indicadores morfodinâmicos que sugerem movimentos

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IV Congresso Argentino do Cuaternário y Geomorfologia
XII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário
II Reunión sobre el Cuaternário de América del Sur
INDICADORES MORFODINÂMICOS QUE SUGEREM MOVIMENTOS NEOTECTÔNICOS
NO DIVISOR DE ÁGUAS DOS RIOS IBICUÍ/JACUÍ - DEPRESSÃO PERIFÉRICA-RS
Ivaniza de Lourdes Lazzarotto Cabral1
Rogério Junqueira Prado2
Tiéle Lopes Cabral3
1
Dep. de Geografia/ICHS/UFMT - Av. Fernando Corrêa s/n – Coxipó – 78060-900 Cuiabá – MT. Brasil.
e-mail: [email protected]
2
Instituto de Física / UFMT - Av. Fernando Corrêa s/n – Coxipó – 78060-900 Cuiabá – MT. Brasil. email: [email protected]
3
Dep. de Geografia/ICHS/UFMT - Av. Fernando Corrêa s/n – Coxipó – 78060-900 Cuiabá – MT. Brasil.
e-mail: [email protected]
RESUMO
Na parte emersa da superfície terrestre, os rios correspondem a uma das causas ativas de esculturação do
relevo de maior destaque, desempenhando, sob a ação da gravidade, a função de agente formador das
superfícies de degradação/agradação do relevo. Por serem corpos fluidos apresentam uma capacidade
muito grande de se adequarem às mínimas perturbações crustais, como por exemplo os movimentos
neotectônicos. Neste contexto, o presente artigo apresenta aspectos da dinâmica superficial que devem
serem considerados junto ao rol de argumentos sobre a ocorrência de movimentos neotectônicos no eixo
São Gabriel/Santa Maria, com o objetivo de melhor esclarecer as causas da significativa presença de
voçorocas nas cabeceiras de drenagem de vários tributários do rio Ibicuí. A área de ocorrência do referido
fenômeno corresponde a um dos setores do conjunto interfluvial que separa os dois principais eixos de
drenagem da Depressão Periférica no rio Grande do Sul. A superfície onde ocorre o sistema de
voçorocamentos está sob o substrato rochoso referente ao Grupo Rosário do Sul, do triássico, coberturas
sedimentares do Cenozóico e sedimentos Quaternários – aluviões recentes e depósitos de terraços. Enfim,
o trabalho faz menção ao fato de que o sistema de voçorocamentos em cabeceiras de drenagem nesta
parte da Depressão Periférica tem sua gênese dissociada da ação antrópica e para se chegar a resultados
definitivos a respeito da origem das mesmas e comprovação da ação neotectônica, trabalhos
interdisciplinares envolvendo geólogos e geomorfólogos devem ser desenvolvidos.
Palavras Chave: Indicadores morfodinâmicos, neotectônica, erosão.
ABSTRACT
In the exposed part of the earth surface, the rivers are one of the more important active causes of relief
sculpturation, actuating, under the gravity action, as a forming agent of the degradation/aggradation
surfaces of the earth. Due to their fluidic state, the rivers present a very great capacity of adjustment also
to the smallest crustal perturbations, as the neotectonic movements. In this context, this work is
presenting aspects of surface dynamics that must be considered together with other indicators on the
occurrence of neotectonic movements in the Sao Gabriel/Santa Maria axis, aiming the clarification on the
causes of the large burrows at the drain heads of several tributaries of the Ibicui river. The area occurring
the referred phenomenon corresponds to a sector of the interfluvial arrangement separating the two main
drainage axis of the Peripheral Depression of Rio Grande do Sul. The surface occurring the burrows
system under the rocky substrate referred to the Rosario do Sul Group, from Triassic, sedimentary
covertures from the Cenozoic and Quaternary sediments – recent alluvial deposits and terrace deposits.
Finally, the work mention the fact that the burrows system at the drain head in this part of the Peripheral
Depression has its genesis not associated to the anthropogenic action, and that to obtain definitive results
about its real origin proving or not the neotectonic action, interdisciplinary works involving geology and
geomorphology must be developed.
Key-words: morphodynamic indicators, neotectonic, erosion.
INTRODUÇÃO
As transformações que ocorrem nas superfícies emersas da Terra resultam de inúmeros eventos
geológicos/geomorfológicos que, em resumo, traduzem no conjunto de formas denominadas de relevo,
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sendo que os aspectos das superfícies contemporâneas contém na sua íntegra todos os elementos
fornecedores da dinâmica que lhes concedeu existência.
A tectônica, ou melhor, a neotectônica é um dos campos de investigação científica que pode
auxiliar muito na busca de respostas sobre eventos morfodinâmicos recentes da crosta terrestre. Os
eventos relacionados a processos erosivos em cabeceira de drenagem e à dinâmica fluvial de
retrabalhamento negativo em planícies de inundação são exemplos dos quais deveremos estar atentos em
relação a sua origem, uma vez que a mesma pode estar associada a possíveis ocorrências de movimentos
neotectônicos locais e/ou regionais.
Em relação a neotectônica, a primeira manifestação sobre o seu significado remonta à proposta
de Obruchav (1948) apud De Lima (2000), ao se referir a sucessões de movimentos crustais recentes, ou
seja, aqueles desenvolvidos a partir do terciário superior e durante todo o quaternário. Para Pavlides
(1989) a terminologia neotectônica refere-se ao estudo de eventos tectônicos jovens que ocorreram ou
ainda estão ocorrendo em uma região qualquer, após sua orogênese ou após o seu reajustamento tectônico
mais significativo.
No Brasil, de acordo com De Lima (2000) a terminologia neotectônica foi utilizada por Hasui
em 1990 quando o mesmo utiliza o termo “tectônica ressurgente” para fazer referências sobre a reativação
de falhamentos pré-cambrianos durante o tercio-quaternário, presentes em território brasileiro.
De Lima (2000) destaca ainda que mesmo havendo algumas variações terminológicas e
conceituais em relação aos processos tectônicos mais recentes é consenso entre os pesquisadores em
considerar uma relação obrigatória entre a neotectônica e a configuração da morfologia atual, não levando
em conta a idade das feições estudadas, que poderia remontar em até 107 anos.
Relacionados com os diversos eventos da dinâmica da crosta terrestre que resultam nas formas
de relevo, os movimentos neotectonicos são algo que está sendo averiguado, principalmente quando se
trata de assuntos relacionados aos eventos acentuados de erosão, deslizamentos de terra, abatimentos,
terremotos, intensos processos de assoreamento de rios, processos de arenização (Suertegaray, 2001,
Cabral et al., 2004; Trainini, 2007 e outros).
A Depressão Periférica no Rio Grande do Sul é banhada por dois sistemas de drenagem constituídos pela
bacia do rio Ibicuí que flui para oeste e a bacia do rio Jacuí de direção leste. Na referida unidade
geomorfológica, estes dois eixos de drenagem estão separados por uma superfície interfluvial
correspondendo ao Eixo São Gabriel Santa Maria proposto por Leins (1949). Em termos da dinâmica
relacionada à gênese do relevo, esta área constitui uma superfície onde ocorre uma série de eventos que,
atuando em conjunto, respondem por uma “paisagem” regional composta por colinas amplas secionadas
pela drenagem, onde as condições estruturais junto com os demais fatores relevantes à formação do
relevo permitem as mais variadas formas de ação da água nos processos de modelação e remodelação do
mesmo.
As principais manifestações que atualmente expressam a evolução do relevo constituído pelos
materiais terrígenos da Bacia Sedimentar do Paraná são os processos de arenização e voçorocamento, que
refletem os processos de erosão acelerada atuantes. Esses processos erosivos se diferenciam
geograficamente, sendo que, do centro para o oeste do Rio Grande do Sul, até o município de Cacequi,
junto ao rio Santa Maria, os processos erosivos mais significativos estão representados por sulcos e
voçorocas, enquanto que a arenização é caracterizada mais para oeste-sudoeste (Suertegaray, 1987, 2001;
Cabral et al., 2004).
Vários são os autores que têm trabalhado nesta parte do Estado, entre eles citam-se os trabalhos de
Cordeiro & Soares (1977), Souto (1984), Suertegaray (1987, 1998, 2001), Veiga et al. (1987), Maciel
Filho, Cabral & Spinelli (1993), Cabral (1993), Klamt & Schneider (1995), Ab’ Saber (1995), Marchiori
(1995), Cabral (1998), Robaina et al. (2002) e outros, dando significativa importância à formação dos
areais na base das vertentes e aos processos de voçorocamento em superfícies de interflúvios,
correspondendo às cabeceiras de drenagem.
A existência de incisões erosivas, voçorocas em superfícies de cabeceiras de drenagem e
depressões em topos de colinas, ambas situadas no interflúvio que separa as duas maiores bacias
hidrográficas na Depressão Periférica do Rio Grande do Sul, tem conexão direta com o sistema hídrico
geral, sob condições de deslocamento hídrico superficial e/ou subsuperficial, razão pela qual estas feições
foram vinculadas a formas semelhantes às que ocorrem nos ambientes carsticos, ou melhor,
pseudocarsticos de acordo com Jennings (1987), Coltrinari (1997), Filizola & Boulet (1993).
A ocorrência destas formas é significativa nas cabeceiras de drenagem, especialmente ao longo da divisão
das águas da bacia do rio Ibicuí e rio Jacuí na Depressão Periférica, eixo São Gabriel / Santa Maria, que
localmente recebe a denominação de Coxilhas de Santo Antônio e Pau Fincado. A princípio, os dois fatos
abrangem superfícies dos municípios de São Gabriel, Rosário do Sul, Dilermando de Aguiar e,
principalmente, grande parte do setor leste do município de Cacequi, correspondendo às superfícies de
nascentes da margem esquerda do rio Ibicuí.
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No presente trabalho, as questões relacionadas às evidencias geomorfológicas que indicam a ligação do
intenso processo de erosão em cabeceiras de drenagem com ocorrência de movimentos neotectônicos foi
a principal preocupação. Fatos como a retomada de processos de erosão em leito de voçorocas com
cobertura vegetal e rios entalhando seus próprios depósitos sedimentares constituem a principal chave da
questão.
Para obter as informações que deram suporte às interpretações relacionadas aos fatores considerados
utilizou-se, fundamentalmente, a pesquisa bibliográfica, o levantamento de campo, questionamentos junto
aos usuários da área, além da análise e interpretação de material cartográfico e produtos do sensoriamento
remoto.
Enfim, a importância destes fatos se resume nas questões vinculadas à própria dinâmica de
evolução da instalação dos dois principais eixos de drenagem desta parte do Estado.
ÁREA DE ESTUDO
A área onde se destacam os sistemas de voçorocamentos em cabeceiras de drenagem e eventos de
entalhamento de terraços em tributários do rio Ibicuí corresponde, praticamente, a todo o setor Leste do
município de Cacequi. Este município, situado na Fronteira Sudoeste do Rio Grande do Sul, faz parte da
Microrregião Geográfica de Santa Maria, apresenta uma superfície de 2.360,5 Km2, e se situa entre os
paralelos 29° 44' e 30° 12' de Latitude Sul e os meridianos 54° 15' e 55° 19' de Longitude Oeste.
A área considerada, o interflúvio dos rios Ibicuizinho, Areal do Paredão, Cacequi, Santa Maria e Ibicuí,
faz parte do conjunto das superfícies banhadas pelo rio Ibicuí, pois todos os cursos referidos deságuam
direta ou indiretamente no referido rio. Esta área apresenta uma superfície com cerca de 795,01 Km2, dos
quais 260,6 Km2 correspondem às superfícies de terraços e planícies aluviais situadas ao longo dos cursos
d’água de maior ordem e os 534,41 Km² restantes perfazem as superfícies colinosas, as “coxilhas” do Rio
Grande do Sul.
A área objeto de análise não abrange todo o limite político/administrativo do município de
Cacequi devido ao próprio interesse da pesquisa. Embora o fenômeno ocorra em outros municípios da
região é nesta parte do referido município que são encontradas as evidências do problema em questão.
Desta forma, a pesquisa abrangeu uma superfície compreendida entre as coordenadas de 54°56’ e 54°20’
de longitude oeste entre 29°46’ e 30°03’ de latitude sul, conforme representado na figura 1.
FIGURA 1 - Área de estudo (em cinza) e sua localização no município de Cacequi
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Primeiramente, as atividades se fixaram nas informações sobre o material cartográfico base e temático
desenvolvidos na área estudada e/ou naqueles que incluíam a mesma, nos materiais obtidos pelos sensores
remotos, como as imagens de satélite e aerofotogramas, além do levantamento bibliográfico inicial.
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Aqui os procedimentos técnico-operacionais utilizados foram aqueles vinculados à
fotointerpretação, reconhecimento e determinação da área de pesquisa nas cartas topográficas.
Em relação à demarcação das voçorocas presentes na área os procedimentos adotados foram os
vinculados ao sistema convencional de mapeamento, ou seja, o reconhecimento e a locação do evento
voçoroca foram executados pelo pesquisador.
Já a pesquisa de campo teve como objetivo principal obter informações a respeito da “espontaneidade”
dos fatos tratados na pesquisa. Esta questão, “a espontaneidade dos fatos”, refere-se às observações
relacionadas com a posição das voçorocas no contexto geral do relevo; à relação destas com a rede de
drenagem local e ao uso e ocupação da área.
Posteriormente, a atividade de campo foi direcionada para questões mais centralizadas, como por
exemplo aquelas relacionadas com as características em termos de cobertura vegetal das voçorocas, ao
entalhamento do sistema de drenagem geral, e à aplicação de questionários e realização de algumas
entrevistas informais junto à população residente na área.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os sistemas de voçorocamentos articulados à rede de drenagem
Os vários aspectos visíveis que chamam atenção em relação as voçorocas são os relacionados à posição
topográfica de ocorrência das mesmas, os aspectos em termos de cobertura vegetal, a presença de
voçorocas não ativas junto a outras em ampla atividade, e a dinâmica de evolução das mesmas sob o
aspecto de reativação na forma de aprofundamento de seu leito e/ou o surgimento de novos ramos de
erosão junto a voçorocas parcialmente estabilizadas.
Alguns destes aspectos foram analisados e quantificados e, conforme os dados da tabela 1, a densidade de
voçorocas com cobertura vegetal é maior em relação as que não apresentam cobertura vegetal, ou seja, a
razão entre o número de voçorocas com e sem cobertura vegetal e o número de drenagens de primeira
ordem1 é de 1/9 e 1/14, respectivamente. Isso significa que ocorre, em média, uma voçoroca com
cobertura vegetal para 9 drenagens de cabeceira e uma voçoroca sem cobertura vegetal para 14 drenagens
de cabeceira, indicando estágios diferentes de recuo de cabeceiras numa mesma época e/ou processos de
recuo de cabeceiras e de rebaixamento do relevo em pleno vigor, sob pequenos ciclos entre ativação,
estabilização e reativação do processo.
TABELA 1 - Densidade de Voçorocas
Setor de Drenagem
Número de cursos d’água conforme a
Área do sub-setor ordem hierárquica
NVS NVC
de drenagem (ha) 1°
2°
3°
4°
5°
R. Ibicuizinho
13785,59
352
105
23
4
1
16
32
Curso, Barragem Paula
5385,64
79
18
3
1
4
1
Gomes
R. Areal Grande
8386,05
238
76
12
3
1
17
25
Drenagem entre a Faz.
Vista Alegre e Faz. 11385,91
90
29
8
1
5
13
Sobradinho
R. “Sanga” Areal da
17386,24
159
46
11
1
24
10
Limeira
R. Areal do Paredão
8185,94
222
73
19
3
1
24
59
R. Cacequi
14986,35
331
106
24
7
1
13
22
Total
79501,72
1471 453
100
20
4
103 162
Fonte: Imagem de Satélite TM – Landsat 7 (28/05/2000), O/P 223 – 81, composição de bandas: TM 3, 4,
5. Escala 1:83000. Cartas topográficas-DSG. Escala 1:50000, 1975. NVS: Número de voçorocas sem
cobertura vegetal; NVC: Número de voçorocas com cobertura vegetal.
1
O número de voçorocas foi relacionado com o número de drenagem de primeira ordem, devido a própria
localização das mesmas. Todas encontram-se em cabeceiras de drenagem.
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Estimativa do tempo de existência das voçorocas
Este item se refere à idade das voçorocas e do processo de voçorocamento em si. Como discutido a
seguir, vários fatos indícios apontam que o fenômeno em questão ultrapassa os 200 anos. Na tentativa de
estabelecer um referencial de tempo para inferir a idade das mesmas, recorreu-se à informações junto à
população residente na região, resgatando seus conhecimentos e de seus antepassados sobre os eventos de
voçorocamentos.
Desta forma, ao se entrevistar antigos moradores da localidade de Umbu e arredores, além da
leitura bibliográfica da história do município de Cacequi, foi possível obter algumas referências sobre o
tempo de existência das voçorocas. Estas informações foram sintetizadas na tabela 2, onde todos os
entrevistados foram categóricos em dar mais de 150 anos para as voçorocas.
TABELA 2 – A opinião de antigos moradores sobre a idade das voçorocas presentes no município de
Cacequi e área de estudo.
Morador
Testemunho pretérito referente à Origem das voçorocas segundo a opinião do
(Idade)
presença das voçorocas na região
entrevistado e a idade estimada para o
fenômeno (anos).
Valdomiro Seu pai havia sido tropeiro no município Estas erosões devem-se às “enxurradas” em
Mendes
de Cacequi e São Gabriel e desde “terra fácil”. As estradas também contribuem
(82)
criança acompanhava-o nas viagens para pois levam a água para determinados lugares no
o transporte de tropas. O pai já fazia terreno. O pisoteio do gado em torno dos
referências aos “buracões” na região.
“buracões” ajuda a aumentá-los. Mais de 150
anos.
Noé Melo Os pais também eram do município de É um processo natural em decorrência do
(82)
Cacequi e haviam testemunhado sobre terreno ser bastante arenoso. Mais de 200 anos.
os “buracões” em várias localidades do
município.
O pai nasceu próximo a localidade de É natural, ocorre devido à “fraqueza” da terra
Elpedio
Umbu e faleceu com 71 anos. Sempre em relação às chuvas intensas. Mais de 200
Nunes
viveu nesta localidade e fazia referências anos.
Pereira
sobre os “buracões” de cabeceiras de
(81)
rios na região.
Dirceu
Seu sogro, nascido no município de É devido às condições da própria natureza. A
Lemos
Cacequi e com mais 84 anos, fazia água da chuva tem facilidade de carregar a terra
Martins
referências aos “buracões” de nascentes arenosa, principalmente em “lugares falsos”,
(64)
de rios. Também menciona registros, do lugares sensíveis. O terreno nesta região é
primeiro dono da Faz. Vista Alegre, fraco, tem muita areia. Mais de 300 anos.
sobre a presença dos “buracões” em
cabeceiras de sangas nas Terras
pertencentes à referida Fazenda.
A sua família reside no município de É um processo devido à “sensibilidade” natural
Antônio
Cacequi há mais de 150 anos e o fato do terreno nesta parte do Estado. Fenômeno
Reinaldo
Fernandes dos “buracões” era conhecido pelos seus meio estabilizado, pois algumas voçorocas
estão aumentado suas dimensões e outras não.
antecessores.
Leal
Processo de erosão lento. Os locais onde estão
(64)
ocorrendo as voçorocas não são de
concentração d’água e sim dispersores. Mais de
300 anos.
Tomou conhecimento do fato em 1960, É um processo natural, mas o pisoteio do gado
Brasil
quando migrou para Cacequi para contribui, pois o trânsito deste abre caminhos
Penteado
trabalhar na atividade da pecuária que formam “linhas de fraqueza“ no terreno.
(64)
Mais de 150 anos.
extensiva na Faz. Vista Alegre.
José
A família é proprietária de terras no Erosão devido à própria “condição frágil” do
Fernandes município de Cacequi há mais de 150 terreno arenoso. São decorrentes de falhas em
Leal
anos e os “buracões” nas cabeceiras de cabeceiras de “sangas”. Nestes locais são
sangas era de conhecimento de seus pais encontrados voçorocas ativas e estacionadas,
(63)
e avós.
indicando que umas são mais antigas do que
outras. Mais de 300 anos.
Conheceu o fato em 1962, quando veio As voçorocas ocorrem devido às enxurradas
Luiz
para o município de Cacequi. Junto com que encontram facilidade de transportar o
Santos
os empregados mais antigos da Faz. material arenoso que formam as “coxilhas” na
(62)
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Vista Alegre e da São Paulino, ouvia região. Mais de 150 anos.
comentários a respeito dos “buracões”
nas nascentes dos rios nas áreas de
várias fazendas na região.
Gildo
O pai residiu no município de Cacequi As voçorocas devem-se a condição frágil do
(43)
desde 1955. Fazia referências aos terreno. “Muita areia”. Mais de 200 anos.
“buracões” nas cabeceiras de drenagem
presentes nas “coxilhas” da Faz. Vista
Alegre.
FONTE: Levantamento de campo. Fevereiro de 2002.
Com o mesmo propósito um outro fato que vem reforçar a questão da idade das voçorocas é a origem do
nome de uma delas situada próximo a cidade de Cacequi. Conforme o registro presente na história do
Município, o nome da voçoroca “Macaco Branco” está ligado a um fato durante o evento da Revolução
Farroupilha – 1835 a 1845.
Durante as batalhas que aconteceram na região, as tropas utilizavam as voçorocas como refúgio ou
trincheiras. A origem do nome “Macaco Branco” de uma destas voçorocas, está relacionada ao
comportamento autoritário de um dos comandantes das tropas. Por este ser de cor branca e os
componentes das tropas morenos e negros, quando este saia do esconderijo, a voçoroca hoje chamada de
Macaco Branco, os seus súditos comentavam pejorativamente: “...e vem o ‘macaco branco’...” (Secretaria
de Educação e Cultura do Município de Cacequi).
O fato é que, no campo, vários indícios levam a concluir que a idade das voçorocas ativas
realmente superam os 150 anos, e entre os indícios mais relevantes está o da cobertura vegetal pois, como
exposto anteriormente, muitas voçorocas se encontram recobertas tanto por vegetação rasteira quanto
arbórea. Entretanto, o início do processo de voçorocamento na região é, provavelmente, muito mais
antigo.
Mesmo sem um modelo que permita avaliar de maneira exata o período decorrido a partir do
surgimento dos voçorocamentos em cabeceiras de drenagem da região, nem mesmo para seu
desenvolvimento e estabilização, é interessante fazer algumas estimativas a respeito deste processo, pois
algumas informações tomadas a campo sugerem que este pode ser muito mais antigo que a
implementação da agricultura e até mesmo da pecuária na região, o que descartaria a natureza
antropogênica dos fatos.
Com a finalidade de melhor sustentar essa idéia fez-se a suposição de que o desenvolvimento do conjunto
de voçorocas satisfaça, matematicamente, a uma lei estatística simples, onde o surgimento,
desenvolvimento, estabilização e reativação das mesmas possam ser relacionados a parâmetros
probabilísticos. Em particular, o fenômeno de estabilização de voçorocas poderia ser relacionado a um
parâmetro conhecido como meia-vida (t1/2).
No caso, a meia-vida de um conjunto de voçorocas seria o tempo necessário para que a metade
das voçorocas inicialmente ativas desse conjunto se estabilize. Assim, por exemplo, para um conjunto de
100 voçorocas ativas num determinado instante inicial de monitoramento, passado um período
equivalente a uma meia-vida, teríamos 50 voçorocas ainda ativas e 50 voçorocas já estabilizadas.
Cabe chamar a atenção para o fato de que, por se tratar de uma análise estatística, a precisão do
resultado encontrado para a meia-vida depende do acompanhamento da evolução de um número
significativo de voçorocas, durante um período de tempo suficiente para que boa parte das mesmas se
estabilize. Como isso não é possível, uma vez que o período de tempo necessário para que várias das
voçorocas existentes na região se estabilizem é de centenas de anos, a análise matemática se utilizou
apenas das informações contidas na tabela 2, o que não permite a obtenção de um resultado exato para
este parâmetro (a meia-vida), mas possibilita uma estimativa da ordem de grandeza do mesmo.
Assim, para se ter uma idéia a respeito da meia-vida das voçorocas presentes na área estudada,
basta observar que das 10 voçorocas2 mais conhecidas na região, nenhuma se estabilizou nos últimos 150
anos3.
Através da elaboração de um gráfico sobe o número de voçorocas ativas em função do tempo de
monitoramento para diferentes meias-vidas (150, 400 e 1000 anos), como está representado na figura 2,
podem ser realizadas algumas inferências: (i) caso a meia-vida das voçoroca fosse da ordem de 150 anos,
pelo menos a metade das 10 voçorocas citadas pelos entrevistados já teria se estabilizado no período, o
2
Dado inferido a partir do número de pessoas que forneceram informações sobre a idade das voçorocas.
Tabela 2.
3
A idade estimada para as voçorocas, pelos entrevistados, é de mais de 200 anos.
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que teria sido percebido pelos moradores e demais usuários da terra; (ii) ao contrário, nenhum dos
entrevistados citou tal fato, o que indica uma meia-vida maior que 150 anos para as mesmas.
Ainda com base na figura 2, e supondo que a meia vida das voçorocas seja da ordem de 1000 anos, então
com o passar de 150 anos pelo menos uma das voçorocas deveria ter se estabilizado, o que também não
foi referenciado pelos moradores e usuários da terra na região, sugerindo que a meia-vida das voçorocas
na região é da ordem de 1000 anos, ou superior.
10
t1/2 = 150 anos
t1/2 = 400 anos
t1/2 = 1000 anos
9
Número de voçorocas ativas
8
7
6
5
4
3
2
1
0
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
t (anos)
FIGURA 2 - Estimativa exponencial da evolução de um conjunto de 10 voçorocas para diferentes meiasvidas.
FONTE: Levantamento de campo.
Assim, observando a figura 2 e considerando os dados levantados com a população local sobre a idade
das voçorocas, nota-se que tomando como referência uma meia-vida de 150 anos (aproximadamente a
idade das voçorocas estipulada pela população local), o processo de nascer, desenvolver e estabilizar de
um determinado grupo de voçorocas significaria uma evolução muito mais rápida que a observada a
campo4, que não coincide com os fatos observados e nem com o citado pela população local.
Por outro lado, se considerarmos uma meia-vida um pouco maior, de 1000 anos por exemplo, o
fato observado a campo e as informações levantadas com a população local têm mais sentido, pois uma
meia-vida maior significa que o processo ocorre de forma mais lenta, possibilitando inserir os fatos
detectados a campo, de estabilização e retomada de erosão em voçorocas com cobertura vegetal, como
mostra a foto 1.
4
O fato de existirem, pelo menos, 4 diferentes modalidades de voçorocas na região, em relação ao
recobrimento vegetal e entalhamento, é algo difícil de conceber num espaço de tempo de 150 ou 200
anos.
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FOTO 1 – Reativação do processo de erosão física em voçorocas “estabilizadas”.
Foto: Ivaniza L.L Cabral. Local: Próximo a sede da Estância do Repouso. Data: Abril de 2003.
Somado a estes fatos, um outro que aparece no contexto geral da paisagem são as evidências de mudanças
do nível de base local. As ocorrências de entalhamento de terraços e/ou várzeas por parte da drenagem
tributária do rio Ibicuí é algo a ser melhor investigado. Um destes casos é o rio Areal Grande que
apresenta grande parte de seu curso principal “encaixado”sobre sedimentos com características de
material depositado pelo mesmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas considerações podem ser sumarizadas dentro do trabalho executado. A primeira delas é
a concordância sobre a necessidade da elaboração sistemática de mapeamentos em grande escala dos
sistemas de voçorocamentos em cabeceiras de drenagem nas suas mais diversas modalidades de
ocorrências – voçoroca com cobertura vegetal, voçoroca parcialmente recoberta por vegetação (sob
processo de reativação) e voçoroca desprovida de vegetação –, incluindo nestes registros as superfícies de
terraços e várzeas sob a perspectiva de registrar fatos de entalhamento, por parte da drenagem principal e
tributária, nestes matérias.
Enfim, outras considerações a destacar são as relacionadas com (i) a concentração de voçorocas
envolvendo as superfícies dos municípios de Cacequi, Rosário do Sul, São Gabriel e Dilermando de
Aguiar ser relacionada a movimentos neotectônicos na região, visto que o Eixo São Gabriel/Santa Maria
constitui a morfoestrutura destas superfícies e (ii) o presente fato faz parte do conjunto de eventos da
dinâmica morfológica do próprio “ajuste”do sistema de drenagem dos dois principais eixos da Depressão
Periférica Gaúcha.
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