de conseguir isso é
associar os recursos obtidos à abertura ou manutenção das escolas de informática, como
explica Rodrigo Alvarez:
“O que tangibiliza é aquele relatório mostrando: ‘olha, aquele
dinheiro que você investiu, está aqui’. O importante é ter
transparência com o dinheiro, é mostrar que a gente usou para abrir
tantas EICs. Falar como é que estão essas escolas, como estão se
desenvolvendo, quantas pessoas foram formadas, fazer visita para a
empresa. Então é isso: o benefício social que é gerado pelo dinheiro
daquela empresa é o que realmente tangibiliza o envolvimento dela”.
Orientação para produto?
Diversos autores (FORD, 1976; BRUCE, 1995; GONZÁLEZ ET AL, 2002)
chamaram a atenção para o fato de que, muitas vezes, as organizações do terceiro setor
tendem a se tornar rígidas em relação às suas ofertas, adotando um comportamento que
poderia ser classificado como uma orientação para produto.
133
Num país como o Brasil, onde existem tantas dificuldades sociais e econômicas, é
natural que exista uma demanda muito grande em relação às atividades desenvolvidas pelas
organizações do terceiro setor. O fato de existir, como se costuma dizer no ambiente
comercial, “um mercado de boca aberta” e ansioso pela oferta dessas entidades não parece
ter gerado, no caso do CDI e do Afro Reggae, organizações excessivamente centradas nas
suas ofertas e pouco preocupadas com as necessidades e interesses dos clientes.
Historicamente, o desenvolvimento do Comitê e toda a sua metodologia foi
motivado pela dificuldade que Rodrigo Baggio encontrou ao criar o Jovemlink. Como não
conseguiu a resposta esperada no lançamento desse projeto social, Baggio percebeu que era
preciso ir além do que estava inicialmente oferecendo. Seria fundamental vencer as
barreiras que mantinham o público mais importante distante do projeto: vergonha, falta de
intimidade com o uso dessas novas tecnologias e poucas possibilidades de aplicação dos
conhecimentos adquiridos a partir do seu uso. Na ocasião, o jovem empreendedor parece
não ter cometido os erros, que segundo Andreasen (1982), são típicos das organizações
orientadas para produto ou vendas: considerar sua oferta inerentemente desejável ou
creditar a falta de interesse por sua iniciativa à ignorância dos moradores da favela. Ao
contrário disso, as informações coletadas sugerem que Baggio procurou conhecer melhor
esse público, buscando superar esse problema através do desenvolvimento de uma dinâmica
que vencesse os entraves causados pelas diferenças sociais (através da parceria com
associações de moradores, sindicatos e organizações locais) e a dificuldade de aplicação
dos conhecimentos adquiridos (a informática passa a ser utilizada a serviço dos projetos das
comunidades, tornando-se assim um elemento de transformação da realidade social).
A orientação para produto, exemplificada na frase, “nós sabemos melhor o que é
bom para você” (GONZÁLEZ et al, 2002) também parece não fazer parte do discurso do
Afro Reggae. Um exemplo da flexibilidade do grupo na sua política de produto está no fato
da instituição ter adotado projetos independentes, que surgiram nas próprias comunidades,
como as bandas Afro Lata, Afro Sangue e Afro Mangue. Essa abertura também é sugerida
nesse trecho da entrevista do coordenador executivo:
134
“Muitas vezes uma fala de um garoto pode mudar o Afro Reggae
inteiro. (...) Isso acontece: um problema, uma solução, um pedido,
uma fala faz a gente mudar de rumo - não o rumo institucional, não
da essência, mas da forma de atuação”.
Preço
Que significados o preço tem no trabalho das organizações e como ele é definido?
De acordo com Nagle (2000), preço para marketing não deve refletir os custos, mas
sim servir como uma declaração de valor que o cliente percebe no produto, o que parece se
adequar ao contexto das organizações do terceiro setor. Embora não cobre qualquer valor
monetário dos seus parceiros comunitários, O CDI submete todos os interessados em
montar novas ECIs a uma rigorosa análise. Para se candidatar, é preciso produzir um
projeto que especifique as condições de instalação e manutenção da escola. Como a escola
vai se auto-sustentar? Quem estará à frente da iniciativa? Quem serão os educadores? Dessa
maneira, o CDI faz com que a efetiva constituição de uma escola seja fruto de um esforço
sério e bem intencionado, o que será fundamental para a sua continuidade no futuro.
Seguindo o mesmo raciocínio, o CDI aconselha seus parceiros comunitários a
cobrar valores em torno de R$5,00 dos seus alunos. Os recursos arrecadados são utilizados
pela própria escola (nada é pago ao CDI). Aos que não podem arcar com esse valor é dada
a opção de realizar algum tipo de trabalho junto à escola. O objetivo é desvincular a
iniciativa de uma visão assistencialista e valorizar o serviço que está sendo oferecido.
No Afro Reggae, o “preço” também está associado ao valor que a instituição
pretende passar aos jovens interessados:
“Ele [o jovem] chega e começa a participar. Depois que começar a
participar do Afro Reggae ele não pode usar drogas, nem álcool,
nem tabaco – nenhuma droga, legal ou ilegal. Antes ele pode até
135
usar alguma droga, porque o importante é que ele se motive e entre
para o grupo, mas, depois não. Além disso, ele tem que estar na
escola e, mais do que isso, participar da vida escolar – ter seu
caderno, o boletim em dia. E a maneira de garantir isso são os
cerceamentos no ponto que mais afetam o jovem – e que nem sempre
é o bolso – que é o fato de não participar das atividades. Vários dos
participantes do Afro Reggae fazem shows, apresentações, então, se
ele não quer cumprir com esses deveres, ele perde o direito de se
manifestar artisticamente também”.
Como é possível perceber, a “cobrança” só acontece a partir do momento em que o
jovem já conseguiu perceber os benefícios advindos do trabalho do Afro Reggae. Em outras
palavras, sua oferta já se tornou, não só mais concreta, mas também mais desejada. A partir
dessa compreensão fica mais fácil “pagar” o preço, ou seja, se adequar aos valores do
grupo.
Na definição do seu preço, Afro Reggae e CDI estão em sintonia com Shapiro
(1973) que afirma que a parte intangível do preço – que diz respeito a valores, como tempo,
compromisso, esforço, amor, orgulho e prestígio - tem um efeito importante na percepção
sobre o valor recebido nas trocas das organizações que não visam o lucro.
Com relação aos doadores tanto CDI quanto Afro Reggae privilegiam a negociação
caso a caso, sem que existam valores pré-determinados. Octon (1983) afirma que essa é
uma situação comum no terceiro setor, onde normalmente é o “comprador” (doador) e não
o “vendedor”(organização) quem define o valor a ser pago, o que sugere que, nesses casos,
a organização tem pouco controle sobre os recursos que serão recebidos.
Nas duas organizações analisadas as doações acontecem tanto sob a forma de
recursos financeiros quanto de produtos ou serviços. No CDI os contratos, em geral, são
renovados a cada ano, mas o Comitê já tem conseguido fechar parcerias de maior fôlego,
com acordos de até três anos. Isso tem sido fundamental para garantir uma maior
estabilidade financeira para a organização. Afro Reggae ainda não possui uma política clara
em relação aos seus contratos.
136
Local de Atuação (Praça)
Como as organizações decidem onde vão atuar?
Segundo Shapiro (1973), a decisão de localização diz respeito essencialmente às
atividades de alocação e atração de recursos. No Afro Reggae, a primeira tarefa parece se
sobrepor à segunda na determinação dos locais onde o grupo vai atuar, como sugere o
discurso de José Jr.:
“A gente recebe solicitações para montar grupos do Afro Reggae em
centenas de favelas, até em outros países. Mas nós não temos
interesse. (...) A gente pensa muito nisso: se não for violento, a gente
não entra. Por exemplo, a gente recebeu um pedido da União
Européia para fazer um trabalho em cinco comunidades, mas
nenhuma delas tinha problema com tráfico, com a violência. Lá nós
seríamos apenas animadores culturais – o que não é o nosso
propósito”.
Já no CDI, que possui um modelo de atuação que busca a abrangência, na maioria
dos casos parece ser possível conciliar os dois tipos de interesses:
“A Phillips falou para gente que gostaria de montar escolas em
cidades onde ela está. Tudo bem, isso não é nenhum problema para
gente. A Basf, que fez um investimento grandioso em termos de
computadores, solicitou que a gente abrisse escolas de informática e
cidadania em torno das fábricas dela. É claro, a gente vai avaliar se
ali tem a necessidade da escola. Em outras palavras, tem que passar
pelo pré-requisito do local precisar da escola. A gente alia um pouco
o interesse do patrocinador, mas o que determina é esse critério do
CDI”.
137
O CDI conseguiu realizar uma política inovadora em relação à distribuição de seus
serviços. Com o modelo de “franquia social”, a organização obteve um crescimento
impressionante e difícil de ser alcançado pelas organizações com abordagens mais
tradicionais. O número de EICs cresceu de 11, em 1996, para 883, em 2003, em todo o
mundo. No Brasil, são cerca de 800 escolas. Este é um desempenho difícil de ser
encontrado em uma instituição sem fins lucrativos, que, em geral, enfrenta dificuldades
para realizar investimentos. O ponto central dessa estratégia está na formação de parcerias
com entidades locais que buscam o CDI com o propósito de abrir uma escola. Se tivesse
que bancar com toda a montagem e a manutenção de todo o empreendimento, o Comitê
provavelmente teria hoje uma atuação bem mais acanhada.
A abrangência do seu trabalho atua como um elemento importante na atração de
recursos, como explica Rodrigo Baggio no seu artigo:
“Evidentemente, a apropriação do conceito de franquia por uma
ONG traz vantagens e desvantagens. Entre as
vantagens
incontestáveis estão o aumento da visibilidade e da credibilidade do
trabalho entre os patrocinadores e apoiadores em potencial. A
maioria das empresas que investem no terceiro setor quer que sua
marca esteja ligada a um projeto com modelo de gestão eficiente. As
franquias sociais de sucesso tornam mais fácil a captação de
recursos, financeiros ou não, não só pela ´matriz` como pelos
franqueados”.
O modelo que permitiu que o CDI ampliasse suas atividades, no entanto, pode
também representar um risco para a organização. Em 2003, a entidade reduziu o ritmo de
seu crescimento, num esforço para garantir a qualidade dos seus serviços. A principal
preocupação do CDI é não se tornar simplesmente uma escola de informática para a
população mais pobre. Através do seu projeto pedagógico a instituição espera contribuir de
maneira efetiva para a inclusão social. Para tal é preciso um acompanhamento, que se torna
138
praticamente impossível diante de uma expansão muito acelerada. O objetivo do CDI é
visitar cada escola pelo menos uma vez por mês, o que nas dimensões atuais tem sido uma
tarefa dificultada pelo número atual de coordenadores pedagógicos.
O problema do controle do canal foi inicialmente apontado por Ford (1976). O autor
argumenta que na medida em que lida com voluntários ou outras instituições sem fins
lucrativos, a organização pode enfrentar dificuldades para garantir a qualidade da sua
oferta. Essa questão foi colocada por Schneider:
“Nosso desafio é garantir que aquela entidade que procurou o CDI
tenha condições de desenvolver aquele trabalho. Ela tem que ser
capacitada para aquilo e da mesma forma acompanhada de perto, no
começo, e supervisionada sempre ao longo de sua vida toda, já que o
trabalho pode se desvirtuar com o tempo. As pessoas mudam, o
trabalho depende dos que estão ali. Essas ONGs comunitárias,
nossas parceiras, são entidades com uma certa fragilidade,
institucionalmente falando. Você não tem um suporte muito bom,
então, aquele trabalho pode se desvirtuar se não tiver um
acompanhamento de perto”.
Outro problema levantado pelo autor em relação aos intermediários diz respeito a
conformidade e confiabilidade da oferta, ampliando o risco de gerar serviços diferenciados
para diferentes públicos. Essa questão não parece ser vista como um problema em si para o
CDI, que procura privilegiar a diversidade – desde que sejam seguidos a sua metodologia e
os seus princípios básicos de atuação.
Ford (1976) cita ainda a dificuldade de fazer com que boas experiências locais
sejam replicadas em outras regiões. Para superar esse problema, o CDI conta com
ferramentas como os relatórios e a reuniões mensais, onde todos os coordenadores das EICs
se reúnem para discutir seus problemas e possíveis soluções.
139
Promoção
Que atividades de promoção são desenvolvidas por essas organizações?
Dentre as atividades de marketing analisadas, a promoção é a que possui um papel
de maior destaque na estrutura das duas instituições, o que está de acordo com Ford (1976)
e Octon (1983), que apontam as atividades de promoção como as que normalmente
recebem maior atenção no marketing das organizações que não visam o lucro. Tanto que
existe pessoal contratado para cuidar das áreas relacionadas com a publicidade (assessoria
de imprensa e relações públicas) e captação de recursos. No Afro Reggae e no CDI há
coordenações destinadas a cuidar especificamente da comunicação. No CDI existe ainda
uma coordenação de relações institucionais, que cuida dos novos contatos e o
relacionamento com patrocinadores.
Além disso, no Afro Reggae e CDI as atividades de promoção chegam a se
confundir com o próprio conceito de marketing. José Jr. destaca as diversas atividades que
o Afro Reggae já desenvolve:
“A gente tem dois programas de rádio, uma assessoria de imprensa,
a mala direta por email”.
Afro Reggae e CDI se baseiam fortemente no trabalho da assessoria de imprensa
para conquistar espaços gratuitos nos veículos de comunicação. Essa estratégia, que
privilegia a publicidade, é facilitada pelo interesse natural da mídia em relação aos temas
trabalhados pelas duas entidades (cultura e tecnologia) e pela boa receptividade às ações
filantrópicas. Essa forma de atuação é também a mais aceita pela sociedade, porque não
representa custos elevados para a instituição. Como expressado por Schneider - “é muito
descabido você ter um orçamento apreciável e gastar com altos custos de propaganda”.
As duas instituições parecem ter uma preocupação com o controle dessas atividades,
exercendo um papel ativo em relação aos temas e aos veículos em que estarão sendo
divulgados. Esse fato é reforçado também pela realização de eventos, como o Dia da
140
Inclusão Digital (CDI) e os batizados ou lançamento de novos projetos (Afro Reggae).
Nessas ocasiões as duas entidades conseguem conquistar grandes inserções na mídia,
através dos espaços editoriais (não pagos).
Além de viabilizar uma comunicação de maior credibilidade (já que são
“intermediadas” por veículos de comunicação em princípio neutros), o trabalho de
assessoria de imprensa permite trabalhar de maneira mais abrangente o tema relacionado a
suas missões. Através de amplas reportagens, CDI e Afro Reggae conseguem colocar em
discussão as questões da inclusão digital e a situação de risco dos jovens moradores de
favelas. Nesse sentido, conseguem alcançar o desafio exposto por Octon (1983), que é de
produzir mensagens com um duplo papel: ao mesmo tempo educar e persuadir para atrair
recursos.
Outras maneiras utilizadas na comunicação das duas organizações com seus
públicos foram relatadas pelos entrevistados. O CDI, através do coordenador de relações
institucionais, costuma visitar freqüentemente empresários num esforço para divulgar o
trabalho da organização e atrair recursos. Os coordenadores do Afro Reggae conversam
pessoalmente com jovens considerados em situação de risco. Essa “abordagem” constituise em uma conversa informal onde os representantes da organização convidam esses
adolescentes a conhecer e integrar as oficinas.
Assim como a assessoria de imprensa, essa forma de atuação que poderia ser
considerada uma espécie de “venda pessoal” parece adequada, pois representa custos
baixos e possui credibilidade, já que está baseada na comunicação interpessoal (KOTLER,
1998).
O Afro Reggae tem nos shows e eventos outro elemento importante da sua
promoção. O grupo tem consciência da importância dessas ações para atrair a atenção dos
jovens das favelas e de possíveis patrocinadores para o seu trabalho e, por isso, costuma
aproveitar essas oportunidades onde quer que elas aconteçam:
“A banda AfroReggae passava a se apresentar em diversos pontos
da cidade. Noventa por cento desses locais eram desprovidos de
tudo. Queríamos mostrar o resultado social do nosso trabalho, por
141
isso dificilmente recusávamos um convite. Era só entrar com o
lanche e um transporte que estava tudo certo. Estivemos na
inauguração de uma escola de informática, fomos a igrejas,
associações de moradores, festas juninas, manifestações de todo o
tipo”. (JÚNIOR, 2003, p. 116)
Afro Reggae e CDI já deram os primeiros passos no uso da internet como meio de
comunicação e divulgação, mantendo suas próprias homepages, onde os interessados
podem obter diversas informações e entrar em contato com as instituições. As entidades
parecem dispostas a explorar as possibilidades que surgem através desses meios, como
sugere José Jr. na sua entrevista:
“A internet é um grande instrumento de revolução. Várias
campanhas mundiais hoje são feitas pela internet, por email. (...) É
uma ferramenta revolucionária, que ainda não está cumprindo seu
papel como deveria – vai significar ainda mais! Eu acho que o Afro
Reggae tem que estar conectado nisso. Não só o Afro Reggae, mas
vários grupos. A gente busca a nossa evolução. Então, temos um site,
que em breve vai ser um portal e não será só do Afro Reggae”.
A visão do Afro Reggae se afina com as idéias de Saxton (2001) e Olsen et al
(2001), que destacam o uso das novas tecnologias como um campo promissor para
promoção das organizações sem fins lucrativos. Apesar desse interesse, assim como
acontece com as organizações estudadas por Saxton (2001), Afro Reggae e CDI ainda
fazem um uso limitado dos recursos da grande rede. No conteúdo oferecido estão apenas
informações básicas e notícias. Nenhuma das duas entidades oferece, por exemplo, a opção
de doações via cartão de crédito ou serviços de chat para discussão de temas afins
(SAXTON, 2001).
CDI e Afro Reggae parecem estar restritos ainda às tarefas de “conexão” e
“comunicação”, que se referem ao nível mais básico de relacionamento com seus públicos
142
através do email. Essas organizações ainda não implementam o “diálogo” (conhecer as
preferências através do controle da navegação), o “apelo” (quando se busca conquistar
doações) e o “reconhecimento” (o agradecimento personalizado às contribuições dos
eventuais colaboradores) (OLSEN et al, 2001). Desenvolver essas atividades parece ser um
desafio futuro para essas duas instituições, principalmente, se elas vierem a implementar
programas de doação individuais – o que é uma realidade para muitas organizações em
atuação no Brasil como o Greenpeace e o WWF13.
Evidência Física
Como as organizações administram suas evidências físicas?
Administrar as evidências físicas, como mobília, veículos, placas de informação,
uniformes, equipamentos, entre outros aspectos físicos, fazem parte da gerência de
marketing na medida em que fornecem aos clientes informações sobre o serviço a ser
prestado (LOVELOCK, 2002; ZEITHAML e BITNER, 2003).
No caso das franquias essa preocupação é ainda mais comum na medida em que
permitem ao cliente se sentir “num território conhecido”. O CDI, apesar de se reconhecer
como uma franquia social, evita estabelecer tais padrões.
O que poderia ser considerado uma falha na administração de uma empresa, no caso
do CDI parece se reverter em força. Na medida em que dá liberdade aos seus parceiros, o
CDI viabiliza a adaptação aos valores locais. Afinal, seria difícil imaginar um padrão único
que pudesse servir de maneira adequada tanto aos internos de um hospital psiquiátrico, aos
jovens de uma oficina no interior do Ceará e a índios de uma aldeia em Angra dos Reis.
No caso do Afro Reggae o grupo parece entender intuitivamente o conceito de
evidência física, colocando-o em prática, por exemplo, no que eles chamam de
“abordagem” – quando o coordenador do grupo utiliza um tênis Nike e um caríssimo
casaco da moda para conversar com jovens da favela. José Jr. percebe que seu público alvo
13
Consulta aos sites www.greenpeace.org.br e www.panda.org.br
143
estará fazendo uma leitura “desse uniforme”, intuindo a partir daí o que poderia significar
na sua vida a participação no Afro Reggae. A roupa do coordenador representa um
importante instrumento de persuasão para esses garotos, que “compram” assim o trabalho
da instituição. Como ilustra o texto de José Jr. esse é um dos elementos que o Afro Reggae
administra conscientemente:
“Entramos no mundo do tráfico pela porta da frente. Criamos um
grupo de elite (...) para abordar jovens que estivessem direta e
indiretamente envolvidos com a criminalidade. Assim, passamos a
nos dedicar à sedução e ao envolvimento da galera ociosa. (...)
Nossa linguagem e outros instrumentos metodológicos eram
parecidos com os da narcocultura que impera nas favelas do Rio há
30 anos. Falamos em poder, em hierarquia. E usamos roupas de
marca, porque gostamos e porque assim também despertamos a
cobiça, a vaidade e a auto-estima dos meninos. O objetivo maior é
que os jovens das favelas não tenham mais só traficantes como seus
ídolos. Em vez de fuzis, oferecíamos instrumentos musicais”.
(JÚNIOR, 2003, p. 127).
Pessoas
Como as organizações recrutam, treinam e motivam seu pessoal e administram as
interações entre clientes?
Profissionais que lidam diretamente com o público têm enorme responsabilidade no
marketing da empresa. Portanto, o esforço de recrutar, treinar e motivar esses profissionais
é também uma tarefa do Marketing da empresa de serviços. (LOVELOCK, 2002;
GRÖNROOS, 1995). O Afro Reggae parece colocar em prática essa visão, ainda que de
maneira intuitiva. A preocupação em garantir que cada funcionário seja um bom
144
representante da organização pode ser percebida na entrevista da coordenadora
administrativa:
“Quando ela chega aqui [a pessoa contratada] a gente tem alguns
procedimentos, algumas regras, que procura deixar claro desde o
início: não beber e não fumar, principalmente no local de trabalho.
Depois a gente diz claramente que ela está entrando num lugar que
tem um espelho enorme aí fora e que ela naquele momento ‘é’ a
instituição. Ela pode ter sido contratada hoje ou há dez anos, mas ela
‘é’ a instituição - o que faz com que tenha muita responsabilidade
nesse momento. Então a gente recebe as pessoas aqui de uma
maneira muito transparente e deixa claro: ‘fique atenta porque hoje
você faz parte de uma instituição que é reconhecida, badalada, mas
que tem um cotidiano completamente diferente do sorriso, do
palco’”. (Márcia Florêncio)
Esse cuidado se verifica também na contratação. O Afro Reggae tem uma política
clara de privilegiar voluntários ou jovens que participam do projeto. Dessa maneira, a
instituição tem a possibilidade de selecionar pessoas que tenham afinidade com o trabalho e
a filosofia da instituição. Mais do que isso, como já se comentou, esse modelo tem um
papel fundamental na transformação da realidade dos jovens que entram para o projeto.
Dentro do Afro Reggae o jovem consegue visualizar, ainda que informalmente, um
“plano de carreira”, percebendo as etapas que ele precisa galgar. Além da motivação, essa
gradação possibilita uma espécie de treinamento interno informal, onde o aluno vai se
desenvolvendo passo a passo.
“Ninguém entra no Afro Reggae para ser coordenador. Posso dizer
que 99% dos coordenadores foram voluntários ou alunos. Aí você
passa de aluno a monitor. De monitor a instrutor jr., de instrutor a
145
agente de projeto, de agente de projeto a coordenador. Em geral ele
passa por tudo isso. (...)”.
Além de privilegiar o recrutamento interno, o Afro Reggae procurou desenvolver e
aperfeiçoar a forma de contratação de profissionais, como assistentes sócias ou psicólogas,
que não podem ser formadas internamente, mas precisam entender o contexto real da
atividade da instituição:
“(...)Tendo passado por tantas experiências de contratação, às vezes
complicadas, a gente procura fazer com que o momento final da
seleção seja no lugar onde a pessoa vai trabalhar. Porque vir aqui,
fazer a entrevista no escritório, é radicalmente diferente da favela.
Em fevereiro, por exemplo, a gente contratou uma assistente social
que no final do mês pediu para sair. Ela foi parada pela polícia não
sei quantas vezes, teve que se abaixar no chão por causa dos tiros,
então, ela não segurou. Por isso, agora, uma das etapas da seleção
que a gente faz é direto no campo”.
O Afro Reggae começa a preocupar-se também com a qualificação do grupo e inicia
a preparação de seminários internos onde procura discutir problemas e soluções e
compartilhar os principais conhecimentos adquiridos através da prática. Esses encontros,
entretanto, ainda não são sistemáticos. A questão do treinamento formal dos funcionários
também já faz parte do horizonte da instituição, que estuda suas necessidades no momento:
“Temos uma equipe que no todo é muito disposta - dificilmente
alguém aqui faz corpo mole. Mas é uma equipe que também precisa
se qualificar mais. Estamos discutindo que qualificação é essa que
cada um precisa, porque não é uma qualificação comum. A
qualificação comum está se dando dentro de seminários e encontros
promovidos regularmente. Mas algumas pessoas precisam de
146
estruturas muito específicas dentro da sua área. Talvez esse seja um
passo mais avançado da gente, mas que não é agora”. (Márcia
Florêncio).
Além do cuidado na seleção de pessoal, no treinamento, motivação e ambiente
interno, o Afro Reggae parece estar buscando colocar em prática o conceito de pirâmide
invertida, onde toda a gerência da organização procura atuar no sentido de possibilitar o
melhor desempenho para os que estão em contato direto com o cliente (SCHLESINGER E
HESKETT, 1991), como sugere o depoimento da coordenadora administrativa:
“Procuramos trazer para a administração os valores que a gente
agrega no campo social. (...) A minha função é dar conta desse novo
pensar. Isso na prática é você conhecer bem o funcionário com quem
você trabalha. (...) Porque o pessoal da Administração era visto
como o ‘bicho papão’, aquele pessoal que você não pode falar nada
porque está sempre de mal humor. O que nós imaginávamos, quando
houve essa ultima mudança, é que deveria ser um setor funcional,
bem humorado, pronto para lidar com o público. (...) Então se a
gente consegue ter um trabalho organizado aqui, quem está na ponta
vai ver seus reflexos de imediato. A gente começou a valorizar esse
trabalho, não como um trabalho qualquer, mas algo que dá
consistência para a instituição estar firme, de pé. (...) Esse foi o
nosso grande desafio de fazer com que as pessoas que estejam
trabalhando nas suas ações do cotidiano nos vejam como um grande
complemento para o que ela está fazendo”. (Márcia Florêncio)
No CDI, a preocupação em relação aos educadores e coordenadores que vão
trabalhar diretamente com os alunos pode ser percebida pela política de treinamento. Antes
de abrir uma nova escola, esses profissionais passam por um curso intensivo de 70 horas.
Depois desse período, seu trabalho é acompanhado sistematicamente pelas assistentes
147
pedagógicas. Além disso, mensalmente os educadores participam de oficinas em outras
EICs, onde é possível aprender a partir das experiências que estão sendo desenvolvidas em
outras localidades.
A escolha e contratação desses profissionais ficam a cargo dos parceiros locais do
CDI. Isso, de maneira geral, contribui para que essas pessoas tenham uma afinidade com a
comunidade em que vão estar atuando.
Na contratação dos funcionários que atuam internamente, o CDI parece utilizar
políticas parecidas com as desenvolvidas nas empresas em geral. Embora não tenham um
processo de avaliação formal, a estrutura enxuta e pouco hierarquizada permite que todos
conheçam seus objetivos, como argumenta Schneider:
“A gente está num processo de formalização cada vez maior, mas
ainda não tem uma avaliação formal. Como ainda é uma equipe
bastante pequena a avaliação mais informal funciona e o
planejamento estratégico de toda a organização ‘desce’ muito
rápido. A pessoa já tem definida a expectativa em relação a ela, já
que algumas funções serão atribuídas pelo planejamento estratégico
e pela meta que foi colocada em relação àquela tarefa. Então o
nosso planejamento estratégico é muito pragmático, passa muito
rápido das linhas estratégicas para ações efetivas”.
A manutenção dessa estrutura se afina com a visão de Schlesinger e Heskett (1991).
Para os autores, sem uma organização enxuta, a alta gerência não consegue transmitir as
decisões operacionais até a linha de frente.
Através de ações, como os encontros e seminários internos e a manutenção de uma
estrutura sem muitos níveis hierárquicos, Afro Reggae e CDI parecem compreender a
importância de se partilhar o conhecimento produzido a respeito do trabalho entre todos os
funcionários da organização. Como entendido por González et al (2001) essa é uma das
características fundamentais das organizações orientadas para mercado.
148
Em relação aos jovens que participam do projeto, o Afro Reggae demonstrou uma
preocupação forte em relação à disciplina. A preocupação com o comportamento geral dos
alunos se afina com a dos autores de serviços (LOVELOCK, 2002; ZEITHAML e
BITNER, 2003), que destacam a importância de se administrar a ação dos próprios clientes,
já que a interação entre eles terá impacto na qualidade do serviço.
Os coordenadores são instruídos a manter padrões rígidos durante o trabalho, como
explica José Jr.:
“(...)A maioria das queixas é porque o cara [o coordenador] pega
pesado com a disciplina. Mas, na favela, tem que pegar mesmo. Se
deixar eles te dão tapa na cara”.
Márcia Florêncio explica ainda que todos os problemas relacionados ao
comportamento dos jovens são discutidos em grupo.
Essa dinâmica garante um
aprendizado e a conscientização em relação às regras. Os descontos realizados nos casos de
indisciplina são aplicados no próprio projeto, dando um sentido maior e coletivo à pena, já
que ela termina sendo revertida para o bem de todo o grupo:
“Se o jovem tiver qualquer problema, o desconto na sua bolsa é
revertido para a formação do próprio grupo. Recentemente, por
exemplo, teve um desconto por atraso, e eles próprios se reuniram e
decidiram que o dinheiro deveria comprar determinado material.
Isso dá uma responsabilidade muito grande, um senso de
participação que é diferente de quando você só recebe a bolsa e vai
embora, porque vira salário”.
149
Tabela 5 - Resumo da Análise
Tema
Conceitos Básicos
Visão Geral
CDI
Aceita a utilização do
marketing, ressaltando
preocupação ética e de custos.
Confusão conceitual (como
promoção)
Afro Reggae
Aceita a utilização do
marketing. Confusão conceitual
(marketing como promoção)
Erros Segundo Andreasen
(1982):
1 e 2) Não. Desenvolvimento
da metodologia, busca por
1) Ver a oferta como
parceiros para facilitar
inerentemente desejável;
aceitação
2) Acreditar que o
3) Sim. Abordagem mais
consumidor é ignorante;
profissional.
3) Enfatizar demais as
4) Em parte. Não fazem
atividades de promoção;
pesquisas formais, mas ouvem
4)Ver pesquisa de mercado os parceiros locais e doadores.
como secundário;
Pouca informações s/ alunos.
5) Ter uma única estratégia 5) Não. Trabalha segmentos
de marketing;
diversos.
6)Ignorar a competição
6) Em parte. Destaca
genérica;
colaboração.
7) Staff de marketing pelo 7) Não. Contratação de Cristina
conhecimento funcional e
de Luca
não do mercado.
1 e 2) Não. Adoção de projetos
de projetos da comunidade.
Atenção às reclamações dos
jovens. Preocupação por criar
linguagem atraente.
3) Sim. Abordagem mais
profissional.
4) Em parte. Não fazem
pesquisas formais, mas ouvem
os jovens atendidos. Pouca
informação s/ doadores.
5) Não. Trabalha segmentos
diversos.
6) Em parte. Destaca
colaboração, mas não coloca
em prática
7) Não. Prioriza seleção interna.
Três posturas da
orientação para mercado,
segundo González et al
(2002)
1)Gerar inteligência sobre
os elementos relevantes;
1) Sim, levantamento informal 1) Sim, levantamento informal
das informações, discussões em das informações, criação do
Nucleopar.
encontros. No futuro internet
para acessar os alunos.
2)Propagar na instituição
esse conhecimento;
2) Sim, oficinas e encontros
mensais com parceiros.
Orientação
3) Produzir respostas
3) Marketing mix consistente.
capazes de gerar satisfação No entanto, pouco controle
dos beneficiários / doadores sobre as ações.
Colaboração para o auto- Sim. Coloca em prática essa
aperfeiçoamento
visão através do modelo de
(Shapiro, 1973; Liao et al, parcerias.
2001)
2) Sim, seminários e
participação da coordenação no
campo. Desafio: formalização.
3) Marketing mix consistente.
No entanto, pouco controle
sobre as ações.
Em parte. Acredita nessa visão,
mas tem poucas possibilidades
reais de intercâmbio.
150
1 – Análise
Sim. “Trabalho eclético”.
Foco no jovem da favela, mas
dialoga com classe média,
instituições nacionais e
internacionais.
- Público mais amplo do
que as empresas (Shapiro,
1973; Octon, 1983; Yorke,
1984; Bruce, 1995;
Drucker, 2002)
- Know-how no
assessoramento para
montagem e gestão de
escolas de informática e
cidadania eficientes.
Abrangência geográfica
– Capacidade de atuar em
ambientes violentos.
Credibilidade e vínculos com
as comunidades que atua.
Transformação através da
arte.
- Modelo focado nos
doadores (recursos
viabilizam trabalho com
parceiros locais). Equilíbrio
entre as fontes, gerando
autonomia. Relação com os
beneficiários finais
intermediada pelos
parceiros locais.
– Doadores no terceiro setor
ou governo. Busca de
autonomia através de uma
política de auto-sustentação
(através da venda de shows,
eventos e produtos). Relação
direta com beneficiários.
- Dificuldades relacionadas
à informação, restrição de
dados sobre o mercado,
vendas, etc. (Ford, 1976;
Octon, 1983)
1)Informação sobre os
beneficiários:
Parceiros - através de
relatórios e encontros.
Alunos - Dados
intermediados por parceiros.
2) Informações sobre
doadores: obtidas através de
encontros e conversas
informais freqüentes.
1) Informação sobre os
beneficiários: conversas
informais. Afinidade entre
funcionários e beneficiários.
Parcerias com universidades.
2) Sobre doadores: conversas
informais, com parceiros ou
em palestras sobre o trabalho
do grupo. Pouca afinidade.
- Possível conflito de
interesses entre
beneficiários e doadores
(Shapiro, 1973; Ford, 1976;
Octon, 1983)
– Sim, tendência dos
patrocinadores a valorizar a
abertura de novas escolas (e
não a manutenção). Procura
conciliar interesses.
– Sim. Alguns patrocinadores
esperam atender crianças
maltrapilhas e doentes. O
grupo prefere investir na
auto-estima dos jovens.
- Cenário mais complexo ,
onde competidores não são
evidentes (Gallanger e
Weinberg, 1991)
– Sim, rejeitam competição
no terceiro setor.
– Sim, rejeitam competição
no terceiro setor. Tráfico de
drogas como seu competidor.
- Dificuldade de
implementar uma estratégia
de segmentação, com foco
em poucos segmentos
(Yorke, 1984; Octon, 1983)
- Sim. Está em todo país,
em presídios, hospitais,
aldeias, etc. Atuação
facilitada pelos parceiros e
foco na informática.
– Sim. Atende de crianças de
quatro anos a idosos. Mas,
segmenta geograficamente,
atuando apenas em quatro
localidades.
- Competência distintiva,
na qual a organização deve
se concentrar (Shapiro,
1973)
- Dois tipos de cliente: os
Gerência de beneficiados e doadores
Marketing (Shapiro, 1973)
151
2 – Planejamento
– Escolas de Informática e
Cidadania e seus cursos
Doadores: Jovens mais
preparados p/ trabalho;
valorização da marca etc.
Parceiros: Know-how e
credibilidade
Alunos: Ocupação,
capacitação p/ trabalho etc.
– Oficinas, bandas, shows,
eventos, CDs, instrumentos,
camisetas, etc
Doadores: Diminuição da
violência; valorização da
marca etc.
Alunos: Remuneração, lazer,
inserção mercado trabalho etc
- Complexidade da política
de produto determinada
pela missão (Shapiro,
1973)
– Missão mais objetiva,
política de produto
simplificada (um único).
– Missão mais abrangente,
diversos produtos.
- Desenvolvimento do
produto
– Contínuo, gerado pela
interação entre toda rede de
parceiros. Personalizado de
acordo com o perfil da
entidade local.
– Criação interna ou
“adoção”. Foco principal a
questão social.
- Portfólio de produtos:
centrais, suplementares ou
de atração de recursos
(Lovelock e Weinberg,
1983)
- Política simplificada - só
produto central (escolas e
oficinas)
Portfólio “completo”:
Centrais: oficinas e bandas
Suplementares: camisetas e
instrumentos
Atração de recursos: shows,
eventos e cds.
- Produtos em geral
intangíveis e difíceis de
avaliar (Shapiro, 1973;
Gallanger e Weinberg,
1991)
- Associação dos recursos
obtidos à abertura e
manutenção de escolas.
- Shows das bandas e
participação dos alunos nas
palestras sobre o grupo.
– Elaboração de projeto
como preço (parceiros).
– Aconselha cobrança de
valores em torno de R$5,00
para valorizar serviço
(alunos)
– Nada é cobrado a princípio.
Ao integrar projeto, disciplina
escolar e restrições às drogas.
2.1 – Produto
– Significa diferentes
coisas para os diferentes
públicos (Ford, 1976)
2.2 Preço
- Traz aspectos monetários
e não monetários. Parte
intangível tem função
importante (Shapiro, 1973)
- Pouco controle sobre as
doações (Octon, 1983)
- Negociação caso a caso,
sem valores fixos.
- Negociação caso a caso,
sem valores fixos.
152
2.3 Praça
- Determinante na alocação - Decisão concilia alocação
e atração de recursos.
e atração de recursos
(Shapiro, 1973)
- Intermediários
(voluntários ou
instituições) podem ter
efeito no resultado do
trabalho (Ford, 1976).
- Alocação de recursos
determina localização.
– Modelo de franquia social – Atuação direta, sem
intermediários (crescimento
permite crescimento
“orgânico”)
acelerado e tem efeito na
atração de recursos.
- Preocupação com a
qualidade reforçada em
2003.
– Diversidade como valor
essencial.
2.5 Promoção
- Área que recebe grande
atenção (Ford, 1976) e se
torna atividade de
marketing mais visível
(Octon, 1983)
- Precisa informar e
persuadir, ter ética e bom
senso (Octon, 1983)
- Novas tecnologias como
instrumento fundamental
na promoção do terceiro
setor (Saxton, 2001; Olsen
et al, 2001)
– Sim. Departamento formal – Sim. Departamento formal
dentro do organograma.
dentro do organograma.
– Foco na assessoria de
imprensa e contato pessoal.
Discussão da inclusão
digital e divulgação do
trabalho.
– Parcerias e doações na
realização de anúncios.
– Foco na assessoria de
imprensa e contato pessoal.
Discussão do apartheid social
e divulgação do trabalho.
– Uso ainda restrito
(informações, notícias e
agendamento de doações).
– Uso ainda restrito
(informações, notícias e
conexão portal Viva Favela).
– Parcerias e doações na
realização de anúncios.
153
2.6 Pessoas
- Funcionários são os
marketeiros de plantão,
responsáveis por cumprir as
promessas
feitas
aos
clientes, “nas horas da
verdade”. (Lovelock, 2002;
Grönroos, 1995)
- 70 horas de treinamento
para abertura de escola.
Acompanhamento
sistemático. Discussão com
as outras escolas da rede,
como fonte de
aperfeiçoamento.
- Profissionais como
representantes da instituição,
seleção interna, plano de
carreira, contratação no
campo, “pirâmide invertida”.
- Interação entre clientes
também precisa ser
administrada. (Lovelock,
2002; Grönroos, 1995)
– Padrões de
comportamento
determinados pelas escolas.
– Forte preocupação com a
disciplina. Punições são
revertidas para o grupo,
através de decisão coletiva.
Mobília, veículos, placas de – Não padronização como
possibilidade de adequação
informação, uniformes,
equipamentos, entre outros aos diferentes públicos.
aspectos físicos fornecem
evidências tangíveis sobre
as características do serviço
de determinada
organização. (Lovelock,
2002)
– Preocupação com o
vestuário na abordagem ao
grupo alvo.
2.7 Evidência Física
154
VI Conclusão
Esse item revê os aspectos mais importantes desse trabalho, trazendo algumas
considerações finais e sugestões de estudos futuros.
6.1 Considerações Finais
Afro Reggae e CDI possuem diversas similaridades e muitas diferenças. O ano de
1993 marca as primeiras iniciativas que deram origem aos seus trabalhos. As duas
organizações estão voltadas para a questão da inserção social, a partir de aspectos que estão
na “ordem do dia”: o primeiro através da cultura; o segundo pelo uso da informática.
Rockefeller (1971), num texto clássico republicado pela Harvard Business Review
em 2003, sugere quatro critérios para se avaliar uma iniciativa na área social: atender a uma
necessidade real da população local; possuir uma abordagem inovadora, através de métodos
próprios; fazer sentido em termos econômicos; e, por fim, respeitar as normas sociais da
comunidade. Afro Reggae e CDI demonstraram possuir a preocupação com cada uma
dessas quatro questões e, talvez, por isso, tenham alcançado o reconhecimento do seu
trabalho, através de prêmios e do crescimento de suas atividades.
Nesse último aspecto, optaram por caminhos diferentes: o Afro Reggae de maneira
“orgânica”, com a ampliação das atividades gerada pela formação interna de novas
lideranças; o CDI pela realização de parcerias com outras entidades e sistematização do seu
modelo pedagógico.
O CDI busca o seu equilíbrio financeiro pelo aperfeiçoamento da atividade de
captação de recursos. No Afro Reggae, o foco está na busca de meios para autosustentação, através da venda de shows, eventos, instrumentos musicais e roupas.
Esse estudo procurou investigar como organizações do terceiro setor vêem e
colocam em prática conceitos e ações do Marketing no desenvolvimento de suas atividades.
Os resultados mostram que, se por um lado, elas têm muito a ganhar com esse
conhecimento criado originalmente para os negócios, por outro, também podem representar
bons exemplos para os profissionais de marketing em atividade nas empresas.
155
O conceito de marketing, embora muito simples de ser compreendido, mostra-se
muito difícil em sua prática que exige o constante exercício de se colocar no lugar do
consumidor. No seu discurso, Afro Reggae e CDI demonstram forte preocupação em
entender, ouvir e se aproximar do seu público-alvo, modificando suas ofertas a partir
dessa interação. De maneira informal, essas instituições se colocam numa posição de
“intimidade” com seus clientes. Para isso seus funcionários dedicam grande parcela do seu
tempo e esforços em conversas, reuniões e seminários.
Tanto no Afro Reggae quanto no CDI os “produtos” são criados e
aperfeiçoados em parceria com os clientes. Até mesmo por isso suas ofertas são
“únicas” e não resultado do modelo de outras organizações. No CDI, o desenvolvimento
do produto (EIC) se dá a partir da interação entre CDI e o parceiro local, que tem liberdade
para adaptar a metodologia ao perfil do seu público. Sem impor padrões rígidos, o CDI abre
espaço para que os coordenadores pensem sua oferta de acordo com a particularidade do
seu público.
No Afro Reggae, o desenvolvimento de “novos produtos” pode seguir pelo menos
dois caminhos distintos, sendo pensado dentro da estrutura ou surgir a partir de uma
iniciativa externa, da própria comunidade. Essa abertura ao que acontece fora da instituição
fez com que o Afro Reggae adotasse três bandas criadas espontaneamente por meninos de
Vigário Geral.
Além do que poderia ser chamado de um processo mais flexível para desenvolver
produtos, as duas organizações procuram incorporar sugestões dos clientes em suas
melhorias. Assim, insatisfações e sugestões podem levar a mudança na configuração do
que oferecem:
Para o marketing, preço não deve ser uma declaração apenas de custos, mas
principalmente de valor. Esse parece ser um princípio destas duas instituições que
procuram adequar os “preços” à realidade dos seus clientes. Embora não cobre qualquer
valor monetário dos seus parceiros comunitários, O CDI submete todos os interessados em
montar novas ECIs a uma rigorosa análise. Para se candidatar, é preciso produzir um
projeto que especifique as condições de instalação e manutenção da escola. Dessa maneira,
156
o CDI faz com que a efetiva constituição de uma escola seja fruto de um esforço sério e
bem intencionado, o que considera fundamental para a sua continuidade no futuro.
Seguindo o mesmo raciocínio, o CDI aconselha seus parceiros comunitários a
cobrar valores entre R$ 5,00 e R$ 10,00 dos seus alunos. Os recursos arrecadados são
utilizados pela própria escola (nada é pago ao CDI). Aos que não podem arcar com esse
valor é dada a opção de realizar algum tipo de trabalho junto à escola. O objetivo é
desvincular a iniciativa de uma visão assistencialista e valorizar o serviço que está sendo
oferecido.
No Afro Reggae, o “preço” também está associado ao valor que a instituição
pretende passar aos jovens interessados. A “cobrança” só acontece a partir do momento em
que o jovem já conseguiu perceber os benefícios advindos do trabalho do Afro Reggae. Em
outras palavras, sua oferta já se tornou, não só mais concreta, mas também mais desejada.
A partir dessa compreensão fica mais fácil “pagar” o preço, ou seja, se adequar aos valores
do grupo. Na definição do seu preço, Afro Reggae e CDI priorizam a parte intangível –
que tem um efeito importante na percepção dos clientes a respeito do valor recebido
nas trocas.
A localização também é determinada a partir das necessidades do seu público.
No CDI, essa decisão se origina na própria comunidade, que busca o apoio no CDI. Já o
Afro Reggae, por exemplo, declara que só atua em locais violentos.
As duas instituições se preocupam com o conteúdo da comunicação gerada
para os clientes – procurando retratar efetivamente o que elas oferecem. Nas duas
instituições foi possível notar ainda a preocupação com a formação e desempenho dos
profissionais que estão em contato com o público e com a qualidade do atendimento.
Mesmo sem dominar a teoria de marketing – nas duas organizações, assim como
acontece em muitas empresas, o conceito de marketing é confundido com as atividades de
promoção - Afro Reggae e CDI parecem colocar em prática a orientação para seus clientes.
Ao contrário de muitas corporações onde as ações de marketing são um fim em si mesmo, a
filosofia de marketing se origina na própria missão da organização. A “pesquisa” nasce do
verdadeiro desejo de conhecer o que pensa o jovem que está sendo atendido pelo projeto. A
satisfação pode ser medida pelas conversas com os alunos (Afro Reggae) e nos encontros
mensais, onde os diversos parceiros colocam em discussão os seus problemas (CDI). O
157
“preço” é estabelecido a partir do genuíno interesse de que aquele cliente se envolva com
seu produto. Os funcionários se motivam diante da certeza de estar trabalhando por uma
causa que vale a pena. O local é definido pela necessidade em relação ao trabalho de cada
instituição e a comunicação se preocupa em ser ética. Assim, por trás de cada decisão
predomina a preocupação com aquele que está na ponta do trabalho.
Nesse sentido, as duas organizações trazem uma lição importante – que talvez já
seja “conhecida”, mas ainda não foi “aprendida” por muitas empresas: é muito mais fácil
implementar o marketing quando ele faz parte da filosofia da organização. O genuíno
desejo de criar e atender bem aos seus diferentes públicos precisa estar na origem de
qualquer ação.
Tanto Afro Reggae quanto CDI demonstraram interesse pela utilização do
marketing, ressaltando, entretanto, a necessidade de se trabalhar de maneira ética e se
limitar os gastos nessa área. Uma pergunta natural é como o conhecimento formal das
ferramentas de marketing poderia ajudar essas organizações? Os dois casos estudados nos
fornecem algumas respostas para essas perguntas.
No Afro Reggae e CDI boa parte das decisões relacionadas às tarefas de análise e
planejamento de marketing parece ocorrer de uma maneira que poderia ser chamada de
intuitiva. Isso não impede que, em diversos aspectos, as ações estejam em sintonia com as
questões levantadas pelos teóricos de marketing. No entanto, o crescimento que as duas
organizações têm vivido parece apontar para a necessidade de uma abordagem mais
formalizada e profissional.
Analisando a trajetória do CDI é possível destacar alguns aspectos significativos: o
primeiro deles é a capacidade de mobilizar recursos, através das doações. A segunda
habilidade reside na sua metodologia que foi de tal maneira sistematizada, permitindo que
essa experiência fosse reproduzida em larga escala.
Por suas características, o CDI hoje parece ter um conhecimento mais intenso a
respeito dos seus parceiros empresariais e organizações locais do que sobre os alunos que
estão na ponta do seu trabalho. Isso não significa, no entanto, que a instituição esteja alheia
aos interesses desse público, mas que seu modelo de atuação, através de intermediários, o
coloca mais distante desses clientes. Assim, obter informações sobre eles, desenvolver
158
novos produtos bem ajustados as suas necessidades, verificar se estão sendo bem atendidos
e satisfeitos vai exigir um esforço que está além de sua ação cotidiana. O pensamento e as
ferramentas de marketing podem ajudar nessa tarefa, já que “lembram” a organização a
respeito daquilo que ela não consegue implementar ou obter naturalmente.
No Afro Reggae, o desafio em relação ao conhecimento dos seus diversos públicos
parece ser diferente. Se está mais próximo da realidade dos jovens atendidos pelos projetos,
o mesmo não se pode dizer do grupo composto por empresários e executivos, seus
possíveis patrocinadores. A instituição está menos familiarizada com a dinâmica desses
clientes. Mais uma vez, o marketing pode oferecer instrumentos para o grupo atuar nesse
campo, que parece ser considerado “pouco confortável” pelos coordenadores da
organização.
O Afro Reggae também têm desenvolvido parcerias com universidades para
sistematizar o levantamento de informações nas comunidades onde atuam. Parece ser
fundamental que a instituição esteja atenta para avaliar a efetividade e a qualidade do
levantamento desenvolvido pelas entidades parceiras, já que essa é uma atividade essencial
para o aperfeiçoamento do seu serviço.
No que diz respeito à qualidade, o marketing também pode trazer reflexões
importantes para as duas organizações. Para medir a qualidade das suas escolas, o CDI
começou a desenvolver em 2003 alguns indicadores formais. A proposta é que eles possam
servir como um termômetro do trabalho desenvolvido, facilitando o controle que hoje é
realizado através dos relatórios e visitas periódicas. A discussão e adoção desses critérios
parecem essenciais para que a instituição possa avaliar sua atuação, que hoje alcançou
proporção internacional. Sem esse esforço, que pretende garantir um padrão mínimo de
qualidade, o CDI corre o risco de comprometer a credibilidade de toda a rede.
Além do aspecto da qualidade, entretanto, parece ser fundamental ir além, incluindo
a perspectiva dos alunos e a medição do seu nível de satisfação em relação ao trabalho
desenvolvido. Como destacado por Zeithaml e Bitner (2003), a satisfação inclui, além das
percepções a respeito da qualidade dos serviços, a qualidade do produto e preço e as
percepções a respeito de fatores situacionais e pessoais. Criar métodos para se acessar a
159
percepção dos beneficiários se torna mais importante na medida em que hoje o CDI tem
capacidade para atender a mais de 200 mil alunos a cada ano.
O Afro Reggae, embora demonstre uma genuína preocupação com diversos
aspectos relacionados aos resultados do seu trabalho, parece ainda se ater a uma visão que
poderia ser chamada de “qualitativa” - mais efetiva quando a iniciativa tinha pequenas
dimensões. Atualmente o grupo atende quase 500 jovens, em 13 sub-grupos e outras tantas
atividades. Será que em todas elas, consegue manter essa perspectiva individualizada, que
contempla o desenvolvimento e a satisfação de cada aluno como pretende atualmente?
Diante das proporções que o trabalho assume, parece ser essencial discutir formas mais
objetivas para se medir a atuação de cada projeto. Isso não significa abrir mão dessa
“perspectiva qualitativa”, que em si é muito rica – mas pode se tornar insuficiente quando o
universo atendido é maior.
No que diz respeito aos seus funcionários, o Afro Reggae tem uma visão que se
afina em diversos aspectos com a dos teóricos de marketing de serviços. Destacam-se a
manutenção de uma estrutura enxuta, a atenção na seleção (que prioriza valores e
qualidades e o recrutamento interno), e a preocupação com os funcionários que estão na
“linha de frente”, através do apoio dos funcionários administrativos. Vale destacar,
entretanto, que os treinamentos e encontros internos ainda não ocorrem de maneira
sistemática. A organização utiliza-se prioritariamente dos meios informais (conversas,
emails, entre outros). Assim, parece ser um desafio garantir que a propagação das
informações continue a ocorrer na proporção que a organização amplia seu tamanho e o
escopo de atividades.
Através do check-list representado pelas funções do marketing, é possível ter uma
boa percepção dos pontos fortes e fracos da sua atuação. “O que eu estou fazendo bem?”,
“O que precisa ser melhorado?”, “Como meus concorrentes estão atuando?”, “O que eles
fazem melhor?”, “Como posso alcançar esse mesmo desempenho?” são algumas perguntas
freqüentemente colocadas pelo marketing.
Mais do que a possibilidade de “disciplinar” a organização, levando-a a cumprir
tarefas e realizar esforços que não seriam espontâneos, o marketing também parece ter uma
importância no desenvolvimento do conhecimento a respeito dos elementos que constituem
160
fatores de sucesso de uma organização. Essa compreensão nem sempre é fácil de ser obtida,
principalmente nos empreendimentos que se iniciam de maneira pequena e vão ganhando
corpo ao longo dos anos.
São conhecidas histórias sobre comerciantes que abriram pequenos negócios e
começaram a prosperar. Os clientes apareciam sempre em maior número, cada vez mais
satisfeitos com o que obtinham desse fornecedor. Empolgado com os resultados, o dono do
negócio resolve expandir, abrindo uma filial num outro ponto. O que deveria resultar numa
progressão de ganhos, termina tendo um efeito contrário. As finanças não vão tão bem, os
clientes começam a escassear e o final nem sempre é feliz.
Essa pequena “parábola” serve para exemplificar a importância de se entender
aquilo que diferencia as organizações e as faz ter sucesso. O conhecimento sistemático e
aprofundado a respeito do que se faz melhor garante a preservação e adaptação dessas
características gerais ainda que a iniciativa cresça ou que o ambiente se transforme. Assim
tão importante quanto acertar no “preço” a ser cobrado é entender os efeitos que ele tem no
comportamento dos clientes. Para o Afro Reggae, por exemplo, compreender o uso do tênis
Nike como uma “evidência física” deve ser mais do que uma curiosidade acadêmica. É
interessante que o grupo reflita sobre outras formas de perpetuar essa preocupação também
em outros aspectos do seu trabalho.
O CDI, por sua vez, pode incentivar seus parceiros locais a refletir sobre esse tema,
garantindo um padrão de qualidade geral, sem que se perca a força e o colorido local. Que
elementos físicos fazem com que os alunos dessa escola encarem essa iniciativa de maneira
positiva? Ou fiquem mais motivados a vencer as barreiras com a tecnologia?
Esses são apenas alguns exemplos de como o marketing pode ajudar as
organizações - principalmente as que se encontram em processo de crescimento e de
mudanças. De maneira abrangente, pode-se afirmar que sua utilização permite às
organizações se aproximar dos seus diversos clientes, conhecendo e atendendo melhor seus
interesses e necessidades. O segundo bom motivo para sua utilização é que ele pode ajudálas a cumprir essa tarefa de uma maneira mais eficiente, sem desperdício de esforços e
recursos.
161
Vinte e oito anos já se passaram desde que Hunt (1976) anunciou o maior desafio
para a ampliação do conceito de marketing: promover o marketing entre os que não são
profissionais de marketing.
O desafio parece estar em adaptar o conhecimento produzido originalmente para as
empresas para a realidade do terceiro setor brasileiro. A análise da experiência das
organizações em trabalhos como esse pode ajudar nessa busca.
6.2 Sugestões para pesquisas futuras
Esse estudo procurou captar o ponto de vista e a forma de atuação de duas
organizações do terceiro setor brasileiro. Numa próxima pesquisa poderia ser interessante
contemplar a percepção dos beneficiários (finais ou intermediários) e dos doadores dessas
organizações a respeito das suas atividades, procurando compor um quadro mais completo
a respeito da aplicação do marketing nas organizações não governamentais.
Nem Afro Reggae nem CDI captam recursos com o público de doadores individuais
(pessoas físicas). Parece oportuno pesquisar como o trabalho com esse tipo de cliente afeta
a atividade de marketing.
Como um trabalho que procurou produzir um retrato amplo das atividades de
análise e planejamento de marketing dessas organizações, esse estudo também teve poucas
oportunidades para se aprofundar em cada uma das tarefas de marketing. Além disso,
implementação e controle são assuntos que extrapolaram o escopo dessa dissertação.
Assim, poderia ser interessante produzir pesquisas futuras que se dedicassem a cada uma
das perguntas relativas às tarefas de Marketing, investigando mais detalhadamente as
questões relativas, por exemplo, ao desenvolvimento de produtos, elaboração do preço,
localização, marketing interno, uso de novas tecnologias nas atividades de promoção, entre
outros.
Como as organizações do terceiro setor estão estruturadas para realizar seus
esforços de marketing e as ferramentas de controle dessas atividades são questões que ainda
precisam ser estudadas. Um grande desafio para o terceiro setor reside na avaliação das
suas iniciativas. Estudos que levantassem e discutissem possíveis modelos e indicadores
162
parecem trazer grandes possibilidades de implementação prática no trabalho das
organizações.
Por fim, vale a pena destacar a importância de se realizarem pesquisas quantitativas
a respeito dos temas acima, estudando um universo maior de organizações. Esses estudos
serão fundamentais para se discutir a realidade do terceiro setor brasileiro de maneira mais
ampla e abrangente.
163
Referências Bibliográficas
ABRATT, R.; SACKS, D. Perceptions of the societal marketing concept. European
Journal of Marketing, v. 23, n.6, p. 25-33, 1988.
ANDREASEN, A.R. Non-profits: check your attention to customers. Harvard Business
Review, v. 60, n.3, p. 105-110, May-June, 1982
BAGGIO, R. Franchising, caminho promissor para ONGs. Valor Econômico, Rio de
Janeiro, 10 de junho de 2003, Caderno Empresas (B), Empresas & Comunidade, p.2.
BARTELS, R. The Identity crisis in Marketing. Journal of Marketing, v. 38, n. 4, p. 7376, Oct., 1974.
BERRY, L.L.; PARASURAMAN, A. Serviços de marketing: competindo através da
qualidade. São Paulo: Maltese, 1992.
BRUCE, I. Do not-for-profits value their customers and their needs? International
Marketing Review, v.12, n.4, p.74-84, 1995.
CAPON, N.; MAUSER, G. A review of nonprofit marketing texts. Journal of Marketing,
v. 46, n.3, p. 125-129, Summer, 1982.
CHURCHILL, G.A.; PETER, P. Marketing: criando valor para o cliente. São Paulo:
Saraiva, 2000.
CLARKE, P.; MOUNT, P. Nonprofit marketing: the key to marketing´s ´mid-life crisis`.
International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, v. 6, n. 1, p-7891, 2001.
164
COUGHLAN, A.T. et al. Canais de marketing e distribuição. Porto Alegre: Bookman,
2002.
CRESWELL, W.J. Quality inquire and research design: choosing among five traditions.
Thousand Oaks: Sage, 1998.
DRUKER, P. Administração de organizações sem fins lucrativos. São Paulo: Thomson
Learning, 2002.
FALCONER, A.P. A Promessa do Terceiro Setor: Um Estudo sobre a Construção do
Papel das Organizações Sem Fins Lucrativos e do seu Campo de Gestão. 1999, 153 p.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade,
Universidade
de
São
Paulo,
São
Paulo.
Disponível
em
http://www.rits.org.br. Acesso em 30/11/2002.
FERNANDES, R.C. Privado porém público: o terceiro setor na América Latina. Rio de
Janeiro : Relume-Dumará, 1994.
FERNANDES, R.C.O que é o terceiro setor? In: IOSCHPE, E.(org). 3º Setor:
desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FORD, D. The marketing of non-profit making organizations: a preliminary report.
European Journal of Marketing, v. 10, n.5, p. 266-279, 1976.
FOX, K; KOTLER, P. The marketing of social causes: the first 10 years. Journal of
Marketing, v. 44, n.4, p.24-33, Winter, 1980.
GALLAGHER, K.; WEINBERG, C. Coping with success: new challenges for nonprofit
marketing. Sloan Management Review, v.33, n.1, p. 27-42, Fall, 1991
165
GONZÁLEZ, L.I.A.; et al. The market orientation concept in the private nonprofit
organization domain. International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector
Marketing, v.7, n.1, p. 55-67, 2002
GRÖNROOS, C. Defining marketing: a market-oriented aproach. European Journal of
Marketing, v. 23, n.1, p. 52-60, 1989.
. Innovative Marketing Strategies and Organization Structures for service firms. In:
LOVELOCK, C. Services marketing. 2a.ed., Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1991
. Marketing: Gerenciamento e Serviços: a competição por serviços na hora da
verdade. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
GROVE, S.J et al. Going green in the service sector: Social responsability issues,
implications and implementation. European Journal of Marketing, v. 30, n.5, p.56-66,
1996.
GUMMESSON, E.
Marketing cost concept in service firms. Industrial Marketing
Management, v.10, n.3, p. 175-183, 1981.
.Relationship marketing and a new economy: it’s time for de-programming. Journal
of Services Marketing, v.16, n.7, p. 585-589, 2002.
HESKETT, J.L. et al. Putting the service-profit chain to work. Harvard Business Review,
v. 72, n.2, p.164-170, 1994
166
HUNT, S.D. The nature and the scope of marketing. Journal of Marketing, v. 40, n.3, p.
17-28, Jul., 1976.
IANSITI, M.; MACCORMACK, A. Developing products on internet time. Harvard
Business Review, v.75, n.5, p. 108-117, 1997.
JUNIOR, J. Da favela para o mundo: A história do grupo cultural Afro Reggae. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2003.
KOHLI, A.K.; JAWORSKI, B.J. Market orientation: the construct, research propositions,
and managerial implications. Journal of Marketing, v.54, n.2, p.1-18, 1990.
KOTLER, P. A generic concept of marketing. Journal of Marketing, v.36, n.2, p. 46-54,
Apr, 1972.
. Marketing para organizações que não visam o lucro. São Paulo: Ed. Atlas, 1978.
. Strategies for introducing marketing into nonprofit organizations. Journal of
Marketing, v. 43, n.1, p. 37-44, Jan., 1979.
. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e controle. 5a.
ed., São Paulo: Atlas, 1998.
KOTLER, P; LEVY, S. Broadening the concept of marketing. Journal of Marketing,
v.33, n.1, p.10-15, Jan.,1969a.
. A new form of marketing myopia: rejoinder to professor Luck. Journal of
Marketing, v.33, n.3, p.55-57, Jul.,1969b.
167
KOTLER, P.; ZALTMAN, G. . Social marketing: an aproach to planned social change,
Journal of Marketing, v. 35, n.3, p.3-12, Jul., 1971.
KOTLER, P.; MURRAY. M.. Third sector management – the role of marketing. Public
Administration Review, v.35, n.5, p.467-472, Sep/Oct., 1975.
LANDIM, L.; BERES, N. As organizações sem fins lucrativos no Brasil: ocupações,
despesas e recursos. Rio de Janeiro: Nau, 1999.
LAZER, W. Marketing´s changes social relationships. Journal of Marketing, v. 33, n.1,
p.3-9, Jan., 1969.
LIAO, M. et al. Market versus societal orientation in the nonprofit context. International
Journal os Nonprofits and Voluntary Sector Marketing, v. 6, n.3, p. 254-268, 2001.
LOVELOCK, C. Classifying services to gain strategic marketing insights. Journal of
Marketing, v. 47, n.3, p.9-20, 1983
. Services marketing. 2a. ed, Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1991.
. Serviços: marketing e gestão. São Paulo: Saraiva, 2002
LOVELOCK, C.; WEINBERG, C.B. Retailing Strategies for Public and Nonprofit
Organizations.
Journal
of
Retailing,
v.
59,
n.3,
p.
93-115,
Fall,
1983.
LUCK, D.J. Broadening the concept of marketing - too far. Journal of Marketing, v. 33,
n.3, p. 53-55, Jul., 1969.
MCCARTHY, E. J. Basic marketing. Homewood: R. D. Irwin, 1987
168
MILES, M.P.; WHITE, J.B. Setting socially irresponsible marketing objectives: a comment
on a “quality of life approach”. European Journal of Marketing, v. 32, n.5/6, p. 413-418,
1998.
NAGLE, T. Cuidado com o preço. HSM Management. v.4, n.21, p- 12-17, julho-agosto,
2000.
NARVER, J.C.; SALTER, S.F. The efect of market orientation on business profitability.
Journal of Marketing, v.54, n.4, p.20-35, 1994.
OCTON, C.M. A re-examination of marketing for british non-profit organizations.
European Journal of Marketing, v. 17, n.5, p. 33-43, 1983.
OLSEN, M. et al. E-relationship development strategy for the nonprofit fundraising
professional. International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, v. 6,
n. 4, p. 364-373, 2001.
RATHMELL, J.M. What is meant by services? Journal of Marketing, v.30 , n.4, p.32-36,
1966.
RIFKIN, J. Identidade e Natureza do Terceiro Setor. In: IOSCHPE, E.(org). 3º Setor:
desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
ROCHA, A.; CHRISTENSEN, C. Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas,
1999.
ROCKEFELLER, R.C. Turn Public Problems to Private Account. Harvard Business
Review, v.81, n.8, p.129-136, 2003.
169
SALAMON, L. Estratégias para o fortalecimento do Terceiro Setor. In: IOSCHPE, E.(org).
3º Setor: desenvolvimento social sustentado, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
SAYRE, S. Qualitative methods for marketplace research. Thousands Oaks: Sage,
2001.
SAXTON, J. New media: the growth of the internet, digital television and móbile
telephony and the implications for not-for-profit marketing. International Journal of
Nonprofit anda Voluntary Sector Marketing, v. 6, n.4, p. 347-363, 2001
SCHLESINGER, L.A.; HESKETT, J.L. The service-driven service company. Harvard
Business Review, v. 69, n.5, p. 71-81, 1991.
SELBY, C.C. Better performance from ‘nonprofits’. Harvard Business Review, v. 56,
n.05, p. 92-98, Sep/Oct., 1978.
SIRGY, M.J; LEE, D.J. Setting socially responsible Marketing objectives – A quality-oflife aproach. European Journal of Marketing, v. 30, n.5, p. 20-34, 1996.
SHAPIRO, B.P. Marketing for nonprofit organizations. Harvard Business Review, v. 51,
n.5 , p. 123-132, Sep/Oct., 1973.
SHEPHERD, J. et al. The marketing concept: putting the theory intor practice. European
Journal of Marketing, v.24, n. 9, p.7-23, 1990
VERGARA, S.C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas,
1997.
WAITE, N. The marketing digest. Oxford: Heinemann, 1988.
170
WILLIAMS. R. Marketing “Outward Bound”. European Journal of Marketing. v.11,
n.6, p. 475-488, 1977.
WILKIE, W.L.; MOORE, E.S. Marketing’s contributions to society. Journal of
Marketing, v.63, n.4, p.198-218, Special Issue, 1999.
YIN, R. Estudo de caso. Porto Alegre: Bookman, 2001.
YORKE, D.A. Marketing and non-profit organizations. European Journal of Marketing,
v.18, n.2, p.17-22, 1984.
ZEITHAML, V.A. et al.
Problems and strategies in services marketing. Journal of
Marketing, v.49, n.02 , p.33-46, 1985.
ZEITHAML, V.A.; BITNER, M.J. Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente.
Porto Alegre: Bookman, 2003
171
Anexos
ROTEIRO DA ENTREVISTA - GESTOR DA INSTITUIÇÃO
Dados Gerais
Nome da Organização:
Número do funcionários:
Número de voluntários:
Área de Atuação (nº de bairros, cidades, estados, países):
Tipo de serviço oferecido:
Organograma da organização:
1 – Quais são os projetos desenvolvidos hoje pela organização?
2 – Como eles foram criados/desenvolvidos?
3 – Em que localidades a organização está hoje? Como os locais foram escolhidos?
4 – Antes de escolher determinada localidade, a organização faz algum tipo de
levantamento de informações?
5 – Existe algum tipo de limite estabelecido tanto em relação ao número de localidades que
serão atendidas quanto o número de pessoas atendidas em cada projeto?
6 – Se sim, como é feita a seleção?
7 – Existem diferenças entre os diferentes projetos? Quais são seus objetivos específicos?
172
8 – A quem a organização espera alcançar com o seu trabalho e as suas mensagens?
9 – É feita alguma pesquisa para se conhecer a opinião dessas pessoas a respeito da
organização?
10 – É comum o caso de beneficiados que abandonam o projeto? Se sim, vocês procuram
saber a causa do abandono? Esse conhecimento já modificou de alguma maneira o trabalho
do grupo?
11 – Que informações a organização reúne a respeito dos participantes?
12 – Como a organização seleciona as pessoas para trabalhar?
13 – Vocês fazem reuniões periódicas para conversar com os funcionários?
14 – Como é estabelecido o salário das pessoas?
15 – É dado algum tipo de treinamento aos seus profissionais?
16 – Como a organização motiva seus funcionários?
17 – O que é qualidade para vocês? Como vocês controlam a qualidade do trabalho?
18 – Quais são as formas de comunicação com os públicos da organização?
19 – É importante desenvolver uma marca forte?
20 – Como vocês definem o conteúdo das mensagens?
21 – Como é estabelecido o orçamento para comunicação?
173
22 – Como vocês estabelecem o valor dos patrocínios dados à instituição?
23 – Existe competição entre as organizações do terceiro setor?
24 – Existe colaboração entre as organizações do terceiro setor?
25 – A organização tem profissionais para cuidar do marketing da organização? O que eles
fazem?
26 - Se não, gostaria de ter? Em que você acha que ele poderia ajudar?
26 – Qual a sua opinião sobre o Marketing?
ROTEIRO DE ENTREVISTA – COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO
1 – Que atividades você desenvolve na organização?
2 – O seu setor responde a quem dentro da organização?
3 – Que públicos a organização deseja atingir com as suas mensagens? Quais os meios
utilizados para se alcançar esses públicos?
4 – Quais as preocupações que vocês têm em relação à marca?
5 – Quanto é gasto com Comunicação/Promoção?
6 – Como são escolhidos os meios de comunicação?
174
ROTEIRO DE ENTREVISTA – COORDENADOR DE CAPTAÇÃO DE
RECURSOS
1 – Que atividades você desenvolve na organização?
2 – O seu setor responde a quem dentro da organização?
3 – Existe algum tipo de diferenciação entre os possíveis doadores?
4 – De que maneira a organização procura identificar possíveis doadores?
5 – Quais as estratégias utilizadas para a obtenção de patrocínio/doação?
6 – Como é estabelecido o valor das doações?
7 – O que os patrocinadores “compram” ao patrocinar a instituição?
8 – Como a organização procura evidenciar o retorno obtido pelos patrocinadores?
9 – A organização realiza algum tipo de pesquisa com os possíveis patrocinadores?
10 – Já houve algum conflito entre os interesses da organização e os interesses dos
patrocinadores?
175
DESCRIÇÃO DOS PROJETOS AFRO REGGAE
Em Vigário Geral:
-
Banda AfroReggae – Primeira banda a ser criada como resultado do trabalho
das oficinas de percussão da organização. Sua estréia oficial aconteceu em junho
de 1995, tendo como padrinhos Caetano Veloso e Regina Casé. Ao longo dos
seus oito anos de existência, a banda viveu um importante processo de
profissionalização, conquistando um respeito artístico, que extrapola o contexto
do projeto social. Em 2001, o grupo lançou o CD Nova Cara e atualmente
mantém uma rotina de apresentações no Brasil e no exterior. A banda já realizou
quatro excursões internacionais (três para Europa e uma para o Canadá). No
início de 2004, o grupo se apresentará no prestigioso Carnigie Hall, nos EUA.
-
Banda Makala – A segunda banda do Afro Reggae (anteriormente chamada de
AfroReggae II) veio ocupar o espaço deixado pela profissionalização da banda
principal. Assim, é ela quem hoje atende a compromissos de shows que têm por
objetivo divulgar o projeto social do Afro Reggae (espaços onde nem sempre é
possível encontrar uma estrutura profissional). A Makala vem trilhando o
caminho da profissionalização percorrido pela AfroReggae, mas procura criar
uma linguagem própria, sem repertir o modelo da sua antecessora. Em 2000, a
banda excursionou pela Holanda, onde chegou a se apresentar para duzentas mil
pessoas no Festival Mundial. Um dos próximos objetivos da Makala é
desenvolver o repertório para um futuro espetáculo.
-
Banda Afro Lata – Crianças de Brasília, uma das partes mais pobres de Vigário
Geral, ficaram tão empolgadas com o trabalho da banda AfroReggae, que
decidiram reproduzir o som que ouviam. Como não tinham instrumentos,
criaram os seus a partir de pedaços de vassouras, latas de óleo, tonéis e baldes
176
plásticos. O projeto foi, então, acolhido pelo Afro Reggae que pôde oferecer
melhores condições para o grupo, preservando, no entanto, sua identidade
criativa. O Afro Lata já realizou inúmeras apresentações, tendo como destaque a
participação Festival da Criança, realizado na Holanda, em 2000.
-
Banda Afro Samba – Reunindo jovens entre 12 e 14 anos, esse projeto também
surgiu de maneira espontânea, entre os jovens de uma escola da comunidade. Na
hora do recreio, eles costumavam se reunir em torno de uma roda de samba.
Pela sua força e importância ao resgatar um ritmo que marca a identidade negra
no Brasil, o Afro Samba foi prontamente incorporado ao Afro Reggae.
-
Criança Legal – Esse projeto se difere dos demais, já que é voltado para
crianças entre 04 e 06 anos e não para o público adolescente (como a maioria
das ações do Afro Reggae). O projeto conta com atividades como jogos, aulas
de dança, percussão e capoeira, além de trabalhos de alfabetização, durante
cinco dias da semana, no horário da manhã. O objetivo do projeto é servir como
elo entre essas crianças (que não são atendidas pela rede pública de educação) e
o sistema educacional formal.
-
Afro Mangue – Mais um projeto criado espontaneamente. Inspiradas pela
atuação da Afro Lata, algumas crianças começaram a se reunir por conta
própria, nos finais de tarde após a aula. A iniciativa foi, então, incorporada ao
Afro Reggae. Assim como o grupo que os inspirou, a Afro Mangue toca
instrumentos criados a partir do lixo – latas, galões e pedaços de cabo de
vassoura. Sua faixa etária está entre nove e dez anos de idade.
-
Tribo Negra – Criada em 2002, essa banda de jovens se inspira e mistura ritmos
como o funk, samba reggae e maracatu. Utiliza-se, sobretudo, de instrumentos
percussivos como surdos, repiniques, timbaus e caixas de guerra. Sua linguagem
incorpora influências da capoeira, garantindo um ritmo forte nas suas
apresentações.
177
-
Grupo de Dança – Criado no segundo semestre de 2002, reúne os jovens da
comunidade em torno da dança afro contemporânea. Sua primeira apresentação
aconteceu em janeiro de 2003, durante as comemorações do aniversário do Afro
Reggae.
-
Kitoto – Criada em 2002, essa banda é formada por jovens que, na sua maioria,
não possui nenhuma experiência musical. Também se apresentou no espetáculo
de comemoração dos dez anos do Afro Reggae.
No Morro do Cantagalo:
-
Projeto Levantando a Lona – O circo é a espinha dorsal dessa iniciativa, que
procura atrair o público jovem, através de oficinas de malabares, acrobacia,
equilibrismo, clown e aéreos. Essa linguagem, além de naturalmente atraente
aos adolescentes, serve como veículo de atividades sócio-pedagógicas, onde são
trabalhadas, por exemplo, questões como disciplina (fundamental para o
desenvolvimento
técnico
do
artista
circense),
superação
de
medos,
fortalecimento da auto-estima, entre outros aspectos. O Afro Reggae tem
investido na profissionalização dessa trupe circense para que ela possa, a
exemplo do que acontece com a banda AfroReggae, servir como meio de
disseminação das mensagens da ONG, como explica o texto disponível na
homepage: “Se por um lado estamos buscando o aperfeiçoamento profissional,
por outro queremos criar esquetes e espetáculos interativos que possibilitem às
pessoas refletir sobre problemas sociais. Essa fusão entre arte e
conscientização – sem cair no que algumas pessoas definem como ´chatice do
social`- será um dos elementos principais desse grupo.”
-
Projeto Oficina de Vídeo – Iniciado em fevereiro de 2002, atende jovens entre
15 e 21 anos das comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Com
financiamento do Instituto Credicard, a iniciativa oferece cursos de prática de
178
câmera, técnicas de reportagem, roteiro, criação de pautas e iluminação. Em
2002, os jovens envolvidos produziram três vídeos, documentando a história e o
dia-a-dia nas comunidades onde vivem.
Em Parada de Lucas:
-
Projeto Rompendo Fronteiras – Parada de Lucas e Vigário Geral são
comunidades rivais há diversos anos. Dessa forma, a entrada do Afro Reggae –
que se tornou conhecida como uma organização de Vigário Geral – tem um
aspecto simbólico fundamental para o trabalho da entidade. Realizado em
parceria com o CDI e com o apoio da Fundação Ford, o Rompendo Fronteiras
oferece cursos de informática à comunidade.
Na Cidade de Deus:
-
Coral de Idosos da Casa de Santa Ana – Essa é mais uma parceria do Afro
Reggae, desta vez com a Casa de Santa Ana – um centro de convivência criado
para amparar idosos da comunidade de Cidade de Deus, que não tinham com
quem ficar durante o dia. Esse é um projeto bastante diferente da prática do Afro
Reggae na medida em que trabalha, através de um coral, com idosos.
Recentemente, o coral tem realizado apresentações em conjunto com os jovens
da banda Afro Lata.
Projetos de Saúde:
-
Trupe da Saúde – Grupo que utiliza a linguagem do teatro, do circo e dança
para abordar assuntos ligados à saúde, como AIDS e Câncer. Criado em 1997,
esse projeto, que reúne adolescentes de Vigário Geral, já realizou mais de 300
179
apresentações em teatros, eventos, favelas, escolas, hospitais, postos de saúde e
terminais rodoviários - sempre com o objetivo de conscientizar a população
sobre os cuidados básicos com a saúde.
-
Barraca da Saúde – Desenvolvido em parceria com a Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS, esse projeto consiste em quatro barracas que oferecem
informações e realizam a distribuição de informativos, folhetos, preservativos e
materiais educativos sobre DST/AIDS. Uma das barracas itinera por diversos
pontos da cidade. As demais são fixas e estão localizadas na Central do Brasil,
no morro do Cantagalo e na Lapa.
-
Kizumba – Publicação do Programa de Saúde, que serve de suporte para os dois
projetos citados acima.
Programas de Comunicação:
-
Afro Ritmia – Veiculado pela rádio Viva Rio (AM 1180 KHZ), às segundas e
terças-feiras, das 15h às 16h, o programa é dedicado à musica negra. Traz
também informações, dicas culturais e entrevistas com personalidades de
destaque.
-
Baticum – Apresentado também na rádio Viva Rio, às quartas e quintas, das
15h às 16h. Produzido em parceria com o Centro de Tecnologia Educacional
(CTE), da UERJ, apresenta ritmos como reggae, hip hop, charme e MPB.
180
REQUISITOS PARA IMPLANTAÇÃO DO CDI REGIONAL
(informações website do CDI)
Para a implantação de um comitê regional, o grupo deve preencher todos os
requisitos abaixo
1º - Possuir um local para implantar a sede do CDI;
2º - Contar com um local para armazenamento de computadores e ainda,
com pessoas comprometidas e dispostas a realizar a manutenção dos micros
que serão utilizados nas EICs;
3º - Ter condições para arrecadar computadores localmente através de
campanhas de doação de equipamentos;
4º - Contar com profissionais para desenvolver o projeto da seguinte forma:
- Um coordenador geral;
- Um coordenador pedagógico com dedicação integral ao CDI (40h
semanais);
- Uma pessoa com experiência em implantação de projetos sociais;
- Uma ou mais pessoas dedicadas à manutenção dos computadores.
5º - O grupo interessado na implantação do projeto deve ainda contar com recursos para
garantir a participação dos coordenadores de áreas estratégicas, mais especificamente,
coordenador regional, coordenador de projetos e coordenador pedagógico, enviando-os ao
CDI Matriz, localizado no Rio de Janeiro, para uma semana de capacitação.
ETAPAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE UMA NOVA ESCOLA
As etapas de implementação de uma nova EIC são resumidas assim, na homepage do CDI:
a) Contato com o CDI mais próximo para verificar a possibilidade de enviar um projeto
solicitando a montagem de uma EIC;
b) Análise dos projetos pela comissão de seleção do CDI;
c) Capacitação da equipe responsável pela EIC;
181
d) Assinatura do termo de compromisso;
e) Envio de computadores;
f ) Inauguração da EIC.
Download