O CONCEITO DE JUSTIÇA SOB O PRISMA JUSFILOSÓFICO E O PREÇO ÚNICO DE PASSAGEM DE TRANSPORTE TERRESTRE INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIRO ENTRE AS CIDADES DE JUAZEIRO DO NORTE E CRATO Jocelaine dos Santos Melo1 [email protected] Faculdade Paraíso do Ceará - FAP Luiz Antônio de Alencar Novaes1 [email protected] Faculdade Paraíso do Ceará - FAP Margarida Maria Tavares Almeida1 [email protected] Faculdade Paraíso do Ceará - FAP 1 INTRODUÇÃO Nota-se a enorme complexidade de conceituação do termo justiça por ser, nas relações cotidianas, confundido com conceitos de honestidade, lealdade, igualdade, dentre outros. Para o real e perfeito entendimento da justiça é de fundamental importância um embasamento acerca de conceitos filosóficos, já que estes ampliam a visão possibilitando um complexo entendimento de mundo, no qual estão inseridas infinitas discussões. A presente pesquisa procura formular um conceito de justiça que de certa forma vai contra o princípio da justiça distributiva aristotélica. Será exposta nossa visão acerca da temática com embasamento na justiça particular em relação ao contrato social (justiça subjetiva das partes contratantes), que teve formulação prévia com os pensadores como JOHN LOCKE, levando-se em consideração a distinção entre justiça e honestidade visando a segurança do cumprimento deste contrato. É importante descrever a evolução da justiça na história. Para isso, serão utilizadas as reflexões, em ordem cronológica, de alguns dos principais filósofos da história que abordaram temas a respeito da justiça. 1 Alunos do 3º Semestre do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará - FAP orientados pelo Professor Espc. Shakespeare Teixeira Andrade - Professor do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará - FAP. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 O tipo de pesquisa fora o de campo, onde escolhemos a empresa de transporte intermunicipal de passageiros CLOTRAN (CLOVIS TRANSPORTES), hoje Via Azul, bem como usuários de transporte coletivo. Sendo estes submetidos a questionários que foram elaborados buscando visualizar o posicionamento dos mesmos no tocante ao preço singular aplicado pelas empresas. O método utilizado foi o analítico-descritivo, isso porque é o mais adequado para essa pesquisa, numa perspectiva jurídico-metodológica, por se tratar de um termo muito complexo a ser trabalhado, a Justiça. Os passageiros, em sua maioria estudantes, foram indagados sobre a tarifa exigida. Procurando averiguar o ideal de justiça de cada um. Após responder ao questionário, foi exposto o conceito de Justiça Subjetiva das Partes Contratantes, que será discutido no decorrer do presente artigo. Depois da explanação do conceito, perguntou-se aos passageiros sobre modificações em face da visão apresentada, a aplicação da Justiça no preço único da passagem intermunicipal. 2 CONCEITOS DE JUSTIÇA O conceito de justiça irá variar de acordo com a cultura. Portanto, a análise hermenêutica se faz necessária para interpretação dos fatos decorrentes da vivência de diferentes grupos sociais. 2.1 Antiguidade No período pré-socrático a justiça era tida como uma ordem natural2 a qual os homens deveriam estar submetidos e onde a justiça seria a inversão da ordem pela subjetividade do indivíduo que para PROTÁGORAS (480-410 a.C) desejava ser a medida de todas as coisas. A justiça seria a medida limite para os homens e não praticá-la acarretaria na fúria dos deuses. Para SÓCRATES (1470-399 a.C) a justiça vai além da lei e dos costumes. Ela representa o interesse do mais forte, sendo esta o objeto principal de todas as instituições que existem na sociedade. Diz que a mesma é a harmonia entre o justo atuar e o reto pensar. Tal posicionamento pode ser interpretado sob o prisma que para alcançar a justiça é necessário que exista um equilíbrio entre os pensamentos e ações. De nada adianta pensar justo e não agir de acordo com o pensamento. PLATÃO (427-347 a.C) encara a justiça como uma virtude farta de aspectos psicológicos, éticos, metafísicos e, também, estéticos. Retoma a celebre frase do poeta SIMÔNIDES (556-468 a.C) de dar a cada um o que lhe é devido. Focalizando-a sobre dois aspectos, quais sejam: a) Idéia: que a expõe como o interesse do mais forte; b) Virtude: alcança-se a justiça a partir do momento em que se reconhece a igualdade. Utiliza-se dos mitos da caverna e da reminiscência para afirmar que 2 A justiça seria resultado do Direito Natural e não do Positivo. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 só conhece, verdadeiramente, a justiça quem for justo3. Para ele a lei justa seria aquela que fosse elaborada pelos filósofos, tendo em vista que eles vivem a virtude da justiça, ou seja, que contemplam o real sentido de tal palavra. Ao falar do Estado Ideal em seu livro A República, PLATÃO coloca que este é o Estado de Justiça. Dispondo que entre a lei e a justiça não há diferença. O conceito de justiça de Platão tem uma intima relação com o conceito de eudemonia aristotélica (que relaciona a felicidade como principal fundamento da vida moral). Já ARISTÓTELES (384-322 a.C), com uma visão mais conservadora do que o anteriormente citado, divide a justiça em: a) Geral, a qual seria, simplesmente, o respeito e a aplicação da lei; b) Particular, que seria a realização da igualdade de acordo com o que for devido para cada indivíduo. Esta estaria subdividida em: b1) Distributiva, àquela que propicia a ordem e harmonia da pólis. Dando as pessoas o que lhe é devido de acordo com sua importância (política, econômica, social e religiosa); seria uma relação indivíduo – sociedade; b2) Corretiva, que se traduz nas relações entre os indivíduos particulares; seria, então, a relação indivíduo – indivíduo. ARISTÓTELES concorda com PLATÃO ao reafirmá-la como virtude. Ela seria um hábito, ou seja, algo interiorizado pelo indivíduo e não uma característica inata do ser. Diz, também, que essa virtude seria parte integrante de qualquer ato no plano político e que a idéia de igualdade seria parte integrante de qualquer ato moral. Para ele ser justo é dar a cada um o que lhe é devido. 2.2 Idade Média SANTO AGOSTINHO (354-430 d.C), por sua vez, defende a justiça divina, ao afirmar que os homens devem ser tratados de acordo com o seu mérito. Em ordem de prioridade deve ser observada primeiramente a lei divina para depois a natural e, por último, a dos homens. Coloca que o homem comete um ato de justiça supremo ao se submeter à lei divina, considerada por ele a superior. Ele menciona duas cidades para o alcance da justiça: a) Cidade de Deus, que é o reino do inteligível, onde se alcança a paz e igualdade absolutas, ou seja, a justiça perfeita; b) Cidade dos Homens, que é o reino do sensível, que está submetido à vontade de Deus e só alcança a paz temporária. Nesta cidade só alcança a justiça quando os homens se submetem as leis da cidade de Deus. Desta maneira, ao retomar a máxima de “dar a cada um o que lhe é devido”, SANTO AGOSTINHO acrescenta o valor da hierarquia divina. Receberá mais quem estiver mais próximo de Deus e menos quem não estiver; dando uma maior ênfase a justiça oriunda da lei da cidade de Deus. Para MICHEL VILLEY (2005:86), SANTO AGOSTINHO teve uma visão inovadora do 3 Justo é aquele que concebe o termo justiça em seu sentido real, aquele que vive a virtude, que para PLATÃO estaria representado na figura dos filósofos. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 mundo greco-romano ao expor que “as leis de origem profana não podem ter pretensão de justiça, são essencialmente injustas; contudo, devem ser obedecidas”. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274 d.C) coloca a superioridade do direito natural como condição para que o direito positivo seja tido como válido e concorda com a máxima, do poeta SIMÔNIDES, de dar a todos o que lhes for devido por direito. Acredita que o homem seja a imagem e semelhança de Deus e que o mesmo deve se esforçar para conseguir a aproximação cada vez maior de Deste. Para ele quem determina o justo é a razão humana, anterior mesmo a existência da lei. Ele classifica a justiça em: a) Comutativa, que admite existir numa relação entre iguais; b) Distributiva, àquela que existe numa relação de um soberano para com o seu súdito (Soberano/Súdito); c) Legal, que se traduz quando da existência numa relação de um súdito para com o seu soberano (Súdito/Soberano). Para que ocorra um ato justo é preciso, sobretudo, que exista vontade; tendo em vista que ela deve ser um ato voluntário que provenha do intimo da moral do indivíduo. 2.3 Idade Moderna Na justiça ideal de MONTESQUIEU (CHARLES-LOUIS DE SECONDAT, BARÃO DE MONTESQUIEU) (1689-1755 d.C) a equidade e o direito de cada um estariam assegurados 100% (cem por cento). Porém, sua visão da época com a justiça real, fazia com que ele sentisse a necessidade da aproximação da justiça para os fatos cotidianos, como ele coloca a hipótese de reduzir a justiça às exigências de utilidade pública. HANS KELSEN (1881-1973 d.C) em sua obra O que é justiça?, fala do anseio na busca pela felicidade. Para isso, procura uma regra ou regras de controle da conduta humana. Sendo necessário que o homem conviva em sociedade, impossível, desta forma, a vivência deste isolado. Quando KELSEN considera a justiça um atributo possível, mas não essencial para uma ordem social. Entende que o homem somente alcança a felicidade ao praticar e viver a justiça. Para JOHN LOCKE (1632-1704 d.C) a verdadeira justiça surgia de um contrato social que obrigatoriamente emanava do exercício da liberdade individual. Segundo o pensamento liberal há uma concepção minimalista de Estado, que teria simplesmente a missão de permitir o exercício dos direitos naturais de cada cidadão (vida, saúde, liberdade e propriedade). Estabelecia-se a prevalência dos direitos individuais sobre o poder do Estado; a plena liberdade do controle substituía o antigo ajuste natural. CARL MARX (1818-1883 d.C) inscreve a justiça numa relação de trabalho e necessidade humana não meramente formal ou ideal, mas plena de acordo com as condições do homem, daí seu caráter revolucionário ao tratar da justiça como verdade social. XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 A filosofia transcendentalista de IMMANUEL KANT (1724-1804 d.C) conduzia à formulação de um conceito de justiça absoluta, devendo a pena encontrar sua justificação em si mesma, como justa retribuição. Não pode ser considerado o meio para qualquer outro fim, fundando-se num imperativo categórico. O mal da pena deve corresponder ao mal do delito. 2.4 Idade Contemporânea MIGUEL REALE (1910-2006 d.C) buscou a justiça na óptica do processo de vivência através do tempo. Ela pode ser considerada como algo em segundo plano, pois para se deleitar do princípio desta seria necessário que anteriormente fosse posto em consciência a existência de outros valores essenciais, como o de liberdade ou solidariedade. Tanto é assim que MIGUEL REALE (2003:125), faz a seguinte afirmativa: “Qualifico a justiça como valor franciscano, vendo nela um valormeio, sempre a serviço dos demais valores para assegurar-lhes seu adimplemento, em razão da pessoa humana que é o valor-fim”. Sendo importante ressaltar um aspecto fundamental nesta interação social que é o fato de que todas as pessoas estão convivendo e partilhando de uma mesma sociedade. Portanto, cabe aqui ressaltar algo que é de extrema relevância no âmbito social: a existência de um contrato social. Este irá regular as ações individuais e grupais na medida da consciência coletiva. O contrato social é um meio regulador que está intrínseco ao ser humano (visto que só se pode falar em sociedades humanas) desde o momento de sua inserção na vida social. MICHEL VILLEY (2005) quando vai falar da acepção da palavra justo no pensamento de Aristóteles, enfatiza que o homem tem a necessidade de viver em sociedade, de forma que seja respeitada a importância de seus interesses. Fala, também, que o mesmo precisa celebrar contratos com seus semelhantes para que a sociedade esteja relativamente em equilíbrio. Coloca, pois, a justiça, como a virtude de dar a cada um o que lhe for devido, mas de acordo com as suas necessidades. PAULO NADER (2006:105), ao falar da colocação de “dar a cada um o que é seu”, faz a seguinte afirmativa: [...] verdadeira e definitiva; válida para todas as espécies e lugares, por ser uma definição apenas de natureza formal, que não define o conteúdo do seu de cada pessoa. [...] sofre variação, de acordo com a evolução cultural e sistemas políticos, é o que deve ser atribuído a cada um. O próprio NADER (2006) fala que o seu a que se faz menção na colocação, anteriormente citada, deve ser entendido como algo próprio de cada um. Em uma relação contratual será justo aquilo que for firmado com o consentimento das partes. Se uma parte faz determinada exigência na assinatura do contrato e a outra ratifica, esta estará submetida a todas as condições constantes no mesmo. Sendo, pois, todas justas (já que houve um acordo). XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 A teoria apresentada no presente artigo coloca a justiça intrinsecamente ligada à segurança jurídica do contrato abstrato. Desta forma, justo é cumprir com todos os termos pré-determinados ao contrato assinado em conformidade com o interesse das partes contratantes. A justiça alcançada, como será visto a seguir, não é necessariamente honesta, visto que o ápice desta é alcançar a segurança jurídica para que sejam vislumbrados os efeitos inerentes a mesma na esfera social. A Justiça é o valor supremo do Direito e corresponde também à maior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma idéia e um ideal, necessita de certas condições básicas, como a da organização social mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais; em síntese, a justiça pressupõe o valor segurança. Apesar de hierarquicamente superior, a justiça depende da segurança para produzir os seus efeitos na vida social. (NADER, 2006:119) 3 A COBRANÇA EQUITATIVA DA PASSAGEM DE ÔNIBUS EM QUALQUER PARADA: VALOR JUSTO? Antes de falar se há justiça na cobrança de um preço único para qualquer ponto do ônibus, retomemos os conceitos de origem da sociedade. Existem duas teorias. Uma diz que a sociedade surgiu de maneira natural, fruto da própria natureza humana, enquanto a outra afirma que a sociedade é resultado da vontade humana. Aos que defendem a segunda teoria, denominam-se contratualistas. Pensadores como PLATÃO, HOBBES, LOCKE e ROSSEAU são exemplos dos que defendiam a origem contratual da sociedade. Mas o que diz o contratualismo? Fala que a sociedade surge a partir da necessidade que os indivíduos têm de garantir os seus direitos e seus bens e, também, do anseio que os mesmos possuem em alcançar a paz; além da atração natural que existe entre sexos opostos. Para LOCKE, o contrato social seria um pacto em que todos os homens concordariam livremente em formar uma sociedade com o objetivo de proteger os seus direitos. Tendo em mente a teoria contratualista de origem da sociedade coloquemos a relação entre a empresa de ônibus e os passageiros como um contrato abstrato. Mas de que forma? A empresa de ônibus existe para prestar um serviço de utilidade para toda a comunidade e não só para um indivíduo em particular. Realiza todos os dias percursos pré-estabelecidos, que para sua execução causam ônus. O passageiro, por sua vez, tem a necessidade de utilizar o serviço prestado pela empresa, porém, não é forçado a isso. Entrar no ônibus significa nesse plano assinar o anteriormente citado contrato e, assim, concordar com todas as suas exigências (preço da passagem, percurso etc.). Para LUIS FERNANDO LOBÃO MORAIS, Marx adotou um entendimento peculiar de justiça segundo o qual justo é o que se reúne com a satisfação das necessidades econômicas dos homens. Como podemos observar a justiça para Marx está intimamente relacionada com as necessidades dos indivíduos de uma sociedade. Assim, esse posicionamento nos coloca diante de XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 uma constatação: no momento do contrato, os indivíduos preconizam satisfazer suas necessidades atribuindo um valor justo para ambas as partes, o que não necessariamente precisa ser de valor igual para as mesmas. A Justiça é dar a cada um o que lhe for devido, mas na boa medida de sua necessidade. Em qualquer relação os agentes não devem receber nem mais nem menos daquilo que realmente necessitam. Há, então, a aplicação da justiça nessa relação. Tendo em vista que tanto a necessidade do passageiro será saciada (chegar ao destino pretendido) como a empresa terá o bônus por ter prestado tal serviço, ou seja, alcança-se a justiça subjetiva das partes contratantes. Outro aspecto que deve ser observado para considerar o preço justo é que a empresa se propõe a um determinado percurso (com início e fim estabelecidos), independente de onde o passageiro entre ou saia os custos serão os mesmos. Mas destaquemos que a acepção mais precisa da palavra, seu sentido primeiro, que merece mais atenção: a justiça particular. O objeto próprio dessa virtude é atribuir a cada um o seu – suum cuique tribuere – conforme a fórmula tradicional já mencionada por Platão e que será retomada por toda a literatura clássica: que se efetue uma partilha adequada, em que cada um não recebe nem mais nem menos do que a boa medida exige. [...] (VILLEY, 2005:41 – grifo nosso) MICHEL VILLEY (2005) ao destacar que a justiça particular é a que traduz realmente o sentido de justiça como sendo a virtude de “dar a cada um o que é seu”, enfatizando que essa distribuição não ocorre ao acaso, ou ao simples querer de uma pessoa, esta só poderá ser feita conformemente, sem abusos, complementa o ideal proposto no presente artigo (justiça subjetiva das partes contratantes). Portanto, evidencia-se que a justiça na relação em pauta se dá através de um contrato e que esse irá garantir que não haja excessos na atribuição de seus termos. Tanto que VILLEY (2005:462), comenta: “Assim, no De inventione, encontraremos a formulação de que a justiça é a virtude que atribui a cada um aquilo de que ele é digno, tendo em conta as necessidades comuns: justitia est animi, communi utilitate conservata, suam cuique tribuens dignitatem.” Reafirmando a teoria em tela, da importância da justiça particular (justiça subjetiva das partes contratantes), encontramos nas palavras de VILLEY (2005), ao se referir ao processo de formação do pensamento jurídico moderno, que, sendo a justiça, como já mencionamos, a virtude de atribuir a cada um o que lhe é devido, deve-se levar em consideração que, em se tratando de um contrato, a distribuição deve ser feita conforme as necessidades dos contratantes. VILLEY (2005:464), esclarece que mesmo tendo em vista esse aspecto, afirma que: [...] não se trata especificamente da justa distribuição dos bens, do suum cuique tribuere: o mínimo que se pode dizer é que essa finalidade passa para o segundo plano. E se lermos cuidadosamente esses textos do De officiis veremos que a ênfase está posta não mais numa obra exterior a ser realizada, mas antes no valor moral dos indivíduos, na retidão de sua conduta: devem ser altruísta e ‘sociáveis’, não XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 devem prejudicar o próximo, devem ser respeitosos da ordem estabelecida, serviçais, generosos; o verdadeiro conteúdo da justiça parece ser a virtude subjetiva moral do indivíduo: habitus animi, dizia o De inventione. Observa VILLEY (2005), que o tão referido objetivo da justiça, de distribuir aos contratantes de forma justa, merecida, encontra-se em segundo plano. Assim, ao contratar um serviço, seja ele rodoviário ou qualquer outro, é preciso deixar claro que, no momento que isso ocorre, está surgindo um vínculo obrigacional, ficando em segundo plano o sentido de justiça distributiva, prevalecendo o respeito aos termos do contrato, este firmado pelas nossas necessidades, que no caso do transporte público nada mais é do que a segurança do pacto firmado. Se fosse feito um duelo entre justo e honesto e perguntado se tais expressões podem ser aplicadas ao tema em pauta, poder-se-ia, superficialmente, colocar que ambas têm o mesmo sentido quando na realidade apresentam significações distintas. O preço da passagem é justo sobre a acepção de contrato, mas não honesto no ponto de vista de quem esteja fora da relação do contrato ou que não detenha conhecimento suficiente sobre os termos do mesmo. Vale ressaltar que honestidade e justiça podem andar de mãos dadas, mas em algumas relações não se fazem concomitantemente. 3.1 A cobrança feita pelas empresas de transporte terrestre intermunicipais de passageiros entre a cidade de Crato e Juazeiro do Norte O valor da passagem é feito através de um índice, chamado de passageiro por quilômetro (este índice é válido apenas para o passageiro pagante). Tal índice garante estabilidade do preço. Além deste índice outras condições irão ser levadas em consideração para a formulação do preço da passagem. Existem gastos diversos que serão produzidos independente da quantidade de passageiros, tais como o preço do combustível, salário de funcionários, impostos, manutenção dos ônibus, etc. Cabe também, fazer uma ressalva ao que diz respeito aos passageiros não pagantes, pois o custo destas passagens precisam ser recuperadas, justamente, com aqueles percursos pagos, porém não percorridos pelos pagantes. Segundo o gerente dessa empresa, este índice é regulado pelo Departamento Nacional de Trânsito (DETRAN). Foi fornecido que, para não ocorra prejuízo, a média desse índice deve estar acima de 2 (dois passageiros pagantes por quilômetro), e que no caso da CLOTRAN, este apresentava média de 2,4 ao mês. 4 CONCLUSÃO Concordamos que há justiça no preço único das passagens de ônibus. Uma justiça subjetiva das partes contratantes onde é dado a cada um de acordo com a sua necessidade. O passageiro tem por necessidade maior chegar ao seu destino e chega, enquanto a empresa busca ser XXI Encontro Regional de Estudantes de Direito e Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária “20 anos de Constituição. Parabéns! Por quê?” ISBN 978-85-61681-00-5 reconhecida por aquele serviço e, assim, o é. Chegamos à conclusão, também, que existem diferenças entre honestidade e justiça, percebemos também que esta é uma pequena partícula de algo maior, a segurança. Esta segurança se dá no que diz respeito ao cumprimento dos termos do contrato abstrato. Percebemos também que embora o serviço de ônibus seja coletivo, ao ser contratado, trata-se simplesmente de uma relação particular entre passageiro e empresa. Através da pesquisa de campo, detectamos que há uma equivalência no número de pessoas que acham justo o preço das que não acham. Foi percebido, também, que muitas dessas que não consideravam justo após uma conversa e a explicação de nosso pensamento, saíram convencidas de que era justo. Verificou-se, também, a partir da entrevista concedida pelo gerente administrativo da empresa de ônibus a CLOTRAN que ela cumpre com a parte que lhe cabe no contrato, ou seja, oferecer o serviço e dá-lhes segurança quanto ao cumprimento daquele. No que toca a respeito do índice, ele irá garantir estabilidade do preço e o senso de justiça. Sendo considerados, também, outros parâmetros conforme dito anteriormente que influenciam de forma incisiva no preço. Não existindo lucro desleal. Confirmando mais uma vez a nossa teoria de que a honestidade é diferente da justiça, e que para se vislumbrar esta é necessária a apuração de todo o fato, não apenas do senso comum. O conceito de justiça distributiva tal qual afirmava Aristóteles, de que devemos dar a cada um o que é seu de acordo com seus méritos, encontra-se defasado. O que foi analisado é que devemos dar a cada um o que é seu de acordo com a boa medida, esta boa medida seriam os termos do contrato abstrato celebrado entre as partes, atingindo assim o ideal de justiça defendido no presente artigo. REFERÊNCIAS KELSEN, Hans. O que é justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2004. ___________. O problema da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1999. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 27 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ___________. Teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002. REALE, Miguel. Problemática da justiça. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/A_Theory_of_Justice>.Acesso em: 4 Set. 2007. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Petrópolis: Vozes, 2005.